Equações de Movimento de Mistura e Modelo...

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4 Equações de Movimento de Mistura e Modelo Homogêneo Escoamentos multifásicos contêm um elevado número de interfaces entre as fases. Como vimos nos capítulos anteriores, no caso particular de escoamento gás-líquido (bifásico, portanto), em cada interface, massa, quantidade de movimento e energia são transferidos de uma fase para outra. Essas transferências têm importante papel no comportamento do escoamento; todavia, a compreensão deste processo está ainda muito longe de ser bem entendido, sendo a região de transferência difícil de ser especificada e de medição. A presença dessas interfaces é o ponto mais delicado e fraco do processo de construção de modelos confiáveis para o escoamento multifásico. Escoamentos bifásicos acontecem em uma grande variedade de arranjos geométricos de fases. Os arranjos freqüentemente ocorrem com uma fase contínua e outra dispersa sob a forma de bolhas de gás (escoamento em bolha) ou gotas de líquidos (escoamento disperso); ou as duas fases encontram-se separadas geometricamente produzindo escoamento estratificado num duto horizontal ou anular num tubo vertical; ou o escoamento pode estar num estado de transição de um arranjo para outro, produzindo o que se denomina de escoamento em golfada (slug) ou agitado (churn). Além disso, todos os escoamentos multifásicos são intermitentes por natureza, tanto global quanto localmente, sendo as variações temporais significativamente maiores do que nos escoamentos monofásicos. Em outras palavras, o escoamento bifásico tem um grau de liberdade a mais do que o escoamento monofásico: o arranjo geométrico. Uma vez que a massa específica, pressão e temperatura devem variar de um padrão geométrico para outro, a solução só pode ser obtida para uma família de soluções aproximadas, uma para cada arranjo de fase. Desta breve introdução, e das equações de conservação descritas anteriormente, constatamos que se o modelo matemático para o escoamento bifásico procurar atender todas as condições existentes nos deparamos com uma missão praticamente impossível. Para tratar esses problemas, modelos iniciais utilizaram condições uniformes para o escoamento e a temperatura, sendo denominados modelos homogêneos. A geração subseqüente reconheceu a possibilidade de considerar o escoamento separado, sem entrar nos detalhes das interfaces. A tendência recente deste processo caminha na direção do uso de modelos multi-fluidos (escoamento de dois ou mais fluidos), reconhecendo os arranjos geométricos das fases e alguma interação nas interfaces. A 4.1

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4 Equações de Movimento de Mistura e

Modelo Homogêneo

Escoamentos multifásicos contêm um elevado número de interfaces entre as fases. Como vimos

nos capítulos anteriores, no caso particular de escoamento gás-líquido (bifásico, portanto), em

cada interface, massa, quantidade de movimento e energia são transferidos de uma fase para

outra. Essas transferências têm importante papel no comportamento do escoamento; todavia, a

compreensão deste processo está ainda muito longe de ser bem entendido, sendo a região de

transferência difícil de ser especificada e de medição. A presença dessas interfaces é o ponto mais

delicado e fraco do processo de construção de modelos confiáveis para o escoamento multifásico.

Escoamentos bifásicos acontecem em uma grande variedade de arranjos geométricos

de fases. Os arranjos freqüentemente ocorrem com uma fase contínua e outra dispersa sob a

forma de bolhas de gás (escoamento em bolha) ou gotas de líquidos (escoamento disperso); ou

as duas fases encontram-se separadas geometricamente produzindo escoamento estratificado num

duto horizontal ou anular num tubo vertical; ou o escoamento pode estar num estado de transição

de um arranjo para outro, produzindo o que se denomina de escoamento em golfada (slug) ou

agitado (churn). Além disso, todos os escoamentos multifásicos são intermitentes por natureza,

tanto global quanto localmente, sendo as variações temporais significativamente maiores do que

nos escoamentos monofásicos. Em outras palavras, o escoamento bifásico tem um grau de

liberdade a mais do que o escoamento monofásico: o arranjo geométrico. Uma vez que a massa

específica, pressão e temperatura devem variar de um padrão geométrico para outro, a solução

só pode ser obtida para uma família de soluções aproximadas, uma para cada arranjo de fase.

Desta breve introdução, e das equações de conservação descritas anteriormente,

constatamos que se o modelo matemático para o escoamento bifásico procurar atender todas as

condições existentes nos deparamos com uma missão praticamente impossível. Para tratar esses

problemas, modelos iniciais utilizaram condições uniformes para o escoamento e a temperatura,

sendo denominados modelos homogêneos. A geração subseqüente reconheceu a possibilidade

de considerar o escoamento separado, sem entrar nos detalhes das interfaces. A tendência recente

deste processo caminha na direção do uso de modelos multi-fluidos (escoamento de dois ou mais

fluidos), reconhecendo os arranjos geométricos das fases e alguma interação nas interfaces. A

4.1

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avaliação de valores médios temporais e espaciais deve ser sempre utilizada para se obter

respostas com alguma confiabilidade.

Assim sendo, veremos neste capítulo as equações de conservação nas formas

combinadas, também denominadas de equações de mistura. Em seguida chegaremos às equações

para o modelo homogêneo, onde as velocidades das fases, além das pressões e temperaturas, são

admitidas iguais.

4.1 Equações de Movimento de Mistura

As equações de mistura podem ser obtidas somando-se as respectivas equações para as fases

contínua e dispersa obtidas nos Capítulos 2 e 3, respectivamente. Isto será feito aqui sem maiores

detalhes.

4.1.1 Equação de Continuidade

Somando as equações (2.1.6) e (3.2.4), lembrando que ÃC= ÃD, obtém-se

Definindo a massa específica e a velocidade de mistura e

a Eq. (4.1.1) pode ser escrita como

ou

(4.1.1)

(4.1.2)

(4.1.3)

(4.1.4)

4.2

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(4.1.5)

(4.1.7)

(4.1.8)

(4.1.9)

Deve-se destacar que não existe o termo fonte e que a equação é idêntica àquela para escoamento

monofásico, mas baseada em propriedades de mistura.

4.1.2 Equação de Quantidade de Movimento (QM)

Somando as equações (2.2.13) e (3.3.15)

Definindo a massa específica média de QM e a tensão cisalhante média na parede

A equação para a quantidade de movimento para a mistura torna-se

ou

A massa específica média de QM pode ser também expressa em termos do título (massa)

definido na Eq. (1.1.10), (xN= WN/W= ñNQN/W)

(4.1.6)

4.3

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(4.1.10)

(4.1.11)

(4.1.12)

4.1.3 Equação de Energia Térmica

Somando as equações para as fases contínua e discreta, Eqs. (2.3.26) e (3.4.8), obtém-se

reagrupando termos, e tendo em vista a expressão para a entalpia hC= iC + p/ñC no segundo termo

do lado esquerdo, a equação combinada para a energia torna-se

ou, em função da entalpia,

observe que os dois primeiros termos no lado direito representam a derivada substantiva da

pressão com base ao fluxo volumétrico (velocidade volumétrica), j= áCuC + áDuD, cf. Eq. (1.1.3).

4.4

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(4.1.13)

(4.1.14)

4.1.4 Equação de Energia Total

A equação de energia total é obtida somando-se à energia térmica a equação de energia mecânica

(quantidade de movimento multiplicada pela respectiva velocidade). Obtemos então, em função

da energia interna, a forma

ou, em função da entalpia,

Relembrando que à é taxa de transferência de massa por unidade de volume entre a fase contínua

e a fase dispersa. Ã negativo significa que massa é absorvida pela fase contínua, como no

processo de evaporação da fase dispersa, § 2.1, e que o parâmetro âd está associado ao tempo de

relaxação de quantidade de movimento, ôm, Eq. (1.2.5). Os termos de troca de calor através da

parede, qw,C e qw,D são positivos para fluxo no sentido do fluido para a parede (exterior). Ainda,

na maioria dos problemas práticos o termo de condução axial de calor (penúltimo termo do lado

direito) é desprezível com relação aos outros, podendo ser ignorado.

4.5

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(4.1.15)

(4.1.17)

(4.1.18)

Ignorando os termos devidos às transferências de massa, à radiação e à tensão

superficial obtemos para a equação de energia total

Definindo os seguintes parâmetros médios: i- massa específica de energia cinética ; ii-

entalpia de título ; iii-entalpia de densidade ; iv- fluxo de calor médio

a equação de energia total torna-se

4.1.5 Equação para as Frações Volumétricas

Lembramos que as frações volumétricas satisfazem a seguinte relação

(4.1.16)

4.6

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(4.2.2)

(4.2.3)

4.2 Considerações sobre as Equações de Movimento de Mistura

4.2.1 Resumo das Equações

Continuidade:

Quantidade de Movimento:

Energia Total:

4.2.2 Expressões para a Massa Específica no Escoamento Bifásico

As equações de conservação para o escoamento bifásico indicam que, ao contrário do observado

no escoamento monofásico, existem três expressões fundamentais para a massa específica. Ou

seja, massa específica para a mistura , para o termo aceleração , e para o termo energia

cinética . Em resumo

(4.2.1)

(4.2.4)

4.7

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(4.2.5)

(4.2.9)

4.2.3 Escoamento em Regime Permanente

Para regime permanente, as três equações de conservação de mistura tornam-se

Ou, da equação de continuidade

de quantidade de movimento

e de energia

Da equação (4.2.7), para condições de regime permanente, e somente nessas condições, o

gradiente de pressão no duto é composto por três componentes, devidos à

(4.2.6)

(4.2.7)

(4.2.8)

4.8

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(4.2.10)

(4.2.11)

(4.2.12)

4.2.3.1 Tensão Cisalhante na Parede e Equação de Darcy-Weisbach

A análise dimensional permite correlacionar a tensão cisalhante na parede com parâmetros que

julgamos mais relevantes do escoamento. No caso de escoamento multifásico pode-se destacar

dentre esses os seguintes fatores: massa específica, velocidade média e viscosidade do fluido,

diâmetro e rugosidade do duto e arranjo geométrico do escoamento. Ou seja, pode-se escrever

a relação funcional

onde ø é um parâmetro genérico que define o arranjo geométrico como: líquido, gás, bolha

dispersa, golfada, inclinação etc. Da análise dimensional conclui-se que essas variáveis podem

ser combinadas na equação

onde Re= ñuD/ì é o número de Reynolds, å/D a rugosidade relativa e f o parâmetro adimensional

conhecido como fator de atrito de Darcy.

Definindo o diâmetro hidráulico Dh= 4A/P, os termos devidos à tensão cisalhante na

parede nas equações de quantidade de movimento anteriores podem ser expressos em função do

fator de atrito, chegando-se à equação de Darcy-Weisbach

Esta equação é válida para escoamento laminar ou turbulento e dutos de qualquer seção,

desde que definido apropriadamente o diâmetro hidráulico. Um complicador nesta relação é como

relacionar o fator de atrito com o arranjo geométrico. No sentido estrito esta questão encontra-se

ainda em aberto na literatura de escoamento multifásico. Em geral isto é feito através de relações

empíricas associadas a estudos de escoamentos particulares, fortemente dependentes da geometria

do duto (dimensão, rugosidade, inclinação e sentido de fluxo), das propriedades termodinâmicas

dos fluidos e de condições gerais, incluindo pressão e temperatura.

Considerando essas dificuldades, a literatura na área utiliza freqüentemente como

referência trabalhos clássicos de escoamentos monofásicos laminar e turbulento, uma vez que

esses resultam de uma longa experiência de análises teóricas, experimentais e de aplicações

industriais. De modo geral, os estudos de escoamentos multifásicos procuram modelos mais gerais

para o fator de atrito para situações particulares de arranjos e de fluxo; muitas vezes com a

introdução de um simples fator corretivo para o fator de Darcy.

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(4.2.13)

(4.2.14)

4.2.4 Forma Adimensional das Equações - Parâmetros Adimensionais do Escoamento

Como no caso de escoamentos monofásicos, parâmetros adimensionais são obtidos quando as

equações de movimento para o escoamento bifásico são adimensionalizadas. O processo é útil nas

análises do escoamento, em particular nos levantamentos experimentais em laboratório.

Consideremos as equações de movimento anteriores. Iniciamos com a definição de variáveis de

referência que serão utilizadas na adimensionalização, ou seja: G*, , L, Dh, Äh*= cpÄTo*, Qw

*=

hs ÄTo*, representando, respectivamente, o fluxo de massa por unidade de área, a massa específica

de aceleração, o comprimento do duto, o diâmetro hidráulico do duto, a entalpia e o fluxo de calor

para a parede. Assim definimos as variáveis adimensionais

Levadas nas equações (4.2.1) a (4.2.3) obtém-se

observe que este sistema depende, além do fator de atrito (f), de cinco parâmetros adimensionais:

Froude (Fr), Eckert (Ec), Nusselt (Nu), Prandtl (Pr), Reynolds (Re) e Stanton (St= Nu/Re Pr),

definidos na Tabela 4.2.1.

4.10

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Tabela 4.2.1 Parâmetros adimensionais do escoamento

Número Expressão Significado Físico

ReynoldsForças de inércia / Forças viscosas

Prandtl Difusão viscosa / Difusão térmica

NusseltTroca de calor convectivo / Troca de

calor condutivo

EckertEnergia cinética / Entalpia

FroudeForças de gravidade / Forças de inércia

Stanton Troca de calor / Capacidade térmica

Portanto, para garantir consistência de correlações e dados experimentais esses parâmetros devem

ser calculados conforme aqui indicado. A literatura clássica de escoamento bifásico nem sempre

observa essas equações. Por último note que, como no escoamento monofásico, o fator de atrito

utilizado na equação de quantidade de movimento é função do número de Reynolds (definido

acima) e da rugosidade relativa. Contudo, tendo em vista a definição de G*, o número de Reynolds

depende também do arranjo geométrico do escoamento (fração volumétrica local), uma situação

não encontrada no escoamento monofásico.

4.3 Modelo Homogêneo

Define-se como modelo homogêneo aquele em que as propriedades das duas fases, assim como

a pressão, temperatura e velocidades, são uniformes na seção transversal do duto. Para o

escoamento unidimensional isso significa que

onde u é a velocidade local e os subscrito L e G representam condições para líquido e gás,

respectivamente. Sendo constantes, as propriedades do fluido passam a ser

(4.3.1)

4.11

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(4.3.3)

(4.3.4)

Observe que para o escoamento homogêneo as três massas específicas colapsaram numa única

massa específica .

As equações de conservação para o escoamento homogêneo tornam-se

Este sistema tem quatro incógnitas, , funções do tempo t e da posição x. Note-se que

as equações são idênticas às equações para escoamento monofásico. Resultado esperado, uma vez

que o escoamento homogêneo bifásico com propriedades uniformes deve comportar-se como um

escoamento monofásico. Finalmente, a fração volumétrica áG permanece incógnita, devendo ser

calculada pela equação de conservação correspondente, (3.2.4),

Dadas condições de contorno e inicias apropriadas, a solução do sistema (4.3.3) e (4.3.4),

juntamente com a equação para a massa específica , permite calcular as quatro incógnitas no

espaço (x,t).

(4.3.2)

4.12

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(4.3.7)

Frações Volumétricas

Sendo as velocidades das fases iguais no escoamento homogêneo, da definição da velocidade

superficial, Eq. (1.1.11), concluimos que a velocidade in situ (escoamento bifásico) é

(4.3.5)

De onde concluimos que as frações volumétricas são calculadas por

(4.3.6)

4.3.1 Fator de Atrito e Coeficientes de Transferência de Calor

O sistema de equações anterior requer o conhecimento do fator de atrito e de transferência de

calor. A prática mostra que essas expressões podem ser obtidas para o escoamento homogêneo

com razoável precisão a partir das equações utilizadas no escoamento monofásico, desde que os

valores médios sejam utilizados no cálculo da propriedades, conforme mostrado neste capítulo.

O fator de atrito, ou coeficiente de Darcy-Weisbach, , é obtido de expressões envolvendo o

número de Reynolds e a rugosidade relativa, enquanto o coeficiente de transferência de calor

(interno), ou coeficiente de filme, , é calculado do número de Nusselt, também avaliado a partir

de equações envolvendo os números de Reynolds e de Prandtl. Para o escoamento homogêneo,

os parâmetros são aqueles definidos na equação (4.2.15). Resumimos a seguir algumas das

expressões utilizadas neste processo.

4.3.1.1 Escoamento Laminar

Para escoamento laminar são utilizadas as equações clássicas para o fator de atrito

A solução analítica do problema térmico mostra que o coeficiente de filme admite dois valores,

um para fluxo de calor uniforme e outro para temperatura uniforme na parede do duto, ou seja

4.13

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(4.3.8)

(4.3.9)

(4.3.10)

Nem sempre é fácil estimar a condição real na superfície do duto. Todavia, a construção e

geometria do sistema podem fornecer algumas sugestões. Por exemplo, um duto com bom

isolamento térmico tende a manter o fluxo térmico razoavelmente uniforme, enquanto outro,

exposto ao meio ambiente (ar, água ou enterrado), tende a manter a superfície exterior nas

condições do meio, em geral próximo de constante.

4.3.1.2 Escoamento Turbulento

Analisando as expressões para os diversos perfís de velocidade sugeridos para escoamentos em

dutos lisos e rugosos é possível encontrar expressões analíticas para os coeficientes de atrito e de

transferência de calor. A literatura apresenta uma grande quantidade de expressões que são, em

geral, variantes das equações históricas, consideradas ainda hoje fundamentais nesses estudos.

Mostramos aqui algumas das equações clássicas e de uso em projeto de dutos.

Dutos Lisos - Coeficiente de Atrito

Para dutos lisos e 4×103 < Re < 107, a equação clássica para o coeficiente de atrito é devido a

Prandtl 1, i.e.

Uma expressão mais recente, considerada mais precisa do que a de Prandtl, é de Zagarola e

Smits2, válida para a faixa: 105 < Re < 3,5×107

1 Prandtl, L., Über den Reibungswiderstand Strömender Luft, Ergeb.Aerodyn.Versuchanstalt, Göttingen, 3, 1927.

2 Zagarola, M.V., Smits, A.J., Reynolds Number Dependence of the Mean Flow in a CircularPipe, AIAA-97-0649, 35th Aerospace Sciences Meeting, Reno, Nevada, 1997.

4.14

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(4.3.11)

(4.3.12)

(4.3.13)

(4.3.14)

(4.3.15)

Estas equações são implícitas, requerendo algum processo iterativo de resolução. A literatura

apresenta uma grande quantidade de alternativas onde pode ser determinada explicitamente,

como a equação de Blasius, válida para 4×103 < Re < 105

ou de Colebrook [4×103 < Re < 107 ]

Dutos Lisos - Coeficiente de Transferência de Calor

Uma vez que o escoamento turbulento é consideravelmente mais complexo do que o laminar, o

número de Nusselt é obtido a partir de expressões empíricas. Aqui também encontramos um

grande número de expressões, freqüentemente associadas a condições particulares, seja para as

propriedades do fluido, geometria, ou do escoamento.

Duas das mais consagradas expressões na literatura são a de Colburn

e de Dittus-Boelter

onde n= 0,4 para aquecimento (Ts > T4) e n= 0,3 para resfriamento (Ts < T4). Essas equações têm

sido amplamente utilizadas na prática para as seguintes condições: 0,7 < Pr < 160 e Re > 104.

Embora relativamente simples, as duas expressões podem produzir erros de até 25% no valor do

coeficiente de filme 3. Uma equação mais recente, e mais precisa (erros inferiores a 10%), mas

também mais complexa, é devido a Gnielinski

3 Incropera, F.P., DeWitt, P.D., Fundamentals of Heat and Mass Transfer, Cap. 8, John Wiley& Sons, N.Y., USA, 1996.

4.15

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(4.3.16)

(4.3.17)

(4.3.18)

onde o fator de atrito f, é de Darcy-Weisbach. A correlação é válida para 0,5 < Pr < 2×103 e 3×103

< Re < 5×106. Ao aplicar as três correlações, as propriedades físicas do fluido devem ser

calculadas na temperatura média da seção transversal Tm , ou nas condições de temperatura de

filme Tf , indicadas pelo subscrito f. Se a diferença de temperaturas for elevada, correções devem

ser introduzidas para considerar a variação das propriedades com a temperatura.

Para fluidos com número de Prandtl elevados, óleos em geral, pode-se utilizar a equação

de Sieder-Tate

com todas as propriedades avaliadas na temperatura média Tm, exceto a viscosidade ìf, calculada

na temperatura de filme Tf. A equação aplica-se para as seguintes condições: 0,7 < Pr < 16000

e Re > 104, observando-se a correção devido à variação da viscosidade com a temperatura.

Ressalte-se que as quatro equações para escoamento turbulento aplicam-se para tubos

lisos. Expressões para regime de escoamento hidraulicamente rugoso podem ser encontradas em

Rohsenow et al.4

Dutos Rugosos - Coeficiente de Atrito

Relações similares para dutos lisos foram obtidas para o fator de atrito para escoamento

completamente turbulento; isto é, para escoamento quando a rugosidade da parede rompe a sub-

camada laminar e de transição, atingindo a região do núcleo turbulento. Apresentamos aqui duas

equações para esta situação. A primeira, de Nikuradse (1933), é válida para escoamento

totalmente turbulento e Reå = u*å/í > 70, com

A segunda equação é a aclamada expressão de Colebrook-White (1939) que cobre os três

regimes: hidraulicamente liso, de transição e totalmente rugoso

4 Rohsenow, M.W., Hartnett, J.P., Cho, Y.I, Handbook of Heat Transfer, McGraw-Hill, 3rd.Ed., Cap. 5, 1998.

4.16

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(4.3.19)

Esta é a fórmula geralmente aceita para cálculo do coeficiente de atrito viscoso em escoamento

turbulento.

A expressão geral de Colebrook, embora precisa, é implícita para o cálculo de f. A

literatura, cf. v.g. Rohsenow op cit., apresenta, contudo, diversas alternativas para f na forma

explícita que podem ser utilizadas diretamente, ou como primeira aproximação para a Eq.

(3.3.18). Uma dessas é a expressão proposta por Haaland 5

Esta equação apresenta um desvio máximo com relação à equação de Colebrook de 1,2% no

intervalo 4×103 < Re < 108 e 2×10-8 < å/Rh < 0,1.

As equações para o fator de atrito e coeficientes de troca de calor foram obtidas para

escoamento na condição de regime permanente. Pode-se provar, pelo menos para o regime

laminar, que o atrito viscoso f é também função da freqüência no regime transiente, Zielke6.

Todavia, tendo em vista a enorme complexidade da expressão de f para esses casos, na prática de

engenharia admite-se que os coeficientes são os mesmos para o regime transiente. Esta hipótese

é igualmente utilizada nos escoamentos bifásicos. Além disso, no caso de escoamentos que

utilizam o modelo homogêneo, as correlações para os coeficientes hidrodinâmicos e térmicos do

escoamento monofásico são utilizadas com sucesso na maioria dos códigos computacionais para

escoamento bifásico.

Diagrama de Moody - Escoamento Monofásico

Vimos que, para escoamento monofásico, o fator de atrito f é função do número de Reynolds e da

rugosidade relativa. Para escoamento laminar esta relação depende somente do número de

Reynolds, definida pela equação (4.3.7) para Re < 2300. Os resultados para escoamento laminar

e turbulento estão sintetizados na Fig. 4.3.1. O diagrama é denominado de diagrama ou gráfico

de Moody, publicado originalmente em 1944.

O gráfico mostra claramente que abaixo do número de Reynolds crítico (em torno de

2300) o escoamento é laminar. Para valores de Reynolds superiores a 4.000 as curvas dependem

da rugosidade relativa, å/D. Essas curvas correspondem a escoamentos inerentemente turbulentos.

5 Haaland, S.E. Simple and explicit formulas for the friction factor in turbulent pipe flows, J.Fluid Eng. ASME, (105), 89-90, 1983.

6 Zielke,W., Frequency-dependent friction in turbulent transient pipe flow, J. Basic Eng.,ASME, Ser. D, Vol 90, no. 1, pp. 109-115, 1968.

4.17

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(4.3.20)

(4.3.21)

Entre 2.000 e 4.000 ocorre uma região de transição onde os dois tipos de escoamento podem

ocorrer. Deve ser observado do diagrama que para números de Reynolds muito elevados o fator

de atrito torna-se praticamente constante, pouco dependente de Reynolds. Quando isto ocorre, o

escoamento é dito completamente rugoso, ou completamente turbulento, podendo-se calcular o

fator de atrito pela fórmula de Nikuradse, (4.3.17). Regiões definindo regimes de escoamentos

laminar, de transição e turbulento são indicativos do que normalmente ocorre em problemas

práticos de escoamento em dutos.

Figura 4.3.1 Diagrama de Moody para dutos com paredes lisas e rugosas.

4.3.2 Viscosidade para Escoamento Bifásico

As expressões disponíveis para a viscosidade de misturas de gás e líquido são empíricas. Algumas

das mais conhecidas são as de McAdams (1942), c.f. Eq. (1.1.15) para definição de xG e xL.

Bankoff (1960)

4.18

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(4.3.22)

(4.3.23)

(4.3.24)

(4.3.25)

(4.3.26)

(4.3.27)

Cichitti (1960)

Dukler (1964)

ou

Para uma suspensão de partículas sólidas em gás ou líquido (aqui representada pelo subscrito C

para significar fase contínua), a clássica equação de Einstein 7 pode ser utilizada, i.e.

válida somente para baixas concentrações da fase dispersa, ou seja, para áD < 0,05.

Ou ainda, para uma emulsão consistindo de bolhas contendo gás de baixa viscosidade,

e baixa concentração, a extensão da fórmula de Einstein, devido a Happel e Brenner (1965), é

Observe que se a suspensão consistir de partículas sólidas, ìD torna-se muito grande e a equação

converge para a expressão de Einstein, (4.3.25).

Por outro lado, para uma emulsão de bolhas contendo gás de baixa viscosidade, a

viscosidade pode ser estimada pela expressão

4.3.3 Condutividade Térmica para Escoamento Bifásico Gás-Líquido

De novo, as expressões para a condutividade térmica de misturas de gás e líquido são empíricas.

Para uma mistura homogênea, a equação de Merilo (1977), válida para áG < 0,70, é

7 Einstein, A., Ann. Phys., vol. 64, p. 193, 1906.

4.19

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(4.3.28)

(4.3.29)

(4.3.30)

ou a mais complexa, devido a Eucken (1949)

A equação é consistente no sentido de reproduzir quando áG= 0 e quando áG= 1.

4.3.4 Condutividade Térmica para um meio Granular - Sólido-Líquido/Sólido

Um meio granular pode cobrir a parede interna de um duto por onde escoa um fluido. Para se

determinar a troca de calor entre o fluido e o exterior será necessário calcular a resistência térmica

global entre o interior e o exterior. Uma fração desta resistência é devido à espessura e a

condutividade térmica do material granular, esta calculada conforme mostrado a seguir.

Suponha que um material seja composto de grãos sólidos com fração volumétrica ö e

condutividade térmica ks, imersos numa matriz de um material (sólido ou líquido) com

condutividade térmica km, Fig. 4.3.2. Admita que os grãos estejam suficientemente afastados de

forma que não interagem termicamente. De acordo com a solução proposta por J. Maxwell para

a magnetização num campo eletromagnético, Carslaw e Jaeger 8, a condutividade térmica média

deste composto é estimada pela expressão

Figura 4.3.2 Sólidos (s) imersos numa matriz compacta (m).

8 Conduction of Heat in Solids, Carslaw, H.S., Jaeger, J.C., Cap. 16, Oxford University Press,2nd.Ed., 1959.

4.20