EQUILÍBRIO IÓNICO E POTENCIAIS DE REPOUSO DAS MEMBRANAS

33
M Filomena Botelho EQUILÍBRIO IÓNICO E POTENCIAIS DE REPOUSO DAS MEMBRANAS

Transcript of EQUILÍBRIO IÓNICO E POTENCIAIS DE REPOUSO DAS MEMBRANAS

M Filomena Botelho

EQUILÍBRIO IÓNICO E

POTENCIAIS DE REPOUSO DAS MEMBRANAS

Potenciais de repouso das membranas

Potenciais de repouso das membranas

O equilíbrio de Donnan não explica o potencial de repouso das células nervosas e musculares, mas pode contudo explicar a:

- Diferença de potencial existente através das paredes dos capilares, que são :

-impermeáveis aos iões de proteinato negativos-permeáveis aos pequenos iões

A razão pela qual os modelos de membrana propostos não explicam o potencial de repouso, é que a condição que foi imposta era a de equilíbrio, a qual não é verdadeira

A experiência demonstrou que o potencial de repouso é um- potencial de difusão,

isto é:Há uma diferença de potencial entre as duas fases, que é produzido por uma interdifusão dos iões.

Célula nervosaA célula nervosa pode encontrar-se, sob o ponto de vista eléctrico, em dois estados:

- De repouso – praticamente não passa corrente eléctrica através da membrana (do axónio)

- Activo – ocorre um potencial de acção o qual é acompanhado por correntes de solutos iónicos através da membrana (de dentro para fora e de fora para dentro), que são detectáveis

Para que haja mudança de um estado eléctrico para outro, é necessário que a célula seja estimulada

- eléctrico- químico- mecânico

Repouso → nervo (axónio) de lula

Consideremos três iões:- Na+

- K+

- Cl-

[K+]i = 400 mM/l [K+]e = 10 mM/lK+

Estudos feitos com traçadores, mostraram que a membrana celular, no estado de repouso é:

- permeável ao ião K+

Repouso → nervo (axónio) de lula

[Cl-]i = 40 mM/l [Cl-]e = 540 mM/lCl-

A permeabilidade da membrana celular das células nervosas ao ião Cl-, no repouso é elevada

[Na+]i = 41 mM/l [Na+]e = 460 mM/lNa+

A permeabilidade da membrana celular das células nervosas ao ião Na+, no repouso é praticamente nula

Por outro lado:No estado de repouso, o interior do axónio é negativo em relação ao exteriorMedidas efectuadas por microeléctrodos, o potencial do interior da célula em relação ao exterior, é de –61 mV, no estado de repouso

Mas, apesar daquela diferença de concentração que se verifica para qualquer dos iões, ela mantém-se desde que não actue nenhum estimulo.

Isto é:Desde que não actue nenhum estímulo, mantêm-se os gradientes de

- concentração- potencial eléctrico

De facto:

As correntes eléctricas resultantes dos movimentos dos iões, através da membrana, dependem de:

- gradientes – forçam os iões através das paredes celulares• potencial químico• potencial eléctrico

- permeabilidades

No caso exemplo do axónio da lula, como deverão actuar as forças de difusão e as forças eléctricas, para os três iões referidos, no estado de repouso, durante o qual a corrente eléctrica iónica através da membrana é nula

esquema:

Intracelular-61 mV

Extracelular0 mV

K+K+ D

E

Cl-Cl-E

D

Na+Na+D

E

Intr

acel

ula

r-6

1 m

V

Extracelular0 mV

K+K+ D

E

Ião potássio: K+

Existem:- forças eléctricas- forças de difusão

a actuar em sentidos opostos

não há corrente de iões K+

através da membrana(apesar da permeabilidade da membrana

aos iões K+ ser considerável)

equilíbrio

Intr

acel

ula

r-6

1 m

V

Extracelular0 mV

Ião cloro: Cl-

Existem:- forças eléctricas- forças de difusão

a actuar em sentidos opostos

não há corrente de iões Cl-através da membrana

(apesar da permeabilidade da membrana aos iões Cl- ser considerável)

equilíbrio Cl-Cl-E

D

Intr

acel

ula

r-6

1 m

V

Extracelular0 mV

Ião sódio: Na+

Existem:- forças eléctricas- forças de difusão

a actuar no sentido do interior da célula

No repouso, mantêm-se as diferenças de concentrações de Na+ através da membrana(a permeabilidade da membrana aos iões Na+ no repouso é extremamente baixa)

Na+Na+D

E

equilíbrio

equação de Nernst a cada ião

No repouso, podemos pois aplicar a equação de Nernst a cada ião, pois não havendo corrente eléctrica através da membrana, podemos pensar que pode existir equilíbrio

Generalizando para qualquer ião i, podemos então dizer que:

µii = µi

e~ ~

∆ψ = ψii – ψi

e = - lnRTFZi

Cii

Cie

∆ψ – traduz a diferença de potencial eléctrico que terá que existir através da membrana para que a relação

para cada espécie se mantenha constante

Cii

Cie

Se aplicarmos a equação de Nernst para o caso do axónio da lula, dado como exemplo, aos três iões considerados (K+, Cl-, Na+) deveremos obter

valores para a diferença de potencial eléctrico que deverão ser iguais à diferença de potencial eléctrico obtida quando a medimos

A aplicação da equação de Nernst aos três iões em causa (K+, Cl-, Na+) dá os seguintes resultados

K+ ∆ψ K+ = -93 mV

Cl- ∆ψ Cl- = -66 mV

Na+ ∆ψ Na+ = +61 mV

Como se poderão explicar estes resultados tão díspares?

?

A diferença entre os resultados obtidos por medições e os obtidos com a aplicação da equação de Nernst, é porque:

o equilíbrio não é um pressuposto válido pois corresponde à realidade

A experiência provou que o:

potencial de repouso é um potencial de difusão, isto é, a diferença de potencial entre duas fases da membrana, resulta de uma

- difusão bidireccional dos iõesmas não é um estadio de equilíbrio

M Filomena Botelho

Modelo de membrana com campo eléctrico

constante no interior ou modelo de campo

eléctrico constante –Equação de Goldman

Modelo de campo eléctrico constante

Equação de GoldmanModelo de campo eléctrico constante

Equação de Goldman

Partindo da equação de Nernst-Planck chegou-se a uma relação capaz de reproduzir fielmente os potenciais das células excitáveis em função:

- das concentrações iónicas- dos coeficientes de permeabilidade

Goldman considerou:- campo eléctrico constante no interior da membrana

(gradiente de potencial eléctrico constante na fase da amostra)

- coeficientes de partição constantes e iguais nas interfaces da membrana

Assim, as condições são:

dVdxE = -⃗ V – potencial eléctrico

C1’ = β1 C1

C2’ = β2 C2

β1 = β2

β1β2

coeficientes de partição

C1C2

Concentrações nas interfaces membrana-solução

Interior da célula

Exterior da célula

∆x

V2

V1

C1

C2

C1’

C2’

Partindo então da equação de Nernst-Planck:

e impondo as condições de Goldman, a resolução da equação vem:

Ji = -u Zi∣Zi∣

RT + u Ci F ∣Zi∣dVdx( )

dCi

dx

Ji = ∆Vβ ui F ∣Zi∣

∆xC1 – C2 . e

FRT- ∆V Zi

1 – eF

RT- ∆V Zi

Para o:• ião i• valência Zi• mobilidade ui

Campo eléctrico constanteβ1 = β2 = β

Ji = ∆Vβ ui F ∣Zi∣

∆xC1 – C2 . e

FRT- ∆V Zi

1 – eF

RT- ∆V Zi

Na ausência de campo eléctrico e quando se trata de moléculas ionizadas esta equação deve transformar-se na equação que foi deduzida para a densidade de corrente de um soluto através da membrana originam exclusivamente por difusão

Porém quando fazemos tender ∆V → 0, a equação anterior transforma-se numa indeterminação

Como levantar a indeterminação ?

Peguemos outra vez na equação, e multipliquemos por Para podermos simplificar alguma coisa

RTRT

Ji = ∆Vβ ui∣Zi∣F

∆xC1 – C2 . e

FRT- ∆V Zi

1 – eF

RT- ∆V Zi

RTRT

y y

y

Se:

Zi = +1

β ui RT∆x = K

A equação tomará a seguinte forma:

Ji = K yC1 – C2 . e

-y

1 – e-y

Ji = K yC1 – C2 . e

-y

1 – e-y

lim Ji = K (C1 – C2. e )-y

1 – e-y

y∆V → 0

Uma vez que:

y = F ∆VRT

tende para 0 quando ∆V → 0, a indeterminação surge

através do cociente 1 – e

-yy

Esta indeterminação pode ser levantada, desenvolvendo em

série e-y

Levantar a indeterminação, desenvolvendo e-y em série.1 – e

-yy

Assim:

e-y = 1 – y + - + - LLy2

2!y3

3!y4

4!

Desta maneira:

lim =1 – e- y

yy → 0

= limy → 0 y y2

1 - + LL2! 3!

1

y → 0 y2 y3

1 - 1 + y - + LL2! 3!

ylim =

= 1

assim: lim Ji = K (C1 – C2. e )-y

1 – e-y

y∆V → 0

β ui RT∆xJi = x 1 x (C1 – C2)

β ui RT∆xJi = x (C1 – C2)

Permeabilidade P da membrana para a espécie iónica i

como:∆Cs = C1 – C2

Podemos então dizer que, quando ∆V = 0:

Ji = P . ∆CsEquação formalmente idêntica à equação da difusão para moléculas neutras – Equação de Fick

Uma outra situação que a equação de Nernst-Planck, integrada nas condições atrás indicadas, deve contemplar é a situação de equilíbriosituação de equilíbriono caso de uma membrana permeável à espécie iónica i, isto é, a situação em que Ji = 0

Continuando a considerar o ião com valência Z = +1, vem:

1 – e RT

Ji = 0 = ∆Vβ ui F

∆xC1 – C2 . e

FRT- ∆V

F- ∆V

0 = C1 – C2 . eF

RT- ∆V

FRT- ∆V= eC1

C2

Aplicando logaritmos, vem para ∆V:

FRT- ∆V= eC1

C2

∆V = lnRTF

C2C1

Equação de Nernst(iões positivos e monovalentes)

Traduz a diferença de potencial existente através da membrana quando há equilíbrio

Se considerarmos iões de valência Zi, a equação toma a forma:

∆V = lnRTF Zi

C2C1

Pi =β ui RT∆x F

Retomemos a equação de Nernst-Planck

Como o coeficiente de permeabilidade, vamos considerar:

Ji = ∆Vβ ui F ∣Zi∣

∆xC1 – C2 . e

FRT- ∆V Zi

1 – eF

RT- ∆V Zi

vem:

Ji = ∆VPi ∣Zi∣ F2

RTC1 – C2 . e

FRT- ∆V Zi

1 – eF

RT- ∆V Zi

Aplicando esta equação aos três principais iões (K+, Na+, Cl-) que criam correntes através da parede do axónio, vem

JCl- = PCl- ∆VRT

[Cl-]1 – [Cl-]2 . eF

RT+ ∆V

1 – eF

RT ∆V

F2Cl-

JK+ = PK+ ∆VRT

[K+]1 – [K+]2 . eF

RT- ∆V

1 – eF

RT- ∆V

F2

K+

JNa+ = PNa+ ∆VRT

[Na+]1 – [Na+]2 . eF

RT- ∆V

1 – eF

RT- ∆V

F2Na+

Como a corrente total através da membrana é nula:

JK+ = PK+ ∆VRT

[K+]1 – [K+]2 . eF

RT- ∆V

1 – eF

RT- ∆V

F2

K+

JNa+ = PNa+ ∆VRT

[Na+]1 – [Na+]2 . eF

RT- ∆V

1 – eF

RT- ∆V

F2Na+

JK+ + JNa+ + JCl- = 0

Para simplificar ao máximo, vejamos:

JCl- = PCl- ∆VRT

[Cl-]1 – [Cl-]2 . eF

RT+ ∆V

1 – eF

RT ∆V

F2Cl-F

RT ∆V

FRT ∆V

e

e

=

JCl- = PCl- ∆VRT

[Cl-]1 – [Cl-]2 . eF

RT+ ∆V

1 – eF

RT ∆V

F2Cl-F

RT ∆V

FRT ∆V

e

e

=

= PCl- ∆VRT

[Cl-]1. e – [Cl-]2

FRT- ∆V

e – 1F

RT- ∆V

F2 -1-1

=

= PCl- ∆VRT

[Cl-]2 – [Cl-]1 . eF

RT- ∆V

1 – eF

RT- ∆V

F2

Somando agora, vem:

JK+ + JNa+ + JCl- = 0

+ PCl- {[Cl-]2 – [Cl-]2 . e } = 0F

RT- ∆V

PNa+ {[Na+]1 – [Na+]2 . e } + PK+ {[K+]1 – [K+]2 . e } +F

RT- ∆VF

RT- ∆V

PNa+[Na+]1 + PK+[K+]1 + PCl-[Cl-]2 = PNa+[Na+]2 + PK+[K+]2 + PCl-[Cl-]1 e F

RT- ∆V

e =F

RT- ∆V PNa+[Na+]1 + PK+[K+]1 + PCl-[Cl-]2

PNa+[Na+]2 + PK+[K+]2 + PCl-[Cl-]1

Somando agora, vem:

Logaritmizando vem:

FRT- ∆V = ln

PNa+[Na+]1 + PK+[K+]1 + PCl-[Cl-]2

PNa+[Na+]2 + PK+[K+]2 + PCl-[Cl-]1

e resolvendo em ordem a ∆V, vem:

RTF∆V = ln

PNa+[Na+]2 + PK+[K+]2 + PCl-[Cl-]1PNa+[Na+]1 + PK+[K+]1 + PCl-[Cl-]2

Equaçãode

Goldman

foi aplicada a inúmeras situações, a células de diferentes naturezas, dando valores de ∆V praticamente coincidentes com os valores experimentais

Esta equação de Goldman pode ser expressa em termos de permeabilidade:

- relativos- absolutos

SePK+αK+ = PNa+

PCl-αCl- = PNa+

as permeabilidades podem ser expressas em relação à permeabilidade do Na+.

A equação de Goldman toma a seguinte forma:

RTF∆V = ln

[Na+]2 + αK+[K+]2 + αCl-[Cl-]1[Na+]1 + αK+[K+]1 + αCl-[Cl-]2

Os coeficientes de permeabilidade- obtém-se a partir de medições de potencial- são supostamente independentes da concentração

Para o caso do axónio, pode obter-se o valor correcto para a diferença de potencial entre os dois lados da membrana, se entrarmos com a seguinte relação para as concentrações:

PK : PNa : PCl = 1 : 0,04 : 0,45

αK+ = 25 αCl- = 11,25

Caso do axónio da lula:

No repouso:

PK : PNa : PCl 1 : 0,04 : 0,45

No potencial de acção:

PK : PNa : PCl 1 : 20 : 0,45

Na célula em repouso, se considerarmos as permeabilidades do sódio e do cloro em relação à do potássio, à qual era atribuído o valor de 1, verificamos:

- menos permeável ao cloro- muitíssimo pouco permeável ao sódio

Na célula durante o potencial de acção, contrariamente, se considerarmos as mesmas condições, verificamos:

- permeabilidade ao cloro se mantém- enorme subida da permeabilidade ao sódio