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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Eloi Vieira Magalhães EQUIPAMENTOS CULTURAIS DE CURITIBA: ENTRE POLÍTICAS E PAREDES, UMA ESTRATÉGIA. CURITIBA 2010

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Eloi Vieira Magalhães

EQUIPAMENTOS CULTURAIS DE CURITIBA:

ENTRE POLÍTICAS E PAREDES, UMA ESTRATÉGIA.

CURITIBA

2010

EQUIPAMENTOS CULTURAIS DE CURITIBA:

ENTRE POLÍTICAS E PAREDES, UMA ESTRATÉGIA.

CURITIBA

2010

Eloi Vieira Magalhães

EQUIPAMENTOS CULTURAIS DE CURITIBA:

ENTRE POLÍTICAS E PAREDES, UMA ESTRATÉGIA.

Monografia apresentada ao curso de Especialização em Gestão, Produção e Promoção Cultural, da Faculdade de Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista. Orientador: Lindomar Wessler Boneti

CURITIBA

2010

Dedico este trabalho a Katiucya, minha esposa. Aos meus pais Deusdeste e Euler. Ao meu irmão Lincoln e sua família, e ao meu querido irmão caçula Natan – in memorian.

Agradeço em especial a minha esposa Katiucya Perigo, que esteve ao meu lado em todos os momentos, com seu apoio e opinião que foram essenciais para conclusão deste trabalho. A Maria Cristina Perigo sempre presente em minha família e companheira da minha esposa nos longos sábados em que eu estudava, adequando ainda este trabalho as novas normas ortográficas. Ao meu orientador, Lindomar Wessler Boneti, que como professor me inspirou a debruçar sobre o universo das políticas públicas, e como orientador foi fundamental. A Elisa Kiyoko que sempre procurou saber sobre a necessidade da turma e não mediu esforços para que o curso fosse produtivo. Aos entrevistados que me receberam prontamente e contribuíram muito para esta pesquisa. Por fim, agradeço aos professores e aos colegas de curso, uma turma unida na sua diversidade com os quais aprendi muito.

RESUMO

Este estudo apresenta uma investigação realizada sobre os equipamentos culturais de Curitiba, sob o ponto de vista dos seus programas e projetos de incentivo à cultura. Para tal, foram selecionados apenas teatros que são administrados pela Prefeitura Municipal, sendo um deles central – o “Novelas Curitibanas” – e dois periféricos – o “Cleon Jacques” e o Circo da Cidade “Zé Priguiça”. O processo se deu com a identificação das políticas de governo que se relacionam com equipamentos culturais, através de pesquisa junto a Fundação Cultural de Curitiba e entrevista com os atuais diretores destes espaços. Propusemo-nos também a discutir questões que dizem respeito à descentralização dos equipamentos culturais e à acessibilidade física e social. Para tanto, foram analisados os relatórios de atividades disponíveis. Assim, foi verificado o que é efetivamente produzido e disponibilizado à população nestes espaços, a qual público eles se destinam, os preços de bilheteria praticados por eles atualmente, onde estes espaços se localizam na cidade e as formas de acesso a eles por meio de transporte público. O estudo demonstra a necessidade de se atentar para o impacto que o equipamento cultural produz na sociedade ao qual está inserido, e que a simples oferta de atividades culturais nos espaços distribuídos na região periférica não garante a participação do público local.

Palavras-chave: equipamentos culturais; políticas culturais; políticas públicas.

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DOS EQUIPAMENTOS......................23

FIGURA 2 - TEATRO NOVELAS CURITIBANAS .....................................................25

FIGURA 3 - TEATRO CLEO JACQUES....................................................................30

FIGURA 4 - CIRCO DA CIDADE “ZÉ PRIGUIÇA” ....................................................34

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................5

2. DO CIMENTO À PAREDE: A CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS X

EQUIPAMENTOS CULTURAIS..................................................................................9

2.1 O QUE É POLÍTICA PÚBLICA................................................................................................. 9

2.2 A SOCIEDADE NA ELABORAÇÃO E NA MANUTENÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS /

DIVERSIDADE CULTURAL ..........................................................................................................14

2.3 A FORMAÇÃO DA PLATEIA / DESCENTRALIZAÇÃO ........................................................18

3. POR TRÁS DAS PAREDES: DA CRIAÇÃO À AÇÃO .........................................21

3.1 O CASO DE CURITIBA ...........................................................................................................21

3.2 OS EQUIPAMENTOS ESTUDADOS .....................................................................................23

3.3 TEATRO NOVELAS CURITIBANAS ......................................................................................25

3.4 TEATRO CLEON JACQUES ..................................................................................................30

3.5 CIRCO DA CIDADE “ZÉ PRIGUIÇA” .....................................................................................34

3.6 DO CENTRO PARA OS BAIRROS ........................................................................................37

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................43

REFERÊNCIAS.........................................................................................................50

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1 INTRODUÇÃO

O trabalho apresenta um breve estudo sobre equipamentos culturais de

Curitiba. Os equipamentos culturais estudados fazem parte do rol daqueles mais

convencionais, os teatros, as salas de cinema, os museus, as bibliotecas. Ou seja,

espaços de acolhimento, divulgação e criação de práticas, bens e produtos culturais.

Esses espaços normalmente são administrados por governos estaduais, municipais,

pela iniciativa privada, por ONGs, por associações comunitárias ou culturais.

Os equipamentos culturais de uma cidade são tidos como referência de

cultura e arte. Eles são mais do que estruturas arquitetônicas ou espaços de difusão,

são ferramentas que visam concretizar determinado objetivo, e por essa via também

responder a uma missão ou finalidade. Não são fins, mas meios e dependem das

políticas culturais adotadas, no caso, públicas, que têm uma função de

desenvolvimento da sociedade.

O circuito artístico de Curitiba, devido à logística dos equipamentos culturais,

como em outras grandes capitais, permanece centralizado e elitizado, deixando de

fora a maior parte de sua sociedade. Dessa forma, esta pesquisa pretende trazer a

tona, como também aprofundar os estudos sobre a função sociocultural dos

equipamentos culturais e suas dificuldades de gestão.

Quando refletimos a fundo acerca dos equipamentos culturais disponíveis à

sociedade brasileira, nos questionamos sobre a real importância desses

equipamentos, sobre a acessibilidade a eles, sobre as ações paralelas e

complementares de incentivo à cultura. Dentro desta perspectiva avançamos um

pouco mais para questionar a existência de políticas públicas que tratam os

equipamentos culturais como um fim (espaço) e as que os tratam como um meio

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(estratégias, programas). Quer dizer, nos perguntamos se na gerência dos diversos

teatros, por exemplo, disponíveis à sociedade brasileira, seus gerenciadores têm

preocupação de que o espaço se constitua em um local para a formação da plateia

com ações educativas e fomento à produção artística. Entre as inúmeras questões

que surgem a aqueles que se debruçam sobre o estudo de tal tema, acreditamos

que há ainda uma de suma importância, que diz respeito à intensidade de atenção

destinada aos equipamentos periféricos, no que tange ao desenvolvimento de

programas e projetos, e a que é dada aos centrais.

Alguns equipamentos tornaram-se apenas casas de espetáculos e atração

turística. Atualmente, percebemos uma visão equivocada de meios e fins, isto é, a

visão de que os equipamentos são apenas espaços de locação para espetáculos

(fins), enquanto deveriam, além disso, serem uma ferramenta para viabilizar a

cultura a todos os níveis sociais (meio). Para Matoso a ”construção de equipamentos

ganha sentido se for entendida enquanto medida (opção, estratégia, ferramenta,

instrumento, acção,...) que visa concretizar determinado objectivo[...]”(2009, p.irreg.).

Ao considerar Curitiba como uma capital que se preocupa com um visual

urbano atrelado à cultura e à arte, percebe-se a criação de vários equipamentos

culturais, principalmente na região central da cidade. No entanto, acredita-se que,

pelo mesmo fator, surge uma segregação de um público menos favorecido e,

portanto, com menos condições financeiras, direcionando os espaços à elite.

Apesar de ações de formação de plateia oferecidas por alguns

equipamentos culturais, percebemos ainda uma movimentação centralizada, que

não alcança os bairros afastados, nos quais se concentram a população de baixa

renda que não tem acesso para frequentar tais espaços.

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Essa distribuição dos equipamentos culturais concentrados no centro é

percebida como uma característica das grandes cidades. Na ótica de Isaura Botelho,

verifica-se que “[...] de um lado, acompanharam o desenvolvimento da cidade; de

outro, foram construídos em função de demandas dos setores já mais habituados ao

consumo de cultura, que são geralmente os de maior escolaridade e renda” (2003,

p. 43).

No tocante ao processo de descentralização, Santos (1998) afirma que a

distribuição de equipamentos culturais para fora do centro terá efeito apenas se

houver medida que “dê lugar a uma vida cultural mais intensa e alargada” e que

incentive a produção local.

Entendemos, então, que não basta construir equipamentos se eles não

estiverem escorados por políticas, programas e projetos que visem não só o público,

mas também os disseminadores da cultura. Para Matoso (2009), os equipamentos

culturais devem ser tidos como meios para atingir os fins para qual foram criados.

Assim, não podem se conformar simplesmente como um fim em si mesmo. Eles

devem ser planejados como estratégias, das quais surgem mecanismos que visem

alcançar seus objetivos. Também para Botelho (2003), a distribuição espacial é

apenas um fator. Devem-se levantar, através de pesquisas, dados sobre a efetiva

utilização dos equipamentos culturais. O conhecimento das políticas culturais do

órgão público gestor é fundamental para que se possa desenvolver uma análise de

seus equipamentos. (NUSSBAUMER, 2005).

Como processo metodológico para desenvolver este estudo, no sentido de

definição da coleta de informações, selecionamos apenas teatros que são

administrados pela Prefeitura Municipal de Curitiba, sendo um central, representado

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pelo teatro Novelas Curitibanas, e dois localizados na periferia: Teatro Cleon

Jacques e o Circo da Cidade “Zé Priguiça”.

Os equipamentos culturais se relacionam com a sociedade geralmente

representada pelo público e pelos artistas, com o intuito de apoio ao

desenvolvimento da produção cultural local e resgate social. O estudo tomou como

base os programas e projetos de incentivo à cultura, os segmentos de mercado

onde se inserem e as políticas que interferem na sua gestão. O espaço temporal

abrangeu o momento atual.

Dessa forma, nos propusemos a analisar o que é efetivamente produzido e

colocado à disposição da população nesses espaços culturais da cidade.

Entendemos, então, que para cumprir tal propósito os relatórios de atividades

disponibilizados pelos equipamentos são de suma importância.

Outro objetivo por nós traçado foi o de elaborar uma ficha com as descrições

técnicas, função social e artística, programas e projetos dos equipamentos culturais

em estudo. Após o contato mais íntimo com as ações desenvolvidas pelos

administradores dessas instituições, acreditamos que entrevistas com os diretores

dos espaços no período estudado possibilitarão a compreensão dos problemas de

gestão interna destes equipamentos, ou seja, suas políticas e projetos.

Outra questão de nosso interesse diz respeito à acessibilidade (física e

social) desses equipamentos. Levantamento de preços de bilheteria e análise da

região em que se encontram os equipamentos contribuíram para cumprir tal

pretensão. Finalmente, acreditamos que uma reflexão sobre a centralização dos

equipamentos no município de Curitiba é bem apropriada.

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2. DO CIMENTO À PAREDE: A CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS X EQUIPAMENTOS CULTURAIS

2.1 O QUE É POLÍTICA PÚBLICA

Toda ação do Estado na sociedade, incluindo a criação de equipamentos

culturais e sua gestão, origina-se de uma política pública. Ao querermos

compreender o funcionamento, ou mesmo a simples existência de um determinado

equipamento cultural de nossa cidade, é fundamental que nos debrucemos sobre o

estudo da política pública que o originou. Após essa descoberta, precisamos

acompanhar o trajeto dessa política até a chegada da obtenção de resultados finais

objetivados por ela.

Vários pesquisadores já conceituaram política pública com visões diversas,

como relata Celina Souza, ao dizer que:

Não existe uma única, nem melhor, definição sobre o que seja política pública. Mead (1995) a define como um campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas e Lynn (1980), como um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters (1986) segue o mesmo veio: política pública é a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos. (2006, p. 24).

Ainda segundo Souza (2006), Thomas R. Dye sintetiza a definição de

política pública como “o que o governo escolhe fazer ou não fazer”. Contudo, ela

reforça que a definição mais conhecida continua sendo a de Laswell, ou seja,

“decisões e análises sobre política pública implicam responder às seguintes

questões: quem ganha o quê, por que e que diferença faz”.

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Assim, já sabemos que se trata de um campo cujo estudo possibilita analisar

o governo e sua atuação diante das questões públicas. Há ainda a possibilidade de

estudar os efeitos produzidos por essas ações que influenciam a vida das pessoas.

Nesse estudo é possível topar com ações que o governo escolheu por em prática,

mas também com prováveis fatores que o levaram a não realizar outras. Estamos

falando daquelas que ficaram engavetadas ou sequer foram cogitadas. Finalmente,

diríamos que não podemos analisar políticas públicas sem nos questionarmos

acerca daqueles que possivelmente vieram a ganhar com elas. As questões vão

além e se estendem pelo fato de terem sido beneficiados com os reflexos

promovidos em suas vidas.

O que podemos ter como base para uma conceituação é que as políticas

públicas têm como princípio de criação atender as necessidades demandadas da

sociedade. No entanto, a nosso ver, com base nas várias definições relatadas no

texto de Celina Souza, torna-se bastante complexo conceituar políticas públicas de

maneira rasa, por se tratar de um campo multidisciplinar.

Por isso, uma teoria geral da política pública implica a busca de sintetizar teorias construídas no campo da sociologia, da ciência política e da economia. As políticas públicas repercutem na economia e nas sociedades, daí por que qualquer teoria da política pública precisa também explicar as inter-relações entre Estado, política, economia e sociedade. Tal é também a razão pela qual pesquisadores de tantas disciplinas – economia, ciência política, sociologia, antropologia, geografia, planejamento, gestão e ciências sociais aplicadas – partilham um interesse comum na área e têm contribuído para avanços teóricos e empíricos. (SOUZA, 2006, p. 25).

Para Lindomar Bonetti, em síntese, a academia trata esta temática se

focando em especial na destinação e no gerenciamento de recursos públicos, “[...]

uma análise de resultados, necessária, sem dúvida, mas que deixa a desejar no que

se refere à etapa anterior [...].” (BONETTI, 2006, p. 07). Esta etapa anterior, a que

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Bonnetti se refere, é o momento em que nasce uma ideia que origina uma política

pública. Segundo o autor, é ainda “a complexidade que antecede e que justifica o

nascer de uma idéia de onde ela tem origem, assim como a complexidade que

envolve a sua operacionalização.” (BONETTI, 2006, p. 07).

Autores como Bonetti e Graças Rua concordam que tanto na fase de criação

quanto na sua operacionalização existe um conflito de poderes de diversos atores

em prol de seus interesses. Isto é, a criação de uma política pública não nasce

apenas com o intuito de responder a uma necessidade demandada pela sociedade,

mas também de atender aos interesses de seus idealizadores e das pessoas que

participam do processo.

Portanto, não podemos deixar de mencionar que o surgimento ou mesmo a

trajetória de uma política pública depende também (em seus detalhes) das

expectativas criadas pelos atores. Tomemos como exemplo o caso fictício de uma

idealizadora que criou um programa aparentemente muito apropriado, mas que na

prática apresenta muitos defeitos. Ela certamente relutará em se convencer que

estava errada, e principalmente de assumi-lo publicamente. Quando da prestação de

contas aos seus pares e diante da sociedade de modo geral, ela procurará enfatizar

apenas os pontos positivos. Sabemos que naturalmente haverá aqueles que

pretendem se promover em termos de imagem junto a determinado programa.

Esses, certamente, não vão medir esforços para se favorecerem com uma política

pública, mesmo que para isso tenham que até mesmo se distanciar um pouco dos

reais objetivos do programa. Sem falar aqui dos que pretendem se beneficiar

financeiramente, utilizando-se para isso até mesmo de ações criminosas. Fora disso,

há ainda os adversários políticos das pessoas cujos nomes estão diretamente

ligados ao programa. Esses, certamente, irão ficar sempre na espreita para se

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aproveitarem de qualquer deixa ou mesmo de mentiras para divulgar o quanto o tal

programa é ineficaz e quanto dinheiro público abusivo foi empregado para a

realização de tal programa.

Enganam-se ainda os que imaginam que esses atores, que buscam atender

seus interesses nas políticas públicas e/ou que de certa forma influenciam nas

decisões, são integrantes apenas do governo, ou de que este último compartilha

seus interesses exclusivamente com a classe dominante. Segundo Rua (1998), os

atores que influenciam na etapa de criação são além de políticos e seus partidos,

empresários, trabalhadores representados por sindicatos, demais organizações

sociais como ONGs, Igrejas e até mesmo agentes internacionais. Esse ponto de

vista também é compartilhado por Bonetti:

[...] a definição das políticas públicas é condicionada aos interesses das elites globais por força da determinação das amarras econômicas próprias do modo de produção capitalista. Isso significa afirmar que ao se falar da relação entre o Estado e as classes sociais, entra-se obrigatoriamente na questão dos agentes definidores das políticas públicas, os que não são apenas nacionais. (2006, p.14).

Não podemos ainda ignorar, nessa instância da criação das políticas

públicas, a interferência da mídia, embora ela não atue diretamente, como lembra

bem Maria das Graças Rua.

Principalmente os jornais e a televisão são importantes agentes formadores de opinião, que possuem capacidade de mobilizar a ação de outros atores. Na verdade, principalmente a televisão, tem um grande poder de formar a agenda de demandas públicas, de chamar a atenção do público para problemas diversos, de mobilizar a indignação popular, enfim, de influir sobre as opiniões e valores da massa popular. É importante assinalar, ainda, que a mídia impressa e/ou eletrônica pode ser, ao mesmo tempo ou alternativamente, um ator, um recurso de poder e um canal de expressão de interesses. (1998, p. 05).

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No Brasil, todos sabem que iniciativas da Rede Globo de Televisão

exemplificam bem esse fenômeno. Todo ano vários artistas são mobilizados para a

campanha “Criança Esperança”. Tal campanha visa arrecadar fundos para

programas, projetos sociais voltados à clientela em questão. Há ainda programas

televisivos como o conhecido programa jornalístico CQC (Custe o que custar), que

de forma bem humorada denuncia semanalmente situações de descaso completo

dos governantes com a comunidade a qual estão ligados, tais como hospitais

inacabados e promessas não cumpridas. Queremos lembrar aqui que tais citações

encontram-se neste trabalho somente a título de exemplo e que não é nosso intuito

emitir nenhum juízo de valor acerca delas.

Na fase operacional, isto é, depois de criada, a política pública é executada

pelos órgãos do Estado (secretarias, diretorias e outros setores públicos). É nesta

fase que entra em ação outros atores de grande influência na aplicação de uma

política pública – os Burocratas. Como afirma Bonetti (2006), são eles os

responsáveis pela transformação das políticas públicas em projetos, os quais serão

postos em ação com o objetivo de interferir na realidade social.

Nessa fase ainda existe uma grande relação de poderes. Além dos já

citados anteriormente (políticos, empresários e organizações sociais) a disputa de

poder aqui se estabelece entre os burocratas. Ou seja, cabe aos diretores e chefes

de setores a definição de como será a operacionalização da política pública

transformada em projeto. Isso, segundo Bonetti, cria uma rede de micropoderes,

quer dizer,

cada um em sua instância, entra em contato com uma determinada fase das políticas públicas, inserindo nestas um pouco de si, da instituição que representam ou do seu comprometimento com grupos sociais diversos. (2006, p. 71).

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Vamos exemplificar tal situação pensando num programa imagético que visa

atender crianças e adolescentes. Imaginemos que uma determinada verba é

destinada a promover ações para atender essa clientela na periferia visando afastá-

los do universo das drogas, do crime. No decorrer de tal programa pode existir um

determinado profissional a ele ligado que tenha um perfil para trabalhar mais com

adolescentes. Dessa forma, na região em que ele atuar o programa pode parecer

voltado apenas a essa clientela. A reflexão de Lindomar Bonetti, a seguir,

complementa nossa linha de pensamento:

As pessoas, toda via, que entram em contato com as políticas públicas no decorrer de suas longas trajetórias, não pensam de modo uniforme, não têm a mesma interpretação de intervenção na realidade, etc. As políticas públicas, ao longo de seus percursos, são contaminadas por interesses, inocências e sabedorias. (2006, p. 72).

2.2 A SOCIEDADE NA ELABORAÇÃO E NA MANUTENÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS / DIVERSIDADE CULTURAL

Entendemos, então, que quanto maior a participação da sociedade, desde

que de maneira organizada e objetiva, nas instâncias pelas quais passa uma política

pública, da sua elaboração até a execução, maior as chances de ela atender a

demanda real desta sociedade. Este pensamento é compartilhado por Isaura

Botelho,

Somente através dessa militância poder-se-á “dar nome” – no sentido mesmo de dar existência organizada – a necessidades e desejos advindos do próprio cotidiano dos indivíduos, balizando a presença dos poderes públicos. (2001, p. 06).

No caso das Políticas Públicas de Cultura – “Políticas Culturais”, as quais se

relacionam diretamente com os equipamentos estudados neste trabalho, a

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participação da sociedade tem sido mais frequente. Citaremos um exemplo referente

à Lei Federal de Incentivo à Cultura (n. 8.313 de 23 de dezembro de 1991), também

conhecida como Lei Rouanet. Ela institui políticas públicas para a cultura nacional,

como o PRONAC – Programa Nacional de Apoio à Cultura. O grande destaque

dessa Lei é a política de incentivos fiscais que possibilita às empresas e aos

cidadãos aplicarem uma parte do imposto de renda devido em ações culturais.

Em prol da reformulação da Lei Rouanet, segundo Calabre (2009), foram

realizadas pelo Ministério da Cultura deste país várias consultas e fóruns, em que

diversos segmentos da área artística e da sociedade em geral puderam participar e

opinar, apresentando estratégias e diretrizes para nova lei. Abriram-se, a partir daí,

canais de diálogo entre o Minc (Ministério da Cultura) e a sociedade civil.

Complementa ainda Lia Calabre,

O país vive hoje um movimento contínuo de construção de projetos coletivos e gestão pública nas mais variadas áreas. São cada vez mais atuantes os conselhos que contam com a participação efetiva da sociedade civil. (2009, p. 297).

Para Calabre (2009), a criação destes canais de participação da sociedade

civil é a base deste novo modelo de gestão, focando o reconhecimento da

diversidade cultural dos diversos agentes sociais.

Diversidade é a pauta das políticas culturais do mundo atual. Segundo

Antonio A. Dayrell de Lima, Embaixador do Brasil junto à UNESCO, na 32.ª

Conferência Geral desta organização, realizada em 2005, o Brasil defendeu a

negociação de uma Convenção sobre a Proteção da Diversidade Cultural. Em 2006

o texto oficial foi ratificado pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo n. 485/2006.

Neste texto conceitua-se Diversidade Cultural referindo-se à

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[...] multiplicidade de formas pelas quais as culturas dos grupos e sociedades encontram sua expressão. Tais expressões são transmitidas entre e dentro dos grupos e sociedades. A diversidade cultural se manifesta não apenas nas variadas formas pelas quais se expressa, se enriquece e se transmite o patrimônio cultural da humanidade mediante a variedade das expressões culturais, mas também através dos diversos modos de criação, produção, difusão, distribuição e fruição das expressões culturais, quaisquer que sejam os meios e tecnologias empregados. (UNESCO BR/2007/PI/H/1, 2006, p. 05).

Antes se discutia a democratização da cultura, ou seja, a promoção do

acesso de todos aos espaços culturais. Com o surgimento das reflexões sobre a

diversidade cultural surge outro foco – a democracia cultural, que tem por princípio,

segundo Isaura Botelho,

[...] favorecer a expressão de subculturas particulares e fornecer aos excluídos da cultura tradicional os meios de desenvolvimento para eles mesmos se cultivarem, segundo suas próprias necessidades e exigências. (2001, p. 24).

Analisando o conceito de diversidade colocado pela UNESCO, percebemos

que não se trata apenas de reconhecer as várias expressões culturais transmitidas

pelos grupos da sociedade. Consiste ainda em fomentar a criação e produção,

encontrar meios para difundir e distribuir esse multiculturalismo de maneira tal que

possa fruir entre os diversos grupos de forma recíproca.

Trabalharemos a partir deste momento somente a questão da arte dentro

desse universo mais amplo que é o da cultura. Não podemos aqui cometer o

equívoco de fazer uma separação de valores entre arte erudita e arte popular.

Tem-se a situação paradoxal de ver os setores mais democratas e os mais conservadores partilhando uma separação estanque entre o erudito e o popular: uns vendo neste último o apanágio dos valores nacionais não contaminados; e outros vendo nele o espelhamento de uma pobreza e de um atraso a serem rejeitados. (BOTELHO, 2001, p. 8).

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Na atualidade, a arte vendida nas ruas em feiras, como as do nordeste do

Brasil, é encarada como artesanato por justamente aqueles que veem nela o reflexo

de pobreza e atraso cultural. Quando provavelmente alguns antropólogos vão

encarar tal manifestação artística de uma pureza genuína não maculada pela

modernidade.

Tal separação não se justifica, pois a dinâmica do processo é outra, sendo marcada por uma comunicação recíproca entre os setores, ressalvadas as diferenças e mesmo conflitos que, no entanto, não autorizam a visão do popular como sinônimo de identidade nacional ou de atraso e nem permitem assumir a erudição como algo negativo porque mecanicamente associada a valores de uma elite que rejeita o nacional e prefere valores importados. (BOTELHO, 2001, p. 8).

Ainda segundo Isaura Botelho, é preciso evitar a polarização excludente.

Para a autora, democracia e identidade nacional não se reduzem à defesa do

popular como lugar do valor e da autenticidade. Para a autora “...estão em jogo a

circulação das várias formas de expressão e conhecimento, o uso de linguagens

diversificadas e a promoção das formas de cultura que permitam avançar tanto em

termos de arte quanto de qualidade de vida.” (BOTELHO, 2001, p.11). Pelo menos

no que diz respeito às artes plásticas, podemos verificar que na atualidade e na

realidade brasileira muito daquilo que sempre foi encarado como material advindo do

campo do popular tem se misturado à chamada “arte erudita”. Tal situação é visível

nas bienais, grandes mostras de arte contemporânea de caráter internacional. As

obras que têm um discurso aparentemente bastante sofisticado costumam se

apropriar da chamada arte popular na sua constituição. Assim, acreditamos que haja

expansão dos limites popular/erudito, e que eles já não sejam mais tão precisos

como antes.

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2.3 A FORMAÇÃO DA PLATEIA / DESCENTRALIZAÇÃO

Para que se possa despertar o interesse pela arte, um dos pontos

fundamentais é a aproximação do público com a linguagem artística colocada à

apreciação. É importante aqui a compreensão de aproximação como conhecimento,

ou seja, para se compreender um espetáculo de teatro contemporâneo, por

exemplo, é preciso antes conhecer a história do teatro, sua trajetória, as influências

da dança, artes visuais e multimídia. Conforme afirma Isaura Botelho, “não me

coloco simplesmente em frente de uma obra de arte contemporânea e fico

fascinada. É preciso ter um repertório para que eu converse com essa obra.” (2006).

Esta premissa não é restrita à arte erudita. Para que a arte popular possa ser

entendida e admirada por uma sociedade em que ela não está tão explícita, é

necessário o conhecimento de sua linguagem, isto é, sua origem, como e o que ela

comunica. É claro que há vários níveis de compreensão, acreditamos que projetos

itinerantes que levam o espetáculo a pessoas que nunca tiveram acesso a esse tipo

de arte tenham um resultado positivo. Quer dizer, não ignoramos que um simples

contato com a obra, sem um prévio conhecimento, possa impactar alguém. No

entanto, quando pensamos em política pública, que tem por objetivo uma

transformação sociocultural, é importante que tenhamos uma visão mais profunda,

de um alcance em longo prazo e não imediatista e superficial.

Aqui podemos então definir uma estratégia de política cultural com bases na

educação. Fazendo então um link com o foco desta pesquisa que são os

Equipamentos Culturais, podemos concluir que a construção de equipamentos, por

si só, não alcança um resultado eficaz se não houver um trabalho de formação de

plateia. Reforçando o argumento anterior, de que uma política pública de cultura

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deve ter uma visão mais profunda, de um alcance em longo prazo. Podemos citar o

exemplo do que aconteceu na França na década de 60. Conforme relata Isaura

Botelho, a França, na época, preocupada com a democratização cultural,

descentralizou-se em direção ao interior e aos subúrbios, o governo passou a subvencionar de forma intensa e desenvolveram-se as relações públicas das diversas instituições, para se alcançar o público popular tão desejado. Porém, a democratização da cultura repousava sobre dois postulados implícitos: só a cultura erudita merecia ser difundida; e bastaria o encontro entre o público – considerado de forma indiferenciada – e a obra para que houvesse uma adesão [...]. [...] A prática redundou numa falsa democratização, pois baseava-se na crença da aptidão natural do ser humano em reconhecer de imediato “o belo” e “a verdade”, apenas pela possibilidade de ter acesso às instituições da cultura erudita. (2001, p. 20).

A descentralização de equipamentos culturais, portanto, deve ser pensada

para além do conceito “físico-espacial”. Descentralizar não é somente distribuir

equipamentos por bairros, e sim proporcionar que o acesso a eles alcance a

população periférica, e não se resuma à classe artística e à elite.

Descentralizar não é desconectar equipamentos, espalhando-os pela periferia, embora esses espaços sejam muito importantes. Descentralizar é fortalecer atores culturais autônomos, educá-los para a responsabilidade urbana, muni-los de recursos para suas atividades e, sobretudo confiar em sua capacidade criativa e estimular a participação. (FARIA, 2003, p. 41).

No entanto, não queremos desconsiderar a importância da distribuição dos

equipamentos pela periferia. O que pretendemos é reforçar o argumento de que a

descentralização abrange também o aspecto social. A esse respeito, Santos (1998)

afirma que a distribuição de equipamentos culturais para fora do centro terá efeito

apenas se houver medida que “dê lugar a uma vida cultural mais intensa e alargada”

e que incentive a produção local. Portanto, para se construir um equipamento

cultural deve-se considerar o local em que será inserido e como ele irá atingir

socialmente a população daquela região.

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Para Matoso (2009), retornando ao que já havíamos citado no início deste

trabalho, os equipamentos culturais devem ser tidos como meios para atingir os fins

para qual foram criados. Eles não podem ser conformados simplesmente como fins

em si mesmo. Entendemos aqui como conformação em um fim o fato de um

equipamento existir apenas como espaço de apresentação, ou seja, um mecanismo

que se propõe simplesmente a levar a obra até o público. Um equipamento cultural

deve ser um meio pelo qual se possa fomentar a criação e produção artística,

difundir e distribuir esse multiculturalismo. Isto é, precisa haver mais trabalho que se

costuma chamar de mediação ou de arte educação.

Entendemos, então, que não basta construir equipamentos se eles não

estiverem escorados por políticas, programas e projetos, que considerem não só o

público, mas também os disseminadores da cultura.

21

3. POR TRÁS DAS PAREDES: DA CRIAÇÃO À AÇÃO

3.1 O CASO DE CURITIBA

Retomando algo que foi apresentado no início deste trabalho, verificamos

que para entendermos a existência e funcionamento dos equipamentos estudados é

importante conhecer a estrutura política que possibilitou a existência deles.

A administração de Curitiba é norteada por um plano diretor. A estrutura

atual foi criada em 1966. É importante também destacar a criação do IPPUC –

Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, que teve como função, na

época, detalhar e implementar o Plano; e a COHAB – Companhia de Habitação

Popular de Curitiba. Essas são instituições de fundamental importância para o

desenvolvimento do plano de 1966. Suas metas pautavam transformações físicas,

econômicas e culturais da cidade.

Entre os pontos importantes para nossa pesquisa, referentes às ações

desencadeadas por este plano, temos a criação das Regionais Urbanas em 1986,

dando início a uma gestão descentralizada nos bairros. Outro ponto é a instituição

da Outorga Onerosa no Direito de Construir ou Lei do Solo Criado, que possibilitara

conservar áreas e unidades de interesse histórico ou ambiental através de permutas

e transferências de potencial construtivo. Este mecanismo será utilizado na Criação

do Teatro Novelas Curitibanas, como também na estruturação do Centro de

Criatividade no Parque São Lourenço, onde está instalado o Teatro Cleon Jacques.

Outro projeto do plano que possibilita anos depois a criação do Cleon Jacques é a

criação de parques e bosques para controlar as enchentes. Através desta iniciativa

22

surge o Parque São Lourenço. Haverá, assim, ações focalizadas em edifícios

históricos que irão transformá-los em espaços culturais.

A partir de 1971 se iniciam ações locais para Preservar o Patrimônio. Demarca-se por decreto o Setor Histórico, espaço da cidade com maior concentração de casarões antigos, edificados entre o século XIX e início do XX. A Rua XV tem o trânsito interditado e fachadas sob conservação oficial. Com recursos para reciclagem e restauração, um antigo depósito militar de pólvora, situado no bairro Prado Velho, transforma-se no Teatro Paiol. Em uma fábrica de cola desativada se instala o Centro de Criatividade de Curitiba. (CURITIBA, 2004, p. 59).

Segundo histórico da Casa da Memória de Curitiba, a criação do Teatro

Paiol deu início a uma movimentação cultural que Curitiba não estava acostumada.

Cresce então a demanda por atividades culturais.

Para viabilizar essas transformações culturais e promover a defesa do

patrimônio histórico e artístico, é criada em 1973 a Fundação Cultural de Curitiba –

FCC, um outro importante órgão que terá influência direta na criação e gestão dos

equipamentos culturais de Curitiba onde “... no período pioneiro do Plano Diretor, é

intensa a criação de espaços culturais.” (CURITIBA, 2004, p. 59).

Em 2004, o plano é adequado ao estatuto da cidade, conforme Lei n. 11266

de 16 de dezembro de 2004, objetivando a promoção do desenvolvimento

socioartístico-cultural da população. Suas diretrizes tratam de Curitiba como polo de

referência na promoção de eventos culturais e ainda sobre a ampliação e

consolidação das “possibilidades de convivência cotidiana do cidadão com

atividades artísticas e culturais, considerando novas formas de expressão e a

inserção da arte no âmbito comunitário.”(CURITIBA, 2004, p. 97).

Sobre os equipamentos culturais, a Lei menciona que deverão ser utilizados

mecanismos de descentralização e universalização da atividade cultural. Ela destaca

23

também que é preciso “ampliar as possibilidades de produção, difusão e acesso aos

bens e atividades culturais, incentivando as relações entre a arte e a tecnologia;

incentivar e fomentar a participação pública e privada no financiamento de projetos

culturais.” (CURITIBA, 2004, p. 97).

3.2 OS EQUIPAMENTOS ESTUDADOS

A distribuição geográfica dos equipamentos culturais administrados pela

prefeitura de Curitiba foi o ponto de partida para a definição do objeto de estudo

deste trabalho. Através da página eletrônica da Fundação Cultural de Curitiba foram

elencados todos os equipamentos classificados como teatro, um total de dez. De

posse dos endereços, esses equipamentos foram distribuídos geograficamente no

mapa de Curitiba (Figura 1).

FIGURA 1 - DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DOS EQUIPAMENTOS

NOTA: Figura extraída do site http://www. http://maps.google.com.br/. Acesso em: 09 jul. 2010. Editada por Eloi V. Magalhães.

24

Do montante de dez equipamentos, apenas quatro deles situam-se em

bairros mais afastados do centro, o que comprova a concentração destes espaços

na região central de Curitiba. Entre os quatros afastados está o Teatro Paiol, na

região do Bairro Rebouças, dedicado à Música. Contudo, ele não foi escolhido como

objeto desta pesquisa, pois por uma questão de delimitação1 foram selecionados

apenas os espaços de artes cênicas. Os outros três espaços afastados do centro

são: o Teatro Cleon Jacques (2), próximo dele o Teatro Ópera de Arame, e o Circo

da Cidade “Zé Priguiça” (3), que se localiza mais afastado, na região sul. O Circo da

Cidade “Zé Priguiça” não é um teatro como os outros, no entanto, foi inserido nesta

pesquisa por contemplar as artes cênicas e apresentar-se num formato propício para

se discutir a descentralização.

O Teatro Ópera de Arame também não foi foco desta pesquisa por se

distanciar dos outros equipamentos em termos de função, ou seja, se dedica a

eventos de grande proporção voltados para um público elitizado. Segundo Clovis

Severo, Coordenador de Teatro da Fundação Cultural de Curitiba, o custo de

produção neste equipamento, dado a sua dimensão, é muito alto. As condições

técnicas também ainda não são ideais, a sonorização e iluminação do espaço

também têm um custo elevado. “[...] o espaço é gigantesco e gigantescas também

são as produções e obviamente são caras” (SEVERO, 2010)2. Além de também se

tornar um ponto turístico devido a sua arquitetura, o foco do Teatro Ópera de Arame

são shows musicais e formaturas.

Dessa forma, faremos um breve estudo de caso referente ao teatro Cleon

Jacques e ao Circo da Cidade “Zé Priguiça”, que representarão os equipamentos

1 Optou-se delimitar a pesquisa focando os espaços com histórico em teatro, uma vez que o autor desta monografia transita por esta área.

2 SEVERO, Clóvis. Entrevista concedida a Eloi Vieira Magalhães. Curitiba, 17 mar. 2010.

25

periféricos. Na região central foi escolhido para pesquisa o Teatro Novelas

Curitibanas (1), pela sua característica de utilização através de editais públicos.

Apesar de termos iniciado este capítulo com a questão da distribuição

geográfica, discutiremos a descentralização dos equipamentos mais à frente.

Consideramos de suma importância realizar um breve histórico destes espaços,

suas políticas e projetos.

3.3 TEATRO NOVELAS CURITIBANAS

FIGURA 2 - TEATRO NOVELAS CURITIBANAS NOTA: Figura extraída do site http://www.fundacaoculturaldecuritiba.com.br/. Acesso em: 09 jul. 2010.

O Teatro Novelas Curitibanas fica na região central de Curitiba. Construído

em 1902 na Rua Carlos Cavalcanti n. 1222, era um espaço particular, servindo de

residência para a família Vieira Cavalcanti. Posteriormente, segundo Clóvis Severo,

26

após diversas ocupações anteriores este local foi adquirido pela administração

municipal através de uma barganha entre potencial construtivo3 e uso do espaço.

Assim, foi adaptado para espaço cultural, tendo sua inauguração em 1992.

A primeira peça encenada neste espaço foi “O vampiro e a polaquinha”, obra

do escritor Dalton Trevisan, montada por Ademar Gerra, ficando em cartaz durante

quatro anos. Ela se tornou um dos maiores sucessos do teatro paranaense. Severo,

reflete sobre a ideia que originou o “Novelas”, referindo-se à montagem da peça

comentada no início do parágrafo. Ele diz:

Naquele momento dava dimensão do que se pretendia. [...] Porque, assim, nós vamos discutir dentro desse universo as novelas curitibanas. Quer dizer, não é um teatro, europeu contemporâneo e nem o teatro brasileiro contemporâneo, mas é o teatro produzido, refletindo a ideia da própria cidade, tendo como pano de fundo as relações entre as pessoas da cidade. (SEVERO, 2010, não publicado).

O espaço funcionou até 1999 com a participação de grandes atores e

diretores que levaram importantes histórias e personagens ao seu palco, e depois

disso ficou fechado por sete anos. “Literalmente as paredes estavam abrindo e

corria o risco, de acordo com os engenheiros, [...] de cair, de ruir o prédio. E a casa

literalmente foi fechada” (SEVERO, 2010). Ainda segundo Clóvis, neste período em

que o Teatro ficou fechado, houveram vários movimentos em prol de sua reabertura

entre o Presidente da Fundação Cultural e os órgãos de Classe. A reforma deu início

em 2006, com recursos do Fundo Municipal de Cultura. Sobre o projeto de reforma,

relembra Clóvis Severo:

3 Potencial Construtivo é um excedente de área não construída do terreno, que pode ser repassado a outro empreendimento ou mesmo dado como forma de pagamento em desapropriação ou outra forma de aquisição, bem como à preservação de bens tombados.

27

A gente queria fazer o seguinte: botar o teatro, com capacidade de iluminação cênica e som, de tal monta, que se você montasse como o fundo de palco para qualquer lado, tendo o fundo o palco ou não tendo, tendo cortina ou não tendo, que aquilo, o ambiente fosse mais adequado para incentivar a criatividade dos encenadores daqui da cidade. E aí o que aconteceu. Naquele momento a gente optou por essa formação, conseguimos executar isso, mudamos um pouco o projeto, e o palco foi inaugurado em 2006, no caso, no final de 2006. Já abrindo com uma temporada de uma peça que era dirigida por cinco diretores. Então já de linguagens diferentes, escolas diferentes, mas cinco diretores jovens, diretores históricos da cidade. Eram Marcelo Marquioro, Edson Bueno, Fernando Quinas, Felipe Rich e Marcio Abreu. E já sinalizando na própria inauguração o que viria, ou seja, o contemporâneo, a cena contemporânea, a possibilidade de você ter neste espaço a questão de, essencialmente, a questão da criatividade em voga. [...] Um formato da investigação, essa foi a ideia desse espaço. E aí a gente resgatou um pouco a história antiga do espaço, pensando nessa coisa da cidade, pensando na criatividade. (SEVERO, 2010, não publicado).

O Teatro Novelas Curitibanas, reinaugurado em 2006, tem capacidade para

70 lugares na plateia e abriga também a Biblioteca Oraci Gemba, em homenagem

ao dramaturgo curitibano, e uma sala de exposição. Sua política de ocupação e

desenvolvimento de atividades se dá através de editais públicos com recursos do

Fundo Municipal de Cultura. Na década de 90, segundo Severo, “eram coisa de

20.0000 reais, no começo do plano real. Chegamos hoje num patamar de 50.000

reais, que é o que a Fundação incentiva lá por um espetáculo.” Em termos de

projetos de fomento à produção local, a qual se propõe a uma pesquisa teatral

contemporânea, a política pensada e desenvolvida para o Teatro Novelas

Curitibanas funciona muito bem. O edital de seleção de projetos é lançado uma vez

por ano e contempla atualmente seis produções que preenchem praticamente a

pauta do teatro com apresentações e contrapartida social, sobre esta última explicita

o Edital de 2010 em seu artigo 2.5:

Cada projeto deverá conter obrigatoriamente proposta de contrapartida social, consistente na realização de ações de difusão artística, capacitação e/ou aprimoramento técnico, que incluam ciclos de debate, leituras dramáticas, cursos continuados, intervenções no espaço urbano,

28

workshops, dentre outras. Na análise das propostas, serão valorizados a abrangência das ações, em termos quantitativos e qualitativos, e os elementos qualitativos constantes dos currículos dos executores destas ações. (CURITIBA, 2010, p.3).

Segundo Severo, políticas e estratégias para o Novelas Curitibanas são

articuladas entre a classe artística, a Fundação Cultural de Curitiba e os novos

artistas que se despontam na classe artística. Isso acontece devido à maturidade

adquirida com outros projetos. Ele ainda afirma que mudanças são possíveis e

necessárias e coloca como isso deve acontecer:

Então a gente espera, e abre sempre, ao diálogo, este tipo de coisa. Porque hoje em dia não cabe mais decisão de gabinete. Falo isso por minha conta e risco. Não cabe mais a decisão do gabinete e direção artística dizer, assim não vamos caminhar, essa direção artística me parece que não é mais cabível. Ainda mais com um nível técnico e artístico que a gente encontra nos elencos da cidade. Não me parece cabível isso. Fora alguns projetos pontuais, aí não tem como. Num projeto, como é o projeto do Novelas, cabe essa parceria da sociedade civil com a iniciativa pública. Eu acho isso a única forma, eu francamente não consigo ver outra forma de trabalho. (SEVERO, 2010, não publicado).

O Teatro Novelas Curitibanas não possui atividades próprias, no que se

refere a oficinas e workshopings. Tudo é feito através de edital do Fundo Municipal

de Cultura. Se houver essas atividades, elas são ministradas pelos grupos ou

contratados por estes. Tais ações se referem à contrapartida social mencionada

anteriormente.

Verificamos também que o espaço não desenvolve cursos fixos de longa

duração voltados à formação. Aliás, os cursos de longa duração não ocorrem em

nenhum dos espaços, com exceção do Circo da Cidade “Zé Priguiça”. Em Curitiba,

tudo indica que quem quiser fazer um curso de teatro, com exceção dos de curta

duração, tem que ingressar na Faculdade de Artes do Paraná (curso superior), na

Universidade Federal do Paraná (curso tecnológico) ou em entidades particulares.

29

Estas últimas são muitas, porém, oferecem um preço fora do alcance da população

de baixa renda.

Severo menciona que, no que se refere ao repasse financeiro da Prefeitura

para a Fundação Cultural, os recursos financeiros foram gradativamente deixando

de existir. Ele afirma ainda que a Fundação não possui uma grande estrutura. Hoje,

em termos financeiros, a Fundação não tem mais capacidade de investimento direto,

como era na década de 90. Assim, dificilmente conseguiria manter a estrutura de

projetos e o recurso destinado a eles como hoje é praticado. Ainda para o

Coordenador de Teatro da Fundação, o uso do Fundo Municipal de Cultura trouxe

uma forma mais democrática e efetiva de investimento, proporcionando uma maior

clareza e lisura do uso do recurso público, tanto para a classe artística como para a

população.

Isso é acompanhado o tempo todo com relatórios, com acompanhamento direto efetivo. Então, o Novelas, hoje, o projeto dele é fechado no edital de fundo. Para o momento me parece que é a solução ideal, em termos de recursos financeiros com a ocupação da casa. (SEVERO, 2010, não publicado).

Quanto à acessibilidade física, o espaço está localizado em uma região de

fácil acesso, que possibilita ao público ir a pé do centro da cidade ou mesmo de

transporte público. Porém, afirma Severo que o público deste espaço utiliza carro

como transporte, por isso foi pensado um amplo estacionamento para o local,

[...] uma coisa que a gente descobriu rapidamente, por experiência de outros teatros e outros locais do centro da cidade, é que não há possibilidade de você não oferecer qualidade de atendimento à população se não oferecer um serviço de estacionamento. (SEVERO, 2010, não publicado).

30

Quanto à acessibilidade social, em se tratando de preço de ingresso

praticado pelo teatro, em 2009 o ingresso era uma lata de leite em pó. Atualmente é

praticada a cobrança de dez reais para entrada inteira e cinco reais para meia

entrada. Para Severo, trata-se de um preço popular que ao menos não desvaloriza o

produto cultural, “impressionantemente a população dá mais valor a esse espetáculo

que cobra ingresso do que quando você oferece uma demanda gratuita ou ingresso

social” (SEVERO, 2010).

3.4 TEATRO CLEON JACQUES

FIGURA 3 - TEATRO CLEO JACQUES NOTA: Figura extraída do site http://www.fundacaoculturaldecuritiba.com.br/. Acesso em: 09 jul. 2010.

31

O Teatro Cleon Jacques fica situado no bairro São Lourenço, a

aproximadamente 5 km do centro de Curitiba. Seu nome foi dado em homenagem

ao ator e diretor de teatro radicado em Curitiba, falecido em 1997, tendo destaque

na cena cultural da cidade nas décadas de 80 e 90.

O Espaço é alternativo, sem palco fixo. As cadeiras da plateia ficam sobre

praticáveis móveis possibilitando tipos variados de encenações. É bom lembrar que

o Teatro faz parte de um complexo denominado Centro de Criatividade, o qual oferta

à população além de Biblioteca, oficinas diversas nas áreas de artes plásticas e

literatura. Este complexo teve sua criação bem anterior, em 1972. Já o Cleon foi

inaugurado somente em 21 de julho de 1998, com a apresentação do espetáculo

“Alice através do espelho”, com direção de Paulo de Moraes, do grupo Armazém,

hoje sediado no Rio de Janeiro.

Segundo Clovis Severo, na década de noventa e começo do ano 2000, o

foco do teatro era mais experimental, com produções autorais advindas do

Mecenato. Porém, com o crescimento das casas de teatro pela cidade em 2000,

estas produções foram migrando para outros espaços. Isso se deve ao fato do Cleon

Jaques estar afastado do centro da cidade, o que dificultava o acesso do público.

Quer dizer, as produções que ocupavam o Cleon não ocupam mais. Aí fizemos este levantamento e descobrimos exatamente isso. Que grandes produções dessa natureza deixaram de estar lá para estar em outros espaços mais centrais, com condições técnicas um pouco melhores, e principalmente condições de acessibilidade. Dando mais conforto, principalmente para o público. (SEVERO, 2010, não publicado).

32

No período de 2005 a 2008, o Cleon foi reformado estruturalmente com

recursos do Fundo Municipal de Cultura. Foram construídos camarins com

banheiros, cabine para bilheteria, que não havia, e banheiros para o público. As

instalações elétricas e hidráulicas foram refeitas como também a pintura interna e

externa do prédio. A cobertura e o piso do palco receberam reforços, a entrada e a

sala da administração foram readequadas. “Então o prédio que não tinha condições

históricas para receber nem público e nem artistas, nesse momento teve” (SEVERO

2010).

A pauta do Teatro hoje é absorvida pelo edital de produção em dança, nos

períodos de outubro a novembro e de fevereiro a março. O Espaço também é

ocupado pelo Festival de Teatro de Curitiba, geralmente no final de março, durante

aproximadamente 15 dias. No restante do ano ele é ocupado por produções

subsidiadas, como afirma o Coordenador de Teatro da Fundação Cultural,

Então o edital em produção em dança ocupa um espaço que era tradicionalmente de teatro, que está tendo o seu caminho, tem que ser incentivado e continuar sendo incentivado para se estabelecer. E aí o resto da pauta do ano são companhias que nos procuram. Mas a maior parte das companhias, já te digo, são as que têm subvenção fiscal de alguma natureza. São raras as companhias independentes, de forma independente que nos procuram. [...] quem nos procura é o pessoal que normalmente ganha os prêmios da FUNARTE. (SEVERO, 2010, não publicado).

O Teatro também responde às necessidades da Regional Boa Vista,

recebendo alguns espetáculos que são direcionados às regionais, através de edital

de difusão. O Teatro Cleon Jaques é administrado pelo Centro de Criatividade de

Curitiba-CCC, diferentemente do que ocorre com o Teatro Novelas Curitibanas. No

33

entanto, as pautas são sempre deliberadas entre os coordenadores de linguagem da

Fundação (teatro, dança etc.) e a coordenadoria do CCC.

Quanto à acessibilidade física e social, o Espaço está localizado no parque

São Lourenço, à margem de uma rua bem conhecida em Curitiba, rua “Mateus

Leme”, que liga o centro aos bairros Centro Cívico, Bom Retiro, São Lourenço,

Pilarzinho, Abranches, Boa Vista e Taboão. A Mateus Leme também é rota para os

parques São Lourenço, Pedreira Paulo Leminsk, Tanguá e também para o Teatro

Ópera de Arame e Universidade Livre do Meio Ambiente. Destaca-se que no ano

2000 o Teatro perde em termos de espetáculos que ocuparam a sua agenda para os

teatros localizados na região central de Curitiba. Isso se deve provavelmente em

função da distância (5 km do centro). Contudo, o Espaço possuiu fácil acesso do

centro, com várias linhas de ônibus que transitam pela Mateus Leme. Há ainda um

grande potencial para atrair o público de pelo menos cinco dos bairros citados

acima.

Severo menciona que o público que frequenta o Cleon Jaques nos

espetáculos de dança é principalmente a população central de Curitiba. A oferta de

dança profissional da cidade é muito pequena e poucos espaços atendem esta

demanda. Já na área do teatro, ele se foca no bairro, atendendo a clientela da

Regional do Boa Vista (SEVERO, 2010).

O preço de ingresso praticado pelo Teatro Cleon Jaques, na área de dança,

no final de 2009 e começo de 2010, foi uma lata de leite em pó. Esse dado foi obtido

através de pesquisa dos espetáculos desta área realizados neste equipamento, via

edital do Fundo Municipal de Cultura. Já nos espetáculos que fazem parte da contra

partida social, item exigido no edital, a entrada foi gratuita. Para os outros

34

espetáculos, frutos de mecenato subsidiado, segundo Clovis Severo, o valor máximo

praticado é de 20,00 reais a inteira e 10,00 reais a meia entrada.

O Espaço também não oferece oficinas de maior duração. Segundo a

Coordenadora da Regional que administra o Centro de Criatividade, isso se deve ao

fato da pauta estar sempre preenchida. Como os grupos precisam ensaiar, e muitas

vezes deixam seus cenários no palco, isto inviabiliza a realização de oficinas mais

longas.

3.5 CIRCO DA CIDADE “ZÉ PRIGUIÇA”

FIGURA 4 - CIRCO DA CIDADE “ZÉ PRIGUIÇA” NOTA: Figura enviada por e-mail pelo Coordenador de Circo da Fundação Cultural de Curitiba.

O Circo da Cidade “Zé Priguiça”, segundo o Coordenador de Circo da

Fundação Cultural, Jackson Oliveira4, teve sua inauguração no dia 10 de outubro de

1976, no parque Barigui. Na época, ele era batizado com o nome do famoso palhaço

4 OLIVEIRA, Jackson. Entrevista concedida a Eloi Vieira Magalhães. Curitiba, 07 jul. 2010

35

Chic-Chic, criado por Otelo Queirolo. O então Circo Chic-Chic funcionou de 1976 a

1979, sob a administração da família circense Queirolo e permanecia por longos

períodos em um mesmo local. O circo passa a se denominar “Circo da Cidade” em

1980, quando a Fundação Cultural de Curitiba assume sua administração.

Em setembro de 2008, o circo ganha uma nova lona e equipamentos, e em

2009 passa a se chamar Circo da Cidade “Zé Priguiça”, em homenagem ao palhaço

Zé Priguiça – personagem do artista curitibano Pedro Irineu dos Santos, falecido em

2001.

O Circo possui aproximadamente 21 metros de diâmetro, com dois

camarins, palco, equipamentos de som e luz e capacidade para 300 espectadores

em arquibancadas. Atualmente está instalado na Rua David Xavier da Silva, s/n.º -

Vila Nossa Senhora da Luz, na Praça Central Enoch A. Ramos, no bairro do CIC,

em Curitiba-PR, distante aproximadamente 13 km do centro.

O foco principal, segundo Jackson Oliveira, é a difusão e o fomento da arte

circense. Assim, além de espetáculos, o Espaço oferece oficinas de técnicas

circenses para as crianças e adolescentes da comunidade das regionais. O Circo

pretende percorrer todas as regionais curitibanas, desenvolvendo suas atividades

durante um período em cada endereço.

Na atual instalação (CIC) estamos há 02 anos e [sic] itineraremos em setembro de 2010 para a regional do (Boqueirão), acreditamos que ficaremos 02 anos em cada regional para fortalecer o programa junto à comunidade e abrirmos caminhos para espaços culturais o equipamentos da prefeitura nestes locais. (OLIVEIRA, 2010, não publicado).

36

Acreditamos que com esse formato itinerante o equipamento consegue

resgatar ainda mais a tradição do circo e ampliar a área do público beneficiado, se

constituindo, desta forma, numa boa estratégia de descentralização.

Sua política de ocupação e desenvolvimento de atividades, a exemplo do

Novelas Curitibanas, se dá através de editais públicos com recursos do Fundo

Municipal de Cultura. Segundo Oliveira, atualmente são dois editais, no Edital de

Difusão em Circo são contemplados 05 grupos circenses com a exigência de 40

apresentações, além das contrapartidas sociais de 40h de oficinas para crianças e

adolescentes das comunidades das 09 regionais de Curitiba. As vagas são limitadas

e gratuitas, resultando em uma apresentação dos alunos no final da oficina. Ainda

segundo Jackson Oliveira, o outro edital, denominado Circo da Cidade “Zé Priguiça”,

contempla 01 grupo e exige 10 apresentações, nesse caso a contrapartida é maior,

192h de oficinas também dirigidas a crianças e adolescentes da comunidade local.

Estas apresentações e oficinas também são gratuitas, com vagas limitadas e com

demonstração de resultado no final com uma apresentação dos alunos.

Portanto, as atividades de apresentações e oficinas ocorrem por meio dos

editais mencionados, podendo o Espaço ainda receber peças de outros editais de

difusão, se a pauta permitir. Mas, segundo Jackson, sempre direcionado à

comunidade local e com entrada franca, funcionando da seguinte forma:

Durante a semana atendemos as escolas, associação de moradores e instituições. No Edital de Difusão há uma apresentação mensal no sábado do espetáculo contemplado para aquele mês direcionado para a comunidade local e com entrada franca. No Edital Circo da Cidade “Zé Priguiça” há apresentações todos os sábados do espetáculo que foi contemplado e com entrada franca. (OLIVEIRA, 2010, não publicado).

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Quanto à acessibilidade física e social, o Circo é voltado para a população

periférica e atende bem este público, se deslocando por bairros. Com isso, acredita-

se que proporcione o acesso a um grande número de crianças e adolescentes da

comunidade da periferia de Curitiba. Os ingressos dos espetáculos e oficinas são

gratuitos, facilitando a participação de um público de baixa renda. Acredita-se

também que o visual do Espaço, marcado pela lona do circo, chame a atenção,

atraindo o público, principalmente o infantil. O trabalho nas escolas é outro fator

muito importante para que o projeto tenha eficácia, no que tange à acessibilidade

social.

3.6 DO CENTRO PARA OS BAIRROS

No tocante à descentralização dos equipamentos culturais de Curitiba na

área de artes cênicas, percebe-se na Figura 1 do início deste capítulo que poucos

são os espaços que estão inseridos na região periférica de Curitiba. No entanto, com

a política de fomento e difusão utilizada pela Fundação Cultural, através dos editais

com recursos do Fundo Municipal, pode-se entender que a estratégia da Fundação

Cultural é a descentralização através das regionais, distribuídas estrategicamente

pelos bairros de Curitiba, aliás, a criação das regionais já tinha por princípio a

descentralização da administração pública de Curitiba.

Foram criadas, através do Decreto nº 41 de 1986, nove administrações regionais: Freguesia da Matriz, do Cajuru, do Bacacheri, de Santa Felicidade, de Campo Comprido, do Portão, do Pinheirinho, do Umbará e do Boqueirão. O projeto das administrações regionais tinha dois objetivos básicos: levar os processos decisórios da Prefeitura para toda a cidade e multiplicar a figura do prefeito na sua capacidade de ouvir, decidir e atender. (CURITIBA, 2000, p. 12).

38

Os grupos financiados pelo Edital “Difusão em Teatro”, por exemplo, devem

apresentar suas peças em espaços distribuídos pelas 09 Regionais de Curitiba,

conforme determina o Edital.

Os projetos contemplados deverão ser adaptáveis aos espaços alternativos, tais como: salões comunitários, praças, pátios de colégio, bibliotecas, Ruas da Cidadania, e outros situados nas 09 (nove) Regionais, conforme planejamento da Diretoria de Ação Cultural. (CURITIBA, 2010, p.3).

Segundo o Coordenador de Teatro da Fundação, existe um planejamento de

estruturação de Centros Culturais em pelo menos quatro regionais dos bairros de

Curitiba até 2012: “na minha opinião deveria ter um Centro Cultural Integrado

multiárea, um pelo menos por regional” (SEVERO, 2010). Contudo, ele reconhece

que estas quatro regionais dos bairros já terão seu centro cultural com infraestrutura

técnica que não deixará a desejar em relação aos espaços do centro. A

característica do Centro Cultural é concentrar várias atividades em um complexo, ou

seja, um espaço que contemple biblioteca, teatro, dança, artes visuais. Para Severo,

este modelo barateia o custo físico mensal. “Se você tem um custo físico menor,

você tem mais dinheiro para investir em artistas, atividades artísticas, contratação de

espetáculos.” (SEVERO, 2010).

Contudo, não podemos nos esquecer do caso relatado por Isaura Botelho

sobre o que aconteceu na França na década de 60:

descentralizou-se em direção ao interior e aos subúrbios, o governo passou a subvencionar de forma intensa e desenvolveram-se as relações públicas das diversas instituições, para se alcançar o público popular tão desejado. Porém, a democratização da cultura repousava sobre dois postulados

39

implícitos: só a cultura erudita merecia ser difundida; e bastaria o encontro entre o público – considerado de forma indiferenciada – e a obra para que houvesse uma adesão [...]. [...] A prática redundou numa falsa democratização, pois baseava-se na crença da aptidão natural do ser humano em reconhecer de imediato “o belo” e “a verdade”, apenas pela possibilidade de ter acesso às instituições da cultura erudita. (2001, p. 20).

O modelo dos centros parece ser bem interessante, por, juntamente com os

editais de difusão, conseguir distribuir os espetáculos pela região periférica da

cidade, fomentando a produção local, aspectos importantes na função de um

equipamento. Contudo, é preciso atenção para que não ocorra a “falsa

democratização”, como citou Isaura Botelho no parágrafo anterior. Algo que pode

estar acontecendo no Teatro Cleon Jacques. Os editais para ocupação deste

espaço contemplam a dança contemporânea, linguagem pouco acessível à região

periférica. As atividades de contrapartida, como ensaios abertos e workshopings,

não conseguem atingir este público local. Um exemplo disso é a participação de um

público advindo da região central nestas atividades, conforme o relato feito tanto

pelo Coordenador de Teatro da Fundação como pelos administradores do espaço.

Ainda segundo Severo, as atividades que atendem ao público local neste

equipamento são as provenientes de editais federais. No entanto, nos parece que

estas atividades acabam excluindo este público, uma vez que o ingresso praticado

nestes casos são na faixa de R$ 20,00 a inteira e R$ 10,00 a meia entrada, o dobro

do praticado pelo equipamento central.

Portanto, não basta criar os espaços e encher suas pautas, são vários os

fatores que devem ser levados em conta para se produzir a acessibilidade dos

equipamentos culturais, como bem relata Fabio de Faria Peres e Victor Andrade de

Melo:

40

Podemos elencar pelo menos três dimensões de grande importância no que se refere ao acesso aos equipamentos e bens da cidade, inclusive os culturais: o aspecto físico (se há equipamento propriamente dito); o aspecto financeiro (se o valor cobrado e os gastos adicionais são acessíveis) e o aspecto relacionado à formação/predisposição (se há estímulo e intervenção pedagógica, mediação, que possibilite a compreensão dos significados das diversas manifestações culturais). (2006, p.irreg.).

Quanto à intervenção pedagógica, nos parece que a Fundação Cultural de

Curitiba começa a perceber esta necessidade com o lançamento em 2010 do

“EDITAL CIRCUITO DE ARTE E CULTURA”, que trabalha a sensibilização da arte

através de palestras, performances, apresentações artísticas, exposições,

demonstrações de processo de trabalho, “visando ampliar a divulgação e a

motivação para a linguagem artística que caracteriza as ações a serem

desenvolvidas” (CURITIBA, 2010, p.3). Este Edital ainda contempla nove oficinas

com duração de três meses cada, com carga horária de 48h, direcionadas a um

público específico, atendendo as necessidades de cada Regional.

Este Edital tem por finalidade conceder apoio financeiro para a realização de projetos voltados ao desenvolvimento de produtos culturais e sua difusão por meio de apresentações artísticas, exposições, performances, rodas de leitura, entre outros, a partir de um plano de ativação composto de palestras, oficinas, performances, intervenções urbanas etc, nas áreas de ARTES CÊNICAS, ARTES VISUAIS, LITERATURA, MÚSICA, FOLCLORE E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS, ARTESANATO E CULTURA POPULAR, as quais, ao serem executadas, venham permitir que a comunidade curitibana compartilhe os diversos gêneros e tendências das manifestações artísticas e culturais acima discriminadas. (CURITIBA, 2010, p.2).

No entanto, conforme constatado na reserva de agenda do Teatro Cleon

Jacques, este Edital ocupará este espaço apenas com as apresentações artísticas.

Apesar de este equipamento estar situado dentro de um Centro de Criatividade, cujo

foco é a realização de oficinas de arte para comunidade local, nos parece que o

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Teatro acaba por não exercer esta função de maneira eficaz. Uma das dificuldades

de se realizar oficinas mais longas no Espaço, conforme nos relatou a coordenadora

do local, é o fato do espaço estar sempre ocupado com as apresentações, ensaios

dos grupos, workshoping. Desta forma, não se consegue separar um dia exclusivo

da semana para se desenvolver uma oficina mais duradoura.

Outro ponto importante quando se trata da descentralização, e com isso da

acessibilidade dos equipamentos, é como a informação do que é posto à disposição

da população nestes espaços chega à comunidade local. No caso do Teatro Cleon

Jacques, em conversa com a Coordenadora do Centro de Criatividade, a

precariedade da divulgação das atividades do teatro é um dos fatores responsáveis

pela ausência de público. Esta falta de divulgação é percebida pela Coordenadora

do CCC em sua recente pesquisa de Especialização, quando cita um entrevistado

anônimo da região,

[...] muitas atividades acontecem na cidade, porém são pouco divulgadas. Eu pego o guia aqui no CCC e quando comento com conhecidos eles procuram no guia as mostras de cinema, de dança e as outras atividades, porque não sabiam de outra forma. (citado por PIRES, 2010, p. 18).

Severo (2010) afirma que a divulgação é feita de várias maneiras, através da

internet, rádio e TV, prefeitura e alguns jornais do bairro. Afirma ainda que “As

mídias tradicionais não dão conta de resolver isso. A TV, a imprensa, ela é para toda

uma cidade e é uma mídia muito cara.” (SEVERO, 2010).

Algumas alternativas de divulgação ainda poderiam ser melhor aproveitadas.

Equipamentos urbanos dos bairros poderiam ter um espaço para divulgação das

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atividades dos equipamentos públicos voltados para cultura. Placas no equipamento

com a programação voltada para rua também é uma alternativa.

Nas circulares e vias rápidas que cercam as nossas cidades é usual encontrar placas com a indicação “centro comercial”, mas “centro cultural” nem por isso. E uma vez encontrado o teatro também não é certo que se perceba a sua programação; nem sempre há informação na fachada, nem sempre está aberto, nem sempre se percebe muito bem onde é a porta [...] Antes de entrar na sala de espetáculos também é preciso ver o seu nome todos os dias, de passar todos os dias pelas placas que me asseguram que o encontro facilmente, de ver a sua programação e pensar muitas vezes “gostaria de ver aquilo”. É preciso que faça parte da minha vida mesmo antes de lá entrar. As necessidades, como todos sabemos, criam-se. (MARTINS, 2008, p.irreg.).

Outra forma de descentralização utilizada pela Fundação Cultural de Curitiba

é o equipamento Circo da Cidade “Zé Priguiça”, pela sua proposta itinerante e

principalmente por contemplar oficinas de longa duração. Além de difundir a arte

circense, de sensibilizar para a arte, é possível com as oficinas de maior duração dar

início a um processo de formação, ou seja, criar potenciais reprodutores da arte.

Há que se investir em um projeto pedagógico contínuo e prolongado, que procure despertar em cada indivíduo a compreensão de que mais do que consumidor de cultura é também produtor de cultura. (PERES; MELO, 2006, p.irreg.).

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho se concentrou nos estudos de equipamentos culturais da

cidade de Curitiba, do Estado do Paraná, que estão disponíveis ao uso da

população. Pelo fato de termos um trânsito de pouco mais de nove anos na área das

artes cênicas, delimitamos nosso campo de estudos para que fosse composto pelos

teatros da capital paranaense.

Logo que iniciamos a pesquisa, verificamos que a maioria dos espaços que

abrigam espetáculos teatrais está localizada no centro da cidade, enquanto poucos

se localizam nos bairros. Dessa forma, resolvemos verificar a acessibilidade da

população a esses locais. Propusemos-nos também a discutir questões que dizem

respeito à centralização dos equipamentos culturais. Para tanto, verificamos que

precisaríamos entrar em contato com os administradores de tais espaços para obter

deles depoimentos. Assim o fizemos. Também seria preciso verificar algumas leis,

diretrizes que regem a área cultural na cidade de Curitiba. Outra questão importante

era conhecer a história dos espaços por nós escolhidos para estudo de caso. Tais

espaços ficaram sendo o teatro Novelas Curitibanas, representando a região central,

e o teatro Cleon Jacques, representando a periferia.

Com as entrevistas queríamos fazer uma pequena análise da política pública

por trás do funcionamento de tais espaços, assim como verificar as dificuldades de

se gerir essa área.

Logo começamos a suspeitar que os espaços são mais usados como um fim

em si mesmo, como estrutura que abriga apresentações de espetáculos, ao invés de

se prestarem a ser instrumentos da arte. O ideal é que pudesse haver um trabalho

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de formação de plateia que oferecesse, por exemplo, oficinas à comunidade em

geral.

Sabemos que Curitiba procura incorporar a imagem de um grande centro

cultural urbano. O Festival de Curitiba que acontece anualmente exemplifica parte

desse desejo. A enorme quantia de casas de espetáculos também o reforça. O

plano diretor da cidade de Curitiba do ano de 2004 documenta esse objetivo – da

cidade ser vista como polo cultural. A criação e a manutenção de espaços como o

Novelas Curitibanas e o Cleon Jaques também demonstra essa expectativa.

A bela casa da família Cavalcanti de 1902 foi restaurada 90 anos depois e

transformada no Novelas Curitibanas. Hoje, o espaço conta com seis produções

anuais que preenchem a sua agenda e que oferecem à comunidade uma

contrapartida social. Estas seis produções são financiadas por um fundo municipal

de incentivo à cultura. Na década de 90 era a prefeitura que repassava o dinheiro

diretamente à Fundação Cultural de Curitiba, órgão que rege a cultura na cidade.

Contudo, esse repasse foi acabando gradativamente e agora quem financia a cultura

é o Fundo Municipal.

Para o coordenador da área de teatro da Fundação Cultural, as políticas e

estratégias ligadas ao espaço Novelas Curitibanas são articuladas entre a classe

artística e a Fundação. Ele faz questão de frisar que não se trata mais de uma

decisão de gabinete. Com esta afirmação o administrador pretende construir uma

imagem de que o órgão do qual faz parte, embora esteja na condição de mecenas,

ouve a comunidade e não impõe nada de forma ditatorial. O administrador se inclui

num grupo que representa o poder quando, ao invés de usar a primeira pessoa do

singular, usa “Nós”, primeira do plural. Ele ainda se inclui dentro do grupo quando

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quer falar das ações que participa e menciona: “A Fundação Cultural implantou, A

Fundação Cultural se reúne”. Ainda que lamente o fato de a prefeitura deixar de

repassar dinheiro à Fundação, como acontecia na década de 90, ele elogia o fato de

que contando agora com o Fundo Municipal de Incentivo o uso do dinheiro se dá de

forma mais transparente, mais controlada. A posição que o sujeito ocupa numa

determinada localidade o obriga a usar palavras cuidadosas ao manifestar suas

opiniões. Isso o força a dar ênfase sempre ao que é visto como positivo.

Outro ponto reforçado pelo administrador é o fato de que após uma reforma

no local do Novelas, um ganho importantíssimo, no que se refere à acessibilidade,

foi a oferta de um estacionamento ao público no teatro. Ele destaca ainda que o

preço do ingresso varia entre R$ 10,00 e R$ 5,00, o que em sua opinião não

desvaloriza o produto cultural, pois acredita que o espetáculo é mais valorizado pela

população quando existe a cobrança de ingresso. Tais pontos levantados por ele

demonstram que o espaço atende a uma clientela elitizada e não ao cidadão de

baixa renda. Isso é reforçado novamente quando ele diz que apesar de o espaço ser

localizado no centro a clientela prefere ir até lá motorizada. Assim, os esforços foram

mobilizados para atender essa demanda.

No que se refere ao Cleon Jaques, inaugurado em 1998, a administração da

área teatral afirma que a escassez do público se deve à proliferação de teatros no

centro da cidade, fazendo com que muitas produções migrassem para esses novos

espaços. Outra questão levantada pela administração é o fato de que o teatro não

oferecia acomodações adequadas, que agora passou a oferecer. Visto que entre

2005 e 2008 ele foi todo reformado graças aos recursos do Fundo Municipal de

Cultura. Porém, em conversa informal com a administração direta do espaço,

soubemos que ele ainda é bem pouco frequentado pelo público. No Festival de

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Teatro deste ano, apesar das apresentações serem de qualidade e com uma

linguagem acessível a um público que não tem costume de ir ao teatro, as peças

não tiveram público. Segundo a assessora do Centro de Criatividade, ela teve que

ligar para as escolas convidando os alunos para assistir as apresentações, e os

grupos não cobraram o ingresso. Quanto às apresentações de dança, segundo o

coordenador de teatro da Fundação, estes espetáculos atendem mais a população

central. Portanto, permanece o público elitizado mesmo em um equipamento

periférico.

Contudo, a administração de teatro da cidade reforça que o diferencial nesse

Teatro se deve à parceria que ele tem com a regional do Boa Vista, que é uma

espécie de subprefeitura que oferece uma série de serviços à população local.

Quando há apresentações relacionadas a essa parceria, a comunidade tem a

oportunidade de assistir às peças gratuitamente e até participar de alguma oficina.

No entanto, fora disso, a população teria que desembolsar R$ 20,00 para pagar a

entrada inteira e assistir o espetáculo.

A política pública por trás da construção e da manutenção desses espaços

está voltada à diversidade que favorece a expressão das culturas de forma geral.

Ela não quer apenas que as pessoas conheçam as produções artísticas, mas

pretende fomentar a produção artística. Antes, costumava-se levar a cultura erudita

para o povo. Agora, não há mais limites entre o que se considera popular e o que se

considera erudito. A política parte de nobres ideias de favorecer a expressão das

culturas de forma geral. Dentro disso, percebe-se que o simples contato com arte

garante pouco. O melhor seria investir na questão educacional.

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No caso desse Espaço, localizado na região central da cidade, e do outro

por nós estudado, localizado na periferia, há uma demonstração de que a cidade de

Curitiba está investindo pouco ou quase nada na questão educacional, na formação

da plateia, na mediação entre arte e o público. A cidade parece deixar a cargo dos

grupos que são selecionados nos editais do Fundo Municipal de Incentivo a

realização da contrapartida social. Dessa forma, a Fundação lavaria suas mãos

quanto a uma ação tão importante que deveria estar mais no centro das suas

prioridades.

As parcerias estabelecidas entre tais espaços e as chamadas regionais

parecem ser uma boa tentativa de colocar a questão da formação da plateia no rol

de prioridades. Contudo, essa iniciativa ainda parece estar na infância. Lembremos

que nosso papel aqui não é de julgar, é apenas o de verificação das situações

relatadas.

Poderíamos pensar, por exemplo, no fato da política pública ser

contaminada no seu dia a dia por interesses, pela ingenuidade, a inocência dos

agentes que a praticam, ou pelo contrário, pela sabedoria desses agentes. Isso faz

com que ela possa tomar rumos distintos daqueles que estavam em suas origens.

Como vimos, diversos grupos podem influenciar na prática dessa política pública por

uma série de interesses particulares. A mídia divulga semanalmente uma infinidade

de espetáculos apresentados na capital paranaense. Mas qual é o perfil do público

real de tais apresentações? Supomos que não seja o homem simples da periferia.

Mesmo que as políticas sejam criadas a partir de demandas da sociedade,

infelizmente os idealizadores e aqueles que trabalham na manutenção dessa política

podem determinar novos rumos de acordo com seus interesses. Contudo, sabemos

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que quando se trata da burocracia das artes e do Estado, não basta ter boa vontade,

é preciso que a administração lide com aquilo que é permitido e com aquilo que lhe

é vedado.

Ao longo do trabalho enfatizamos a questão da centralização, mas

mostramos no início que no caso da França a simples descentralização não basta.

Nossa defesa é a de que haja um investimento e de que os esforços estejam

voltados, sobretudo, para a mediação da arte, para a formação da plateia.

Foi a partir dessa ideia e do fato de toparmos com o Circo da Cidade que

vimos nessa iniciativa uma alternativa bem interessante como possibilidade de

resolver a questão da formação da plateia. Isto porque o Circo fica cerca de dois

anos em cada bairro, um tempo razoavelmente adequado para se plantar muitas

sementes, oferecendo apresentações e oficinas. Tudo é amparado pelo Fundo

Municipal. Eles oferecem uma grade horária bem alta de oficinas à comunidade,

aproximando o indivíduo do fazer artístico. Assim, o seu envolvimento com a arte

fica sendo infinitamente maior.

Imaginamos o quanto seria interessante, por exemplo, que fosse aproveitada

a ideia de peças com formatos inusitados, que são as propostas do Novelas e do

Cleon Jaques para ensinar teatro contemporâneo à comunidade em geral através de

cursos duradouros. Contudo, não podemos deixar que o trabalho se finde sem

reforçar a promessa manifestada pela administração do teatro de Curitiba de que em

breve teremos quatro regionais localizadas na periferia da cidade, que gozarão de

uma estrutura técnica que não perderá em nada para o centro e que unirá as mais

diversas áreas da arte: dança, teatro, música, artes visuais. Também temos que

destacar que há pouco mais de um mês surgiu um edital – diferente dos demais até

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então praticados – que pretende trabalhar a sensibilização da arte através de

palestras, performances, apresentações artísticas, exposições, demonstrações de

processo de trabalho, e que ainda contemplará oficinas com carga horária maiores.

Finalmente, é importante lembrar que este trabalho não dá conta de

aprofundar o impacto que estes equipamentos e projetos causam na sociedade em

que estão inseridos. A falta de frequência de um público local é apenas um indício.

Este trabalho é uma preparação para uma pesquisa de mestrado onde será

possível, junto à comunidade e à classe artística, avaliar os resultados do que

atualmente é proposto pela Fundação Cultural nestes equipamentos para a

sociedade curitibana.

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