Erasmo é Rock Bicho!

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48 Terça-feira, 23 de junho de 2009 CULTURA Jornal de Brasília CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 47 Entrevista - Erasmo Carlos É um álbum com menos teclados e mais guitarras. A coisa, aos poucos, foi amadurecendo. Juntei material durante dois anos Cristiano Bastos [email protected] Você foi, esses dias, ao programa da Ana Maria Braga e reclamou que ninguém faz cover de você. Na mesma semana, em Porto Alegre, rolou um grande tributo à sua obra. Integrantes de bandas como Bidê ou Balde e Pública reuniram-se para tocar seu ál- bum Carlos, Erasmo na íntegra. Pô, bicho, que legal! Fico muito contente, de verdade. Como faço para ouvir? Quero conhecer esse pessoal.. E a capa do novo disco? É puro Johnny Cash... Lembra bastante o Johnny Cash, tudo preto. A ideia foi surguindo. O rock sugere cores escuras, pre- tas. Foi por sugestão da fotográfa Gilda Midani. Ela disse: "Vamos fazer uma foto bem Johnny Cash". Ficou elegante. Rock’n’roll mes- mo. O nome fala por si. Muito colorido fica parecendo Me- nudo, Jonas Brothers. Eu estava devendo esse disco há muito tem- poi – para mim e para os fãs. É um álbum com menos teclados e mais guitarras. A coisa, aos poucos, foi amadurecendo. Juntei material durante uns dois anos, até chegar a hora de gravar uma leva de mú- sicas. Tinha uns cinco bons temas. Para não me repetir em 12 mú- sicas, pensei: "Vou levar para ou- tros parceiros, também". Tem o melhor meu e deles. É um bom disco. Estou muito feliz com o resultado. Como escolheu os parceiros? Saí catando. Nelson Motta, por exemplo, estava em Portugal. Daí envei para ele um MP3. Samuel Rosa, do qual aprecio muito a poesia, também foi o mesmo pro- cesso. Nando Reis idem. Você sabe que toda sua dis- cografia está disponível para download na internet, não é? Como você reage a isso? Bicho, se é assim, tem que ser desse jeito. Eu vejo os lados bom e chato disso. O lado chato é para os autores: não há remuneração. Mas, isso não é culpa do público. É culpa da indústria, que não evo- luiu junto com a internet. Quando prestaram atenção no problema era tarde. O público acostumou-se e, agora, não vai desacostu- mar-se. Entrevistei Renato Barros e ele me revelou um divertido episódio envolvendo você... Eu fui um Blue Cap. Foi uma passagem muito bonita de minha vida, porque, em minha época, não existiam muitas bandas. Elas só vieram com os Beatles. Estive no Renato pouco tempo. Mas deu para a gente registrar em disco. Depois comecei minha carreira so- lo. Eles também gravaram um comigo. O Renato contou que vocês se conheceram por causa de uma garota. Verdade. Eu queria organizar o grupo. Eles eram muito desor- ganizados. Em São Paulo tinha os Jet Blacks; eles eram muito or- ganizados. Eu achava que o Re- nato também tinha que ser or- ganizado. Então, comprei nas Lo- jas Pernambucanas um tecido quadriculado – parecia tecido de mesa de cantina italiana, quadri- culada. Descolei um alfaiate e mandei confeccionar os paletós. Botei gravata borboleta, meias e sapatos brancos. Esse virou o uni- forme dos Blue Caps. Todo mundo pensava que eu era o Renato, porque eu ficava no meio, trajado nessa roupa ridícula. Do alto de sua sabedoria: o que significou, para você, o mito Raul Seixas? Este ano completa-se 20 anos de sua morte. Essa semana mesmo eu fiz uma analogia com ele, exaltando os novos meios de mídia, como a internet. Hoje vejo a falta que ele fazia em 1958, quando Roberto, Erasmo e Tim Maia estava sur- gindo. Ele morava na Bahia, que não era o centro gerador de mídia brasileira. O tempo que Raul levou para ir da Bahia para o Rio, e solidificar-se no meio, durou cinco ou seis anos. Nesse meio tempo é que nos projetamos. Ele é con- temporâneo nosso, mas demorou a chegar por causa dessa ausência dos meios imediatos de comu- nicação. Sergio Sampaio foi grande amigo de Raul Seixas e, para você, Sam- paio fez uma canção. Qual sua lembrança dele? A música que ele fez para mim foi belíssima, Feminino Coração de Deus. Ele achava que tinha sido eu um dos responsáveis pelo sucesso dele com Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua. Ele foi lá em casa quando estava fazendo a música. Estava deprê porque o Roberto Carlos não quis gravar Meu Pobre Blues, que fez para ele. Ele me mostrou Eu Quero É Botar Meu Bloco e eu e minha mulher demos força: "Pô, bicho, essa música é lega! Parece uma marcha-rancho. O refrão é popular". Ele achava que fui um dos responsáveis – mas era ele, na verdade, que achava. Eu não. No fim, Sérgio inscreveu a música no festival e foi um enorme sucesso. O mérito foi totalmente dele. O que não sai da sua vitrola? Ouço muita música antiga: Ray Charles, Ottis Reding e grupos vo- cais. Sou uma miscelânia de in- fluências. Da modernidade, geral- mente, fico sabendo só quando todo mundo já conhece. Mas, para mim, é novidade. Como a Cachorro Grande, que descobri esses dias.

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Parte 2. Entrevista com Erasmo Carlos. Jornal de Brasília.

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48 Terça-feira, 23 de junho de 2009C U LT U R A Jornal de Brasília

CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 47

Entrevista - Erasmo Carlos

É um álbum commenos teclados emais guitarras. Acoisa, aos poucos,foi amadurecendo.Juntei materialdurante dois anos

� Cristiano Bastoscristiano.bastos @jornaldebrasilia.com.br

Você foi, esses dias, ao programada Ana Maria Braga e reclamouque ninguém faz cover de você.Na mesma semana, em PortoAlegre, rolou um grande tributo àsua obra. Integrantes de bandascomo Bidê ou Balde e Públicareuniram-se para tocar seu ál-bum Carlos, Erasmo na íntegra.

Pô, bicho, que legal! Fico muitocontente, de verdade. Como façopara ouvir? Quero conhecer essepessoal..

E a capa do novo disco? É puroJohnny Cash...

Lembra bastante o Johnny Cash,tudo preto. A ideia foi surguindo.O rock sugere cores escuras, pre-tas. Foi por sugestão da fotográfaGilda Midani. Ela disse: "Vamosfazer uma foto bem Johnny Cash".Ficou elegante. Rock’n’roll mes-mo.

O nome fala por si.Muito colorido fica parecendo Me-nudo, Jonas Brothers. Eu estavadevendo esse disco há muito tem-poi – para mim e para os fãs. É umálbum com menos teclados e maisguitarras. A coisa, aos poucos, foiamadurecendo. Juntei materialdurante uns dois anos, até chegar ahora de gravar uma leva de mú-sicas. Tinha uns cinco bons temas.Para não me repetir em 12 mú-sicas, pensei: "Vou levar para ou-tros parceiros, também". Tem omelhor meu e deles. É um bomdisco. Estou muito feliz com ore s u l t a d o .

Como escolheu os parceiros?Saí catando. Nelson Motta, porexemplo, estava em Portugal. Daíenvei para ele um MP3. SamuelRosa, do qual aprecio muito apoesia, também foi o mesmo pro-cesso. Nando Reis idem.

Você sabe que toda sua dis-cografia está disponível paradownload na internet, não é?Como você reage a isso?

Bicho, se é assim, tem que ser dessejeito. Eu vejo os lados bom e chatodisso. O lado chato é para osautores: não há remuneração. Mas,isso não é culpa do público. Éculpa da indústria, que não evo-luiu junto com a internet. Quandoprestaram atenção no problemaera tarde. O público acostumou-see, agora, não vai desacostu-m a r- s e .

Entrevistei Renato Barros e eleme revelou um divertido episódioenvolvendo você...

Eu fui um Blue Cap. Foi umapassagem muito bonita de minha

vida, porque, em minha época,não existiam muitas bandas. Elassó vieram com os Beatles. Estiveno Renato pouco tempo. Mas deupara a gente registrar em disco.Depois comecei minha carreira so-lo. Eles também gravaram umcomigo.

O Renato contou que vocês seconheceram por causa de umagarota .

Verdade. Eu queria organizar ogrupo. Eles eram muito desor-ganizados. Em São Paulo tinha osJet Blacks; eles eram muito or-ganizados. Eu achava que o Re-nato também tinha que ser or-ganizado. Então, comprei nas Lo-jas Pernambucanas um tecidoquadriculado – parecia tecido demesa de cantina italiana, quadri-culada. Descolei um alfaiate emandei confeccionar os paletós.Botei gravata borboleta, meias esapatos brancos. Esse virou o uni-forme dos Blue Caps. Todo mundopensava que eu era o Renato,porque eu ficava no meio, trajadonessa roupa ridícula.

Do alto de sua sabedoria: o quesignificou, para você, o mito RaulSeixas? Este ano completa-se 20anos de sua morte.

Essa semana mesmo eu fiz umaanalogia com ele, exaltando osnovos meios de mídia, como a

internet. Hoje vejo a falta que elefazia em 1958, quando Roberto,Erasmo e Tim Maia estava sur-gindo. Ele morava na Bahia, quenão era o centro gerador de mídiabrasileira. O tempo que Raul levoupara ir da Bahia para o Rio, esolidificar-se no meio, durou cincoou seis anos. Nesse meio tempo éque nos projetamos. Ele é con-temporâneo nosso, mas demoroua chegar por causa dessa ausênciados meios imediatos de comu-nicação.

Sergio Sampaio foi grande amigode Raul Seixas e, para você, Sam-paio fez uma canção. Qual sualembrança dele?

A música que ele fez para mim foibelíssima, Feminino Coração de Deus.Ele achava que tinha sido eu umdos responsáveis pelo sucesso delecom Eu Quero É Botar Meu Bloco naRua. Ele foi lá em casa quandoestava fazendo a música. Estavadeprê porque o Roberto Carlos nãoquis gravar Meu Pobre Blues, quefez para ele. Ele me mostrou EuQuero É Botar Meu Bloco e eu e

minha mulher demos força: "Pô,bicho, essa música é lega! Pareceuma marcha-rancho. O refrão épopular". Ele achava que fui umdos responsáveis – mas era ele, naverdade, que achava. Eu não. Nofim, Sérgio inscreveu a música nofestival e foi um enorme sucesso. Omérito foi totalmente dele.

O que não sai da sua vitrola?Ouço muita música antiga: RayCharles, Ottis Reding e grupos vo-cais. Sou uma miscelânia de in-fluências. Da modernidade, geral-mente, fico sabendo só quando todomundo já conhece. Mas, para mim,é novidade. Como a CachorroGrande, que descobri esses dias.