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TERCEIRO E QUARTO CICLOS DO ENSINO FUNDAMENTAL HISTÓRIA TERCEIRO E QUARTO CICLOS DO ENSINO FUNDAMENTAL HISTÓRIA PAR´METROS CURRICULARES NACIONAIS PAR´METROS CURRICULARES NACIONAIS

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  • TERCEIRO E QUARTO CICLOSDO ENSINO FUNDAMENTAL

    HISTRIA

    TERCEIRO E QUARTO CICLOSDO ENSINO FUNDAMENTAL

    HISTRIA

    PARMETROSCURRICULARES

    NACIONAIS

    PARMETROSCURRICULARES

    NACIONAIS

  • Secretaria de Educao FundamentalIara Glria Areias Prado

    Departamento de Poltica da Educao FundamentalVirgnia Zlia de Azevedo Rebeis Farha

    Coordenao-Geral de Estudos e Pesquisas da Educao FundamentalMaria Ins Laranjeira

    PARMETROS CURRICULARES NACIONAIS (5 A 8 SRIES)

    B823p Brasil. Secretaria de Educao Fundamental.Parmetros curriculares nacionais : histria /

    Secretaria de Educao Fundamental. Braslia : MEC /SEF, 1998.

    108 p.

    1. Parmetros curriculares nacionais. 2. Histria :Ensino de quinta a oitava sries. I. Ttulo.

    CDU: 371.214

  • TERCEIRO E QUARTO CICLOSDO ENSINO FUNDAMENTAL

    HISTRIA

    TERCEIRO E QUARTO CICLOSDO ENSINO FUNDAMENTAL

    HISTRIA

    PARMETROSCURRICULARES

    NACIONAIS

    PARMETROSCURRICULARES

    NACIONAIS

    Braslia1998

    MINISTRIO DA EDUCAO E DO DESPORTOSECRETARIA DE EDUCAO FUNDAMENTAL

  • AO PROFESSOR

    O papel fundamental da educao no desenvolvimento das pessoas e das sociedadesamplia-se ainda mais no despertar do novo milnio e aponta para a necessidade de seconstruir uma escola voltada para a formao de cidados. Vivemos numa era marcada pelacompetio e pela excelncia, onde progressos cientficos e avanos tecnolgicos definemexigncias novas para os jovens que ingressaro no mundo do trabalho. Tal demanda impeuma reviso dos currculos, que orientam o trabalho cotidianamente realizado pelosprofessores e especialistas em educao do nosso pas.

    Assim, com imensa satisfao que entregamos aos professores das sries finais doensino fundamental, os Parmetros Curriculares Nacionais, com a inteno de ampliare aprofundar um debate educacional que envolva escolas, pais, governos e sociedade e dorigem a uma transformao positiva no sistema educativo brasileiro.

    Os Parmetros Curriculares Nacionais foram elaborados procurando, de umlado, respeitar diversidades regionais, culturais, polticas existentes no pas e, de outro,considerar a necessidade de construir referncias nacionais comuns ao processo educativoem todas as regies brasileiras. Com isso, pretende-se criar condies, nas escolas, quepermitam aos nossos jovens ter acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaboradose reconhecidos como necessrios ao exerccio da cidadania.

    Os documentos apresentados so o resultado de um longo trabalho que contou coma participao de muitos educadores brasileiros e tm a marca de suas experincias e deseus estudos, permitindo assim que fossem produzidos no contexto das discussespedaggicas atuais. Inicialmente foram elaborados documentos, em verses preliminares,para serem analisados e debatidos por professores que atuam em diferentes graus de ensino,por especialistas da educao e de outras reas, alm de instituies governamentais e no-governamentais. As crticas e sugestes apresentadas contriburam para a elaborao daatual verso, que dever ser revista periodicamente, com base no acompanhamento e naavaliao de sua implementao.

    Esperamos que os Parmetros sirvam de apoio s discusses e ao desenvolvimentodo projeto educativo de sua escola, reflexo sobre a prtica pedaggica, ao planejamentode suas aulas, anlise e seleo de materiais didticos e de recursos tecnolgicos e, emespecial, que possam contribuir para sua formao e atualizao profissional.

    Paulo Renato SouzaMinistro da Educao e do Desporto

  • OBJETIVOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

    Os Parmetros Curriculares Nacionais indicam como objetivos do ensino fundamentalque os alunos sejam capazes de:

    compreender a cidadania como participao social e poltica,assim como exerccio de direitos e deveres polticos, civis esociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade,cooperao e repdio s injustias, respeitando o outro eexigindo para si o mesmo respeito;

    posicionar-se de maneira crtica, responsvel e construtiva nasdiferentes situaes sociais, utilizando o dilogo como formade mediar conflitos e de tomar decises coletivas;

    conhecer caractersticas fundamentais do Brasil nas dimensessociais, materiais e culturais como meio para construirprogressivamente a noo de identidade nacional e pessoal e osentimento de pertinncia ao pas;

    conhecer e valorizar a pluralidade do patrimnio socioculturalbrasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos enaes, posicionando-se contra qualquer discriminao baseadaem diferenas culturais, de classe social, de crenas, de sexo,de etnia ou outras caractersticas individuais e sociais;

    perceber-se integrante, dependente e agente transformadordo ambiente, identificando seus elementos e as interaes entreeles, contribuindo ativamente para a melhoria do meioambiente;

    desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e osentimento de confiana em suas capacidades afetiva, fsica,cognitiva, tica, esttica, de inter-relao pessoal e de inserosocial, para agir com perseverana na busca de conhecimentoe no exerccio da cidadania;

    conhecer o prprio corpo e dele cuidar, valorizando e adotandohbitos saudveis como um dos aspectos bsicos da qualidadede vida e agindo com responsabilidade em relao sua sadee sade coletiva;

    utilizar as diferentes linguagens verbal, musical, matemtica,grfica, plstica e corporal como meio para produzir,

  • expressar e comunicar suas idias, interpretar e usufruir dasprodues culturais, em contextos pblicos e privados,atendendo a diferentes intenes e situaes de comunicao;

    saber utilizar diferentes fontes de informao e recursostecnolgicos para adquirir e construir conhecimentos;

    questionar a realidade formulando-se problemas e tratando deresolv-los, utilizando para isso o pensamento lgico, acriatividade, a intuio, a capacidade de anlise crtica,selecionando procedimentos e verificando sua adequao.

  • ESTRUTURA DOS PARMETROS CURRICULARESNACIONAIS PARA O ENSINO FUNDAMENTAL

  • HISTRIA

    Apresentao ............................................................................................................................................... 15

    1a PARTECaracterizao da rea de Histria .......................................................................................................... 19

    A Histria no ensino fundamental ........................................................................................................... 19O conhecimento histrico: caractersticas e importncia social ........................................................... 29Aprender e ensinar Histria no ensino fundamental ............................................................................... 37

    Objetivos gerais de Histria ........................................................................................................................ 43Contedos de Histria: critrios de seleo e organizao .................................................................. 45

    2a PARTETerceiro ciclo ................................................................................................................................................ 53

    Ensino e aprendizagem ......................................................................................................................... 53Objetivos para o terceiro ciclo ............................................................................................................... 54Contedos para o terceiro ciclo ............................................................................................................ 55

    Eixo temtico: Histria das relaes sociais, da cultura e do trabalho ............................................ 56As relaes sociais, a natureza e a terra .................................................................................... 57As relaes de trabalho ............................................................................................................. 60

    Critrios de avaliao ............................................................................................................................ 62Quarto ciclo .................................................................................................................................................. 65

    Ensino e aprendizagem ......................................................................................................................... 65Objetivos para o quarto ciclo ................................................................................................................ 66Contedos para o quarto ciclo ............................................................................................................. 67

    Eixo temtico: Histria das representaes e das relaes de poder ............................................. 67Naes, povos, lutas, guerras e revolues ............................................................................... 69Cidadania e cultura no mundo contemporneo ...................................................................... 72

    Critrios de avaliao ............................................................................................................................ 74Orientaes e mtodos didticos ............................................................................................................. 77

    Materiais didticos e pesquisas escolares ............................................................................................. 79Trabalho com documentos ................................................................................................................... 83Visita a exposies, museus e stios arqueolgicos ................................................................................ 89Estudo do meio ...................................................................................................................................... 93O tempo no estudo da Histria .............................................................................................................. 96

    O tempo cronolgico ...................................................................................................................... 99O tempo da durao ...................................................................................................................... 99Ritmos de tempo ............................................................................................................................ 100

    Bibliografia .................................................................................................................................................. 103

    SUM`RIO

  • HISTRIAHISTRIA

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    APRESENTAO

    A proposta de Histria para o ensino fundamental apresenta reflexes amplas paraestimular o debate da rea. Objetiva levar os educadores a refletirem sobre a presena daHistria no currculo e a debaterem a contribuio do estudo da Histria na formao dosestudantes.

    Por ser um documento de mbito nacional, esta proposta contempla a pluralidadede posturas terico-epistemolgicas do campo do conhecimento histrico. Ao valorizarprofessor e aluno com suas respectivas inseres histricas, como sujeitos crticos darealidade social e como sujeitos ativos no processo de ensino e de aprendizagem, ela assumea objetividade metodolgica de como ensinar Histria.

    Este documento est organizado em duas partes. Na primeira parte esto algumasdas concepes curriculares elaboradas para o ensino de Histria no Brasil; caractersticas,importncia, princpios e conceitos pertinentes ao saber histrico escolar; objetivos geraisde Histria para o ensino fundamental; critrios para as escolhas conceituais, mtodos,contedos e articulaes com os Temas Transversais.

    Na segunda parte so apresentadas propostas de ensino e aprendizagem para asltimas quatro sries do ensino fundamental, os objetivos para os ciclos, os contedos e oscritrios de avaliao. Traz tambm orientaes didticas nas quais se destacam algunspontos importantes da prtica de ensino, sem esgot-los. So sugeridos mtodos e recursos reflexo de professores e alunos, sobre o conhecimento histrico e suas relaes com arealidade social. A bibliografia apenas referencia autores utilizados para a redao destedocumento e que fundamentam os conceitos histricos e os procedimentos de ensino e deaprendizagem apresentados.

    Os Parmetros Curriculares Nacionais reconhecem a realidade brasileira comodiversa, e as problemticas educacionais das escolas, das localidades e das regies comomltiplas. no dia-a-dia das escolas e das salas de aula, a partir das condies, contradiese recursos inerentes realidade local e educacional, que so construdos os currculos reais.So grupos de professores e alunos, de pais e educadores, em contextos sociais e educacionaisconcretos e peculiares, que formulam e colocam em prtica as propostas de ensino. Estesparmetros oferecem mais um instrumento de trabalho para o cotidiano escolar.

    Secretaria de Educao Fundamental

  • 1 PARTE1 PARTE

    HISTRIAHISTRIA

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    CARACTERIZAO DA `REA DE HISTRIA

    A Histria no ensino fundamental

    Nem sempre est claro para os educadores por que a Histria faz parte do currculoescolar e qual a importncia da sua aprendizagem na formao do jovem. Mas essas questesso fundamentais quando se pretende refletir, repensar ou posicionar-se em relao aoensino de Histria praticado.

    Na inteno de auxiliar o professor na reflexo sobre os pressupostos histricos epedaggicos de concepes de ensino e sobre as abordagens e contedos selecionadospara os estudos escolares, apresenta-se na seqncia um histrico da rea no Brasil sempretender esgotar o seu elenco de problemticas. Esse histrico pretende contribuir paraque o professor se posicione diante do ensino de Histria, especialmente quanto s suasfinalidades e possibilidades de transformaes.

    De modo geral, o ensino de Histria pode ser caracterizado a partir de doisgrandes momentos. O primeiro teve incio na primeira metade do sculo XIX, com aintroduo da rea no currculo escolar. Aps a Independncia, com a preocupao de criaruma genealogia da nao, elaborou-se uma histria nacional, baseada em uma matrizeuropia e a partir de pressupostos eurocntricos. O segundo momento ocorreu a partirdas dcadas de 30 e 40 deste sculo, orientado por uma poltica nacionalista edesenvolvimentista. O Estado tambm passou a realizar uma interveno mais normativana educao e foram criadas as faculdades de filosofia no Brasil, formando pesquisadores eprofessores, consolidando-se uma produo de conhecimento cientfico e cultural maisautnoma no pas.

    A Histria como rea escolar obrigatria surgiu com a criao do Colgio Pedro II,em 1837, dentro de um programa inspirado no modelo francs. Predominavam os estudosliterrios voltados para um ensino clssico e humanstico e destinados formao de cidadosproprietrios e escravistas.

    A Histria foi includa no currculo ao lado das lnguas modernas, das cinciasnaturais e fsicas e das matemticas, dividindo espao com a Histria Sagrada, a qual tinhao mesmo estatuto de historicidade da Histria Universal ou Civil, pois ambas estavamvoltadas para a formao moral do aluno. Esta dava exemplos dos grandes homens daHistria, com prevalncia para o estudo do espao do Oriente Mdio, bero do monotesmo,e da Antiguidade clssica grega e romana. J aquela concebia os acontecimentos comoprovidncia divina e fornecia as bases de uma formao crist. Nas salas de aula, existiamporm divergncias nas abordagens e na importncia atribuda Igreja na Histria,dependendo da formao dos professores (laicos ou religiosos) e do fato de as escolas serempblicas ou de ordens catlicas.

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    A este programa acrescentou-se a Histria do Brasil seguindo o modelo da HistriaSagrada. As narrativas morais sobre a vida dos santos foram substitudas por aes realizadaspor heris considerados construtores da nao, especialmente governantes e clrigos. Noquadro da poca, cabia Histria Universal dimensionar a nao brasileira no mundoocidental cristo.

    Os objetivos da insero da Histria do Brasil no currculo estavam voltados para aconstituio da idia de Estado Nacional laico, mas articulado Igreja Catlica. O Estadobrasileiro organizava-se politicamente e necessitava de um passado que legitimasse a suaconstituio. Os acontecimentos histricos ensinados iniciavam com a histria portuguesa a sucesso de reis em Portugal e seus respectivos governos e, na seqncia, introduzia-se a histria brasileira as capitanias hereditrias, os governos gerais, as invasesestrangeiras ameaando a integridade nacional. Os contedos culminavam com os grandeseventos da Independncia e da Constituio do Estado Nacional, responsveis pelaconduo do Brasil ao destino de ser uma grande nao.

    O Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (IHGB), criado no mesmo ano doColgio Pedro II, produziu uma srie de trabalhos que gerou conseqncias para o ensinoda Histria nacional. Seus membros lecionavam no colgio e foram responsveis pelaformulao dos programas, elaborao de manuais e orientao do contedo a ser ensinadonas escolas pblicas. Nas escolas confessionais, mantinha-se o ensino da Histria Universale da Histria Sagrada.

    A primeira proposta de Histria do Brasil elaborada pelo Instituto e que repercutiuno ensino de Histria destacava a contribuio do branco, do negro e do ndio na constituioda populao brasileira. Apesar de valorizar a idia de miscigenao racial, ela defendia ahierarquizao que resultava na idia da superioridade da raa branca. Privilegiava o Estadocomo o principal agente da histria brasileira, enfatizando alguns fatos essenciais naconstituio do processo histrico nacional as faanhas martimas, comerciais e guerreirasdos portugueses, a transferncia e o desenvolvimento das instituies municipaisportuguesas no Brasil, o papel dos jesutas na catequese e as relaes entre a Igreja e oEstado. A Histria era relatada sem transparecer a interveno do narrador, apresentadacomo uma verdade indiscutvel e estruturada como um processo contnuo e linear quedeterminava a vida social no presente.

    Na educao brasileira, o final do sculo XIX foi marcado por embates envolvendoreformulaes curriculares. Projetos continuavam a defender o currculo humanstico, comnfase nas disciplinas literrias, tidas como formadoras do esprito. Outros desejavamintroduzir um currculo mais cientfico, mais tcnico e prtico, adequado modernizao aque se propunha ao pas. Tanto no currculo humanstico como no cientfico a Histria,entendida como disciplina escolar, mantinha sua importncia para a formao danacionalidade.

    Nas ltimas dcadas do sculo XIX, mesmo antes do advento da Repblica,

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    comearam a surgir crticas reduo da Histria a uma classificao cronolgica de dinastiasou a um catlogo de fatos notveis dos dois Reinados. No discurso republicano, inspiradoem idias positivistas, a escola e o ensino deveriam denunciar os atrasos impostos pelamonarquia e assumir o papel de regenerar os indivduos e a prpria nao, colocando o pasna rota do progresso e da civilizao. Como conseqncia, o ensino de Histria passou aocupar no currculo um duplo papel: o civilizatrio e o patritico. Ao lado da Geografia e daLngua Ptria, ela deveria fundamentar a nova nacionalidade projetada pela Repblica emodelar um novo tipo de trabalhador, o cidado patritico.

    Nesse contexto, a Histria Universal foi substituda pela Histria da Civilizao,completando o afastamento entre o laico e o sagrado e deslocando o estudo dosacontecimentos da religio para o processo civilizatrio. O Estado, sem a interveno daIgreja, permaneceu como o principal agente histrico, visto agora como o condutor dasociedade ao estgio de civilizao. Abandonou-se a identificao dos Tempos Antigoscom o tempo bblico da criao e o predomnio do sagrado na Histria. A periodizao,ainda construda com base no currculo francs, continuou a privilegiar o estudo daAntiguidade do Egito e da Mesopotmia, momento histrico relacionado, no novo contexto, gnese da Civilizao e associado ao aparecimento do Estado forte e centralizado e inveno da escrita.

    A Histria Nacional identificava-se com a Histria Ptria, cuja misso, juntamentecom a Histria da Civilizao, era integrar o povo brasileiro moderna civilizao ocidental,reforando a viso linear, determinista e eurocntrica da Histria. Na sua especificidade, aHistria Ptria era entendida como o alicerce da pedagogia do cidado e seus contedosdeveriam enfatizar as tradies do passado homogneo de lutas pela defesa do territrio eda unidade nacional e os feitos gloriosos de personagens identificados com ideaisrepublicanos. no contexto do final do sculo XIX que so construdos alguns mitos daHistria brasileira, presentes at hoje no ensino (bandeirantes como Raposo Tavares eBorba Gato, militares como Duque de Caxias, mrtires como Tiradentes etc.).

    A moral religiosa foi absorvida pelo civismo, orientando a idia de que os contedosda Histria Ptria no deveriam ficar restritos ao mbito especfico da sala de aula. Prticase rituais cvicos, como festas, desfiles, eventos comemorativos e celebraes de culto aossmbolos da Ptria, foram desenvolvidos para envolver o conjunto da escola e estabelecer oritmo do cotidiano escolar. Esperava-se que o estudante recebesse uma formao moralcrist atrelada a uma conscincia patritica, sustentada na ideologia da cincia, do progressoe da ordem.

    Apesar dos discursos e das sucessivas reformas, os governos republicanos dasprimeiras dcadas do sculo XX pouco fizeram para alterar a situao da escola pblica,mantendo-se a j precria formao de professores, geralmente autodidatas. Mesmo assimou por isso mesmo, o perodo constituiu-se em momento de fortalecimento do debate dosproblemas educacionais. Surgiram propostas alternativas ao modelo oficial de ensino, logoreprimidas pelo governo republicano, como as escolas anarquistas, com currculo e mtodos

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    de ensino prprios, nos quais a Histria deixava de enfocar a hierarquia entre povos eraas, para identificar-se com os principais momentos das lutas sociais, como a RevoluoFrancesa, a Comuna de Paris, a Abolio etc.

    A partir de 1930, com a criao do Ministrio da Educao e Sade Pblica e aReforma Francisco Campos, acentuou-se o fortalecimento do poder central do Estado e ocontrole sobre o ensino. Com a criao das universidades inicia-se a formao do professorsecundrio. Ao mesmo tempo amplia-se e consolida-se, ainda que com dificuldades, umcampo cultural autnomo com a expanso do cinema e do rdio.

    Nesse contexto, a Histria Geral e do Brasil foram integradas em umanica rea, Histria da Civilizao. A Histria brasileira era unicamente uma conti-nuidade da Histria da Europa ocidental. Permanecia a identidade do Brasil com a ci-vilizao europia e enfatizava-se, contraditoriamente, a populao brasileira comomestia.

    No caso da Histria do Brasil, mantinha-se a nfase na formao do Estado Nacionalbrasileiro. As mudanas histricas eram conseqncia de aes de governantes e de herismoldados pela Repblica para legitim-la. A periodizao obedecia a uma cronologia polticamarcada por tempos uniformes, sucessivos e regulares, sem rupturas ou descontinuidades.O ensino de Histria era um instrumento de desenvolvimento do patriotismo e da unidadetnica, administrativa, territorial e cultural da nao.

    Com o processo de industrializao e urbanizao, repensou-se sobre o papel dapopulao brasileira na Histria. Enquanto alguns estudos continuavam a identificar asrazes do atraso do pas no predomnio de um povo mestio, outros apontavam a necessidadede se buscar conhecer a identidade nacional, sua especificidade cultural em relao a outrospases, como meio de assegurar condies de igualdade na integrao da sociedade brasileira civilizao ocidental.

    No debate educacional na dcada de 30, tornou-se vitoriosa a tese da democraciaracial expressa em programas e livros didticos de ensino de Histria. Por esta tese, naconstituio do povo brasileiro predominavam a miscigenao e a total ausncia depreconceitos raciais e tnicos. O povo brasileiro era estudado como descendente de brancosportugueses, ndios e negros, e, a partir dessa trade, de mestios. Nessa perspectiva, todosconviviam harmonicamente em uma sociedade multirracial e caracterizada pela ausnciade conflitos. Cada etnia colaborava, com seu herosmo ou com seu trabalho, para a grandezae riqueza do pas.

    Legitimando o discurso da democracia racial, o ensino de Histria representavao africano como pacfico diante do trabalho escravo e como elemento peculiar para aformao de uma cultura brasileira; estudava os povos indgenas de modo simplificado, naviso romntica do bom selvagem, sem diferenas entre as culturas desses povos,mencionando a escravizao apenas antes da chegada dos africanos e no informando acercade suas resistncias dominao europia. E projetava os portugueses como aqueles que

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    descobriram e ocuparam um territrio vazio, silenciando sobre as aes de extermnio dospovos que aqui viviam.

    Em meados dos anos 30, por inspirao da pedagogia norte-americana, a educaobrasileira comeou a adotar propostas do movimento escolanovista, entre as quais a quepropunha a introduo dos chamados Estudos Sociais no currculo escolar, em substituioa Histria e Geografia, especialmente para o ensino elementar. A inteno era, com EstudosSociais, superar o contedo livresco e decorativo que caracterizava o ensino das duasreas.

    Apesar do movimento escolanovista propor abordagens e atividades diferenciadas,que foram adotadas por professores e por escolas que inovaram mtodos e contedos, demodo geral permaneceram os procedimentos de ensino at ento vigentes. Nas salas deaula ainda era prtica comum os alunos recitarem as lies de cor, com datas e nomesdos personagens considerados os mais significativos da Histria.

    A partir de 1942, o ensino secundrio passou por novas reformas conduzidas peloministro Gustavo Capanema. A Lei Orgnica do Ensino Secundrio estabeleceu trs cursos:inicialmente o primrio, com quatro anos de escolaridade; depois o ginasial, com quatroanos tambm; e o clssico ou cientfico, com trs anos. Equivalentes a eles foram criados osginsios e os colgios profissionais. A formao docente foi sendo igualmente estruturada.As Faculdades de Filosofia, Cincias e Letras, criadas nos primeiros anos da dcada de 30,encarregaram-se neste momento, alm da formao de pesquisadores, da profissionalizaodo magistrio.

    Em meio a debates e ampliao da produo acadmica, a poltica educacional dapoca limitou o currculo. No contexto do Estado Novo, a Histria tinha como tarefaenfatizar o ensino patritico, capaz de criar nas geraes novas a conscincia daresponsabilidade diante dos valores maiores da ptria, a sua independncia, a sua ordem eo seu destino1 . A carga horria de Histria no ginsio aumentou consideravelmente eHistria Geral e Histria do Brasil passaram a ser reas distintas, saindo privilegiada aHistria brasileira. Os contedos ditados pela tradio foram reforados ainda pela produodidtica e pela preocupao de garantir um bom desempenho dos estudantes nos examesfinais de admisso ao ginsio ou ao ensino superior. A leitura que o Estado Novo fez dosmtodos escolanovistas acabou por enfatizar a comemorao de heris em grandesfestividades cvicas.

    Nos anos imediatos ao ps-guerra e no contexto da democratizao do pas com ofim da ditadura Vargas, a Histria passou a ser novamente objeto de debates quanto ssuas finalidades e relevncia na formao poltica dos alunos. Tornou-se uma disciplinasignificativa na formao de uma cidadania para a paz. A Unesco Organizao das NaesUnidas para a Educao, Cincia e Cultura passou a interferir na elaborao de livros

    1 Lei Orgnica do Ensino Secundrio, de 1942.

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    escolares e nas propostas curriculares, indicando possveis perigos na nfase dada s histriasde guerras, no modo de apresentar a histria nacional e nas questes raciais, em especial nadisseminao de idias racistas, etnocntricas e preconceituosas. A Histria deveria revestir-se de um contedo mais humanstico e pacifista, voltando-se ao estudo dos processos dedesenvolvimento econmico das sociedades, bem como dos avanos tecnolgicos, cientficose culturais.

    Sob inspirao do nacional-desenvolvimentismo, nas dcadas de 50 e 60 o ensinode Histria voltou-se especialmente para as temticas econmicas. O reconhecimento dosubdesenvolvimento brasileiro levou ao questionamento da predominncia da produoagrcola-exportadora e valorizao do processo de industrializao. Enfatizou-se o estudodos ciclos econmicos, sua sucesso linear no tempo cana-de-acar, minerao, caf eindustrializao e, exclusivamente, a Histria de cada centro econmico regional queera hegemnico em cada poca. A ordenao sucessiva e linear indicava a determinaohistrica de que o desenvolvimento s seria alcanado com a industrializao. Ao mesmotempo, a presena norte-americana na vida econmica nacional fortaleceu o lugar da Histriada Amrica no currculo, com a predominncia da Histria dos Estados Unidos, inserindo-se na meta da poltica da boa vizinhana norte-americana.

    A formao de professores em cursos superiores afetou o ensino de Histriagradativamente. A formao intelectual e cientfica dos alunos de graduao passou a integraros objetivos das propostas curriculares, como no caso da produo didtica chamada HistriaNova, do incio dos anos 60, com estudos baseados nos modos de produo, sob a influnciada historiografia marxista, que enfatizava transformaes econmicas e conflitos entre asclasses sociais, contrariamente Histria que valorizava o poltico e a trajetria vitoriosa daclasse burguesa na consolidao harmoniosa do mundo moderno. Nessa tendncia, apesarda nfase atribuda s classes sociais como agentes das transformaes histricas,predominou no ensino uma abordagem estruturalista na qual a Histria era estudada comoconseqncia de estgios sucessivos e evolutivos.

    Nesta poca, alm da constatao da importncia do ensino de Histria na formaodo cidado poltico, ele passou a ser considerado tambm fundamental para a formaointelectual do estudante. Incorporou objetivos para promover o seu pensamento crtico.

    O perodo que vai da Segunda Guerra Mundial at o final da dcada de 70caracterizou-se por dois momentos significativos na implantao dos Estudos Sociais. Oprimeiro ocorreu no contexto da democratizao do pas com o fim da ditadura Vargas e osegundo durante o governo militar depois de 1964.

    A poltica educacional brasileira aps 1945 foi marcada por um prolongado debatesobre a educao nacional, que resultou, em 1961, na Lei 4.024, de Diretrizes e Bases. Poressa lei, o sistema continuou a ser organizado segundo a legislao anterior, sendo suprimidaa prescrio do currculo fixo e rgido para todo o territrio brasileiro. Prevaleceu, inclusive,a abertura para estados e estabelecimentos de ensino anexarem reas optativas ao currculo

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    mnimo prescrito pelo Conselho Federal de Educao. Essa flexibilidade vinha de encontro emergncia do regionalismo, das propostas desenvolvimentistas e das polticas queincorporavam noes de centro e periferia. Tal abertura no currculo possibilitou, porexemplo, o desenvolvimento de experincias educacionais alternativas, como foi o casodas escolas vocacionais e das escolas de aplicao em algumas regies do Brasil.

    Sob influncia norte-americana e de uma difusa concepo tecnocrtica, em plenocontexto de Guerra Fria, desvalorizaram-se as reas de Humanas, em favor de um ensinotcnico para a formao da mo-de-obra da indstria crescente. Histria e Geografiaacabaram, nesse perodo, tendo suas cargas horrias reduzidas, perdendo espaossignificativos nas grades curriculares. A partir de ento, intensificou-se o embate sobre apermanncia da Histria e da Geografia no currculo e o avano dos Estudos Sociais elaborados como rea de integrao e articulao dos diferentes saberes das CinciasHumanas. Contudo, esse debate foi interrompido com o golpe de 1964.

    Em 1971, os contedos escolares foram reunidos em ncleos comuns concebidosde modo diferente para cada srie, a partir do tratamento metodolgico que deveriamreceber. O ncleo de Estudos Sociais visava, segundo resoluo da poca, ao ajustamentocrescente do educando ao meio cada vez mais amplo e complexo, em que deve no apenasviver, como conviver, dando-se nfase ao conhecimento do Brasil na perspectiva atual doseu desenvolvimento2 . Nas primeiras cinco sries do primeiro grau, o ncleo de EstudosSociais assumia a forma de atividades de integrao social, isto , estudos das experinciasvividas. Nas sries seguintes, passou a ser tratado como rea de estudo, integrando contedosdas Cincias Humanas. No segundo grau, subdividia-se nas reas de Histria, Geografia eOrganizao Social e Poltica Brasileira (OSPB).

    Os governos militares, referendando uma srie de medidas tomadas aps 1964,permitiram a proliferao dos cursos de Licenciatura Curta3 . Contriburam, assim, para oavano das entidades privadas no ensino superior e para uma desqualificao profissionaldo docente. Principalmente na dcada de 1970, algumas faculdades passaram a formarprofessores licenciados em Estudos Sociais, com programas de formao para o desempenhode atividades puramente escolares, desconsiderando preocupaes e temas deconhecimentos especficos. A Licenciatura Curta em Estudos Sociais contribuiu, em parte,para um afastamento entre universidades e escolas de primeiro e segundo graus e prejudicouo dilogo entre pesquisa acadmica e o saber escolar, dificultando a introduo dereformulaes do conhecimento histrico e das cincias pedaggicas no mbito da escola.

    Principalmente a partir da Lei no 5.692/71, ao lado da Educao Moral e Cvica(EMC) e da Organizao Social e Poltica Brasileira (OSPB), os Estudos Sociais esvaziaram,diluram e despolitizaram os contedos de Histria e de Geografia e, novamente, foram

    2 Resoluo no 8/71.3 Reforma Universitria de 1968.

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    valorizados contedos e abordagens de um nacionalismo de carter ufanista, agora destinadosa justificar o projeto nacional do governo militar aps 1964.

    Os Estudos Sociais contemplavam os chamados pr-requisitos de aprendizagem,apresentando a necessidade da aquisio de noes e de conceitos relacionados s CinciasHumanas. Para compreender a realidade social, o aluno deveria dominar, em princpio,entre outras noes, a de tempo histrico. Mas, o desenvolvimento dessa noo limitava-se a atividades de organizao do tempo cronolgico e de sucesso: dataes, calendrio,ordenao temporal, seqncia passado-presente-futuro. A linha do tempo, amarrada auma viso linear, foi sistematicamente utilizada como referncia para organizarprogressivamente os acontecimentos e os perodos histricos.

    A nfase no estudo de noes e conceitos gerais das Cincias Humanas levou aoesvaziamento da dimenso histrica no ensino. Conceitos como o de trabalho e de sociedadeforam tratados como categorias abstratas e universalizantes, perdendo suas dimensestemporais e espaciais. O agente histrico das mudanas continuou a ser o Estado, estandoele agora corporificado abstratamente na humanidade e sendo ele responsvel pelatransformao da natureza, pelo bem-estar de todos e pela construo dos caminhos doprogresso, sinnimo da poca de conquistas tecnolgicas.

    As transformaes ocorridas durante o governo militar no se limitaram aos currculose mtodos de ensino. O fim do exame de admisso e o ensino obrigatrio de oito anos daescola de primeiro grau afetaram significativamente o aproveitamento do pblico escolar. medida que eram ampliadas as oportunidades de acesso escola para a maioria dapopulao, ocorria paradoxal deteriorao na qualidade do ensino pblico.

    O ensino de Histria conviveu com contradies. Uma parcela significativa deprofessores continuou a ter formao universitria especfica em Histria com habilitaopara lecionar tambm Estudos Sociais, Educao Moral e Cvica e Organizao Social ePoltica Brasileira. Professores com licenciatura plena, apesar de assumirem as cargas horriasdas disciplinas cvicas, na sala de aula ensinavam na realidade contedos de seu domnio,isto , Histria.

    No decorrer dos anos 70 e 80, as lutas de profissionais, desde a sala de aula at auniversidade, ganharam maior expresso com o crescimento das associaes de historiadorese gegrafos, que se abriram aos docentes de primeiro e segundo graus e ampliaram a batalhapela volta de Histria e Geografia aos currculos escolares e a extino dos cursos deLicenciatura de Estudos Sociais.

    No processo de democratizao dos anos 80, os conhecimentos escolares passarama ser questionados e redefinidos por reformas curriculares dos estados e municpios.Simultaneamente, as transformaes da clientela composta por vrios grupos sociais queviviam um intenso processo de migrao, do campo para as cidades, e entre os estados,com acentuada diferenciao econmica, social e cultural, tambm foraram mudanas na

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    educao. As novas geraes de alunos habituaram-se presena de novas tecnologias decomunicao, especialmente o rdio e a televiso, que se expandiam como importantescanais de informao e de formao cultural. Entrava pelas portas das escolas umanova realidade que no poderia ser mais ignorada. O currculo real forava mudanasno currculo formal. Diversos agentes educacionais passaram a discutir e desenvolvernovas possibilidades de ensino. Neste contexto, os professores tiveram papelimportante na constituio do saber escolar, diminuindo o poder dos chamados tcnicoseducacionais.

    Na poca foi reforado o dilogo entre pesquisadores e docentes do ensino mdio,ao mesmo tempo em que se assistia expanso dos cursos de ps-graduao em Histria,com presena expressiva de professores de primeiro e segundo graus. Essa nova produoacadmica foi absorvida parcialmente pela expanso editorial na rea do ensino de Histriae de historiografia.

    As propostas curriculares passaram a ser influenciadas, tambm, pelo debate entreas diversas tendncias historiogrficas. Os historiadores voltaram-se para novasproblemticas e temticas de estudo, sensibilizados por questes ligadas histria social,cultural e do cotidiano, sugerindo possibilidades de rever, no ensino fundamental, oformalismo das abordagens histricas sustentadas nos eventos polticos e administrativosdos estados ou exclusivamente nas anlises econmicas estruturais. A apresentao doprocesso histrico num eixo espao-temporal eurocntrico, seguindo um processo evolutivo,seqencial e homogneo, foi denunciada como produto pronto e acabado, redutor dacapacidade de o aluno se sentir na condio de sujeito comum, parte integrante e agenteda Histria, e restritivo ao discernimento da diferena entre o conhecimento histricoproduzido por estudiosos e as aes dos homens realizadas no passado. Introduziu-se, namesma poca, a preocupao em desenvolver nos estudantes domnios procedimentais depesquisa histrica no espao escolar e atitudes intelectuais de desmistificao das ideologias,da sociedade de consumo e dos meios de comunicao de massa.

    O debate gerou a reavaliao no ensino de Histria ilustrado pelas mltiplasabordagens histricas possveis. Nas dcadas de 80 e 90, alguns professores comearam adenunciar a impossibilidade de transmitir o conhecimento de toda a histria da humanidadeem todos os tempos. Outros questionaram se deveriam iniciar o ensino pela Histria doBrasil ou pela Geral, optando alguns por uma ordenao seqencial e processual, queintercalasse os contedos num processo contnuo da Antiguidade at nossos dias. Partindoda crtica abordagem eurocntrica, alguns iniciaram estudos pela tica dos povos daAmrica. Outros introduziram contedos relacionados histria local e regional. Uma outraparcela optou por trabalhar com temas e, nessa perspectiva, desenvolveram-se as primeiraspropostas curriculares por eixos temticos. Para os que optaram por esta ltima via, iniciou-se um debate ainda em curso, sobre questes relacionadas ao tempo histrico, revendoconcepes de linearidade e progressividade, noes de decadncia e de evoluo.

    Paralelamente, ocorreram novos estudos no mbito das cincias pedaggicas,

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    especialmente no campo da psicologia cognitiva e social. Difundiram-se reflexes sobre oprocesso de ensino e aprendizagem, nos quais os alunos passaram a ser considerados comoparticipantes ativos do processo de construo do conhecimento uma perspectiva queinterfere nas terminologias utilizadas para definir os objetivos de ensino de Histria. Verboscomo identificar, descrever, caracterizar, ordenar foram sendo complementados com outros,que explicitam a preocupao em valorizar atitudes intelectuais nos estudantes, comocomparar, analisar e relacionar. Em consonncia com a viso de alguns educadores sobrepropostas pedaggicas construtivistas, valorizaram-se tambm as atitudes ativas dos alunoscomo sujeitos construtores de sua histria.

    Nessa linha, na defesa da idia de que os acontecimentos no podem ser estudadosisoladamente e que preciso ensinar o estudante a pensar/refletir historicamente, algunsprofessores passaram a ensinar mtodos de pesquisa histrica, retomando parte do debatedas dcadas de 50 e 60. Compreendendo a Histria como movimento social e memriadifundida socialmente, cujo discurso construdo sobre o passado e o presente, outrosdocentes incorporaram aos mtodos de ensino a confrontao de diferentes verseshistricas, de memrias diferenciadas de grupos sociais e a valorizao do saber, das vivnciase das interpretaes dos alunos. Alguns passaram a usar diferentes fontes de informao,principalmente como recurso didtico para fazer aflorar tradies e discursos variados sobreum mesmo tema.

    Os mtodos tradicionais de ensino memorizao e reproduo passaram a serquestionados com maior nfase. Os livros didticos difundidos amplamente e enraizadosnas prticas escolares foram criticados nos contedos e nos exerccios propostos. Asimplificao dos textos, os contedos carregados de ideologias, os testes ou exercciossem exigncia de nenhum raciocnio foram apontados como comprometedores de qualqueravano no campo curricular formal.

    Por isso, o ensino est em processo de mudanas substantivas nos objetivos,contedos e mtodos. Parte dessas mudanas decorrente da ansiedade em diminuirdistncias entre o que ensinado na escola fundamental e a produo universitria, isto ,entre o saber histrico escolar e as pesquisas e reflexes que acontecem no plano doconhecimento acadmico. A tentativa de aproximao entre estas duas realidades, nas quaiso saber histrico est presente, faz com que a escola se envolva a seu modo no debatehistoriogrfico atual, incorporando parte de suas tenses e contradies.

    Paralelamente, nas ltimas dcadas, passaram a ser difundidas percepes diferentesdo processo de aprendizagem, do papel que os materiais didticos desempenham, dosinstrumentos e significados das avaliaes e das funes sociais e culturais atribudas escola e ao professor. Essas novas percepes, hoje desenvolvidas por docentes epesquisadores, tm levado a reflexes profundas quanto interao entre teoria e prticano espao escolar e s relaes estabelecidas entre o currculo formal elaborado porespecialistas e instituies e o currculo real que, efetivamente, se concretiza na escolae na sala de aula.

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    A escola vive hoje contradies fundamentais. Seus agentes lutam simultaneamentepor mudanas e pela manuteno de tradies escolares. Mantm articulaes com esferaspolticas e institucionais, incorporam expectativas provocadas por avaliaes de desempenhodo sistema educacional brasileiro, orientam-se por avaliaes para ingresso no ensino mdioou superior, buscam contribuies de pesquisas e experincias acadmicas e procuramatender parte das expectativas sociais e econmicas das famlias, dos alunos e dos diferentessetores da sociedade.

    A constatao dessas contradies fortalece, cada vez mais, a convico de que osaber escolar est relacionado a uma diversidade de tradies prprias da histria da educaobrasileira e mantm relaes com poderes e valores diversificados da realidade social. Impea necessidade de valorizar o professor como um trabalhador intelectual ativo no espaoescolar, responsvel junto com seus iguais pela clareza e definio dos objetivos e doscontedos para a disciplina que leciona. Aponta para o fato de que a transformao daprtica do docente s acontece quando, no exerccio de seu trabalho, ele coloca em discussosuas aes, explicita seus pressupostos, problematiza a prtica, busca e experimentaalternativas de abordagens e de contedos, desenvolve atividades interdisciplinares, fazescolhas diversificadas de recursos didticos, analisa dificuldades e conquistas, compartilhaexperincias e relaciona a prtica com a teoria.

    A Histria tem permanecido no currculo das escolas, constituindo o que se chamade saber histrico escolar. No dilogo e no confronto com a realidade social e educacional,no contato com valores e anseios das novas geraes, na interlocuo com o conhecimentohistrico e pedaggico, o saber histrico escolar tem mantido tradies, tem reformulado einovado contedos, abordagens, mtodos, materiais didticos e algumas de suas finalidadeseducacionais e sociais. Nesse dilogo tem permanecido, principalmente, o papel da Histriaem difundir e consolidar identidades no tempo, sejam tnicas, culturais, religiosas, de classese grupos, de Estado ou Nao. Nele, fundamentalmente, tm sido recriadas as relaesprofessor, aluno, conhecimento histrico e realidade social, em benefcio do fortalecimentodo papel da Histria na formao social e intelectual de indivduos para que, de modoconsciente e reflexivo, desenvolvam a compreenso de si mesmos, dos outros, da suainsero em uma sociedade histrica e da responsabilidade de todos atuarem na construode sociedades mais igualitrias e democrticas.

    O conhecimento histrico:caractersticas e importncia social

    Desde que foi incorporada ao currculo escolar, a Histria ensinada tem mantidouma interlocuo com o conhecimento histrico. De longa data, muitos dos profissionaisque atuam no ensino e/ou produzem material didtico so pesquisadores e produtores deconhecimento historiogrfico. Apesar de em certos momentos da histria da educao

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    brasileira algumas polticas pblicas romperem com os vnculos diretos entre o que seensina na escola e a produo histrica especfica ou, ainda, estimularem a formao dedocentes para reproduzirem um saber puramente escolar, permanecem as lutas deprofessores/historiadores para aproximarem o ensino de Histria das questes, dasabordagens e dos temas desenvolvidos pela pesquisa terica e cientfica.

    Nas ltimas dcadas, por diferentes razes, nota-se uma crescente preocupaodos professores do ensino fundamental em acompanhar e participar do debatehistoriogrfico, criando aproximaes entre o conhecimento histrico e o saber histricoescolar. Reconhece-se que o conhecimento cientfico tem seus objetivos sociais e reelaborado, de diversas maneiras, para o conjunto da sociedade. Na escola, ele adquire,ainda, uma relevncia especfica quando recriado para fins didticos.

    O saber histrico tem, desse modo, possibilitado e fundamentado alternativas paramtodos de ensino e recursos didticos, principalmente para valorizar o aluno como sujeitoativo no processo de aprendizagem. Por outro lado, ao constatarem que as abordagens e oscontedos escolares no explicam as problemticas sociais contemporneas nem astransformaes histricas a elas relacionadas, professores e educadores buscam outros modosde compreender a relao presente/passado e de historicizar as questes do cotidiano. Almdisso, os profissionais da escola tm procurado manter relaes e compromissos maisestreitos com a realidade social, propondo uma melhor compreenso dessa realidade eencarando-a como diversificada, mltipla, conflituosa, complexa e descontnua.

    Considerando as indagaes e as problemticas atuais do conhecimento e do ensinode Histria so apresentadas, na seqncia, linhas gerais de algumas tendncias e reflexesde pesquisadores e estudiosos da Histria.

    Como em muitas outras reas de conhecimento, a Histria um campo de pesquisae produo de saber em permanente debate que est longe de apontar para um consenso.

    Novas abordagens iluminam as anlises polticas de instituies, de lderesgovernamentais, de partidos, de lutas sociais e de polticas pblicas. Ao mesmo tempo,novos temas sociais e culturais ganham relevncia. o caso de pesquisas destinadas aaprofundar e revelar as dimenses da vida cotidiana de trabalhadores, mulheres, crianas,grupos tnicos, velhos e jovens e das pesquisas que estudam prticas e valores relacionadoss festas, sade, doena, ao corpo, sexualidade, priso, educao, cidade, aocampo, natureza e arte. Nesse propsito, continua sendo utilizada como fonte de pesquisaa documentao escrita e institucional, enquanto so considerados tambm documentosde diferentes linguagens textos, imagens, relatos orais, objetos e registros sonoros.

    Na pesquisa histrica podem ser encontradas diferentes abordagens terico-metodolgicas. Entre elas, tendem a se esgotar as que procuram explicar a vida social e adinmica de seu movimento no tempo por meio de teorias globalizantes, fazendo uso decategorias tericas abstratas e de mtodos hipottico-dedutivos. Tm sido fortalecidas,por outro lado, diferentes abordagens que enfatizam a problematizao do social, procurando

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    ora nos grandes movimentos coletivos, ora nas particularidades individuais, de grupos enas suas inter-relaes, o modo de viver, sentir, pensar e agir de homens, mulheres,trabalhadores, que produzem, no dia-a-dia e ao longo do tempo, as prticas culturais e omundo social.

    Nesta ltima tendncia, que no deixa de abrigar diferentes modelos analticos econceituais, as obras de arte, as articulaes de poderes religiosos, os rituais, os costumes,as tradies, os desvios de comportamento, as resistncias cotidianas, os valores presentesem imagens e textos, as relaes e papis interpessoais e intergrupais, so abordados emsuas particularidades, em suas inter-relaes ou na perspectiva de suas permanncias etransformaes no tempo. Tais estudos tm contribudo para revelar dimenses da histriacultural, mentalidades e prticas de construo de identidades socioculturais. Tmsolicitado, por sua vez, outras metodologias e teorias capazes de iluminar os significadossimblicos das representaes sociais e as relaes que as prticas cotidianas mantm comos processos histricos. Demandam, ainda, abordagens capazes de lidar com a idia depermanncia na Histria, estimulando debates sobre o tempo e suas duraes.

    A ampliao de temas de estudo e de possibilidades terico-metodolgicas temauxiliado o pesquisador a refletir cada vez mais sobre os fatores que interferem na construodo conhecimento histrico. Os estudos da cultura e das representaes alertam, por exemplo,para o fato de que, assim como as obras de arte, os artefatos, os textos e as imagens estorepletos de significaes complementares e contraditrias , as obras historiogrficas,do mesmo modo, possuem seu tempo, seu lugar, seus valores e suas ideologias. O tema deestudo, as fontes, as anlises, as interpretaes, como tambm o estilo e a estrutura textual,expressam a historicidade do conhecimento, a sua legitimidade cientfica e a sua inseroem um contexto histrico mais amplo. Assim, alguns historiadores preocupam-se com aexplicitao de que tambm as suas escolhas fazem parte de momentos histricosespecficos, de processos contnuos e descontnuos e de dilogos com outros estudiosos ecom as realidades vividas e estudadas.

    O historiador tem igualmente refletido sobre as relaes que estabelece com o seuobjeto de estudo. Se fica clara a distino entre o sujeito e o objeto de investigao nasabordagens terico-metodolgicas de carter cientfico e racionalista, que enfatizam aobjetividade como meio de aproximao da realidade histrica, essa distino se dilui quandoso interpretados os indcios de valores e mentalidades das representaes construdashistoricamente. No segundo caso, cabe efetivamente ao pesquisador, a partir de suaformao e de seus domnios cognitivos, identificar, relacionar e interpretar tais indciossimblicos como expresses de vivncias e de modos de pensar contraditrios de umarealidade social e cultural representada. Isso no significa que o conhecimento histricoabandonou o domnio da racionalidade, mas que, assim como outras disciplinas, buscauma nova racionalidade.

    Tais reflexes tm fortalecido a conscincia do historiador de que exerce um papelativo na elaborao do conhecimento e de que as formas de estudar o passado so plurais.

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    Reconhece que o produto final de seu trabalho decorre da sua abordagem terica, da escolhada metodologia de pesquisa, de suas hipteses iniciais, da sua escolha do tema, da suasensibilidade para estabelecer relaes entre problemticas de sua poca e problemticashistricas, das fontes de pesquisa que escolhe analisar, de suas interpretaes e do estilode texto que opta para organizar o seu trabalho.

    Essa diluio das distncias e a interpenetrao entre o sujeito e o objeto de estudoinstigou alguns historiadores a assumirem plenamente uma subjetividade interpretativa,questionando a dimenso do real e o comprometimento do conhecimento histrico com averdade em termos de vnculos com a realidade social. Nessas dimenses, a especificidadee a cientificidade do conhecimento histrico foram redimensionadas. A referncia passoua ser o dilogo que o historiador estabelece com seus iguais, a coerncia de sua abordagemterico-metodolgica e a organizao do conhecimento por meio de uma formalizao dalinguagem cientfica da Histria.

    Essa diversidade de temas e abordagens tem sido alimentada e fundamentadapelo dilogo da Histria com outras reas de conhecimento das Cincias Humanas aFilosofia, a Economia, a Poltica, a Geografia, a Sociologia, a Psicologia, a Antropologia, aArqueologia, a Crtica Literria, a Lingstica e a Arte. Em diferentes momentos do sculoXX possvel identificar a convergncia de abordagens e temticas entre as diferenteshumanidades, ora predominando estudos histrico-sociais, histrico-geogrficos, histrico-culturais, histrico-polticos, histrico-econmicos, histrico-literrios, ora existindo aprocura de uma histria total. Nesse dilogo, diferentes campos das Cincias Humanasintroduziram, tambm, preocupaes prprias da Histria, como no caso da valorizao doestudo das transformaes das culturas, das significaes e dos valores no tempo.

    A aproximao da Histria com as demais Cincias Humanas conduziu aos estudosde povos de todos os continentes, redimensionando o papel histrico das populaes noeuropias. Orientou estudos sobre a diversidade de vivncias culturais, estimulou apreocupao com as diferentes linguagens. A investigao histrica passou a considerar aimportncia da utilizao de outras fontes documentais e da distino entre a realidade e arepresentao da realidade expressa nas gravuras, desenhos, grficos, mapas, pinturas,esculturas, fotografias, filmes e discursos orais e escritos. Aperfeioou, ento, mtodos paraextrair informaes de diferentes naturezas dos vrios registros humanos j produzidos,reconhecendo que a comunicao entre os homens, alm de escrita, oral, gestual, figurada,musical e rtmica.

    O aprofundamento de estudos culturais, principalmente no dilogo da Histriacom a Antropologia, tem contribudo, ainda, para um debate sobre os conceitos de culturae de civilizao. Alguns historiadores rejeitam o conceito de civilizao por consider-loimpregnado de uma perspectiva evolucionista e otimista face aos avanos e domniostecnolgicos, isto , com uma culminncia de etapas sucessivas em direo a uma culturasuperior antecedida por perodos de selvageria e barbrie. Nessa linha, valorizam a idiade diversidade cultural e multiplicam as concepes de tempo. A idia de um tempo apenas

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    contnuo e evolutivo, igual e nico para toda a humanidade, tambm confrontada com oesforo de perceber e iluminar a descontinuidade das mudanas, evidenciando, por exemplo,a convivncia, na mesma poca, de povos que utilizam diferentes tecnologias, como nocaso de sociedades coletoras que so contemporneas de naes que dominam recursostecnolgicos capazes de explorar o planeta Marte.

    Muitas reflexes inerentes pesquisa histrica so significativas para o ensino naescola fundamental. As abordagens tericas que problematizam a realidade social eidentificam a participao ativa de pessoas comuns na construo da Histria nas suasresistncias, divergncia de valores e prticas, reelaborao da cultura instigam, porexemplo, propostas e mtodos de ensino que valorizam os alunos como protagonistas darealidade social e da Histria e sujeitos ativos no processo de aprendizagem.

    O dilogo da Histria com as demais Cincias Humanas tem favorecido, por outrolado, estudos de diferentes problemticas contemporneas em suas dimenses temporais.Por meio de trabalhos interdisciplinares, novos contedos podem ser considerados emperspectiva histrica, como no caso da apropriao, atuao, transformao e representaoda natureza pelas culturas, da relao entre trabalho e tecnologia e das polticas pblicas desade com as prticas sociais, alm da especificidade cultural de povos e das inter-relaes,diversidade e pluralidade de valores, prticas sociais, memrias e histrias de grupos tnicos,de sexo e de idade.

    A conscincia de que o conhecimento histrico sempre fruto de seu tempo sugere,tambm, outros trabalhos didticos. As obras de cunho histrico textos historiogrficos,artigos de jornais e revistas, livros didticos so estudadas como verses histricas queno podem ser ensinadas como prontas e acabadas nem confundidas com a realidade vividapelos homens no passado. Considera-se, por exemplo, a importncia da identificao e daanlise de valores, intencionalidades e contextos dos autores; a seleo dos eventos e arelevncia histrica atribuda a eles; a escolha dos personagens que so valorizados comoprotagonistas da histria narrada; e a estrutura temporal que organiza os eventos e querevela o tempo da problemtica inicial e dos contextos histricos estudados. Trabalhosnessa linha possibilitam para o docente, entre outras coisas, reconhecer sua atuao naconstruo do saber histrico escolar, na medida em que ele que seleciona, avalia e inserea obra em uma situao didtica e tal obra adquire novos significados ao ser submetida aosnovos interlocutores (ele e alunos).

    As pesquisas histricas desenvolvidas a partir de diversidade de documentos e damultiplicidade de linguagens tm aberto portas para o educador explorar diferentes fontesde informao como material didtico e desenvolver mtodos de ensino que, no tocante aoaluno, favorecem a aprendizagem de procedimentos de pesquisa, anlise, confrontao,interpretao e organizao de conhecimentos histricos escolares. Essas so experinciase vivncias importantes para os estudantes distinguirem o que realidade e o que representao, refletirem sobre a especificidade das formas de representao e comunicaoutilizadas hoje e em outros tempos e aprenderem a extrair informaes de documentos

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    (das suas formas e contedos) para o estudo, a reflexo e a compreenso de realidadessociais e culturais.

    Os dilogos entre o ensino de Histria e o conhecimento cientfico redimensionam,assim, a importncia social da rea na formao dos estudantes. Sinalizam e fundamentampossibilidades de estudos e atividades que valorizam as atitudes intelectuais dos alunos, oseu envolvimento nos trabalhos e o desenvolvimento de sua autonomia para aprender.Instigam, tambm, a reflexo crtica na escola e na sala de aula sobre suas prticas, seusvalores e seus conhecimentos, aprofundando as relaes do seu cotidiano com contextossociais especficos e com processos histricos contnuos e/ou descontnuos.

    Ao longo da histria da educao brasileira, tambm os currculos escolaresapontavam para a importncia social do ensino de Histria. Uma das tradies da rea temsido a de contribuir para a construo da identidade, sendo esta entendida como a formaodo cidado patritico, do homem civilizado ou da pessoa ajustada ao seu meio. Isto, caberia Histria desenvolver no aluno a sua identidade com a ptria, com o mundocivilizado ou com o pas do trabalho e do desenvolvimento.

    Atualmente preciso considerar essa tradio no ensino de Histria, mas necessrio, simultaneamente, repensar sobre o que se entende por identidade e qual a suarelevncia para a sociedade brasileira contempornea.

    Nas ltimas dcadas, a sociedade brasileira vive internamente um intenso processomigratrio e, nas suas relaes com o mundo, a assimilao e o intercmbio decomportamentos, valores e tecnologias que desarticulam formas tradicionais de trabalho ede relaes socioculturais. Os deslocamentos populacionais e a expanso da economia e dacultura mundial criam situaes dramticas para a identidade local, regional e nacional, namedida em que desestruturam relaes historicamente estabelecidas e desagregam valores,situaes cujo alcance ainda no se pode avaliar.

    Nesse contexto, os estudos histricos desempenham um papel importante, namedida em que contemplam pesquisas e reflexes das representaes construdassocialmente e das relaes estabelecidas entre os indivduos, os grupos, os povos e o mundosocial, em uma poca. Nesse sentido, o ensino de Histria pode fazer escolhas pedaggicascapazes de possibilitar ao aluno refletir sobre seus valores e suas prticas cotidianas erelacion-los com problemticas histricas inerentes ao seu grupo de convvio, sualocalidade, sua regio e sociedade nacional e mundial.

    Uma das escolhas pedaggicas possveis, nessa linha, o trabalho favorecendo aconstruo, pelo aluno, de noes de diferena, semelhana, transformao e permanncia.Essas so noes que auxiliam na identificao e na distino do eu, do outro e dons no tempo; das prticas e valores particulares de indivduos ou grupos e dos valoresque so coletivos em uma poca; dos consensos e/ou conflitos entre indivduos e entregrupos em sua cultura e em outras culturas; dos elementos prprios deste tempo e dosespecficos de outros tempos histricos; das continuidades e descontinuidades das prticas

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    e das relaes humanas no tempo; e da diversidade ou aproximao entre essas prticas erelaes em um mesmo espao ou nos espaos.

    A construo de noes interfere nas estruturas cognitivas do aluno, modificando amaneira como ele compreende os elementos do mundo e as relaes que esses elementosestabelecem entre si. Isso significa dizer que quando o estudante apreende uma noo,grande parte do que ele sabe e pensa reorganizado a partir dela. Na medida em que oensino de Histria lhe possibilita construir noes, ocorrem mudanas no seu modo deentender a si mesmo, os outros, as relaes sociais e a Histria. Os novos domnios cognitivosdo aluno podem interferir, de certo modo, nas suas relaes pessoais e sociais e nos seuscompromissos e afetividades com as classes, os grupos sociais, as culturas, os valores e asgeraes do passado e do futuro.

    A percepo do outro (diferente) e do ns (semelhante) diversa em cadacultura e no tempo. Ela depende de informaes e de valores sociais historicamenteconstrudos. sempre mediada por comportamentos e por experincias pessoais e dasociedade em que se vive. Em diferentes momentos da Histria, indivduos, grupos epovos conheceram as desigualdades, as igualdades, as identidades, as diferenas, osconsensos e os conflitos, seja na convivncia social, espacial, poltica, econmica, cultural ereligiosa, seja na convivncia entre etnias, sexos e idades. Esses convvios mantiveramrelaes com valores, padres de comportamentos e atitudes de identificao, distino,equiparao, segregao, submisso, dominao, luta ou resignao, entre aqueles que seconsideravam iguais, inferiores ou superiores, prximos ou distantes, conhecidos oudesconhecidos, compatriotas ou estrangeiros.

    Hoje em dia, a percepo do outro e do ns est relacionada possibilidade deidentificao das diferenas e, simultaneamente, das semelhanas. A sociedade atual solicitaque se enfrente a heterogeneidade e que se distinga as particularidades dos grupos e dasculturas, seus valores, interesses e identidades. Ao mesmo tempo, ela demanda que oreconhecimento das diferenas no fundamente relaes de dominao, submisso,preconceito ou desigualdade. Todavia, esse no um exerccio fcil. Ao contrrio, requero esforo e o desejo de reconhecer o papel que exercido pelas mediaes construdas porexperincias sociais e culturais na organizao de valores, que sugerem, mas no impem,o que bom, mau, belo, feio, superior, inferior, igual, perfeito ou imperfeito, puro ouimpuro; que orientam, mas no restringem, as aes de aproximao, distanciamento,isolamento, assimilao, rejeio, submisso ou indiferena; e que possibilitam oconhecimento ou o desconhecimento da presena ou da existncia da diversidade individual,de grupo, de classe ou de culturas.

    A percepo da alteridade est relacionada distino, de modo consciente, dasdiferenas, das lutas e dos conflitos internos aos grupos sociais ou presentes entre aquelesque vivem ou viveram em outro local, tempo ou sociedade. E est relacionada construode uma sensibilidade ou consolidao de uma vontade de acolher a produo interna dasdiferenas e de moldar valores de respeito por elas. A percepo do ns, por sua vez, est

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    ligada ao desejo de reconhecimento de semelhanas entre o eu e outros, na busca deidentificao de elementos comuns no grupo local, na populao nacional ou nos outrosgrupos e povos prximos ou distantes no tempo e no espao.

    O trabalho com noes de transformao e de permanncia, envolvendoespecificamente a dimenso temporal, est relacionado, por outro lado, percepo deque o eu e o ns do tempo presente so distintos de outros de outros tempos, queviviam, compreendiam o mundo, trabalhavam, vestiam-se e se relacionavam de outramaneira. E est relacionado, simultaneamente, com a compreenso de que o outro ,tambm, o antepassado, aquele que legou uma histria e um mundo especfico para servivido e transformado.

    O domnio das noes de diferena, semelhana, transformao e permannciapossibilita ao aluno estabelecer relaes e, no processo de distino e anlise, adquirirnovos domnios cognitivos e aumentar o seu conhecimento sobre si mesmo, seu grupo, suaregio, seu pas, o mundo e outras formas de viver e outras prticas sociais, culturais, polticase econmicas construdas por diferentes povos. As atividades escolares com essas noestambm evidenciam para o aluno as dimenses da Histria entendida como conhecimento,experincia e prtica social. Contribui, assim, para desenvolver sua formao intelectual,para fortalecer seus laos de identidade com o presente e com geraes passadas e paraorientar suas atitudes como cidado no mundo de hoje.

    A seu modo, o ensino de Histria pode favorecer a formao do estudante comocidado, para que assuma formas de participao social, poltica e atitudes crticas dianteda realidade atual, aprendendo a discernir os limites e as possibilidades de sua atuao, napermanncia ou na transformao da realidade histrica na qual se insere. Essaintencionalidade no , contudo, esclarecedora nela mesma. necessrio que a escola eseus educadores definam e explicitem para si e junto com as geraes brasileiras atuais osignificado de cidadania4 e reflitam sobre suas dimenses histricas.

    A idia de cidadania foi inicialmente construda em uma poca e em uma sociedade,mas foi reconstruda por outras pocas e culturas. A cidadania no compreendida demodo semelhante por todos os indivduos e grupos hoje no Brasil, como no era em outraspocas. diferente ainda do sentido atribudo pelos atenienses da poca de Pricles oupelos revolucionrios franceses de 1789, nem idntica s prticas e crenas da populaonorte-americana atual. Os sentidos que a palavra assume para os brasileiros incluem osdemais sentidos historicamente construdos, mas ultrapassam os seus contornos,incorporando problemticas e debates especificamente nacionais, que so e que forammoldados, no presente e no passado, por indivduos, grupos, classes, instituies, governose Estado e, tambm, nas suas inter-relaes.

    Para se formar cidados conscientes e crticos da realidade em que esto inseridos, necessrio fazer escolhas pedaggicas pelas quais o estudante possa conhecer as

    4 Sobre a questo da cidadania, ver Apresentao dos Temas Transversais.

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    problemticas e os anseios individuais, de classes e de grupos local, regional, nacional einternacional que projetam a cidadania como prtica e ideal; distinguir as diferenas dosignificado de cidadania para vrios povos; e conhecer conceituaes histricas delineadaspor estudiosos do tema em diferentes pocas.

    Do ponto de vista da historiografia e do ensino de Histria, a questo da cidadaniatem sido debatida como um problema fundamental das sociedades deste final de milnio.Se em outras pocas a sua abrangncia estava relacionada principalmente questo daparticipao poltica no Estado, aliando-se questo dos direitos sociais, hoje sua dimensotem sido sistematicamente ampliada para incluir novos direitos conforme as condies devida do mundo contemporneo. Tm sido reavaliadas as contradies e as tenses manifestasna realidade ligadas ao distanciamento entre os direitos constitucionais e as prticascotidianas. Assim, a questo da cidadania envolve hoje novos temas e problemas tais como,dentre outros: o desemprego; a segregao tnica e religiosa; o reconhecimento daespecificidade cultural indgena; os novos movimentos sociais; o desrespeito pela vida epela sade; a preservao do patrimnio histrico-cultural; a preservao do meio ambiente;a ausncia de tica nos meios de comunicao de massa; o crescimento da violncia e dacriminalidade.

    As questes envolvendo a cidadania s podem ser entendidas em dimenso histrica.A luta pela terra, por exemplo, tem envolvido geraes. Os territrios indgenas, reduzidospela expanso da colonizao europia e pelo avano das fronteiras agrcolas e minerais,at hoje pedem polticas pblicas efetivas. As terras dos antigos quilombos esto em plenodebate. Do mesmo modo, possvel falar da longevidade e profundidade da questo tnicaconstruda por quatrocentos anos de escravido e perpetuada pela desigualdade social epelo preconceito racial. Assim, tanto a excluso como a luta em prol de direitos e igualdadesmarcam a questo da cidadania no Brasil.

    Todas essas consideraes so importantes para explicitar objetivos, contedos emetodologias do ensino de Histria propostos para os dois primeiros ciclos do ensinofundamental e, neste documento, tambm para o terceiro e o quarto ciclos. Existe, nessesentido, a preocupao de manter coerncia e continuidade na formao do estudante aolongo do curso a ele oferecido.

    Aprender e ensinar Histria no ensino fundamental

    Como se aprende Histria? Como se ensina Histria?

    No se aprende Histria apenas no espao escolar. As crianas e jovens tm acessoa inmeras informaes, imagens e explicaes no convvio social e familiar, nos festejosde carter local, regional, nacional e mundial. So atentos s transformaes e aos ciclos danatureza, envolvem-se com os ritmos acelerados da vida urbana, da televiso e dosvideoclipes, so seduzidos pelos apelos de consumo da sociedade contempornea e

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    preenchem a imaginao com cones recriados a partir de fontes e pocas diversas. Nasconvivncias entre as geraes, nas fotos e lembranas dos antepassados e de outros tempos,crianas e jovens socializam-se, aprendem regras sociais e costumes, agregam valores,projetam o futuro e questionam o tempo.

    Rdio, livros, enciclopdias, jornais, revistas, televiso, cinema, vdeo ecomputadores tambm difundem personagens, fatos, datas, cenrios e costumes queinstigam meninos e meninas a pensarem sobre diferentes contextos e vivncias humanas.Nos Jogos Olmpicos, no centenrio do cinema, nos cinqenta anos da bomba de Hiroshima,nos quinhentos anos da chegada dos europeus Amrica, nos cem anos de Repblica e daabolio da escravido, os meios de comunicao reconstituram com gravuras, textos,comentrios, fotografias e filmes, glrias, vitrias, invenes, conflitos que marcaram taisacontecimentos.

    Os jovens sempre participam, a seu modo, desse trabalho da memria, que semprerecria e interpreta o tempo e a Histria. Apreendem impresses dos contrastes das tcnicas,dos detalhes das construes, dos traados das ruas, dos contornos das paisagens, dosdesenhos moldados pelas plantaes, do abandono das runas, da desordem dos entulhos,das intenes dos monumentos, que remetem ora para o antigo, ora para o novo, ora para asobreposio dos tempos, instigando-os a intuir, a distinguir e a olhar o presente e o passadocom os olhos da Histria. Aprendem que h lugares para guarda e preservao da memria,como museus, bibliotecas, arquivos, stios arqueolgicos.

    Entre os muitos momentos, meios e lugares que sugerem a existncia da Histria,esto, tambm, os eventos e os contedos escolares. Os jovens, as crianas e suas famliasagregam s suas vivncias, informaes, explicaes e valores oferecidos nas salas de aula., muitas vezes, a escola que cria estmulos ou significados para lembrar ou silenciar sobreeste ou aquele evento, esta ou aquela imagem, este ou aquele processo.

    Algumas das informaes e questes histricas, adquiridas de modo organizado oufragmentado, so incorporadas significativamente pelo adolescente, que as associa, relaciona,confronta e generaliza. O que se torna significativo e relevante consolida seu aprendizado.O que ele aprende fundamenta a construo e a reconstruo de seus valores e prticascotidianas e as suas experincias sociais e culturais. O que o sensibiliza molda a suaidentidade nas relaes mantidas com a famlia, os amigos, os grupos mais prximos e maisdistantes e com a sua gerao. O que provoca conflitos e dvidas estimula-o a distinguir,explicar e dar sentido para o presente, o passado e o futuro, percebendo a vida comosuscetvel de transformao.

    preciso diferenciar, entretanto, o saber que os alunos adquirem de modo informaldaquele que aprendem na escola. No espao escolar, o conhecimento uma reelaboraode muitos saberes, constituindo o que se chama de saber histrico escolar. Esse saber proveniente do dilogo entre muitos interlocutores e muitas fontes e permanentementereconstrudo a partir de objetivos sociais, didticos e pedaggicos. Dele fazem parte as

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    tradies de ensino da rea; as vivncias sociais de professores e alunos; as representaesdo que e como estudar; as produes escolares de docentes e discentes; o conhecimentofruto das pesquisas dos historiadores, educadores e especialistas das Cincias Humanas; asformas e contedos provenientes dos mais diferentes materiais utilizados; as informaesorganizadas nos manuais e as informaes difundidas pelos meios de comunicao.

    Nas suas relaes com o conhecimento histrico, o ensino e a aprendizagem daHistria envolvem seleo criteriosa de contedos e mtodos que contemplem o fato, osujeito e o tempo.

    Os eventos histricos eram tradicionalmente apresentados por autores de modoisolado, deslocados de contextos mais amplos, como muitas vezes ocorria com a histriapoltica, em que se destacavam apenas aes de governantes e heris. Hoje prevalece anfase nas relaes de complementariedade, continuidade, descontinuidade, circularidade5 ,contradio e tenso com outros fatos de uma poca e de outras pocas. Destacam-seeventos que pertencem vida poltica, econmica, social e cultural e tambm aquelesrelacionados dimenso artstica, religiosa, familiar, arquitetnica, cientfica, tecnolgica.Valorizam-se eventos do passado mais prximo e/ou mais distante no tempo. H apreocupao com as mudanas e/ou com as permanncias na vida das sociedades.

    De modo geral, pode-se dizer que os fatos histricos remetem para as aesrealizadas por indivduos e pelas coletividades, envolvendo eventos polticos, sociais,econmicos e culturais.

    No caso dos sujeitos histricos, h trabalhos que valorizam atores individuais, quersejam lideranas polticas, militares, diplomticas, intelectuais ou religiosas, quer sejamhomens annimos tomados como exemplos para permitir o entendimento de umacoletividade. Outros trabalhos preocupam-se com sujeitos histricos coletivos, destacandoa identidade e/ou a discordncia entre grupos sociais. Em ambos os casos, h umapreocupao em relacionar tais atores com valores, modos de viver, pensar e agir.

    De modo geral, pode-se dizer que os sujeitos histricos so indivduos, grupos ouclasses sociais participantes de acontecimentos de repercusso coletiva e/ou imersos emsituaes cotidianas na luta por transformaes ou permanncias.

    No caso do tempo histrico, de uma tradio marcada por datas alusivas a sujeitose fatos, passa-se a enfatizar diferentes nveis e ritmos de duraes temporais. As duraesesto relacionadas percepo dos intervalos das mudanas ou das permanncias nasvivncias humanas. O ritmo relaciona-se com a percepo da velocidade das mudanashistricas.

    O tempo histrico baseia-se em parte no tempo institucionalizado tempocronolgico e o transforma sua maneira. O tempo cronolgico calendrios e datas

    5 A circularidade diz respeito a valores, idias, vises de mundo e prticas, vividas ou produzidas por certos gruposou classes, que so absorvidas ou recriadas por outros grupos de uma mesma sociedade ou de outra sociedade, emum tempo especfico, ou de tempos diferentes.

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    possibilita referenciar o lugar dos momentos histricos na sucesso do tempo, mas poderemeter compreenso de acontecimentos datados relacionados a um determinado pontode uma longa e infinita linha numrica. Os acontecimentos identificados dessa forma podemassumir uma concepo de uniformidade, de regularidade e, ao mesmo tempo, de sucessocrescente e cumulativa. A seqncia cronolgica dos acontecimentos pode sugerir quetoda a humanidade seguiu ou deveria seguir o mesmo percurso, criando a idia de povosatrasados e civilizados.

    Na prtica dos historiadores, o tempo no concebido como um fluxo uniforme,em que os fenmenos so mergulhados tais como os corpos num rio cujas correntezaslevam sempre para mais longe. O tempo da Histria o tempo intrnseco aos processose eventos estudados. So ritmados no por fenmenos astronmicos ou fsicos, maspor singularidades dos processos, nos pontos onde eles mudam de direo ou de nature-za.

    As vrias temporalidades e ritmos da Histria so categorias produzidas por aquelesque estudam os acontecimentos no tempo. Mas, na perspectiva da realidade social ehistrica, os indivduos e os grupos vivem os ritmos das mudanas, das resistncias e daspermanncias. Imersos no tempo, apreendendo e sentindo os sinais de sua existncia vivem,simultaneamente, as diferentes temporalidades.

    A apropriao de noes, mtodos e temas prprios do conhecimento histrico,pelo saber histrico escolar, no significa que se pretende fazer do aluno um pequenohistoriador e nem que ele deve ser capaz de escrever monografias. A inteno que eledesenvolva a capacidade de observar, de extrair informaes e de interpretar algumascaractersticas da realidade do seu entorno, de estabelecer algumas relaes e confrontaesentre informaes atuais e histricas, de datar e localizar as suas aes e as de outras pessoasno tempo e no espao e, em certa medida, poder relativizar questes especficas de suapoca.

    No processo de aprendizagem, o professor o principal responsvel pela criaodas situaes de trocas, de estmulo na construo de relaes entre o estudado e o vivido,de integrao com outras reas de conhecimento, de possibilidade de acesso dos alunos anovas informaes, de confrontos de opinies, de apoio ao estudante na recriao de suasexplicaes e de transformao de suas concepes histricas. Nesse sentido, a avaliaono deve acontecer apenas em determinados momentos do calendrio escolar. A avaliaofaz parte do trabalho do professor para diagnosticar quando cabe a ele problematizar,confrontar, informar, instigar questionamentos, enfim criar novas situaes para que oaprendizado acontea.

    Assim, a avaliao no revela simplesmente as conquistas pessoais dos jovens oudo grupo de estudantes. Ela possibilita ao professor problematizar o seu trabalho, discernindoquando e como intervir e quais as situaes de ensino-aprendizagem mais significativas aolongo do ciclo. Para atender diversidade de situaes que encontra quando se coloca

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    diante dos alunos, deve conhecer uma variedade de atividades didticas. Nessa linha, deveaprender a registrar as situaes significativas vividas no processo de ensino, procurarconhecer experincias de outros docentes e socializar as suas com outros educadores.

    Um importante instrumento do professor para avaliar a coerncia de seu trabalho,identificar as pistas para recri-lo, construir um acervo de experincias didticas e socializarsuas vivncias de sala de aula, a produo de relatrios escritos. Com isso, ele estimula oexerccio de explicitar em uma comunicao com as outras pessoas as intenes, as reflexese as fundamentaes, as hipteses dos alunos e as intervenes pedaggicas, recuperando,entre inmeros aspectos, aqueles que poderiam ser modificados ou recriados em uma outraoportunidade.

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    OBJETIVOS GERAIS DE HISTRIA

    Espera-se que ao longo do ensino fundamental os alunos gradativamente possamampliar a compreenso de sua realidade, especialmente confrontando-a e relacionando-acom outras realidades histricas, e, assim, possam fazer suas escolhas e estabelecer critriospara orientar suas aes. Nesse sentido, os alunos devero ser capazes de:

    identificar relaes sociais no seu prprio grupo de convvio,na localidade, na regio e no pas, e outras manifestaesestabelecidas em outros tempos e espaos;

    situar acontecimentos histricos e localiz-los em umamultiplicidade de tempos;

    reconhecer que o conhecimento histrico parte de umconhecimento interdisciplinar;

    compreender que as histrias individuais so partes integrantesde histrias coletivas;

    conhecer e respeitar o modo de vida de diferentes grupos, emdiversos tempos e espaos, em suas manifestaes culturais,econmicas, polticas e sociais, reconhecendo semelhanas ediferenas entre eles, continuidades e descontinuidades,conflitos e contradies sociais;

    questionar sua realidade, identificando problemas e possveissolues, conhecendo formas poltico-institucionais eorganizaes da sociedade civil que possibilitem modos deatuao;

    dominar procedimentos de pesquisa escolar e de produo detexto, aprendendo a observar e colher informaes de diferentespaisagens e registros escritos, iconogrficos, sonoros e materiais;

    valorizar o patrimnio sociocultural e respeitar a diversidadesocial, considerando critrios ticos;

    valorizar o direito de cidadania dos indivduos, dos grupos edos povos como condio de efetivo fortalecimento dademocracia, mantendo-se o respeito s diferenas e a luta contraas desigualdades.

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    CONTEDOS DE HISTRIA:CRITRIOS DE SELEO E ORGANIZAO

    consensual a impossibilidade de estudar a Histria de todos os tempos e sociedades.

    Torna-se necessrio fazer selees baseadas em determinados critrios para estabelecer os

    contedos a serem ensinados. A seleo de contedos na histria do ensino da rea

    tem sido variada, sendo feita geralmente segundo uma tradio j consolidada

    mas permanentemente rearticulada de acordo com temas relevantes a cada momento

    histrico.

    Na escolha dos contedos, a preocupao central desta proposta propiciar aos alunos

    o dimensionamento de si mesmos e de outros indivduos e grupos em temporalidades

    histricas. Assim, estes contedos procuram sensibilizar e fundamentar a compreenso de

    que os problemas atuais e cotidianos no podem ser explicados unicamente a partir de

    acontecimentos restritos ao presente. Requerem questionamentos ao passado, anlises e

    identificao de relaes entre vivncias sociais no tempo.

    Isto significa que os contedos a serem trabalhados com os alunos no se restringem

    unicamente ao estudo de acontecimentos e conceituaes histricas. preciso ensinar

    procedimentos e incentivar atitudes nos estudantes que sejam coerentes com os objetivos

    da Histria.

    Entre os procedimentos importante que aprendam a coletar informaes

    em bibliografias e fontes documentais diversas; selecionar eventos e sujeitos

    histricos e estabelecer relaes entre eles no tempo; observar e perceber

    transformaes, permanncias, semelhanas e diferenas; identificar ritmos e duraes

    temporais; reconhecer autorias nas obras e distinguir diferentes verses histricas; diferenciar

    conceitos histricos e suas relaes com contextos; e elaborar trabalhos individuais e coletivos

    (textos, murais, desenhos, quadros cronolgicos e maquetes) que organizem estudos,

    pesquisas e reflexes.

    importante que adquiram, progressivamente, atitudes de iniciativa para realizar

    estudos, pesquisas e trabalhos; desenvolvam o interesse pelo estudo da Histria; valorizem

    a diversidade cultural, formando critrios ticos fundados no respeito ao outro; demonstrem

    suas reflexes sobre temas histricos e questes do presente; valorizem a preservao do

    patrimnio sociocultural; acreditem no debate e na discusso como forma de crescimento

    intelectual, amadurecimento psicolgico e prtica de estudo; demonstrem interesse na

    pesquisa em diferentes fontes impressas, orais, iconogrficas, eletrnicas etc.; tenham

    uma postura colaborativa no seu grupo-classe e na relao com o professor; demonstrem a

    compreenso que constroem para as relaes sociais e para os valores e interesses dos

    grupos nelas envolvidos; expressem e testem explicaes para os acontecimentos histricos;

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    construam hipteses para as relaes entre os acontecimentos e os sujeitos histricos; e

    troquem e criem idias e informaes coletivamente.

    Os contedos expressam trs grandes intenes:

    contribuir para a formao intelectual e cultural dos estudantes;

    favorecer o conhecimento de diversas sociedades

    historicamente constitudas, por meio de estudos que

    considerem mltiplas temporalidades;

    propiciar a compreenso de que as histrias individuais e

    coletivas se integram e fazem parte da Histria.

    A proposta sugere que o professor problematize o mundo social em que ele e o

    estudante esto imersos e construa relaes entre as problemticas identificadas e questes

    sociais, polticas, econmicas e culturais de outros tempos e de outros espaos a elas

    pertinentes, prevalecendo a Histria do Brasil e suas relaes com a Histria da Amrica e

    com diferentes sociedades e culturas do mundo.

    Tais problemticas e relaes orientam o estudo de acontecimentos histricos sem a

    prescrio de uma ordem de graduao espacial e sem a ordenao temporal, como se

    encontra no que se denomina Histria Integrada6 . Na escolha dos contedos, os docentes

    devem considerar para a formao social e intelectual do aluno:

    a importncia da construo de relaes de transformao,

    permanncia, semelhana e diferena entre o presente, o

    passado e os espaos local, regional, nacional e mundial;

    a construo de articulaes histricas como decorrncia das

    problemticas selecionadas;

    o estudo de contextos especficos e de processos, sejam eles

    contnuos ou descontnuos.

    A partir de problemticas amplas optou-se por organizar os contedos em eixos

    temticos e desdobr-los em subtemas, orientando estudos interdisciplinares e a construo

    de relaes entre acontecimentos e contextos histricos no tempo.

    O trabalho com eixos temticos no esgota verticalmente os subtemas. Por sua vez,

    os contedos contemplados nos subtemas no esgotam as virtualidades dos eixos temticos

    6 Histria Integrada uma proposta de histria total que articula a Histria do Brasil, da Amrica e Geral em umnico processo, explicado por relaes de causalidade, contigidade e de simultaneidade no tempo.

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    e dos subtemas propostos. A apresentao de um amplo leque de contedos nos quais

    se pode identificar acontecimentos, conceitos, procedimentos e atitudes uma sugesto

    para o professor fazer escolhas de acordo com:

    o diagnstico que realiza dos domnios conquistados pelos

    alunos para estudarem e refletirem sobre questes histricas;

    aquilo que avalia como sendo importante para ser ensinado e

    que ir repercutir na formao histrica, social e intelectual do

    estudante;

    as problemticas contemporneas pertinentes realidade social,

    econmica, poltica e cultural da localidade onde leciona, de

    sua prpria regio, do seu pas e do mundo.

    Esta uma opo de ensino de Histria que privilegia a autonomia e a reflexo do

    professor na escolha dos contedos e mtodos de ensino. igualmente uma concepo

    metodolgica de ensino de Histria que incentiva o docente a criar intervenes pedaggicas

    significativas para a aprendizagem dos estudantes e que valoriza reflexes sobre as relaes

    que a Histria, principalmente a Histria do Brasil, estabelece com a realidade social vivida

    pelo aluno.

    Para o terceiro ciclo est sendo proposto o eixo temtico Histria das relaes sociais,

    da cultura e do trabalho. Para o quarto ciclo, Histria das representaes e das relaes

    de poder. Estes so recortes histricos e didticos que procuram propiciar a compreenso

    e a interpretao de realidades histricas em suas mltiplas inter-relaes, respeitando-se

    as caractersticas e domnios dos alunos em cada ciclo.

    Os eixos temticos e subtemas que deles derivam procuram dar conta de duas grandes

    questes histricas to clssicas quanto atuais. A primeira refere-se aos contatos culturais,

    inter-relaes e confrontos entre grupos, classes, povos, culturas e naes. As lutas sociais

    de gru