Ernesto Bozzano - Ebook Espírita...

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  • Ernesto Bozzano

    Ernesto Bozzano - Msica Transcendental

    Ttulo Original em Italiano

    Ernesto Bozzano - Musica trascendentale

    Casa Editrice Luce e Ombra

    Roma (1922)

    Eugne Bodin - Uma Rajada de Vento

    Contedo resumido

    Nesta obra Bozzano relata com zelo cientfico os casos de aparies no leito de morte, ao ou percepo teleptica, luci-dez e telestesia, precognio e retrocognio, vises extticas, simblicas e panormicas, invalidando as apressadas negativas dos adversrios do Espiritismo.

    Observe-se que a obra Msica Transcendental, aborda dife-rentes espcies deste tipo de fenmeno, e no somente os fen-menos ocorridos em acontecimentos de morte.

  • Sumrio

    Prefcio - Msica transcendental Primeira categoria Mediunidade musical ............................ 7 Segunda categoria Msica transcendental de realizao

    teleptica .............................................................................. 10 Terceira categoria Msica transcendental devida a as-

    sombraes ........................................................................... 15 Quarta categoria Msica transcendental percebida sem

    qualquer relao com acontecimentos de morte ................... 32 Quinta categoria Msica transcendental no leito de

    morte .................................................................................... 43 Sexta categoria Msica transcendental que se produz

    depois de um acontecimento de morte ................................. 67 Concluses ........................................................................... 79

    Prefcio

    Faamos uma ligeira exposio sobre o autor e seus traba-lhos:

    Ernesto Bozzano um escritor italiano que tem dedicado ul-timamente a sua atividade ao estudo dos problemas psquicos. E essa sua atividade tem sido prodigiosa.

    No podemos declarar ao certo o nmero de seus trabalhos j publicados sobre o assunto, porque, necessariamente, ao ser impresso este volume j aquele nmero deveria estar acrescido.

    Bozzano infatigvel e inimitvel em sua produtividade.

    As suas trinta monografias, escritas em italiano, acham-se completamente esgotadas.

    Grande foi, portanto, a nossa dificuldade no traduzir esta obra, em virtude do obstculo intransponvel de encontrar o original.

  • A esse respeito escrevia o notvel psiquista italiano a esta Fe-derao, nos seguintes termos:

    prprio vero che le mie opere sono addirittura irreperibili in lingua italliana. I miei cinque volumi sono tutti esauriti e le mie trenta monografie sono, a loro volta, quasi tutte exaurite. Occorrerebbe pensare a uma nuova edizione generale dei libri e delle monografie; ma la mia produzione oramai cos vasta che limpresa diventa finanziariamente molto onerosa in Italia.

    In merito alle traduzioni francesi delle mie opere La informo che il mio volume sui Fenomeni dInfestazione venne pubblicato dalla Casa editrice Felix Alcan di Parigi, ed ancora in vendita.

    Laltro mio volume sui Casi dIdentificazione Spiritica venne pubblicato per cura di Cesare Vesme nel 1914, e ritengo sia ancora vendibile presso lInstitut Mtapsychique International. In pari tempo La informo che il direttore della Revue Spirite ha intrapreso la pubblicazione di quasi tutte le mie monografie in edizioni di piccoli volumi, dei quali ne furono gi pubblicatti tre, che sintitolano: Phnomnes Psychiques au moment de la Mort, Les Manifestations Psychiques et les Animaux, e Propos de lIntroduction la Mtapsychique Humaine.

    Veio a propsito essa transcrio, visto como nos exposta, por seu prprio autor, a situao atual dos seus livros.

    Vemos, assim, que se achavam j completamente esgotados os seus cinco volumes; as suas trinta monografias, em lngua italiana, tambm j dificilmente se encontravam. Pensou-se em uma nova edio geral das monografias e dos livros; sendo, porm, presentemente, muito vasta a sua produo, a impresso, em Itlia, tornava-se, financeiramente, muito onerosa.

    Algumas dessas produes encontram-se em lngua francesa, sendo os Fenmenos de Assombrao editados pela Casa Felix Alcan, de Paris; os Casos de Identificao Esprita foram publi-cados, em 1914, graas aos cuidados de Csar Vesme. O diretor da Revue Spirite empreendeu a publicao de quase todas as

  • monografias em pequeno volume, sendo j publicadas trs: Fenmenos Psquicos no Momento da Morte, As Manifestaes Metapsquicas e os Animais e A Propsito da Introduo Metapsquica Humana.

    o que nos informa o autor da presente obra.

    *

    J em vrios outros idiomas comearam a ser tambm tradu-zidos os livros do escritor italiano, cujo nome verdadeiramente conhecido em todo o mundo, dentro e fora dos crculos espiritua-listas.

    O seu valor no consiste unicamente na sua extraordinria fe-cundidade literria, seno tambm no interesse, na utilidade e na beleza de seus escritos.

    um vigoroso polemista e dir-se-ia que sua misso consiste em demonstrar a inanidade de todas as hipteses formuladas em oposio esprita.

    Dotado de profunda erudio, possuidor de invejvel esprito de lgica, um adversrio respeitvel com que tm topado os arquitetos da teoria do subconsciente e suas filiais.

    Bozzano bem o descendente dessa raa de artistas que se tm imposto ao mundo pela magia de suas obras-primas.

    A sua pena nunca se maculou na agresso. Por vezes, nas obras em que revida crtica materialista, nota-se-lhe o calor daqueles que nasceram sob o cu do sul da Europa e tm nalma os arroubos do talento. Mas a serenidade do hermeneuta no se turba e a sua argumentao segue, imperturbvel, at deixar completamente arrasada, aniquilada a construo adversa.

    O ardoroso escritor compreendeu que contra fatos no h ar-gumentos. E toda a sua obra uma completa exposio de fatos, a argumentao em torno dos fatos.

    No presente livro se encontram os fatos ocorridos por ocasio da morte. H por vezes histrias curtas, historietas singelas, mas que nem por isso nos deixam de comover.

    No era outra, alis, a inteno do autor, seno a de mostrar Humanidade que, j com os ps no limiar do outro mundo,

  • podem estes que nos fazem as ltimas despedidas dizer-nos o que percebem nesses novos umbrais em que esto prestes a penetrar e que julgvamos insondveis at agora. o testemunho dos moribundos. Testemunho insuspeito pela solenidade do momento e indubitvel pela lgica dos fatos.

    *

    Onde mais cresce a nossos olhos o vulto do escritor irmo no desprendimento que revela, no desinteresse que demonstra em relao aos proventos materiais que lhe podia trazer a sua vasta produo.

    Como lhe perguntssemos ou como lhe perguntasse Antnio Fonseca, administrador da Livraria da Federao, quais as condi-es em que permitiria a traduo dos seus livros, por aquela instituio, declarou Ernesto Bozzano, em carta de 5 de novem-bro de 1926:

    Mi affretto a risponderle che io nulla chiedo e nulla voglio.

    Apresso-me a responder-lhe que no peo nada e que no quero nada tal foi o gesto generoso do autor do presente trabalho.

    Cristos como somos, e julgando fracos os nossos agradeci-mentos, esperamos que o autor receba um dia os frutos desse esforo gigantesco que desprende em prol da Verdade, dentro dessa Seara onde militamos tambm deste outro lado do Atlnti-co, sem outro interesse que o de servir Humanidade e a Deus.

    Rio, novembro de 1927.

    Carlos Imbassahy

    Msica transcendental

    H uma classe de manifestaes metapsquicas, bastante rica em episdios variados, revestida de valor terico to importante

  • quanto o das outras classes e que tem sido, no entanto, esquecida at aqui: a classe das manifestaes musicais.

    So numerosos os escritores que vm relatando episdios dessa espcie; nenhum, porm, se lembrou de coment-los de modo especial e ainda menos recolh-los, classific-los, analis-los.

    Notam-se muitas categorias de manifestaes desse gnero, comeando pelos casos nos quais a msica transcendental se realiza em forma objetiva, com auxlio de um mdium.

    Isto se pode produzir de formas diversas: sem nenhum ins-trumento musical, por vezes, como no decorrer das sesses de William Stainton Moses; com o auxlio de instrumentos de msica, mas sem o concurso direto do mdium, como nas ses-ses com D. D. Home; finalmente, com o concurso direto do mdium, mas de maneira puramente automtica, como no caso do mdium pianista Aubert.

    Seguem-se as manifestaes de origem teleptica, nas quais o fenmeno de audio teleptica coincide com acontecimentos de morte a distncia.

    Vm depois os casos de audio musical com carter de as-sombrao, isto , produzindo-se em lugares mal-assombrados.

    Em outras ocasies, a msica transcendental percebida pela pessoa mergulhada em estado sonamblico ou por um sensitivo em estado de viglia, sem nenhuma coincidncia de morte.

    Acontece, as mais das vezes, observarem-se episdios de au-dio musical no leito de morte; nestes casos, o moribundo , em algumas ocasies, o nico percipiente; em outras, so os assis-tentes que ouvem, um ou outro isoladamente ou todos coletiva-mente.

    Observam-se, enfim, fenmenos de audio musical que se realizam aps um acontecimento de morte; neste caso, esse fenmeno pode revestir o valor de uma prova de identificao esprita.

    As manifestaes que tm mais importncia, sob o ponto de vista terico, se encontram nas quatro ltimas categorias.

  • Primeira categoria

    Mediunidade musical

    Limitar-me-ei a tratar desta primeira categoria de comunica-es de modo sumrio, porque constituem elas parte integrante da fenomenologia medinica propriamente dita (isto , consis-tindo na realizao provocada ou experimental), e devem, pois, ser examinadas com o conjunto da fenomenologia em questo; a msica transcendental, que objeto da presente obra, pertence ao grupo das manifestaes espontneas.

    Quanto histria, de notar que as manifestaes da mediu-nidade musical se tm realizado desde a origem do movimento esprita.

    Com efeito, a obra de E. W. Capron, Modern Spiritualism, publicada em 1855, ensina-nos que, com a presena do mdium particular, o Sr. Tamblim, ouviam-se ressoar as notas de um instrumento musical inexistente e que acompanhava o canto de pessoa que fazia parte do grupo.

    Conta o Sr. Capron:

    Uma senhora foi convidada a cantar; logo se ouviu, acompanhando o canto, uma deliciosa msica. Assemelha-vam-se as notas s de uma harpa, sendo, porm, muito mais doces; ser-nos-ia impossvel descrever-lhes a tonalidade. Outras vezes parecia uma voz anglica; dir-se-ia que se tra-tava de uma linguagem espiritual.

    Em outras ocasies era o prprio mdium que, sem co-nhecer msica, assentava-se ao piano e improvisava mara-vilhosas melodias, desenvolvendo extraordinria tcnica como se fora experimentado concertista... (Citado por Emma Hardinge - Modern American Spiritualism, pg. 57.)

    Como se pode ver, j antes de 1855 se produziam as manifes-taes da mediunidade musical nas duas formas principais, nas quais se produzem ordinariamente: a do automatismo subconsci-ente e a em que se ouvem instrumentos musicais inexistentes.

  • sob esta modalidade de realizao a mais interessante do grupo que as manifestaes da msica transcendental chega-ram ao mais alto grau de excelncia pela mediunidade de Stain-ton Moses.

    No citarei exemplos desse gnero, dada a grande notorieda-de de todas as manifestaes obtidas com esse mdium. Limitar-me-ei a lembrar que as personalidades medinicas que se comu-nicavam durante essas sesses imitavam o som de grande nme-ro de instrumentos musicais, entre outros, o tambor, a trombeta, a harpa, a ctara, o piano, o violino, o violoncelo, os tmpanos e os celestes Fairy Bells, semelhantes a carrilhes, porm infini-tamente mais doces e mais sonoros; eram ouvidos, de prefern-cia, no jardim, quando Moses, com os outros membros do grupo, estavam tomando ch, assentados sob os olmos.

    Eles se faziam ouvir, a princpio, no cimo dos olmos; desci-am, em seguida, lentamente na direo da assemblia, adquirin-do vigor medida que se aproximavam do mdium e ressoando com tonalidade superior do piano, quando chegavam a ele. Nessas circunstncias, os experimentadores levantavam-se, a fim de se dirigirem para a sala das sesses, seguidos pelos sons musicais que eram ouvidos na sala, como sonoridade dupla. (Stanhope Speer: Record of private seances, Light, 1892-1893.)

    So ainda mais conhecidas as manifestaes musicais obtidas com o mdium Dunglas Home.

    Um harmnio funcionava em presena dos experimentadores, tocando variados pedaos de msica, vendo-se-lhes baixarem as teclas, como se mo invisvel agisse sobre o teclado; mo que, se bem que invisvel, chegava, por vezes, a materializar-se de forma a ser percebida por todos.

    No eram menos conhecidos os casos de mediunidade musi-cal de realizao automtica, nos quais o mdium se assenta ao piano improvisando trechos de msica. Atualmente, o melhor representante desta forma de mediunidade transcendental o mdium Aubert, de Paris (A mediunidade esprita de George Aubert, exposta por si prprio - Paris, H. Daragon, editor.)

  • Nos casos desta classe muito difcil fazer uma distino per-feita entre a parte subconsciente ou anmica e a parte extrnseca ou esprita do fenmeno.

    Da resulta que, para a pesquisa das causas, no resta outro caminho a seguir que no o da anlise das modalidades comple-xas nas quais se realizam as manifestaes, tomando-se na maior conta os fenmenos inteligentes que os acompanham.

    No podemos deixar de reconhecer que, nos casos de Moses como nos de Home, as manifestaes inteligentes, as circunstn-cias de lugares, as provas de identificao pessoal de defuntos, obtidas simultaneamente, formam um conjunto imponente de fatos que convergem para a demonstrao da origem esprita das manifestaes musicais em questo.

  • Segunda categoria

    Msica transcendental de realizao teleptica

    Os episdios de msica transcendental de origem teleptica no diferem de modo nenhum dos outros episdios pertencentes fenomenologia teleptica em geral e, por conseqncia, no apresentam especial valor terico. So, alm disso, relativamente raros, o que nada tem de espantoso, visto como as modalidades pelas quais se realizam estes fenmenos revestem constantemen-te uma significao que os liga direta ou indiretamente s carac-tersticas pessoais e aos estados dalma do moribundo que serve de agente; isso equivale a dizer que, para que haja probabilidade de obter-se uma mensagem teleptica de natureza musical, seria preciso que o agente fosse dotado de certa cultura musical. o que no se encontra muitas vezes.

    Nos casos conhecidos de telepatia musical, a regra constante esta: os agentes so sempre msicos.

    Caso 1 L-se no LInconnu, de C. Flammarion (pg. 78):

    Notvel sbio, Alphonse Berget, doutor em cincias, preparador do laboratrio de fsica da Sorbona, examinador na Faculdade de Cincias de Paris, comunicou-me o seguin-te relato:

    ... Minha me tinha tido, como amiga de infncia, uma menina chamada Amlia M. Esta menina, cega, era neta de um velho coronel de drages do Primeiro Imprio. Tendo ficado rf, vivia com os avs. Era ela muito musicista e cantava freqentemente com minha me.

    Com a idade de 18 anos, arrastada por muito pronunciada vocao religiosa, tomou hbitos num convento de Stras-burgo.

    Nos primeiros tempos escrevia freqentemente minha me; mais tarde as suas cartas se espaaram e, enfim, como sucede quase sempre em semelhantes casos, cessou comple-tamente de corresponder-se com sua antiga amiga.

  • Ela era religiosa havia j 3 anos, quando, um dia, minha me subiu ao eirado para buscar qualquer coisa a guardada. Desce, de repente, sala, dando grandes gritos e cai sem sentidos.

    Todos correm; levantam-na, ela volta a si e diz soluan-do:

    horrvel! Amlia morre; ela est morta porque acabo de ouvi-la cantar, como s pode cantar uma pessoa morta.

    E nova crise de nervos f-la perder os sentidos.

    Flammarion faz sobre o caso os seguintes reparos:

    Ao morrer, no mesmo instante da morte a amiga da Sra. Berget, parece, pensou com grande intensidade uma nti-da lembrana, uma saudade imensa talvez em sua amiga de infncia e, de Strasburgo a Schlestadt, a emoo da alma da jovem veio ferir instantaneamente o crebro da Sra. Ber-get, dando-lhe a iluso de uma voz celeste cantando uma pura melodia. Como? De que modo? Nada sabemos.

    Seria anticientfico, porm, negar uma coincidncia real, uma relao de causa e efeito, um fenmeno de ordem ps-quica, pela razo nica de que no sabemos explic-lo.

    A respeito dessas consideraes de Flammarion e para escla-recer o mistrio que cerca o fato de aspectos to diversos, estra-nhos umas vezes, outras absurdos, nos quais se produzem as manifestaes telepticas, lcito notar que a anlise comparada dos fatos mostra como as manifestaes supranormais, em geral, brotam da subconscincia e chegam conscincia seguindo o caminho de menor resistncia, determinado pelas idiossincra-sias pessoais prprias ao agente e ao percipiente encarados em conjunto.

    Da resulta que a transmisso de uma mensagem teleptica pode realizar-se, por vezes, sob a forma visual; em outros casos, sob a forma auditiva, ttil, olfativa, emocional, tomando feies racionais ou simblicas, muitas vezes, mesmo, de aparncia absurda.

  • V-se, pelo caso acima, que a mensagem teleptica foi deter-minada pela forma auditivo-musical; isto significa que esta modalidade de realizao constitua o caminho de menor resis-tncia para a transmisso da mensagem, de acordo com as propenses particulares da agente e da percipiente, encarados conjuntamente: eram ambas cultoras da msica.

    Caso 2 extrado do Journal of the S. P. R. (vol. VI. pg. 27). Os diretores desta publicao observam sobre este assunto:

    A descrio seguinte foi escrita por Miss Horne, filha da percipiente e dirigida a Miss Ina White, que a transmitiu de bom grado Society for Psychical Research. Foi em segui-da reenviada me de Miss Horne para que ela a assinasse por sua vez; nestas condies, o relato, posto que escrito por terceira pessoa, deve ser registrado entre os obtidos de primeira mo.

    Aberdeen, 25 de novembro de 1890.

    O fato realizou-se h uns 30 anos, mas se conserva inde-levelmente gravado na memria de minha me, e por tal forma, que ela dele se lembra como se fosse ontem.

    Minha me estava sentada na sala de jantar de pequeno hotel isolado, tendo nos joelhos o meu irmo James, ento na idade de quase dois anos.

    A governanta da criana havia sado; no ficara ningum na casa, alm de uma criada que se encontrava no andar tr-reo. As portas da sala de jantar e as do salo, que eram con-tguas, estavam abertas nesse momento. De repente, minha me ouviu uma msica celeste, em triste toada, muito sua-ve, que durou uns dois minutos; o canto foi-se enfraque-cendo depois, gradualmente, at que se extinguiu. Meu ir-mozinho saltou dos joelhos maternos, dizendo:

    Papai! Papai! e correu para o salo.

    Minha me ficou como paralisada onde estava, o que a fez tocar a campainha para chamar a criada, a quem disse fosse ao salo ver quem tinha entrado.

  • A criada obedece, mas s v no salo James, que, em p, ao lado do piano, recebe-a dizendo:

    Papai no est mais!

    preciso acrescentar que seu pai gostava muito de msi-ca e, quando entrava, tinha o hbito de ir diretamente para o piano.

    O incidente fez tal impresso no esprito da genitora, que ela para logo o anotou, registrando a hora exata na qual ele se produziu.

    Seis semanas depois recebia uma carta do Cabo, em que se lhe anunciava a morte da irm. O dia e hora do trespasse correspondiam exatamente ao dia e hora em que minha me, com a criana, haviam percebido o trecho da msica transcendental. Devo acrescentar que minha tia morta era uma excelente e apaixonada musicista. (Assinado: Miss Emily Horne e Mrs. Eliza Horne.)

    Em carta subseqente diz Miss Emily Horne:

    Minha tia chamava-se Mary Sophie Ingles; morreu a 21 de fevereiro de 1861, em Durban, no Natal. Mame encar-rega-me de vos confirmar que o acontecimento coincidiu no somente com o dia e hora do falecimento, mas ainda, exatamente com o minuto...

    Como tambm se pode ver neste episdio, o agente uma boa cultora da msica; as observaes que fizemos ao caso preceden-te servem igualmente para este.

    No h nada de particular na realizao do fato, a no ser a circunstncia notvel de que a audio do trecho de msica transcendental foi coletiva, como tambm a de ter sido esse trecho ouvido por uma criana de 2 anos de idade, apenas; esse detalhe sempre teoricamente interessante, em qualquer classe de manifestaes supranormais, porque constitui um bom argu-mento contra a hiptese auto-sugestiva, uma vez que a tenra mentalidade de um beb no lhe poderia permitir a auto-sugesto a respeito de manifestaes que lhe seriam inconcebveis.

  • Em minha classificao figuram quatro outros episdios an-logos aos precedentes; abstenho-me, porm, de narr-los, por no aduzirem nada de teoricamente novo em favor do nosso estudo.

  • Terceira categoria

    Msica transcendental devida a assombraes

    Esta categoria, como a que lhe antecedeu, no rica de exemplos, o que se deve atribuir ao mesmo fato, isto , que nos fenmenos de assombrao, como nos de telepatia, nota-se uma relao constante, direta ou indireta, de simbolismo manifesto ou velado, com os agentes ou causas que determinaram as assom-braes.

    Para que as manifestaes pudessem, pois, realizar-se em lu-gares assombrados, seria preciso que estes fossem, em algum tempo, destinados a audies musicais ou que o agente assom-brador possusse tambm, quando vivo, a qualidade de msico.

    Compreende-se, igualmente, que estas espcies de caracters-ticas pessoais ou locais no devem encontrar-se muitas vezes entre os elementos de um caso de assombrao.

    Caso 3 Em minha obra sobre os Fenmenos de Assombra-o, ocupei-me longamente de um caso curioso e interessante, no qual duas sensitivas, Miss Lamont e Miss Morisson, quando visitavam, pela primeira vez, o parque de Versalhes e o Petit Trianon, tiveram a viso dos lugares, tais como eles foram ao tempo de Lus XIV, a compreendidas as figuras de Maria Anto-nieta e muitas outras personagens dessa poca.

    Miss Lamont percebera, ainda, o som de uma orquestra de violinos, que ali no existiam, e chegou a apanhar doze compas-sos, que mais tarde se verificou serem escritos em estilo seme-lhante ao do sculo XVIII.

    Eis o que se l pg. 94 do livro An Adventure (Uma Aven-tura), no qual as duas sensitivas narram os resultados de um inqurito que fizeram para verificar o que tinham visto e ouvido, inqurito em que prosseguiram durante 9 anos:

    Quando Miss Lamont se achava no bosquezinho, perce-beu a msica de uma orquestra composta de violinos; essa msica parecia vir do lado do palcio; eram ondas intermi-

  • tentes de sons muito doces e a tonalidade mais baixa que a empregada hoje. Miss Lamont pde apanhar doze compas-sos.

    Imediatamente depois, quis assegurar-se e o conseguiu de que nenhuma pea musical havia sido tocada nos arre-dores. Era, alis, uma tarde de rgido inverno, pouco indi-cada para semelhantes audies, em tal lugar.

    Em maro de 1907, os doze compassos apanhados foram submetidos ao exame de um perito em msica, o qual, nada sabendo sobre o caso de sua origem, notou que eles no ti-nham ligao entre si, que no constituam um trecho musi-cal completo, e mais, que sua feitura era antiga, devendo remontar ao ano de 1780. Alm disso, assinalou-se um erro de harmonia num dos compassos.

    Uma vez pronunciado esse juzo, disseram ao perito qual a origem dos referidos compassos; declarou ele, ento, que as orquestras da poca mencionada tocavam, efetivamente, em tonalidade mais baixa que a atual; em seguida, sugeriu o nome de Sacchini como o autor provvel do trecho.

    Em maro de 1908, as duas sensitivas vieram a Versalhes e foram informadas de que, no inverno de 1907, msica de espcie alguma havia sido tocada no parque.

    Puderam verificar, alm disso, que no havia nada seme-lhante msica ouvida nas obras de data posterior a 1815. Esses trechos constituam parte integrante de certos trechos de Sacchini, Philidor, Montigny, Grtry e Pergolesi. Erros de harmonia idnticos aos assinalados pelo perito foram en-contrados em Montigny e Grtry.

    Tal o trecho inicial da narrativa, no que concerne ao inci-dente do qual nos ocupamos.

    Pode-se ver no An Adventure a citao das peras e das cenas nas quais foram descobertos os diferentes compassos musicais percebidos e copiados por Miss Lamont. Mais adiante (pg. 115), a mesma sensitiva assinala o fato, muito interessante, de que os compassos por ela percebidos, em sucesso contnua, representavam, em sentido inverso, um resumo dos principais

  • motivos meldicos de diversas peras do sculo XVIII; isso confere ao episdio, no somente um valor de percepo supra-normal verdica, mas ainda deixa supor a existncia de uma inteno qualquer na causa dos fatos, o que equivale afirmar a existncia de um agente transmissor inteligente.

    Neste caso, para explicar o episdio no seria permitido lan-ar mo da hiptese de uma reproduo psicomtrica de aconte-cimentos passados; h que recorrer hiptese teleptico-esprita.

    Com o fim de afastar uma possvel objeo, a da dificuldade de apanhar e transcrever doze compassos aps uma nica audi-o, notarei que a percipiente se achava em estado de sonambu-lismo velado, estado em o qual se vencem muitas outras dificul-dades.

    H exemplos: o de uma sonmbula que repete verbalmente uma longa conferncia ouvida, comeando pela ltima palavra e prosseguindo em sentido inverso, como se tivesse diante dos olhos o texto impresso.

    Caso 4 A Sra. Nita OSullivan-Beare, compositora e execu-tante, conta em The Occult Review (maro de 1921), como foi composta uma de suas ltimas romanzas. Ela escreve:

    H quinze anos, encontrava-me em Paris e, uma tarde, j ao cair da noite, fui igreja da Madalena. L no havia mais de uma dzia de fiis e eu me ajoelhei ao lado de uma mulher do povo, que trazia um cesto de legumes.

    De repente, ouvi um canto muito melodioso, composto somente de vozes, mas eu no conseguia determinar-lhe a provenincia. Era uma melodia que parecia formar-se ali mesmo e elevar-se em ondas que enchiam a ambincia sa-grada; uma bela voz, cheia de sentimento, dominava todas as demais.

    No conseguindo orientar-me, perguntei mulher, minha vizinha, donde vinha esse canto. Ela olhou-me com espanto e respondeu-me em francs:

    Perdo, senhora, a que msica se refere?

    Pois no ouve esse coro?

  • A vizinha abanou a cabea, negativamente, e disse:

    No ouo absolutamente nada.

    No tardou a retirar-se e outra mulher veio sentar-se ao p de mim. Aproveitei para fazer-lhe a mesma pergunta. Respondeu-me laconicamente:

    No h msica.

    Como eu continuasse, porm, a escutar o mesmo cntico, resolvi indagar timidamente da minha nova vizinha se ela ouvia pouco. Pareceu ofender-se com a pergunta e replicou bruscamente:

    De forma alguma, senhora.

    Entretanto, o coro continuava a ressoar sob a vasta ab-bada da igreja. E eu continuei a escutar; apressei-me em se-guida a ir para o meu hotel, onde transcrevi imediatamente os compassos principais que constituem o tema do meu l-timo romance para canto: Loves Fadeles Rose.

    Relativamente a esta curiosa e interessante narrativa da Sra. OSullivan-Beare, til notar que a eletividade do canto, perce-bido distintamente por uma pessoa e no percebida por outra, no deve surpreender, porque constitui a regra nas manifestaes dessa espcie. Prova essa regra, unicamente, que a Sra. OSullivan-Beare era uma sensitiva e que esse canto coral no existia sob uma forma de vibraes acsticas, mas era percebido subjetivamente.

    Isso no significa, de forma alguma, que se tratasse de um fe-nmeno alucinatrio, na significao patolgica do termo, mas, apenas, que a sensitiva percebia subjetivamente uma modalidade supranormal do canto, conforme o que se produz em qualquer outra forma de percepes teleptico-auditivas. Nessas condi-es, a que hiptese recorrer para a explicao dos fatos? Seria um fenmeno de origem teleptico-esprita ou seria psicomtri-co?

    No primeiro caso, tornava-se preciso supor que o agente fosse o Esprito de um artista defunto, cujo pensamento era orientado, naquele momento, com intensidade monoidesta, para um epis-

  • dio de sua existncia terrestre, durante a qual ele tivesse cantado nas massas corais da igreja da Madalena; e, assim, teria determi-nado um fenmeno de transmisso teleptica na ambincia em que pensava.

    No segundo caso, o fenmeno reduzir-se-ia percepo psi-comtrica de cantos que se desenrolaram, outrora, na menciona-da igreja e que eram percebidos pela sensitiva, em virtude da relao que se teria estabelecido entre suas faculdades supranor-mais subconscientes e as vibraes musicais, em estado poten-cial na existncia em que ela se encontrava.

    As duas hipteses so igualmente legtimas, pois que se apiam ambas em bons argumentos: no caso de que nos ocupa-mos no fcil pronunciar-nos por qualquer delas, preferindo uma outra, visto a insuficincia de dados fornecidos pela Sra. OSullivan.

    Caso 5 Extraio-o do Journal of the S. P. R., pg. 118, do vol. XVII. um episdio rigorosamente documentado, no qual quatro personagens perceberam coletivamente um canto de igreja, de origem transcendental, executado numa abadia da Idade Mdia. Cada um dos quatro percipientes entregou o seu testemunho escrito Sociedade Inglesa de Pesquisas Psquicas.

    Miss Ernestine Anne escreve nestes termos, em data de 28 de julho de 1915:

    Visitei as runas da abadia de Jumiges, na Frana, no domingo, 6 de julho de 1913, com meu pai, minha me e um de meus irmos. A chegamos s 3 horas da tarde e logo comeamos a percorrer as grandiosas runas da igreja mo-nacal de Nossa Senhora. So os restos mais vastos e impo-nentes que j vi da arquitetura normanda.

    uma construo em forma de cruz; o brao direito liga-se a outra igreja menor, chamada So Pedro, e que servira de parquia. As paredes desta ltima ficaram quase intac-tas, enquanto que da igreja monacal s existe a nave central com alguns outros vestgios, mostrando onde estava o coro. rvores e espinheiros cobrem o local em que se elevava o presbitrio.

  • Depois de por muito tempo haver contemplado as runas da igreja de Nossa Senhora, passamos para a de So Pedro, admirando esses belos restos gticos do sculo XIV.

    Afastara-me um pouco dos outros, quando ouvi, de re-pente, ressoar um coro composto de numerosas vozes de homens, que pareciam vir de um espao livre nossa es-querda, onde alguns pedaos de muro indicavam o lugar em que outrora estivera o coro.

    Era um canto melodioso e solene, que me era familiar. Lembro-me de haver logo pensado: Trata-se, necessaria-mente, de um ludibrio de minha imaginao. Procurava, pois, desviar as minhas idias, quando ouvi meu pai excla-mar:

    Olhe os monges cantando em coro!

    Imediatamente cessou a msica, que s teve para mim a durao de instantes.

    Fiquei de tal modo impressionada com o estranho fato, que preferia convencer-me de que nada tinha ouvido; isso, porm, no era possvel, porque os que me acompanhavam tinham ouvido como eu. Todos reconhecemos haver perce-bido um coro de vozes cantando as Vsperas, isto , salmos em latim.

    Procuramos resolver o mistrio, recorrendo a uma expli-cao natural; inutilmente, porm, porque o guarda nos dis-se que a atual igreja paroquial se encontrava a um quilme-tro e meio de distncia. Alm disso, se o eco desse canto coral nos tivesse chegado da igreja paroquial, t-lo-amos ouvido durante certo tempo e no somente por alguns minu-tos.

    Era um belo dia sem vento. Ficamos, ainda, ali, durante meia hora, sem nada mais notar de extraordinrio.

    Tomei nota imediatamente desse fato estranho e me servi das notas para redigir essa narrativa. (Assinado: Ernestine Anne.)

    S reproduzo a passagem seguinte do chefe da famlia:

  • Estvamos em meio das runas havia alguns minutos, quando ouvi melodioso canto coral que parecia surgir da-quele lugar, a pouca distncia de ns. Cantavam-se os sal-mos das Vsperas, de maneira harmoniosa e solene. Poderia quase afirmar haver apanhado as palavras latinas.

    Exclamei:

    Como! Os monges cantando em coro!...

    Mas, assim falando, no supunha absolutamente que o acontecimento no fosse real; no tivera tempo de refletir que me no achava em uma igreja aberta ao culto, mas em meio s runas de antiga abadia.

    Um de ns fez reparo no caso e logo o canto se extinguiu docemente, como tinha comeado. Entramos a explorar os arredores e verificamos que l no se encontrava ningum.

    Observei que o canto coral era superior a tudo o que eu tinha ouvido de anlogo, durante minha existncia, e sobre-tudo em Frana. (Assinado: Ernest L. S. Anne.)

    Eis agora uma passagem do testemunho da genitora:

    Estvamos todos quatro a pouca distncia um dos ou-tros, contemplando essas maravilhosas runas, quando ouvi muito distintamente um coro de vozes masculinas que can-tavam salmos. No momento em que escrevo estou em con-dies de rememorar esse coro; eram vozes melodiosas e experimentadas que cantavam em perfeito acordo. Discer-niam-se os diversos timbres, admiravelmente.

    Supus a princpio que era um coro real de igreja, sem suspeitar que se tratava de um caso de audio supranor-mal. O conjunto coral ressoava como se fora cantado sob a abbada de vasta igreja; fiquei escutando-o, como que fas-cinada. (Assinado: Edith Anne.)

    Do testemunho do irmo extraio esta ltima passagem:

    Lembro-me de que contemplava uma antiga pedra se-pulcral, abandonada em um canto, quando ouvi ressoar um coro de vozes masculinas que cantavam as Vsperas. Disse um de ns:

  • Olhe os monges cantando em coro!...

    Esse canto teve a durao de cerca de meio minuto; tal-vez de um minuto. (Assinado: E. Edward Anne.)

    Neste caso, como no precedente, a hiptese teleptico-esprita e a psicomtrica parecem igualmente admissveis e no fcil nos pronunciarmos a respeito.

    A nica objeo contrria explicao psicomtrica consisti-ria no fato de que as impresses psicomtricas so invariavel-mente pessoais e nunca coletivas: o sensitivo s percebe, tendo sido posto em relao com o objeto psicometrizvel; as vises-audies, s quais submetido, no so transmissveis a tercei-ros.

    verdade que no caso acima no se teria agido precisamente com um objeto psicometrizvel, mas numa ambincia psicome-trizada, com a qual todas as pessoas presentes se achavam em relao. Mas, como os sensitivos dotados de faculdades psicom-tricas so muito raros, pouco verossmil que no caso vertente as quatro pessoas presentes fossem todas sensitivo-psicmetras.

    Essas dificuldades no existiriam para a hiptese teleptico-esprita, uma vez que para experimentar um influxo teleptico provenha ele de um vivo ou de um morto no so indispens-veis faculdades especiais de sensitivos. Qualquer pessoa, ainda que psicometricamente negativa, pode estar sujeita a esse influ-xo, em certos momentos da vida, como o provam inumerveis exemplos de alucinaes telepticas coletivas.

    No caso que se segue, anlogo aos ltimos que acabamos de expor, no so possveis perplexidades desta espcie. Nele se encontram circunstncias que conduzem logicamente a favor da hiptese teleptico-esprita.

    Caso 6 Apareceu na Light (1919, pg. 310).

    Escreve Archer Sheper, vigrio de Avenbury (Condado de Herefordshire):

    Por estranha e inexplicvel causa, na igreja da qual sou vigrio percebe-se o som prolongado de um rgo. Conhe-o trs casos desta audio.

  • No primeiro a msica foi percebida por muitos membros da famlia do Coronel Frosser, de Bromyard, quando eles passavam na ponte reservada aos pees, contgua igreja. todos a ouviram e supuseram que o organista da igreja fazia exerccios no instrumento; mas, pouco depois, souberam que nem ele nem ningum tinha penetrado a igreja, nesse dia.

    O rgo era americano e fora depois substitudo pelo atu-al harmnio.

    Ora, na tarde de um sbado, quando me achava no jardim do vicariato, ouvi o harmnio tocar e, supondo que a mu-lher encarregada da limpeza da igreja tivesse permitido ao filho divertir-se com o instrumento, apressei-me a entrar no templo para proibir a brincadeira.

    Enquanto atravessava o jardim continuei a ouvir a msi-ca, que cessou bruscamente quando cheguei a alguns passos do cemitrio contguo igreja. Encontrei a porta desta de-vidamente fechada a chave; entrei e no vi ningum.

    Outra vez, ouvi o som do harmnio quando atravessava, a cavalo, o prado dAvenbury. Tocava-se msica sagrada, que continuei a ouvir durante o tempo gasto em percorrer, na minha montaria, uma centena de metros. A msica ces-sou, repentinamente, quando cheguei junto igreja.

    Uma senhora, que viveu muito tempo perto da igreja, es-creveu-me de Leamington:

    Decidi contar-lhe um incidente que sucedeu com meu marido e eu, relativo sua igreja, em uma noite de Natal.

    Quando entramos em nossa casa, soava meia-noite. Ne-vava muito. De repente ouvimos muitas vozes humanas, em animada palestra. Elas vinham do interior da igreja e mistu-ravam-se com sons e rudos de regozijo. Mas, distinguindo as diferentes vozes que conversavam, no conseguimos apanhar uma nica palavra do que diziam.

    Procuramos, naturalmente, penetrar no templo, mas vi-mos que a porta estava fechada a chave. Demos-lhe ento a volta e verificamos que ele estava mergulhado em obscuri-

  • dade. Essas vozes, esses rudos vinham, entretanto, do inte-rior.

    Nada compreendendo desse mistrio, dele trouxemos ambos profunda impresso, motivo pelo qual o incidente fi-cou indelevelmente gravado em nossa memria.

    Estas ltimas informaes, fornecidas por pessoas que habita-ram por muito tempo perto da igreja de Avenbury, mostram-nos que esse lugar, por uma razo ignorada, era assombrado.

    A circunstncia de serem os rudos, as vozes e a msica per-cebidos do exterior, mesmo a distncia de algumas centenas de metros, e o fato de cessarem quando os percipientes se aproxi-mavam da igreja, tenderiam a afastar a explicao psicomtrica para dar lugar da assombrao; primeiro porque, de acordo com a hiptese psicomtrica, as percepes deveriam realizar-se quando o sensitivo se encontrasse no meio psicomtrico e no em seus arredores; em seguida, porque o fato de cessarem, desde que os percipientes se aproximavam da igreja, no concilivel com a hiptese encarada. Com a aproximao da ambincia psicomtrica, as percepes dos sensitivos deveriam reforar-se, ao invs de desaparecer; a circunstncia de desaparecerem sistematicamente sugere a idia de uma inteno vigilante testa das manifestaes o que tambm inconcilivel com a hipte-se psicomtrica , mas conforme hiptese teleptico-esprita, pois que a existncia de uma inteno vigilante supe um agente inteligente.

    Caso 7 Em minha obra sobre Les Phnomnes de Hantise (cap. III, pgs. 86-92), cito um caso muito interessante, que tinha extrado dos Proceedings of the S. P. R. (volume III, pg. 126), no qual um grupo de crianas, com seus pais, viam passear na casa um fantasma de uma velhinha. Percebiam-se tambm sons e rudos de toda espcie, entre os quais uma voz de mulher que cantava uma ria muito triste.

    Coloco esta passagem da descrio na presente categoria.

    Narra a Sra. Vata-Simpson:

  • Alm do fantasma da velha franzina, que tem o hbito de circular no andar superior, e outro fantasma de homem que aparece na escada, h vises diversas e ouvem-se v-rios sons e rudos. Muito freqentemente se escutam na co-zinha vagidos comoventes de recm-nascidos e ns os per-cebemos no prprio dia em que entramos na casa.

    Todos acreditamos que se tratava de um recm-nascido autntico, supondo que os vagidos provinham de uma casa vizinha. Mas como eles se repetissem e perpetuassem sem nunca mudar de tom, logo nos enchemos de espanto e en-tramos a fazer pesquisas at o dia em que nos persuadimos de que no se originavam de um recm-nascido vivo.

    Alm disso, no ngulo vizinho da porta de meu quarto, se fazem ouvir as notas de um canto extremamente melancli-co; so notas reais, muito suaves e penetrantes; chega um momento, entretanto, em que as ltimas notas se prolongam e transformam-se em gemidos desesperados de agonia. De-pois, o silncio. E todos esses sons e rudos se produzem perto de alguma diviso entre os quartos e nunca perto das paredes mestras ou exteriores da casa.

    Esta narrativa no contm esclarecimentos ou tradies de acontecimentos dramticos em relao com a assombrao; mas, como a narradora diz que a casa era muito antiga e tinha a reputao de ser assombrada, dever-se-ia deduzir que a falta de informaes sobre o assunto se explica pela vetustez do imvel e pela intermitncia de assombrao circunstncia que pode ter trazido o esquecimento das causas.

    Em todo caso, a anlise comparada dos fenmenos de as-sombrao, como foi exposta na obra citada, deixa supor que o fenmeno dos vagidos dolorosos do recm-nascido, combinados com o triste canto de uma voz de mulher, tem sua origem em um drama de sangue, que se teria produzido dentro daquelas pare-des... Um infanticdio, talvez, para ocultar uma queda.

    Caso 8 Vemo-lo no VII volume dos Proceedings of the S. P. R. (pg. 304), sendo recolhido e examinado por Podmore.

  • Suprimem-se os nomes dos protagonistas, que foram, no en-tanto, comunicados direo da S. P. R.

    Podmore observa:

    Raramente sucede que um caso de msica fantasmagri-ca tenha valor probatrio; e , com efeito, muito difcil qualquer suposio de origem fsica nos fenmenos de or-dem auditiva.

    No obstante, no caso seguinte a natureza alucinatria da msica percebida parece absolutamente provada, tanto no caso do Sr. B... como no da Sra. Z... Os primeiros esclare-cimentos sobre este fato me foram enviados pelo vigrio de S..., pequena regio do sul da Esccia.

    Escreve o Sr. B...:

    Em resposta sua carta de 20 de julho de 1889, tenho o prazer de fornecer-lhe os informes pedidos sobre o caso da msica que ouvi no bosque de D... e que no podia ter cau-sas normais.

    Nas duas ou trs primeiras vezes, a msica que percebi era fraca, posto que bastante distinta para que lhe pudsse-mos seguir os ritmos meldicos. No saberia dizer por que, mas nunca me ocorreu ao pensamento que fosse msica re-al, embora no me parecesse diferente da comum, salvo quanto tonalidade, que tinha qualquer coisa de etrica.

    Passaram-se alguns anos e eu havia tudo esquecido, quando, h poucos meses, ouvi a msica de novo.

    No esqueceria to facilmente esta ltima audio. Ti-nha-me dirigido para a regio de X., onde havia um jogo de tnis; assim que cheguei localidade habitual, ouvi repen-tinamente uma onda de msica sonora e brilhante, como sons de metais, flautas e clarinetas, que ressoavam do lado do cemitrio. No me lembrei imediatamente do que tinha ouvido outrora e acreditei que se tratasse de msica real.

    Meu primeiro pensamento foi o de que o proprietrio da localidade, Sir J. Z., tivesse cedido o parque a um grupo excursionista de alunos em frias, e o segundo, de que a msica era muito boa para semelhante circunstncias.

  • Prosseguindo no caminho, escutava o concerto com vivo prazer, sempre sem duvidar que fosse outra coisa que um concerto real, quando me veio a idia de que msica tocada nos arredores do cemitrio no poderia ser ouvida do lugar em que me achava, por causa da colina de S..., que est si-tuada entre essa localidade e a em que eu me encontrava na ocasio.

    Lembrei-me, ento, das outras audies musicais perce-bidas no mesmo lugar e fiquei convencido de que o fen-meno no era de natureza a ser explicado por mim.

    Ignorava, ento, que outras pessoas tinham ouvido a mesma msica, no mesmo local; sabe-se agora que o Sr. M... e a Senhora Z... a perceberam muitas vezes.

    A escutada pela Sra. Z... era coral, sem nenhum acompa-nhamento de instrumentos, enquanto que, no meu caso, no havia msica vocal. (Assinado com todas as letras: J. L. B.)

    Podmore dirigiu-se Sra. Z..., que respondeu nestes termos:

    Na tarde de 18 de julho de 1888, com uma atmosfera t-pida e tranqila, estava eu assentada, com uma senhora de idade, perto da capela de nosso pequeno cemitrio, encra-vado em nossas propriedades da Esccia e muito longe dos caminhos comunais.

    Em meio conversa, interrompi-me, dizendo:

    Quem que est cantando, no ouve?

    Era um coro de muito belas vozes, como nunca ouvi; dir-se-ia o coro sagrado de uma catedral, mas s teve a durao de alguns segundos.

    A velha nada ouvira e eu no insisti, supondo que ela no fosse forte de ouvido.

    No fui mais a at noite, quando perguntei a meu ma-rido, por acaso:

    Quem cantava quando estvamos perto da capela?

    Esperava que ele me dissesse: Eram camponeses. Ao contrrio, com grande espanto meu, respondeu ele:

  • Eu tenho ouvido muitas vezes esse canto: um canto que costumo ouvir.

    Ora, esta resposta interessante, porque eu no havia dito que ouvira um coro de vozes, mas, unicamente, que tinha ouvido cantar.

    E foi somente ento que me veio a idia de que essas vo-zes no deviam ser humanas.

    Nunca escutara nada semelhante, era qual msica do pa-raso ( a nica expresso adequada); e eu no renunciaria, por todo o ouro do mundo, satisfao de t-la ouvido.

    Quando isso se produziu no me achava de forma alguma em condies sentimentais de alma e conversava com mi-nha amiga sobre assuntos comuns.

    O que escrevi , escrupulosamente, a verdade. (Assinado com todas as letras: Senhora A. Z.)

    O marido da Sra. Z..., Sir J. Z., escreve:

    Muitas vezes, quando me achava s, no cemitrio, ouvi uma msica coral proveniente do interior da capela. (Assi-nado com todas as letras: Sir J. Z.)

    Enfim, a Sra. Z..., em data de 21 de janeiro de 1891, volta ao assunto, nos seguintes termos:

    Eu, abaixo assinada, certifico que, a 15 de novembro de 1890, quando me achava na capela de nosso cemitrio par-ticular, ouvi de novo a mesma msica coral que descrevi nos Proceedings de junho de 1890. O canto prolongou-se cerca de meio minuto. Eu estava com trs pessoas (uma das quais meu marido), e logo lhes disse que escutassem; elas, porm, nada ouviram.

    Da mesma forma que primeira vez, a msica consistia em um coro de muitas vozes, no me sendo possvel distin-guir as palavras. (Journal of S. P. R., vol. V, pg. 42.)

    Podmore, de quem se conhece a averso irredutvel pela hip-tese esprita, faz acompanhar essas narrativas de alguns coment-rios:

  • Entre as histrias tradicionais de gestos e aparies de fantasmas, como nas obras do gnero da de Crowe, The Ni-ghtside of Nature, encontra-se grande nmero de casos an-logos ao de que tratamos. Duvido que em nossa coleo de fatos possa encontrar-se outro do mesmo tipo, mais bem au-tenticado que este.

    O acontecimento deixa supor, primeiramente, que a m-sica do paraso, percebida, fosse o eco de algo que tivesse sobrevivido ao tmulo. O prprio meio em que se produzia a harmonizaria com essa explicao; por outra parte, encon-trar-se-ia certa relao razovel no fato de que o Requiem dos mortos s era perceptvel para os representantes vivos da sua descendncia, mesmo quando se realizava em pre-sena de terceiros.

    Mas, se assim , como explicar o que percebeu B...? E que significao atribuir ao carter diferente da msica que ressoava para uns como um canto coral e para o outro como msica militar?

    Reconheo que isso no constitui um obstculo intrans-ponvel para a admisso da hiptese esprita; mas, enfim, para explicar esses fatos no mister recorrer a causas no naturais.

    A imaginao, alimentada por tradies de famlia ou por meditao sobre o Alm, sugeridas pela ambincia, poderi-am bastar para fazer com que fossem percebidas harmonias musicais nos sons produzidos pelo vento nos bosques; uma idia alucinatria pode tambm enxertar-se com um fen-meno real.

    A idia alucinatria, uma vez engendrada, poderia trans-mitir-se a outras pessoas sensitivas, em condies que pre-dispem ao fenmeno; neste caso, a idia em questo pode-ria revestir-se de formas diferentes em relao com as idi-ossincrasias dos percipientes e a ambincia na qual eles se encontravam.

    Assim, para a Sra. Z..., sentada perto dos tmulos de fa-mlia, a alucinao primitiva tenderia a reproduzir-se sem

  • modificaes, enquanto que, para um transeunte que per-corre uma estrada donde normalmente no se poderia ouvir um canto coral a trs quartos de milha, a idia alucinatria se adaptaria s circunstncias, sem perder sua natureza fun-damental.

    Com isso declaro que estou pronto a reconhecer que o ca-so parece muito notvel e sugestivo, qualquer que possa ser a causa.

    No me parece necessrio refutar as afirmaes de Podmore, de tal forma elas so especiosas e absurdas.

    Limitar-me-ei a observar que, sem dvida, no caso vertente, no nos podemos dar pressa em concluir a favor da origem esprita dos fatos, pois que estes nada contm que seja de molde a fornecer-nos uma prova. Mas da a recorrer-se hiptese alucinatria como o faz Podmore h um abismo. E tanto mais quanto, propondo esta hiptese, Podmore esquece que M. B. declara que nesse momento ignorava tivessem outras pessoas percebido a mesma msica, no mesmo local, declarao que basta para afastar a hiptese alucinatria.

    Com efeito, M. B. no conhecia a existncia dos fatos; logo, no podia ser vtima de uma alucinao por auto-sugesto origi-nada de fatos por ele ignorados.

    Pode-se acrescentar que deveramos fazer a mesma observa-o a propsito dos dois outros percipientes, visto como ressalta nitidamente, da narrativa da Sra. Z..., que esta nada sabia das audies anlogas de seu marido, J. Z., e que este ignorava a experincia anloga de sua mulher.

    Segue-se da que a hiptese alucinatria cai irrevogavelmente e que o fenmeno de audio musical ao qual foram sujeitos os trs percipientes deve ser considerado de natureza supranormal ou extrnseca.

    Seria, porm, imprudente querer ir mais longe em busca das causas, dada a insuficincia das informaes fornecidas, o que no significa que os episdios anlogos aos de que acabamos de descrever sejam desprovidos de valor cientfico. Eles podem adquirir indiretamente a importncia terica que lhes falta se os

  • examinarmos cumulativamente com outros episdios da mesma natureza, melhor circunstanciados.

  • Quarta categoria

    Msica transcendental percebida sem qualquer relao com acontecimentos de morte

    medida que avanamos na classificao dos fatos, sua natu-reza se torna cada vez mais interessante e misteriosa.

    preciso, entretanto, notar que os episdios pertencentes a esta categoria do margem crtica, porque podemos consider-los como puramente alucinatrios, em virtude de sua natureza de percepes estritamente pessoais, sem nenhuma relao com acontecimentos de morte ou com outras circunstncias que revelem um agente extrnseco.

    Apresso-me, no entanto, a observar: essa objeo s pareceria fundada se os fatos dessa categoria fossem tomados separada-mente.

    Ora, fcil de compreender que esta maneira de proceder se-ria arbitrria e anticientfica. Com efeito, em matria de classifi-cao, no pode haver outro mtodo de pesquisa que no o da anlise comparada, estendida ao conjunto dos fatos, e nunca a uma s categoria, esquecendo-se a classe.

    Aquele que procedesse por outra forma no faria obra cient-fica e cairia, seguramente, em erro.

    Peo, pois, aos leitores que suspendam qualquer juzo a res-peito da presente categoria.

    Caso 9 Foi registrado no 1 volume da obra de Myers, A Personalidade Humana.

    O percipiente e narrador o clebre psiquista Doutor R. Hod-gson, secretrio da Society for P. R., nos Estados Unidos.

    Escreve ele:

    Um dos acontecimentos de minha existncia que mais me emocionaram sucedeu quando eu tinha 18 ou 19 anos; foi a audio de msica transcendental que, comeada du-rante o sono, continuou quando eu acordei; isso durante mais ou menos um quarto de hora.

  • essa a razo pela qual me lembro perfeitamente.

    Na ocasio em que estava sujeito a essa experincia, per-cebi perfeitamente que ouvia uma msica que no era des-te mundo. No me ficou na memria um motivo especial, mas posso afirmar que a msica era muito complicada, rica de ritmos, muito doce, e que dava a impresso de homoge-neidade inefvel, parecendo invadir inteiramente a ambin-cia.

    Fui acordado pela prpria msica e fiquei a escut-la em xtase.

    Lembro-me que, ouvindo-a, meu olhar se fixava numa es-trela visvel, atravs das persianas semi-abertas. A alva co-meava a apontar e a msica pareceu diminuir e morrer com o surgir da aurora.

    Todo o gozo intelectual que tenho experimentado em vi-da com a audio da msica terrestre est longe de compa-rar-se alegria serena, tranqila, celeste, que me havia in-vadido, quando escutava essa msica transcendental. Foi tal o efeito que ela me produziu, que me decidi a tomar lies de violino, nas quais perseverei durante quatro anos. (As-sinado: Doutor Ricardo Hodgson.)

    Conforme as observaes que fiz acima, abstenho-me de qualquer comentrio.

    Eis outro caso anlogo, mas que se realizou em condies de completa viglia:

    Caso 10 Podemos l-lo no Journal of the American S. P. R. (1920, pg. 373).

    O escritor e poeta norte-americano Bayard Taylor (1825-1878) conta este fato, que lhe pessoal:

    Deixemos que os cpticos, os vulgares, os homens que se dizem prticos, tenham sua opinio; no menos verda-de que h na natureza humana a intuio latente da possibi-lidade de entrar, por vezes, em relao com o mundo super-sensvel. E a experincia demonstra que bem poucas pesso-as h que no tenham a contar incidentes inexplicveis pe-

  • las leis naturais. So coincidncias espantosas, pressenti-mentos realizados; algumas vezes, aparies de fantasmas; todos os casos que no conseguimos reduzir hiptese c-moda do acaso, e que, portanto, enchem de assombro os que os examinam.

    Certa vez, 1 hora da madrugada, na acidentada regio do Nevada, pus-me a contemplar a eterna beleza do Norte, quando percebi, de repente, um som caracterstico, que pa-recia o do vento na floresta.

    Olhei para as rvores; elas estavam imveis; o som, en-tretanto, aumentava rapidamente e a tal ponto que o ar, nes-se vale solitrio, parecia vibrar poderosamente.

    Um sentimento estranho de expectativa, quase de medo, me havia invadido. Nenhuma folha se agitava no bosque quando, instantaneamente, esse zumbido formidvel se transformou em um canto coral, um hino grandioso, canta-do por milhares de vozes; ele se espalhou rapidamente, de uma colina a outra, perdendo-se ao longe, na plancie, como o eco de um trovo.

    Como em certos preldios meldicos tocados pelo rgo, as notas se superpunham com lentido e arte majestosas, grupando-se, em seguida, em temas; depois, o coro maravi-lhoso, cantado por inumerveis vozes, acabou por estas pa-lavras: Vivat terrestriae!

    Toda a atmosfera foi invadida pelo canto formidvel que parecia deslizar rapidamente pela superfcie do solo em on-das potentes, sem eco, sem repercusso.

    Depois disso, das profundezas dos cus ressoou uma voz possante, penetrante, insinuante, cheia de doura celeste. Muito mais forte que um som de rgo ou de qualquer ou-tro instrumento terrestre, essa voz sobre-humana parecia lanar-se em linha reta, atravs do firmamento, com a ins-tantaneidade de uma flecha.

    Enquanto a grande voz ressoava no alto, aumentando de fora, o coro terrestre se extinguia gradualmente, deixando-a dominar no cu. Por sua vez, ento, decomps-se em fra-

  • gmentos de melodias celestiais, infinitamente diversas das da Terra; dir-se-iam acentos vibrantes de vitria e de jbilo, enquanto as palavras Vivat Coelum retiniam muitas vezes, cada vez mais fracamente, como se se retirassem rapida-mente para as profundezas do cu, no meio dos abismos es-trelados. E o silncio no tardou a reinar de novo em torno de mim.

    Eu estava, incontestavelmente, acordado; meu pensamen-to no divagava em reflexes ou fantasias capazes de suges-tionar-me. Como se poderia produzir semelhante fato? Co-mo podem nossas faculdades cerebrais gratificar-nos com vises ou audies to inesperadas, superiores ao nosso sa-ber? Por que estas palavras latinas? Quem foi o autor dessa msica paradisaca, que me seria to difcil criar como fora compor um poema em snscrito?

    Caso 11 Na narrativa seguinte, que apareceu na Light (1898, pg. 347), a audio se produz durante o estado exttico. Conta o Dr. Montin, da Faculdade de Medicina de Paris:

    Mlle. M..., moa de 18 anos, histrica e catalptica, de-pois de crises extremas e de haver passado por todas as fa-ses do sonambulismo, com ecloso de uma dupla personali-dade, apresentou tambm numerosos fenmenos de exterio-rizao da motricidade, tanto no transe como em viglia.

    Um dia, quando nada o podia fazer prever, caiu em transe e assim permaneceu por mais de duas horas. Fui visit-la tarde, hora do costume, e os pais me contaram o que se ti-nha produzido pela manh.

    Hipnotizei-a para obter esclarecimentos a respeito. Eis textualmente sua narrativa:

    Fui tomada de irresistvel necessidade de dormir. Lutei fortemente, em vo, para venc-la, e perdi os sentidos, fi-cando, durante muito tempo, em condies comatosas.

    Apesar de no estar o meu esprito muito afastado do corpo, pude ver-me estendida na cama, como me encontro neste momento.

  • Minha inteligncia estava alhures e no desejava voltar; na nova ambincia em que me achava havia outras inteli-gncias iguais s minhas; foram elas que me obrigaram a entrar em meu corpo. Quanto o lamento! Era to feliz l onde estava! Tudo era belo em torno de mim e eu desejaria a ficar para sempre!

    Encontrei-me, no sei como, num parque maravilhoso, em que as rvores, majestosas, eram de mil cores; essas co-res se combinavam e fundiam com ondas de harmonia ce-leste, impossveis de descrever... Minha felicidade no ti-nha limites, porque a msica que eu ouvia era uma msica do paraso. preciso dizer que todos os sons que se produ-zem na Terra, compreendidos os que provm do desloca-mento dos objetos, reproduzem-se no mundo espiritual, transformando-se em msica universal, grandiosa, de que se no pode fazer nenhuma idia.

    Uma folha de papel que se rasga, um pequeno ramo de rvore que se quebra, uma pedra que se joga, o rudo das rodas dos veculos, o das estradas de ferro, o do ferreiro que bate em sua bigorna, o vento, a chuva, o raio: todos os ru-dos, do mais fraco ao mais formidvel, no mundo em que me achava, se transformam em msica perfeita e grandiosa, que a nada se pode comparar na Terra. Essas celestes har-monias haviam encadeado minha vontade; eu me sentia muito feliz, estava muito fascinada para poder mover-me. Havia, porm, alguma coisa mais surpreendente ainda: mi-nha vista dominava um horizonte infinito e eu podia ver, simultaneamente, de todos os lados.

    Fiquei-me, por muito tempo, a escutar e a contemplar, sem perceber ningum em torno de mim, mas sabendo, ao mesmo tempo, que no estava s. Em seguida, de repente, sem que percebesse o que acontecia, vi-me rodeada de inte-ligncias de que conhecera a presena por intuio. Minha felicidade chegou ao seu auge, quando, entre elas, notei mi-nha me, com a qual conversei bastante tempo. Vi tambm outros parentes e amigos...

  • Ah! que mundo sublime era aquele! No me queria retirar dali; estava abalada pelo pensamento de voltar para c, para este mundo vil, em que sufocamos, em que sofremos!... Consolo-me, pensando que para l voltarei um dia e para no mais deix-lo.

    O Dr. Montin acrescenta:

    O fato que se acaba de ler muito recente; produziu-se h dois meses apenas.

    No momento em que escrevo, a paciente est completa-mente curada; sua sensibilidade hipntica desapareceu.

    Abstenho-me, ainda desta vez, de qualquer comentrio, res-tringindo-me ao valor sugestivo da afirmao da exttica, de que todo o som e rudo terrestre se transformam, no mundo espiritu-al, em msica grandiosa e solene; esta afirmativa concorda com outras anlogas obtidas mediunicamente.

    Estas ltimas, entretanto, completam de certo modo a idia, acrescentando que, nas esferas superiores, so as vibraes psquicas do pensamento cumulativo dos vivos que contribuem para criar uma nota na Harmonia do Universo.

    Sem entrar no assunto, no seria intil salientar que as notas musicais, como as percebe o ouvido humano, so o efeito da soma de vibraes acsticas que esto em relao numrica entre si; por conseqncia, mesmo em nosso mundo, toda espcie de rudos poderia, teoricamente, transformar-se em grandiosa e solene msica, com a condio nica de que as mltiplas grada-es vibratrias de um rudo qualquer estivessem em relao numrica entre si, constituindo uma gama de tonalidades musi-cais absolutamente anlogas s outras gamas musicais.

    No haveria, pois, absurdo na idia de que todos os sons e ru-dos terrestres, penetrando nas esferas espirituais, devam harmo-nizar-se matematicamente entre si, de forma a engendrar uma msica transcendental de complexidade e grandiosidade incon-cebveis para ns; em suma, de forma a constituir um motivo do que se chama Msica das Esferas.

  • Caso 12 No episdio que se segue, a audio musical coin-cide excepcionalmente com um incidente que equivale a uma prova de identificao esprita.

    Extraio-o da Light (1893, pg. 161).

    O sensitivo percipiente um homem notvel no domnio da cincia mecnica americana; goza de celebridade nacional nos Estados Unidos e foi amigo do grande filsofo Herbert Spencer.

    O fato contado pela Sra. Hester Poole, nos termos seguin-tes:

    H cerca de 6 anos, o cavalheiro de que se trata e que me autorizou a expor o seu caso nesta revista comeou a perceber notas e acordes musicais de natureza meldica ab-solutamente esquisita.

    Ele apaixonado pela arte da msica, que constitui sua maior distrao, em meio s ocupaes severas que o ab-sorvem. Tem ouvido os melhores cantores e as melhores orquestras do Velho Mundo. No obstante, as harmonias subjetivas que percebe h 6 anos ultrapassam, em beleza, toda audio musical terrestre, qual ele tenha assistido ou que possa mesmo conceber.

    Elas so precedidas por longos e doces acordes, que pa-recem tocados por cornetas. Seguem-se outros instrumentos e depois outros ainda vm tecer suas harmonias no concer-to, at o momento em que o volume complexo e maravilho-so da onda musical se insinua e domina a tal ponto os senti-dos do percipiente, que este se v prestes a cair em sncope. Sente-se como extasiado e compreende intuitivamente que, se esse estado se prolongasse alm de certo limite, a alma se exilaria para sempre do corpo, enlevada com o fluxo en-cantador dessas harmonias do den.

    Essa msica no pode, mesmo, ser comparada deste mundo, ainda que, em seu conjunto, sua tonalidade se apro-xime da do violoncelo e do rgo. As rias so sempre ele-vadas, nobres, majestosas, muito acima de tudo que se pode dizer, e tm alguma analogia com a msica sacra. No so nunca alegres e menos ainda vulgares; somente, algumas

  • vezes, pela riqueza e volume dos sons, lembram um pouco certas cenas da grande pera.

    Logo que a orquestra transcendental preludia uma srie de acordes, um coro de vozes maravilhosas, masculinas e femininas, entra em jogo. Por vezes fazem-se ouvir solos; outras vezes so duos ou rplicas corais, com vozes de ho-mem e de mulher. Em certos casos uma voz de tenor, muito doce, que seduz e comove.

    O percipiente assim se exprime a esse respeito:

    Nunca ouvi nada semelhante; no concebia, mesmo, a possibilidade disso. uma voz que reconheceria entre mil.

    Essa msica, apesar de subjetiva, lhe chega de maneira repentina e inesperada, como se daria com a msica terres-tre. De ordinrio, de curta durao, uma vez que ela se prolongou mais que do costume, o doente quase se sentiu morrer, porque ela produz um estado de xtase insustent-vel para uma fibra mortal. Ele se levantou, passeou, subiu a escada, saiu de casa, esforando-se, de diferentes modos, por libertar-se da fascinao exttica; a msica, porm, se-guia-o por toda parte, de quando em quando, e isso durante todo o dia. Ele assim se exprime:

    O ar parecia saturado de msica, que sobrepujava todos os outros rudos, invadindo o espao infinito. Parecia-me incrvel que os outros no a percebessem.

    Quando lhe acontece ouvir a msica transcendental, ilu-mina-se-lhe o rosto, que parece glorificado; o mundo no existe mais para ele. Nesse momento ele no mais que um feixe de nervos sensitivos, no qual se refletem as harmonias que promanam do Grande Artista do Universo e que pal-pitam eternamente nos espaos intersiderais.

    A maior parte de ns, pobres criaturas dominadas pelos sentidos terrestres, s estamos aptos a recolher as dissonn-cias dos acordes fragmentrios que nos chegam, enquanto que ele vibra em unssono com o ritmo do Universo.

    A princpio, o meu amigo supunha-se vtima de uma es-pcie de auto-hipnotizao; mas, pouco a pouco, e por dife-

  • rentes razes, convenceu-se de que, nesses momentos, entra efetivamente em relao com as esferas espirituais donde vm todas as harmonias.

    No correr da tarde que precedeu a em que escrevi esta narrativa, conversava com o meu amigo, quando notei que ele havia momentaneamente perdido todo o conhecimento de si prprio: tinha os olhos fechados; os seus traos viris e enrgicos haviam tomado expresso exttica. Compreen-demos todos que ele escutava essas harmonias diversas que bem poucos mortais so capazes de perceber.

    Tomei-lhe a mo, verificando que um tremor muito sen-svel lhe abalava todo o corpo. Apressamo-nos a vir auxili-lo a sair dessa espcie de sncope. Logo que acordou, per-guntou-nos: No a ouviram? Parecia-me que desta vez a tivessem ouvido. Dir-se-ia que ela tinha invadido o Univer-so inteiro.

    Nestes ltimos tempos tornou-se tambm clarividente; a matria esfuma-se e desaparece por si mesma. Seu olhar er-ra ento livremente pelo Universo e ele v um panorama in-finito, iluminado por dourada luz, povoado de formas ang-licas vestidas com longos peplos flutuantes e tendo os ros-tos luminosos: so os artistas celestes, executores da msica transcendental que ele percebe.

    H alguns meses foi ele com dois amigos fazer uma visita Sra. Hollis-Billing. Esta senhora, em cujo salo se renem pessoas intelectuais, possui faculdades medinicas muito notveis; quando as circunstncias so favorveis ela chega a obter o fenmeno da voz direta. Ora, nessa noite, a perso-nalidade medinica que guia Mme. Hollis manifestou-se fa-lando com voz independente. Uma nica entre as pessoas presentes conhecia as faculdades clariauditivas possudas por meu amigo; apesar disso, a personalidade medinica de Ski divulgou logo o segredo, dirigindo-se a ele por estas palavras:

    Sabe quem aquele que canta com to doce voz de te-nor?

  • Meu amigo, surpreso e espantado, respondeu:

    No, e pode dizer-mo?

    Posso; um msico italiano chamado Porpora. Muitas vezes ensaiou ele fazer ouvir o seu canto aos viventes; foi sempre em vo. Foi V. o nico com quem ele o conseguiu...

    Meu amigo consultou, no dia seguinte, alguns dicionrios biogrficos de msicos; e achou que no sculo XVII havia vivido um compositor e tenor eminente, chamado justamen-te Porpora. Parece que ainda hoje conhecido pelas pessoas que cultivam a msica clssica.

    Tendo reproduzido esta narrativa, noto, de passagem, que a Sra. Hollis-Billing a mesma mdium com a qual o Dr. Wolf obteve, vinte anos antes, fenmenos maravilhosos, de materiali-zao e de voz direta, os quais relatou em seu volume intitulado Starling Facts in Modern Spiritualism.

    Seria difcil contestar o interesse que apresenta este episdio o de uma personalidade medinica que, exprimindo-se com voz independente da do mdium, dirige a palavra ao sensitivo clariaudiente, revelando-lhe o nome do principal executor da msica transcendental que ele percebe, nome que , conforme se verifica em seguida, o de um msico que viveu, efetivamente, h dois sculos. E isso tanto mais interessante quanto vemos que Mme. Hollis-Billing no conhecia o sensitivo, o qual ia pela primeira vez assistir em casa dela a uma sesso medinica; na assistncia, somente um dos dois amigos que o tinham acompa-nhado conhecia suas faculdades clariauditivas.

    Tendo-se tudo isso em linha de conta, o fato da revelao ve-rdica obtida no pode deixar de ser significativo, no sentido da autenticidade esprita do caso em si e, por conseqncia, da autenticidade no menos esprita ou extrnseca da msica trans-cendental percebida pelo sensitivo.

    Assim sendo, mesmo os trs casos contados precedentemente obteriam, de maneira indireta, certo valor probatrio.

    Reconheo, entretanto, que um exemplo nico insuficiente para confirmar uma hiptese; minha inteno tambm no , de

  • forma alguma, obter esse resultado pelas consideraes que se acabam de ler. No me resta, pois, seno prosseguir na classifi-cao empreendida.

  • Quinta categoria

    Msica transcendental no leito de morte

    Os fatos nos quais a msica transcendental se realiza no leito de morte e, mais raramente, nas crises de doena grave, so os mais numerosos; constituem, por conseqncia, a forma mais conhecida das manifestaes de que nos ocupamos.

    Encontram-se exemplos nas tradies dos povos, na literatura greco-romana, nas crnicas da Idade Mdia e sobretudo nas colees das vidas dos santos: nos conventos, deles se conserva a lembrana com ciumenta venerao.

    No obstante, esse muito interessante assunto tem sido at aqui esquecido pelas pessoas dadas s pesquisas metapsquicas; os livros e as revistas do gnero narram bem poucos casos; limitam-se geralmente, quando deles se ocupam, a tocar-lhes de modo sumrio e a tal ponto que no possvel tom-los em considerao.

    deplorvel isso, porque muitos fatos, que por essa razo somos obrigados a eliminar, se revestiriam de considervel valor terico.

    Os prprios jornais polticos, por vezes, se interessam pelo assunto. Ultimamente, o Daily Mail registrou um caso; para logo a redao do jornal recebeu muitas cartas nas quais se assinala-vam casos anlogos, mas sempre cientficos.

    Entre os correspondentes do jornal londrino houve o Sr. Sear-le, professor de Fsica na Universidade de Cambridge; infeliz-mente, ele tambm fala do modo sumrio que se segue:

    So mais freqentes do que geralmente se crem, os ca-sos anlogos aos do Sr. Drew.

    No mais tarde que sbado ltimo, um cura me informou de que havia assistido uma criana moribunda, a qual repe-tiu muitas vezes que ouvia uma msica anglica.

  • Algumas semanas antes outro vigrio me dissera que em sua parquia habitava um homem muito religioso que per-cebia muitas vezes a msica do paraso.

    Narrado pela Light, 1919, pg. 317.

    Como se pode ver, apesar da provvel autenticidade dos fatos aos quais se faz aluso, impossvel lev-los em conta.

    O valor terico desta categoria consiste especialmente no fato de que nela, muitas vezes, os episdios de audio supranormal no so eletivos, mas coletivos; quer dizer que no unicamente o moribundo que ouve a musica transcendental, mas todas as pessoas presentes ou algumas entre elas; na maior parte mesmo dos casos, s os assistentes a percebem; no o pode fazer o moribundo, por causa das condies comatosas em que se encon-tra, o que de grande importncia terica, como veremos mais adiante.

    Da resulta que os casos coletivos da presente categoria vm em apoio dos eletivos; assim, a msica transcendental percebida no leito de morte, nas duas circunstncias, deve ser considerada como tendo uma origem positivamente extrnseca e de forma alguma alucinatria, na significao patolgica do termo.

    Por outra parte, como no podemos separar esta categoria das precedentes, segue-se tambm que, se esta constituda por episdios que tm uma origem extrnseca, no h razo para deixar de admitir uma origem idntica para os episdios contidos nas outras categorias; tudo, bem entendido, sempre de maneira geral.

    Caso 13 Comeo registrando alguns casos nos quais o fe-nmeno da audio musical sempre eletivo.

    Tiro a narrativa seguinte do livro de A. Beauchesne, Vie, Martyre et Mort de Louis XVII. O autor recolheu os pormenores da prpria boca dos cidados Lasne e Gomin, que foram os guardas do infortunado Delfim. Ele escreve:

    Aproximava-se a hora da agonia e Gomin, um dos guar-das, vendo que o doente estava calmo. silencioso e imvel, disse-lhe:

  • Espero que no sofra.

    Sim, sofro ainda, no porm como antes... Esta msica to bela!

    No se percebia nenhum eco de msica; no se podia, alis, perceb-la, do quarto em que o pequeno mrtir jazia moribundo.

    Gomin, espantado, perguntou:

    Em que direo a ouve?

    Ela vem de cima.

    E a percebe h muito tempo?

    Desde que ajoelhaste. No a ouves, pois? Oh! escute-mos, escutemos!

    E a criana abriu seus grandes olhos, iluminados de ale-gria exttica e chegou a fazer um sinal com a mozinha exangue.

    O guarda, comovido, no querendo destruir essa ltima doce iluso, fingiu que escutava tambm. Depois de alguns minutos de grande ateno, a criana pareceu estremecer de alegria; o olhar tornou-se-lhe brilhante e ela disse com voz que exprimia bem uma emoo intensa:

    Entre as vozes que cantam reconheo a de minha me!

    Esta ltima palavra, logo que saiu dos lbios do pobre r-fozinho, pareceu alivi-lo de todo o sofrimento; a fronte serenou, o olhar tornou-se calmo e pousou em qualquer coi-sa invisvel.

    Via-se bem que continuava a escutar, com ateno extti-ca, os acordes de um concerto que escapavam aos ouvidos humanos.

    Dir-se-ia que para esta alma jovem comeava a despontar a aurora de nova existncia.

    Pouco depois, o outro guarda, Lasne, veio substituir Go-min e o prncipe olhou-o, por muito tempo, com olhar ln-guido e velado.

  • Vendo-o agitar-se, Lasne perguntou-lhe como estava, se queria alguma coisa.

    Ele murmurou:

    Quem sabe se minha irm ouviu essa msica do para-so; far-lhe-ia tanto bem!...

    O olhar, ento, do moribundo dirigiu-se com movimento brusco para a janela; um grito de alegria saiu-lhe dos lbios; dirigindo-se ao guarda, disse:

    Tenho alguma coisa a dizer-lhe.

    Lasne aproximou-se, tomando-lhe a mo. O prisioneiro inclinou a cabea sobre o peito do guarda, que se julgou no dever de escut-lo, mas em vo: tudo estava acabado.

    Deus tinha poupado, ao pequeno mrtir, as convulses da agonia e o ltimo pensamento do moribundo ficou desco-nhecido.

    Lasne colocou a mo sobre o corao da criana: o cora-o de Lus XVII tinha cessado de bater!

    No o caso de fazermos comentrios a esse comovente epi-sdio, por ser de audio de msica transcendental eletiva; esperemos chegar aos casos coletivos, que confirmam indireta-mente os primeiros.

    Farei observar que a descrio das diferentes atitudes toma-das pelo moribundo, combinadas com as correspondentes excla-maes de surpresa e de alegria, permitem supor que o pequeno agonizante teve tambm a apario de sua me: apario prece-dida e preparada pelo fenmeno anlogo do reconhecimento de sua voz entre as que constituam o coro transcendental.

    Essa combinao sucessiva de duas manifestaes diversas, que convergem para o mesmo fim, no deixa de ter valor suges-tivo, tanto mais quanto se repete em outros episdios do mesmo gnero (como por exemplo no 26 caso), como se a manifestao musical representasse, para a entidade do defunto, a via de menor resistncia, devendo preparar a outra, a da apario pes-soal ao parente no leito de morte.

  • Caso 14 Em minha obra sobre as Aparies de Defuntos no Leito de Morte, citei o comovente caso da pequena Daisy Dryden, que durante seus trs ltimos dias de vida teve a viso das esferas espirituais. Sendo longa a narrativa, tive que me limitar citao das passagens que se relacionam com o assunto tratado na obra, isto , viso que a criana moribunda teve de seus falecidos pais.

    Transcrevo agora outra passagem da narrativa, donde se v que a menina percebia tambm a msica transcendental.

    Relata sua me:

    Ela falava muitas vezes de seu fim prximo e parecia ter to ntida viso da vida futura e da felicidade que a espera-va, que no se perturbava absolutamente com o pensamento da morte.

    O mistrio da separao da alma e do corpo no existia para ela. A morte era-lhe como a continuao da vida, com a vantagem da passagem das condies precrias da exis-tncia terrestre s de uma existncia livre e feliz, cheia de luz e de exaltao, na morada de Deus.

    Uma vez, disse ela:

    papai, no ouves esta msica celeste? So os anjos que cantam. No a ouves? E no entanto devias ouvi-la, por-que o quarto est cheio inteiramente dela. Percebo o coro de anjos que cantam. , quantos! quantos! Que multido! Eles so muitos mil. Como so gentis, prestando-se a cantar para uma criana como eu!

    Mas eu sei bem que no cu no h diferena de grandeza; ningum pequeno, ningum grande: o amor tudo e en-volve tudo...

    Este incidente, posto que coletivo, no que concerne maneira de produzir-se, constitui parte integrante de um caso complexo e teoricamente de muita importncia; nele se encontram muitos episdios de outra natureza, com o valor de identificaes espri-tas e que contribuem para mostrar a origem positivamente ex-trnseca das vises transcendentais que se manifestaram, durante

  • trs dias, menina moribunda; dever-se-ia, pois, concluir logi-camente pela natureza no menos transcendental da msica que ela percebeu.

    Para o episdio em apreo, no seria, pois, necessrio esperar confirmao indireta por meio de outros casos anlogos, com carter coletivo.

    Casos 15, 16 e 17 Dos numerosos casos que recolhi e de-pois abandonei por insuficincia de dados, decidi-me a extrair trs, que narro aqui, por me parecerem eles positivamente autn-ticos, ainda que sejam insuficientes os pormenores fornecidos sobre os mesmos.

    1 caso Jakob Bhme, o conhecido mstico alemo, no mo-mento da agonia percebeu uma msica muito doce, executada pelos anjos que vinham buscar-lhe o esprito, preparado-o para a morada celeste.

    At o momento da morte fez ele aluses msica transcen-dental que percebia.

    2 caso Joseph Clark envia Light (1921, pg. 312) uma carta que recebeu de um dos amigos residentes em Haia, Holan-da, na qual se encontra relatado o episdio seguinte:

    Os membros de minha famlia foram todos apaixonados por msica, com exceo de uma de minhas irms, que a detestava.

    Ela morreu com a idade de 15 anos e, no instante pr-agnico, murmurou:

    Ouo uma msica maravilhosa... Oh! como bela!

    Penso que o caso interessante, no s por ter minha ir-m ouvido a msica transcendental em seu leito de morte, como, principalmente, porque pareceu escut-la com prazer nessa hora suprema.

    3 caso E. W. Barnet escreve ao Professor Hyslop:

    Em resposta sua carta, eis o que lhe posso dizer a res-peito do incidente que deu causa s suas perguntas:

  • Na primavera de 1880, meu irmo, ento com a idade de 15 anos, caiu gravemente doente de pneumonia e o mdico que o tratava preveniu a famlia de que o rapaz estava em perigo de morte. O doente no tardou, com efeito, a perder a conscincia, e ficou trs dias nesse estado.

    Quando chegou a minha vez de velar, na companhia de um amigo, ele no mais falava nem dava sinais de vida desde 24 horas.

    meia-noite, levantou-se, abriu os olhos e perguntou donde vinha aquela msica deliciosa. Repetiu a frase muitas vezes, acrescentando que nunca tinha ouvido msica to be-la e perguntou se a percebamos.

    Meu amigo me disse que este sinal era precursor da mor-te; eu fui da mesma opinio; mas tal no aconteceu. O do-ente continuou a escutar a msica transcendental, fazendo-lhe ainda aluses, muitas vezes. Em seguida, acabou por adormecer. Quando acordou estava muito melhor e no tar-dou entrar em convalescena. Vive ainda... (American Journal of the S. P. R., 1918, pg. 628.)

    Caso 18 Passo a relatar fatos nos quais s os familiares per-cebem a msica transcendental no leito de morte.

    O Reverendo F. Fielding-Ould, em um artigo intitulado As Maravilhas dos Santos (Les Merveilles des Saints), conta o seguinte episdio:

    Uma jovem, pertencente ao Exrcito da Salvao e, muito provavelmente, uma santa em toda a acepo do vo-cbulo, estava no leito morturio, em Camborne (Cor-nouaille). Durante trs ou quatro noites, misteriosa e doce msica ressoou no quarto, com freqentes intervalos; os pa-rentes, os amigos, podiam ouvi-la. A msica durava, de ca-da vez, cerca de um quarto de hora. Algumas vezes parecia comear a distncia, para aproximar-se em seguida, pouco a pouco, aumentando gradualmente de sonoridade. Durante essas manifestaes a doente ficou sempre em coma. (Ci-tado pela Light, 1920, pg. 155.)

  • Os casos, como o precedente, nos quais o doente fica em condies comatosas durante a manifestao da msica trans-cendental, so teoricamente mais importantes que os em que ele a percebe coletivamente com os assistentes.

    Com efeito, neste ltimo caso, poder-se-ia ainda objetar (se bem que se trate de hiptese inteiramente gratuita) que o doente foi sujeito a uma alucinao patolgica, transmitida telepatica-mente aos assistentes.

    Ao contrrio, quando o moribundo est em condies coma-tosas (que implicam a abolio total das funes do pensamen-to), no seria mais possvel recorrer-se explicao alucinatria, entendida na significao que acabamos de indicar.

    Caso 19 Extraio-o da Light (1912, pg. 324.)

    O Professor Arthur Lovell escreve nos termos seguintes ao diretor da revista:

    Conheciam-se numerosos exemplos de msica percebi-da perto do quarto ou no prprio quarto em que jaz um mo-ribundo. Tenho agora conhecimento de um desses epis-dios. Foi-me ele comunicado por uma de minhas alunas, fi-lha de um ministro da Igreja Escocesa.

    Vou transcrever a passagem da carta que contm a narra-tiva, fazendo notar que esta no me foi remetida para ser publicada, mas a ttulo de informao confidencial, relati-vamente a um fato que, para minha discpula, era absoluta-mente novo e inexplicvel.

    Ela escreve:

    Meu pai morreu h trs semanas; esse triste aconteci-mento foi acompanhado por um incidente misterioso que, penso, vos poder interessar. Trata-se, talvez, de um fato comum, mas eu nunca dele ouvi falar.

    Trs meses antes de sua morte, foi meu pai atacado de congesto cerebral, com perda da palavra e letargo da inte-ligncia; somente reconhecia as pessoas. Morreu certa ma-nh, pela alva; eu no estava presente, porque mame achou

  • melhor no me chamar, visto no haver nenhuma esperana de que o doente recobrasse a lucidez.

    Ora, eis o que se produziu:

    s duas horas da madrugada meu pai entrou em agonia; dois minutos depois (minha me tinha visto a hora), come-ou-se a ouvir do lado exterior da janela, que est no andar superior da casa, maravilhoso canto que fez acordar em mi-nha me a lembrana de um jovem cantor da Igreja de So Paulo.

    A voz parecia vir de cima e afastar-se para o cu, como um eco da msica do paraso.

    Perceberam-se, ento, trs ou quatro vozes que cantavam, em coro, um hino triunfal de alegria.

    O canto continuou at s 2:10, isto , durante 8 minutos, depois enfraqueceu gradualmente at extinguir-se. Meu pai se finou ao mesmo tempo que o canto.

    Se minha me fosse a nica a ouvi-lo, no teria eu julga-do o incidente digno de ser narrado; poder-se-ia logicamen-te supor que a tenso de esprito em que se achava fosse a causa que a levara a crer ter percebido o que nenhum ouvi-do humano jamais percebeu. Mas, havia l tambm a en-fermeira, que era uma mulher prtica e positiva, alm de normal. Quando a manifestao musical cessou, dirigiu-se ela a minha me que no lhe queria falar a respeito do que tinha sucedido e lhe disse:

    A senhora ouviu tambm os anjos cantarem? Eu bem me apercebi disso, porque a vi olhar duas vezes, com sur-presa, para a janela. E se no fossem os anjos, que podia ser? Ouvi dizer que os anjos cantam, algumas vezes, quan-do morrem pessoas muito boas, mas a primeira vez que ouo o canto.

    Tais so os fatos. Parece-me que o testemunho dessa mu-lher, absolutamente estranha famlia, constitui excelente prova da realidade incontestvel da msica percebida por minha me, qualquer que seja a explicao a que possamos recorrer para esclarecer o mistrio.

  • preciso excluir de modo absoluto a idia de que a ori-gem da msica fosse natural; primeiro, porque estvamos em plena noite; depois, porque nossa casa se acha em uma localidade afastada, longe de qualquer outra habitao, e rodeada por um jardim, alm do qual se estende o campo. Alm disso, o som desse coro no vinha do solo, mas pare-cia localizado justamente defronte janela, isto , no ar...

    Observa o Prof. Lowell:

    O trecho que transcrevi no necessita comentrios; ele fornece uma prova ntida e autntica de que existem potn-cias invisveis, que operam em torno das personalidades humanas.

    As consideraes que fizemos para o caso precedente apli-cam-se com mais forte razo a este, no qual o doente, que se encontrava em condies comatosas, estava, havia trs meses, em completo estado de torpor intelectual, em conseqncia a um traumatismo do crebro.

    preciso pois, excluir, em absoluto, a hiptese de uma aluci-nao com origem no pensamento do moribundo e transmitida telepaticamente s duas percipientes.

    de notar, ainda, que estas ltimas localizavam o canto coral no mesmo ponto circunstncia que contribui a mostrar ulteri-ormente a objetividade da msica transcendental percebida. Esta no se poderia explicar sem recorrer interpretao dada pela enfermeira, interpretao em que se reflete a sabedoria popular, a qual, livre dos entraves tericos, chega muitas vezes intuio da verdade.

    Caso 20 Este episdio o muito conhecido da msica transcendental que se realizou no leito de morte de Wolfgang Goethe. Conta-o a Occult Review (1903, pg. 303), que o tradu-ziu do Gartenlaube (1860):

    A 22 de maro de 1832, s 10 horas da noite, duas horas antes do falecimento de Goethe, um carro parou diante da morada do grande poeta; uma senhora desceu e apressou-se a entrar na casa, perguntando com voz trmula ao criado:

  • Ele ainda est vivo?

    Era a Condessa V..., admiradora entusiasta do poeta e sempre por ele recebida com prazer, por causa da reconfor-tante vivacidade de sua palestra.

    Ao subir a escada, parou ela de repente e ps-se a escu-tar; depois perguntou ao criado:

    Como? Msica nesta casa? Meu Deus! Como se pode fazer msica num dia destes!

    O criado tambm escutava, porm ficou plido, trmulo e nada respondeu.

    Entrementes, a condessa atravessava o salo e entrava no escritrio, onde s ela tinha o privilgio de penetrar.

    Frau von Goethe, cunhada do poeta, foi ao seu encontro; abraaram-se em lgrimas. Em seguida a condessa pergun-tou:

    Dize-me, Otlia; quando eu subia a escada, ouvi msica nesta casa; por que? Estarei enganada?

    Tambm tu a ouviste? respondeu Frau von Goethe . inexplicvel! Desde a aurora de hoje que ressoa, de quan-do em quando, misteriosa msica, insinuando-se em nossos ouvidos, em nossos coraes, em nossos nervos.

    Justamente nessa ocasio ouviu-se do alto, como se vies-sem de um mundo superior, acordes musicais suaves, pro-longados, que enfraqueceram pouco a pouco at extinguir-se. Simultaneamente, Joo, o fiel criado de quarto, saa da cmara do moribundo, tomado de viva emoo, e pergunta-va com ansiedade:

    Ouviu, senhora? Desta vez a msica vinha do jardim e ressoava at altura da janela.

    No replicou a condessa , ela vinha do salo ao lado.

    Abriram as vidraas e olharam para o jardim. Uma brisa leve e silenciosa soprava atravs dos ramos nus das rvores; ouvia-se ao longe o rudo de um carro que passava na estra-da; nada, porm, se descobria que pudesse revelar a origem da msica misteriosa. Entraram, ento, as duas amigas, no

  • salo donde supunham provir a msica; mas a tambm na-da encontraram de anormal.

    Enquanto estavam ainda ocupadas em suas pesquisas, fez-se sentir uma srie de acordes maravilhosos; desta vez pareciam vir do gabinete.

    A condessa, entrando no salo, disse:

    Creio no me enganar: um quarteto tocado a distncia e de que nos chegam fragmentos de vez em quando.

    Mas Frau von Goethe observou, por seu turno:

    Parece-me, ao contrrio, ouvir o som prximo e claro de um piano. Disso me convenci esta manh, a ponto de mandar o criado casa dos vizinhos, pedindo-lhes que no tocassem piano, em respeito ao agonizante; todos, porm, responderam do mesmo modo: que bem sabiam qual o es-tado do poeta e que, muito consternados, no pensariam em perturbar-lhe a agonia, tocando piano.

    De repente, a msica misteriosa ressoou ainda, delicada e doce; desta vez, dir-se-ia nascer do prprio aposento; so-mente, para um parecia ser o som de um rgo, para outro um canto coral e para o terceiro, enfim, as notas de um pia-no.