Ernst Cassirer

9
Ernst Cassirer Em Antropologia Filosófica. “O historiador precisa aprender a ler e interpretar seus documentos e monumentos, não só como restos mortos do passado, mas também como suas mensagens vivas, que se dirigem a nós em sua própria linguagem. O conteúdo simbólico destas mensagens, entretanto, não é imediatamente observável. Cabe ao lingüista, ao filólogo e ao historiador faze-la falar e fazer- nos compreender essa linguagem. A distinção fundamental entre as obras do historiador e do geólogo ou paleontólogo não consiste na estrutura lógica do pensamento histórico, mas nessa tarefa especial, nessa missão específica. Se o historiador não conseguir decifrar a linguagem simbólica de seus monumentos, a história continuará sendo para ele um livro fechado”. “A compreensão da vida humana é o tema geral e o objetivo final do conhecimento histórico”. “Para possuir o mundo da cultura precisamos reconquistá-lo incessantemente pela recordação histórica, que não significa

description

the great philosopher

Transcript of Ernst Cassirer

Ernst CassirerEmAntropologia Filosfica.

O historiador precisa aprender a ler e interpretar seus documentos e monumentos, no s como restos mortos do passado, mas tambm como suas mensagens vivas, que se dirigem a ns em sua prpria linguagem.

O contedo simblico destas mensagens, entretanto, no imediatamente observvel.

Cabe ao lingista, ao fillogo e ao historiador faze-la falar e fazer-nos compreender essa linguagem.

A distino fundamental entre as obras do historiador e do gelogo ou paleontlogo no consiste na estrutura lgica do pensamento histrico, mas nessa tarefa especial, nessa misso especfica.

Se o historiador no conseguir decifrar a linguagem simblica de seus monumentos, a histria continuar sendo para ele um livro fechado.

A compreenso da vida humana o tema geral e o objetivo final do conhecimento histrico.

Para possuir o mundo da cultura precisamos reconquist-lo incessantemente pela recordao histrica, que no significa simplesmente o ato da reproduo.

uma nova sntese intelectual um ato construtivo.

A histria uma histria de paixes; mas se tentar ser apaixonada, deixar de ser histria.

CASSIRER, Ernst. Antropologia Filosfica. Traduo de Vicente Felix de Queiroz. So Paulo: Editora Mestre Jou, 1972.Ernst CassirerEmAntropologia Filosfica.

Existem coisas que, pela sua sutileza e infinita variedade, desafiam todas as tentativas de anlise lgica.

E se h alguma coisa no mundo que precisamos tratar desta segunda maneira, o esprito do homem.

O que caracteriza o homem a riqueza e a sutileza, a variedade e a versatilidade de sua natureza.

Nem a lgica ou a metafsica tradicionais esto em melhor posio para compreender e resolver o enigma do homem.

Sua primeira e suprema lei o princpio de contradio.

O pensamento racional, o pensamento lgico e metafsico, s pode compreender os objetos que esto livres da contradio e possuem uma natureza e verdade coerentes.

Entretanto, precisamente esta homogeneidade que nunca encontramos no homem.

No h outro caminho para se conhecer o homem a no ser o de compreender-lhe a vida e seu procedimento.

Mas o que encontramos aqui desafia toda tentativa de incluso numa frmula nica e simples.

A contradio o prprio elemento da existncia humana.

O homem no tem natureza no simples e homogneo.

uma estranha mistura de ser e no-ser.

Seu lugar fica entre estes dois plos opostos.

CASSIRER, Ernst. Antropologia Filosfica. Traduo de Vicente Felix de Queiroz. So Paulo: Editora Mestre Jou, 1972.Ernst CassirerEmA Filosofia das formas simblicas: segunda parte O pensamento mtico.

Em quase todos os domnios do esprito objetivo se pode apontar essa fuso, essa unidade concreta que ele originalmente forma com o esprito mtico.

As criaes da arte, assim como as do conhecimento, os contedos da moralidade, do direito, da linguagem, da tcnica todos remetem aqui mesma relao fundamental.

A questo sobre a origem da linguagem est indissoluvelmente entrelaada da origem do mito as duas s podem ser formuladas se unidas e em relao recproca uma com a outra.

O problema dos primrdios da arte, dos primrdios da escrita, dos primrdios do direito e da cincia nos reenvia, na mesma proporo, a uma etapa em que todos ainda repousam na unidade imediata e indiferenciada da conscincia mtica.

Os conceitos tericos fundamentais do conhecimento, os conceitos de espao, tempo e nmero, ou os conceitos jurdicos e sociais, como por exemplo o conceito de propriedade, assim como tambm as construes da economia, da arte e da tcnica s paulatinamente desprendem-se desse invlucro e confinamento.

Hoje se afirma abertamente que entre mito e histria no se pode fazer nenhuma clara separao lgica e que, ao contrrio, toda compreenso histrica est impregnada de elementos genuinamente mticos, e est necessariamente ligada a eles.

CASSIRER, Ernst. A Filosofia das formas simblicas: segunda parte O pensamento mtico. Traduo: Cludia Cavalcanti. Reviso tcnica e da traduo Moacyr Ayres Novaes Filho. So Paulo: Martins Fontes, 2004.Ernst CassirerEmLinguagem e Mito.

Deve haver alguma funo determinada, essencialmente imutvel, que confere a Palavra este carter distintivamente religioso, elevando-a, desde o comeo, esfera religiosa, esfera do sagrado.

Nos relatos da Criao de quase todas as grandes religies culturais, a Palavra aparece sempre unida ao mais alto Deus criador, quer diretamente como o fundamento primrio de onde ele prprio, assim como toda existncia e toda ordem de existncia provm.

A partir desta crena no poder fsico-mgico encerrado na palavra, a evoluo espiritual da humanidade teve que percorrer longo caminho, at chegar conscincia de seu poder espiritual.

De fato, a palavra, a linguagem, que realmente desvenda ao homem aquele mundo que est mais prximo dele que o prprio ser fsico dos objetos e que afeta mais diretamente sua felicidade ou sua desgraa.

Somente ela torna possvel a permanncia e vida do homem na comunidade; e nela, na sociedade, na relao com um tu, tambm assume forma determinada o seu prprio eu, sua subjetividade.

CASSIRER, E. Linguagem e Mito. Traduo: J. Guinsburg e Miriam Schnaiderman. So Paulo: Editora Perspectiva, 1972.Ernst CassirerEmEnsaio sobre o homem.

A despeito de todos os esforos do irracionalismo moderno, essa definio do homem como um animal rationale no perdeu sua fora.A racionalidade de fato um trao inerente a todas as atividades humanas.A prpria mitologia no uma massa grosseira de supersties ou iluses crassas.No meramente catica, pois possui uma forma sistemtica ou conceitual.Mas por outro lado, seria impossvel caracterizar a estrutura do mito como racional.A linguagem foi com freqncia identificada razo, ou a prpria fonte da razo.Mas fcil perceber que essa definio no consegue cobrir todo campo, uma pars pro toto; oferece-nos uma parte pelo todo.Isso porque, lado a lado com a linguagem conceitual, existe uma linguagem emocional; lado a lado com a linguagem cientfica ou lgica, existe uma linguagem da imaginao potica.Primeiramente, a linguagem no exprime pensamentos ou idias, mas sentimentos e afetos.E at mesmo uma religio nos limites da razo pura, tal como concebida e elaborada por Kant, no passa de mera abstrao.Transmite apenas a forma ideal, a sombra, do que uma vida religiosa genuna e concreta.Os grandes pensadores que definiram o homem como animal rationale no eram empiristas, nem pretenderam jamais dar uma explicao emprica da natureza humana.Com essa definio, estavam antes expressando um imperativo moral fundamental.A razo um termo muito inadequado com o qual compreender as formas da vida cultural do homem em toda a sua riqueza e variedade.Mas todas essas formas so formas simblicas.Logo em vez de definir o homem como animal rationale, deveramos defini-lo como animal symbolicum.Ao faz-lo podemos designar sua diferena especfica, e entender o novo caminho aberto para o homem o caminho para a civilizao.

CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o homem: introduo a uma filosofia da cultura humana. Traduo de Toms Rosa Bueno. So Paulo: Martins Fontes, 2005.Ernst CassirerEmA Filosofia das formas simblicas: segunda parte O pensamento mtico.

Enquanto o pensamento (que pesquisa e pergunta, que duvida e pe prova) se relaciona com aquilo que vem ao seu encontro como seu objeto com a exigncia de objetividade e necessidade, enquanto se pe diante dele com suas prprias normas, a conscincia mtica, por sua vez, no conhece uma tal forma de confrontao.

Ela tem o objeto somente porque dominada por ele; ela no o possui porque o constri progressivamente para si, mas simplesmente tomada por ele.

Aqui no domina a vontade de compreender o objeto, no sentido em que ele intelectualmente circunscrito e ordenado a um complexo de causas e efeitos; aqui, h apenas a modesta comoo por ele.

Mas justamente essa intensidade, esse vigor imediato com o qual o objeto mtico existe para a conscincia, retira-a da mera sucesso daquilo que sempre tem a mesma forma e retorna do mesmo modo.

Em vez de estar preso ao esquematismo de uma regra, de uma lei necessria, todo objeto que apreende e preenche a conscincia mtica aparece como algo que pertence a si mesmo, como algo incomparvel e prprio.

Ele vive, por assim dizer, numa atmosfera individual; algo excepcional, que s pode ser apreendido nesta sua singularidade, em seu aqui e agora imediato.

CASSIRER, Ernst. A Filosofia das formas simblicas: segunda parte O pensamento mtico. Traduo: Cludia Cavalcanti. Reviso tcnica e da traduo Moacyr Ayres Novaes Filho. So Paulo: Martins Fontes, 2004