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EROSÃO ACELERADA E SUAS INTERFERÊNCIAS NA QUALIDADE DE VIDA: O EXEMPLO DA ALTA BACIA DO RIO DAS ANTAS NA ÁREA URBANA DE ANÁPOLIS (GO) 1 Andrelisa Santos de Jesus Mestre em Geografia - Programa de Pós-graduação em Geografia IESA/UFG Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geotecnia - UnB [email protected] Luciana Maria Lopes Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em Geografia - IESA/UFG [email protected] José Camapum de Carvalho Professor Associado do Programa de Pós-Graduação em Geotecnia - UnB [email protected] RESUMO: A ocorrência de processos erosivos em meio urbano resulta em inúmeros prejuízos pois implica na destruição de edificações, equipamentos e infraestrutura que dão suporte à cidade. Tais prejuízos podem ser debitados no setor econômico. Todavia, numa análise mais detalhada, é possível verificar que esses prejuízos afetam profundamente os setores social e ambiental influindo diretamente nos parâmetros relacionados à qualidade de vida do citadino. Quando uma erosão danifica uma rua não esta causando apenas um prejuízo econômico por ter destruído certa estrutura que custou determinado preço. O prejuízo vai muito além pois sua recuperação vai despender recursos que poderiam ser investidos em outro setor da sociedade. É importante salientar que, no caso da situação mencionada, existem ainda problemas de trafegabilidade ou de transtornos ao deslocamento. Então, como mensurar o prejuízo que um morador teve por não receber o auxílio médico de uma ambulância porque a rua onde mora não oferece condições de trânsito? Como mensurar o prejuízo de uma pessoa que, ao transitar numa rua sofre uma queda na incisão erosiva e se fere? Certamente esses prejuízos não podem ser calculados pois relacionam-se a um parâmetro que não tem preço, a dignidade do cidadão. Situações como estas são comuns nas áreas urbanas afetadas por erosões e processos relacionados, tais como assoreamento, alagamentos e inundações. Pesquisa realizada na alta bacia do rio das Antas em Anápolis (GO) revelou situações como as acima citadas. O objetivo inicial do trabalho era a da abordagem fenomenológica das diversas erosões que atingem a área. Entretanto, a abordagem espontânea dos moradores a fim de denunciar os problemas sofridos por causa das erosões suscitaram a necessidade de cuidadoso exame a respeito do assunto. O presente trabalho visa discutir as interferências da erosão acelerada e os riscos associados na qualidade de vida da população. PALAVRAS-CHAVE: Erosão, risco, qualidade de vida. 1 Os resultados apresentados neste artigo são baseados na Dissertação de Mestrado produzida pela primeira autora e defendida em abril de 2007.

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EROSÃO ACELERADA E SUAS INTERFERÊNCIAS NA QUALIDADE DE VIDA:

O EXEMPLO DA ALTA BACIA DO RIO DAS ANTAS NA ÁREA URBANA DE ANÁPOLIS

(GO)1

Andrelisa Santos de Jesus

Mestre em Geografia - Programa de Pós-graduação em Geografia IESA/UFG Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geotecnia - UnB

[email protected]

Luciana Maria Lopes Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em Geografia - IESA/UFG

[email protected]

José Camapum de Carvalho Professor Associado do Programa de Pós-Graduação em Geotecnia - UnB

[email protected]

RESUMO: A ocorrência de processos erosivos em meio urbano resulta em inúmeros prejuízos pois

implica na destruição de edificações, equipamentos e infraestrutura que dão suporte à cidade. Tais

prejuízos podem ser debitados no setor econômico. Todavia, numa análise mais detalhada, é possível

verificar que esses prejuízos afetam profundamente os setores social e ambiental influindo diretamente

nos parâmetros relacionados à qualidade de vida do citadino. Quando uma erosão danifica uma rua não

esta causando apenas um prejuízo econômico por ter destruído certa estrutura que custou determinado

preço. O prejuízo vai muito além pois sua recuperação vai despender recursos que poderiam ser

investidos em outro setor da sociedade. É importante salientar que, no caso da situação mencionada,

existem ainda problemas de trafegabilidade ou de transtornos ao deslocamento. Então, como mensurar

o prejuízo que um morador teve por não receber o auxílio médico de uma ambulância porque a rua

onde mora não oferece condições de trânsito? Como mensurar o prejuízo de uma pessoa que, ao

transitar numa rua sofre uma queda na incisão erosiva e se fere? Certamente esses prejuízos não podem

ser calculados pois relacionam-se a um parâmetro que não tem preço, a dignidade do cidadão.

Situações como estas são comuns nas áreas urbanas afetadas por erosões e processos relacionados, tais

como assoreamento, alagamentos e inundações. Pesquisa realizada na alta bacia do rio das Antas em

Anápolis (GO) revelou situações como as acima citadas. O objetivo inicial do trabalho era a da

abordagem fenomenológica das diversas erosões que atingem a área. Entretanto, a abordagem

espontânea dos moradores a fim de denunciar os problemas sofridos por causa das erosões suscitaram

a necessidade de cuidadoso exame a respeito do assunto. O presente trabalho visa discutir as

interferências da erosão acelerada e os riscos associados na qualidade de vida da população.

PALAVRAS-CHAVE: Erosão, risco, qualidade de vida.

1 Os resultados apresentados neste artigo são baseados na Dissertação de Mestrado produzida pela primeira autora e defendida em abril de 2007.

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ABSTRACT: The occurrence of erosion processes in urban areas results in many losses, it implies the

destruction of buildings, equipment and infrastructure that support the city. Such losses can be charged

in the economic sector, however, a more detailed analysis is possible to verify that these losses deeply

affect the social and environmental sectors, influencing directly the parameters related to quality of life

of the city. When the erosion damage a street, it is not only causing economic injury to have destroyed

a structure that cost a price. The damage goes much further, because their recovery is going to spend

resources that could be invested in another sector of society. It is important to note that in the case of

the mentioned, there are still problems of traffic causing inconvenience to the movement. So how to

measure the damage that one resident was not receiving the medical aid of an ambulance because the

street where you live is not able to transit? How to measure the loss of a person who, when carried in a

street of this type, suffers a decrease in erosive incision and that hurts? Of these losses can not be

calculated because it is related to a parameter that has no price, the dignity of the citizen. These

situations are common in urban areas affected by erosion and related processes, such as siltation,

flooding and flooding. A survey conducted in the high basin of the river Antas in Anápolis (GO)

revealed several situations similar to these. The initial objective of the work in this basin was

phenomenological approach of the various erosions reaching the area, however, the intense

spontaneous approach of the residents to denounce the problems suffered because of erosion caused

the need for a scientific approach more careful about that . Therefore, this paper will discuss the

interference of accelerated erosion and risks on quality of life.

KEYWORDS: Erosion, risks, quality of life.

INTRODUÇÃO

A alta bacia do rio das Antas em Anápolis (GO) é intensamente afetada por processos

erosivos dos tipos sulcos, ravinas e voçorocas além de sofrer com a ocorrência de alagamentos e

inundações. Essa bacia de aproximadamente 17 km2 localizada na porção sudoeste da cidade de

Anápolis (Figura1) integra área urbana em expansão. Nela a ocorrência de tais processos interfere

diretamente no cotidiano da população uma vez que a erosão e os processos a ela relacionados

configuram uma situação de risco ambiental aos habitantes da bacia. Esse estudo ora apresentado foi

objeto de uma dissertação de mestrado defendida em abril de 2007 por Jesus (2007).

Figura 1: Localização da área de estudo

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O risco ambiental, sob o ponto de vista geotécnico, pode ser abordado como a possibilidade

de ocorrência de um processo que gere prejuízos socioeconômicos (CERRI e AMARAL 1998). Castro

et al. (2005) apontam a questão do risco ambiental como uma temática relevante, também, para as

abordagens geográficas, podendo se destacar os seguintes aspectos: Quais as escalas de ocorrência e

concentração espacial desses processos? Qual a relação entre escalas de risco/escalas de perdas? Como

a situação de risco influencia a organização espacial?

O presente trabalho considera estes aspectos propondo uma discussão das implicações das

erosões sobre a qualidade de vida da população da bacia estudada. Ao utilizar a categoria qualidade de

vida cria-se a necessidade de se apoiar em um conceito claro. Entretanto, esta tarefa é extremamente

difícil pois tal termo é bastante utilizado pelas mais diversas áreas, tais como: na saúde, onde se

destacam parâmetros de satisfação e conforto dos pacientes mediante determinados tratamentos

médicos. No mercado imobiliário, para agregar valor a imóveis de alto padrão construtivo. Já na área

empresarial a qualidade de vida é estrategicamente avaliada para criar condições de motivação aos

funcionários e, logo, obter maior produtividade. Percebe-se assim, que embora as diferentes áreas do

conhecimento busquem valorar aspectos indicadores, particulares, da qualidade de vida, todos eles se

relacionam a busca da satisfação humana em seus anseios, voltados para o bem estar, e é assim que se

deve entender a busca e satisfação da qualidade de vida.

Esse artigo leva em consideração as abordagens conceituais sobre qualidade de vida

colocados em destaque por Santos e Martins (2002), Braga (2002), GUEDES PINTO (1995), Barbosa

(1995), Fortunato e Ruscheinsky (2003), Ferrão (2004), Leal (1995), Machado (2004), Murta (2006).

A maioria destes trabalhos está vinculada à área da geografia urbana ou à abordagem ambiental vindo

ao encontro das aspirações deste trabalho com temática central voltada aos impactos ambientais

urbanos.

É um consenso entre esses autores que a qualidade de vida é determinada por complexas

condições onde interagem o nível individual e coletivo, aspectos objetivos e subjetivos, elementos

sócio-culturais e econômicos. Aqui a erosão será considerada como um fator embutido nos elementos

socioeconômicos uma vez que sua gênese, em áreas urbanas, pode ter causas sociais e,

necessariamente, possui conseqüências sociais e econômicas que influem diretamente na qualidade de

vida das pessoas.

MÉTODOS E PROCEDIMENTOS TÉCNICOS

A primeira etapa do trabalho foi o inventário dos impactos ambientais que atingem a alta

bacia do rio das Antas. Na segunda etapa foram escolhidos os indicadores de qualidade de vida

pertinentes à realidade da bacia. A escolha dos indicadores subsidiou a elaboração de um roteiro de

entrevistas realizadas em campo com os moradores.

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O inventário dos impactos foi feito de acordo com as seguintes etapas: interpretação da

imagem Ikonos II (2001); consulta nos arquivos do Corpo de Bombeiros para averiguar registros de

atendimento a alagamentos, inundações e quedas de pessoas ou animais em erosões; realização de

inúmeros trabalhos de campo nos quais foram percorridas todas as ruas da bacia estudada. Os impactos

foram cadastrados, em campo, segundo sua localização e dimensões e espacializados numa carta de

documentação. Essa espacialização foi feita a partir da criação de um banco de dados no Software

Excel. Tal banco de dados foi salvo na extensão DBF4 (arquivo de banco de dados) que pode ser

aberto pelo Software ArcMap 9.2, onde cada tipologia de impacto formou um shape. Após a plotagem

dos pontos no ArcMap 9.2 o documento foi salvo em extensão EMF e importado no SoftWare

CorelDraw 11, onde foi feita a finalização gráfica.

Posteriormente dedicou-se à delimitação de indicadores de qualidade de vida. A escolha

foi feita com base na bibliografia pertinente na qual a maioria dos autores que trabalham com o tema

recomendam o seguinte: deve-se observar como a população se articula politicamente; como tem

acesso a bens e serviços, num contexto socioambiental mais amplo, onde as condições de moradia,

alimentação, salário, lazer, saneamento, transporte, saúde e relações de vizinhança, entre outros, sejam

levados em consideração. Além disso, Leal (1995) aponta que não se deve utilizar número muito

elevado de indicadores .Desse modo, foram considerados os seguintes fatores para a escolha dos

indicadores de qualidade de vida:

Relevância do indicador segundo as indicações da literatura pertinente;

Adequação dos indicadores aos objetivos do trabalho de forma a demonstrar como as erosões e

alagamentos afetam a qualidade de vida da população;

Disponibilidade e acessibilidade dos indicadores é um fator importante haja vista que a coleta

de dados foi realizada através de entrevistas e, embora a maioria dos moradores tenham se mostrado

solícitos, alguns não puderam ser encontrados em casa em função dos seus trabalhos;

Tempo disponível para execução do trabalho também merece atenção, pois é necessário

mensurar o tempo gasto com a coleta de dados através das entrevistas e também com a tabulação

desses dados.

Diante destas ponderações foram eleitos os seguintes indicadores de qualidade de vida:

aspectos socioeconômicos (situação profissional, escolaridade e rentabilidade), infraestrutura urbana;

riscos e acidentes ligados à erosão e alagamentos; saúde e acesso à informação e lazer; articulação

sócio-política dos moradores e “escolha” do local de moradia.

Optou-se por entrevistar apenas os moradores dos bairros mais afetados por erosões e

alagamentos/inundações destacando-se o bairro Polocentro I, Calixtolândia e Residencial Morumbi.

Foram realizadas vinte entrevistas formais que permitiram uma abordagem de 76 pessoas,

pois em cada entrevista eram colhidos os dados de todos os moradores da casa ou ocupantes do

terreno. As entrevistas foram distribuídas de maneira irregular conforme a acessibilidade aos

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moradores. Além disso aconteceram, na ocasião dos trabalhos de cadastro de erosão, diversas

conversas informais com os moradores da maioria dos bairros que compõem a bacia. Considera-se,

portanto, que esta amostra, do ponto de vista qualitativo, é bastante representativa, pois permitiu que

fosse apreendido o sentimento dos moradores. Também foi feita uma vasta pesquisa nos arquivos do

Corpo de Bombeiros nos quais foram examinados os registros de ocorrências relacionadas a erosões e

alagamentos no período de outubro de 2004 a janeiro de 2007.

Acredita-se que, do ponto de vista qualitativo, a metodologia adotada permitiu que, além

de números e percentuais, fosse apreendido também o que há de mais importante e valoroso, os

sentimentos dos moradores. Pretende-se, neste texto, fazer com que esses sentimentos transcendam o

nível estanque dos questionários (utilizados para obtenção de dados) e se expandam de maneira viva

em cada parágrafo. Desse modo, almeja-se que os subtópicos seguintes, mais do que discutir os

indicadores de qualidade de vida, forneçam condições aos moradores de exercerem sua capacidade de

ação no sentido de reivindicarem condições sociais adequadas às suas necessidades.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Neste item serão apresentados e discutidos os resultados obtidos da utilização dos

procedimentos técnicos anteriormente mencionados. Convém salientar que o objetivo deste trabalho

não é o de discussões fenomenológicas sobre os processos erosivos. Pretende-se demonstrar quão

grande é a dimensão dos riscos relacionados à erosão e como esses riscos interferem na qualidade de

vida da população local influenciando os processos espaciais intrínsecos à bacia. Portanto, os

processos erosivos e outros processos relacionados à dinâmica da erosão serão brevemente descritos

permitindo uma percepção da sua distribuição espacial. Em seguida serão apresentados os dados

pormenorizados dos aspectos referentes à qualidade de vida.

PROCESSOS EROSIVOS

No estudo ora realizado foram identificadas e cadastradas 14 voçorocas, 28 ravinas, 52

pontos afetados por sulcos e 20 pontos afetados pela associação de sulcos e ravinas os quais se

encontram espacializados na carta de impactos ambientais onde foram também plotados pontos de

ocorrência de alagamentos e inundações (Figura 2). A ocorrência isolada de sulcos afeta uma área de

cerca de 69.125,6 m2 enquanto a ocorrência de sulcos associados a ravinas afeta uma área de

aproximadamente 44.434,6 m2 dentro da bacia.

Adotou-se neste trabalho a definição para erosões lineares proposta por Almeida Filho e

Ridente Junior (2001) para os quais sulcos são as incisões que possuem menos de 50 cm de

profundidade, sendo possível desfazê-las com máquinas agrícolas. Se as incisões possuírem acima de

50 cm, e não for possível desfazê-las com máquinas agrícolas, são denominadas ravinas. Já se as

incisões atingirem o lençol freático são denominadas voçorocas.

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Figura 2: Carta de documentação dos impactos ambientais da alta bacia do rio das Antas

Os vários focos erosivos dos tipos sulcos e ravinas ocorrem na intersecção entre ruas

asfaltadas e ruas sem pavimentação asfáltica, pois a água tende a correr paralelamente à via

pavimentada, e ao ser interceptada pela junção da rua não pavimentada, nela prova incisões, pois trata-

se de uma área mais frágil à ação da água. As incisões erosivas do tipo sulcos e ravinas também

ocorrem entre a sarjeta e o meio fio, e entre este e os lotes vazios, principalmente nos bairros onde a

densidade ocupacional é baixa. Embora a erosão seja mais pronunciada em ruas sem pavimentação

também ocorre naquelas pavimentadas, principalmente quando não existe sistema de microdrenagem.

A inexistência, na maioria dos bairros, de rede de esgoto, leva alguns moradores a lançarem

as águas servidas das residências diretamente sobre as ruas o que concorre para o surgimento de

pequenos sulcos. As caixas de empréstimo de material laterítico também são locais bastante afetados

por sulcos e ravinas. A extração da couraça ferruginosa, para pavimentação e aterros, expõe a zona

saprolítica correspondente ao horizonte C, quase sempre favorável à formação de incisões erosivas.

Cabe destacar que a opção por criar nessas áreas bacias de infiltração para evitar a erosão e o fluxo

concentrado de água deve ser avaliado geotecnicamente, pois nos casos em que se situam próximo às

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vertentes, podem gerar erosão interna e provocar o surgimento de erosões remontante a partir da base

da vertente.

O lançamento de águas em locais impróprios e/ou sem dissipadores que diminuam a

energia cinética da água também é responsável por vários focos erosivos na bacia. Geralmente, as

águas coletadas são lançadas ou a meia vertente ou em cabeceiras de drenagem provocando ravinas

profundas e voçorocas. A canalização do deflúvio em ruas longas no sentido da declividade e

desprovidas de sistema de microdrenagem promove a ação dos fluxos d’água concentrados nas

vertentes inferiores remontantemente provocando a formação de grandes voçorocas. As dimensões das

voçorocas analisadas são bastante variadas sendo que a maior possui em torno de 250 m de

comprimento e 20 m de profundidade na cabeceira.

No que se refere às medidas de contenção das incisões erosivas até abril de 2007 nada foi

observado além do aterramento feito, com entulho e lixo, tanto pela prefeitura quanto por moradores

locais. De acordo com informações verbais obtidas de moradores na bacia do rio das Antas, houve um

período em que era constante a descarga de lixo por parte das empresas de coleta de resíduos da

construção civil. Além disso, alguns moradores confessam lançar lixo nas erosões, na tentativa de

contê-la e/ou por não contar com coleta sistemática do lixo. A disposição desse tipo de material nas

incisões erosivas pode ser tanto uma tentativa de conter o avanço de erosões quanto uma alternativa de

se livrar do lixo, ou até mesmo como uma forma de produzir espaço disponível para edificação de

moradias. Esta hipótese não se aplica apenas aos moradores locais mas também ao poder público que

não disponibiliza mecanismos eficazes de regulamentação e fiscalização da deposição dos resíduos de

construção civil, e que não promove a coleta de lixo doméstico de maneira sistemática no local,

conforme denunciam os moradores. Além disso, não são implementadas, pela Administração Pública,

técnicas adequadas de prevenção e mitigação dos impactos.

Recentemente a prefeitura realizou obras de recuperação das maiores voçorocas com o seu

aterramento. Atualmente, voçoroca localizada na cabeceira do rio das Antas está sendo recuperada

pela VALEC (empreiteira responsável pelas obras do Programa de Aceleração do Crescimento- PAC)

pois o local da voçoroca situa-se no prolongamento do eixo da Ferrovia Norte/Sul em implementação.

Ainda com recursos do PAC algumas ruas foram asfaltadas e receberam sistema de drenagem das

águas pluviais eliminando, portanto, algumas incisões erosivas do tipo sulcos e ravinas. Espera-se que

tenham sido avaliadas as conseqüências dos lançamentos dessas águas canalizadas de modo

concentrado.

A contrapartida dos processos erosivos é a ocorrência dos processos de sedimentação. Isto

significa que o material desagregado das erosões tende a ser transportado para a parte mais baixa do

terreno, onde se sedimenta. Quando a sedimentação é acelerada pela ação humana recebe o nome de

assoreamento. O assoreamento é, para Salomão e Iwasa (1995), um dos mais graves impactos

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ambientais resultantes da erosão pois, segundo Silva et al. (2003), provocam alterações físicas e

químicas no canal.

A grande quantidade de sedimentos carreados para o rio das Antas é composta não só por

partículas de solo mas também por fragmentos de lixo e entulho e poluentes químicos. Os processos

erosivos generalizados por toda a alta bacia geram sedimentos suficientes para assorear o rio e um lago

localizado à jusante da bacia no parque Onofre Quinan que é o único parque da bacia estudada e um

dos três da cidade de Anápolis. Em geral os sedimentos que colmatam os canais são colonizados,

principalmente, por typha subulata popularmente conhecida como taboa.

O assoreamento eleva o talvegue diminuindo a capacidade de vazão do curso d’água

também afetado pelo incremento do escoamento superficial resultante da impermeabilização de vastas

superfícies urbanas. O rápido e volumoso escoamento das águas pluviais direto para os canais de

drenagem gera inundações, ou seja, o extravasamento das águas de um curso d’agua para áreas

marginais (Infanti Junior e Fornasari Filho, 1998). As inundações podem ainda ser potencializadas

pelo estrangulamento de seções do rio por aterros, pilares, pontes, estradas e bueiros subdimensionados

ou obstruídos por detritos e sedimentos.

A baixa capacidade de infiltração das áreas urbanas, somada à inexistência ou ineficiência

dos sistemas de microdrenagem, além de incrementar as vazões de pico dos canais também acabam

por provocar o acúmulo das águas pluviais sobre a superfícies originando os chamados alagamentos.

Na alta bacia do rio das Antas foi registrada a ocorrência tanto de alagamentos como de

inundações. Em trabalho de campo foi possível detectar 7 pontos de alagamento, 2 pontos de

inundação e 2 pontos com ocorrência simultânea de inundação e alagamentos (Figura 2). No período

chuvoso o corpo de bombeiros de Anápolis faz vários atendimentos relacionados a problemas de

alagamentos e inundações destacando-se um número significativo de ocorrências na alta bacia do rio

das Antas. Essas ocorrências estão associadas a vários acidentes que vão desde o arraste de pessoas

pela força da água até a danificação de pontes e bueiros.

QUALIDADE DE VIDA

Ferrão (2004) realizou um estudo sobre sustentabilidade e qualidade de vida em

municípios de Portugal onde fez um amplo resgaste teórico sobre o conceito de qualidade de vida

alertando para o fato desse ser discutido de maneira muito vaga. Segundo o autor, a construção de um

conceito mais abrangente sobre qualidade de vida começa em meados dos anos 60 quando as lacunas

do discurso econômico (welfare econômico) começam a ficar evidentes. Desse modo surgem, neste

período, três grandes eixos teóricos que defendem, respectivamente, que o conceito de qualidade de

vida deve englobar a subjetividade, abordando características tais como felicidade e satisfação;

aspectos sociais, como as desigualdades e diversidades culturais e, por fim, a necessidade de englobar

questões ecológicas.

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Essas teorias permitiram que a qualidade de vida fosse abordada de maneira mais ampla e

abriram caminho para um aperfeiçoamento teórico que possibilitou o surgimento das seguintes linhas

teóricas: necessidades básicas, capacidade de ação e bem estar subjetivo, as quais serão discutidas

segundo as proposições de Ferrão (2004).

O Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro (CIDE), apoiado na proposta

formulada por Maslow em 1954, desenvolveu uma metodologia que permite avaliar a qualidade de

vida levando em consideração indicadores associados a cada uma das linhas teóricas que compõem a

tríade discutida anteriormente. Nessa metodologia os indicadores são enquadrados numa pirâmide

hierárquica onde as necessidades básicas são a base seguida por oportunidades de ascensão social

(capacidade de ação), o topo referindo-se à auto-satisfação e auto-desenvolvimento (bem estar

subjetivo). Se a base desta pirâmide for deficiente conseqüentemente os demais níveis que a

sobrepõem e serão formados herdando as deficiências de sua base sustentadora.

Segundo GUEDES PINTO (1995, p23), a qualidade de vida é muito mais que um estado, é

um processo que só pode ser abordado mediante a interdisciplinaridade e a convergência de

perspectivas teóricas, “[...] que buscam superar seus limites, romper suas fronteiras, estabelecer o

diálogo entre o natural, o social, o cultural e obviamente, entre todos estes, o político”.

Diante da complexidade e subjetividade do processo que envolve a qualidade de vida

destacam-se os desafios de mensurar, avaliar e produzir índices a esse respeito. Embora existam

metodologias variadas para essa finalidade alguns, como Leal (1995), preferem não quantificar nem

atribuir valores numéricos aos indicadores mas sim considerá-los no seu conjunto a fim de

estabelecer não uma mensuração, mas uma discussão ampla que dê voz à comunidade envolvida.

Tanto no nível da mensuração como no da discussão cabe salientar, como destaca Murta (2006), a

necessidade de indicadores que façam face à objetivos bem determinados, passíveis de aproximar a

realidade e os contextos valorativos dos grupos sociais envolvidos. (FORTUNATO e

RUSCHEINSKY, 2003; BARBOSA, 1995; SANTOS e MARTINS, 2002).

INDICADORES DE QUALIDADE DE VIDA: A EROSÃO COMO UM FATOR AGRAVANTE

Diante do exposto anteriormente destaca-se que não é pretensão deste trabalho mensurar

ou produzir índices de qualidade de vida, mas sim discutir os vários indicadores associados a este

conceito a fim de desvelar as condições de qualidade de vida da população da alta bacia do rio das

Antas, e como essas condições são alteradas face aos riscos impostos pela dinâmica das erosões e

alagamentos e inundações. Parte-se aqui, do princípio de que a precariedade ou inexistência de

determinados indicadores pode proporcionar condições para o desenvolvimento de erosões e

alagamentos e inundações. Estes, por sua vez, podem implicar na deterioração de outros indicadores

como trafegabilidade, risco das pessoas caírem em alguma incisão erosiva ou serem arrastadas pela

força da água, em eventos de alagamento e inundações, dentre outros problemas.

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Aspectos socioeconômicos

A escolaridade é um elemento importante para a discussão da qualidade de vida pois o

estudo formal permite que a pessoa ultrapasse sua vivência comunitária e conheça um mundo mais

amplo, adquirindo uma visão mais abrangente e crítica da sociedade em que vive. A bacia conta com

uma ampla rede de escolas públicas, tanto municipais como estaduais, as quais oferecem variados tipos

e níveis de ensino como demonstra a Figura 3.

Quantidade de Escolas

Tipo de Escola Tipo de Ensino

1 Escola Estadual Ensino especial 3 Escola Estadual Ensino fundamenta 1ª e 2ª fases 3 Escola Estadual Ensino médio e fundamental 2ª fase 3 Escola Estadual Ensino médio e fundamental 1ª e 2ª fases 2 Escola Municipal Educação Infantil 3 Escola Municipal Ensino fundamental 1ª fase 3 Escola Municipal Ensino Fundamental 1ª e 2ª fases 6 Municipal e Estadual EJA (Educação de Jovens e Adutos)

Fonte: Plano Diretor de Anápolis (2006) Figura 3: Rede de escolas da alta bacia do rio das Antas.

Mesmo com a existência de muitas escolas, a escolaridade dos moradores entrevistados é

baixa. Entre os moradores entrevistados que se encontram em idade escolar 14% são analfabetos e 35

% pararam de estudar antes de terminar o ensino básico sendo este concluído por somente 10 % dos

moradores. Apenas 1% dos moradores estão cursando faculdade mediante bolsa em instituição

particular. Esse dado nos remete ao item da rentabilidade, tratado logo adiante.

Uma explicação para tantos moradores com ensino básico inconcluso deve-se ao fato das

escolas com ensino noturno ficarem distantes de bairros como o Polocentro (onde foi feita a maioria

das entrevistas), desestimulando os jovens a continuarem estudando. Já o índice de analfabetismo está

ligado às pessoas mais velhas que, quando jovens, não desfrutaram da universalização do ensino

básico tão em voga na atualidade e agora já não tem mais ânimo nem condições para iniciar os

estudos, ainda mais que as escolas são relativamente longe.

O emprego é a possibilidade do indivíduo obter um salário que lhe permita ter acesso a

vários serviços e bens que lhe garantam o mínimo de dignidade. Logo, a situação profissional é um

indicador extremamente importante de qualidade de vida. A situação profissional dos moradores

entrevistados indica dificuldades de acesso ao emprego formal, pois apenas 16% dos moradores ativos

está trabalhando em empregos formais, sendo que 31% trabalham na informalidade sem carteira

assinada, destacando o elevado índice de desempregados, 24%.

Pode-se fazer algumas inferências entre o nível de escolaridade, abordado anteriormente, e

a precária situação profissional dos entrevistados, pois mais da metade dos moradores possuem baixa

escolaridade, o que implica em mão de obra pouco ou não qualificada, podendo residir aí as

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dificuldades de colocação no mercado formal de empregos. O alto índice de informalidade e

desemprego dos moradores sem dúvida alguma traz implicações para o indicador rentabilidade que

será abordado a seguir.

A rentabilidade é considerada por Leal (1995) como um importante indicador de qualidade

de vida, haja vista que o acesso a bens e serviços na sociedade capitalista depende da capacidade de

seu pagamento. Este indicador foi obtido através de entrevistas com moradores e de dados do Plano

Diretor de Anápolis (2006). Embora apenas 60% dos moradores entrevistados tenham informado a

renda domiciliar, é possível constatar que nos bairros Polocentro e Calixtolândia ela é bastante baixa,

pois todos os moradores que informaram sua renda vivem com rendimentos inferiores a 3 salários

mínimos.

Essas informações são atestadas pelo Plano Diretor de Anápolis (2006) que aponta o

Polocentro e Paraíso como alguns dos bairros onde existe o maior número de pessoas sem rendimentos

por domicílio. Embora o bairro Polocentro se destaque pela precária rentabilidade das famílias deve-se

mencionar que, de acordo com os dados de renda familiar espacializados em mapa (Plano Diretor de

Anápolis, 2006), a maioria dos bairros da alta bacia do rio das Antas apresentam baixa rentabilidade

pois compõem, juntamente com outros bairros da cidade, uma categoria onde mais de 40% dos

domicílios possuem renda familiar entre 2 e 5 salários mínimos.

Tais condições de precária rentabilidade podem ser, portanto, reflexo da baixa escolaridade

que resulta em subempregos ou desemprego, conforme discutido anteriormente. O baixo desempenho

desses indicadores aponta para uma precária condição sócio-econômica.

Infraestrutura

A abordagem deste indicador será feita considerando alguns componentes indispensáveis

ao meio urbano: iluminação pública, abastecimento de água, rede coletora de esgoto, microdrenagem,

pavimentação e coleta de lixo.

De um modo geral a iluminação pública funciona bem em toda a bacia, mas

especificamente nos bairros amostrados 70% da população a considera de boa qualidade, sendo que

15% a considera regular e 15%, ruim. A maioria dos bairros que compõem a bacia não possui rede

coletora de esgoto, exceto o bairro Paraíso que conta com um atendimento parcial, e os bairros Jardim

Calixto, Jamil Miguel 1ª e 2ª, Nações Unidas, Vila Góis, Vila Nossa Senhora d’Abadia e Jardim

Samambaia. Logo, nenhuma das casas onde foram feitas as entrevistas possui coleta de esgoto. Quanto

à rede de água potável, a grande maioria dos bairros da bacia a possui, com exceção do Residencial

Morumbi e Itatiaia. O Residencial Pedro Ludovico é parcialmente servido por rede pública de água.

Todavia, mesmo em bairros com rede de água existem, pessoas que utilizam poço. Nos bairros onde

foram realizadas as entrevistas 30% das pessoas possuíam água encanada de poço, enquanto as demais

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eram servidas apenas pela rede pública de abastecimento. Cabe destacar, que o uso de poço em áreas

com presença de fossa séptica sempre oferece certo grau de risco à saúde humana.

A grande maioria dos bairros da bacia possuem rede de água, com exceção do Residencial

Morumbi e Itatiaia, que dela são desprovidos. O Residencial Pedro Ludovico é parcialmente servido

por rede pública de água. Todavia, mesmo em bairros com rede de água existem pessoas que utilizam

poço. Nos bairros onde foram realizadas as entrevistas 30% das pessoas possuíam água encanada de

poço enquanto as demais eram servidas pela rede pública. A maioria dos bairros que compõem a bacia

não possui rede coletora de esgoto exceto o bairro Paraíso que conta com um atendimento parcial e os

bairros Jardim Calixto, Jamil Miguel 1ª e 2ª, Nações Unidas, Vila Góis, Vila Nossa Senhora d’Abadia

e Jardim Samambaia. Logo, nenhuma das casas onde foram feitas as entrevistas possui coleta de

esgoto.

Segundo o Plano Diretor de Anápolis (2006), não existem dados, precisos, relativos ao

sistema de drenagem pluvial na cidade. Sabe-se que é um sistema deficiente, subdimensionado e com

ligações clandestinas de esgoto doméstico. Isso se comprova por constantes alagamentos e inundações,

principalmente no centro. De acordo com a Secretaria de Infra-Estrutura é necessário executar

794.762,81 metros de rede de águas pluviais em Anápolis. Na bacia estudada raramente são vistas

bocas de lobos. Os locais onde foram aplicadas as entrevistas são totalmente desprovidos de qualquer

estrutura associada à microdrenagem.

Apenas 61% das ruas da alta bacia do rio das Antas são pavimentadas e alguns bairros

como o Polocentro possuem mais de 80% das ruas sem pavimentação asfáltica. Existem ainda os

bairros com pavimentação asfáltica de péssima qualidade que é facilmente erodida pela ação do

escoamento superficial. Das residências onde foram realizadas as entrevistas apenas 5% possuem

asfalto, porém, de má qualidade.

Os mapas do Plano Diretor apontam para uma coleta de lixo feita regularmente em todos

os bairros da cidade. Todavia, nos bairros amostrados para entrevistas isso nem sempre acontece,

sendo que 60% dos moradores afirmaram não terem seu lixo coletado. Deste percentual, apenas 25%

diz queimar o lixo, o restante depositando nas incisões erosivas. Aliás, cabe ressaltar que as casas que

não possuem coleta de lixo não o tem, provalvavelmente, porque o caminhão não consegue trafegar

nas ruas intensamente afetadas por erosões.

No relatório do Plano Diretor (2006) os moradores dos bairros Polocentro, Calixtópolis e

Paraíso reivindicam pavimentação e esgoto sanitário. Os moradores do bairro Vivian Parque fazem as

mesmas reivindicações acrescidas da necessidade de rede de abastecimento de água.

Durante conversa com moradores estes apontaram a falta de infra-estrutura como causa

principal das erosões e alagamentos. Segundo eles, tais problemas poderiam ser solucionados com

asfaltamento das ruas, canalização das águas superficiais e rede de esgoto. No entanto, nas raras

atitudes que a prefeitura tomou para resolver o problema fez apenas o aterramento das erosões, e o

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que é mais grave, segundo 10% dos entrevistados incentivou o lançamento de resíduo da construção

civil nas incisões erosivas.

Não é possível, no entanto, atribuir todas as mazelas associadas a erosão a precariedade

ou inexistência das obras de infra-estrutura básica, pois grande parte do escoamento superficial

poderia ser evitada se a população promovesse menor impermeabilização dos lotes ocupados. A

prática da impermeabilização das áreas previstas para não ocupação tem, no mínimo, tripla origem:

a cultura, a precariedade ou inexistência de educação ambiental apontando seus malefícios e a falta

de atuação da Administração Pública municipal coibindo tal prática, mesmo que por meio da

educação ambiental informal.

No Brasil há segregação social e conseqüentemente, segregação de infra-estrutura.

Parkinson et al. (2003) apontam que a população de alta renda se concentra nas regiões onde existe

infra-estrutura instalada, enquanto a população de baixa renda habita em comunidades sem infra-

estrutura. Quando se fala em segregação da população de alta renda, de certa forma, está se dizendo da

segregação do saneamento em geral. Isso pode ser observado em várias cidades brasileiras, onde

populações com baixa renda têm pouco acesso a tal serviço. Anápolis pode ser citada como exemplo

dada a realidade estudada nos bairros da alta bacia do rio das Antas.

Pompêo (2000), apoiado nos dados produzidos pelo Instituto Brasileiro de Administração

Municipal, destaca que os serviços de abastecimento de água deixam de fora 12% da população

urbana, a coleta de esgotos cobre apenas 35% desta população, sendo que apenas 8% do esgoto

produzido possui tratamento adequado. Quanto aos resíduos sólidos, a situação é gravíssima: 76% são

acumulados em “lixões” a céu aberto. No que se refere à drenagem e controle de cheias em áreas

urbanas, as ações são emergenciais, esporádicas e, quase sempre, definidas após a ocorrência de

desastres. Cabe destacar, que materiais recicláveis como o vidro, o papel, o plástico e o entulho da

construção civil são riquezas transformadas em problema por falta de planejamento e coleta seletiva.

Saúde

A deficiência nos serviços de saneamento básico desperta preocupação, pois segundo

Davis (2006), doenças relacionadas a saneamento básico em geral (água, esgoto, lixo) representam

75% das moléstias que afligem a humanidade.

O relatório do Plano Diretor de Anápolis (2006) aponta que existe uma má qualidade da

saúde no município. Isso pode ser atribuído à falta de infra-estrutura (esgoto, água, asfalto, transporte

insatisfatório, arborização, lotes baldios) e questões sociais (desemprego, falta de creches, falta de

segurança, falta de lazer). As pessoas expostas à condições de risco, tais como as mencionadas

anteriormente, podem ter sua saúde afetada. Durante as entrevistas houve o relato de duas doenças

instauradas pelas condições ambientais.

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O lixo depositado nas incisões erosivas também contribui com o surgimento de

possíveis problemas de saúde. O lixo exala odores desagradáveis e proporciona condições

favoráveis à proliferação de animais peçonhentos, roedores e insetos, sendo que muitos destes

organismos são vetores responsáveis pela transmissão de doenças ao homem (Figura 4). Além

disso, a decomposição da matéria orgânica e a presença de pilhas e baterias pode contaminar o

lençol freático e as águas superficiais uma vez que as voçorocas estão conectadas ao curso d’agua.

Destaca-se que aterros de lixo e entulho são extremamente instáveis o que é evidenciado por

pequenos sulcos, ravinas, trincas e abatimentos podendo gerar acidentes.

DOENÇAS VETORES MODO DE TRASMIÇÃO Febre tifóide e

diarréias infeciosas Moscas e baratas Transportam nas patas os microorganismos depositando-os em utensílio e alimentos etc.

Peste bubônica Pulgas e ratos Picada do inseto; mordida do roedor ou contato com sua urina.

Tifo murino Pulgas e ratos Picada do inseto; mordida do roedor ou contato com sua urina.

Leptospirose Ratos Contato com a urina dos roedores

Leishmaniose Mosquito do gênero Phlebotomus Picada do mosquito

Febre Amarela e Dengue Aedes aegypti Picada do mosquito

Fonte: Sisinno, 2000. Figura 4: Relação de algumas doenças provocadas por vetores que se proliferam no lixo

Acesso à Informação e Lazer

Ao serem perguntados sobre o tipo de lazer que desfrutam em momentos de folga, os

moradores foram unânimes em apontar a igreja e televisão. Todavia, alguns elegeram só um destes

itens. Entretanto, a maioria dos moradores foi clara em dizer que esta não era uma mera preferência

mas sim a única opção que lhes restava. Em Anápolis existem poucas opções públicas de lazer e a

maioria dos moradores entrevistados não tem condições para pagar outras formas de diversão. Para

alguns, mesmo que o local seja gratuito, o gasto com transporte e as longas distâncias, tanto até o

ponto de ônibus, como até o destino, os fazem terem na TV e na igreja as únicas fontes de distração e

lazer.

De acordo com o Plano Diretor de Anápolis os equipamentos públicos, esportivos e de

lazer da cidade, como um todo, carecem de reformas e manutenção. Além disso, é importante destacar

a necessidade de criar novos espaços com a finalidade de proporcionar lazer à população pois em toda

a bacia só existem três locais públicos de lazer que são: um ginásio de esportes (Carlos de Pina), o

Kartódromo e o Parque Onofre Quinan.

O Kartódromo só pode ser utilizado em dias de eventos esportivos e estes não acontecem

com freqüência, o mesmo ocorrendo com o ginásio. Já o Parque Onofre Quinan está com suas

condições paisagísticas bastante deterioradas pelo assoreamento causado pelos sedimentos

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provenientes das erosões estudadas e que já comprometeu um lago. Também está sendo depositado

entulho dentro do parque, mais especificamente dentro do lago e ainda suas cercas estão danificas

prejudicando a segurança do local.

Enquanto os poucos locais de lazer da população estão sendo destruídos resta às crianças

brincarem dentro das incisões erosivas correndo risco de contaminação com lixo e de incidentes com

animais peçonhentos ou vetores de doença, além de sujeitarem-se a acidentes relacionados a

movimentos de massa nos taludes das incisões. Esse tipo de recreação pode ser constatado algumas

vezes durante as visitas de campo quando também se flagrou pessoas pescando em diversos locais do

rio das Antas, em meio à paisagem totalmente impactada, principalmente por grandes quantidades de

lixo.

No relatório do Plano Diretor de Anápolis (2006) são apontadas as reivindicações dos

moradores. A população do bairro Polocentro e Residencial Pedro Ludovico reivindica áreas de lazer e

quadras de esportes. Já os moradores do bairro Calixtópolis demonstram seu anseio por praças

enquanto os moradores do bairro Paraíso e Vivian Parque reivindicam quadras esportivas.

A televisão, além de garantir o lazer dos moradores, junto com o rádio, também cumpre o

papel de informar 90% dos entrevistados. A maioria só sintoniza a Rede Globo obtendo informações

através do jornal local e/ou Jornal Nacional. Isso impede a comparação de notícias e opiniões e

acorrenta o pensamento à informações unilaterais induzindo condições para que ocorra a alienação. No

entanto, no tocante à informação o mais importante inexiste, ou seja, as informações educativas

necessárias a conscientização da população quanto aos problemas ambientais e como evitá-los. Essa

informação constitui um dos pontos mais importantes da educação informal.

Articulação Sócio-Política dos Moradores

Os moradores possuem pouca, para não dizer nenhuma, articulação sócio-política. Ao

serem perguntados se já haviam tomado alguma atitude para resolver os problemas que os prejudicam,

a maioria (55%) nunca o fez. As denúncias em rádio e televisão, e reclamações diretamente na

prefeitura são, na maioria dos casos, individuais e desarticuladas. A atitude de participar de um abaixo

assinado talvez tenha sido a atitude mais articulada sendo que, das pessoas entrevistadas, apenas 10%

dele participaram. Todos os moradores entrevistados demonstraram conhecimento da existência de

uma associação de moradores ao mesmo tempo que manifestaram sua decepção com a pouca

eficiência da instituição sendo que 10% dos entrevistados acorreram à reuniões com o presidente da

Associação de Moradores do Brairro no intuito de tentar resolver problemas locais.

Riscos e Acidentes Associados à Erosões e Alagamentos

Do ponto de vista ambiental risco refere-se à vulnerabilidade de determinada porção do

território (população/equipamentos/organização social e econômica, recursos naturais) com relação a

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probabilidade de ocorrência de processos perigosos que podem produzir acidentes variados, com

prejuízos sócio-ambientais.

Os riscos ambientais podem, segundo Ogura (1995), serem separados de acordo com sua

origem nos seguintes tipos: - os naturais, que se referem à riscos associados, exclusivamente, a

processos naturais do meio físico (atmosfera, hidrologia, biologia e geologia), como tsunamis,

erupções vulcânicas, entre tantos outros; - os riscos relacionados a processos vinculados a erros

construtivos e falhas de artefatos e equipamentos tecnológicos, destacando-se o rompimento de

reservatório de água ou de rejeitos de mineração, emanação de radioatividade de usinas nucleares. Por

fim, existem os riscos sóciopolíticos referente à guerras e colapsos sociais. Ogura (1995) destaca que

os riscos tecnológicos e sóciopolíticos podem ser agrupados numa classe denominada de riscos

antrópicos.

Ogura (1995) aponta que os processos erosivos podem gerar uma situação de risco que,

juntamente com as enchentes, podem provocar grandes perdas econômicas. Quando essa situação de

risco se consuma resultando em prejuízos socioeconômicos é denominado de acidente. Logo, pode-se

afirmar que a erosão acelerada instalada sobre a superfície é, sob vários aspectos, um acidente. A perda

de solo agricultável ou urbanizável implica em grandes prejuízos econômicos. Além disso, o

assoreamento enquanto contrapartida da erosão, causa grandes danos aos corpos d’água o que pode se

refletir no sistema de abastecimento de água potável e, ainda, nas áreas urbanas, sendo os gastos com

dragagem de canais bastante onerosos, além do aumento do risco de alagamentos e inundações. Os

processos erosivos, especialmente em meio urbano, também prejudicam, conforme destacam Almeida

Filho e Ridente Junior (2001), as condições de trafegabilidade das ruas, provocam a desvalorização

imobiliária e, entre outras questões, desenvolvem focos de doenças pois muitas erosões são aterradas

com lixo urbano.

As erosões, principalmente de áreas urbanas, são acidentes que, na maioria dos casos,

geram riscos constantes para a população que habita e circula nas suas imediações. A maior parte dos

impactos descritos tem colocado a população em situação de risco iminente e constante tendo sido

relatados diversos acidentes com graves conseqüências sociais.

A dificuldade em transitar pelas ruas da área pesquisada é intensa e em alguns pontos é

difícil transitar mesmo a pé. Essa condição agride de maneira contundente a dignidade dos moradores

que não conseguem receber, em suas residências, entregas de compras em geral em suas residências.

Alguns moradores denunciaram a descriminação do comércio da cidade que, por causa das condições

de trafegabilidade, se nega a realizar entregas. Uma moradora chegou a afirmar que vendeu o carro

porque a rua de sua casa é muito afetada por erosões e freqüentemente ela não conseguia transitar com

o veículo. Até mesmo o ônibus do transporte coletivo tem dificuldade de completar a linha sendo que

30% dos moradores apontam que o transporte coletivo é bom, quando as erosões não atrapalham o

tráfego.

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Viaturas da polícia e corpo de bombeiros também possuem dificuldade de se locomoverem

no local. Foram identificados em conversas e entrevistas três casos em que o morador precisava da

assistência dos bombeiros, mas estes não conseguiram chegar ao local. Um desses casos refere-se a

uma grávida que deu a luz na porta de sua casa porque os bombeiros tiveram dificuldade de acesso a

ela. Em outra situação, o atendimento a uma criança doente, pela ambulância, só pode ocorrer porque o

pai caminhou com o filho nos braços até um ponto onde a ambulância conseguiu chegar. Também

foram registrados dois casos nos quais os moradores tiveram dificuldades de retirar pessoas falecidas

de dentro de suas casas, pois no lugar onde deveria existir uma calçada havia um grande incisão

erosiva que comprometia boa parte da rua.

Entrevistas e conversas informais com os moradores da área, bem como uma vasta pesquisa

nos arquivos do Corpo de Bombeiros, onde foram examinados os registros de ocorrências no período

de outubro de 2004 a janeiro de 2007, permitiram a realização de um detalhado levantamento que

aponta para vários problemas associados não só à erosão, mas também a alagamentos (Figuras 5 e 6).

ACIDENTES RELATADOS PELOS MORADORES LOCALIZAÇÃO OCORRÊNCIA

Calixtolândia. Av. Contorno Moradora foi buscar a filha no ponto de ônibus em dia de chuva e caiu dentro de uma ravina.

Calixtolândia. Alagamento de casa provocando perda de móveis e eletrodomésticos.

Calixtolândia Criança vindo da escola em dia de chuva foi arrastada pela água.

Calixtolândia Água invadiu casa. Vivian Parque II Av. XI Criança pequena caiu dentro de uma ravina. Vivian Parque II Av. XI Motoqueiro caiu dentro de voçoroca.

Calixtolândia rua contorno Evolução de ravina destruiu fossa e calçada de uma rua.

Calixtolândia rua Contorno A moradora afirma ter visto 3 pessoas, 2 motos e uma bicicleta serem carregados pela água no local.

Figura 5: Acidentes relatados pelos moradores

ACIDENTES REGISTRADOS PELO CORPO DE BOMBEIROS REGISTRO DATA ENDEREÇO OCORRÊNCIA

SP 579/4909 08/10/05 Resid. Pedro Ludovico Rua Ademar Rodrigues

Qd. 18 Lt.30 Retirar cachorro de erosão

SP 714/5575 06/12/05 São Joaquim Rua 06 Qd.10 Lt.03

Assistência à vítima de desmoronamento de terra.

SP 725/5632 11/12/05 Nossa Senhora D’Abadia Rua Americano do Brasil

Retirar do interior de uma poça d’água o veículo FIAT UNO

SP 230/872 07/04/06

Vila Nossa Senhora da Conceição (Parque

Onofre Quinan )Rua Góis Qd C; Lt 9

Resgate de vítima de alagamento ilhada em sua casa.

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SP 550/2874 09/10/06 Nossa Senhora D’Abadia Rua 12 Fundos do Parque

Onofre Quinan

Ao tentar atravessar a ponte onde o nível da água era de 70 cm acima da via o automóvel,Citroen C3, foi parcialmente dominado pela correnteza ficando com a parte dianteira do carro submersa no córrego.

AC 100/3483 15/12/06 São Joaquim Av. Pedro

Ludovico Porto Rico

Regate de viatura da policia técnica científica que havia ficado no meio da avenida por causa de alagamento no local.

Figura 6: Acidentes relatados pelo Corpo de Bombeiros

CONSIDERÇÕES FINAIS

Dos moradores entrevistados, 25% sempre moraram em Anápolis e o restante migrou de

diversos lugares do Brasil. Desses migrantes, 40% vieram juntar-se à família que já estava residindo

em Anápolis. Outros 40% o fizeram na expectativa de conseguir um emprego enquanto os 20%

restantes vieram para realização de tratamentos médicos. Destaca-se que cerca de 47% desses

migrantes exerciam atividades profissionais vinculadas à vida no campo, nas suas cidades de origem.

Setenta e cinco por cento dos moradores entrevistados optaram por residir nos bairros Polocentro e

Calixtolândia por se tratarem de locais onde os preços dos imóveis são baixos viabilizando-se como a

única opção de possuir a casa própria. Os 25% restantes escolheram estes bairros porque a família

neles já residia. Muitos dos moradores que não vieram diretamente residir nestes bairros moraram de

aluguel em outros locais da cidade.

Ao serem perguntados sobre a satisfação em residir no local, 70% se dizem satisfeitos. Esse

elevado grau de satisfação pode, provavelmente, ser atribuído à oportunidade de se ter a casa própria

pois, quando perguntados sobre as vantagens de residir no local, mais de 50% apontam o fator casa

própria e a tranqüilidade (ainda presente nos locais com ocupação rarefeita). Entretanto, um percentual

de 15% manifesta a ausência de vantagens em residir no local, enquanto 80% dos moradores apontam

as erosões, e suas conseqüências, como as maiores desvantagens em lá residir.

Como já discutido, as erosões geram várias condições de risco tendo ocorrido muitos

acidentes de pessoas em incisões erosivas. Logo, mesmo tendo a sensação de satisfação por possuírem

casa própria os moradores, quando perguntados se mudariam do local, caso tivessem condições, mais

de 70% responderam que sim. Uma moradora chegou a afirmar que... “nóis não é tatu pra vive no

buraco...”

Conforme relatos, os moradores gostariam, se pudessem, de se mudarem para outro local os

moradores gostariam, segundo seu relato, de residir em bairros com melhor infra-estrutura e sem

problemas graves de erosão e alagamentos. Alguns chegam a mencionar que desejariam se mudar para

o topo, ou para qualquer lugar plano, ou ainda pra qualquer lugar desde que dotado de infra-estrutura.

Outros poucos moradores apontaram o desejo de se mudar da cidade.

Uma moradora entrevistada no bairro Morumbi diz estar mais satisfeita morando ali,

mesmo com problemas de alagamentos, do que onde morava anteriormente (bairro Polocentro), onde

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convivia diariamente com problemas relacionados às erosões. Nos topos planos da bacia, no eixo da

avenida Pedro Ludovico, a oeste, e da avenida Brasil, a leste, encontram-se principalmente lojas

comerciais, enquanto o padrão das residências diminui conforme se aproxima do vale fluvial. Em

conversa informal com um morador da alta vertente ele afirmou que “... conforme as condições foram

melhorando, nós fomos subindo...”.

Isso evidencia que, além do parcelamento do solo não ter sido implementado considerando

as características do meio físico, também não foi feito com base na demanda social, mas sim na

especulação imobiliária. Sendo assim, a parcela da população com menor poder aquisitivo se vê

obrigada a residir em locais sem infra-estrutura e altamente prejudicados por impactos ambientais a

exemplo das erosões, pois estes são os únicos locais onde conseguem ter acesso à casa própria.

Observa-se, portanto, que a segregação econômica é acompanhada de segregação de

infraestrutura que se materializa na segregação sócio-espacial. A falta de infra-estrutura, além de fazer

com que as áreas dela carentes tenham baixos valores, favorece o aparecimento de erosões que, por sua

vez, tornam-nas ainda mais desvalorizadas. Numa pesquisa feita em algumas imobiliárias da cidade

pôde-se observar grandes discrepâncias de valores de imóveis localizados no topo e na baixa vertente.

Um lote na Av. Brasil (topo plano do interflúvio) custa, segundo dados da prefeitura e de imobiliárias,

cerca de R$81,63 o m2, enquanto um lote na baixa vertente, em área afetada por erosões, custa apenas

aproximadamente 13,15 reais o m2.

Por fim, diante da precariedade de todos os indicadores selecionados observa-se que, de

acordo com Leal (1995), a qualidade de vida é classificada como péssima. A categoria péssima

engloba precárias condições sócio-econômicas, baixa qualidade de infraestrutura e de serviços, alto

risco ambiental, pouco ou nenhum acesso a lazer e informação, desarticulação política e uma nítida

segregação sócio-espacial. Portanto, a qualidade de vida dos moradores dos bairros Polocentro,

Morumbi e Calixtolândia é considerada péssima, estendendo-se à bairros onde não foram realizadas

entrevistas, mas com realidade correspondente à constatada nos bairros anteriormente mencionados

destacando-se o Residencial Itatiaia, o Bairro Jibran El Hadj, Conjunto Habitacional Esperança II e

Vivian Parque I e II. Os demais bairros que compõem a bacia apresentam problemas ambientais mais

localizados. São dotados de melhor infraestrutura e serviços, e alguns poucos, localizados à jusante,

próximos ao centro da cidade, possuem ainda melhor padrão de edificação e maior valorização

imobiliária. Tais bairros não se enquadram na categoria de boa qualidade de vida. Todavia, seria

negligência classificar a qualidade de vida de seus habitantes como péssima, pois não se têm subsídios

para isto.

Quanto à caracterização da qualidade de vida como péssima, é importante salientar que

dois indicadores se destacam para determinar essa condição: trafegabilidade e acesso a informação. A

falta de trafegabilidade impede ou dificulta a efetivação do direito fundamental de ir e vir. Se o

indivíduo não pode se deslocar terá dificuldades em acessar outros elementos importantes para seu

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bem estar e segurança. O acesso à informação abre espaço para educação informal quanto às questões

ambientais, geralmente, resultando na mudança de comportamento da população quanto à

impermeabilização de áreas não edificáveis, lançamento de lixo em locais impróprios, lançamento

clandestino de esgoto sanitário na rede águas pluviais entre outros.

Embora as populações mais pobres sejam as mais afetadas observou-se que os alagamentos

e inundações na bacia, de certa forma, socializam o problema, haja vista que podem atingir pessoas de

classes indistintas que estejam transitando, principalmente de carro, no momento em que esteja

ocorrendo um destes processos. Além disso, os custos com a mitigação dos impactos estudados são

extremamente altos e oneram toda a sociedade no que concerne a outros bens públicos, como escolas,

praças, parques, ginásios esportivos entre tantos outros que poderiam ser construídos com o orçamento

das obras mitigadoras.

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