erros

download erros

of 153

Transcript of erros

MINISTRIO DA EDUCAO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS FACULDADE DE EDUCAO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

UM ESTUDO SOBRE A AQUISIO DA ORTOGRAFIA NAS SRIES INICIAIS

MARISA ROSA GUIMARES

Orientadora: Prof. Dr. Ana Ruth Moresco Miranda

Pelotas 2005

MINISTRIO DA EDUCAO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

Um estudo sobre a aquisio da ortografia nas sries iniciais

Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao, da Universidade Federal de Pelotas, como requisito para obteno do ttulo de Mestre. Orientadora: Prof.Dr.Ana Ruth Moresco Miranda Co-orientadora: Prof. Dr. Magda Floriana Damiani

Dados de catalogao na fonte:( Ayd Andrade de Oliveira CRB-10/490 )

G963e

Guimares, Marisa Carlota Rosa Um estudo sobre ortografia nas sries iniciais / Marisa Carlota Rosa Guimasres. - Pelotas, 2005. 160 f. Dissertao (Mestrado em Educao). Faculdade de Educao. Universidade Federal de Pelotas. Pelotas, 2001. 1. Ortografia. 2. Erros grficos. 3. Erros ortogrficos. 4. Ensino-Aprendizagem. 5. Ortografia. I. Moresco, Ana Ruth Miranda orient. II. Damiani, Magda Floriano, co-orient. III. Ttulo. CDD 372.632

Dedico a Lcio, Tiago e Lauro meus amados e maravilhosos netos os quais, apesar de pequenos e sem o saberem, impulsionaram-me a realizar este trabalho como forma de superar obstculos.

AGRADECIMENTOS

Agradeo especialmente Ana Ruth, por dividir o saber,

pela pacincia e pelo carinho que teve no percurso desse trabalho.

Agradeo, tambm, Magda, pelas indicaes, revises e, pela forma amiga e carinhosa de conduzir as orientaes; aos meus filhos, pela crena e respeito ao meu trabalho e envolvimento; aos colegas do Curso de Mestrado, em especial, Ana Paula, Cludia, Marco, Lgia, Ariadne, Arlete e Lara, pela amizade, entusiasmo, crena e seriedade nos encontros; Sonia Moojen, pelo incentivo inicial, pelo suporte terico e carinho em todos os momentos de necessidade; s bolsistas, Michele e Sabrina, pela disponibilidade, boa vontade em colaborar e pela ateno dispensada s nossas solicitaes; minha amiga-irm Las,

pelo auxlio prestado em todos os momentos da realizao deste trabalho; Universidade Federal de Pelotas em especial Faculdade de Educao por meio da Coordenao e dos professores do Programa de Ps-Graduao, pela oportunidade e facilidade oferecidas para a viabilizao deste trabalho. aos colaboradores que fazem parte do Banco de Dados, assim como s Escolas Bibiano de Almeida e Santa Margarida

RESUMO Este trabalho de pesquisa descreve e analisa dados de aquisio da ortografia a partir do estudo dos textos produzidos, de forma espontnea, por seis crianas de duas escolas da cidade de Pelotas: Escola Municipal Bibiano de Almeida e Colgio Santa Margarida, respectivamente, escolas pblica e particular. As produes escritas analisadas, que integram o Banco de Textos de Aquisio da Escrita (FaE-UFPeL), foram coletadas semi-longitudinalmente desde a primeira at a quarta srie do ensino fundamental e somam um total de quarenta e quatro textos. Alm de fazer referncias s teorias da aprendizagem e da linguagem oral e escrita, o trabalho discute as categorizaes para anlise de erros ortogrficos propostas por autores como Lemle (1982), Moojen (1985), Carraher (1986), Cagliari (1992), Morais (1995), Zorzi (1998) e Tessari (2002), a partir das quais foram propostas duas grandes categorias para anlise e compreenso dos erros cometidos pelas crianas. Os resultados mostraram que a varivel tipo de escola no relevante e que as categorias propostas so suficientes para dar conta tanto dos erros que derivam das relaes que estabelecem entre o conhecimento fontico-fonolgico e o sistema grfico, como daqueles relacionados estrutura do sistema ortogrfico.

Palavras-chaves: aquisio da escrita, erros grficos e erros ortogrficos, ensinoaprendizagem. Fonte: GUIMARES, Marisa Rosa. Um estudo sobre a aquisio da ortografia nas sries iniciais. 2005. Dissertao (Mestrado em Educao) Faculdade de Educao, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.

ABSTRACT

This work describes and analyses data of learning spelling from texts written spontaneously by six children from two schools in Pelotas ( Bibiano de Almeida School, a public school, and Santa Margarida School, a private school). Forty-four written productions were analysed and they are in the list of the texts about learning writing of FaE- UCPeL. They were collected semi-longitudinally from the first school year to the fourth one. Besides referring to theories of learning and oral language and writing, the work has categories to analyses spelling mistakes by Lemle (1982), Moojen (1985), Carraher (1986), Cagliari (1992), Morais (1995), Zorzi (1998) e Tessari (2002). Two big categories werw proposed based on these authors proposals in order to analyse and understand the childrens mistakes. The results showed that the type of school variable is not important and the categories proposed are enough to cover both the mistakes which come from the relations between phonetic-phonogical knowledge and spelling system, and the mistakes related to the structure of the spelling

SUMRIO 12 16 16 16 20 22 27 30 30 32 35 37 42 45 48 51 55 55 57 57 58 58 58 58 58 59 60 60 60 62 62 65 70 74 80 84 88 92 95

1. INTRODUO........................................................................................................... 2. CONSIDERAES TERICAS................................................................................ 2. 1 Sobre Aprendizagem, Linguagem, Escrita e Ortografia................................ 2. 1. 1 Aprendizagem................................................................................... 2. 1. 2 Linguagem......................................................................................... 2. 1. 3 Escrita............................................................................................... 2. 1. 4 Ortografia.......................................................................................... 2. 2 As diferentes propostas para anlise das dificuldades ortogrficas.............. 2. 2. 1 Proposta de Lemle............................................................................. 2 .2. 2 Proposta de Carraher......................................................................... 2. 2. 3 Proposta de Cagliari........................................................................... 2. 2. 4 Proposta de Morais............................................................................ 2. 2. 5 Proposta de Moojen........................................................................... 2. 2. 6 Proposta de Tessari........................................................................... 2. 2. 7 Proposta de Zorzi............................................................................... 2. 2. 8 Comentrios sobre as propostas estudadas...................................... 3. METODOLOGIA........................................................................................................ 3. 1 Os textos........................................................................................................ 3. 2 As coletas....................................................................................................... 3. 3 As variveis.................................................................................................... 3.3.1 Tipo de escola...................................................................................... 3.3.2 Srie..................................................................................................... 3.3.3 Tipo de erro.......................................................................................... 3.3.3.1 Erro relacionado ao sitema grfico................................................ 3.3.3.1.1 Relao grafema-som (fontica)................................................. 3.3.3.1.2 Relao grafema-fonema (fonologia).......................................... 3.3.3.2 Erro relacionado a aspectos do sistema ortogrfico...................... 3.3.3.2.1 Correspondncia regular contextual....................................... 3.3.3.2.2 Correspondncia irregular (arbitrria).................................... 4. OS TEXTOS............................................................................................................... 4.1 Os textos do 1 informante............................................................................. 4.1.2 Descrio dos erros ortogrficos dos textos do 1 informante................. 4.2 Os textos do 2 informante............................................................................. 4.2.2 Descrio dos erros ortogrficos dos textos do 2 informante................. 4.3 Os textos do 3 informante............................................................................. 4.3.2 Descrio dos erros ortogrficos dos textos do 3 informante................. 4.4 Os textos do 4 informante............................................................................. 4.4.2 Descrio dos erros ortogrficos dos textos do 4 informante................. 4.5 Os textos do 5 informante.............................................................................

4.5.2 Descrio dos erros ortogrficos dos textos do 5 informante................. 98 4.6 Os textos do 6 informante............................................................................. 102 4.6.2 Descrio dos erros ortogrficos dos textos do 6 informante................. 106 5. ANLISE E DISCUSSO DOS RESULTADOS....................................................... 5.1 Erros relacionados com o sistema grfico........................................................... 5.1.1 Erros de motivao fontica........................................................................ 5.1.1.1 A grafia das vogais mdias tonas........................................................ 5.1.1.2 A grafia dos ditongos............................................................................. 5.1.1.3 A grafia das codas laterais.................................................................... 5.1.1.4 A grafia dos ditongos nasais finais....................................................... 5.1.1.5 A grafia com insero de i................................................................... 5.1.1.6 As grafias com apagamento................................................................. 5.1.1.7 A grafia das palatais............................................................................. 5.1.1.8 Comentrios sobre a categoria erros de motivao fontica............. 5.1.2 Erros de motivao fonolgica.................................................................. 5.1.2.1 As grafias com alterao de trao fonolgico....................................... 5.1.2.2 As grafias com alterao na estrutura silbica..................................... 5.1.2.2.1 As slabas com encontro consonantal CCV.................................... 5.1.2.2.2 As slabas fechadas, com coda CVC............................................ 5.1.2.3 Comentrios sobre a categoria erros de motivao fonolgica......... 5.1.3 Erros de supergeneralizao.................................................................... 5.2 Erros relacionados com sistema ortogrfico........................................................ 5.2.1 Erros que ferem as regras de correspondncia contextual...................... 5.2.1.1 A grafia do /s/ intervoclico e ps-consonantal.................................. 5.2.1.2 A representao da coda nasal......................................................... 5.2.1.3 A grafia do /x/ intervoclico................................................................ 5.2.1.4 A grafia do morfema do plural............................................................ 5.2.2 Erros que ferem regras de correspondncia irregular............................. 5.2.2.1 A grafia do /s/ e do /z/........................................................................ 5.2.2.2 A grafia do // e do //....................................................................... 5.2.2.3 O h inicial......................................................................................... 6. CONSIDERAES FINAIS....................................................................................... 109 110 110 111 112 113 114 115 115 117 117 119 120 123 124 125 126 127 129 129 130 133 133 134 135 137 140 141 142

7. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.......................................................................... 150

LISTA DE QUADROS QUADRO 2.2.1.1 Classificao de correspondncias: Segundo Lemle...................... QUADRO 2.2.1.2 Falhas de primeira, segunda e terceira ordem: Segundo Lemle..... QUADRO 2.2.2.1 Classificao dos erros: Segundo Carraher ................................... QUADRO 2.2.3.1 Categorias: Segundo Cagliari.......................................................... QUADRO 2.2.4.1 Correspondncias fonogrficas regulares de tipo biunvoco: Segundo Morais........................................................................................................... QUADRO 2.2.4.2 Correspondncias fonogrficas de tipo regular contextual: Segundo Morais........................................................................................................... QUADRO 2.2.4.3 Correspondncias fonogrficas de tipo regular morfolgico: Segundo Morais............................................................................................................ QUADRO 2.2.4.4 Correspondncias fonogrficas de tipo irregular: Segundo Morais.......................................................................................................................... QUADRO 2.2.5.1 Conversor Fonema-Grafema: Segundo Moojen............................. QUADRO 2.2.5.2 Regras Contextuais: Segundo Moojen........................................... QUADRO 2.2.5.3 Regras Arbitrrias: Segundo Moojen ............................................. QUADRO 2.2.6.1 Alteraes ortogrficas: Segundo Tessari...................................... QUADRO 2.2.7.1 Alteraes decorrentes de representaes mltiplas: Segundo Zorzi............................................................................................................................ QUADRO 2.2.7.2 Outras alteraes: Segundo Zorzi.................................................. QUADRO 3.1.1 Resumo das caractersticas dos sujeitos e de suas produes......... QUADRO 4.1.1 Erros ortogrficos encontrados nos textos do 1 informante.............. QUADRO 4.2.1 Erros ortogrficos encontrados nos textos do 2 informante.............. QUADRO 4.3.1 Erros ortogrficos encontrados nos textos do 3 informante.............. QUADRO 4.4.1 Erros ortogrficos encontrados nos textos do 4 informante............... 30 31 33 36

37 38 40

41 42 43 44 45 49 50 56 64 73 83 90

QUADRO 4.5.1 Erros ortogrficos encontrados nos textos do 5 informante...............

97

QUADRO 4.6.1 Erros ortogrficos encontrados nos textos do 6 informante............... 105 QUADRO 5.1.1 Erros motivados foneticamente........................................................... 110 QUADRO 5.1.2 Erros motivados fonologicamente....................................................... 119 QUADRO 5.1.3 Erros de supergeneralizao.............................................................. 127

QUADRO 5.2.1 Erros contextuais................................................................................. 129 QUADRO 5.2.2 Erros arbitrrios................................................................................... 136

1. INTRODUO Ao iniciar minha trajetria profissional, egressa da Escola Normal, ainda adolescente, deparei-me com um obstculo no cogitado por alunos do Curso de Magistrio um menino que no aprendia como os outros no conseguia gravar o alfabeto; mesmo com muita vontade de ler, no se alfabetizava. Tal problemtica induziume a questionar metodologias e estratgias de ensino as quais se tornaram objeto de estudos e buscas incessantes nas vrias reas ligadas educao. O Curso de Educao Especial, - nvel de especializao - que cursei a seguir, levou-me ao trabalho em escolas regulares com classes especiais e, posteriormente, ao exerccio profissional em Escolas Especiais. A participao em encontros nacionais cujas temticas abordavam O Inato e o Adquirido ou a Dislexia em Questo, por exemplo, abriu caminhos a serem por mim percorridos. Autores como Mabel Condemarim (1987) e Mariana Chaddwick (1987) em seus estudos sobre Leitura - Teoria, Avaliao e Desenvolvimento; e Felipe Alliende (1987) e Condemarim (1987) com Escrita Criativa e Formal, fortaleceram e marcaram uma postura de envolvimento com a rea referente aprendizagem. Vitor da Fonseca (1983) e Beltrn (1995) so tambm autores importantes em minha trajetria profissional a qual me levou, mais tarde, s teorias de Piaget e Vygotsky, durante minha formao no bacharelado em Psicologia e ps-graduao em Psicopedagogia, depois de sentir necessidade de subsdios para o tratamento, tanto da criana, quanto da famlia, nas reas clnica e escolar. Nesses anos de experincia com crianas, professores e estudiosos, defrontei-me com problemas relacionados aprendizagem, sob as mais diversas formas e contextos, sobretudo, quanto aquisio da escrita. Professores e pais, com muitas dvidas sobre esses problemas, motivaram-me a investigar outras alternativas e novas propostas nessa rea. Com esse fim, encontro-me cursando o Mestrado - em Educao - na busca de ampliar meus conhecimentos para aprimorar minha atuao profissional. Assim, pretendo que este trabalho, centrado em pesquisa na rea da escrita, possa contribuir para um melhor entendimento do processo dessa aprendizagem, focalizando a anlise de como o aprendiz a hipotetiza, relacionando as letras e os sons para chegar a ler e escrever. Enfatizo a relevncia de fatores ligados heterogeneidade Somente na introduo est sendo utilizada a 1 pessoa do singular, no restante do trabalho a 1 pessoa do plural.

13

lingstica, fatores esses, tanto geogrficos e socioculturais, quanto situacionais e funcionais, os quais interferem significativamente na comunicao escrita do aluno. Tais variaes lingsticas provocam a instabilidade das marcas a serem escritas, exigindo a fixao de normas ortogrficas para que seja garantida a comunicao entre diferentes usurios. Para Morais (1999, p. 4), falar de ortografia, das dificuldades em ensin-la, no s atiar a curiosidade e as inquietaes dos envolvidos na educao escolar, mas tambm recolocar posies controvertidas e preconceitos. O conhecimento ortogrfico refere-se a uma modalidade socialmente estabelecida de grafar as palavras e o baixo rendimento ortogrfico fonte de fracasso na escola e discriminao na sociedade, podendo limitar o desenvolvimento e o desempenho no uso da lngua escrita. Por sua vez, a apropriao e automatizao dos conhecimentos ortogrficos liberam o aprendiz para, ao escrever, centrar suas atenes nos contedos escolares e sua elaborao mais adequada, podendo melhor usufruir as experincias e a apreenso desses contedos. Segundo Morais (1995), em pesquisa realizada nessa rea, o aluno, percebendo a utilidade da escrita, poder escrever com mais entusiasmo e escrever bem. O autor enfatiza que se deve investir no compromisso de proporcionar criana um estudo sistemtico quanto s regras ortogrficas, asseverando a necessidade de se perceber a busca que os pequenos realizam ao tentar atingir a escrita convencional. Acrescenta que pensar sobre como escrever faz com que eles adotem estratgias, resolvendo alguns problemas de opo ortogrfica. Assim, consenso, segundo Morais (1995), que a criana, ao pensar sobre as motivaes ortogrficas, tenta entender as regras que regem a escrita, podendo gerar hipteses, buscar regularidades para generalizar e restringir, apreendendo os contextos de uso das diferentes regras que regem nosso sistema ortogrfico. O assunto ortografia como j foi assinalado, implica tanto controvrsias, quanto diferentes enfoques relativos a um objeto marcado por preconceitos. Por um lado, existem pessoas que continuam dando questo um peso no s desproporcional, mas tambm distorcido: h professores e usurios da lngua j egressos da escola que apresentam uma postura persecutria ante os alunos que cometem erros ortogrficos. No outro extremo, esto os educadores que, por defenderem um uso da lngua escrita mais til e significativo, enxergam, na preocupao com a correo da norma, um sinal de conservadorismo. Nesse contexto, para Morais (1999, p. 17), os professores vivem,

14

atualmente, um estado de confuso quando o tema ortografia. As dvidas so: vlido ensinar a escrever corretamente? Devo corrigir os textos espontneos dos alunos? Devo considerar os erros ortogrficos na hora da avaliao? Como ensinar sem recorrer aos exerccios tradicionais? Diante disso, julgo oportuno esclarecer que concordo com a posio de considerar os erros no sentido piagetiano de erro construtivo, ou seja, como parte importante no processo de aprendizagem, como fase de experimentao da criana e, para o pesquisador, como fonte reveladora dos processos pelos quais a criana passa na fase de aquisio da escrita. Para Morais (1999), os erros precisam ser tomados como pistas para o professor planejar seu ensino, isto , para selecionar e ordenar as dificuldades que ajudar seus alunos a superar. Dessa forma, esta pesquisa pretende descrever e analisar como ocorre a aquisio da ortografia nas sries iniciais, atravs da anlise dos erros ortogrficos encontrados nos textos espontneos realizados por crianas de 1 a 4 srie de duas escolas da cidade de Pelotas, utilizando, para isso, os textos de seis sujeitos. O acompanhamento do desenvolvimento da escrita, nos textos infantis, propiciou um mapeamento das hipteses ortogrficas utilizadas pelos estudantes, o qual ser confrontado com as propostas de categorias para anlise de erros de: Lemle, (1982); Carraher (1982), Cagliari, (1989); Morais, (1995); Moojen, (2001); Tessari, (2002) e Zorzi, (1998). A pesquisa visa, ainda, a observar as tendncias na evoluo da aquisio escrita. Isso trar contribuies que podero oferecer subsdios para o ensino da lngua materna nas sries iniciais, possibilitando, tambm, o desenvolvimento de novas propostas pedaggicas. O trabalho tem como objetivos especficos: a) descrever e analisar os erros ortogrficos encontrados em textos de crianas das sries de 1 a 4; b) verificar a adequao das categorias propostas na literatura para a anlise dos erros ortogrficos; c) investigar a existncia de tendncias no processo de aquisio da ortografia; d) contribuir para a ao pedaggica de professores das sries iniciais na construo do processo de ensino-aprendizagem da ortografia do Portugus Brasileiro. Para atingir tais objetivos, parto das seguintes hipteses: a) o texto infantil, produzido de maneira espontnea, capaz de revelar diferentes tipos de erros ortogrficos que a criana produz ao iniciar o processo da escrita; b) as categorias

15

propostas na literatura, para a anlise de erros ortogrficos no contemplam adequadamente as particularidades do processo de aquisio, no qual esto envolvidos conhecimentos fontico-fonolgicos e tambm conhecimentos especficos do sistema ortogrfico; c) vrios tipos de erros decorrentes de diferentes motivaes podem ser agrupados em duas grandes categorias: uma relacionada a aspectos grficos concernente ao fontico-fonolgico, outra, a aspectos do sistema ortogrfico. Este trabalho inicia com algumas consideraes tericas sobre aprendizagem em geral, a aquisio da linguagem, a escrita e a ortografia. A seguir, so apresentadas as categorias para anlise das dificuldades ortogrficas, a partir da viso dos diferentes pesquisadores citados anteriormente, assim como a metodologia desta investigao e as descries e anlises dos erros encontrados nos textos dos alunos que dela fazem parte. Por fim, uma anlise e uma discusso dos dados, bem como comentrios finais sero expostos.

2

CONSIDERAES TERICAS

2. 1 Sobre Aprendizagem, Linguagem, Escrita e Ortografia A primeira parte deste captulo tem por objetivo discutir alguns aspectos do processo de aprendizagem e, em seguida, as principais correntes tericas para compreenso do processo de aquisio da linguagem oral. Na seo sobre a escrita, h uma aluso histrica sobre sua aquisio e, posteriormente, algumas consideraes gerais sobre a ortografia. Na segunda parte do captulo, apresentamos as propostas de diferentes autores para anlise das dificuldades ortogrficas.

2.1.1 Aprendizagem A aprendizagem , certamente, uma experincia universal. As pessoas aprendem em todos os estgios da vida. Segundo Municio (1996), dentre todas as espcies, somos a que tem uma imaturidade orgnica mais prolongada e necessita de apoio externo mais intenso, como tambm de capacidades de aprendizagem mais desenvolvidas e flexveis. Podemos dizer que a capacidade de aprendizagem, junto com a linguagem, o humor, a ironia, e algumas outras virtudes que acompanham nossa conduta, constituem o ncleo bsico do acervo humano que nos diferencia de outras espcies. Para esse autor, sem as capacidades de aprendizagem no poderamos adquirir a cultura e formar parte de nossa sociedade. A funo fundamental da aprendizagem humana interiorizar ou incorporar a cultura, para assim formar parte dela. Fazemo-nos pessoas medida que personalizamos a cultura. (MUNICIO, 1996, p. 29). As teorias de aprendizagem presentes na literatura compreendem de formas diversas, a maneira como se aprende: enquanto, para umas, o ambiente preponderante e o aprendiz passivo (empirismo), para outras, o aprendiz ativo, o centro do processo, e o ambiente exerce pouca influncia sobre ele (inatismo). H, ainda, um outro tipo de teoria a qual considera ambos os elementos pessoa e meio - como

17

ativos nos processos de aprendizagem e desenvolvimento. A teoria psicogentica de Piaget (1958) enquadra-se nessa ltima concepo, uma vez que, para esse terico, a capacidade de conhecer fruto de trocas entre o organismo e o meio. Essas trocas so responsveis, inclusive, pela construo da prpria capacidade de conhecer; sem elas, essa capacidade no se constri. (FLAVELL, 1988). Em se tratando de posies epistemolgicas, a teoria piagetiana constitui-se numa sntese aprofundada das concepes empirista e inatista, visto que concorda com o empirismo quanto experincia como fator indispensvel; mas, da mesma forma, aceita que h um ncleo intelectual que persiste atravs do desenvolvimento (posio inatista). Vai, ainda, ao encontro da teoria da Gestalt, ao enfatizar a importncia de totalidades organizadas existentes no sujeito, de forma intelectual, que impedem que o organismo seja um receptculo passivo de uma realidade pronta. (FLAVELL, 1988, p.76). Por fim, compartilha idias com a teoria do tateamento, segundo a qual, as aes originadas no sujeito, ou desaparecem porque no serviram, ou se estabelecem porque foram adequadas, dependendo de seu sucesso na manipulao efetiva dos objetos. A teoria do tateamento tem, como concepo de inteligncia, a hiptese de Jennings, retomada por Thorndike (apud FLAVELL, 1988), segundo a qual, por um lado, existe um mtodo ativo de adaptao s circunstncias novas, atravs de tentativas, admitindo erros e sucessos; e por outro, h uma seleo progressiva, aps o evento. Segundo a teoria piagetiana, o fator que motiva o sujeito a implicar-se em atividades com fins de conhecer, diante do ambiente, provm de impulsos primrios, como fome, sede, sexo, entre outros; ou de necessidades secundrias decorrentes das necessidades primrias. (FLAVELL, 1988). Piaget, no entanto, afirma ser de natureza diferente o fator propulsor do esforo intelectual, cujas estruturas permanecem em funcionamento. Essas estruturas so aspectos variveis do desenvolvimento: as formas de organizao de atividade mental tm dupla origem: motor ou intelectual, de uma parte, e afetivo, de outra, com suas dimenses individual e social (INHELDER, 1971, p.13). Piaget defende a posio de acordo com a qual, existe uma necessidade intrnseca dos rgos ou estruturas cognitivas, que, uma vez gerada pelo funcionamento, perpetua-se atravs da continuao desse funcionamento. Assim, para Piaget, o organismo precisa alimentar seus esquemas cognitivos, incorporando os nutrientes ambientais que os sustentem e enriqueam. Para Flavell,

18

(1988), Piaget no define esquema de modo cuidadoso e completo, mas h fragmentos de definies sucessivas, espalhados em vrios volumes, como este a seguir:Um esquema uma estrutura cognitiva que se refere a uma classe de seqncias de ao semelhantes, seqncias que constituem totalidades potentes e bem delimitadas, nas quais os elementos comportamentais que as constituem esto estreitamente inter-relacionados. (PIAGET, apud FLAVELL, 1988, p. 52)

Os esquemas representam as aes suscetveis de serem exercidas sobre os objetos, assim como as seqncias de comportamento (exemplo: esquema de sugar, esquema de pegar.) (FLAVELL, 1988). Assim, quando a criana executa uma seqncia de agarrar, ela est aplicando um esquema de agarrar realidade e o prprio comportamento constitui o esquema. Dessa forma, o funcionamento assimilativo gerou uma estrutura cognitiva. Importa enfatizarmos que, desde muito cedo, a criana, embora no tenha ainda a capacidade de representao, j capaz de atribuir significado ao mundo que a cerca, na medida em que comea a construir os esquemas motores, condio necessria para as aes. Para Piaget (1971), a significao o resultado da possibilidade de assimilao: atribuir significado inserir algo em uma estrutura, poder encaixar alguma coisa num todo organizado. Quando isso no acontece, h uma adaptao (acomodao) que transforma um esquema em outro mais adequado; por isso, capaz de realizar a assimilao; portanto, acomodao consiste na variao de um esquema. A ao humana visa a uma melhor adaptao ao ambiente e, para que esta seja possvel, ocorrem constantes organizaes da experincia, simultaneamente sensrio-motora, cognitiva e afetiva. Segundo Piaget (1971), essas experincias se diferenciam e conquistam qualidades novas, transformando-se. Costa (2002 p. 9), explica que, para Piaget, a construo da inteligncia pode ser esquematizada como uma espiral crescente voltada para a equilibrao resultante da combinao dos processos de assimilao e acomodao. Flavell (1988) interpreta que, para Piaget, a ao humana, direcionando-se a uma constante equilibrao, motiva um rompimento da rotina, provocando indagaes, a fim de estabelecer um melhor relacionamento com o mundo. Assevera, ainda, Flavell, que a necessidade de conhecer faz parte da prpria atividade intelectual e quase sinnimo dela, uma atividade assimilativa cuja natureza essencial consiste em funcionar. Vale ressaltarmos que o processo de aprendizagem envolve uma ao contnua, no apenas se embasando nos movimentos assimilativos e acomodativos, capazes de produzir organizaes progressivas das aes do sujeito diante do objeto, mas tambm

19

na tomada de conscincia do prprio pensamento. Para Piaget (1983, p.230), tomada de conscincia consiste em fazer passar alguns elementos de um plano inferior inconsciente a um plano superior consciente, constituindo-se uma reconstruo no plano superior do que j est organizado. Segundo Claperde (apud PIAGET, 1983), do ponto de vista funcional, a tomada de conscincia se produz por ocasio de uma desadaptao porque, quando uma conduta bem adaptada e funciona sem dificuldades, no h razo de procurar analisar conscientemente seus mecanismos; logo, se uma ao bem adaptada, no h necessidade de tomada de conscincia. A teoria piagetiana sugere que o professor deve levar em considerao que, na aprendizagem, muitos fatores esto envolvidos e, ento, atente principalmente para as possveis intervenes que far em relao aos alunos, qualificando-as de maneira producente; por exemplo, promovendo desadaptao, para possibilitar a tomada de conscincia. Claparde (apud PIAGET, 1983) explica que as coisas que exigem uma adaptao de nossa parte, aquelas que excitam nossa conscincia, so mudanas no mundo exterior, por oposio s peripcias do trabalho do pensamento. O processo de aprendizagem tambm envolve a metacognio. Britt (1987, p. 137), a define como uma atividade metodolgica de analisar e refletir sobre o processo cognitivo e a capacidade de pr em prtica conscientemente um raciocnio. Para a autora, a tomada de conscincia, pelo professor, de uma estrutura do saber e da sua elaborao, com o intuito de guiar o aluno, pelo ato pedaggico, na construo de seu saber; ainda, induz o aluno a tomar conscincia de mtodos de pensamento. Diante disso, o professor deve levar o aluno construo de seu saber atravs de estratgias especficas para uma aprendizagem autnoma. A reflexo necessria para que o aluno perceba os seus prprios processos mentais pode ocorrer pela mediao do educador. Este deve oportunizar que seus alunos realizem escolhas conscientes de estratgias de aprendizagem nas situaes que prope. Britt afirma que o conhecimento acerca das estratgias mentais que o aluno pode utilizar no processo de aprendizagem de importncia decisiva para o professor, uma vez que este pode auxiliar o aprendiz a utiliz-las eficazmente. Sem a mediao do professor, a tomada de conscincia pelo aluno no seria possvel: da a nfase nesse ato pedaggico, que denomina metacognio. (BRITT, 1987).

20

2. 1. 2 Linguagem Ao iniciar a falar, a criana parece entrar no mundo do adulto e, com isso, estar apta ao entendimento da comunicao verbal, mostrando como pensa. A origem dessa possibilidade de expresso to fantstica, e que nos torna diferentes de qualquer outro ser vivo, motivo de estudos por parte de um grande e importante nmero de tericos que, h dcadas, nos vm apresentando suas contribuies e pesquisas sobre a linguagem da criana. Primeiramente, a aprendizagem da linguagem foi tratada como decorrente da exposio ao meio, da utilizao de mecanismos como reforo, estmulo e resposta. Essa explicao era oriunda da corrente behaviorista ou ambientalista, (empirista), dominante nas teorias de aprendizagem e nas vivncias de desenvolvimento infantil. Para esses tericos,aprender a lngua materna no seria diferente, em essncia, da aquisio de outras habilidades e comportamentos[...] Skinner (1957), psiclogo cujo trabalho foi o mais influente no behaviorismo, parte de pressupostos tanto metodolgicos (como a nfase na observalidade de manifestaes comportamentais, externas, mensurveis, da aprendizagem) quanto terico-epistemolgicos (como a premissa da inacessibilidade mente para se estudar o conhecimento,...) e prope, ento, enquadrar a linguagem na sucesso e contingncia de mecanismos de estmuloresposta-reforo. (SCARPA, 2001, p.206)

Por seu lado, Chomsky (1981) argumentou que a fala no pode ser considerada como um comportamento adquirido a partir somente do ambiente, j que a criana est exposta a uma linguagem escassa, insuficiente, incompleta e, apesar disso, consegue dominar um conjunto complexo de regras que constituem a gramtica internalizada do falante. O grande impulso aos estudos sobre aquisio da linguagem, dado por esse lingsta, no final da dcada de 1950, implicou a adoo de uma posio inatista em relao a esse processo. O autor considera que a linguagem especfica da espcie, da dotao gentica dos seres humanos e no um conjunto de comportamentos verbais, adquiridos por meio da influncia do ambiente. A linguagem, ento, seria adquirida como resultado do desencadear de um dispositivo inato, inscrito na mente. A linguagem estaria vinculada a mecanismos inatos da espcie humana e comuns aos membros dessa espcie; da a idia de universais lingsticos. Essa viso, que coloca a linguagem num domnio cognitivo, admite que o ser humano vem equipado, no estgio inicial, com uma

21

Gramtica Universal (GU), dotada de princpios universais pertencentes faculdade da linguagem. De outra parte, a idia de que a aquisio e o desenvolvimento da linguagem so derivados do desenvolvimento do raciocnio na criana surgiu com Piaget (1958) e Vygotsky (1991), contestando a autonomia da GU como domnio especfico de conhecimento lingstico. A abordagem cognitivista/construtivista, desenvolvida com base nos estudos de Jean Piaget, como j foi visto anteriormente, explica a origem e o desenvolvimento das estruturas do conhecimento pela interao entre ambiente e organismo. Esse enfoque terico (interacionismo) explica o surgimento da linguagem pela superao do estgio sensrio-motor, por volta dos 18 meses, quando ocorre o desenvolvimento da funo simblica, por meio da qual um significante pode representar um objeto significado. O desenvolvimento da representao, pela qual a experincia pode ser armazenada e recuperada, torna a linguagem possvel, j que essa entendida por Piaget (1972), como um sistema simblico de representaes. Para Vygotsky (1991), o alcance social da aquisio da linguagem deve-se influncia de origem externa e social nas trocas comunicativas entre a criana e o adulto. As estruturas construdas socialmente, externamente, sofreriam, com o tempo, um movimento de interiorizao e de representao mental do que antes era social e externo. Vygotsky (1991) atribua atividade simblica, viabilizada pela linguagem, uma funo organizadora do pensamento: com a ajuda da linguagem, a criana comearia a controlar o ambiente e o prprio comportamento. Em sntese, as posturas abordadas consideram a aquisio da linguagem, ora como aprendizagem adquirida por meio da influncia do ambiente, ora como dotao gentica, estando vinculada a mecanismos inatos da espcie humana. Uma terceira posio considera, ainda, que a aquisio e o desenvolvimento da linguagem so derivados da representao mental; essa abordagem cognitiva-construtivista, embasada nos estudos de Piaget, explica que as estruturas do conhecimento so formadas pela interao entre ambiente e organismo. Pensamos que essas teorias esto imbricadas umas nas outras. O indivduo desenvolve a linguagem na interao com o ambiente; entretanto, necessita que haja estruturas possveis para que as representaes mentais possam ser processadas. Em nosso entendimento, Chomsky (1981), com seu argumento de estruturas inatas para o desenvolvimento da linguagem, no contradiz teorias que consideram o organismo e o

22

ambiente no desenvolvimento da linguagem, uma vez que a criana no apenas cria palavras, mas ainda extrapola, podendo dizer o que nunca ouviu, a partir de junes, inferncias e possibilidade de raciocnio. O exemplo de Figueira (1995) comprova a utilizao de termos que a criana no ouve, mas que pelo lxico, v-se que fez uma deduo a partir de duas outras palavras que se opem: ela pode falar diquenta para pedir me esfriar o leite, uma vez que esta disse que o leite estava quente; diabriu quando a me fechou a caixa de brinquedo; e deslaa, pedindo a me para desamarrar o lao. A criana de 3 anos j ouviu descobriu, desamarrou, desatou, desliga, desmancha, portanto, compreensvel que crie as palavras referidas por Figueira (1995).

2. 1. 3 Escrita O processo da aquisio da escrita tornou-se objeto de pesquisa nos ltimos anos (FERREIRO e TEBEROSKY, 1986; KATO, 1986; MORAIS, 1995; FERREIRO et al, 1996; CAGLIARI, 1999) entre outros. Desde muito cedo, a criana percebe que, para se comunicar, pode utilizar, alm da fala, smbolos, desenhos e riscos num papel e, ento, fazer-se entender. Dessa maneira, a criana descobre a escrita muito cedo, atravs de rabiscos e garatujas, conseguindo dizer e refletir sentimentos, emoes e pensamentos. O aprendizado da escrita, que acontece, geralmente, durante a escolarizao, segue um processo descrito por Ferreiro (1982), que apresenta trs etapas: a) escrita pr-silbica, quando a criana desenha uma srie igual ou diferenciada de rabiscospara representar a escrita; b) escrita silbica, quando escreve letras, com correspondncia quantitativa, segundo uma anlise sonora da linguagem que a leva a descobrir a slaba e que a cada slaba corresponde uma grafia; c) escrita alfabtica, quando a criana escreve letras, com correspondncia sonora do tipo fontico e com valor convencional. Ferreiro e Teberosky (1999) desmembraram essas fases em cinco nveis sucessivos do processo de evoluo da escrita construda pela criana at a fase alfabtica. No 1 nvel, escrever reproduzir os traos tpicos da escrita que a criana identifica como a forma bsica da mesma. No 2 nvel, as autoras explicam que a forma dos grafismos mais definida, mais prxima das letras. O 3 nvel est caracterizado pela tentativa de dar um valor sonoro

23

a cada uma das letras que compem uma escrita: cada letra vale uma slaba; surgindo a hiptese silbica. Um exemplo que ilustra essa fase a grafia MINENAETOMASOL para a menina toma sol. A passagem dessa para a hiptese alfabtica caracteriza o 4 nvel, no qual a criana descobre a necessidade de fazer uma anlise mais atenta para o som e as quantidades grficas. O 5 nvel representa a escrita alfabtica, a qual a criana compreende que cada letra corresponde a um valor sonoro menor que a slaba e realiza uma anlise sonora dos fonemas das palavras que vai escrever. A histria da escrita, na humanidade, passou por estgios muito semelhantes aos que observamos na criana, ao iniciar seu desenvolvimento grfico-motor. A escrita uma maneira de transcrever a linguagem originada pela necessidade de o homem registrar sua histria; entretanto, as letras e os algarismos precisaram de muitos sculos para chegar a uma forma de uso geral. Na histria da humanidade, sempre foi mais importante saber ler do que escrever, mas, para saber ler, preciso conhecer como funcionam os sistemas de escrita. (CAGLIARI, 1999). As primeiras escritas surgiram na Sumria (pas onde hoje se localizam o Ir e o Iraque), por volta de 3100 a.C. Os estudiosos consideram que, fora da Sumria, a idia de escrever tenha surgido de forma independente apenas na China, na Amrica Central, entre os Maias e no Egito, 3000 a.C. Todos os demais sistemas de escrita conhecidos so derivados desses quatro, sobretudo do sistema sumrio. (CAGLIARI, 1999). Os sistemas de escrita comearam com caracteres na forma de desenhos de objetos para representar as palavras. Esses sistemas, segundo Saussure (1992), so o ideogrfico e o fontico. No primeiro, o registro da linguagem ocorre a partir dos significados, das idias. O outro sistema, o fonticoreproduz a srie de sons que se sucedem na palavra. Assim, o registro da linguagem, a partir dos significados das idias, denomina-se escrita ideogrfica e o registro a partir dos sons das palavras, escrita fonogrfica. A escrita ideogrfica, quando passou a representar o som das slabas, provocou uma reduo no nmero de caracteres necessrios para tal. Apareceram, ento, os silabrios. Alm da mudana do ponto de partida para a escrita, que passou do significado para o som das palavras, aconteceu algo a mais: a mudana no nome dos caracteres. Antes, cada pictograma, ou seja, o desenho do objeto, ou a representao da idia, tinha o nome da prpria palavra que representava. pictograma modo de escrever por meio de desenhos ou pinturas que representam objetos, idias.(AULETE, Caldas. Dicionrio Contemporneo da Lngua Portuguesa, 1964).

24

Nos silabrios, os sons prevaleceram sobre os significados, na designao dos nomes dos caracteres, ficando os significados num plano secundrio. (CAGLIARI, 1999). Esse aspecto passa despercebido nos estudos sobre a origem do alfabeto, mas tem uma importncia fundamental. Somente por razes histricas, lembrava-se de que o nome de um caractere silbico tinha, antes, um significado prprio, ligado a um pictograma. Entretanto, se o sistema de escrita precisava representar os sons e no os significados, o melhor tipo de caractere no era o silbico, pois esse trazia redundncias facilmente detectveis. Cagliari (1999) mostra-nos, em seu estudo histrico, essas redundncias. Se existiam letras do tipo PA, BA, TA, SA, LA, RA ou PE, BE, TE, SE, LE, RE, etc, era evidente que se podia proceder mais uma simplificao no modo como a escrita representava a fala, separando o que havia de comum a esses conjuntos de letras e formando novos arranjos no sistema, gerando, ento, novas classes de caracteres, como A, E, P, B, S, L, R, etc. Assim, os nomes das letras perderam o referencial do nome antigo, de base ideogrfica, ficando reduzidos apenas a sons monossilbicos, que denotavam o valor fontico que as letras representavam. Ainda hoje, observamos o encantamento das crianas com brincadeiras de cartas enigmticas do tipo escrita pictogrfica fonogrfica, tambm chamada de rebus (do latim: RES coisa; rebus=pelas coisas). O desenho de uma roda e de um p para escrita de rodap; um sol e um dado para soldado so exemplos desses, podendo ser uma forma de compreender a escrita, mesmo antes da alfabetizao. No sculo XI a.C., o sistema de escrita j havia, por meio de vrias tentativas, se fixado numa forma definitiva com 22 letras apenas. Essa forma de escrita influenciou as demais e origem de muitas escritas como o rabe, o hebraico, o aramaico, o tamdio, a escrita pnica e a escrita grega, da qual se derivou a latina, originando o alfabeto utilizado hoje. Este passou a ter um princpio acrofnico como chave para a decifrao e escrita: bastava saber o nome das letras para poder escrever. Estava resolvida, portanto, a questo da escrita para os povos, com essa inveno importante: o alfabeto. No entanto, esse, na prtica, encontrou srias dificuldades, pois no conseguia dar conta de escrever as palavras com suas variaes de pronncia de um dialeto para outro, ou seja, palavras que tm o mesmo significado, mas pronncia diferente. Refere Kato (1986, p. 122), que para muitos educadores, o que causa problemas mais srios na alfabetizao e na ps-alfabetizao a distncia entre a fala do aprendiz e a norma escrita usada nos textos escolares.

25

Para Cagliari (1999), a soluo congelar as seqncias de letras que as palavras tm. A ortografia esta forma neutra de escrever as palavras e surge exatamente de um congelamento da grafia das palavras, fazendo com que ela perca sua caracterstica bsica de ser uma escrita pelos segmentos fonticos, passando a ser a escrita de uma palavra de forma fixa, independente de como o escritor fala ou o leitor diz o que l. (CAGLIARI, 1999, p. 99). Conhecer o alfabeto fundamental, tanto para escrever quanto para ler, mas saber lidar com a ortografia tambm muito importante; por isso, Cagliari (1999) diz que a inveno da ortografia foi a salvao do alfabeto. Assim, a criana, ao iniciar suas hipteses na escrita, escreve conforme fala, utilizando para cada letra um valor sonoro. Por esse motivo, a aprendizagem da escrita evidenciase um problema complexo. Piaget (1971) sugere, em sua teoria, como j foi explanado, que a criana sujeito do conhecimento e aprende atravs de suas prprias aes sobre os objetos, construindo categorias de pensamento, ao mesmo tempo em que organiza seu mundo. A teoria de Piaget permite interpretar a escrita, enquanto objeto de conhecimento, e o sujeito da aprendizagem, enquanto sujeito cognoscente. (FERREIRO, 1999, p.31). Essa no uma teoria particular sobre um domnio particular, mas sim um marco terico de referncia muito mais vasto que nos permite compreender de uma maneira nova qualquer processo de aquisio de conhecimento. Aprendizagem para Piaget (1971) , na essncia, fenmeno construtivo, construdo por saltos no lineares, que atingem estgios especficos, incorporando os estgios anteriores. (DEMO, 2001). Dessa forma, uma criana, ao iniciar o processo escolar, j tem todo um referencial sobre escrita, pela simples exposio ao ambiente em que vive, atravs do vasto material impresso que a rodeia. Vygotsky (2001) analisa a escrita como fator importante do desenvolvimento humano, tendo tambm uma abordagem gentica da escrita. Essa, para ele, uma funo especfica de linguagem, diferindo da fala, no menos como a linguagem interior difere da linguagem exterior pela estrutura e pelo modo de funcionamento. (op. cit. p. 312). Na escrita, como indica a investigao desse terico, h necessidade de um desenvolvimento mnimo de um alto grau de abstrao. Vygotsky (2001, p.312) afirma que escrita uma linguagem de pensamento, de representao, uma linguagem desprovida do trao mais substancial da fala o som material.

26

As investigaes no campo da psicologia da escrita, encontradas em estudos desse autor, do ponto de vista da natureza psicolgica das funes que a constituem, explica que a aquisio da escrita baseia-se num processo inteiramente diverso daquele da fala; possibilita, portanto, novas aquisies e projeo em um nvel superior da linguagem. A conscincia e a inteno tambm orientam, desde o incio, a linguagem escrita da criana. (VYGOTSKY, 2001, p. 318). Tal linguagem escrita difere da falada da mesma forma que o pensamento abstrato difere do pensamento concreto. O aspecto abstrato daquela, por ser apenas pensada e no pronunciada, constitui uma das maiores dificuldades com que se defronta a criana no processo de aquisio da escrita. Para Vygotsky (2001), esse processo leva a criana a agir de modo mais intelectual, a ter mais conscincia do prprio processo da fala. O escrever, para esse estudioso um ato voluntrio, que representa a manifestao da conscincia do sujeito. O autor chama a ateno para a relao nica estabelecida entre a fala interior e a fala oral, em se tratando da linguagem escrita. Esta acompanha a fala interior, traduzindo-a para uma outra imagem, signo ou smbolo, permitindo sua perpetuao na memria, por longo prazo. Na obra Pensamento e Linguagem (2001), Vygotsky apresenta suas concluses a respeito da comunicao escrita, considerada no somente em relao a uma grafia, ou ainda a um gesto que marca uma representao fontica da fala oral, mas como linguagem especfica e nica, que permite ao homem atribuir sentido ao seu pensamento. A expresso escrita encontra seu lugar dentro das funes psicolgicas superiores, com o esclarecimento do autor de que o pensamento processo que no s transmite a palavra, mas tambm se realiza nela como elemento mediador entre a fala interior e a exterior. O uso da palavra escrita, para Vygotsky (2001), exige do sujeito um desprendimento do imediato, do sensvel, um outro nvel de representao simblica. Essa qualidade humana, dotada de abstrao, define o carter complexo da escrita como signo na funo simblica. comum a demonstrao de rabiscos, imitando a forma da escrita do adulto, em crianas no alfabetizadas, quando solicitadas a fazerem um bilhete para a me ou para a professora. Estudos experimentais sobre o desenvolvimento dessa habilidade, desenvolvidos pelo programa de pesquisas do grupo de Vygotsky (apud OLIVEIRA, 2001), caracterizaram os traos iniciais como rabiscos mecnicos, traados que a criana faz, distribuindo seus registros no papel. Denominaram marcas topogrficas, os rabiscos que os iniciantes, nesse processo, distribuem pelo papel,

27

possibilitando um mapeamento do material a ser lembrado ou com significado de transmisso de idias; aos desenhos estilizados em forma de escrita, os pesquisadores chamaram de representaes pictogrficas, ou seja, desenhos como signos mediadores, que representam contedos determinados. Da representao pictogrfica, explicaram, a criana passa escrita simblica, inventando formas de representar informaes. Para Vygotsky (2001), a aquisio da escrita consiste num sistema de representao da realidade. Contribuem para esse processo, o desenvolvimento dos gestos, dos desenhos e do brinquedo simblico, pois esses so tambm atividades representativas; portanto, desenhar e brincar deveriam ser estgios preparatrios ao desenvolvimento da linguagem escrita das crianas. (OLIVEIRA, 2001 p.72).

2. 1. 4 Ortografia

Como j vimos, a escrita alfabtica constitui-se numa forma econmica de transcrever a linguagem oral. Esse modelo alfabtico tem a inteno de ser fontico, ou seja, procura representar os sons da fala, exatamente como foram pronunciados. Entretanto, escrever como se fala compromete de tal forma a escrita que poderamos ter vrias formas de grafar uma palavra, tantas quantos os dialetos falados em uma lngua. Cagliari (1999, p.30) exemplifica a representao fontica, registrando todas as nuances de pronncia, com a palavra balde, grafada conforme a classe social e a regio do pas a que pertencerem as pessoas que estiverem escrevendo: baudi, baudj, barde, baudji, bardi,baude, etc. Para ensinar a escrever, necessrio o uso de uma forma ortogrfica aceita pelas normas da lngua. A ortografia da Lngua Portuguesa Brasileira passou por muitas modificaes at chegar s normas atuais, definidas pela Academia Brasileira de Letras, em 1943. Morais (1995, p.13) resume a evoluo das prescries ortogrficas para o Portugus, entre os sculos XVl e o incio do sculo XX, mostrando as oscilaes entre os expertos ou estudiosos da lngua, cujos modos de ortografar se subordinavam a trs princpios ou orientaes bsicas: a) a tradio grfica existente ou os usos consagrados na literatura; b) o latinismo ou obedincia etimologia; c) o princpio fonogrfico ou notao da realidade fontica. Gramticos, desde 1536 at 1875, tinham

28

preocupao de editarem ortografias, mas nenhuma se instituiu com norma oficial, tanto no Brasil, como em Portugal. Com as publicaes portuguesas, inicia-se uma caminhada para a definio das normas grficas. A reforma definida em Portugal, em 1911, representa a primeira fixao ortogrfica, embora no tenha ainda surgido uma unificao entre os dois pases (nem ela tenha sido aceita no Brasil) o que manteve as grafias antigas at 1943. Posteriormente, como relata Morais (1995), em seu breve histrico, houve uma redefinio na normativa brasileira quanto ao emprego de certos diacrticos (como o trema e os acentos grave, circunflexo e agudo), eliminando o seu uso para diferenciar palavras homfonas. A norma vigente no Brasil conserva a conjugao das tendncias de tradio de uso, etimologia e fonografia. Segundo Kato (1986 p.17):

embora a inteno tenha sido de se fazer um alfabeto de natureza fontica, o fato de toda lngua mudar, ter diferenas dialetais e variaes estilsticas que afetam a pronncia impediu que a escrita alfabtica pudesse ter natureza estritamente fontica.

A autora mostra que uma mesma letra apresenta realizao fontica diferente nas situaes que aparece na palavra. Logo, temos uma mesma representao grafmica para diferentes sons (exemplo: a letra a em casa aparece com realizao fontica diferente nas duas situaes, pronunciadas [a] e [] respectivamente). A realizao do mesmo fonema, com a mesma representao grafmica, a autora denomina motivao fonmica. Considera, ainda, motivao fonmica e fontica nos casos em que um fonema s tem uma realizao possvel. Por exemplo, o /b/ e quase todas as consoantes de nosso sistema alfabtico, sempre se realizam da mesma maneira em Portugus, sendo a escrita alfabtica considerada fonmica-fontica. Diante disso, constatamos um envolvimento muito maior em grafar as palavras, levando em considerao que o alfabeto essencialmente fonmico. Quanto articulao, Kato (1986) diz que a representao ortogrfica apenas foneticamente motivada no caso de escrever canto com [n] e campo com [m]. A motivao fontica porque o [n] e o [t] so ambos linguoalveolares e o [m] e o [p] so bilabiais. Ela explica que a representao ortogrfica representa a qualidade de nasalizao que precede

29

essas consoantes de traos semelhantes, quando no so distintivas, mas sim determinadas pelo contexto. A motivao lexical nos mostra que, alm da motivao histrica, h uma razo lgica para a mesma escrita. Por exemplo, em medicina, a letra c representa som sibilante que pode ser representado por ss, nessa posio intervoclica. As outras palavras que pertencem mesma famlia lexical partilham do mesmo radical, que deve ser representado ortograficamente da mesma forma, exemplo: mdico, medicar, medicinal. H ainda a motivao diacrnica, em que s podemos explicar a representao ortogrfica recorrendo histria da lngua, como a palavra homem, que se grafa com h porque a palavra que lhe deu origem, em latim, tambm tinha h, enquanto, a palavra nibus no tem h porque originalmente no o possua.A lngua oral muda e a escrita conservadora, o que acarreta um afastamento gradativo entre as duas. Quando a motivao vai deixando de existir, o que resulta um misto de relaes motivadas e arbitrrias. (KATO, 1986, p. 19)

Considerando, especificamente, a ortografia do Portugus, Morais (1999), estabelece uma distino entre o aprendizado do sistema de notao alfabtica e o aprendizado da norma ortogrfica. Inicialmente, a criana elabora uma gradual compreenso sobre como funciona nossa escrita alfabtica e domina as convenes letra-som tal como esto restringidas pelo sistema alfabtico: que valores sonoros cada letra ou dgrafo pode ter. Embora a criana j se depare com dvidas ortogrficas em fases iniciais da aquisio da escrita, em geral, s depois de escrever alfabeticamente que ela tende a apropriar-se de modo sistemtico da norma ortogrfica.

30

2.2 Sobre as diferentes propostas para anlise das dificuldades ortogrficas

2.2.1 Proposta de LEMLE O trabalho de Lemle (1982) tem sido uma importante referncia para todos os estudos sobre a aquisio da ortografia do Portugus Brasileiro desenvolvidos nos ltimos anos. A autora, ao analisar a relao que se estabelece entre o sistema fonolgico e o ortogrfico, caracteriza trs tipos bsicos de correspondncia (Quadro 2.2.1.1).

Quadro 2.2.1.1: Classificao de correspondncias: segundo Lemle 1982, p. 17Correspondncias biunvocas entre Relao de um para um; cada letra com seu fonema, cada fonemas e letras fonema com sua letra. Ex: p, b-/p, b/; t, d-/t, d/; f, v-/f, v/; a-/a/. Correspondncia de um para mais de Cada letra com um som numa dada posio, cada som com um, determinadas a partir da uma letra numa dada posio. Ex. A letra s, no incio da palavra, som de [s], como sala; na posio intervoclica, som de [z], como em casa. Relaes de concorrncia Mais de uma letra para o mesmo som. Ex. [z] pode ser representado pelas letras s, z e x como em mesa, certeza e exemplo. posio.

Professora de Lingstica da Universidade do Rio de Janeiro

31

.

A partir da anlise das relaes existentes entre os sistemas fonolgico e ortogrfico, a autora prope uma ordem de aquisio ortogrfica a qual serviria para orientar a prtica pedaggica do alfabetizador. Segundo Lemle (1982), os erros encontrados na escrita infantil podem ser caracterizados como falhas de primeira, segunda e terceira ordens, conforme apresentado no quadro 2.2.1.2. Quadro 2.2.1.2: Falhas de primeira, segunda e terceira ordem, segundo Lemle, (1982).Falhas de primeira ordem. Repeties, omisses e/ou trocas na ordem das letras; falhas decorrentes da forma das letras; falhas decorrentes da incapacidade de classificar algum trao distintivo do som. Falhas de segunda ordem. A escrita uma transcrio fontica da fala.

Falhas de terceira ordem.

Trocas entre letras concorrentes.

a) Falhas de primeira ordem: aquelas em que no se apresenta correspondncia linear entre as seqncias dos sons e as seqncias das letras: repeties de letras (ppai em vez de pai; meeu em vez de meu); omisses de letras (trs em vez de trs; pota em vez de porta), trocas na ordem das letras (parto em vez de prato; sadia em vez de sada); falhas decorrentes do conhecimento ainda inseguro do formato de cada letra (rano em vez de ramo; laqis em lugar de lpis), falhas decorrentes da incapacidade de classificar algum trao distintivo do som (sabo em vez de sapo; gado em lugar de gato; pita em lugar de fita). b) Falhas de segunda ordem: aquelas em que a escrita feita como se fosse uma transcrio fontica da fala. Exemplos: matu em vez de mato; bodi em vez de bode; azma em vez de asma e ainda as trocas de n por m, nesa em vez de mesa; r por rr, genrro em vez de genro; o por am em eles falo em vez de eles falam.

32

c) Falhas de terceira ordem: aquelas em que h trocas entre letras concorrentes. Exemplos: aado em vez de assado; trese em vez de treze; acim em vez de assim; jigante em vez de gigante; xinelo em vez de chinelo; chingou em vez de xingou; puresa em vez de pureza; sau em vez de sal; craro em vez de claro; operaro em vez de operrio. (LEMLE, 1982). A autora mostra tambm casos em que um som representado por diferentes letras, segundo a posio. Por exemplo, som [k], letra c, diante de a, o, u como em casa, come; letra qu, diante de e, i como em pequeno, esquina. Som de [g], letra g diante de a, o, u em gato, gota, agudo; letras gu, diante de e, i em paguei, guitarra. Para exemplificar as relaes de concorrncia, a autora inclui as letras que representam fones idnticos em contextos idnticos: por exemplo, fone [z] intervoclico, letras s, z, x; fone [s] intervoclico, diante de a, o, u, letras ss, , s como em russo, poo, cresa; intervoclico, diante de e, i, letras ss, c, sc como em posseiro, assento, roceiro, acento, piscina, bicicleta; diante de a, o, u, precedido por consoante, letras s, como em balsa, ala; diante de e, i, precedido por consoante, letras s, c como em persegue, percebe.

2.2.2 Proposta de Carraher A autora hipotetizou que os erros de ortografia cometidos por crianas que demonstram ter uma concepo alfabtica de escrita no so randmicos, mas refletem uma espcie de apego regra alfabtica bsica de representar cada som por uma letra como se existisse uma correspondncia biunvoca e recproca entre letra e som. (CARRAHER,1986) Na anlise dos erros de ortografia verificados no estudo, Carraher utiliza as categorias descritas a seguir, as quais procuram considerar o tipo de sutileza ortogrfica posterior concepo alfabtica que crianas ignoraram ao cometer o erro. (Ibid, p. 28)

Professora, Mestre em Psicologia, PH.D. pelo Graduate School and University Center, City University of New York. Atualmente, Terezinha Nunes, Universidade de Londres, Inglaterra.

33

Quadro 2.2.2.1: Classificao de erros: segundo Carraher.Classificao dos Erros Transcrio da fala Supercorreo Ausncia de marcao da nasalizao Desconsiderao de regras contextuais Ligao origem da palavra Slabas complexas Troca de letras Slabas de estruturas complexas Exemplo pexi por peixe, vassora por vassoura altomvel professora roma por rom, efeite por enfeite, epada por empada gitara por guitarra, serote por serrote belesa por beleza, japoneza por japonesa bao por brao, quato por quatro faca por vaca, tota por toda uso para urso, mia para minha por automvel, professoura por

Erros tipo transcrio da fala Segundo a autora, a diferena entre a lngua falada e a lngua escrita promove o tipo de erro de transcrio de fala, ou seja, a criana escreve como fala. A lngua escrita igual em todo o Brasil; no entanto, a pronncia varia nas diversas regies do pas. Escreve-se, por exemplo, formiga em todo territrio nacional; entretanto, pronuncia-se [furmiga] em algumas regies, e [formiga] em outras. Esse exemplo apenas ilustra o fato de que a lngua falada e a lngua escrita no so idnticas. Quando a criana desenvolve um conceito de escrita alfabtica, o que ela descobriu que se prestar ateno aos sons da palavra, poder escrever a palavra atravs da representao de seus sons. Por causa da divergncia entre a lngua falada e a lngua escrita, esta estratgia poder resultar em erros, por exemplo: iscola para escola, penti para pente, entre outros. Erros por supercorreo Aps compreender a distino entre a lngua falada e a lngua escrita, a criana comea a corrigir os erros de transcrio da fala. A correo pode resultar no

34

aparecimento de um outro tipo de erro, a supercorreo. Por exemplo, a criana descobre que o som de u no final da palavra freqentemente representado por o. Grafias como vio para viu podem resultar desse processo de correo das diferenas entre a lngua falada e a lngua escrita. Erros por desconsiderar as regras contextuais Na regra contextual, o valor da letra muda em funo do contexto. Por exemplo, o som das letras c e g difere se estas so seguidas por a, o, u ou so seguidas por e, i. Outra regra contextual a que determina que antes de p e b s se usa m, assim, regras tipo no se usa antes de e e i, ou no comeo de palavra; entre outras. Erros por ausncia de nasalizao A nasalizao, segundo a autora, pode ser vista como um trao distintivo, como no caso de f e f, pau e po, mau e mo, entre outros, visto que uma diferena de som que marca uma diferena de significado num par mnimo. Por outro lado, existem variaes de pronncia que nasalizam ou deixam de nasalizar certas palavras, sem que haja qualquer risco de confuso. Por exemplo, no caso de banana [bnna], ou caminho [kami))w)], a nasal no marcada quando h um n ou m na slaba subseqente. Erros ligados origem da palavra H uma srie de palavras cuja leitura pode no provocar muita dificuldade, porque a pronncia da representao escrita no ambgua, mas cuja grafia apresenta dificuldades, uma vez que a escolha da consoante para representao de determinados sons reflete a origem da palavra, alm de refletir a pronncia. O uso do g ou do j diante de e ou i; o uso do h mudo; o uso do x com som de z ou de c; o uso do s com som de z; o uso do ou ss etc. so exemplos diversos de situaes em que o som ou o contexto no permite identificar qual seria a consoante

35

correta na hora de escrever. A diferenciao entre -ice e isse, por exemplo, no se faz pela pronncia, mas pela morfologia, pois ice um sufixo formador de substantivos abstratos e isse uma terminao verbal do subjuntivo. Erros por trocas de letra A autora considera erros de trocas de letras quando a criana faz uma escolha errnea para representar o som em pauta. Na maioria das vezes, esses erros so trocas entre consoantes que tm os mesmos traos distintivos, exceto um, com a diferena sutil da vibrao ou no das cordas vocais, como /p/, /t/, /k/, /f/, /s/, // as que no vibram e /b/, /d/, /g/, /v/, /z/, // as que vibram. Ex: bato para pato, foi para voi. Erros nas slabas de estrutura complexa A slaba padro contm uma consoante e uma vogal. A existncia de slabas com estruturas diferentes, mais complexas que a estrutura padro, provavelmente, resulta em erros ou dificuldades para a grafia dessas slabas. Ex: pato para prato, for para flor.

2.2.3 Proposta de Cagliari Esse autor analisa as alteraes ortogrficas nos textos espontneos de alunos, com o objetivo de oferecer aos professores uma amostragem que lhes possa ser til na anlise dos erros contidos nessa escrita. (CAGLIARI, 1992). Para tal, agrupa-os em categorias tais como: transcrio fontica, uso indevido das letras, hipercorreo, modificao da estrutura segmental da palavra, juntura intervocabular e segmentao, forma morfolgica diferente, forma estranha de traar as letras, uso indevido de maisculas e minsculas e de acentos. Exemplos dessas alteraes esto expostas no quadro 2.2.3.1. Professor de Fontica e Fonologia do Departamento de Lingstica do Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP, Mestre em Lingstica Geral, Doutor no Departamento de Lingstica da Universidade de Edimburg, Esccia.

36

Quadro 2.2.3.1: Categorias: segundo Cagliari.Transcrio fontica caracterizado por uma transcrio fontica da prpria fala. Exemplos: troca de i por e como em dici (disse); u por o como em tudu (tudo), u por l como em sou (sol), li por lh como em armadilia (armadilha); acrscimo, troca ou omisso de letras como em rapais (rapaz), mato (matou), mulhe (mulher), praneta (planeta), vamu (vamos). Considera erro de transcrio fontica tambm quando transcreve sua pronncia da juntura intervocabular como em vaibora (vai embora); e em curraiva (com raiva). Uso indevido de letras caracteriza a escolha da letra que a criana faz para representar um som de uma palavra quando a ortografia usa outra letra. Por exemplo, o som do [s] pode ser representado por s (sapo), por z (luz), por ss (disse), por (caa).

Modificao da estrutura segmental das palavras Juntura intervocabular e segmentao

erros de troca, supresso, acrscimo e inverso de letras. Como em voi (foi), bida (vida), save (sabe), sosato (susto). abrange a escrita de palavras segmentadas da forma como fala. Por exemplo, eucazeicola (eu casei com ela), jalicotei (j lhe contei), a gora (agora), a fundou (afundou).

Forma morfolgica diferente

a variedade dialetal da criana dificulta o conhecimento da grafia convencional quando o modo de falar muito diferente do modo de escrever. Por exemplo, adepois (depois), ni um (nenhum), pacia (passear), t (est), pelum (por um).

Forma estranha de traar as letras

traado

irregular

ou

com

pouca

preciso

das

letras,

principalmente na letra cursiva, tornando possvel se ler b por v, p por j e ainda u por n, m por n, f por j. depois de aprender que nomes prprios so com letras

Uso

indevido

de

letras maisculas, os alunos passam a escrever muitas palavras tambm com maiscula. erros de uso de acento provm da semelhana ortogrfica entre

maiscula / minsculas

Acentos grficos

formas com e sem acento. Por exemplo, v (vou), voce (voc), no (no).

37

2.2.4 Proposta de Morais 1 Inspirado em Lemle (1982), Morais (1995, 2002), classifica as regras existentes na norma ortogrfica do portugus brasileiro em quatro grupos: correspondncias fonogrficas regulares de tipo biunvoco, correspondncias fonogrficas de tipo regular contextual, correspondncias fonogrficas de tipo regular morfolgico e correspondncias fonogrficas de tipo irregular. As correspondncias fonogrficas regulares de tipo biunvoco so aquelas em que um fonema sempre representado por um nico grafema, e esse grafema s assume um valor sonoro: o do fonema em questo. Abaixo, esto exemplificados os casos considerados pelo autor (Morais, 1995, p. 20).

Quadro 2.2.4.1: Correspondncias fonogrficas regulares de tipo biunvoco: segundo Morais.Correspondncias fonogrficas regulares de tipo biunvoco fonema grafema exemplo /p/ - /b/ /t/ - /d/ /f/ - /v/ /m/ - /n/ // - / / /a/ p b t d f v m n e o a pato bato tela dela feto veto mata nata elefante oculista ave

Professor na Universidade Federal de Pernambuco, Doutor em Psicologia pela Universidade de Barcelona. NOTA: Nesta sesso est sendo mantida a forma utilizada pelo autor para representar a forma fonolgica e fontica. Note-se que ele no faz distino entre o fonolgico e o fontico pois coloca entre barras no s os fonemas mas tambm os alofones caractersticos do dialeto por ele estudado.

38

O autor inclui, nessa categoria, os casos em que no existe, no sistema alfabtico, outro grafema que possa representar o fonema em questo, ainda que este grafema assuma um valor sonoro diferente em outro contexto. Podem ser citados, como exemplos desse tipo, o grafema e utilizado pra representar ambos os fonemas /e/ e // e o grafema o para representar /o/ e / / e o caso das nasais tambm. O segundo grupo proposto, o das correspondncias fonogrficas de tipo regular contextual, contm aqueles casos em que o contexto determina qual, entre dois ou mais grafemas que competem na notao de um mesmo fonema, ser utilizado. No quadro abaixo, podemos observar o conjunto de exemplos apresentado pelo autor (op. cit. p. 22-23). Quadro 2.2.4.2: Correspondncias fonogrficas de tipo regular contextual: segundo Morais.Correspondncias fonogrficas de tipo regular contextual fonema grafema exemplos /k/ /g/ /s/ /z/ // /x/ c qu g gu s z j r rr // /l/ /)/ /)/ /) /)/ /)/ /)/ /)/ /) /)/ /)/ r l an, en, in, on, un casa /kasa/; queijo /keyu/ gato /gatu/; guerra /gxa/ sapo /sapu/; obs. s em slabas iniciadas por /sa/, /so/, /s /, /su/ e suas formas nasalizadas. zango /zgw/; zebra /zebra/ jia / ia/; Joo /uw/ rato /xatu/; carta /kaxta/ carro /kaxu/; barriga /baxiga/. obs. em slaba intermediria, entre vogais. cara /kaa/; Mara /maa/ lago /lagu/; lua /lua/ canto /ktu/; mente /me)ti/; obs. em slaba intermediria, precedida de qualquer letra que no seja p e b. campo /kpu/; tempo te)pu/. Obs. final de slaba antes de p e b e em monosslabas que acabam em /i/; /u/; /o/; /e/

am, em, im, om, um

39

/)/ /)/ /) /)/ /)/

a, e, i, o, u em anh, enh, inh, onh, unh

cama /kma/; tema /te)ma/ mnha /my/; me /my/ pe /py/; obs. no ditongo /y/ tambm /tbey/; vem /v)y/ obs. no ditongo /)y/ ganho /gyw/; lenha /l)ya/; galinha /gal)a/; ponha /pya/; cunha /k)ya/ obs. antes dos ditongos /ya/ e /yu/. lua /lua/; bambu /bbu/ amigo /migu/; gozo /gozu/

// // /e)/

/u/

u o

As regras contextuais podem ter aplicao universal ou parcial. O primeiro tipo de aplicao refere-se aos casos em que temos, por exemplo, o grafema g com som de [g], o qual ser sempre usado em slabas cujas vogais sejam a, o ou u. J o dgrafo gu, com som de [g], ser usado sempre que preceder os grafemas voclicos e ou i. No caso da aplicao parcial, a regra opera em alguns contextos nos quais se d a concorrncia entre grafemas. Como exemplo desse segundo tipo, est a representao dos fonemas /i/ e /u/ em posio tona, j que a regra s define o uso dos grafemas e e o em posio tona final, sem estabelecer um princpio gerativo para a representao dos mesmos fonemas, quando so tonos em outras posies. Temos, por exemplo, palavras como seguro- cigarro e cobrir - curar em que as vogais pretnicas so grafadas com e-i e o-u, respectivamente, ainda que sejam produzidas foneticamente como [i] e [u]. O terceiro grupo proposto por Morais, o das correspondncias fonogrficas de tipo regular morfolgico, orientam a escolha de grafemas que podem representar um mesmo fonema de morfemas derivacionais (prefixos e sufixos) ou flexionais (Mateus, 1975), levando-se em conta a categoria gramatical qual pertence a palavra em questo. O quadro abaixo exemplifica palavras com grafemas submetidos s regras de tipo morfolgico.

40

Quadro 2.2.4.3: Correspondncias fonogrficas de tipo regular morfolgico: segundo Morais.Correspondncias fonogrficas de tipo regular morfolgico notao regra exemplos eza esa ez s au al oso ice isse asse, esse agem ajem nome derivado gentlicos final de nomes gentilcios -------------final de adjetivos coletivos final de adjetivos final de nomes flexo de subjuntivo flexo de subjuntivo final de nomes flexo de verbos acabados em ejar flexo 3 pessoa plural futuro flexo 3 pessoa plural de outros tempos infinitivos pobreza /pobreza/ portuguesa /puxtugeza/ estupidez /istupidey/ portugus /puxtugei/ sucursal /sukuxsau/; pau /pau/ formal /foxmau/ cafezal /kafezau/ famoso /fmozu/ burrice /buxici/ partisse /paxtisi/; cantasse /ktasi/; comesse /kmesi/ viagem /via)i/ viajem /via)i/; velejem /vele)i/ cantaro /ktarw/ cantam /ktw/; cantavam /ktavw/; cantaram /ktarw/ cantar /ka t/; comer /kome/

o am ar, ir, er

Como podemos observar, os adjetivos que terminam com o sufixo /eza/ so sempre notados com o grafema s, enquanto os substantivos derivados que terminam com o mesmo sufixo, so notados com z. Sobre as flexes verbais, a norma estabelece que os infinitivos dos verbos levam sempre o grafema r ao final e que todas as desinncias do imperfeito do subjuntivo so notadas com o dgrafo ss. H tambm normas, conforme especificado no quadro anterior, que fazem referncia ao final de substantivos e de gentlicos; ao final de adjetivos e coletivos; ao final de adjetivos terminados pelo sufixo oso, entre outros. O quarto grupo, classificado por Morais, o das correspondncias fonogrficas de tipo irregular. Esse grupo inclui todos os casos nos quais a norma fixa formas nicas autorizadas, sem prover nenhum princpio gerativo que permita ao

41

usurio decidir qual ser o grafema adequado entre os dois ou mais grafemas que, segundo o sistema alfabtico da lngua, podem representar um ou uma seqncia de fonemas. As correspondncias fonogrficas de tipo irregular, em portugus, envolvem especialmente a notao das consoantes fricativas /s/, /z/, //, //, conforme o quadro 2.2.4.4 exemplifica.

Quadro 2.2.4.4: Correspondncias fonogrficas de tipo irregular: segundo Morais.Correspondncias fonogrficas de tipo irregular fonema grafema exemplos /s/ s c z x ss sc s xc z s x x ch z g j l lh h i e u o seguro /siguru/ cidade /sidadi/ paz /pas/ fora /foxsa/ auxiliar /ausili/ classe /klasi/ piscina /pisina/ cresa /kresa/ exceto /estu/ gozado /gozadu/ casa /kaza/ exame /izami/ xale /ali/ chave /avi/ rapaz /rapai/ gelo /elu/ jil /il / Jlio /uiu/ julho /uiu/ hora / ra/ cigarro /sigaxu/ seguro /siguru/ urubu /urubu/ orelho /ore u/

/z/

//

//

/ / zero /i/ /u/

42

2.2.5 Proposta de MOOJEN Moojen (1985, revisado 1995, 2001), com o objetivo de padronizar um teste de escrita ortogrfica de 3 a 8 srie elaborou um ditado balanceado para verificar a freqncia de erros de conversor fonema-grafema, regras contextuais e regras arbitrrias, estabelecendo mdia e desvio padro da turma testada. Os critrios para elaborao do ditado que propicie ambiente para a ocorrncia da maioria das dificuldades ortogrficas, seja de fcil aplicao pelo professor e que reflita, de forma mais aproximada possvel, a freqncia de uso da letra no vocabulrio da lngua portuguesa. A autora baseou-se na anlise dos cadernos e ditados de crianas com dificuldades ortogrficas, pr fixando um conjunto de erros comuns e selecionando 50 palavras para ditado. Nos quadros 2.2.5.1, 2.2.5.2. e 2.2.5.3 podemos observar exemplos dessa caracterizao: Quadro 2.2.5.1: Conversor fonema-grafema: segundo Moojen (1995)Caracterizao Surda sonora trocas /p/ /b/; /t/ /d/; /f/ /v/; /k/ /g/; /s/ /z/; // ; // . Exemplos assar, aar para azar amazar para amassar facenda para fazenda explosso, exploo para exploso essame para exame Substituio aleatria trocas entre os grafemas no comuns e no classificadas em outra categoria da grade Tambm so includas as trocas l/r que podem ocorrer na fala amachar, bozado, alguel, chimaco, chinarro,sejeira, combalhota, chova trao/fao, jugeira, acho, exerchito, serrone, choenho, timarro exempro

Mestre em Educao pela URGS, fonoaudiloga e psicopedagoga clnica, professora dos cursos depsicopedagogia da URGS, URI-Erechin, UNIFRA-Santa Maria.

43

Inverso

troca

de

grafemas

com b/d gozabo; besfile; cbigo;

orientao espacial oposta ou camdalhota; quedro inverso dos grafemas S/Z

Transposio

deslocamento de grafemas intra e nacser, decser. picsina, birncam, gdico, intersilbico arca, exso para sexo, chaco para choca, esploxo, espoxo para exploso, ferlexo para reflexo, exseplemo para exemplo, juseira, esesitor para exrcito

Omisso

de supresso de um grafema sem exposo ser dgrafo. reduo de ditongo fanda para fazenda; desili para desfile psina para piscina

letras ou slaba

Adio de letras Letra acrescentada excluindo-se bisaav, bisavoo, enncendio, aucara, cunha os dgrafos ss, rr para unha, causar para causa

Quadro 2.2.5.2: Regras contextuais: segundo Moojen. I nvel simplesR/RR C/Q, G/GU em incio de palavra e E, I E/I O/U NASALIZAO M/N em final de slaba horor, chimaro; xarrope, experrincia; c/qu- cebram, quambalhota, qausa, briqam g/gu- guente, algm, guorro, vaguo, vinguana ujeira exerito, inndio, naser galu, gozadu, genti, joelhu, desfili, exemplu, cdigu; manha/manh, manhan, uinha, incendinho quebran, brincan, exenplo;

II Os erros de acentuao so considerados, pela autora, como o segundo nvel dos erros contextuais.

44

Quadro 2.2.5.3: Regras arbitrrias: segundo Moojen.L /U H J/G L, LI/LH X/Z X/S S C SS SC s inicial c inicial e antes de e, i antes de a, o, u entre vogais dentro da palavra entre vogais dentro da palavra relaciona-se s substituies em formas no verbais sinau, saldade relaciona-se ao H inicial, tanto acrscimo como orror, hunha omisso incluem-se, nesta categoria, as situaes em que o j sugeira e o g precedem e/i goelho desfilhe, joelio, cambaliota, joelo casos em que o x tem som de z ou em que o s tem ezame, som de z cauxa esploso, estra xexo/sexo cianal/sinal insndio, experinsia, cerrote; fasso, faso, vingansa, vinganssa vosa, voa/ vossa; vasoura nacer, naser, deser, pisina, ezemplo, ezrcito, augum, calsa,

Conversor Fonema-Grafema: considera as trocas de letras surda/sonora, exemplificadas no quadro. Regras Contextuais: os erros de acentuao em proparoxtona, paroxtona, oxtona, adio de acento e troca de acento esto nessa classificao. Regras Arbitrrias: os casos de irregularidade do sistema.

45

2.2.6 Proposta de TESSARI TESSARI, 2002, considerando a natureza da ortografia fontico-fonmicoetimolgica, prope uma categorizao de alteraes ortogrficas, uma vez que seu objetivo de pesquisa analisar a relao fonologia-ortografia. Aps minucioso estudo das regras operantes no sistema fonolgico do portugus a autora classifica essas alteraes ortogrficas conforme quadro 2.2.6.1

Quadro 2.2.6.1: Alteraes ortogrficas: segundo Tessari.a) Desvios da vogal tona postnica: Alteraes ortogrficas em funo da atonicidade das vogais. - representao da vogal o: ex. Florianpulis por Florianpolis. - representao da vogal e: ex. indginas por indgenas. b) Desvios de representao da vogal pretnica; -representao da vogal e; ex: piqui- nique por piquenique. -representao da vogal o; ex: fucinho por focinho. Alteraes ortogrficas decorrentes de representaes mltiplas a) Desvios de representao ortogrfica do fonema /s/, sem alterao de fonema: - representao pela letra s:ex: serto para certo; - representao pelas letras ss: ex: servissos por servios; - representao pela letra c: ex: cempre para sempre. - representao pela letra : ex: voe por voc. - representao pelas letras sc; ex: prescisei por precisei. b) Desvios de representao ortogrfica do fonema /s/, com alterao do fonema: - representao pela letra s; ex: desendentes para descendentes - representao pela letra x; ex: exelente por excelente.

Professora em Iju, Mestre em Letras, Lingstica Aplicada, pela UCPEL.

46

c) Desvios de representao do fonema /z/: - representao pela letra z;ex: vizitar por visitar. - representao pela letra s; ex: diser por dizer. d) Desvios de representao do fonema //. - representao pela letra x; ex: maxado por machado. - representao pelas letras ch; ex: brucha por bruxa. - representao pela letra c; ex: cegada para chegada. e) Desvios de representao do fonema //; ex: surje para surge e viagei para viajei. f) Desvios de representao do fonema /k/; ex: cual para qual e qrida para querida g) Desvios de representao da seqncia [)w)]; -representao pelas letras am; ex: feijam por feijo. -representao pelas letras o; ex: foro por foram. h) Desvios relacionados a vibrante /r/. -representao pela letra r com alterao de sentido; ex: aros por arroz. -representao pela letra r sem alterao de sentido; ex: caroa por carroa. -representao pelas letras rr sem alterar sentido; ex: entrarram por entraram. Alteraes ortogrficas decorrentes de relaes seqenciais. a) Desvios da consoante l em coda; -representao pela letra u, alterando o sentido: ex:mau para mal. Sem alterar o sentido: ex: auguns por alguns, b) Desvios de representao da fricativa /S/ em coda silbica simples; ex: atris para atriz; arvorez por rvores. c)Desvios de representao da nasal em coda silbica; ex: sabemdo para sabendo; algun para algum d) Desvios pela substituio de consoante em ataque simples: ex: forniga por formiga. e) Desvios em coda complexa: ex: augus para alguns; contruo por construo. f) Desvios pela omisso da consoante em coda simples: ex: coseguiram por conseguiram. g) Desvios pelo processo de omisso de elemento do ncleo silbico:

47

ex: chacra para chcara h)Desvios pela epntese: ex: caboculos para caboclos; obejetos por objetos. i) Desvios pela mettese; ex: nacsi para nasci. j) Desvios pelos falsos ditongos; ex: relojoeros para relojoeiros, dinhero para dinheiro. l) Desvios relacionados s consoantes complexas // e //: ex: nhtiam por tinham; mah por manh e lh- coleita por colheita; trilios por trilhos. Alteraes ortogrficas em funo da etimologia Alteraes ortogrficas decorrentes da hipercorreo Alteraes ortogrficas provenientes de segmentao vocabular a) Desvios de representao segmentao vocabular; -representao por hipo-segmentao ex: denovo para de novo. - representao por hiper-segmentao; ex: em bora para embora, que rida para querida. a) Desvios por generalizao de regras fonolgicas; ex: estalavam para instalavam; familha para famlia; enteiro para inteiro; museo para museu. a) Desvios pela omisso da letra h; ex: egiene para higiene.

Na categorizao de alteraes em funo de atonicidade da vogal, a autora inclui tanto elevao, quanto harmonia. Nas alteraes ortogrficas decorrentes de representaes mltiplas, refere que a relao fonema/letra no corresponde, na maioria das vezes, ao modelo ideal do sistema alfabtico, que seria o de que a cada letra correspondesse um fonema e a cada fonema, uma letra, ou seja, de biunivocidade. Essa correspondncia acontece em poucos casos, e as outras relaes ocorrem dependendo do contexto e da concorrncia. Dessa forma, o fonema /s/ pode ser representado pelas letras: s, ss, c, , sc, x, xc, s, x. Apresenta os fonemas /z/, //, /k/, // e as respectivas representaes como exemplos citados no quadro acima. Tambm refere as representaes diferenciadas

48

de fonemas conforme o contexto, para as letras g e c. A g representa o fonema // seguido das vogais e e i, diante das vogais a, o e u representada pelo fonema /g/ e ainda diante de encontros consonantais como gue e gui. A c representa o fonema /k/ seguido das vogais a, o e u; entretanto, seguida das vogais e e i representa o fonema /s/. Os dgrafos nh e lh, representam, na escrita, respectivamente, os fonemas // e //. Esses ocupam, na fonologia do portugus, somente o ataque silbico dentro da palavra. Explica as alteraes ortogrficas decorrentes da estrutura silbica como: substituio e omisso de segmentos; epntese; mettese e falsos ditongos, conforme exemplificado no quadro acima. A origem das palavras considera as alteraes ortogrficas, em funo da etimologia, como determinante das relaes mltiplas entre letras e fonemas. Exemplos: as palavras jeito, majestade, hoje, que so escritas com j para representar // porque so de origem latina; as palavras lgebra, ginete, girafa na representao grfica desse mesmo fonema, tm a letra g, so de procedncia rabe. A autora considera, ainda, erros decorrentes de supergeneralizao e erros por segmentao vocabular. Uma categoria complicada para uma classificao refere-se a alteraes ortogrficas decorrentes de relaes seqenciais, uma vez que o que s fonolgico confunde-se com o que fontico/fonolgico.

2.2.7 Proposta de ZORZI O autor (ZORZI, 1998), desenvolveu uma pesquisa para analisar a produo escrita de estudantes das quatro primeiras sries iniciais do 1 grau, assim como acompanhar a trajetria de apropriao do sistema de escrita e os erros encontrados nesse processo. Organizou um quadro classificatrio composto por dez categorias ou tipos de alteraes ortogrficas que foram mais encontradas na escrita das crianas em geral. Fonoaudilogo, Mestre em Distrbios da Comunicao pela PUC-SP. Doutor em Educao pelaUNICAMP. Professor de Fonoaudiologia da PUC-SP. Professor do Cefac- Curso de Especializao em Fonoaudiologia Clnica49

A transcrio, nos quadros abaixo, possibilitar uma viso ampla dessa organizao feita pelo autor.

Quadro 2.2.7.1: Alteraes decorrentes de representaes mltiplas: segundo Zorzi.1. Alteraes ou erros decorrentes da Ex. caador/ casador; explicao/esplicaso; cresceu/creseu; 1.1 Relativo grafia do fonema /s/: 1.2 Relativo grafia do fonema /z/: presente/prezente; tristeza/tristesa;

possibilidade de representaes mltiplas.

1.3 Relativo grafia do fonema //:

manchar/ manxar; churrasco/xurrasco; tijolo/tigolo; gelatina/jelatina;

1.4 Relativo grafia do fonema //:

1.5 Relativo grafia do fonema /k/:

seqestrador/secuestrador; quarto/cuarto;

1.6 Relativo letra g que pode representar o som // gue e gui com e e i, e som de /g/ quando j/ga; seguir/ segir; antecede a, o e u ou nas construes silbicas sangue/sange;

1.7 Relativo letra c

quero/cero; quebrado/ cebrado;

1.8 Relativo ao uso das letras m e n para indicar perguntou/ pergumtou; nasalidade: , am, e an; em e en; im e in; om e combinar/conbinar; on; um e un tambm/tanben

50

Quadro 2.2.7.2: Outras alteraes: segundo Zorzi.

Ex. soltou/soutou; trabalhar/trabaliar; 2. Alteraes ortogrficas decorrentes de apoio quente/queiti; dormir/ durmi; se importa/ na oralidade. sinporta

3. Omisses de letras.

Exemplos: sague/ sangue, quemar/queimar, coida /coitada.

4. Alteraes caracterizadas por juno ou Exemplos: separao das palavras. naquele.

asvezes/s

vezes,

na

quele/

5. Alteraes decorrentes de confuso entre as Exemplo: falaram / falaro. terminaes am e o. 6. Generalizao de regras Ex. cinema /cenema.

7. Alteraes caracterizadas por substituies envolvendo a grafia de fonemas surdos e sonoros.

Exemplos: peganto/pegando; vome/fome; cato/gato; bato/pato.

8. Acrscimo de letras.

Exemplos: manchugar/machucar, estatava /estava, fuigiu /fugiu.

9. Letras parecidas.

Exemplos: timha/tinha, caminlo/caminho, nedo /medo, caclorro/ cachorro.

10. Inverso de letras.

Exemplos: pober/pobre, farquinho/ fraquinho

11. Outras.

Exemplos: jange/sangue; gurcha/ bruxa, parcicho /parecido, britos /labirinto.

51

2.2.8 Comentrios sobre as propostas estudadas

O estudo realizado sobre as classificaes de erros ortogrficos propostas pelos autores mencionados, nas sees anteriores, leva-nos a refletir sobre algumas dessas formas de interpretar e classificar esses erros. Interpretamos e entendemos que cada autor, ao apontar categorias para a anlise dos erros, contribui para a compreenso da aquisio da escrita ortogrfica, mas que, dada a complexidade do tema, algumas questes carecem de uma anlise mais minuciosa. Percebemos que a proposta de Lemle (1982) subjaz a todas as outras, porquanto as noes originalmente apresentadas por ela, relativas s relaes que se estabelecem entre os fonemas e os grafemas podem ser observadas em todos os estudos examinado