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Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro A Guarda Compartilhada no Código Civil. Deborah Carlos Nigri Rio de Janeiro 2011

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Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro

A Guarda Compartilhada no Código Civil.

Deborah Carlos Nigri

Rio de Janeiro 2011

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DEBORAH CARLOS NIGRI

A Guarda Compartilhada no Código Civil.

Artigo Científico apresentado à Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro como exigência para obtenção do título de Pós-Graduação. Orientadores: Prof. Guilherme sandoval Prof. Mônica Areal Prof. Kátia Silva Prof. Néli Fetzner Prof. Nelson Tavares Prof. Rafael Iorio

Rio de Janeiro

2011

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A GUARDA COMPARTILHADA NO CÓDIGO CIVIL

Deborah Carlos Nigri

Graduada em Direito pela Universidade Estácio de Sá. Pós Graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes. Advogada.

Resumo: A evolução da sociedade levou o Legislador a inserir no texto do Código Civil o instituto da guarda compartilhada, que já era utilizada por alguns magistrados antes mesmo da sua normativização. Porém, o Legislador não esgotou o tema, o que fez surgir várias dúvidas quanto a sua aplicação, como quais são os critérios para a sua fixação, a fixação dos alimentos. Esse estudo visa auxiliar os aplicadores do direito na compreensão do instituto, bem como verificar quais os critérios deverão ser analisados para a sua decretação. Palavras-Chave: Direito Civil. Direito de Família. Dissolução do Casamento. Filhos. Poder Familiar. Guarda. Súmario: Introdução. 1. O Direito de Família. 1.1. O Poder Familiar. 1.2. Da proteção dos filhos. 1.2.1. Princípio do melhor interesse do menor. 2. O Instituto da Guarda. 2.1. A Guarda Unilateral. 2.1.1. Dos direitos do genitor não guardião. 2.2. A Guarda Compartilhada. 3. A fixação da Guarda Compartilhada. 3.1. As vantagens da Guarda Compartilhada. 3.2. As desvantagens da Guarda Compartilhada. 3.3. A fixação dos alimentos na Guarda Compartilhada. 3.4. Descumprimento das cláusulas da guarda. 4. Princípios constitucionais inerentes à guarda compartilhada. 4.1. Princípio da dignidade da pessoa humana. 4.2. Princípio da proteção integral à criança e ao adolescente. Conclusão. Referências.

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INTRODUÇÃO

Com o presente trabalho, busca-se estabelecer critérios objetivos para que o juiz

decrete a guarda compartilhada, já que não há previsão no ordenamento jurídico pátrio dos

critérios a serem utilizados para essa modalidade de guarda. Assim como para a fixação dos

alimentos devidos ao menor, uma vez que esse passará um período de tempo com cada um

dos seus genitores.

O artigo 1.583 do Código Civil enumera quais os fatores que o juiz deverá observar

para determinar a guarda unilateral do menor.

No tocante à guarda compartilhada, o Código Civil não traz nenhum requisito para sua

decretação, só estabelece que poderá ser decretado pelo juiz em atenção às necessidades

específicas do filho ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio do filho com

o pai e com a mãe, conforme a redação do artigo 1584, II do referido diploma legal.

Assim, pretende-se fixar quais os critérios de que o juiz deverá se valer para

determinar a guarda compartilhada e averiguar se é possível utilizar os mesmos da guarda

unilateral.

Além disso, uma vez estabelecida a guarda compartilhada, como serão fixados os

alimentos, tendo em vista que ambos os pais devem arcar com as despesas do filho e não

somente com as despesas inerentes ao período em que o menor estiver sob sua guarda.

Busca-se analisar se a guarda compartilhada atende ao princípio do melhor interesse

do menor, uma vez que impõe a convivência dos pais separados, o que poderá gerar um

ambiente de eterno conflito para os filhos. E o atendimento do princípio da dignidade da

pessoa humana em relação aos pais, que terão que continuar convivendo mesmo após a

separação, o que pode representar um ônus para os ex-cônjuges.

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A elaboração do presente artigo foi baseada nos dispositivos referentes ao assunto

constantes na Constituição Federal, bem como no Código Civil, no Estatuto da Criança e do

Adolescente, na Lei 6515/77 (Lei do Divórcio), e também na jurisprudência dos Tribunais.

Assim, como o tema foi recentemente incluído no ordenamento jurídico pátrio e ainda

não há bases sólidas para orientar a sua aplicação, justifica-se a escolha com o objetivo de

contribuir para a melhor aplicação do instituto, em cumprimento aos princípios

constitucionais que estabelecem a observância do melhor interesse do menor e da dignidade

da pessoa humana.

1. O DIREITO DE FAMÍLIA

Devido às grandes modificações ocorridas nas últimas décadas no âmbito do Direito

de Família, principalmente com a evolução dos costumes e hábitos da sociedade, e com a

promulgação da Constituição Federal da República de 1988, houve uma reformulação dos

critérios interpretativos adotados em matéria de família.

O direito manifesta cuidados especiais com a família. E nisso, revela já a diferença

muito grande com o passado. As leis e os códigos falavam nas relações familiares, aludiam ao

casamento, à filiação, ao regime de bens, mas não mencionava a palavra “família”.

Curioso saber que a família é uma instituição despida de personalidade jurídica e que,

alguns juristas franceses quiseram atribuir personalidade jurídica a ela sob a alegação de

existência de direitos próprios que pertencem ao grupo e não aos seus membros

individualmente.

Devido às variações que ocorreram na instituição familiar ao longo do tempo, é essa

de grande relevância para o Direito, pois altera toda cultura de uma sociedade e

conseqüentemente as normas jurídicas a ela imposta.

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A instituição familiar deve ser sempre analisada tendo em vista o caráter nacional do

Direito de Família, bem como as especificidades de cada país, as culturas, civilizações,

regimes políticos, sociais e econômicos, que repercutirão nas relações familiares.

Para melhor situar o Direito de Família e caracterizá-lo devidamente, cumpre

mencionar a divisão clássica do Direito nas duas grandes categorias: Direito Público e Direito

Privado.

O Direito de Família ocupa posição destacada no Direito Privado e é tratado como

ramo do Direito Civil. É constituído pelo complexo de normas que disciplinam as relações

familiares, isso é, daquelas que ocorrem entre pessoas ligadas pelo parentesco e pelas relações

afetivas, como por exemplo, o casamento e a união estável.

Cumpre salientar que o Direito de Família é protegido por disposições de ordem

pública e pelo extremo formalismo que lhe é peculiar, uma vez que são irrenunciáveis,

intransferíveis, e imprescritíveis.

1.1. O PODER FAMILIAR

Em Roma, o Pater Familias, como era denominado aquele que exercia o poder

familiar, possuía poderes irrestritos em relação aos seus filhos. Ao Estado não era permitido

interferir nessa relação. Assim o detentor do poder familiar além de ter total liberdade para

gerir a vida dos filhos, podia inclusive vendê-los, se assim desejasse. Pois, havia autorização

expressa na Lei de XII Tábuas.

Visando à proteção dos menores, em 20 de novembro de 1989, a Assembléia Geral das

Nações Unidas aprovou a Convenção sobre os Direitos da Criança, a qual foi ratificada pelo

Brasil em 20 de setembro de 1990.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, assegurou os direitos

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dos menores. No ano de 1990 foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente, com o

objetivo de dar eficácia a esses direitos.

Assim, de acordo com esses diplomas legais cabe à família, à sociedade e ao Estado

assegurar aos menores os direitos neles previstos.

O instituto do Pátrio Poder sofreu grande evolução ao longo da história, dentre elas a

sua denominação, sendo substituído por Poder Familiar, expressão esta adotada pelo Código

Civil de 2002. Nas palavras do professor Paulo Nader1 “na história do poder familiar houve

um longo processo de mudanças, marcado por uma constante superação de abusos dos pais

em relação aos filhos.”

A expressão “Pátrio Poder” perdeu sua razão de ser, uma vez que Código Civil de

2002 no seu artigo 1.631 estabeleceu a igualdade entre a mãe e o pai no exercício do poder

familiar. Anteriormente, a lei atribuía preferência ao pai por apego à tradição histórico-

cultural.

O Poder Familiar, mais do que um poder, é um dever. Consiste no conjunto de deveres

que os pais possuem perante seus filhos menores ou maiores incapazes. Assim, os pais devem

zelar para que os filhos cresçam cercados de todos os cuidados necessários para o seu

desenvolvimento físico, intelectual e cultural.

Em regra, o poder familiar dura por todo o período da menoridade. No entanto, em

algumas hipóteses, pode ser suspenso, destituído ou extinto.

Efetivamente, quando verificado o mau comportamento dos pais, capaz de prejudicar

os filhos, o ordenamento jurídico reage e, dependendo da gravidade da falta, pode acarretar a

suspensão ou destituição do poder familiar.

A suspensão é temporária e admite reintegração, já a destituição é definitiva. Ambas

são decretadas por decisão judicial.

1 NADER, Paulo. Curso de direito civil: direito de família. 2. ed. Rio de Janeiro:Forense, 2008, v.5, p. 244.

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Já a extinção do poder familiar dá-se com a morte dos pais ou do filho, com a

emancipação do menor, de sua adoção e da maioridade. Assim, não há a extinção deste

instituto com a separação, o divorcio ou a dissolução da união estável.

O fim da relação entre os pais não interfere nos seus direitos e deveres em relação a

prole. Já que o exercício do poder familiar continua mesmo após a separação, pois a unidade

familiar persiste, trata-se de um elo que se perpetua. Após a separação somente se faz

necessário definir a guarda dos filhos.2

Sendo assim, o poder familiar é um conjunto de prerrogativas legais reconhecidas aos

pais para criação, orientação e proteção dos filhos.

1.2. DA PROTEÇÃO DOS FILHOS

O Código Civil de 2002 inovou ao trazer um capítulo (capítulo XI, do Livro IV) que

trata da proteção da pessoa dos filhos, capítulo seguinte ao que trata da dissolução da

sociedade e do vínculo conjugal. A matéria está disciplinada nos artigos 1.583 a 1.590 do

Código Civil.

Este capítulo traz regras que dizem respeito à guarda, ao direito de visita e a prestação

de alimentos dos pais em relação aos filhos.

Na vigência do Código Civil de 1916, quando ocorria o desquite do casal, caso

houvesse filhos menores, esses ficavam com o “cônjuge inocente”.

Assim, os filhos eram vistos como um a espécie de prêmio, pois o cônjuge inocente

permanecia com eles; em contrapartida, o cônjuge culpado pela separação era punido com a

da perda da guarda da prole.3

Essas regras levavam em consideração somente a culpa dos pais, não atentava para os

2DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5.ed. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2008, p. 398. 3 Ibidem, p.397.

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direitos e interesses dos filhos.

Existia uma nítida preferência para que os filhos permanecessem com as mães, mesmo

nos casos em que ambos os cônjuges fossem culpados. Isso se dava em decorrência do

despreparo dos pais em lidar com seus filhos, pois essa sempre foi uma tarefa desenvolvida

exclusivamente pelas mães durante anos e anos.

Os filhos somente não permaneciam sob a custódia da mãe em casos excepcionais,

quando o interesse do menor podia ser afetado.

Essa forma de decidir parecia razoável em razão do contexto social existente à época,

já que o normal era a mulher não trabalhar fora e era extremamente comum dedicar o seu

tempo integral aos filhos e ao lar.

Essa visão só foi modificada com o advento da Constituição Federal de 1988 que em

seu artigo 226, §5º trouxe a igualdade entre homens e mulheres no tocante aos direitos e

deveres em relação ao casamento e aos filhos. Por outro lado, o Estatuto da Criança e do

Adolescente tornou obrigatória a observância dos interesses da criança e do adolescente, que

passaram a serem tratados como sujeitos de direitos.

1.2.1. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR

Com o Código Civil de 2002, passou a vigorar o princípio do melhor interesse do

menor. A partir disso, não mais se analisa quem deu causa ou não à separação. Passa-se a

verificar qual dos cônjuges demonstra melhores condições para cuidar dos filhos.

De acordo com a autora Maria Helena Diniz4, isso deve ser feito “respeitando a sua

dignidade como ser humano e seus direitos da personalidade, satisfazendo suas necessidades,

acatando suas relações de afetividade e procurando seu bem-estar”.

4 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 15.ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 1118.

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O princípio em comento passou a ser visto como direito fundamental da criança,

tornou-se norma cogente, em razão da ratificação pelo Brasil da Convenção da ONU0/89.

Esse princípio deve nortear todas as decisões referentes aos filhos quando houver a

dissolução da sociedade conjugal, incluído a guarda, o direito de visitação do cônjuge não

guardião, até mesmo o valor dos alimentos devidos ao menor.

2. O INSTITUTO DA GUARDA

Em princípio, a criança e o adolescente devem ser criados no seio de sua família

natural, que é a comunidade formada pelos pais, ou qualquer deles e seus descendentes. Neste

propósito, estabelece a lei que a todos deve ser assegurada convivência familiar e

comunitária.

Atualmente ocorrem inúmeras separações de casais, o que reflete na situação dos filhos.

Não sendo mais viável manter a unidade familiar, torne-se necessário discutir a guarda dos

filhos. Nas palavras da professora Maria Berenice Dias5 “falar em guarda pressupõe a

separação dos pais”.

As divergências quanto à guarda só vêm a aparecer após a dissolução da sociedade

conjugal, uma vez que enquanto esta não for dissolvida haverá um comum acordo em relação

à guarda, pois ambos os pais a tem de forma conjunta e harmônica.

Durante a vigência da sociedade conjugal, tanto o pai como a mãe possuem em

conjunto o poder familiar e a guarda dos filhos. Com a dissolução dos laços matrimoniais, o

poder familiar continua sendo inerente a ambos e a guarda pode deferida a um ou a ambos os

pais.

Porém, aquele que não ficar com a guarda terá deferido o direito de visita, para garantir

5 DIAS, op.cit., p. 398.

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o convívio com o filho, que será exercido de acordo com as condições estabelecidas pelos

pais ou pelo juiz. Trata-se de um direito irrenunciável, uma vez que o maior interesse é o de

menor, o de poder conviver com ambos de seus genitores.

A atribuição da guarda deve ser deferida conforme as necessidades, os direitos e as

limitações dos filhos, como impõe o princípio do melhor interesse do menor, anteriormente

analisado.

Porém, deve-se reconhecer que aquele que detém a guarda é quem tomará as decisões

do dia-a-dia do menor, que antes eram tomadas em conjunto pelo pai e pela mãe.

O Código Civil menciona o instituto da guarda em diversos capítulos, como por

exemplo, naquele que trata do reconhecimento dos filhos nos artigos 1.111 e 1.612, bem

como no capítulo destinado à proteção dos filhos, artigos 1.583 a 1.590.

Porém, o legislador não se preocupou em definir o que é a guarda. Deixou essa tarefa

de forma acertada para os doutrinadores. No entanto, definiu a que vem a ser a guarda

unilateral e a guarda compartilhada, que serão objeto de estudo mais adiante.

De acordo com o professor Paulo Nader6, por guarda deve-se entender não apenas o

poder de conservar o menor sob vigilância e companhia, mas fundamentalmente o de orientá-

lo, dando-lhe a assistência que necessita, sem com isto exonerar a responsabilidade de

outrem.

Nas palavras de Rolf Madaleno7, em seu artigo do Código de Famílias comentado, a

guarda dos filhos:

No seu sentido jurídico está representada pela convivência da prole com os pais sob o mesmo teto, ambos atendendo com o dever de assistência material e psicológica necessários à subsistência material e ao desenvolvimento psíquico dos filhos, até que eles alcancem a plenitude da sua capacidade civil.

A guarda decorre da separação de fato ou de direito dos pais, que pode se dá de forma

6 NADER, op.cit., p. 244. 7 MADALENO, Rolf. Capítulo XI. In: ALVES, Leonardo Barreto Moreira (Coord). Código das famílias comentado. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 190.

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consensual ou litigiosa. Em havendo consenso entre os cônjuges, o critério que deverá

nortear a definição da guarda dos filhos será a vontade dos próprios genitores, que deverão

decidir de acordo com o que entendem ser melhor para os seus filhos.

No entanto, mesmo nesses casos, a decisão dos pais depende de homologação judicial,

o que só será possível após a oitiva do representante do Ministério Público. Constatado pelo

juiz que tal decisão não atende ao melhor interesse do menor poderá decidir de forma diversa,

que melhor se ajuste ao interesse da criança.

Já nos casos de separações litigiosas, como não há acordo entre as partes caberá ao juiz

a decisão de com quem ficará a guarda dos filhos. Essa decisão evidentemente também

deverá ser norteada pelos interesses do menor, e observará as necessidades específicas do

filho e a distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.

Da mesma forma o representante do Ministério Público deverá ser ouvido a respeito da

decisão judicial que fixar a guarda.

A guarda, decorrente de separação judicial consensual ou litigiosa, pode ser objeto de

revisão, através de ação própria, já que o interesse que prevalece é o do menor, tanto a

sentença que fixa a guarda, como a que homologa o acordo, não fazem coisa julgada. Assim

pode ser modificada a qualquer momento, conforme o interesse do menor, desde que haja

alteração da situação de fato. Vigora no Direito de Família a premissa da cláusula rebus sic

stantibus, o que permite a mudança da decisão a qualquer tempo.

Mesmo nos casos em que tenha sido concedida a guarda unilateral a um dos genitores,

antes do advento da guarda compartilhada, pode qualquer um dos consortes requerer a

alteração da modalidade de guarda, adotando-se a guarda compartilhada.

O artigo 1583, § 2º do Código Civil diz que a guarda deve ser concedida ao “genitor

que revele melhores condições para exercê-la”, assim surge a difícil questão que norteia o

instituto da guarda: que melhores condições seriam essas?

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Depois de muitas discussões doutrinárias e jurisprudenciais pode-se afirmar que se trata

de melhores condições morais, econômicas, de qualidade de vida, de propiciar melhor

educação, o que permite o pleno desenvolvimento intelectual e emocional da prole, de saúde,

de manter o mesmo padrão de vida que os filhos tinham antes da separação dos pais, de

disponibilidade de tempo, de afetividade, dentre outras.

O juiz para orientar sua decisão também poderá se valer, se entender necessário, de

profissionais especializados, como psicólogos, assistentes sociais, ou até mesmo de uma

equipe interdisciplinar. Deverá também analisar o comportamento e as características de

ambos os genitores, sem deixar de ouvir o menor e as pessoas a ele ligadas.

Importante ressaltar que o depoimento do menor deverá ser analisado de acordo com a

sua maturidade. Sendo pacífico na doutrina e jurisprudência que o menor entre 10 (dez) e 12

(doze) anos já possui condições de manifestar a sua vontade em relação com quem deseja

permanecer.

Após todas essas averiguações, se o juiz verificar que os pais não apresentam condições

de obter a guarda do filho menor, essa poderá ser deferida a terceiros, que deverá ser pessoa

idônea da família de qualquer dos consortes, desde que demonstre condições para tanto e

tenha relação de afinidade ou de afetividade com o menor.

Não obstante essa possibilidade esteja prevista no artigo 1.584, parágrafo quinto, que

trata da guarda compartilhada, o professor Carlos Roberto Gonçalves8, sustenta que esse

dispositivo também se aplica a guarda unilateral, e que se deve realizar uma interpretação

conjunta desse artigo com o caput do artigo, que fala nas duas modalidades de guarda.

2.1. A GUARDA UNILATERAL

8 GONÇALVES, op.cit., p. 287.

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Assim conforme ensina Rolf Madaleno9, a guarda unilateral ainda é o modelo

tradicional. Nessa modalidade a guarda dos filhos é concedida a apenas um dos pais, seja em

decorrência de acordo entre eles ou de determinação judicial.

Essa modalidade de guarda apresenta como ponto negativo o fato de privar o filho da

convivência diária com um de seus genitores. Por esta razão, após o advento da Lei

11.698/08, passou-se a dar preferência à guarda compartilhada, que será objeto de estudo

mais adiante.

No tocante à guarda unilateral, a Lei, em seu artigo 1583, parágrafo segundo, fixou os

critérios objetivos que devem ser observados pelo juiz para sua decretação. Esses fatores não

apresentam uma ordem de preferência, mas devem ser analisados de forma global, sempre

buscando o melhor interesse do menor.

Além desses fatores objetivos, outros subjetivos devem ser analisados, como por

exemplo, dignidade, respeito, lazer, esporte, profissionalização, alimentação e cultura. Todos

englobados na expressão já examinada “melhores condições para exercê-la”.

Já que o princípio do melhor interesse do menor não pode ser efetivado somente

utilizando-se os fatores elencados pelo legislador, uma vez que se trata de conceito jurídico

indeterminado, devendo ser analisado de forma casuística.

2.1.1. DOS DIREITOS DO GENITOR NÃO GUARDIÃO

Concedida a guarda unilateral a um dos genitores, imediatamente será deferido ao

genitor não guardião o direito de visitação. Além disso, poderá ele supervisionar os

interesses do filho e de fiscalizar sua manutenção e educação.

Na verdade, trata-se de um dever daquele genitor que não obteve a guarda, e visa a

evitar o abandono moral do menor.

9 MADALENO, op.cit., p. 191.

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Esses direitos decorrem do fato de que ambos os pais continuam com todos os direitos

e deveres inerentes ao poder familiar.

Para o mestre Paulo Nader10, o direito de visita é considerado líquido e certo e enseja

mandado de segurança, a fim de assegurar o seu exercício.

O direito de visita é um direito natural do genitor não guardião, por isso, não lhe pode

ser suprimido, independentemente de sua conduta, e até mesmo da causa da separação do

casal.

A lei não permite a exclusão desse direito, somente autoriza a sua suspensão por

determinado período ou o seu exercício de forma condicionada. Desde que as visitas estejam

sendo contrárias ao interesse do menor.

Ao mesmo tempo é também um direito do próprio filho de conviver com ambos os seus

genitores e reforçar os seus laços afetivos.

A autora Maria Berenice Dias, em sua obra, citando Sílvio Neves Baptista11, explica

que o direito de visitas é um direito de personalidade, na categoria direito à liberdade, que

permite as pessoas escolherem com quem querem conviver.

O direito de visitas não é limitado a pais e filhos, também pode ser reconhecido em prol

de outros parentes do menor, tais como, tios, avós, padrinhos, padrastos, irmãos e outros.

Tudo a depender do elo de afetividade entre o menor e o parente.

Esse direito será exercido da forma acordada entre os genitores e homologada pelo juiz,

nos casos de separação consensual. E da maneira determinada pelo juiz na separação

litigiosa.

Assim, no tocante ao direito de visitação o interesse do menor deve prevalecer e

segundo professor Carlos Roberto Gonçalves12 deve levar em conta as condições efetivas dos

pais e o ambiente no qual a criança se encontra.

10 NADER, op.cit., p. 249. 11 BAPTISTA apud DIAS, Maria Berenice. op.cit., p. 405.

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Deve-se destacar que mesmo que a relação entre os genitores não seja harmônica, que

haja ofensas e até mesmo agressões entre eles, isso por si só, não configura razão para negar o

direito de visita ao filho. Nesses casos, somente caberá a determinação da visita na presença

do outro genitor ou outro responsável.

A suspensão não se justifica nem mesmo nos casos de não pagamento de alimentos,pois

existem medidas judiciais próprias para se obter o adimplemento das pensões alimentícias.

Por fim, o direito de fiscalização do genitor não guardião deverá ser exercido de forma

pacífica e de maneira que não cause constrangimento ao genitor guardião ou que invada o seu

direito de privacidade. O exercício desse direito normalmente ocorre durante a realização das

visitas, e até mesmo através de comunicação pessoal, telefônica ou por qualquer outro meio

com o menor.

Esse direito permite, ainda, que o genitor não guardião exija através de medidas

judiciais a prestação de contas referentes aos valores pagos a título de alimentos do genitor

guardião, quando houver indícios de má administração do valor ou de que este não está sendo

revertido totalmente em favor do menor, ou seja, não está cumprindo a sua real função.

2.2. A GUARDA COMPARTILHADA

O artigo 1.583 do Código Civil foi alterado pela Lei nº 11.698/08 e, atendendo às

necessidades da sociedade moderna, inseriu a guarda compartilhada no referido diploma legal.

Mesmo antes de existir essa lei, a doutrina e jurisprudência pátria já se valiam dessa

modalidade de guarda. Que já vinha sendo utilizada por alguns juízes, já que não havia norma

que a proibisse. E por outro lado, essa decisão atendia aos princípios do melhor interesse do

menor e da igualdade entre os pais.

12Ibidem, p. 291.

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Porém, ela só podia ser concedida quando existisse acordo entre os pais, pois devido à

falta de previsão legal, não podia ser imposta pelo juiz.

Assim, após a referida Lei a guarda compartilhada não depende unicamente da vontade

dos genitores, uma vez que pode ser determinada pelo juiz em cumprimento a norma

constante no referido artigo.

O mesmo artigo 1.583 do Código Civil diz que entende-se por guarda compartilhada a

responsabilização conjunta, ou seja, é o exercício dos direitos e deveres concernentes ao poder

familiar por ambos os genitores.

A guarda compartilhada surgiu do desejo de ambos os pais de compartilharem a criação

e a educação dos filhos, e de que estes pudessem manter a convivência com seus pais mesmo

depois da ruptura da vida conjugal. Possibilitando que ambos os genitores participem de

forma ativa na criação de seus filhos.

Assim, são compartilhadas responsabilidades e decisões relacionadas à vida material,

educacional, social e ao bem-estar dos filhos.

Essa modalidade de guarda concede a ambos os pais o direito de decidir o futuro de

seus filhos menores e o dever de prover a sua formação. Assim os dois exercem ao mesmo

tempo todas as tarefas. Não há fixação de dias da semana em que o menor ficará com um ou

com outro, já que não há restrições e sim liberalidades.

Essa modalidade de guarda revela a corresponsabilidade parental, expressão utilizada

pela professora Maria Berenice Dias, que significa o estreitamento do vínculo entre pais e

filhos e a ampla participação dos genitores na formação e educação de sua prole.13

Cumpre ressaltar que essa modalidade de guarda não se confunde com a guarda

alternada, na qual o filho fica de forma exclusiva um período de tempo com a mãe e outro

com o pai.

13 DIAS, op.cit., p. 401.

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Existe, ainda, outra modalidade de guarda compartilhada denominada de alinhamento,

nesta o filho permanece sempre na mesma casa e são os pais que se revezam nesta residência,

passando cada um determinado período de tempo na casa “do filho”. O inconveniente dessa

modalidade é que ela requer a existência de 3 (três) residências distintas, o que exige um

maior suporte financeiro.

3. A FIXAÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA

A guarda compartilhada poderá ser fixada com base na vontade comum dos genitores

ou através de decisão judicial, seja na ação de separação, divórcio ou dissolução da união

estável, ou em ação autônoma.

Ainda que essa modalidade de guarda atualmente possa ser determinada pelo juiz,

conforme o artigo 1.584, parágrafo segundo do Código Civil, acredita-se que essa não seja a

melhor forma de sua fixação, pois, para que esta gere os efeitos desejados é necessário que os

ex-cônjuges estejam numa situação de harmonia e totalmente conscientizados de que a

separação não pode atingir os filhos ou até mesmo torná-los objeto de disputa.

Por essas razões, acredita-se que a guarda compartilhada só é viável quando requerida

em consenso por ambos os genitores, e estes demonstrem capacidade de cooperação e de

educar seus filhos em conjunto. Como ocorre em Portugal, onde essa guarda só é possível

quando ambos os genitores a desejam.

É nesse sentido o pensamento de Ana Carolina Silveira Akel14, manifestado em sua

obra:

Parece-nos uma árdua tarefa e, na prática um tanto duvidoso que a guarda compartilhada possa ser fixada quando o casal não acorde a esse respeito. Ainda que vise atender ao melhor interesse da criança, o exercício conjunto somente haverá quando os genitores concordarem e entenderem seus benefícios; caso contrário, restaria inócuo.

14 AKEL, apud GONÇALVES, Carlos Roberto, op.cit., p. 286.

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Assim, se ainda persistirem mágoas, frustrações, sentimento de vingança entre eles a

melhor opção é evitar o convívio.

A guarda compartilhada, após a Lei nº 11.698/08, a passou a ter a preferência em

relação a guarda unilateral, assim os aplicadores do Direito devem buscar sempre a sua

fixação, desde que possível e atenda aos interesses do menor.

Apesar dessa preferência expressa no texto legal, duas orientações doutrinarias se

formaram a respeito do tema.

Uma delas a favor da guarda compartilhada, uma vez que os seus adeptos entendem que

ela representa a manutenção da guarda conjunta que existia durante a vigência da sociedade

conjugal dos pais. O que assegura o direito dos filhos de conviverem com seus pais e diminui

os conflitos entre os genitores, pois, não existe um genitor guardião e outro não.

Já uma segunda orientação sustenta que essa modalidade de guarda, por exigir a

convivência dos genitores, pode gera um ambiente de eterno conflito entre os pais, o que

poderá prejudicar o filho menor.

O texto legal ainda impõe ao juiz o dever de informar durante a audiência de

conciliação o que significa a guarda compartilhada e seus benefícios aos genitores.

Ocorre que diferentemente da guarda unilateral (artigo 1.583, §2º do CC) a lei não

especificou quais são os critérios que o juiz deverá levar em consideração para decidir a favor

da guarda compartilhada. Somente se limitou a conceituá-la e expressar a sua preferência por

essa modalidade.

Assim defende-se a tese de que o juiz no caso concreto deverá observar além dos fatores

elencados para a guarda unilateral, as vantagens e desvantagens da guarda compartilhada que

serão analisadas no próximo tópico.

O ponto principal consiste na analise da relação dos genitores entre si, para verificar se

terão condições de conviver de forma harmônica e decidirem a vida da criança em conjunto,

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sem discussões, brigas e discórdias, que possam abalar o menor.

Em sendo possível estabelecer bem como será a rotina do menor em relação a esses

fatores, sem causar prejuízo ao seu desenvolvimento, e desde que haja uma boa convivência

entre os genitores, o juiz deverá optar pela guarda compartilhada.

3.1. AS VANTAGENS DA GUARDA COMPARTILHADA

A guarda compartilhada possui diversas vantagens em relação à guarda unilateral.

Elas podem ser analisadas sob dois ângulos: dos pais e dos filhos.

Em relação às vantagens sob a ótica dos pais, a primeira delas consiste no direito dos

pais de conviver com seus filhos. Como consequência, nessa modalidade de guarda os dois

genitores exercem conjuntamente os direitos e deveres inerentes ao filho menor. Assim não

há que se falar em direito de visitas, pois não existe a figura do genitor guardião e do não

guardião.

A segunda é que a guarda compartilhada obedece à igualdade entre homens e

mulheres, pois ambos têm o direito de conviverem com os seus filhos e também são

responsáveis igualmente por eles.

Deve-se ressaltar que a guarda compartilhada influenciará na responsabilidade civil

dos pais pelos atos dos filhos. Pois, na guarda unilateral a responsabilidade é somente do

genitor guardião. Já na guarda compartilhada como os dois genitores detém o poder familiar

e a guarda, ambos respondem de forma solidária pelos atos do menor.

Outra vantagem consiste no fato de que a guarda compartilhada impõe a divisão das

despesas do menor entre ambos os genitores. Além de dividir, também, o desempenho das

tarefas, que na guarda unilateral são exclusivas do genitor guardião.

Por último, essa modalidade de guarda diminui para os pais o sentimento de culpa e

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frustração por não estarem participando ativamente do desenvolvimento de seus filhos.

Já sob a ótica dos filhos, a primeira vantagem está expressa no direito de convivência

acima referido, direito este estabelecido em convenções nacionais e internacionais de direito e

que passaram a integrar as leis internas de cada país.

Em segundo lugar a guarda compartilhada reduz as dificuldades que as crianças

normalmente enfrentam em se adequarem às novas rotinas e aos novos relacionamentos após

a separação de seus genitores. Há um fortalecimento do elo entre pais e filhos, que não sofrem

tantas perdas com a separação.

A guarda compartilhada tem por objetivo manter a vida do menor da forma como era

antes da separação de seus pais, evitando assim mudanças bruscas na rotina da criança, que

podem influenciar no comportamento do menor.

Além disso, a criança não se sente uma visita na casa do pai ou da mãe, uma vez que,

ela ganha duas casas, e fica claro para a criança que ambas são suas.

As vantagens da guarda compartilhada consistem basicamente na melhora da auto-

estima do filho, melhora no rendimento escolar (enquanto que na guarda unilateral, decai),

diminuição do sentimento de tristeza, frustração, rejeição e do medo de abandono, já que

permite o acesso sem dificuldade a ambos os pais.

3.2. AS DESVANTAGENS DA GUARDA COMPARTILHADA

Como acontece com qualquer outro modelo de guarda, a compartilhada também é alvo

de desvantagens. Em regra, todo plano de cuidado parental é acompanhado de problemas

adicionais. Por certo, o que funciona bem em uma família pode causar problemas em outra.

A guarda compartilhada exige maiores custos, requer moradias apropriadas e obriga a

permanência dos pais no mesmo lugar, ou seja, no mesmo bairro, na mesma cidade ou no

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mesmo Estado onde vive o grupo familiar, para evitar que o menor tenha que se deslocar por

uma longa distância.

Esse modelo de guarda também não é recomendado em algumas situações, como no

exemplo da tenra idade dos filhos, ou quando os pais não demonstram interesse em cooperar

para o desenvolvimento do menor.

Outra desvantagem é que essa guarda exige o diálogo entre o casal, pois, terão que

decidir em conjunto a vida dos filhos menores.

Além disso, a guarda compartilhada pode iludir o menor, mascarando a realidade,

gerando uma falsa expectativa na criança, de que poderá haver uma reconciliação entre seus

pais.

Por fim, a guarda compartilhada é desaconselhada em caso de violência familiar

comprovada ou com indícios de que um dos genitores praticou qualquer ato de violência

contra o menor.

3.3. A FIXAÇÃO DE ALIMENTOS NA GUARDA COMPARTILHADA

Importante ressaltar que na guarda compartilhada também há fixação de alimentos. Já

que as despesas dos filhos devem ser sempre divididas entre os genitores. Como é cediço, a

obrigação dos pais de prestarem alimentos aos filhos está estabelecida na Constituição

Federal, no seu artigo 227.

Não só a Carta Magna traz como dever dos pais guardar, educar e sustentar os filhos,

como também o artigo 1703 do Código Civil. Além disso, a Lei 6515/77 traz no seu artigo 20

idêntica redação.

Pelo vocábulo “alimentos”, deve-se entender não apenas os gêneros alimentícios

necessários à subsistência do menor, mas tudo o que se mostrar relevante para um mínimo de

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dignidade àquele como, por exemplo, saúde, lazer, vestuário, e, por expressa determinação da

lei, educação.

Porém, pode ocorrer que um dos genitores não possua as mesmas condições

patrimoniais, do outro. O que poderia dificultar o exercício da guarda compartilhada.

Logo, para que não haja uma desigualdade patrimonial, deve aquele que possui

melhores recursos financeiros contribuir para a formação do seu filho de acordo com o

binômio possibilidade-necessidade.

Assim um dos cônjuges pode submeter ao juiz um pedido de pensão. O juiz irá avaliar

o pedido, levando em conta as condições econômicas e sociais de cada um e as circunstâncias

envolvidas. Devendo sempre buscar manter as mesmas condições que o menor vivia antes da

dissolução da sociedade conjugal.

A guarda compartilhada não é determinada levando em consideração questões

econômicas ou financeiras, mas principalmente pelas condições de pai e mãe de assumirem,

em igualdade, direitos e deveres em relação ao filho menor.

De certa maneira não incide regras específicas para fixar os alimentos na guarda em

questão, aplicam-se os mesmos princípios e regras gerais15, em especial o binômio

possibilidade-necessidade.

4. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INERENTES À GUARDA CO MPARTILHADA

A partir dos anos 80, principalmente em decorrência da mobilização da sociedade

civil, influenciada por documentos internacionais que pregavam uma nova abordagem da

problemática vivida pelos menores, surgiram movimentos que deram origem ao programa

Criança e Constituinte e ao Fórum Nacional Permanente de Direitos da Criança e do

Adolescente – Fórum DCA., entre outros.

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Os reflexos desta mobilização social se fizeram sentir na Constituição Federal de 1988,

já que prevaleceu neste diploma legal os aspectos pessoais como a dignidade da pessoa

humana, conforme artigo 1º, inciso III; a proteção integral da criança em desenvolvimento

que passam a serem tratadas como sujeito de direitos, conforme o artigo 227; direitos iguais

para todos os filhos, nos termos do artigo 227, parágrafo 6º;

4.1. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O princípio em questão é o fundamento do Estado Democrático de Direito e veio

expresso no artigo 1º, III, da Constituição Federal de 1988. Assim o ser humano passou a ser

o foco de todas as ações do Estado, o que por conseqüência limitou a sua atuação. Já que o

Estado passou a ter o dever de assegurar a vida com dignidade para todos os cidadãos.

Esse princípio não apresenta um conceito definitivo e determinado, porém, traduz o

dever de ampla proteção que deve ser destinado à pessoa humana como valor maior de nossa

sociedade, a sua integridade física e moral.

Neste momento busca-se analisar se a imposição da guarda compartilhada dos filhos

está em acordo com o referido princípio.

Entende-se que a dignidade dos ex-cônjuges pode ser abalada, uma vez que a guarda

compartilhada irá necessariamente tornar obrigatória a convivência entre eles para decidirem

juntos questões relacionadas aos filhos como, por exemplo, a escolha da escola, de um médico

dentre outras.

Em se tratando de um casal que já resolveu suas desavenças e que lidam bem com a

questão da separação, não haverá maiores problemas, porém, quando os ex- cônjuges ainda

não digeriram bem o fim do relacionamento, a convivência pode expor um deles à situações

15 DIAS, op.cit., p. 403.

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desagradáveis e humilhantes.

Assim, deve-se ponderar os interesses para se chegar a uma conclusão de qual deles

deverá prevalecer: se o direito do menor de conviver com ambos os seus genitores ou se a

dignidade dos ex- cônjuges.

Alem disso, indaga-se se o princípio do melhor interesse do menor estaria sendo

fielmente cumpridos. Pois, com a imposição da guarda compartilhada, os filhos serão

obrigados a conviver com os pais que se relacionam extremamente mal, sem o menor respeito

um com o outro, o que gerará inúmeros conflitos, que serão assistidos e suportados pelos

filhos. Será que isso é o melhor para o menor? Ou seria melhor ele viver em um ambiente

harmônico, ainda que a convivência com um dos genitores seja menor.

Deve-se lembrar que a Constituição Federal, em seu artigo 226, parágrafo sétimo,

instituiu o principio da autonomia do casal.

Por essas razões, entende-se que a imposição da guarda compartilhada, ou seja, a sua

decretação de forma arbitrária pelo juiz, sem que ambos os genitores a desejem é

inconstitucional, já que fere os princípios da dignidade do casal e do melhor interesse da

menor.

4.2. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

A doutrina da Proteção Integral, consagrada no artigo 227, teve origem na Declaração

de Genebra (1924), na Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas

(1948), na Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959) e na Convenção Americana

de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica – 1969).

O Estatuto da Criança e do Adolescente, logo em seguida, deixou claro em seu artigo

1º, a adoção do princípio da proteção integral, o qual se baseia no reconhecimento de direitos

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especiais e específicos de todas as crianças e adolescentes, decorrentes da condição peculiar

de pessoas em desenvolvimento.

Esse princípio estabelece a prioridade absoluta no tratamento dos filhos menores,

independente da relação dos pais, ou seja, se são frutos de uma sociedade conjugal ou não.

Dessa forma, busca-se cada vez mais evidenciar a importância do vínculo familiar entre pais

e filhos e dos direitos do menor.

Reconhecida a condição do menor como pessoa em desenvolvimento, naturalmente

imaturo, portanto, é que se confere a ele um protetor, uma pessoa que deverá zelar por todos

interesse e direitos, até que ele possa, por si só, administrar sua vida e seus bens, enfim,

praticar todos os atos jurídicos de forma independente.

De uma forma geral, quem exerce esse papel de protetor do menor são os pais.

Contudo, à falta ou impossibilidade deles, o exercício será conferido a um terceiro.

Em síntese, esse princípio visa a garantir aos menores condições adequadas de

desenvolvimento físico e emocional, e proporcionar o sentimento de afeto, confiança e

responsabilidade inerentes a toda e qualquer família.

CONCLUSÃO

Com o presente estudo demonstrou-se que mesmo quando há dissolução da sociedade

conjugal, o poder familiar de ambos os pais em relação aos filhos permanece inalterado.

Somente se torna necessário definir a guarda dos filhos menores. Foram analisadas as duas

modalidades de guarda previstas no ordenamento jurídico pátrio: a unilateral e a

compartilhada.

A decisão da guarda pode ser tomada de forma consensual pelos genitores no caso de

separação amigável, quando então será recomendada a adoção da guarda compartilhada, uma

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vez que há acordo entre os ex-cônjuges e pressupõe-se que eles terão maturidade suficiente

para decidirem o futuro de seus filhos conjuntamente.

Já nos casos em que não há consenso entre as partes, torna-se necessário que o juiz

decida qual dos genitores apresenta melhores condições para cuidar do filho, lhe

proporcionando condições adequadas para o seu desenvolvimento físico e mental.

Observou-se também que entre outras a maior vantagem da guarda compartilhada

consiste em assegurar a convivência do filho menor com ambos os pais, o que na guarda

unilateral não acontece, já que o genitor não guardião fica limitado ao convívio durante o

horário das visitas.

Não obstante o Código Civil somente prevê os critérios que devem ser levados em

consideração para a fixação da guarda unilateral, foi constatado através do presente artigo que

esses critérios também devem ser observados para se fixar a guarda compartilhada e deve-se

acrescentar a eles a análise da relação existente entre os genitores do menor.

Assim essa modalidade de guarda não é recomendada quando ainda existe algum tipo

ressentimento entre eles ou qualquer outra intenção que não seja unicamente a de assegurar o

melhor desenvolvimento do menor.

É imperioso que haja em bom relacionamento entre eles, capaz de permitir a tomada de

decisões de forma conjunta, sem que isso afete a dignidade de cada um individualmente.

Só assim estará sendo atendido o princípio do melhor interesse do menor, que terá

garantido o convívio com seus pais e um ambiente harmônico para se desenvolver.

Além disso, a imposição da guarda compartilhada pode ferir princípio constitucional da

dignidade da pessoa humana, uma vez que exige que os genitores do menor convivam, o que

nem sempre pode ocorrer de forma harmônica, dependendo da relação existente entre os ex-

cônjuges.

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Dessa forma, pode-se concluir que o legislador manifestou expressa preferência pela

adoção da guarda compartilhada, porém, essa só atinge efetivamente o seu objetivo quando

decidida de forma consensual pelos genitores, e, por isso, não deve de maneira alguma ser

imposta pelo juiz aos pais do menor, sob pena de ferir princípios constitucionais dos pais e

dos filhos.

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REFERÊNCIAS

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