Escola de Frankfurt - Paulo Arantes

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    Escola de Fankfurt Uma Introduo

    Paulo Eduardo Arantes

    Num dia qualquer de 1940, no lado espanhol da fronteira entre a Frana e a Espanha, umfuncionrio da alfndega, cumprindo ordens superiores, impediu a entrada de um grupo deintelectuais alemes que fugia da Gestapo, a temvel corporao nazista. Um dos integrantes dogrupo, homem de quarenta e oito anos de idade, que estampava no rosto sinais de profundamelancolia, mas ao mesmo tempo transmitia a impresso de um intelecto privilegiado, noresistiu tenso psicolgica e suicidou-se.O fato poderia ser visto apenas luz da psicologia individual, mas na verdade transcende esseslimites e adquire dimenso social e cultural mais ampla. O intelectual em questo era WalterBenjamin, um dos principais representantes da chamada Escola de Frankfurt. As idias dessa corrente de pensamento encontram-se, em grande parte, nas pginas daRevista de

    Pesquisa Social , um dos documentos mais importantes para a compreenso do esprito europeu dosculo XX. Seus colaboradores estiveram sempre na primeira linha da reflexo crtica sobre osprincipais aspectos da economia, da sociedade e da cultura de seu tempo; em alguns casoschegaram mesmo a participar da militncia poltica. Por tudo isso, foram alvo de perseguio dosmeios conservadores, responsveis pela ascenso e apogeu dos regimes totalitrios europeus dapoca.Fundado em 1924, o Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt, do qual a revista era porta-voz,foi obrigado, com a ascenso ao poder na Alemanha do nacional-socialismo, em 1933, atransferir-se para Genebra, depois para Paris, e, finalmente, para Nova York. Nesta cidade arevista passou a ser publicada com o ttulo de Estudos de Filosofia e Cincias Sociais . Com a vitriados aliados na Segunda Guerra Mundial, os principais diretores da revista puderam regressar

    Alemanha e reorganizar o Instituto em 1950. Alfred Schmidt, que se dedicou investigao da importncia e da influncia daRevista de Pesquisa Social , afirma que nela se fundem, de maneira nica, a autonomia intelectual, a anlise crtica e oprotesto humanstico. Os colaboradores da revista opunham-se aos peridicos e instituies decarter acadmico, desenvolvendo um pensamento comum nesse sentido, sem que isso, contudo,anulasse interesses e orientaes individuais e, sobretudo, sem que fossem postas de lado asexigncias de rigor cientfico. Gian Enrico Rusconi, outro estudioso da Escola de Frankfurt,chama a ateno para o fato de que o pensamento desse grupo no pode ser compreendido semser vinculado tradio da esquerda alem. Para Rusconi, o significado histrico e poltico dasreflexes encontradas naRevista de Pesquisa Social reside em sua continuidade em relao aomarxismo e cincia social anticapitalista Essa posio terica foi desenvolvida tendo como

    pano de fundo as experincias terrveis e contraditrias da repblica de Weimar, do nazismo, doestalinismo e da guerra fria. Ainda segundo Rusconi, a teoria crtica , como costuma serchamado o conjunto dos trabalhos da Escola de Frankfurt, uma expresso da crise terica epoltica do sculo XX, refletindo sobre os seus problemas com uma radicalidade sem paralelo.Por isso, os trabalhos de seus pensadores exerceram grande influncia, direta em alguns casos,indireta noutros, sobre os movimentos estudantis, sobretudo na Alemanha e nos EstadosUnidos, nos fins da dcada de 60. A histria desse grupo de pensadores pode ser iniciada com a fundao do Instituto de PesquisaSocial de Frankfurt, sob direo de Carl Grnberg, que permaneceu no cargo at 1927.Grnberg abria o primeiro nmero do Arquivo de Histria do Socialismo e do Movimento Operri(publicao que fundou em 1911), salientando a necessidade de no se estabelecer privilgio

    especial para esta ou aquela concepo, orientao cientfica ou opinio de partido. Grnberg estava convencido de que qualquer unidade de pontos de vista entre os colaboradores

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    prejudicaria os fins crticos e intelectuais da prpria iniciativa. Posteriormente, j na direo daRevista de Pesquisa Social , ele prprio se consideraria um marxista, mas entendendo essa posiono em seu sentido apenas poltico-partidrio, mas em seu significado cientfico; o conceitomarxismo servia-lhe para descrio de um sistema econmico, de uma determinadacosmoviso e de um mtodo de pesquisa bem definido. Essa postura inicial de Grnberg

    vinculada a uma escola de pensamento, mas ao mesmo tempo entendendo-a em sua dimensocrtica e como perspectiva aberta constitui, de modo geral, a tnica do pensamento doselementos do grupo de Frankfurt.Entre os colaboradores da Revista, contam-se figuras muito conhecidas de um pblico maisamplo, como Herbert Marcuse (1898-1979), autor de Eros e Civilizaoe O Homem Unidimensional (ou Ideologia da Sociedade Industrial ), e Erich Fromm (1900-1980), que se dedicou a estudos depsicologia social, nos quais procura vincular a psicanlise criada por Freud (1856-1939) s idiasmarxistas. Outros so menos conhecidos, como Siegfried Kracauer, autor de um clssico estudosobre o cinema alemo ( De Caligari a Hitler ), ou Leo Lwenthal, que se dedicou a reflexesestticas e de sociologia da arte. Ao grupo da Revista pertenceram tambm Wittfogel, F. Pollock e Grossmann, autores de importantes estudos de economia poltica.

    Os homens e suas obras

    Entre todos os elementos vinculados ao grupo de Frankfurt, salientam-se, por razes diversas, osnomes de Walter Benjamin, Theodor Wiesengrund-Adorno e Max Horkheimer, aos quais sepode ligar o pensamento de Jrgen Habermas. Esses autores formaram um grupo mais coeso eem suas obras encontra-se um pensamento dotado de maior unidade terica.Os traos biogrficos e o perfil humano de Walter Benjamin so os mais conhecidos entre essesquatro pensadores de Frankfurt; sua morte, quando era ainda relativamente moo (48 anos) e emcircunstncias trgicas, deixou marca indelvel entre os amigos, fazendo com que surgissemmuitos depoimentos sobre sua vida e sobre sua personalidade. Para Adorno, Walter Benjamin

    era a personalidade mais enigmtica do grupo, seus interesses eram freqentementecontraditrios e sua conduta oscilava entre a intransigncia quase rspida e a polidez oriental.Essa maneira de ser aparentava mais o temperamento vibrante de um artista do que atranqilidade e a frieza racional, normalmente esperadas de um filsofo. Seu pensamento parecianascer de um impulso de natureza artstica, que, transformado em teoria como diz ainda Adornoliberta-se da aparncia e adquire incomparvel dignidade: a promessa de felicidade.Outro depoimento que enriquece de significados o perfil intelectual e humano de WalterBenjamin o de Gerschom Scholem, seu companheiro desde a juventude: Scholem o conheceuna primavera de 1915, quase um ano aps o comeo da Primeira Guerra Mundial, e relata quenessa poca ficou impressionado com a profunda sensao de melancolia de que o amigo pareciaestar permanentemente possudo.

    Walter Benjamin nasceu em Berlim, em 1892, de ascendncia israelita. Seus estudos superioresforam iniciados em 1913 e realizados em vrias universidades, nas quais sempre exerceu intensaatividade poltica e cultural entre os colegas. Em 1917, casou-se e passou a viver em Berna(Sua), em cuja universidade apresentou uma dissertao acadmica intituladaO Conceito de Crtica de Arte no Romantismo Alemo. Em 1921, publicou uma traduo dos Quadros Parisienses deBaudelaire (1821-1867) e no ano seguinte o poeta e dramaturgo Hugo Von Hofmannsthal (1874-1929) o convidou para publicar na revista que dirigia ( Novas Contribuies Alems ) seu primeirogrande ensaio: As Afinidades Eletivas de Goethe . Em 1928, Walter Benjamin viu truncadas suasesperanas de uma carreira universitria, quando a universidade de Frankfurt recusou sua tese: As Origens da Tragdia Barroca na Alemanha. Para assegurar a sobrevivncia, passou ento adedicar-se crtica jornalstica e a tradues, escrevendo ainda numerosos ensaios. Nessa poca,

    fez uma das mais perfeitas tradues em lngua alem que se conhece: Procura do Tempo Perdido,de Proust (1871-1922). Alm disso, projetou uma grande obra de filosofia da histria, cujo ttulo

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    deveria serParis, Capital do Sculo XIX e que ficou incompleta. A dcada de 1930 trouxe-lheoutros infortnios: seus pais faleceram, teve de divorciar-se da esposa e viu ascender ototalitarismo nazista. Sob a ditadura de Hitler, ainda conseguiu publicar alguns trabalhosmenores, recorrendo ao disfarce de pseudnimos. Em 1935, foi obrigado a refugiar-se em Paris,onde os dirigentes emigrados do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt receberam-no como

    um dos seus colaboradores e deram-lhe condies para escrever alguns de seus mais importantestrabalhos: A Obra de Arte na poca de suas Tcnicas de Reproduo, Alguns Temas Baudelairianos , O Narrador , Homens Alemes . Finalmente veio a falecer na fronteira entre Espanha e Frana, emcircunstncias dramticas. Theodor Wiesengrund-Adorno nasceu em 1903, em Frankfurt, cidade onde fez seus primeirosestudos e em cuja universidade se graduou em filosofia. Em Viena, estudou composio musicalcom AIban Berg (1885-1935), um dos maiores expoentes da revoluo musical do sculo XX.Em 1932, escreveu o ensaio A Situao Social da Msica , tema de inmeros outros estudos:Sobre o Jazz (1936),Sobre o Carter Fetichista da Msica e a Regresso da Audio(1938),Fragmentos Sobre Wagner (1939) eSobre Msica Popular (1940-1941). Em 1933, com a tomada do poder pelosnazistas, Adorno foi obrigado a refugiar-se na Inglaterra, onde passou a lecionar na Universidade

    Oxford, ali permanecendo at 1937. Nesse ano, transferiu-se para os Estados Unidos, ondeescreveria, em colaborao com Horkheimer, a obraDialtica do Iluminismo(1947). Foi tambmnos Estados Unidos que Adorno realizou, em colaborao com outros pesquisadores, um estudoconsiderado posteriormente como um modelo de sociologia emprica: A Personalidade Autoritria .Esta obra foi publicada em 1950, ano em que Adorno pde regressar terra natal e reorganizar oInstituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt. Entre outras obras publicada ficadas por Adorno,antes de sua morte, ocorrida em 1969, salientam-se aindaPara a Metacrtica da Teoria doConhecimento - Estudos Sobre Husserl e as Antinomias Fenomenolgicas (1956),Dissonncias (1956), Ensaios de Literatura I, II e III (1958 a 1965),Dialtica Negativa (1966),Teoria Esttica (1968) eTrs Estudos Sobre Hegel (1969). Max Horkheimer, o principal diretor daRevista de Pesquisa Social desde o afastamento de

    Grnberg nos fins da dcada de 20, nasceu em Stuttgart, a 14 de fevereiro de 1895 e faleceu emNuremberg, a 9 de julho de 1973. Em 1930, tornou-se professor em Frankfurt, ondepermaneceu at 1934, quando teve de se refugiar, como os demais companheiros. Nesse anotransferiu-se; para os Estados Unidos, passando a lecionar na Universidade de Colmbia. NosEstados Unidos, Horkheimer permaneceu at 1949, ano em que pde regressar a Frankfurt ereorganizar o Instituto de Pesquisas Sociais, com Adorno. A maior parte dos escritos de Horkheimer encontra-se nas pginas daRevista de Pesquisa Social .Entre os mais importantes contam-se:Incios da Filosofia Burguesa da Histria (1930),Um NovoConceito de Ideologia (1930), Materialismo e Metafsica (1930), Materialismo e Moral (1933),Sobre a Polmica do Racionalismo na Filosofia Atual (1934),O Problema da Verdade (1935),O ltimo Ataque Metafsica (193 7) eTeoria Tradicional e Teoria Crtica (1937).

    Jrgen Habermas considerado um herdeiro direto da escola de Frankfurt. Nascido em 1929,em Gummersbach, Habermas licenciou-se em 1954, com um trabalho sobre Schelling (1775-1854), intituladoO Absoluto e a Histria . De 1956 a 1959, colaborou estreitamente com Adornono Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. Em 1968, transferiu-se para Nova York, passando alecionar na New Yorker New School for Social Research . Entre suas obras principais, contam-se Entre a Filosofia e a Cincia - O Marxismo como Crtica (1960),Reflexes Sobre o Conceito de Participao Pblica(publicado em 1961, juntamente com trabalhos de outros autores, com o ttulo geral deO Estudante e a Poltica ), Evoluo Estrutural da Vida Pblica (1962),Teoria e Prxis (1963),Lgica das Cincias Sociais (1967),Tcnica e Cincia como Ideologia (1968), eConhecimento e Interesse (1968).

    Cinema e revoluo

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    Os mltiplos interesses dos pensadores de Frankfurt e o fato de no constiturem uma escola nosentido tradicional do termo, mas uma postura de anlise crtica e uma perspectiva aberta paratodos os problemas da cultura do sculo XX, torna difcil a sistematizao de seu pensamento.Pode-se, no entanto, salientar alguns de seus temas, chegando-se a compor um quadro de suasprincipais idias. De Walter Benjamin, devem-se destacar reflexes sobre as tcnicas de

    reproduo da obra de arte, particularmente do cinema, e as conseqncias sociais e polticasresultantes; de Adorno, o conceito de indstria cultural e a funo da obra de arte; deHorkheimer, os fundamentos epistemolgicos da posio filosfica de todo o grupo deFrankfurt, tal como se encontram formulados em sua teoria crtica; e, finalmente, deHabermas, as idias sobre a cincia e a tcnica como ideologia.Benjamin tinha seu ensaio A Obra de Arte na poca de suas Tcnicas de Reproduona conta deprimeira grande teoria materialista da arte. O ponto central desse estudo encontra-se na anlisedas causas e conseqncias da destruio da aura que envolve as obras de arte, enquantoobjetos individualizados e nicos. Com o progresso das tcnicas de reproduo, sobretudo docinema, a aura, dissolvendo-se nas vrias reprodues do original, destituiria a obra de arte de seustatus de raridade. Para Benjamin, a partir do momento em que a obra fica excluda da atmosfera

    aristocrtica e religiosa, que fazem dela uma coisa para poucos e um objeto de culto, a dissoluoda aura atinge dimenses sociais. Essas dimenses seriam resultantes da estreita relao existenteentre as transformaes tcnicas da sociedade e as modificaes da percepo esttica. A perdada aura e as conseqncias sociais resultantes desse fato so particularmente sensveis no cinema,no qual a reproduo de uma obra de arte carrega consigo a possibilidade de uma radicalmudana qualitativa na relao das massas com a arte. Embora o cinema diz Walter Benjamin exija o uso de toda a personalidade viva do homem, este priva-se de sua aura. Se, no teatro, aaura de um Macbeth, por exemplo, liga-se indissoluvelmente aura do ator que o representa, talcomo essa aura sentida pelo pblico, o mesmo no acontece no cinema, no qual a aura dosintrpretes desaparece com a substituio do pblico pelo aparelho. Na medida em que o ator setorna acessria da cena, no raro que os prprios acessrios desempenhem o papel de atores.

    Benjamin considera ainda que a natureza vista pelos olhos difere da natureza vista pela cmara, eesta, ao substituir o espao onde o homem age conscientemente por outro onde sua ao inconsciente, possibilita a experincia do inconsciente visual, do mesmo modo que a prticapsicanaltica possibilita a experincia do inconsciente instintivo. Exibindo, assim, a reciprocidadede ao entre a matria e o homem, o cinema seria de grande valia para um pensamentomaterialista. Adaptado adequadamente ao proletariado que se prepararia para tomar o poder, ocinema tornar-se-ia, em conseqncia, portador de uma extraordinria esperana histrica.Em suma, a anlise de Benjamin mostra que as tcnicas de reproduo das obras de arte,provocando a queda da aura, promovem a liquidao do elemento tradicional da heranacultural; mas, por outro lado, esse processo contm um germe positivo, na medida em quepossibilita outro relacionamento das massas com a arte, dotando-as de um instrumento eficaz de

    renovao das estruturas sociais. Trata-se de uma postura otimista, que foi objeto de reflexocrtica por parte de Adorno.

    A indstria cultural Para Adorno, a postura otimista de Benjamin no que diz respeito funo possivelmenterevolucionria do cinema desconsidera certos elementos fundamentais, que desviam suaargumentao para concluses ingnuas. Embora devendo a maior parte de suas reflexes aBenjamin, Adorno procura mostrar a falta de sustentao de suas teses, na medida em que elasno trazem luz o antagonismo que reside no prprio interior do conceito de tcnica.Segundo Adorno, passou despercebido a Benjamin que a tcnica se define em dois nveis:

    primeiro enquanto qualquer coisa determinada intra-esteticamente e, segundo, enquantodesenvolvimento exterior s obras de arte. O conceito de tcnica no deve ser pensado de

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    maneira absoluta: ele possui uma origem histrica e pode desaparecer. Ao visarem produoem srie e homogeneizao, as tcnicas de reproduo sacrificam a distino entre o carter daprpria obra de arte e do sistema social. Por conseguinte, se a tcnica passa a exercer imensopoder sobre a sociedade, tal ocorre, segundo Adorno, graas, em grande parte, ao fato de que ascircunstncias que favorecem tal poder so arquitetadas pelo poder dos economicamente mais

    fortes sobre a prpria sociedade. Em decorrncia, a racionalidade da tcnica identifica-se com aracionalidade do prprio domnio. Essas consideraes evidenciariam que, no s o cinema,como tambm o rdio, no devem ser tomados como arte. O fato de no serem mais quenegcios escreve Adorno basta-lhes como ideologia. Enquanto negcios, seus finscomerciais so realizados por meio de sistemtica e programada explorao de bens consideradosculturais. Tal explorao Adorno chama de indstria cultural.O termo foi empregado pela primeira vez em 1947, quando da publicao daDialtica doIluminismo, de Horkheimer e Adorno. Este ltimo, numa srie de conferncias radiofnicas,pronunciadas em 1962, explicou que a expresso indstria cultural visa a substituir cultura demassa, poisesta induz ao engodo que satisfaz os interesses dos detentores dos veculos decomunicao de massa. Os defensores da expresso cultura de massa querem dar a entender

    que se trata de algo como uma cultura surgindo espontaneamente das prprias massas. Para Adorno, que diverge frontalmente dessa interpretao, a indstria cultural, ao aspirar integrao vertical de seus consumidores, no apenas adapta seus produtos ao consumo das massas, mas,em larga medida, determina o prprio consumo. Interessada nos homens apenas enquantoconsumidores ou empregados, a indstria cultural reduz a humanidade, em seu conjunto, assimcomo cada um de seus elementos, s condies que representam seus interesses. A indstriacultural traz em seu bojo todos os elementos caractersticos do mundo industrial moderno e neleexerce um papel especfico, qual seja, o de portadora da ideologia dominante, a qual outorgasentido a todo o sistema. Aliada ideologia capitalista, e sua cmplice, a indstria culturalcontribui eficazmente para falsificar as relaes entre os homens, bem como dos homens com anatureza, de tal forma que o resultado final constitui uma espcie de antiiluminismo.

    Considerando-se diz Adorno que o iluminismo tem como finalidade libertar os homens domedo, tornando-os senhores e liberando o mundo da magia e do mito, e admitindo-se que essafinalidade pode ser atingida por meio da cincia e da tecnologia, tudo levaria a crer que oiluminismo instauraria o poder do homem sobre a cincia e sobre a tcnica. Mas ao invs disso,liberto do medo mgico, o homem tornou-se vtima de novo engodo: o progresso da dominaotcnica. Esse progresso transformou-se em poderoso instrumento utilizado pela indstriacultural para conter o desenvolvimento da conscincia das massas. A indstria cultural naspalavras do prprio Adorno impede a formao de indivduos autnomos, independentes,capazes de julgar e de decidir conscientemente. O prprio cio do homem utilizado pelaindstria cultural com o fito de mecaniz-lo, de tal modo que, sob o capitalismo, em suas formasmais avanadas, a diverso e o lazer tornam-se um prolongamento do trabalho. Para Adorno, a

    diverso buscada pelos que desejam esquivar-se ao processo de trabalho mecanizado paracolocar-se, novamente, em condies de se submeterem a ele. A mecanizao conquistoutamanho poder sobre o homem, durante o tempo livre, e sobre sua felicidade, determinando tocompletamente a fabricao dos produtos para a distrao, que o homem no tem acesso seno acpias e reprodues do prprio trabalho. O suposto contedo no mais que uma plidafachada: o que realmente lhe dado a sucesso automtica de operaes reguladas. Em suma,diz Adorno, s se pode escapar ao processo de trabalho na fbrica e na oficina, adequando-se aele no cio. Tolhendo a conscincia das massas e instaurando o poder da mecanizao sobre o homem, aindstria cultural cria condies cada vez mais favorveis para a implantao do seu comrciofraudulento, no qual os consumidores so continuamente enganados em relao ao que lhes

    prometido mas no cumprido. Exemplo disso encontra-se nas situaes erticas apresentadaspelo cinema. Nelas, o desejo suscitado ou sugerido pelas imagens, ao invs de encontrar uma

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    satisfao correspondente promessa nelas envolvida, acaba sendo satisfeito com o simpleselogio da rotina. No conseguindo, como pretendia, escapar a esta ltima, o desejo divorcia-se desua realizao que, sufocada e transformada em negao, converte o prprio desejo em privao. A indstria cultural no sublima o instinto sexual, como nas verdadeiras obras de arte, mas oreprime e sufoca. Ao expor sempre como novo o objeto de desejo (o seio sob o suter ou o

    dorso nu do heri desportivo), a indstria cultural no faz mais que excitar o prazer preliminarno sublimado que, pelo hbito da privao, converte-se em conduta masoquista. Assim,prometer e no cumprir, ou seja, oferecer e privar, so um nico e mesmo ato da indstriacultural. A situao ertica, conclui Adorno, une aluso e excitao, a advertncia precisa deque no se deve, jamais, chegar a esse ponto. Tal advertncia evidencia como a indstria culturaladministra o mundo social.Criando necessidades ao consumidor (que deve contentar-se com o que lhe oferecido), aindstria cultural organiza-se para que ele compreenda sua condio de mero consumidor, ouseja, ele apenas e to-somente um objeto daquela indstria. Desse modo, instaura-se adominao natural e ideolgica. Tal dominao, como diz Marc Jimnez, comentador de Adorno, tem sua mola motora no desejo de posse constantemente renovado pelo progresso

    tcnico e cientfico, e sabiamente controlado pela indstria cultural. Nesse sentido, o universosocial, alm de configurar-se como um universo de coisas, constituiria um espaohermeticamente fechado. Nele, todas as tentativas de liberao esto condenadas ao fracasso.Contudo, Adorno no desemboca numa viso inteiramente pessimista, e procura mostrar que possvel encontrar-se uma via de salvao. Esse tema aparece desenvolvido em sua ltima obra,intitulada Teoria Esttica.

    A obra de arte e a prxis

    Em Teoria Esttica nas palavras do comentador Kothe Adorno oscila entre negar apossibilidade de produzir arte depois de Auschwitz e buscar nela refgio ante um mundo que o

    chocava, mas que ele no podia deixar de olhar e denominar. Essa postura foi extremamentecriticada pelos movimentos de contestao radical, que o acusavam de buscar refgio na purateoria ou na criao artstica, esquivando-se assim da prxis poltica. A seus detratores, Adornoresponde que, embora plausvel para muitos, o argumento de que contra a totalidade brbara nosurtem efeito seno os meios brbaros, na verdade no releva que, apesar disso, atinge-se um valor limite. A violncia que h cinqenta anos podia parecer legtima queles que nutrissem aesperana abstrata e a iluso de uma transformao total est, aps a experincia do nazismo edo horror stalinista, inextricavelmente imbricada naquilo que deveria ser modificado: ou ahumanidade renuncia violncia da lei de talio, ou a pretendida prxis poltica radical renova oterror do passado. Criticando a prxis brutal da sobrevivncia, a obra de arte, para Adorno, apresenta-se,

    socialmente, como anttese da sociedade, cujas antinomias e antagonismos nela reaparecemcomo problemas internos de sua forma. Por outro lado, entre autor, obra e pblico, a obraadquire prioridade epistemolgica, afirmando-se como ente autnomo. Esse duplo carter vincula-se prpria natureza desdobrada da arte, que se constitui como aparncia. Ela aparncia por sua diferena em relao realidade, pelo carter aparente da realidade quepretende retratar, pelo carter aparente do esprito do qual ela uma manifestao; a arte atmesmo aparncia de si prpria na medida em que pretende ser o que no pode ser: algo perfeitonum mundo imperfeito, por se apresentar como um ente definitivo, quando na verdade algofeito e tornado como .

    Cincia e totalitarismo

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    A expresso teoria crtica empregada para designar o conjunto das concepes da Escola deFrankfurt. Horkheimer delineia seus traos principais, tomando como ponto de partida omarxismo e opondo-se quilo que ele designa pela expresso teoria tradicional. ParaHorkheimer, o tpico da teoria marxista , por um lado, no pretender qualquer visoconcludente da totalidade e, por outro, preocupar-se com o desenvolvimento concreto do

    pensamento. Desse modo, as categorias marxistas no so entendidas como conceitosdefinitivos, mas como indicaes para investigaes ulteriores, cujos resultados retroajam sobreelas prprias. Quando se vale, nos mais diversos contextos, da expresso materialismoHorkheimer no repete ou transcreve simplesmente o material codificado nas obras de Marx eEngels, mas reflete esse materialismo segundo a ptica dos momentos subjetivos e objetivos quedevem entrar na interpretao desses autores.Por teoria tradicional Horkheimer entende uma certa concepo de cincia resultante do longoprocesso de desenvolvimento que remonta aoDiscurso do Mtodo de Descartes (1596-1650).Descartes diz Horkheimer fundamentou o ideal de cincia como sistema dedutivo, no qualtodas as proposies referentes a determinado campo deveriam ser ligadas de tal modo que amaior parte delas pudesse ser derivada de algumas poucas. Estas formariam os princpios gerais

    que tornariam mais completa a teoria, quanto menor fosse seu nmero. A exigncia fundamentaldos sistemas tericos construdos dessa maneira seria a de que todos os elementos assim ligadoso fossem de modo direto e no contraditrio, transformando-se em puro sistema matemtico designos. Por outro lado, a teoria tradicional encontrou amplas justificativas para um tal tipo decincia no fato de que os sistemas assim construdos so extremamente aptos utilizaooperativa, isto , sua aplicabilidade prtica muito vasta.Horkheimer admite a legitimidade e a validez de tal concepo, reconhecendo o quanto elacontribuiu para o controle tcnico da natureza, transformando-se, como diz Marx, em foraprodutiva imediata. Mas o reverso da moeda negativo. Para Horkheimer, o trabalho do especialista, dentro dos moldes da teoria tradicional, realiza-se desvinculado dos demais,permanecendo alheio conexo global dos setores da produo. Nasce assim a aparncia

    ideolgica de uma autonomia dos processos de trabalho, cuja direo deve ser deduzida danatureza interna de seu objeto. O pensamento cientificista contenta-se com a organizao daexperincia, a qual se d sobre a base de determinadas atuaes sociais, mas o que estassignificam para o todo social no entra nas categorias da teoria tradicional. Em outros termos,a teoria tradicional no se ocupa da gnese social dos problemas, das situaes reais nas quais acincia usada e dos escopos para os quais usada. Chega-se, assim, ao paradoxo de que acincia tradicional, exatamente porque pretende o maior rigor para que seus resultados alcancema maior aplicabilidade prtica, acaba por se tornar mais abstrata, muito mais estranha realidade(enquanto conexo mediatizada da prxis global de uma poca) do que a teoria crtica. Esta,dando relevncia social cincia, no conclui que o conhecimento deva ser pragmtico; aocontrrio, favorece a reflexo autnoma, segundo a qual a verificao prtica de uma idia e sua

    verdade no so coisas idnticas. A teoria crtica ultrapassa, assim, o subjetivismo e o realismo da concepo positivista, expressomais acabada da teoria tradicional. O subjetivismo, segundo Horkheimer, apresenta-senitidamente quando os positivistas conferem preponderncia explcita ao mtodo, desprezandoos dados em favor de uma estrutura anterior que os enquadraria. Por outro lado, mesmo quandoos positivistas atribuem maior peso aos dados, esses acabam sendo selecionados pelametodologia utilizada. E esta atribui maior relevo a determinados aspectos dos dados, emdetrimento de outros. A teoria crtica, ao contrrio, pretende ultrapassar tal subjetivismo, visando a descobrir ocontedo cognoscitivo da prxis histrica. Os fatos sensveis, por exemplo, vistos pelospositivistas como possuidores de um valor irredutvel, so, para Horkheimer, pr-formados

    socialmente de dois modos: pelo carter histrico de objeto percebido e pelo carter histrico dorgo que percebe.

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    Outros elementos de crtica ao positivismo, sobretudo os aspectos polticos nele envolvidos,encontram-se em uma conferncia de Horkheimer, em 1951, com o ttuloSobre o Conceito de Razo. Nessa conferncia, ele afirma que o positivismo caracteriza-se por conceber um tipo derazo subjetiva, formal e instrumental, cujo nico critrio de verdade seu valor operativo, ouseja, seu papel na dominao do homem e da natureza. Desse ponto de vista, os conceitos no

    mais expressam, como tais, qualidades das coisas, mas servem apenas para a organizao de ummaterial do saber para aqueles que podem dispor habitualmente dele; assim, os conceitos soconsiderados como meras abreviaturas de muitas coisas singulares, como fices destinadas amelhor sujeit-las; j no so subjugados mediante um duro trabalho concreto, terico e poltico,mas exemplificados abstrata e sumariamente, atravs daquilo que se poderia chamar um decretofilosfico. Dentro dessas coordenadas, a razo desembaraa-se da reflexo sobre os fins e torna-se incapaz de dizer que um sistema poltico ou econmico irracional. Por cruel e desptico queele possa ser, contanto que funcione, a razo positivista o aceita e no deixa ao homem outraescolha a no ser a resignao. A teoria justa, ao contrrio escreve Horkheimer, nasce daconsiderao dos homens de tempos em tempos, vivendo sob condies determinadas e queconservam sua prpria vida com a ajuda dos instrumentos de trabalho. Ao considerar que a

    existncia social age como determinante da conscincia, a teoria crtica no est anunciando sua viso do mundo, mas diagnosticando uma situao que deveria ser superada.Em suma, a teoria crtica de Horkheimer pretende que os homens protestem contra a aceitaoresignada da ordem total totalitria. A razo polmica de Horkheimer, ao se opor razoinstrumental e subjetiva dos positivistas, no evidencia somente uma divergncia de ordemterica. Ao tentar superar a razo formal positivista, Horkheimer no visa suprimir a discrdiaentre razo subjetiva e objetiva atravs de um processo puramente terico. Essa dissociaosomente desaparecer quando as relaes entre os seres humanos, e destes com a natureza, vierem configurar-se de maneira diversa da que se instaura na dominao. A unio das duasrazes exige o trabalho da totalidade social, ou seja, a prxis histrica.

    Tecnicismo e ideologia

    Jrgen Habermas desenvolve sua teoria no mesmo sentido de Horkheimer. Para ele, a teoriadeve ser crtica, engajada nas lutas polticas do presente, e construir-se em nome do futurorevolucionrio para o qual trabalha; exame terico e crtico da ideologia, mas tambm crticarevolucionria do presente.O projeto filosfico de Habermas pode ser sintetizado em termos de uma crtica do positivismoe, sobretudo, da ideologia dele resultante, ou seja, o tecnicismo. Para Habermas, o tecnicismo aideologia que consiste na tentativa de fazer funcionar na prtica, e a qualquer custo, o sabercientfico e a tcnica que dele possa resultar. Nesse sentido, pode-se falar de um imbricamentoentre cincia e tcnica, pois esta, embora dependa da primeira, retroage sobre ela, determinando

    seus rumos. Essa vinculao, mostra Habermas, particularmente sensvel nos Estados Unidos(na URSS, por suposio ocorreria algo anlogo), onde a Secretaria de Defesa e a NASA so osmais importantes comanditrios em matria de pesquisa cientfica. Na medida em que seconsidera o complexo militar industrial, particularmente observvel nos Estados Unidos, e namedida em que se releva aquela comandita, tem-se como conseqncia um novo complexo quepoderia ser referido como complexo cincia-tcnica-indstria-exrcito-administrao. Nessecomplexo, o processo de mtua vinculao entre cincia e tcnica amplia-se tornando-se umprocesso generalizado de realimentao recproca que Habermas compara a um sistema de vasoscomunicantes. Desse modo, cincia e tcnica tornam-se a primeira fora produtiva,subordinando todas as demais: Para Habermas, so os cientistas e os tcnicos que, graas a seusaber daquilo que ocorre num mundo no vivido de abstraes e de dedues, adquiriram

    imensa e crescente potncia (...), dirigindo e modificando o mundo no qual os homens possuem,simultaneamente, o privilgio e a obrigao de viverem. Assim, esse contexto, no apenas

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    tcnico-cientfico, mas tambm econmico-poltico, passa a ser a conotao da tcnica. Nessesentido, o autor ataca a iluso objetivista das cincias. Contra a iluso da teoria pura, Habermasprocura trazer tona as razes antropolgicas da prtica terico-cientfica e evidenciar osinteresses, que esto no princpio do conhecimento, particularmente do conhecimento cientfico.No plano da filosofia social, Habermas critica o objetivismo ontolgico e contemplativo da

    filosofia terica tradicional. Para ele, em nenhum caso a filosofia poderia ser propriamente umacincia exata, e as pretenses que ela pode (e poder) manifestar nesse sentido no fazem senotestemunhar sua contaminao pelo objetivismo positivista das cincias; nesse contexto ela no mais que uma especialidade entre outras, no seio da instituio universitria, colocando-se juntos cincias e afastada das preocupaes de um pblico leigo, devido a seus refinamentostericos. A crtica do positivismo cientfico e filosfico, empreendida por Habermas, inseparvel de sualuta contra o objetivismo tecnocrtico. O positivismo e o tecnicismo no passam, para ele, deduas faces da mesma e ilusria moeda ideolgica: tanto um, como outro, no seriam mais quemanchas turvas no horizonte da racionalidade.

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