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ESCOLA DE GUERRA NAVAL CMG (FN) FERNANDO RODRIGUES DA COSTA FILHO TERRORISMO - SEGURANÇA PÚBLICA OU DEFESA NACIONAL Reflexões sobre o papel da Marinha do Brasil Rio de Janeiro 2013

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ESCOLA DE GUERRA NAVAL

CMG (FN) FERNANDO RODRIGUES DA COSTA FILHO

TERRORISMO - SEGURANÇA PÚBLICA OU DEFESA NACIONAL

Reflexões sobre o papel da Marinha do Brasil

Rio de Janeiro

2013

CMG(FN) FERNANDO RODRIGUES DA COSTA FILHO

TERRORISMO - SEGURANÇA PÚBLICA OU DEFESA NACIONAL

Reflexões sobre o papel da Marinha do Brasil

Monografia apresentada à Escola de Guerra

Naval, como requisito parcial para conclusão

do Curso de Política e Estratégia Marítimas.

Orientador: CMG (FN-RM1) Rudibert Kilian

Junior

Rio de Janeiro

Escola de Guerra Naval

2013

AGRADECIMENTOS

À Biblioteca da Escola de Guerra Naval um agradecimento especial, pela valiosa colaboração

para esta pesquisa.

Ao Cel (QMB) Luis Felipe, prezado colega de turma, pelo desenvolvimento e disponibiliza-

ção do "template" que possibilitou a estruturação do presente trabalho.

Ao CMG (RM1) Maurício Bruno de Sá, meu primeiro orientador, pelas valorosas indicações,

pelos ensinamentos, profissionalismo nas apreciações e indiscutível capacidade profissional colo-

cada, sem reservas. ao meu serviço nesta pesquisa.

Ao CMG (FN-RM1) Rudibert Kilian Júnior, meu orientador final, pelas pragmáticas orientações

que foram de fundamental importância para a conclusão desta monografia.

RESUMO

A globalização, enquanto dissemina as oportunidades, também esparge as suas novas amea-

ças. As sociedades recrudescem suas competições por poder. O mundo, atualmente, observa o

incremento das ações que, por definição, estão enquadradas no escopo das chamadas novas

ameaças e, dentre essas, o presente trabalho se concentra no fenômeno terrorismo, bem como

no enfoque a ser dado ao seu tratamento pelas Forças Armadas, em especial pela Marinha do

Brasil. A questão principal é: - o fenômeno terrorismo é um problema de segurança pública

ou de defesa nacional? Estabelecidos os pressupostos teóricos, que evidenciam que o constru-

to da guerra trinitariana de Clausewitz também se aplica ao terrorismo. Em seguida, perscru-

tam-se as ameaças pertinentes ao terrorismo em nosso entorno estratégico, diante do protago-

nismo crescente do Brasil no Sistema Internacional. Enfoca-se o caso do enfrentamento do

governo peruano ao grupo terrorista Sendero Luminoso (SL).Evidenciam-se as características

do terrorismo do SL e responde-se ao questionamento que constituiu o objetivo do presente

trabalho. Por fim, apresenta-se uma proposta para a Marinha do Brasil (MB) de possível linha

de ação para o enfrentamento do terrorismo no Brasil e seguem-se as principais conclusões.

Palavras-chave: Ameaça, Defesa, Marinha do Brasil,Terrorismo.

ABSTRACT

Globalization, while spreads globalization opportunities also scatters globalizing their new

threats. Countries reappear their competitions for power. The world today, observe the global

rise of actions that, by definition, are framed within the scope of the called new threats and,

among these, the present study is focused in the phenomenon terrorism as well as the ap-

proach to be taken on their treatment by the Armed Forces, particularly by the Brazilian Navy.

The main question is: - the terrorism phenomenon is a problem of public security or national

defense? Established the theoretical assumptions, which show that the construct of trinitarian

Clausewitz war also applies to terrorism. Then, peer is relevant to terrorism threats in our stra-

tegic environment, in view of the growing role of Brazil in the International System. Focuses

on the case of the Peruvian government to confront the terrorist group Sendero Luminoso

(SL). Show the characteristics of terrorism in SL and responds to the question which was the

objective of the present study. Finally, we present a proposal to the Brazilian Navy of possible

line of action to confront terrorism in Brazil, and the following are the main conclusions.

Keywords: Threat, Defense, Brazilian Navy, Terrorism.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABIN Agência Brasileira de Inteligência

ALBA Alternativa Bolivariana para as Américas

BNDES Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social

BNDES-FEP Fundo de Estruturação de Projetos do Banco Nacional de

Desenvolivimento Econômico e Social

CP-ECEME Curso Preparatório para a Escola de Comando e Estado-Maior

do Exército

DISBIN Departamento de Integração do Sistema Brasileiro de

Inteligência

ECEME Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

ELN Exército de Libertação Nacional

END Estratégia Nacional de Defesa

EPP Exército do Povo Paraguaio

EUA Estados Unidos da América

FA Forças Armadas

FARC Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia

GP Guarda Portuária

GSI-PR Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da

República

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

MB Marinha do Brasil

MD Ministério da Defesa

MERCOSUL Mercado Comum do Sul

MRTA Movimento Revolucionário Tupak Amaru

OEA Organização dos Estados Americanos

ONG Organização Não Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

PEM Plano Estratégico da Marinha

PIB Produto Interno Bruto

SISBIN Sistema Brasileiro de Inteligência

SL Sendero Luminoso

UNASUL União das Nações Sul-Americanas

VRAE Vale dos Rios Apurimac e Ene

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Faixa de Fronteira e Municípios fronteiriços .............. Erro! Indicador não definido.

Figura 2 Tríplices Fronteiras brasileiras ................................................................................... 43

Figura 3 Site do Hiizbollah ....................................................................................................... 53

Figura 4 Site do Hamas ............................................................................................................ 54

Figura 5 Site das FARC ............................................................................................................ 54

Figura 6 O segundo sítio, em uso no ano de 2011, pelas FARC na Colômbia. ....................... 55

Figura 7 Site do Euskadi Ta Askatasuna (ETA) ...................................................................... 55

Figura 8 O sítio eletrônico da Al-Qaeda, que por força de tratado internacional, é considerada

terrorista também no Brasil, juntamente com o Talibã .................................................... 56

Figura 9 O resultado da ação de hackers norte americanos, a serviço do Governo dos EUA,

que lograram êxito em retirar do ar o sítio da Al-Qaeda, apresentado na figura 9. ......... 56

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 9

2 MARCO TEÓRICO ............................................................................................................ 15

2.1 CLAUSEWITZ: TRINDADE E POLÍTICA ................................................................. 15

2.2 COMPETIÇÃO/CONFLITO NAS SOCIEDADES: A FORÇA IRRACIONAL DAS

MASSAS ........................................................................................................................... 18

2.2.1 Força Motivadora e Desejo - Reações Assimétricas na História Humana ............... 20

2.2.2 Ações Terroristas - Semelhanças e Proximidade com o Brasil ................................. 23

3 BRASIL - ATOR PROTAGONISTA DA CENA INTERNACIONAL: AMEAÇAS ... 30

3.1 NARCOTRÁFICO E GRUPOS NARCOTERRORISTAS NA AMÉRICA DO SUL ..

........................................................................................................................... 31

3.2 AS FRONTEIRAS NA AMÉRICA DO SUL ................................................................. 33

3.3 BLOCOS ECONÔMICO/IDEOLÓGICOS NA AMÉRICA DO SUL - REFLEXÕES

PARA O BRASIL ................................................................................................................... 44

4 A AMEAÇA TERRORISTA: COMO ENFRENTÁ-LA NO FUTURO ........................ 49

4.1 FUNDAMENTOS DO FENÔMENO TERRORISMO ................................................ 49

4.2 A INTERNET E O TERRORISMO ............................................................................... 50

4.3 TERRORISMO: SEGURANÇA PÚBLICA OU DEFESA NACIONAL? ................. 57

4.3.1 O fenômeno SL e suas características .......................................................................... 58

4.3.2 A oposição do Estado peruano ao SL e a Teoria de Clausewitz ................................ 58

4.3.3 Expressões do Poder Nacional - o ambiente - Reflexões sobre a MB ....................... 59

5 CONCLUSÃO: RESPOSTA AO PROBLEMA PROPOSTO E REFLEXÕES SOBRE

A ATUAÇÃO DA MB ............................................................................................................ 64

9

1 INTRODUÇÃO

As sociedades são competitivas e os argumentos nas competições podem ser di-

plomáticos, políticos, beligerantes e dentro deste último, de forma regular ou irregular.

O mundo, atualmente, observa o incremento das ações que, por definição, estão

enquadradas no escopo das chamadas novas ameaças, denominação consensual de um grupo

de ações violentas e criminosas, como as violações de direitos humanos em larga escala, os

genocídios por diversos motivos, a destruição do meio ambiente, o terrorismo, e o crime or-

ganizado transnacional, dentre outros.

“As ameaças que não tardaremos a enfrentar não podem ser facilmente categoriza-

das como agressões de Estados; de fato, pela primeira vez desde o nascimento do

Estado, não há mais necessidade de uma estrutura estatal para organizar a violência

em uma escala devastadora para a sociedade” (BOBBIT, 2003, p. 774).

Dentre essas ameaças, o presente trabalho aborda o fenômeno terrorismo, bem

como o enfoque a ser dado ao seu tratamento pelas Forças Armadas (FA), em especial a Ma-

rinha do Brasil (MB). A questão primordial é: o fenômeno terrorismo é um problema de segu-

rança pública ou de defesa nacional?

O fenômeno terrorismo vem merecendo especial atenção de estudiosos, sejam es-

ses das áreas humanas, de segurança pública ou de defesa. Entretanto, como seu estudo é rela-

tivamente novo, não foi atingido o consenso sobre a definição se o fenômeno terrorismo é

afeto à segurança pública, afeto à defesa nacional, às duas áreas, ou mesmo se deve ser enten-

dido dentro de um processo de escalonamento de ações de contraposição, iniciando pela segu-

rança pública e culminando pela defesa nacional, bem como se as teorias de Clausewitz lhe

são aplicáveis (SCHUUMAN, 2010).

O objetivo deste trabalho de pesquisa é responder a indagação acima e, além dis-

so, propor uma abordagem específica para o caso brasileiro, a ser adotada pela MB acerca do

fenômeno terrorismo.

10

É fato que o mundo globalizado, enquanto espalha as oportunidades, também vê

aumentarem novas ameaças. As sociedades recrudescem suas competições por poder, por

preponderância das próprias convicções religiosas e outras motivações, levando outras socie-

dades a serem vitimadas em sua ordem institucional, forçando-as à negociação e podendo

levá-las ao colapso político-social. "Hoje, como em nenhuma oportunidade do passado, a so-

ciedade mundial vê-se aqui e ali, acometida, indefesa quase sempre pela forma degradante e

covarde da prática daquela mesma violência, sob o signo de sua expressão mais cruel: o terro-

rismo". (WHITTAKER, 2005, p. 5).

Nesse complexo jogo de ações, ao se analisar a postura brasileira sobre o terro-

rismo, ressalta a existência, até o ano de 2010, de um posicionamento de negação a qualquer

sinalização positiva da existência do receio de que o Brasil pudesse vir a ser alvo ou mesmo

palco para a manifestação desse fenômeno. Tal comportamento acabou por constituir-se em

enorme óbice ao planejamento das instituições públicas, uma vez que inviabilizou a hierarqui-

zação do combate e da prevenção ao terrorismo como uma prioridade (GOMES, 2012).

De forma paralela, no âmbito do Ministério da Defesa (MD), preocupado com a

possibilidade de ocorrência de atentados terroristas no Brasil, ressalta, especialmente, a ques-

tão da maneira como deve ser entendido o fenômeno. Em princípio, conforme visto durante a

execução do Seminário "Atuação das Forças Armadas em face das Ameaças Terroristas"1

ficou patente a dificuldade de definição sobre o papel das FA. Importante e grave é que uma

definição sobre o tema seria fator valioso ao MD, bem como no âmbito da MB, em particular

para nortear a consecução dos trabalhos de elaboração do Plano Estratégico da Marinha

(PEM), com positivos reflexos para a Força (GOMES, 2012).

Entretanto, entende este autor que a postura de negação, pelo governo, da possibi-

lidade de manifestação do fenômeno terrorismo no território nacional buscava ser prudente,

_________________________________________________________

1

Realizado pelo Ministério da Defesa, nas dependências da Escola Naval, de 28 de maio a 01 de junho

de 2012.

11

sob uma vasta argumentação que se inicia no campo psicossocial, uma vez que, em tese, ao se

afastar uma ameaça do imaginário da população, bem como das prioridades das FA, essas

duas não convivem no dia a dia com a preocupação acerca do tema; seguindo pela argumenta-

ção de cunho defensivo, evitando que os demais atores globais passem a citar o Brasil como

potencial alvo ou palco, chamando a atenção de organizações terroristas para o país e inter-

nando o fenômeno; e, por fim, ressalta o parâmetro econômico, ao considerar que assumindo

ser o país um potencial palco ou alvo, ter-se-ia o aumento do receio de investidores estrangei-

ros (FELIX, 2008).

De certo, todas essas argumentações para a negação são comprováveis e racionais,

mas, por outro lado, acabam por fragilizar as estruturas de segurança e defesa, haja vista não

haver nas FA o preparo, a equipagem e sequer a conscientização da população sobre sua im-

portância, especialmente na prevenção.

Não obstante, deve-se considerar que a abordagem do tema como prioritário no

país até 2010 não encontraria respaldo pela falta de um cenário que atuasse como catalisador,

que indicasse o país como potencial alvo ou que o credenciasse a ser palco de uma manifesta-

ção terrorista. Com os denominados Grandes Eventos2, o catalisador para o processo ficou

disponível. Com isso, a partir do ano de 2010, o cenário mudou radicalmente. O aumento da

preponderância regional e global do Brasil recebeu um fortíssimo aliado, qual seja o protago-

nismo na área dos esportes internacionais. Copa das Confederações, Copa do Mundo e Olim-

píadas provocaram estudos mais aprofundados sobre a possibilidade de ocorrência do fenô-

meno em território nacional (GOMES, 2012).

Compondo a análise do cenário, no que concerne ao ambiente regional e à cres-

cente influência do Brasil, vale ressaltar que não existem vácuos de poder, sejam eles políti-

cos ou econômicos, e todo movimento de um ator em direção à ampliação de seu próprio po-

_________________________________________________________

2

Conjunto de eventos esportivos internacionais sediados pelo Brasil até as Olimpíadas de 2016.

12

der, invariavelmente, seria seguido de movimento inverso de outro ou de outros atores, em

uma acomodação contínua e dinâmica de espaços de influência, mas que, consequentemente,

faz emergir sentimentos de incômodo, desconforto e acirramento do sentimento de competi-

ção (GOMES, 2012).

Entende ainda este autor que é lícito reconhecer o crescimento da influência regi-

onal do Brasil, bem como o é supor que atores dentro da região perderão influência e protago-

nismo, com reflexos negativos em seus desenvolvimentos. Não obstante, pode e deve ser con-

siderado o fato de o Brasil ser o único país na região de idioma e colonização portugueses,

bem como o fato do Brasil ter-se voltado para o Oceano Atlântico, deixando sua fronteira

oeste menos desenvolvida e também menos habitada. Tais características acabam dificultando

a integração, embora possam não as impedir (COSTA, 2007).

Ciente da mudança de cenários que aponta para a possibilidade de ameaças, o po-

der estatal brasileiro dá sinais de que reconhece o problema e se movimenta, com discrição e

cautela, para se contrapor à ameaça terrorista. Apesar de não se manifestar em tom alarmista,

nem seus representantes falarem abertamente sobre o assunto, o combate ao terrorismo seria

uma das prioridades da estratégia de segurança para os grandes eventos esportivos.

O tema “ameaça terrorista” foi destacado durante o Planejamento Estratégico de

Segurança Pública para o Mundial de 2014, nas reuniões levadas a efeito na Agência Brasilei-

ra de Inteligência (ABIN), durante o ano de 2012. Essas reuniões contaram com as presenças

de representantes dos diversos órgãos envolvidos na consecução dos eventos, dentre eles a

MB3.

O plano resultante das reuniões na ABIN, concluído em final de fevereiro de

2013, define que os grandes eventos esportivos, com destaque para a realização da Copa do

Mundo, por envolver diversas cidades como sedes dos jogos, bem como diversas seleções

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3

Este autor participou da reunião realizada em 20 de julho de 2012, nas dependências do Departamento

de Integração do Sistema Brasileiro de Inteligência (DISBIN).

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representantes de países com atuação destacada na luta contra o terrorismo no mundo, torna-

se uma oportunidade considerável para ações terroristas, justificando a assertiva na seguinte

premissa: o novo espaço ocupado pelo Brasil no cenário internacional e a atual conjuntura

mundial.

Decorrente da premissa levantada, o governo definiu três eixos de atuação: amea-

ças externas, internas e proteção de portos, aeroportos e fronteiras. A reportagem de Mello

(2013), no portal de notícias do jornal Folha de S. Paulo, descreve:

Segundo o plano, apesar de o governo federal não falar abertamente sobre o assunto,

o combate ao terrorismo é uma das prioridades da estratégia de segurança da Copa

de 2014. O tema ganhou destaque no "Planejamento Estratégico de Segurança Pú-

blica" para o Mundial do ano que vem, ao qual a Folha teve acesso. Finalizado na

semana passada, o documento é assinado pelos ministros José Eduardo Cardozo

(Justiça), Celso Amorim (Defesa) e José Elito Carvalho (Gabinete de Segurança Ins-

titucional). Segundo o texto, a Copa é uma oportunidade "especial" para ações terro-

ristas, "tendo em vista o novo espaço ocupado pelo Brasil no cenário internacional e

a atual conjuntura mundial". Com essa premissa, o governo definiu três eixos de a-

tuação: ameaças externas, internas e proteção de portos, aeroportos e fronteiras. [...]

um dos objetivos do poder público será "prevenir, reprimir e combater as ameaças

de origem terrorista e/ou química, biológica, radiológica e nuclear, e mesmo de arte-

fatos explosivos improvisados". [...] o ministro José Eduardo Cardozo afirmou que

um dos legados do plano é a relação harmoniosa entre Defesa e Justiça.De acordo

com o ministro, a integração com polícias de outros países crescerá, o que é "essen-

cial em um mundo onde o crime também é globalizado". O combate ao terrorismo

será dividido entre a Polícia Federal e o Estado-Maior Conjunto das Forças Arma-

das. [...].4

Depreende-se que o governo brasileiro, em seus mais elevados e reservados níveis

de assessoramento e decisão, não fecha os olhos ao fenômeno terrorismo.

No capítulo 2, serão estabelecidos os pressupostos teóricos, os quais pretendem

evidenciar que o construto da guerra trinitariana de Clausewitz também explica e se adéqua ao

terrorismo, onde apenas o caráter da guerra e os meios é que se tornam ilimitados, evidenci-

ando, assim, o dito do autor prussiano de que a guerra é um verdadeiro camaleão, dinâmica,

que se modifica para atender à conjuntura. Ainda neste capítulo, por uma abordagem histórica

do fenômeno do terrorismo, fica claro que o que muda são as motivações que respaldam as

forças do sentimento, da paixão e do ódio das massas, um dos vértices da trindade de onde

_________________________________________________________

4

Disponível em: <http://app.folha.com/m/noticia/222772>. Acesso em: 23 mai. 2013.

14

emana a violência. Por fim, e em complemento, serão realizados breves estudos de caso ati-

nentes ao terrorismo.

No capítulo 3, busca-se perscrutar as ameaças pertinentes ao terrorismo em nosso

entorno estratégico, diante do protagonismo crescente do Brasil no Sistema Internacional (SI).

No capítulo 4, fica evidenciado o recente modus operandi5 do terrorismo e res-

ponde-se ao questionamento que constituiu o lócus do presente trabalho.

Por fim e ao cabo, apresenta-se uma proposta para a MB de possível linha de ação

para enfrentamento do terrorismo no Brasil e as principais conclusões do presente trabalho.

_________________________________________________________

5

Expressão latina que significa modo de agir ou operar.

15

2 MARCO TEÓRICO

O General prussiano Carl Phillip Gottlieb von Clausewitz, nascido em 1780, foi

um estudioso da guerra e mesmo após quase 200 anos de seu falecimento, ocorrido em 1831,

se mantém como importante marco teórico desse fenômeno.

Ao pesquisar seu legado, além da célebre assertiva mundialmente conhecida,

constante em sua principal obra, postumamente publicada, denominada Vom Kriege, em

alemão, e Da Guerra, em português, qual seja: “A guerra é a continuação da política por

outros meios”, este capítulo pretende abordar o fenômeno guerra e a trindade de Clausewitz,

discutindo sua pertinência também na abordagem do combate ao fenômeno terrorismo.

Ainda neste capítulo, aprofunda-se o estudo das sociedades e das competições na-

turais humanas, considerando que os seres humanos são, em sua essência, competidores e daí

nascem as rusgas, insatisfações e incompreensões.

2.1 CLAUSEWITZ: TRINDADE E POLÍTICA

Ao recorrer ao legado de Clausewitz, invariavelmente vem à mente a sua teoria de

que a natureza fundamental da guerra se assemelha a uma “trindade paradoxal”, cujos ele-

mentos são a violência, o acaso e o propósito racional. Nesse contexto, Clausewitz define a

guerra como o emprego da força para fazer com que o inimigo atenda a nossa vontade

(CLAUSEWITZ, 1996).

Preocupado em esclarecer o controverso ponto de interseção entre as tendências

absolutas da guerra e os fatores aos quais caberia a sua limitação, naquilo que se pode definir

como um teatro de operações, Clausewitz, embora afirmando que a guerra não é regida por

16

qualquer lógica em particular, evidenciou que ela é a continuação da política, só que por ou-

tros meios, com o emprego da força (CLAUSEWITZ, 1996).

Ao afastar a ideia e a tendência de explicar Clausewitz dentro do contexto tempo-

ral, da realidade e do cenário em que escreveu sua obra Da Guerra, mas tão somente buscan-

do trazer suas ideias centrais para posterior confronto com o cenário contemporâneo e, mais

especificamente, para o caso brasileiro de abordagem do terrorismo como ameaça, encadei-

am-se os seguintes pontos: o primeiro é a guerra sendo uma explosão, um espasmo de violên-

cia, entretanto com limites impostos pela política; o segundo, a subordinação da guerra à polí-

tica, explícita na "Trindade de Clausewitz"; e o terceiro, a inclusão de um importante ingredi-

ente: o acaso (CLAUSEWITZ, 1996).

A política estabelece os limites e os objetivos de uma explosão de violência - a

guerra. Não obstante, a guerra é um fenômeno mutável, que como um camaleão se modifica e

se adapta às circunstâncias. Como fenômeno abrangente, a guerra tende a não respeitar limi-

tes, mas os acaba encontrando na política, uma vez que essa define os objetivos. Esse com-

plexo sistema de interações torna a guerra uma trindade paradoxal — formada em um vértice

pela violência, pelo ódio e pela inimizade, aqui definidas como absolutamente emocionais e

como tal, cegas e naturais do humano; o segundo vértice abriga o jogo do acaso, da sorte, das

probabilidades, onde, segundo Clausewitz, o espírito criativo domina e reina livremente; e o

terceiro vértice desse triângulo hipotético abriga o elemento de subordinação, definindo a

guerra como um instrumento da política, o que torna lícito supor que é um fenômeno também

racional, com limites e objetivos racionalmente definidos (CLAUSEWITZ, 1996).

Um segundo passo, que consiste em ponto fundamental dessa pesquisa, identifica

quais os protagonistas de cada um desses vértices da "Trindade de Clausewitz". Cabe ressaltar

que não foi definida por Clausewitz a importância relativa para cada um. Isso se dá em função

da sua definição de guerra como mutável. Afinal, a proporção, preponderância ou submissão

17

de quaisquer dos vértices aos outros deverá ser fruto dessa mutação da guerra frente às neces-

sidades, residindo aí sua capacidade de adequação (CLAUSEWITZ, 1996).

Importante ressaltar que cada um dos vértices não está ligado de forma exclusiva a

um grupo humano, embora possa ter preponderância daquele grupo: a emoção, a violência, o

ódio e a inimizade seriam características das pessoas, das sociedades civis, da base popular;

enquanto lidar com as probabilidades, com o acaso e a fortuna teria a preponderância dos co-

mandantes militares, dos combatentes; e, por fim, a parte racional, definição de limites e obje-

tivos recairia sobre o governo, os líderes (CLAUSEWITZ, 1996).

Para este trabalho esse entendimento é encampado, mas este autor o desdobra

mais uma vez. A inexistência de proporcionalidade entre a preponderância dos vértices da

trindade se dá pela própria falta de exclusividade dos atores com suas funções e atribuições.

Os atores, cada vez mais podem vir a compartilhar funções e atribuições dentro da sociedade.

De fato, a guerra é um fenômeno que afeta toda a sociedade. O processo de globalização, não

conhecido ou imaginado por Clausewitz, cada vez mais impõe ao humano que mesmo sendo

um comandante militar não deixe de ser um cidadão, um componente da sociedade. Da mes-

ma forma, existem conhecimento e mecanismos suficientes para que um simples cidadão se

lance diretamente ao combate, convivendo com o acaso, com as relações de probabilidade. Da

mesma forma, soldados e cidadãos se projetam ao campo racional, tirando do governo qual-

quer exclusividade nessa ação. Na verdade, cada uma das três categorias que constituem a

trindade impacta todos os humanos daquele grupo social, em amplitude imprevisível e, via de

regra, diferente em cada sociedade, em cada contexto temporal, em cada situação.

Chega-se ao conceito de Clausewitz sobre a imprevisibilidade da guerra e da ne-

cessidade de envolvimento de todos os atores, quais sejam cidadãos, soldados e governo: a

guerra é um fenômeno envolvente (CLAUSEWITZ, 1996).

18

No fenômeno terrorismo, meio para um fim (político), estão presentes as três for-

ças da trindade: base popular, líderes e combatentes. Logo, o terrorismo se enquadra no cons-

truto teórico central de Clausewitz.

2.2 COMPETIÇÃO/CONFLITO NAS SOCIEDADES: A FORÇA IRRACIONAL DAS

MASSAS

Ao estudar-se a história humana, encontram-se fatos que evidenciam que o maior

gerador de progressos em uma sociedade, seja ela uma região, um estado, um país ou tão so-

mente um agrupamento humano, reside na sua população, na motivação desta para enfrentar

os desafios e verdadeiramente buscar as mudanças ou o progresso (McCLEALLAND, 1972).

A força da população para competir, a força de cada humano para fazer valer sua

qualidade de competidor são fatores fundamentais. Impérios, como o Romano, cresceram,

influenciaram decisivamente o mundo e depois foram aniquilados sem uma razão clara do por

que não terem se perpetuado. Como segundo exemplo, Florença, centro do Renascimento na

Itália entre os séculos XV e o passado, bem como toda a Itália Setentrional, perdeu importân-

cia, ou melhor, o protagonismo de outrora nos campos da cultura, do comércio, da música e

da literatura (McCLEALLAND, 1972).

Observa-se, então, que as razões para a ascensão e queda dos grandes impérios de

outrora, e que pode ocorrer com os grandes atores globais contemporâneos, podem não ter

uma explicação clara, podem não ser simplesmente fruto do crescimento de um concorrente,

podem não ser simples acomodações nos campos do protagonismo, do poder de influência ou

falta de disposição de suas sociedades (MCCLEALLAND, 1972).

As competições, sejam internas ou externas, possuem características próprias e os

argumentos empregados também o são muito próprios. A história está repleta de exemplos de

19

aplicação de argumentos políticos e diplomáticos, eficientes arrefecedores dos ânimos, que

acabam levando as competições a um bom termo, ao crescimento e ao desenvolvimento. Por

outro lado, quando não evitam o recrudescimento das oposições, a situação evolui, levando ao

emprego dos argumentos bélicos ou mesmo argumentos não convencionais como a guerrilha,

as ações assimétricas e o chamado "terrorismo" (WHITTAKER, 2005).

A questão do método a ser empregado em uma competição, assim como os fatores

que explicam o sucesso ou não das sociedades, deve ser entendido como fruto do homem,

enquanto célula menor daquele organismo e que difere absolutamente em essência uns dos

outros, podendo essa diferença se manifestar entre humanos ou entre sociedades. Os mesmos

obstáculos serão, então, enfrentados de diferentes formas e mesmo enxergados por uns como

desafios e por outros como obstáculos. (McCLELLAND, 1972).

Entende-se, em síntese, que o ser humano responde a estímulos e responde dife-

rentemente a eles, por sua própria natureza. McClealland (1972, p. 25-26), esclarece:

Toynbee, que rejeitou expressamente teoria ambiental de ascensão e declínio das ci-

vilizações, conseguiu, no entanto, escrever a maior parte de A Study of History

(1947) em termos de uma teoria ambiental modificada. Para ele, o "desafio do meio

ambiente" é o responsável pela origem das civilizações. Tal como emprega o termo,

"ambiente" não se refere unicamente à geografia, mas também às condições sociais.

O que é importante é o "estímulo" que pode surgir de regiões difíceis, de novos so-

los a explorar, da vida num ambiente de fronteira, do fato de sofrer discriminação

como grupo minoritário. O estímulo não deve ser forte nem fraco demais - mas na

dose certa. Assim, os vikings foram estimulados pela Islândia, mas a Groenlândia

resultou num desafio excessivamente difícil para eles. Os chineses reagiram vigoro-

samente à moderada discriminação social contra eles na Malaia, mas "cederam" a

uma discriminação muito, mas forte contra eles na Califórnia. A dificuldade da teo-

ria de Toynbee está no fato de ser tão geral que, possivelmente, não pode estar erra-

da. Se uma civilização demonstrou uma reação criadora, deve ter tido a dose certa de

estímulo.

No prosseguimento do estudo, resta como indefinível qual o estímulo certo que

provocará em um humano ou em um grupo social a reação esperada. Decerto que a resposta é

improvável, uma vez que tudo depende de cada humano, de cada grupo social e se perde na

quantidade de outras variáveis. Não obstante, a existência da razão e da emoção influenciará,

ora com ambas caminhando juntas, ora com preponderância, ou mesmo total ascensão, de

20

uma sobre a outra, no desejo e na força que motiva o humano. É McClealland (1972, p. 61-

67) que evidencia:

Pelo menos, desde os tempos de Platão e do Bhagavad-Gita, os filósofos ocidentais

têm sido propensos a ver a razão e o desejo como dois elementos nitidamente dife-

rentes no espírito humano. Pouco interessaria aqui fazermos uma história das várias

maneiras como foi concebido o elemento "desejo" nos últimos 2000 anos, mas basta

dizer que sempre representou uma espécie de "força motivadora" frequentemente

oposta mas, em última instância, controlável pela razão. Nos primórdios da moderna

psicologia científica, em meados do século XIX, a relação entre esses dois elemen-

tos psíquicos adquiriu um significado muito específico, principalmente sob a influ-

ência de Darwin e o grande interesse que ele e outros suscitaram em torno da teoria

da evolução. O homem era concebido como um animal empenhado numa luta pela

sobrevivência com a natureza. Era um corolário evidente supor que, como o homem

lutava, possuía um desejo ou vontade de sobrevivência. Biólogos e psicólogos se a-

pressavam em assinalar como esse desejo era mecanicamente controlado pelo orga-

nismo, visto que as necessidades fisiológicas insatisfeitas acionavam, geralmente,

certos sinais de perigo que irritariam ou perturbariam o organismo até que as neces-

sidades fossem satisfeitas.

2.2.1 Força Motivadora e Desejo - Reações Assimétricas na História Humana

A humanidade observa e experimenta, em sua trajetória histórica, o emprego de

vários argumentos por grupos sociais em seu desenvolvimento. A força motivadora nem sem-

pre foi a mesma, entretanto, o desejo foi semelhante, qual seja, o atingimento da preponderân-

cia e do protagonismo. É fato que tais grupos nem sempre habitavam ou compartilhavam das

mesmas regiões geográficas, das mesmas organizações sociais, das mesmas convicções reli-

giosas. O importante a ser ressaltado é que não existe uma regra de como a contrariedade de

interesses pode levar ao emprego de argumentos bélicos, mais precisamente com ações assi-

métricas, o que induz acreditar que pode acontecer em qualquer sociedade, inclusive a brasi-

leira (McCLELLAND, 1972).

Corroborando o pensamento de David C. McClelland:

Martha Crenshaw (1981) explora ambientes em que há probabilidade de explosão da

violência. Sua posição, que pode não ser universalmente aceita, é que o terrorismo é

uma expressão de opção lógica e estratégia política. Os terroristas, ao avaliarem os

parâmetros de uma situação, demonstram uma racionalidade coletiva. A argumenta-

ção de Crenshaw, em primeiro lugar, isola uma série de precondições que armam o

21

cenário para o terrorismo e, depois, como fatores permissivos, estimulam e direcio-

nam a motivação, proporcionando oportunidades para ação violenta. Queixas con-

cretas, falta de oportunidade para participação política e, sobretudo, insatisfação no

seio de uma elite, são consideradas razões para o terrorismo. Finalmente, um "even-

to precipitante" pode agir como gatilho da violência, vista então como única alterna-

tiva exequível. (WHITTAKER, 2005, p. 35).

O estudo da obra de Caleb Carr, A Assustadora História do Terrorismo, bem co-

mo o trabalho de David J. Whittaker, citado acima, evidenciam algumas situações, algumas

motivações e alguns gatilhos da violência, de importância na história do terrorismo.

Durante o século XVIII, ressalta para estudo a questão dos jacobinos, que eram

uma das principais facções surgidas no fragor dos enfrentamentos e da generalização da vio-

lência durante a revolução francesa. O cerne de sua ideologia era a supressão total das influ-

ências aristocráticas e clericais e a instituição de um nacionalismo fanático como justificativa

para a utilização de meios despóticos para dominar toda a França. Eram também denominados

de “extrema esquerda” por ocuparem as bancadas situadas do lado esquerdo da Assembleia

Nacional. Nesse período, denominado de “terror jacobino”, houve grande perseguição à Igre-

ja. Seu líder mais conhecido foi Maximilien Robespierre.

O repúdio às práticas religiosas, assumindo valor político, levaram ao recurso das

ações terroristas (CARR, 2002).

Do século XIX, ressaltam os grupos surgidos e cujo objetivo último era precipitar

uma insurreição internacional de trabalhadores com a finalidade de destruir os governos e

implantar uma nova ordem social, calcada na ausência de autoridade, influência ou estrutura

legal. Sua meta principal era criar uma atmosfera de medo e instabilidade. Denominados de

anarquistas, se dividiam em dois grupos: os individualistas e os coletivistas. Os individualistas

consideravam a liberdade como o fim substancial da vida, e todos os governos eram empeci-

lhos a que se chegasse a essa liberdade, mesmo quando não fossem tirânicos. Para esse grupo,

a única realidade da vida era o indivíduo; pregavam o aniquilamento do Estado e da proprie-

dade privada por reconhecerem nessas instituições o obstáculo maior para alcance da liberda-

22

de individual. O anarquismo de orientação individualista não conseguiu muitos adeptos, sendo

de pouca relevância. O anarquismo coletivista, ao contrário, difundiu-se significantemente na

Europa e nas Américas. A ideia dos coletivistas era, basicamente, formar associações ou fede-

rações que seriam as titulares das propriedades, já que a propriedade privada seria abolida, e

as federações cumpririam, sem coação, todas as funções sociais até então a cargo do Estado.

As armas prediletas dos anarquistas eram muito rudimentares, facas, pistolas e bombas casei-

ras. Os anarquistas foram responsáveis pelo assassinato de homens de negócio, estadistas e

aristocratas (CARR, 2012).

A Organização Sionista Irgun lutava contra o domínio britânico na Palestina, bem

como pela criação do Estado de Israel. Seu atentado mais conhecido foi o ataque a bomba ao

Hotel Rei David, em Jerusalém, no dia 22 de julho de 1946, quando a organização era coman-

dada por aquele que seria o futuro Primeiro-Ministro de Israel, Menachem Begin.

O grupo que realizou a ação no Hotel Rei David foi comandado por Yosef Avni e

Yisrael Levi. Disfarçados de garçons, usaram vestimentas árabes típicas para penetrar no es-

tabelecimento e instalar uma bomba no porão, que estava sendo usado como base para o Se-

cretariado do Mandato, Quartel General dos militares britânicos e uma seção da Divisão de

Investigação Criminal da Polícia.

A explosão destruiu parte do hotel, ocasionou a morte de 91 pessoas e deixou 45

feridos nas adjacências do prédio. Este foi o pior ataque ao Mandato Britânico na Palestina e

um de seus efeitos foi influenciar na decisão da retirada definitiva das forças britânicas da

região, dois anos depois.

A força motivadora foi a questão de dominação política e insubmissão aos invaso-

res (CARR, 2012).

23

A atenção e as ações do poder político de uma sociedade em amenizar as assime-

trias sociais, evita a construção de um campo fértil para o surgimento das insatisfações e

do inconformismo dos grupos sociais menos aquinhoados (McCLELLAND, 1972).

Decerto que a cidadania, a identidade nacional, as oportunidades e a capacidade

de se fazer ouvir suas demandas são os instrumentos para debilitar o apoio social e enfraque-

cer os partidos e movimentos terroristas.

2.2.2 Ações Terroristas - Semelhanças e Proximidade com o Brasil

Propositalmente, a pesquisa aborda agora atentados e acontecimentos mais inte-

ressantes ao estudo do caso brasileiro: o primeiro pela semelhança de situação com o país

palco; e os seguintes pela proximidade geográfica. Para tanto, recorre-se à obra de David J.

Whittaker, bem como à obra da jornalista Rosana Bond, intitulada Peru - do império dos in-

cas ao império da cocaína. Não obstante a literatura acima, é interessante citar as observações

do jornalista Ricardo Setti, em sua coluna6, em outubro de 2011, demonstrando a preocupação

de setores da imprensa brasileira sobre o terrorismo em países vizinhos como ameaça para o

Brasil:

Amigos do blog, espantei-me um dia desses quando especialistas em matéria de se-

gurança, depondo no Senado, em Brasília — inclusive um general –, apontaram para

países da OTAN, tradicionais amigos do Brasil como “ameaças potenciais” ao país.

Estranhei não terem mencionado várias outras, menos delirantes e mais próximas,

como os terroristas das Farc, na Colômbia, que aliás já penetraram mais de uma vez

no território brasileiro. Pois bem, ainda hoje o presidente do Paraguai, Fernando Lu-

go, decretou estado de emergência por por dois meses nos departamentos (equiva-

lentes a Estados) de Concepción e San Pedro, após o que qualificou como “aumento

dos índices de violência do grupo que se autodenomina Exército do Povo Paraguaio

(EPP)”. Durante esse período, em que algumas garantias individuais são suspensas e

ocorre intervenção do governo central nos governos regionais, as Forças Armadas e

a polícia estarão agindo em conjunto para combater “ações ilegais do grupo” e “ga-

_________________________________________________________

6

Disponível em <http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/tag/exercito-do-povo-paraguaio/> Acesso

em: 20 jul. 2013

24

rantir a segurança da população”. E o que é, amigos do blog, esse tal “Exército do

Povo Paraguaioo”? É um grupelho que se diz guerrilheiro, pratica atentados terroris-

tas e quer implantar no país vizinho um regime marxista-leninista. Não custa lem-

brar que o Departamento de Concepción, um dos dois onde a ação dos terroristas é

mais intensa, tem extensa fronteira com o Mato Grosso do Sul. Não custa lembrar,

também, a ironia que significa um grupo marxista-leninista querer derrubar o gover-

no do presidente Lugo, o ex-bispo que fez campanha para a Presidência dizendo que

faria um governo “socialista”, ser agora qualificado pelos terroristas de “fantoche do

imperialismo” e “a serviço da burguesia”, enquanto ele próprio, Lugo, chama os su-

postos guerrilheiros de “terroristas”, “criminosos” e “bandidos”. (SETTI, 2011)

O primeiro caso de estudo é o ataque terrorista perpetrado contra atletas da dele-

gação israelense presente aos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972. A ação começou com a

invasão dos alojamentos e a tomada de membros da representação israelense como reféns, na

madrugada de 5 de setembro. O grupo de terroristas palestinos denominava-se “Setembro

Negro” e era ligado à Fatah, organização palestina comandada por Yasser Arafat (STERN,

2004).

A principal exigência era a libertação de 234 palestinos e não-árabes presos em Is-

rael, além da concessão de salvo-conduto para todos eles com destino ao Egito. Exigiam tam-

bém a libertação de dois terroristas alemães, Andréas Baader e Ulrike Meinhof, presos em

penitenciárias na Alemanha (STERN, 2004).

Após intensas negociações, os terroristas foram levados ao aeroporto onde um a-

vião os aguardava com os reféns israelenses. Uma tentativa, mal planejada, de eliminar os

terroristas por ação de atiradores de elite posicionados no aeroporto, deflagrou o tiroteio que

resultou na morte de onze atletas e técnicos israelenses, um policial alemão e cinco dos oito

sequestradores (STERN, 2004).

Este autor considera o caso importante pela escolha de um país absolutamente

desfocado da questão terrorista, em processo de reconstrução de sua imagem após a derrota na

II Guerra Mundial, buscando expor ao mundo uma personalidade extrovertida e alegre de sua

sociedade. Esse momento foi identificado como uma vulnerabilidade pelos terroristas e o país

acabou sendo vitimado, na qualidade de palco para um histórico e violento ato terrorista.

25

O estudo aborda, em seguida, os atentados terroristas ocorridos na Argentina.

Em 17 de março de 1992, uma camionete F1000 carregada com 300kg de explo-

sivos, dirigida por um terrorista suicida, foi direcionada contra a Embaixada de Israel em Bu-

enos Aires. A explosão destruiu o prédio da embaixada, uma igreja católica e o edifício de

uma escola localizada nas proximidades. A explosão deixou 29 mortos e 242 feridos, sendo

considerado o mais grave atentado contra uma representação diplomática israelense. Um gru-

po autodenominado Jihad Islâmica reivindicou a autoria do atentado, motivado, segundo o

manifesto de autoria, pelo assassinato do líder do grupo xiita libanês Hizballah, Sayed Abbas

Al-Musawi, em 16 de fevereiro do mesmo ano, no sul do Líbano (STERN, 2004).

Em 18 de julho de 1994, um atentado terrorista perpetrado contra a Associação

Mutual Israelita Argentina (AMIA) deixou 85 pessoas mortas e cerca de 300 feridas. Um veí-

culo de transporte de cargas do tipo furgão, contendo aproximadamente 275 kg de explosivos,

foi detonado em frente à sede da AMIA, causando uma explosão de grandes proporções, que

praticamente destruiu o edifício de cinco andares (STERN, 2004).

Em outubro de 2006, promotores de Buenos Aires acusaram formalmente o Iran e

a milícia xiita Hizballah de envolvimento no ataque, ocasião em que foi pedida a prisão do ex-

presidente iraniano Ayatollah Rafsanjani. Assim publicou a revista Veja, em 02 de junho de

2013, em sua Seção Internacional:

Relatório de procurador argentino sobre ataque terrorista de 1994, em Buenos Aires,

mostra que doze extremistas viveram, visitaram parentes ou mantiveram negócios

em três cidades brasileiras, revela reportagem de VEJA.

As últimas ordens recebidas pelos terroristas do Hezbollah partiram do telefone

de um morador de Foz do Iguaçu, no Brasil.

Ali Khamenei, o líder supremo do Irã, deu, em uma reunião em agosto de 1993, a

ordem para que se executasse o atentado mais sangrento da história argentina. Me-

nos de um ano depois, no dia 18 de julho de 1994, isso se tornou realidade com a

explosão de uma van Renault Trafic em frente a um prédio onde funcionava a Asso-

ciação Mutual Israelita Argentina (Amia). No meio dos escombros, 85 mortos. O

carro continha entre 300 e 400 quilos de um composto de nitrato de amônio, alumí-

nio, dinamite e nitroglicerina. Desde então, por quase duas décadas, a cadeia de co-

mando montada a partir do Irã para executar a carnificina em Buenos Aires foi cui-

dadosamente estudada pelo procurador especial Alberto Nisman. Seu relatório, que

acusa a cúpula do governo iraniano de ter sido mandante do crime, foi apresentado à

Justiça no fim de maio. Na semana passada, VEJA teve acesso à sua íntegra. Em 502

26

páginas, é possível entender não apenas como funcionava a rede terrorista, mas tam-

bém suas ramificações no Brasil. Doze extremistas citados por Nisman como tendo

vínculos com o Hezbollah, o grupo islâmico que é um braço armado do governo ira-

niano no Líbano, viveram, visitaram parentes ou mantiveram negócios em três cida-

des brasileiras: Foz do Iguaçu, São Paulo e Curitiba. Pelo menos quatro deles tive-

ram participação direta ou indireta no atentado à Amia.7

Ressalta este autor que os casos ocorridos na Argentina e citados anteriormente

são demonstrações clássicas de escolha de um país como palco. Não havia interesse em atin-

gir a Argentina, sua imagem, economia, governo ou sociedade. Além disso, demonstra que

nenhum país está isento do fenômeno. Aponta que mesmo não sendo protagonista de nenhum

evento internacional, o terrorismo pode escolher como palco.

Segue o estudo, abordando o fenômeno peruano do SL, organização de orientação

maoísta, que teve a sua origem no início dos anos 70, na Universidade Nacional de San Cris-

tóbal. Foi constituído por um professor universitário de filosofia com experiência de doutrina-

ção na China, chamado Abimael Guzmán (BOND, 2004).

Inicialmente, foi operacionalizado como um partido, entretanto a reação do Go-

verno do Peru, não aceitando os objetivos declarados de promover a libertação do país do

imperialismo e a implementação de um regime comunista, levaram ao SL a imediatamente

partir para a luta armada. Essa opção direta pela violência extrema e atos de guerra assimétrica

caracterizou o SL como o movimento mais violento na história da América do Sul. O fato

precipitante foi a repressão do governo, entretanto, Abimael Guzmán já estava treinado e

decidido pela guerra de guerrilha, pelos métodos terroristas (WHITTAKER, 2005).

O apoio inicial de parte da sociedade peruana às ações do SL advinha do respeito

dos senderistas aos camponeses humildes. Além disso, os senderistas se definiam como

releitura do Império Inca, em sua luta contra os invasores brancos e opressores do povo

(BOND, 2004).

_________________________________________________________

7

Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/relatorio-aponta-ramificacoes-de-rede-

terrorista-no-brasil>. Acesso em 23 jun. 2013.

27

Nos dias de hoje, é inegável a sucessão de vitórias que o Governo do Peru vem

obtendo sobre os poucos remanescentes do SL, mas a estratégia para a vitória fica evidente na

reportagem da revista Diálogo, em 11 de setembro de 2012, Seção. Regional, nas palavras do

Ministro da Defesa do Peru, Pedro Cateriano Bellido, proferidas após anunciar a morte de um

dos discípulos mais violentos de Guzmám, em 5 de setembro de 2012, chamado Rolando Ca-

bezas Figueroa, vulgo “Camarada William”, no Vale dos Rios Apurimac e Ene: “A ação exe-

cutada pelas Forças Armadas e Polícia Nacional reflete a decisão do governo do presidente

Ollanta Humala de confrontar, dentro da lei, as ações criminosas do Sendero Luminoso”.8 O

governo peruano adotou postura de guerra contra o movimento guerrilheiro. Com atuação

preponderante das Forças Armadas peruanas e apoio das Forças Policiais, a vitória vem ocor-

rendo nos redutos onde os remanescentes do SL hoje se homiziam, e, nessa conquista do go-

verno peruano, o atual apoio da sociedade peruana às ações contra o SL é outro fator digno de

realce. A sociedade foi convencida a colaborar com informações sobre os guerrilheiros.

O apoio da sociedade é fundamental no combate ao terrorismo (SMITH 2006).

Em conclusão parcial, após a pesquisa realizada neste capítulo, este autor ressalta

que as manifestações do fenômeno terrorismo não estão tão distantes do Brasil como pode

deixar transparecer a sua ausência em sua história recente.

Quanto ao marco teórico e amparado em fatos, salienta-se que após quase 200 a-

nos de sua morte, as teorias do general prussiano Carl Phillip Gottlieb von Clausewitz perma-

necem absolutamente pertinentes e aplicáveis, também, em uma guerra contra o terrorismo.

O breve estudo de caso do fenômeno peruano do SL nos apresenta que suas ações

violentas, ainda na década de 70, foram a continuação de suas ações políticas, rechaçadas pelo

governo logo no seu início. Dessa forma, a guerra foi a continuação da política, por outros

meios, essencialmente terroristas.

_________________________________________________________

8

.Disponível em <http://www.dialogo-

americas.com/pt/articles/rmisa/features/regional_news/2012/09/11/peru-sendero>. Acesso em 10 mai. 2013

28

Ainda quanto ao SL, a "Trindade de Clausewitz" se apresenta em todos os mo-

mentos. Pode-se identificar a presença da sociedade, do governo e dos militares peruanos,

bem como, de outro lado, os guerrilheiros e a direção doutrinária senderista, se enfrentando

em uma guerra, em constante acomodação, com violência extrema, ódio e inimizade; com

ações imprevisíveis, a sorte e o acaso nos confrontos diretos; e também a racionalidade dos

limites impostos, por ambas as partes.

O estudo desse capítulo evidenciou ainda que o maior gerador de progressos em

um agrupamento social, seja ele uma região, um estado, um país ou tão somente um agrupa-

mento humano, encontra-se na motivação desta para enfrentar os desafios. A forma de enfren-

tar os desafios são particulares e imprevisíveis.

Fica evidente que a história está repleta de exemplos de aplicação de argumentos

nos processos competitivos. De forma clara, os argumentos não agressivos, negociais, políti-

cos e diplomáticos são os preferencialmente buscados, por serem eficientes arrefecedores dos

ânimos, que não deixam sequelas sociais e traumas nas sociedades. Entretanto, a mesma his-

tória nos mostra que nem sempre são adotados argumentos pacíficos. Que a intolerância, a

imposição, o descontentamento de um grupo social pode levá-lo à aplicação de métodos béli-

cos, e dentro desses, de métodos de guerra irregular, de guerrilha ou assimétrica.

Não obstante o acima exposto, sobressai uma questão importante e grave. Qual o

momento exato em que precipitam as ações violentas em um grupo social? E essa vai perma-

necer uma questão sem respostas. Tal precipitação ocorre em momentos diferentes em cada

sociedade e os sociólogos e estudiosos do tema não conseguiram identificar o que promove

essa força motivadora.

Quanto à ação do Setembro Negro em Munique, sua importância para o Brasil se

dá pela escolha de um país absolutamente desfocado da questão terrorista como placo. As

ações terroristas na vizinha Argentina, utilizada apenas como palco, reforçam a suposição de

29

que todos os países do mundo podem vir a ser alvo ou palco para ações terroristas e que, de-

vido ao caráter absolutamente particular, não há como prever a força motivadora de cada so-

ciedade para adoção de ações violentas.

30

3 BRASIL - ATOR PROTAGONISTA DA CENA INTERNACIONAL: AMEAÇAS

A América do Sul é um subcontinente controverso. O Brasil, embora o maior país

em termos territoriais e econômicos não o é de forma suficiente para que seja uma unanimi-

dade enquanto ator protagonista na região, nem alcançou a incômoda posição de ser questio-

nado diretamente como tal. Além de concorrências diretas do Chile, da Colômbia e da Argen-

tina, existem ainda blocos regionais que atingem proporções que extrapolam a questão eco-

nômica, proporções ideológicas. Considerar como percalço ao seu protagonismo, que o Brasil

é o único país de colonização portuguesa em uma maioria espanhola é lícito na análise, bem

como o é considerar o legado ideológico do General Simon Bolívar, o "Libertador"9, que na

maioria dos países da região está presente em líderes que se autodenominam seus seguidores e

até sucessores e, por suas características, demonstram não aceitar exercer papéis secundários,

sob a liderança do Brasil (COSTA, 2007).

A América do Sul sofre ainda com a existência de grupos irregulares, com litígios

fronteiriços, com o narcotráfico, com o contrabando e o descaminho, enfim, com fronteiras

que apenas são marcos de separação e pontos de instabilidade e não vias de integração e de-

senvolvimento (BANDEIRA, 2007).

Seria insuficiente ao Brasil buscar ser um ator protagonista global sem que atinja,

primeiro, o protagonismo regional. Atingir o protagonismo regional impõe ao Brasil o envol-

vimento na solução dos diversos desequilíbrios regionais já citados. O Brasil precisa adotar

posturas mais incisivas e isso, na via de mão dupla da geopolítica deverá trazer descontenta-

mento e o inconformismo da parte dos países a serem liderados (COSTA, 2007).

_________________________________________________________

9

Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar y Palacios foi um militar e líder político venezue-

lano (1783-1830), figura central da independência das colônias espanholas na América do Sul. Herói da liberta-

ção da Venezuela, Colômbia, Peru, Equador e Bolívia.

31

3.1 NARCOTRÁFICO E GRUPOS NARCOTERRORISTAS NA AMÉRICA DO SUL

No que concerne ao narcotráfico e à atuação de grupos terroristas na América do

Sul, várias são as evidências de que serão necessárias, para um país que se candidata a ator

protagonista regional, instituições fortes para enfrentar os desafios (BANDEIRA, 2007).

Entretanto, a atuação do então presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em

28 de agosto de 2009, durante a reunião extraordinária da União das Nações Sul-Americanas

(UNASUL), realizada em Bariloche, na Argentina10

, e transmitida integralmente e ao vivo por

emissoras de televisão daquele país, foi considerada modesta em relação à grandeza e às in-

tenções brasileiras de obter reconhecimento como ator protagonista global.

O então Presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, durante o seu discurso, desabafou

e procurou justificar o acordo militar com os Estados Unidos da América (EUA), que permitiu

a instalação de bases militares norte-americanas na Colômbia, afirmando que aquele país foi o

único a ajudar a Colômbia de forma prática, em sua luta contra o narcotráfico. Dessa forma,

indiretamente, acusou os demais países do subcontinente de omissão frente a um problema

que não é apenas de um país, mas regional (CARMO, 2009).

Por sua vez, na mesma ocasião, o então Presidente Hugo Chávez, da Venezuela,

apoiado pelos presidentes Evo Morales, da Bolívia e Rafael Correa, do Equador, manteve a

sua definição para o acordo como agressão imperialista, aumentando o clima de tensão entre a

Colômbia e a Venezuela (CARMO, 2009).

Na busca em dar os primeiros passos em exercer o papel de líder regional e presti-

giar os organismos sul-americanos, o então Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva,

limitou-se a evidenciar uma presumida ineficácia da presença norte-americana na Colômbia,

que desde 1952 atuando no país não teria impedido o crescimento do narcotráfico e nem o das _________________________________________________________

10

Para analisar o acordo que previa a utilização de bases colombianas pelos Estados Unidos, na luta con-

tra o narcotráfico.

32

Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), propondo, como alternativa, que o

Conselho de Segurança da UNASUL assumisse a preponderância das ações contra o narcotrá-

fico, evitando a presença de forças extrarregionais na América do Sul. A reunião terminou e

tudo ficou no campo da retórica. A Colômbia permaneceu aliada aos EUA e os demais parti-

cipantes permaneceram com seus discursos sem ações práticas (CARMO, 2009).

Como se não bastasse a situação preocupante da Colômbia e seu enfrentamento às

FARC e ao narcotráfico, outra terrível questão de instabilidade regional é que, nos anos de

2007 e 2008, intensificaram-se os ataques às FA e policiais peruanas, particularmente, na re-

gião do Vale dos Rios Apurimac e Ene (VRAE). Esses atentados foram atribuídos à retomada

das ações do SL. Conforme a reportagem da Andina - Agência Peruana de Notícias, de 27 jun.

2012, intitulada “Ejecutivo presenta nuevo programa para el VRAE que incorpora a val-

le del Mantaro"11

, essa retomada marcou o início da adoção de um modelo já desenvolvido

pelas FARC, que associa a insurreição esquerdista ao narcotráfico, auferindo ganhos com a

atividade ilícita, provendo proteção aos narcotraficantes, cobrando taxas dos agricultores e

operando seus próprios laboratórios de refino de coca.

Este autor observa que para o SL configura-se em uma mudança de foco significa-

tiva - de movimento ideológico a narcotraficante. Outra alteração estaria no relacionamento

com os camponeses – a submissão imposta de outrora foi substituída por ações de aproxima-

ção, procurando-se ocupar lacunas deixadas pelo estado, como um movimento social.

Ainda conforme a reportagem citada anteriormente, a reação do Governo do Peru

foi constituir, em 2008, o “Grupo de Trabalho Multisetorial para a Região VRAE”, atribuin-

do-lhe a condução de um programa especial de desenvolvimento econômico e social. O “Pro-

grama VRAE”, ainda em adoção pelo governo peruano, prevê ações do Estado, da sociedade

civil e da iniciativa privada, objetivando ao incremento da presença do poder público e a re-

_________________________________________________________

11

Disponível em: <http://www.andina.com.pe/Espanol/noticia-ejecutivo-presenta-nuevo-programa-para-

vrae-incorpora-a-valle-del-rio-mantaro-418055.aspx#.UgES5sm5fIU>. Acesso em: 20 jun. 2013.

33

versão da tendência de crescimento da área de cultivo de coca no país, através da concessão

de benefícios fiscais aos agricultores que substituírem esse cultivo por outras culturas. Interes-

sante ressaltar nesse caso é a visão do governo peruano, de que o combate ao SL passa por

ações do Estado peruano, da sociedade civil e da iniciativa privada.

Importante e controversa, que necessita ser exposta no bojo desta pesquisa, é a

questão da classificação de uma organização como terrorista. Isso se dá uma vez que essa

classificação está intimamente ligada às convicções políticas, interesses e ideologias de cada

governo. Assim, uma mesma organização pode ser definida como terrorista, guerrilheira,

insurgente ou grupo beligerante, dependendo do país (WHITAKER, 2005).

Nesse diapasão, este autor ressalta o caso das FARC que, na Colômbia, nos EUA e

na União Europeia (UE) são consideradas organização terrorista; na Venezuela, são um grupo

beligerante; e no Brasil é um grupo insurgente. O Brasil adota, como posição de Estado,

classificar os movimentos sul-americanos, tais como as FARC, o Exército de Libertação

Nacional (ELN), o SL e o Movimento Revolucionário Tupak Amaru (MRTA), como

movimentos insurgentes (GOMES, 2012).

3.2 AS FRONTEIRAS NA AMÉRICA DO SUL

Para esta pesquisa foi considerado bastante o estudo da visão e da definição de

fronteiras dos seguintes países: Brasil, Equador, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Peru e França,

firme no entendimento que serão suficientes para evidenciar a fragilidade, a importância, os

discursos não coerentes com as atitudes, bem como as divergências e intolerâncias existentes.

Para tal, a pesquisa abordou as apresentações dos representantes oficiais dos governos dos

países citados durante o Seminário “Países Amazônicos: Discutindo Fronteiras e Segurança

34

Nacional”12

, que teve como objetivos, apresentar o tratamento dispensado pelo Brasil à Faixa

de Fronteira, como área indispensável à segurança nacional, assim como abordar as

atribuições do Conselho de Defesa Nacional; conhecer a situação dos demais países

amazônicos – existência da Faixa de Fronteira e tratamento dado a essa área ou a outras

consideradas indispensáveis à segurança nacional; e promover o intercâmbio de informações e

de legislação entre os países amazônicos sobre essa temática.

A abertura do evento foi realizada pelo General Jorge Armando Felix, então

Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI-

PR), que afirmou que o assunto interessa muito à sociedade, ressaltando a importância do

Brasil repensar as convicções existentes sobre as fronteiras e entendê-las como linhas de

aproximação econômica, cultural e social e não mais como divisoras. Citou ainda que com o

estabelecimento da UNASUL um novo passo foi dado, exortando que seja um primeiro de

muitos outros no caminho do bom futuro (FELIX, 2008).

A segunda apresentação coube à senhora Renata Furtado, então Procuradora-

Federal responsável pelo Assentimento Prévio do Conselho de Defesa Nacional da República

Federativa do Brasil, que iniciou relembrando a trajetória histórica da definição de Área de

Fronteira, desde o Império (lei 601) até a Constituição Federal de 1988. Relembrou que a

extensão da área foi alterada, nesse período, de 10 léguas (66 Km) até os atuais 150 Km,

sendo que, entre essas duas extensões foi adotado um modelo que variava entre 34 e 100 Km,

dependendo da região (FURTADO, 2008).

Ao abordar o Conselho de Defesa Nacional, a palestrante o definiu como um

órgão de consulta do Presidente da República e acrescentou que é bastante criticado por uma

eventual preponderância de orientações próprias do regime militar. Sobre sua função básica,

_________________________________________________________

12

O seminário foi realizado em 28 de maio de 2008, no Auditório do anexo I – Palácio do Planalto em

Brasília/DF

35

disse ser a de dotar o Estado de estrutura de governo para manutenção da soberania e

preservação da ordem constitucional. Definiu como rotineiras as seguintes competências do

Conselho: propor e definir critérios para classificação de áreas do território nacional quanto ao

valor estratégico; e estudar, propor e acompanhar assuntos de interesse para a independência

nacional (FURTADO, 2008).

A palestrante citou as leis 6634/79 (Decreto nº 85.064/80) e 5.709/71, que

condicionam o assentimento prévio à aquisição, por estrangeiros, de terras para mineração,

radiodifusão e colonização e buscam exercer controle sobre aquisição de terras por

estrangeiros. Finalizou afirmando que o Conselho assessora para direcionar a atuação do

Estado de acordo com uma visão estratégica do território nacional (FURTADO, 2008).

O Coronel Victor Hugo Veja Tobar, então Adido Militar da Embaixada da

República do Equador, foi o terceiro palestrante do evento. Quanto às fronteiras terrestres,

citou os 150 anos de divergências e os problemas constantes com a Colômbia e, quanto às

fronteiras marítimas, reiterou que o Equador considera seu mar territorial de 200 milhas a

partir das linhas de base, incluindo Galápagos. Ainda com relação às fronteiras marítimas, o

Equador entende que a linha de divisa na água com os vizinhos deve ser estabelecida pela

teoria do paralelo. Acrescentou que o posicionamento do arquipélago de Galápagos com sua

projeção para o Sul outorgam o direito de exploração do Continente Antártico (TOBAR,

2008).

Voltando às fronteiras terrestres, discorreu sobre o Sul e a fronteira com o Peru,

acrescentando que o maior problema se constitui no tráfico de combustíveis e a migração

ilegal de peruanos. No Norte, com a Colômbia, falou sobre a violência, a migração ilegal que

constitui “enclaves étnicos” em território equatoriano, atuação das FARC e ELN, e invasões

colombianas, fazendo clara referência à incursão militar que localizou um acampamento das

FARC em Sucumbios, Equador. Terminou o tópico esclarecendo que o país não dispõe de

36

recursos para vigiar suas fronteiras, reclamou da Organização das Nações Unidas (ONU)

maior apoio ao Equador para administrar os refugiados colombianos e reclamou da Colômbia,

por não compensar o Equador pelos gastos impostos pelos refugiados (TOBAR, 2008).

O palestrante esclareceu que o Equador e a Colômbia tinham um mecanismo

bilateral para a integração, denominado “Comissión Binacional de Frontera", que foi

cancelado após o ataque em Sucumbios (TOBAR, 2008).

Especificamente quanto aos problemas na fronteira com a Colômbia, citou que as

relações com aquele país estavam bastante deterioradas; que o Equador desejava a presença

de forças internacionais na fronteira; que o Equador considera as FARC uma força irregular,

não terrorista, nem beligerante; e que as informações acerca dos refugiados colombianos são

imprecisas e limitadas, impossibilitando classificá-los como regulares ou irregulares, ou de

influência positiva ou negativa (TOBAR, 2008).

O quarto palestrante foi o Sr. Cristian Córdoba, representante do Sr. Hugo de Zela,

Embaixador da República do Peru. Iniciou citando a Lei de Segurança Nº 28.478, de 15 de

julho de 2004, que constituiu o Conselho de Segurança Nacional, chefiado pelo Presidente da

República e composto por órgãos de inteligência, defesa civil e outros. A esse conselho cabe,

inclusive, a autorização para compra de armas pelas FA do Peru (CÓRDOBA, 2008).

Quanto à faixa de fronteira, está definida por lei em 50Km. Nessa faixa os

estrangeiros não podem explorar minas, bosques, produção de energia, tratamento de água e

atividades agropecuárias. Entretanto, em caso de necessidade pública, exceções podem ser

autorizadas pelo Estado (CÓRDOBA, 2008).

O palestrante assegurou que o Peru é um país aberto aos investimentos e que

busca a integração fronteiriça. Com o Brasil, o Peru considera a integração prioritária. Foram

citados os projetos de construção da Estrada Transoceânica, de desenvolvimento e cooperação

na área educacional e de geração de energia (CÓRDOBA, 2008).

37

A quinta apresentação coube ao Sr. René Mauricio Dorfler Ocampo, então

Embaixador da República da Bolívia. Ao abordar o conceito de fronteira, citou que está

bastante ligado ao conceito de segurança. Essa ligação foi atribuída ao legado colonial e todo

o seu arcabouço institucional, com fronteiras definidas única e exclusivamente por tratados

(OCAMPO, 2008).

Atualmente, na Bolívia, vive-se uma nova fase. A Assembleia Constituinte mudou

a concepção de fronteira, agora é entendida como área de integração e não mais como de

separação (OCAMPO, 2008).

O palestrante ressaltou três pontos que necessitam ser desenvolvidos e abordados

para uma perfeita integração e percepção das questões acerca das áreas de fronteiras: o

primeiro ponto foi o que denominou de Concepções Tradicionais, citando as restrições entre

50 e 150Km que são comuns a todos os países; o segundo é o questionamento de como

incorporar as fronteiras no processo de desenvolvimento; e o terceiro a integração sul-

americana, citando que deve ser muito mais que econômica, deve ser social (OCAMPO,

2008).

Em sua apresentação, o diplomata prestou ainda as seguintes informações: a

Bolívia não enfrenta problemas fronteiriços com nenhum vizinho, com exceção do Chile; no

que concerne à geopolítica nacional, citou que a Bolívia possui um eixo de desenvolvimento,

constituído pelos Departamentos de La Paz, Cochabamba e Santa Cruz. Os demais

departamentos, incluindo as áreas de fronteira, são menos desenvolvidos; as fronteiras

bolivianas apresentam baixa densidade demográfica, oscilando entre 0,82 e 5,7; é fraca a

presença do Estado nas áreas de fronteira, faltando estradas, serviços básicos e educação; o

país não possui política única para desenvolvimento das regiões de fronteira, devido à

especificidade de cada região, a opção estatal foi o desenvolvimento de políticas específicas;

as fronteiras são ricas em recursos naturais. Com o Brasil, citou o ferro e a biodiversidade; e

38

90% das fronteiras tem fraca presença militar. Assegurou que existe respaldo jurídico para

maior ocupação militar, contudo, faltam recursos (OCAMPO, 2008).

O então Embaixador da República Bolivariana da Venezuela, General Julio García

Montoya, foi o sexto palestrante. Comentou que os tempos estão mudando, que precisamos

quebrar paradigmas e entender as fronteiras como oportunidades de nos unirmos e não

separarmos. Ao citar os limites da Venezuela, deteve-se nas questões marítimas,

acrescentando que o país preocupa-se com os limites com EUA, França, Reino Unido e

Holanda (MONTOYA, 2008).

Abordando as Zonas de Fronteira, o palestrante citou a Lei Orgânica de Segurança

da Nação, de 12/2002 e comentou que a instância responsável para o tratamento de Zonas de

Segurança é o Conselho de Defesa Nacional, a quem cabe, dentre outras atribuições,

classificar as zonas de acordo com o interesse para o país (MONTOYA, 2008).

O palestrante informou que, na fronteira com o Brasil, um acordo bilateral define

uma zona “non aedificandi”13

, de trinta metros para cada lado, objetivando bem definir o

divisor de águas (MONTOYA, 2008).

Finalizando sua apresentação, o General citou as atividades de estrangeiros e de

Organizações Não Governamentais (ONG) em zonas de fronteira, esclarecendo que, quanto

aos primeiros, só podem exercer atividades ou adquirir áreas com autorização do Ministério

da Defesa; e quanto às ONGs, o Ministério do Poder Popular para Relações Interiores e

Justiça/ Ministério Público é o órgão encarregado de autorizar e exercer os trabalhos de

controle e acompanhamento (MONTOYA, 2008).

O penúltimo palestrante do evento foi o Sr. Sérgio Dias, que representou o Sr.

Tony Jozame Amar, então Embaixador da República da Colômbia. Iniciou seu

pronunciamento chamando todos à seguinte reflexão sobre o que deve ser uma fronteira. É

_________________________________________________________

13

Onde qualquer tipo de construção é proibida.

39

divisória ou é integração? Continuou afirmando que a Comunidade Andina tem evoluído e

percebido a fronteira não mais como linha, e sim como espaço (DIAS, 2008).

Apresentando a classificação colombiana acerca das fronteiras, disse que existem

duas fronteiras mais ativas, qual seja, com a Venezuela e com o Equador, e três menos ativas,

com Brasil, Peru e Panamá (DIAS, 2008).

Sobre as regiões de fronteira explicou que: a Colômbia está dividida em 32

departamentos. Os departamentos fronteiriços somados contribuem apenas com 11% do PIB;

no entendimento da Colômbia, o processo de integração da América Latina vem sendo

incrementado, o que empresta importância às regiões fronteiriças; a integração fronteiriça é

fundamental para o fortalecimento da Comunidade Andina; e o movimento do narcotráfico, a

grande biodiversidade, o contrabando de produtos químicos e a pouca presença do estado

colombiano são características da fronteira com o Brasil e, nas fronteiras com Equador e

Venezuela, as características são a presença de grupos terroristas (FARC e ELN) e maior

presença do Estado colombiano (DIAS, 2008).

Afirmou que a Colômbia entende suas fronteiras como oportunidades de

integração. Lançando outro desafio à reflexão, perguntou o que se deve priorizar em uma

fronteira, a segurança militar ou a segurança democrática? O Estado colombiano acredita nas

duas (DIAS, 2008).

Finalizando sua apresentação, acrescentou que a Colômbia reconhece que, devido

à sua localização e os problemas que enfrenta com guerrilhas e narcotráfico, não consegue,

ainda, evitar que reflexos ultrapassem suas linhas de fronteira. Contudo, trabalha com afinco

para resolver seus problemas e pede compreensão e cooperação dos vizinhos (DIAS, 2008).

Encerrando o ciclo de apresentações, o Adido Naval Philippe Bauzon,

representante da Embaixada da República Francesa, que iniciou relembrando que a maior

fronteira da França é com o Brasil.

40

O palestrante traçou um paralelo de comparação entre a interpretação de fronteiras

na França e na Guiana Francesa, citando que: a Guiana possui estatuto diferente da França. A

diferença em relação às fronteiras reside no fato de que na Europa as fronteiras apresentam

livre trânsito de pessoas. Quanto à Guiana Francesa, a característica particular está na

existência de povos indígenas; e a França não dispensa tratamento particular às regiões de

fronteiras e não estabeleceu conselho de segurança nacional. O país é, historicamente,

bastante centralizado. A França busca apenas produzir um balanço nacional da atividade

econômica nessas regiões (BAUZON, 2008).

Com relação à Guiana Francesa, o palestrante acrescentou: a fronteira mais

importante é o mar, que é por onde o comércio efetivamente é realizado; quanto às fronteiras

terrestres afirmou que: com o Suriname, praticamente não há comércio, pois aquela economia

não atrai a França e a ligação resume-se a uma pequena estrada. No que concerne à fronteira

com o Brasil, existe expectativa de aumento das atividades econômicas com a ponte sobre o

rio Oiapoque; quanto à região de floresta, disse que ainda não foram desenvolvidas atividades

econômicas. Acrescentou que existe uma grande reserva indígena ao Sul que ocupa 1/3 do

território da Guiana Francesa; e a manutenção da lei e da ordem é atribuição das polícias

militar e civil. Nas regiões de fronteira existe o incremento de uma terceira força, denominada

Alfândega. As Forças Armadas, com efetivo de 3.000 militares na Guiana Francesa, embora

não tenham poder de polícia, contribuem com o representante do governo e, principalmente o

Exército e a Força Aérea, prestam apoio aos órgãos policiais. No entanto, em um contexto de

crise, cabe às Forças Armadas assumirem o comando de todas as instituições na Guiana

Francesa (BAUZON, 2008).

Sobre as ameaças visualizadas pela França nas regiões de fronteira da Guiana

Francesa, resumiu-as em imigração ilegal, pois a Guiana é entendida como porta de entrada

41

para imigrantes no continente europeu; e atividades de garimpo ilegal, levadas a efeito,

preponderantemente, por brasileiros (BAUZON, 2008).

Finalizando sua apresentação, o palestrante ressaltou que o Brasil e a França

realizam, sistematicamente, patrulhas militares conjuntas nas regiões comuns de fronteira

(BAUZON, 2008).

Após o estudo, este autor ressalta, das declarações oficiais acima, que a questão

das fronteiras é absolutamente controversa e complexa. As fronteiras na América do Sul não

são fator de integração regional e, muito pelo contrário, são fator de litígios, ressentimentos

históricos e atuação de criminosos. Em resumo, são fonte de preocupações para os Estados,

especialmente o Brasil, que possui fronteiras secas e pouco habitadas, particularmente com a

Bolívia, a Colômbia e o Peru, onde labutam grupos narcotraficantes e narcoterroristas que

executam ações terroristas, independente do Estado brasileiro, eventualmente, os classificar

como insurgentes.

A pesquisa passa do campo das declarações oficiais, que não se pode descartar,

para as questões mais práticas e das características geográficas e ambientais das fronteiras

sobre o prisma do Brasil.

Especificamente com relação à eventual contaminação do território brasileiro por

organizações que, independente de serem classificadas pelo Brasil como terroristas,

empregam, em suas ações, métodos terroristas, ressalta a importância das fronteiras com o

Paraguai, em função das ações do EPP; ainda no Centro-Oeste, a fronteira com a Bolívia

apresenta a atuação de grupos narcotraficantes; e, na Região Norte, a atuação das FARC e do

SL, na Colômbia e no Peru, respectivamente. Tal situação aponta para a necessidade da

aplicação de forte repressão, com políticas públicas eficientes e rigor na segurança. O rigor

nesses aspectos deverá influenciar negativamente as economias dos países vizinhos naquelas

regiões, uma vez que, em sua maioria, são essencialmente comerciais e informais.

42

Figura 1- Faixa de Fronteira e Municípios fronteiriços

Na figura acima, pode-se observar claramente a concentração de municípios na

Faixa de Fronteira do Brasil, especialmente na Região Sul. Entretanto, em direção ao Norte

apresenta-se um maior espaçamento entre os municípios, a partir do Mato Grosso do Sul na

fronteira com o Paraguai, onde ressalta a atuação do EPP como uma ameaça.

Seguindo para o Norte a ocupação fica ainda menor, coincidindo com a fronteira

com a Bolívia, onde narcotraficantes atuam.

Acima, Colômbia e Peru, de um lado e, do outro, espaçados municípios brasilei-

ros, em região de selva, completam o cenário de ameaça. FARC e SL atuam naqueles países,

respectivamente.

43

A densidade demográfica no Brasil é inversamente proporcional ao grau de amea-

ça.

No estudo das questões de fronteiras na América do Sul, sob o prisma do Brasil,

as tríplices fronteiras se constituem em questão central, pela dificuldade de controle dos flu-

xos de pessoal e material. Dentre as nove existentes, a mais ativa é entre o Brasil, a Argentina

e o Paraguai, com maiores volumes de pessoal, de recursos financeiros e pelo fluxo de merca-

dorias, merecendo a prioridade das políticas públicas pelo estado (FURTADO, 2008).

Por outro lado, as outras oito tríplices fronteiras, que também apresentam ativida-

des pouco regulamentadas e controladas, deveriam receber atenção do Estado, porque embo-

ra, por ora, não representem grande ameaça, podem vir a representar em futuro próximo (FE-

LIX, 2008).

A figura abaixo esquematiza as localizações das tríplices fronteiras para melhor

visualização.14

Figura 1- Tríplices Fronteiras brasileiras

_________________________________________________________

14 Seminário Países Amazônicos: Discutindo Fronteiras e Segurança Nacional

44

3.3 BLOCOS ECONÔMICOS/IDEOLÓGICOS NA AMÉRICA DO SUL - REFLEXÕES

PARA O BRASIL

Iniciando o estudo dessa complexa relação é fundamental citar, como um marco

para a pesquisa, a criação da Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA); Posterior-

mente, deve-se ressaltar o ingresso do Equador, que ocorreu em 24 de junho de 200915

. Junto

com o Equador foram admitidos na ALBA os seguintes países caribenhos: São Vicente e

Granadinas; e Antígua e Barbuda. Esses países somados a Venezuela, Cuba, Bolívia, Hondu-

ras, Nicarágua e Dominica possibilitam que a ALBA responda por 30% dos votos na Organi-

zação dos Estados Americanos (OEA) (SIMÕES, 2011).

Durante seu anúncio oficial, Rafael Correa, Presidente do Equador, afirmou: "A

decisão do Equador foi inteligente e madura", confirmando o alinhamento ideológico do E-

quador com o projeto regional de solidariedade e integração da ALBA, que se propõe a prio-

rizar a integração latino-americana e a cooperação entre os blocos sub-regionais, pretendendo

identificar espaços de interesse comum que permitam constituir alianças estratégicas e apre-

sentar posições unificadas para os processos de negociação. Entretanto, torna-se inevitável a

associação da ALBA às figuras controversas e suas influências até hoje muito fortes na regi-

ão, do falecido ex-presidente venezuelano Hugo Chávez e do cubano revolucionário Fidel

Castro (MARTINS, 2012).

O governo equatoriano afirmou ainda, na ocasião, que a inclusão do país na AL-

BA não causaria óbices à sua participação na UNASUL. Não obstante, o crescimento da AL-

BA representa o aumento da influência do “chavismo”16

na região, constituindo-se, inevita-

_________________________________________________________

15 O anúncio oficial do ingresso do equador na ALBA ocorreu na reunião do organismo em 24 de junho, no

Campo de Carabobo.

16

Nome consensual atribuído à ideologia de esquerda e aos programas políticos do falecido ex-

presidente da Venezuela, Hugo Chávez.

45

velmente, em óbice para o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), no contexto econômico,

atentando contra os interesses brasileiros de consolidação da liderança regional (MARTINS,

2012).

Não obstante, o ingresso do Equador configura-se na segunda demonstração de

força da ALBA, sendo a primeira a aprovação da resolução que permite à Cuba a decisão de

retornar à OEA, em junho de 2009, após 47 anos de sua expulsão17

.

Em sua pretensão de emancipar-se da esfera de influência dos EUA no continente,

a ALBA está constantemente buscando estreitar suas relações com países não alinhados à

política neoliberal norte americana. A China, a Rússia e o Irã são considerados parceiros co-

merciais pelo bloco (MARTINS 2012)

Fato pertinente a ser citado é que o logotipo da ALBA é uma representação de

toda a América do Sul e Caribe, de onde é lícito depreender a pretensão de, futuramente, o

bloco obter a representatividade de toda a região, o que deverá tornar-se óbice para a consoli-

dação internacional do MERCOSUL, atingindo diretamente aos interesses da política externa

brasileira (GIRVAN, 2008).

No entendimento deste autor, a atuação preponderante da ALBA na tentativa de

obtenção de novos parceiros não alinhados à política externa norte-americana, representa uma

vitória das ideias de Hugo Chávez, hoje capitaneadas por seus seguidores Evo Morales, Rafa-

el Correa e Nicolas Maduro em suas obstinadas lutas pela implantação do projeto bolivariano,

bem como a construção de uma ordem internacional multipolar, dando provas de que, na prá-

tica, o antigo ambiente de submissão da América Latina aos EUA está deixando de existir.

Está em curso uma metamorfose na região, ainda sem destino definível e comprovável.

Concluindo, este autor ressalta que a América do Sul é um subcontinente contro-

verso. Nesse contexto, cabe a um país protagonista ter instituições fortes e, para tal, não é

_________________________________________________________

17

A reunião ocorreu em San Pedro Sula, no nordeste de Honduras, em 03 de junho de 2009.

46

condição sine qua non18

ser o maior país em termos territoriais e econômicos. Um líder preci-

sa ser suficientemente grande institucionalmente para exercer seu protagonismo de forma u-

nânime. Precisa ter competência e possibilidade para interceder em prol da ordem institucio-

nal e da segurança na região, com astúcia suficiente para não permitir a contaminação de sua

sociedade pelos grupos narcoterroristas e narcotraficantes vizinhos (SIMÕES, 2011).

Na busca pelo protagonismo, o Brasil precisa enfrentar as concorrências diretas do

Chile, da Colômbia e da Argentina, bem como blocos regionais que atingem proporções além

da questão econômica, proporções ideológicas.

A influência da ideologia de Bolívar, com as devidas adaptações do falecido Hugo

Chávez, bem como a representação de Evo Morales, Rafael Correa e Nicolas Maduro na regi-

ão, tornam lícito supor a aceitação de liderança regional que não seja por meio de um bloco.

Existe polarização, isto ficou claro na reunião extraordinária da UNASUL, na Ar-

gentina. A Colômbia evidenciou a falta de integração regional, a falta mais do que de uma

liderança, de um parceiro que se aliasse a ela na luta contra as FARC e o narcotráfico. Tal

papel, para arrepio dos bolivarianos19

presentes, coube aos EUA. Não satisfeitos, os bolivari-

anos atacaram a presença dos EUA com a antiga argumentação sobre a conduta colonialista e

imperialista daquele país, mas sem oferecer alternativas ao problema; pelo contrário, deixando

transparecer apoio, especialmente, às FARC. Ao Brasil coube o morno papel de, pelas pala-

vras de seu então presidente da república, tentar evidenciar que o apoio dos EUA à Colômbia

não teria sido eficaz até hoje. O Brasil não apresentou propostas ou mesmo assumiu posição

mais firme na defesa de seus argumentos.

Outro ponto de instabilidade evidenciado neste capítulo foi o possível recrudesci-

mento das ações do SL. O exemplo interessante a ser ressaltado veio do Governo do Peru, que

constituiu, em 2008, o “Grupo de Trabalho Multissetorial para a Região VRAE”, atribuindo-_________________________________________________________

18

Expressão latina que significa "sem o qual não pode ser".

19

Denominação consensual para aqueles que seguem a doutrina propalada por Simon Bolívar.

47

lhe a condução de um programa especial de desenvolvimento econômico e social. O “Pro-

grama VRAE” prevê ações do Estado, da sociedade civil e da iniciativa privada, objetivando

o incremento da presença do poder público e o arrefecimento dos remanescentes do SL.

Se for considerado que o Governo do Peru acredita na possibilidade de que já e-

xistam ligações das FARC com o grupo irregular peruano SL, fica evidente a grande ameaça

ora vislumbrada, das FARC exportarem o conflito para além das fronteiras da Colômbia.

Independente de o Brasil adotar, como posição de Estado, classificar os

movimentos sul-americanos tais como as FARC, o ELN, o SL e o MRTA, como movimentos

insurgentes, deve ser preocupação primordial defender o Brasil da influência desses grupos.

Seus métodos terroristas são inegáveis.

Ainda neste capítulo, com relação ao estudo das fronteiras, conclui-se parcialmen-

te que, com relação ao Conselho de Defesa Nacional, importante órgão de consulta do Presi-

dente da República, foi feito constar que, lamentavelmente, ainda é criticado por uma eventu-

al preponderância de orientações próprias do “regime militar”, com diretas críticas à postura

de defesa e manutenção da soberania do país, como se isso pudesse ser considerada uma ca-

racterística negativa.

Na visão oficial dos demais atores regionais, o estudo apontou diversas questões

de instabilidade, de disputas e de conflitos históricos de interesse. Ingredientes marcantes de

uma região controversa e politicamente instável.

O representante do Peru, por sua vez, evidenciou suas preocupações com o SL,

mas se mostrou otimista quanto ao espaço de fronteira ser palco de desenvolvimento e não de

separação.

Fator preocupante é que a Colômbia reconhece que, devido a sua localização e os

problemas que enfrenta com guerrilhas e narcotráfico, não consegue, ainda, evitar que

reflexos ultrapassem suas linhas de fronteira.

48

No que concerne ao ponto de vista brasileiro, sobressai a necessidade de atenção e

de políticas especiais de administração nas fronteiras secas a seguir descritas: nos 1.644 km

com a Colômbia, em função da atuação das FARC e do ELN em região de selva; nos 2.199

km com a Venezuela, pela complacência desse país com os movimentos irregulares

colombianos; nos 2.995 km de selva com o Peru, em função da observada tentativa de

reestruturação do Sendero Luminoso; nos 3.423 km com a Bolívia, em região de selva e

pantanal, em função do narcotráfico e da postura semelhante a da Venezuela em relação aos

movimentos irregulares colombianos; Por fim, nos 1.365 km com o Paraguai, em função do

narcotráfico, contrabando e descaminho, bem como da atuação do movimento denominado

Exército do Povo Paraguaio (EPP).

Outro ponto relevante da pesquisa foi evidenciar o contraponto criado pela AL-

BA, que em princípio seria apenas contra a influência do EUA na região, mas que, na prática,

representa um forte obstáculo às pretensões brasileiras de liderança regional.

É fato que o Brasil, ao assumir a condição de candidato a líder regional precisa se

envolver em todas as questões instáveis da região. Esse envolvimento será político, financeiro

e também nos campos da segurança e da defesa. Entretanto, ao assumir a posição e efetiva-

mente iniciar ações de interferência em outros países, como em uma via de mão dupla, será

cada vez mais um candidato ao descontentamento, sendo lícito atribuir o incômodo título de

candidato a ser alvo ou palco de manifestações do fenômeno terrorismo.

49

4 A AMEAÇA TERRORISTA: COMO ENFRENTÁ-LA NO FUTURO

Existem vários conceitos que buscam definir o que é o terrorismo, dependendo do

referencial adotado no estudo. Decerto, como já exposto anteriormente, a classificação de uma

organização como terrorista depende do governo que a fará. Um governo leva em considera-

ção vários fatores, dentre eles o político, o social, o ideológico. Entretanto, o processo de glo-

balização experimentado pelo mundo tende a aproximar também essas definições, uma vez

que impõe, cada vez numa escala mais agressiva, a assinatura de acordos e tratados interna-

cionais. Tais tratados regulamentam os fluxos comerciais, os fluxos financeiros, os fluxos

migratórios, a produção e o comércio de armamentos e explosivos, dentre outros, que objeti-

vam reduzir as facilidades de crédito para financiamento, locomoção de agentes terroristas e

realização de atentados (WHITTAKER, 2005).

4.1 FUNDAMENTOS DO FENÔMENO TERRORISMO

Quanto à tipologia, a presente pesquisa cita as duas principais, consideradas as

macrocorrentes, quais sejam, o Terrorismo Religioso e o Terrorismo Secular. A primeira se

caracteriza pelo fundamentalismo religioso confundido com o radicalismo e o ódio pelas de-

mais religiões, apresentando como motivação a promoção da purificação da humanidade en-

quanto não chega o apocalipse. Quanto ao Terrorismo Secular, possui características munda-

nas, é político, étnico e ideológico, buscando a assunção do poder político e/ou sua manuten-

ção atendendo seus próprios interesses (WHITTAKER, 2005).

Além do acima definido, existem duas outras características que estão visceral-

mente ligadas ao progresso tecnológico em função do processo de globalização ora experi-

50

mentado pelo mundo. A primeira é o planejamento centralizado, mas com ações descentrali-

zadas. A cúpula da organização terrorista, com o recurso dos modernos meios de comunica-

ções, planeja a ação de dentro de seus redutos em qualquer lugar do globo e coordena a exe-

cução levada a cabo por seus representantes, usualmente denominados por "massa" ou "mús-

culo" da organização; e a segunda característica bastante contemporânea das organizações

terroristas é o uso eficaz dos recursos de internet, ora para realizar propagandas institucionais

e ora para proceder ao recrutamento de novos terroristas ou apenas de simpatizantes à causa

(WHITTAKER, 2005).

4.2 A INTERNET E O TERRORISMO

Uma contemporânea e atual característica do fenômeno terrorismo.

Durante o ano de 2011, o Doutor Gabriel Weimann, professor israelense, especia-

lista em ciberterrorismo na Universidade de Haifa, Israel, esteve em visita ao Brasil, mais

precisamente em Brasília-DF, onde realizou palestra sobre o fenômeno terrorismo na inter-

net20

.

Durante sua apresentação, evidenciou o crescimento da utilização dos recursos

disponíveis na internet para emprego em propósitos terroristas. Informou que no final da dé-

cada de 90 o Departamento de Estado dos EUA estimava que 12, das 30 organizações classi-

ficadas como terroristas naquele país, utilizavam sistematicamente a internet, inclusive man-

tendo sítios eletrônicos com propaganda institucional.

_________________________________________________________

20

Palestra realizada em 08 de setembro de 2011, no Auditório da Polícia Federal, para militares, policiais

federais, e representantes da ABIN.

51

Em 2002, um estudo da Universidade de Haifa, Israel, realizado sob a orientação

do palestrante, identificou 29 sítios ativos na internet que, ainda segundo o estudo, pertenciam

a 18 organizações terroristas.

Em 2003, já se tinha notícia de 65 sítios que seriam ligados a 6 organizações ter-

roristas (informação verbal).21

O próprio Doutor Gabriel Weimann, em pesquisa realizada entre 2003 e 2005, i-

dentificou algo em torno de 4.300 sítios eletrônicos com conteúdo extremista na internet, nú-

mero que foi atualizado para mais de 5 mil, em 2006. Em 2007, o projeto Dark Web Terro-

rism Research, da Universidade do Arizona, estimou em cerca de 50 mil o número de sítios

eletrônicos com conteúdo extremista na internet (informação verbal)22

.

Sobre o Brasil, o Doutor Gabriel Weimann manifestou sua apreensão, durante sua

estada no país, de que o Brasil deva se tornar um alvo preferencial de terrorismo em função da

posição econômica cada vez mais privilegiada e da realização dos grandes eventos esportivos.

Alertou, ainda, que a exclusão social que assola o país é outro fator preocupante (informação

verbal)23

.

A internet reduziu distâncias, aproximando oportunidades e ameaças. O seu aces-

so simples, baixo custo de manutenção, audiência global antes inacessível, o fluxo imediato

de informações, a extrema dificuldade de controle e regulamentação e o ambiente multimídia,

aliados ao anonimato e mesmo ao sigilo, tornaram a internet atrativa às redes e organizações

terroristas. As organizações terroristas vislumbraram, inicialmente, uma oportunidade de fa-

_________________________________________________________

21

Informe repassado em Palestra realizada em 08 de setembro de 2011, no Auditório da Polícia Federal,

para militares, policiais federais, e representantes da ABIN.

22

Informe repassado em Palestra realizada em 08 de setembro de 2011, no Auditório da Polícia Federal,

para militares, policiais federais, e representantes da ABIN.

23

Informe repassado em Palestra realizada em 08 de setembro de 2011, no Auditório da Polícia Federal,

para militares, policiais federais, e representantes da ABIN.

52

zer, especialmente, a propaganda e o recrutamento. Posteriormente, observou-se que o empre-

go evoluiu para o treinamento, o planejamento e mesmo os ataques. A internet oferecia um

público enorme, dentre os quais os que apoiam a organização, a sociedade simpatizante ou

mantenedora da organização, a sociedade antagônica, bem como, e muito importante, a pla-

teia (WHITTAKER, 2005).

Entende o autor que nesse novo contexto de guerra contra o terror, as organiza-

ções de segurança e defesa estão em posição desfavorável. Até então, nas mídias tradicionais

como os jornais impressos, as revistas, o rádio e a televisão, podiam ser controladas facilmen-

te pela censura; além disso, o próprio alcance limitado dos meios possibilitavam um controle

eficaz da sua dispersão. Agora, essas instituições governamentais estão diante de uma mídia

flexível, rápida, sem controle, com alcance inimaginável e disponível para qualquer pessoa no

Globo, desde que minimamente equipada.

Neste contexto, emerge um inquietante e grave fator: jovens questionadores, insa-

tisfeitos com suas sociedades, encontraram o acesso a ideias radicais e canais de submissão e

de doutrinamento direto aos membros das organizações por meio de redes sociais, fóruns e

canais privados e, sem controle ou reorientação contrários, acabaram sucumbindo à propa-

ganda terrorista e manifestando o interesse em colaborar com a causa, por meio da internet,

em operações de mídia, atuando como informantes e até contribuindo no financiamento. Em

alguns casos, participam fisicamente em atentados sem ligações diretas com qualquer organi-

zação terrorista. Normalmente são auto doutrinados, consensualmente tratados, nos fóruns

internacionais, como "lone wolf"24

e considerados uma preocupação crescente (informação

verbal)25

.

_________________________________________________________

24

Em português, Lobo Solitário.

25

Informe repassado em Palestra realizada em 08 de setembro de 2011, no Auditório da Polícia Federal,

para militares, policiais federais, e representantes da ABIN.

53

Via de regra, os sítios eletrônicos que servem aos interesses de organizações terro-

ristas ou extremistas são bem elaborados e construídos; enaltecem a personalidade de seus

líderes ou mártires, fundadores e chefes operacionais; justificam suas ações apresentando seus

objetivos políticos, religiosos ou ideológicos. Muitas organizações apresentam suas obras

sociais, tentando desconstruir uma eventual imagem negativa. Esses sites e o recurso à inter-

net constituem-se em grave ameaça à estabilidade de países antes pouco afetados pela propa-

ganda daquelas organizações, como é o caso do Brasil (informação verbal)26

.

Como exemplo da eficiência das organizações terroristas na construção de seus sí-

tios, este autor apresenta as seguintes figuras, obtidas diretamente na tela de computadores

que realizaram o acesso.

Todos os acessos expostos abaixo foram realizados pelo autor, entre os anos de

2006 e 2011, seguindo os endereços eletrônicos indicados.

Figura 3- Site do Hiizbollah27

_________________________________________________________

26

Informe repassado em Palestra realizada em 08 de setembro de 2011, no Auditório da Polícia Federal,

para militares, policiais federais, e representantes da ABIN.

27

http://english.moqawama.org/, acesso em 25 de agosto de 2006

54

Figura 4- Site do Hamas28

Figura 5- Site das FARC29

_________________________________________________________

28

http://www.qassan.ps/ acessado em 04 de janeiro de 2010

29

http://www.frentean.col.nu/, acesso em 28 de março de 2011

55

Figura 6- O segundo sítio, em uso no ano de 2011, pelas FARC na Colômbia.30

Figura 7- Site do Euskadi Ta Askatasuna (ETA)31

_________________________________________________________

30

http://www.anncol.eu/, acesso em 23 de agosto de 2010

31

http://web.archive.org/web/20071201232150/http://www.ehj-navarre.org/, acesso em 25 de dezembro

de 2007

56

Figura 8- O sítio eletrônico da Al-Qaeda, que por força de tratado internacional, é considerada terrorista

também no Brasil, juntamente com o Talibã32

Figura 9- O resultado da ação de hackers norte americanos, a serviço do Governo dos EUA, que lograram

êxito em retirar do ar o sítio da Al-Qaeda, apresentado na figura 09.33

Finalizando o estudo sobre o terrorismo na internet, este autor cita que o poder

público brasileiro se movimentou e ciente do desafio representado pela evolução constante _________________________________________________________

32

http://www.alneda.com/, acesso em 25 de abril de 2002

33

http://www.alneda.com/, acesso em 12 de setembro de 2002

57

das novas tecnologias, definiu o setor cibernético como essencial para a defesa e a segurança

do Brasil, na Estratégia Nacional de Defesa (END) (BRASIL, 2008)

A primeira manifestação documental veio em dezembro de 2008, com a publica-

ção da END, que aborda o papel de três setores da defesa nacional: espacial, cibernético e

nuclear. Em decorrência, o MD atribuiu ao Centro de Defesa Cibernética do Exército a res-

ponsabilidade pela coordenação e a integração das atividades de defesa na área cibernética.

Tais atribuições valem no âmbito do MD. Dentre os desafios reconhecidos, ressaltam em im-

portância o ineditismo das necessidades apresentadas, a alta complexidade das soluções a se-

rem propostas, bem como a constante evolução dos procedimentos e das ferramentas aplicá-

veis (BRASIL, 2008).

4.3 TERRORISMO: SEGURANÇA PÚBLICA OU DEFESA NACIONAL?

Para a resposta do quesito que dá título a este item e que se configura no cerne

desta pesquisa, destaca-se o estudo no SL e suas características, buscando identificá-las e evi-

denciá-las; isto feito, aborda-se a oposição do estado peruano ao SL, consistindo na constru-

ção da sua opção pelo confronto bélico, com preponderância das FA e envolvendo toda a so-

ciedade; e, por fim, as expressões do Poder Nacional do Brasil e suas possíveis interações,

uma vez que caracterizam um sistema com estreito relacionamento entre as partes. Nesse con-

texto, buscar-se-á identificar os reflexos sobre a MB bem como sua maior familiaridade com

aspectos específicos das expressões do Poder Nacional.

58

4.3.1 O fenômeno SL e suas características

Complementando a pesquisa já realizada sobre esse grupo peruano, ainda como

base a obra da jornalista Rosana Bond, intitulada Peru - do império dos incas ao império da

cocaína, o foco será o levantamento das características mais expressivas do grupo.

A primeira característica é a permanência. O grupo resiste durante décadas na

clandestinidade bem como resistiu à prisão de seu líder e mentor ideológico, Abimael Guz-

mán. Resistiu às investidas do Estado e mantém ainda hoje áreas do território peruano como

redutos e domínios, embora esteja enfraquecido em relação ao poder demonstrado nas déca-

das de setenta e oitenta do século passado; a segunda característica é a extrema violência dos

seus atos; a terceira característica levantada é a necessidade de propaganda, de estar na mídia,

de demonstrar seu poder à população; a quarta característica é a organização piramidal, a es-

trutura hierárquica; a quinta característica envolve seu modo de operar. O SL ataca sistemati-

camente a infraestrutura do Peru, prejudicando a expressão econômica do poder nacional pe-

ruano. O SL também ataca organizações militares, de segurança pública e do governo perua-

no, atingindo não só a expressão militar, como a política e a psicossocial; e a sexta caracterís-

tica - a ideologia política - aponta para o objetivo final do SL, qual seja a mudança no poder

político do Peru (WHITTAKER, 2005, p. 270-292).

4.3.2 A oposição do Estado peruano ao SL e a Teoria de Clausewitz

Neste tópico, também como base o estudo das obras da jornalista Rosana Bond e

de David J. Whittaker, realiza-se o confronto com a teoria de Clausewitz sobre a guerra, em

59

dinâmica de estudos, buscando-se a identificação de pontos que confirmem ou desconstruam a

validade do marco teórico desta pesquisa no enfrentamento ao fenômeno terrorismo.

Iniciando esse confronto teórico, este autor relembra que as ações violentas do SL

foram a solução encontrada por Abimael Guzmán para continuar sua luta política, que sofreu

forte reprimenda do governo. Enfim, evidencia que as ações violentas do SL, precipitadas

pela repressão governamental, foram a continuação de suas ações políticas por outros meios,

especificamente pelas ações terroristas. Dessa forma, a guerra foi a continuação da política.

Interessante verificar que um princípio de Clausewitz foi confirmado pelo SL.

Na repressão governamental, a "Trindade de Clausewitz" se faz absolutamente

presente. Atuam nesse cenário de guerra a sociedade, o governo e os militares peruanos, bem

como, de outro lado, o apoio de um pequeno grupo social de cocaleros34

, os guerrilheiros e a

direção doutrinária, em uma guerra, em cinemática de constante mutação e acomodação, com

violência extrema, ódio e ações imprevisíveis. Confirma-se o acaso dos confrontos e a racio-

nalidade dos limites impostos.

4.3.3 Expressões do Poder Nacional - o ambiente - Reflexões sobre a MB

Para o desenvolvimento deste tópico, foi estudada a publicação "Expressões do

Poder Nacional"35

, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), elaborada

para o Curso de Preparação e Seleção para a ECEME (CP/ECEME) 2013. Esse documento de

estudo, que aborda aspectos que influenciam na produção de soluções nas expressões políti-

cas, econômicas, militar, psicossocial, tecnológicas e científicas, vem servir de base para um

_________________________________________________________

34

Termo que designa os agricultores dedicados ao cultivo das folhas de coca nos países andinos.

35

Disponível em: < http://www.ensino.eb.br/cpeceme/docs/Expres_Poder_Nacional_13.pdf, e acessada

em 02 jul. 2013>. Acesso em: 23 mai. 2013.

60

breve exercício prospectivo, construindo-se um ambiente regional de possibilidades de intera-

ção das expressões (BRASIL, 2012).

Iniciando essa breve construção, a situação geopolítica do Brasil é uma questão

que sobressai no momento em que o país busca a consolidação do protagonismo na região e

consequentemente o reconhecimento como ator global. A existência de grupos insurgentes ou

que adotem ações terroristas dentro do território nacional, sejam grupos nacionais ou de paí-

ses vizinhos, afetaria diretamente a imagem do Brasil no exterior. Neste ponto pode-se apro-

fundar com a questão das fronteiras na região, debilmente estruturadas em relação ao poder e

atuação dos Estados e das forças de segurança pública e de defesa, o que torna perfeitamente

aceitável que grupos insurgentes de países vizinhos utilizem o território nacional para suas

atividades, tanto logísticas quanto operacionais. Tais ações comprometem a soberania nacio-

nal, bem como a sociedade, a autoridade e a governabilidade.

No que concerne à expressão econômica, que suporta a marcha rumo ao protago-

nismo bem como a projeção como ator global dos estados nacionais, ressaltam os campos dos

transportes e das exportações. Esses pontos, especialmente ao considerarmos que grande parte

do volume do comércio exterior brasileiro passa pelos portos, interessam diretamente à MB.

Entende o autor que ações terroristas que comprometam os campos citados acima

afetariam ainda os investimentos, pelo aumento dos riscos aos olhos das agências internacio-

nais, cujos indicadores são considerados pelos conglomerados financeiros de grande porte. A

fuga de capitais seria um reflexo esperado e provável, consubstanciando uma desaceleração

do crescimento e do desenvolvimento econômico. Outro ponto a ser ressaltado é a estabilida-

de do setor de recursos naturais (solo, subsolo, flora, fauna, clima, disponibilidade hídrica e

energética), fundamental para embasar o desenvolvimento nacional. Obviamente, especial-

mente no que concerne à exploração de petróleo em águas profundas, é lícito afirmar que se

trata de assunto visceralmente ligado à MB.

61

Na análise, ao abordar a expressão científica e tecnológica, evidencia a possibili-

dade de ataques cibernéticos aos sistemas de comunicação. Esse ponto já está sendo especi-

almente tratado pela END, atribuído ao Exército Brasileiro (BRASIL, 2008).

Na expressão psicossocial, ressaltam os diferentes antecedentes históricos e soci-

ais entre o Brasil e os demais países sul-americanos. Instituições sociais, nacionalidades e

etnias diversas, com diferentes leituras do termo cidadania, consubstanciam um ambiente ins-

tável e propício ao acirramento das competições entre as sociedades (SIMÕES, 2011).

Ainda na expressão psicossocial, importante citar que no âmbito interno, o moral

social e a opinião pública podem ser impactados por desequilíbrios sociais de toda ordem,

educação, saúde, emprego, mobilidade social, distribuição espacial das populações etc., que

podem, conforme visto nesta pesquisa, acirrar desejos de competições internas e promover,

sem ser possível prever nem quando e nem como o desejo e o fator motivador para ações vio-

lentas (BRASIL, 2012).

Na expressão militar, é fato a crescente integração das FA, a boa imagem junto à

opinião pública que demonstra o apoio da população, bem como as ações governamentais,

traduzidas pela publicação da END (BRASIL, 2012).

É fato que o Poder Nacional brasileiro encontra oportunidades, mas também mui-

tas ameaças no ambiente sul americano. A América do Sul é um continente controverso e

socialmente instável (SIMÕES, 2011).

No que concerne à MB, obviamente, em maior ou menor grau, é impactada por

todos os aspectos do Poder Nacional. Entretanto, para este trabalho, evidencia-se a maior li-

gação da MB com as questões que envolvem portos e plataformas de exploração de petróleo

em águas profundas.

Ressalta-se, na atual conjuntura, que os Grandes Eventos esportivos estão impac-

tando fortemente à MB, mas de forma específica. O impacto que ora percebe-se está consoli-

62

dado em um grande esforço no que concerne à segurança. No entanto, para este estudo, dar-

se-á um passo à frente, no campo hipotético e prospectivo – o Brasil passando a ser conside-

rado alvo ou palco para ações terroristas.

Com relação à questão da segurança portuária no Brasil, vale ressaltar que em no-

vembro de 2012, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), pelo

Fundo de Estruturação de Projetos (BNDES-FEP), financiou um estudo técnico que eviden-

ciou a descentralização da segurança portuária no Brasil (BNDES, 2012).

Nesse passo, considera-se o eventual impacto de ações terroristas em portos. Res-

salva-se, entretanto, que a hipótese de ataque terrorista em plataformas de exploração de pe-

tróleo em águas profundas, por desconstruir a condição de exposição à mídia, evidentemente

buscada por organizações que empregam métodos terroristas, como o SL, está afastada para

fins de estudo neste trabalho.

No caso de ações terroristas em instalações portuárias, que atenderiam à caracte-

rística de exposição na mídia e afetariam fortemente os transportes e a expressão econômica

do poder nacional, entende o autor que deverá ser da MB a preponderância das ações de con-

traposição e prevenção. Na prática, significa assumir a condução das ações hoje previstas para

as Guardas Portuárias (GP).

O Ministro de Estado da Secretaria Especial de Portos, pela Portaria PR/SEP N°

121, de 13 de maio de 200936

, definiu as diretrizes e a organização das GP, entretanto, indicou

que os regulamentos devem ser baixados pela Administração do Porto, em cada porto organi-

zado, uma vez que cabe à administração organizar e regulamentar os serviços de GP (BN-

DES, 2012).

I - Vigilância e segurança portuária: as ações e procedimentos necessários ao desen-

volvimento normal das atividades portuárias, com o propósito de prevenir e evitar

atos ou omissões danosas que afetem as pessoas, cargas, instalações e equipamentos

na área portuária. _________________________________________________________

36

Disponível em:<http://aprogport.com/texto.asp?cod=62&dep=5>. Acesso em 12 jun. 2013.

63

II - Área Portuária: os ancoradouros, docas, cais, pontes e píeres de atracação e acos-

tagem, terrenos, armazéns, edificações e vias de circulação interna - pertencentes ao

Porto Organizado, bem como pela infra-estrutura de proteção e acesso aquaviário ao

porto, tais como canais, bacias de evolução, áreas de fundeio.37

(BRASIL, 2009)

Entende o autor que a MB deverá estar apta para assumir as funções, bem como,

se a situação indicar, assumir o controle operacional das GP. Nessa eventualidade, dois fato-

res podem ser considerados facilitadores. O primeiro é que as GP devem ser estruturadas de

forma hierárquica; e o segundo é que devem possuir estrutura de inteligência. Esses dois pon-

tos são fundamentais - o primeiro porque possibilita melhor controle; e o segundo porque

permite à MB, mais rapidamente, a adequada leitura da situação particular de cada porto

(BNDES, 2012).

O Regulamento da Guarda Portuária conterá, necessariamente:

I - A fixação do efetivo necessário;

II - A sua organização, com os vários escalões da sua hierarquia interna;

III - A manutenção de unidade de segurança e inteligência;

IV - A elaboração do Regime Disciplinar;

V - A Comissão Disciplinar.38

(BRASIL, 2009)

Outro ponto a ressaltar é que está regulamentado que as GP deverão auxiliar as

autoridades que exerçam atribuições no porto, para a manutenção da ordem e a prevenção de

ilícitos, sempre que requisitada. (BNDES, 2012)

Art. 5º Compete a Guarda Portuária:

I - Elaborar os procedimentos a serem adotados em casos de sinistro, crime, contra-

venção penal ou ocorrência anormal.

II - Exercer a vigilância na área do porto organizado, para garantir o cumprimento da

legislação vigente, em especial no tocante ao controle da entrada, permanência, mo-

vimentação e saída de pessoas, veículos, unidades de carga e mercadorias;

III - Prestar auxílio, sempre que requisitada, às autoridades que exerçam atribuições

no porto, para a manutenção da ordem e a prevenção de ilícitos;

IV - Auxiliar na apuração de ilícitos e outras ocorrências nas áreas sob responsabili-

dade da Administração Portuária;

V - Elaborar, implementar e manter atualizado o Plano de Segurança Pública Portuá-

ria;

VI - Prover meios, mecanismos, pessoal e aparelhamento necessários à plena segu-

rança e proteção das instalações portuárias, funcionários, mercadorias, tripulantes e

demais pessoas.39

(BRASIL, 2009)

_________________________________________________________

37

Art 2°,§ 1º da Portaria PR/SEP Nº 121, de 13 de maio de 2009.

38

Art. 3º da Portaria PR/SEP Nº 121, de 13 de maio de 2009.

39

Art. 5º da Portaria PR/SEP Nº 121, de 13 de maio de 2009.

64

5 CONCLUSÃO: RESPOSTA AO PROBLEMA PROPOSTO E REFLEXÕES SOBRE

A ATUAÇÃO DA MB

A conclusão deste trabalho começa advertindo que o fenômeno terrorismo não es-

tá tão distante do território, da sociedade ou do espaço cibernético brasileiros como pode dei-

xar transparecer a inexistência de ocorrências recentes no Brasil.

A história registra os processos competitivos e indica que a intolerância, a imposi-

ção, o descontentamento de um grupo social pode levá-lo à aplicação de métodos bélicos, e

dentro desses, de métodos de guerra irregular, de guerrilha, assimétrica ou o terrorismo. A

pergunta decorrente: qual o momento exato em que precipitam as ações violentas em um gru-

po social? Fica sem resposta, criando mais um ingrediente de inquietação.

Além disso, o Brasil se insere em um controverso e instável ambiente, qual seja a

América do Sul. Indubitavelmente, para atingir o reconhecimento como ator global faz-se

necessário ser protagonista regional, com instituições fortes e, para tal, não basta ser o maior

país em termos territoriais e econômicos, precisa ser suficientemente grande institucionalmen-

te para exercer seu protagonismo de forma unânime e ter competência e possibilidade para

interceder em prol da ordem institucional e da segurança regionais, sem permitir a contamina-

ção de seu território ou de sua sociedade.

É necessário considerar que a América do Sul abriga grupos irregulares, apresenta

litígios fronteiriços, é vitimada pelo narcotráfico, pelo contrabando e pelo descaminho. As

fronteiras são marcos de separação e graves pontos de instabilidade e não vias de integração e

desenvolvimento.

Do estudo das características apresentadas pelo SL, que podem ser observadas

também em organismos terroristas de outros países e até regiões, destacam-se as seguintes: a

permanência, consubstanciada na resistência do grupo às investidas do governo peruano e à

65

manutenção da ideologia mesmo após a prisão de seu líder e mentor ideológico, Abimael

Guzmán; a extrema violência; a necessidade de propaganda, de estar na mídia, de demonstrar

seu poder à população; a estrutura hierárquica; seu modo de operar. O SL ataca sistematica-

mente expressões do poder nacional peruano; e a ideologia política.

Ao confrontar a guerra entre o governo peruano e o SL com a teoria de Clause-

witz, evidencia-se que: a guerra foi a continuação da política.

A "Trindade de Clausewitz" se confirma. Atuam naquele cenário de guerra a soci-

edade, o governo e os militares peruanos, bem como, de outro lado, o apoio de um pequeno

grupo social de cocaleros, os guerrilheiros e a direção doutrinária, em uma guerra, em cons-

tante mutação, com violência extrema, ódio e ações imprevisíveis. Confirma-se o acaso dos

confrontos e a racionalidade dos limites impostos.

Respondendo o quesito proposto, é entendimento deste autor que o marco teórico

mostra-se válido para o fenômeno terrorismo; e que os atos de violência praticados sistemati-

camente contra um ou vários dos aspectos de qualquer expressão do Poder Nacional, com

vistas a desacreditar, substituir ou desagregar qualquer dos aspectos da expressão do Poder

Político, levados a efeito por organizações permanentemente organizadas, com ideologia polí-

tica de qualquer ordem, estruturadas hierarquicamente, que busquem expressão e exposição

constante dos seus atos violentos na mídia, devem ser extrapolados do campo da segurança

pública e serem enquadradas no campo da Defesa Nacional, onde devem encontrar a adequa-

da oposição preponderantemente das FA, sem abrir mão, caso cada situação requeira, do con-

curso das forças de segurança pública e da sociedade.

Por fim, no que concerne à MB nesse contexto, este autor conclui que: os portos

são importante aspecto da expressão econômica do Poder Nacional, com estrutura de seguran-

ça descentralizada; e que se constituem em potenciais alvos para uma ação terrorista no Bra-

sil. Isso se dá em função de atenderem aos quesitos condicionantes, já elencados, de exposi-

66

ção à mídia, de potencial de impacto no setor de transportes do país, bem como em sua ima-

gem no exterior. Não obstante, ocorrências sistemáticas terroristas nessas instalações têm po-

tencial para impactar a expressão política.

Pela argumentação acima, entende o autor que a MB deverá priorizar os adestra-

mentos e a aquisição de equipamentos para o desempenho de atividades próprias das GP, em

quantidades suficientes para ocupação simultânea dos principais portos do país e, para tal,

sugere que as ações nesse sentido sejam delineadas e definidas por grupos de trabalho, semi-

nários e estudos específicos, para, por fim, serem previstas e descritas no PEM, em suas pró-

ximas edições.

Ao término do trabalho ora apresentado, em uma megassíntese, entende o autor

que no confronto entre o poder estatal e o terror, a guerra será ilimitada no entendimento da

organização terrorista. A resposta militar firme e vigorosa do Estado deve ser aplicada, entre-

tanto, a resposta exclusiva e constante pela força apenas posicionará o Estado no mesmo pla-

no de entendimento do adversário, levando-os a uma guerra sem fim.

Lembrando conceitos de McClealland, é necessário ao estado atuar, também e es-

pecialmente, amenizando as assimetrias sociais, campo fértil para o surgimento das insatisfa-

ções e do inconformismo.

Cidadania, identidade nacional, oportunidades e voz são os instrumentos para de-

bilitar o apoio social e enfraquecer os partidos e movimentos terroristas.

67

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