ESCOLA PÚBLICA E SEUS DETERMINANTES HISTÓRICOS, POLÍTICOS E ECONÔMICOS
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ESCOLA PÚBLICA E SEUS DETERMINANTES HISTÓRICOS, POLÍTICOS E
ECONÔMICOS: ALGUNS APONTAMENTOS
PELETTI, Amilton Benedito1
“Coisas antes tidas por dificílimas provocam o riso da posteridade”
(COMENIUS, 2002, p. 112)
RESUMO: Este texto tem por objetivo levantar alguns apontamentos acerca das
condições históricas, políticas e econômicas que determinaram a constituição da escola
pública, bem como, as contradições e conflitos presentes neste processo. A presente
análise é resultado da utilização de textos bem como das reflexões realizadas durante as
aulas da disciplina de “Elementos históricos sobre a Escola Pública” no curso de
Mestrado em Educação na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, no
segundo semestre do ano de 2010. Para tanto nos utilizaremos aqui de autores
considerados clássicos, por considerarmos que estes são fontes essenciais para a
compreensão da gênese da escola pública. Abordaremos desde João Amós Comenius
com sua obra “Didáctica Mágna”, Martim Lutero com sua obra “Educação e Reforma”,
Adam Smith com a “Riqueza das Nações”, John Dewy com o texto “Experiência e
Educação”, Georges Snyders com a obra intitulada “Escola, classe e luta de classes”,
Antonio Gramsci com “Os Intelectuais e a Organização da Cultura”, Dermeval Saviani
com o texto “O neoprodutivismo e suas variantes: neo-escolanovismo,
neoconstrutivismo, neotecnicismo (1991-2001)”, dentre outros.
PALAVRAS-CHAVE:Escola Pública, História, luta de classes.
Gênese da escola pública
Na busca de entendermos as questões históricas, econômicas e políticas que
condicionaram a ampliação do acesso a educação escolar, é necessário nos reportarmos
aos escritos de Martim Lutero (1483-1546), pois este pensador teceu severas críticas ao
Estado clerical e a educação medieval em defesa de uma educação formal de qualidade
ao afirmar que “lugar de criança é na escola”.
Afinal, o que se aprendeu até agora nas universidades e conventos a
não ser ficar burro, grosso e estúpido? Houve quem estudasse vinte,
quarenta anos e não sabe nem latim tampouco alemão. Não quero nem
1 Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Professor da Rede
Pública Municipal de Cascavel. E-mail: [email protected].
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falar da vida vergonhosa e libertina na qual a nobre juventude foi
estragada tão miseravelmente.
É bem verdade: se as universidades e conventos não aplicarem novos
métodos de ensino e modos de vida para a juventude, eu acharia
melhor que nenhum jovem aprendesse qualquer coisa e ficassem
mudos (LUTERO, 2000, pp. 13-14).
No entanto é com João Amós Comenius (1592-1670), mais especificamente com
sua obra “Didática Magna” que a universalização do ensino começa a ser pensada e
exigida de forma mais contundente.
Nós ousamos prometer uma Didática Magna, ou seja, uma arte
universal de ensinar tudo a todos: de ensinar de modo certo, para obter
resultados; de ensinar de modo fácil, portanto sem que docentes e
discentes se molestem ou enfadem, mas ao contrário, tenham grande
alegria; de ensinar de modo sólido, não superficialmente, de qualquer
maneira, mas para conduzir à verdadeira cultura, aos bons costumes, a
uma piedade mais profunda. Finalmente, demonstramos esses coisas a
priori, partindo da própria natureza imutável das coisas, como se
fizéssemos brotar de uma fonte viva regatos perenes, que se unissem
depois num único rio para constituir uma arte universal, a fim de
fundar escolas universais (COMENIUS, 2002, pp. 13-14).
É nesse sentido que Comenius vai estabelecendo um novo rumo para a
educação, afirmando inclusive que, “O homem para ser homem, precisa ser formado”
(2002, p. 71), e, segundo o mesmo autor, é interessante que esta formação ocorra ainda
na juventude:
No homem essas coisas são obtidas do mesmo modo: o cérebro (que,
como dissemos, ao receber através dos sentidos imagens das coisas
comporta-se como a cera) na idade infantil é úmido, tenro, pronto para
receber todas as imagens que lhe chegam; aos poucos vai secando e
endurecendo, e por isso as coisas nele serão impressas e esculpidas
com maior dificuldade, como demonstra a experiência. Donde a
célebre afirmação de Cícero: “As crianças apreendem rapidamente
inúmeras coisas”. Assim, mesmo as mãos e os outros membros só
podem exercitar-se nas várias atividades nos anos de primeira
infância, enquanto os nervos estão maleáveis. Quem quiser tornar-se
bom copista, pintor, alfaiate, músico etc., deverá aplicar-se ao ofício
desde os primeiros anos (quando a imaginação ainda é ágil e os dedos
flexíveis), pois de outro modo não atingirá seus fins. Da mesma
maneira, para que a piedade finque suas raízes no coração de alguém,
deverá ser plantada desde os primeiros anos; se quisermos preparar
alguém para que venha a ter hábitos refinados, será preciso desbastá-
lo em tenra idade; quem tiver de fazer grandes progressos no estudo
da sabedoria precisará abrir seus sentidos para que eles tudo acolham
logo nos primeiros anos, quando o ardor é vivo, o engenho vivaz e a
memória tenaz. “Ver um velho a aprender os primeiros elementos do
saber é coisa repugnante e ridícula. O jovem deve ganhar, e o velho
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deve fazer bom uso do que ganhou e acumulou”, diz Sêneca na
Epístola 36 (COMENIUS, 2002, pp. 79-80).
Neste contexto Comenius ao afirmar que “[...] Os pais raramente estão em
condições de educar os filhos com proveito ou raramente têm tempo para isso: segue-se
que deve haver pessoas que exerçam apenas essa profissão, e desse modo toda educação
se provê a toda comunidade” (2002, p. 85), defende que essa formação aconteça num
determinado local que não mais pode ser a casa, principalmente devido à falta de tempo
e por ser melhor que essa instrução seja realizada em espaços que comportem grupos
maiores:
No entanto, como tanto os homens quanto as questões humanas se
multiplicaram, raros são os pais que sabem ou podem educar os filhos
se que têm tempo suficiente para isso: felizmente, já há tempos
firmou-se o hábito de confiar muitos filhos em conjunto a pessoas
escolhidas para instruí-los, pessoas eminentes pela cultura e pela
austeridade dos costumes. Esses educadores são chamados
preceptores, pedagogos, mestres e professores: os locais destinados a
esse ensino comum são chamados escolas, institutos, auditórios,
colégios, ginásios, academias etc. (COMENIUS, 2002, pp. 83-84).
Com a difusão dessas ideias vai também se difundindo a premissa de que com a
criação de escolas deveria também ser ampliado o acesso a elas, pois:
As considerações abaixo demonstram que devem ser confiados à
escola não só os filhos dos ricos ou das pessoas mais importantes, mas
todos em igualdade, de estirpe nobre ou comum, ricos e pobres,
meninos e meninas, em todas as cidades, aldeias, povoados, vilarejos
(COMENIUS, 2002, p. 89).
Ou ainda,
Se alguém perguntasse: o que acontecerá se os operários, os
camponeses, os almocreves e até as jovens mulheres adquirirem
cultura? Eu responderia; acontecerá que, instituída com meios
apropriados essa educação universal da juventude, a ninguém faltará
matéria para refletir, para propor-se e perseguir fins, e para agir. Cada
um saberá para onde dirigir todas as ações e os desejos da vida, que
caminhos trilhar e como conservar o seu próprio lugar. Todos se
dedicarão de bom grado, mesmo em meio a trabalhos e lidas, à
meditação sobre as palavras e as obras divinas, evitando os perigosos
ócios da carne e do sangue pela assídua leitura da Bíblia e dos outros
bons livros (doce prazer que atrai os que já o experimentaram). E digo
uma vez por todas: deverão aprender a ver, a louvar, a abraçar Deus
em toda parte; por esse motivo, aprenderão a viver com mais alegria
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esta vida cheia de afãs e a aguardar com maior desejo e esperança a
vida eterna. E porventura não é verdade que tal condição da igreja
representa para nós o Paraíso que é possível obter abaixo do céu?
(COMENIUS, 2002, pp. 92-93).
Comenius aponta também em seu texto a necessidade de “ensinar tudo a todos”,
defendendo que o principal não seria um conhecimento profundo da ciência e da arte,
mas um conhecimento geral:
Cumpre-nos agora demonstrar que nas escolas é preciso ensinar tudo a
todos. Isso não quer dizer que queiramos um conhecimento (exato e
profundo) de todas as ciências e artes: isso não seria útil em si mesmo
nem possível a ninguém, tendo em vista a brevidade da vida. Toda
arte (por exemplo a física, a aritmética, a geometria, a astronomia,
mas também a agricultura e o cultivo das plantas) é tão extensa em
amplitude e profundidade que pode exigir uma vida inteira mesmo de
homens de mente excelsa, caso estes se empenhem em estudos
teóricos e experimentais; isso ocorreu com Pitágoras com a aritmética,
a Arquimedes com a mecânica, a Agrícola com a metalurgia, a
Longueil com a retórica (mesmo cuidando apenas disso, para tornar-se
um ciceroniano perfeito). Todos aqueles, porém, que estão no mundo
não só como atores, devem aprender a conhecer os fundamentos, as
razões, os fins de todas as coisas mais importantes, que existem ou
existirão. E é preciso cuidar (aliás, garantir) para que ninguém no
mundo jamais depare com alguma coisa que lhe seja tão desconhecida
que não consiga sobre ela emitir um juízo moderado ou dela fazer um
uso adequado, sem erros nocivos (COMENIUS, 2002, p. 95).
No entanto isso não diminui a defesa que Comenius faz da “arte de ensinar tudo
a todos”,
Portanto, a arte de ensinar não exige mais que uma disposição
tecnicamente bem feita do tempo, das coisas e do método. Se formos
capazes de estabelecê-la com precisão, ensinar tudo a todos os jovens
que vão à escola, sejam quantos forem, não será mais difícil que
imprimir mil páginas por dia com bela escrita em caracteres
tipográficos, transportar casas, torres e qualquer peso com a máquina
de Arquimedes, ou navegar sobre o oceano e ir para o Novo Mundo. E
tudo ocorrerá de modo tão fácil quanto o funcionamento de um
relógio perfeitamente equilibrado pelos pesos. Tudo será tranquilo e
agradável, assim como tranquilo e agradável é ver tal autômato, e será
também tão seguro quanto um desses instrumentos criados pela arte
(COMENIUS, 2002, p. 127).
No entanto, para que isso fosse se efetivando aos poucos, era necessário que este
ensino que ora passara a ser ministrado em uma instituição e não mais em casa tivesse
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alguém que o financiasse, já que se deixasse a cargo de cada um, continuaria a ser
destinado a uma pequena parcela da população.
É nesse contexto que Adam Smith (1723-1790), na Inglaterra, pensando em
questões econômicas tendo em vista o modo de produção capitalista, começa a esboçar
como deveria funcionar o financiamento dessas instituições, justificando que:
A dotação provém, em toda parte, sobretudo de algum rendimento
local ou provincial, do arrendamento de uma propriedade territorial,
ou dos juros de alguma soma de dinheiro concedida e confiada à
gestão de curadores para esse fim específico, ora pelo próprio
soberano ora por algum doador
Particular.
As dotações concedidas a escolas e colégios necessariamente
diminuíram, em menor ou maior grau, a necessidade de os professores
se aplicarem em sua profissão. Sua subsistência, na medida em que
provém de seus salários, tem provindo evidentemente de um fundo
que independe totalmente do sucesso e da reputação que conseguem
em suas ocupações especializadas. (SMITH, 1993, pp. 199-200).
Portanto, seria necessário, como forma de suprir a diminuição das dotações que
até então garantiam o funcionamento das escolas, que o Estado organizasse-as em todos
os locais,
O Estado pode facilitar essa aprendizagem elementar criando em cada
paróquia ou distrito uma pequena escola, onde as crianças possam ser
ensinadas pagando tão pouco que até mesmo um trabalhador comum
tem condições de arcar com este gasto, sendo o professor pago em
parte, não totalmente, pelo Estado, digo só em parte porque, se o
professor fosse pago totalmente, ou mesmo principalmente, com o
dinheiro do Estado, logo começaria a negligenciar seu trabalho.
“O Estado pode estimular a aquisição desses elementos mais
essenciais da educação oferecendo pequenos prêmios e pequenas
distinções aos filhos das pessoas comuns que neles sobressaírem.
O Estado pode impor à quase totalidade da população a
obrigatoriedade de adquirir tais elementos mais essenciais da
educação, obrigando cada um a submeter-se a um exame ou período
de experiência em relação aos mesmos, antes que ele possa obter a
liberdade em qualquer corporação ou poder exercer qualquer
atividade, seja em uma aldeia, seja em uma cidade corporativa
(SMITH, 1993, pp. 215-216).
Adam Smith, também tece criticas a educação que até então era baseada mais
nos aspectos religiosos que científicos, apontando elementos, tais como: educação e
violência, educação como ocupação e o papel do Estado frente à educação.
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Existem, porém, dois remédios muito fáceis e eficazes com os quais,
aplicados conjuntamente, o Estado pode corrigir sem violência tudo
aquilo que de anti-social ou desagradavelmente rigoroso existe na
moral de todas as pequenas seitas em que se dividiu o país. O primeiro
deles é o estudo da ciência e da filosofia, que o Estado poderia tornar
mais ou menos geral entre todas as pessoas de posição e fortuna
médias ou superiores à média — não pagando aos professores salários
que os tornam negligentes e preguiçosos, mas instituindo algum tipo
de período de experiência, mesmo nas ciências mais elevadas e mais
difíceis, a que se submeteria toda pessoa antes de se lhe permitir
exercer alguma profissão liberal ou de poder ela ser admitida como
candidata a qualquer cargo de prestígio, de confiança ou lucrativo. Se
o Estado impusesse a essa classe de pessoas a obrigatoriedade de
aprender, não precisaria ter preocupação alguma em arranjar-lhes
professores adequados. Essas pessoas logo encontrariam professores
melhores do que os que o Estado lhes poderia fornecer. A ciência é o
grande antídoto para o veneno do fanatismo e da superstição, e quando
todas as classes superiores da população estivessem imunizadas contra
esse veneno, as classes inferiores não poderiam ficar muito expostas a
ele. O segundo dos citados remédios é a freqüência e a alegria das
diversões públicas. O Estado, ao estimulá-las, isto é, ao dar inteira
liberdade de ação a todos aqueles que, movidos pelo próprio interesse,
procurassem, sem escândalo ou indecência, divertir e distrair o povo
com a pintura, a poesia, a música, a dança, com todos os tipos de
representações e exibições, facilmente dissiparia, na maior parte da
população, a melancolia e a tristeza que quase sempre alimentam a
superstição e o fanatismo populares. As diversões públicas sempre
têm constituído objeto de medo e ódio para todos os fanáticos
promotores desse delírio popular. A alegria e o bom humor que essas
diversões inspiram seriam totalmente inconciliáveis com esse estado
de espírito que constitui o terreno mais propício para os propósitos
desses fanáticos ou sobre o qual eles podem trabalhar melhor. Além
disso, as representações dramáticas, ao expor muitas vezes os
artifícios desses fundadores de seitas à irrisão pública, e às vezes até
mesmo à execração popular, constituíram para eles, sob esse aspecto,
objeto de aversão especial, mais do que todas as outras diversões
(SMITH, 1993, pp. 223-224).
Nesse mesmo sentido Rousseau, na França, também defendendo uma
escola/educação dualista, ou seja, que a educação deve ser diferenciada de acordo com a
posição social que o indivíduo ocupa na sociedade, afirma que:
Na ordem social, onde todos os pontos são marcados, cada um deve
ser educado para o seu. Se um particular formado para seu posto vem
deixá-lo, já não serve para nada. A educação só é útil na medida em
que a fortuna se harmonize com a vocação dos pais; em qualquer
outro caso, ela é nociva ao aluno, ao menos pelos preconceitos que lhe
inculcou (ROUSSEAU, 2004, p. 14).
O autor argumenta ainda que:
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Repito a educação do homem começa com o nascimento; antes de
falar, antes de ouvir, ele já se instruiu. A experiência antecipa as
lições; no momento em que conhece sua ama-de-leite, ele já descobriu
muitas coisas. Ficaríamos surpresos com os conhecimentos do mais
grosseiro dos homens se seguíssemos seu progresso desde o momento
em que nasceu até onde está. Se dividíssemos toda a ciência humana
em duas partes, uma comum a todos os homens, outra particular aos
doutos, esta seria muito pequena em comparação com a outra. Mas
pouco nos preocupamos com os conhecimentos gerais, pois são
adquiridos sem pensar e antes mesmo da idade da razão, e, de resto, o
saber só se faz notar por suas diferenças e, como nas equações de
álgebra, as quantidades comuns não contam (ROUSSEAU, 2004, p.
48).
O que podemos apreender dos autores “apresentados” é que a escola pública
desde a sua gênese foi pensada de forma a oferecer uma educação diferenciada de
acordo com a posição de classe ocupada pelo sujeito. Isso evidencia a articulação
existente entre a esfera educacional e a sociedade, ou seja, sendo a sociedade capitalista
cindida em classes, será a educação oferecida de forma diferenciada, dualista.
Escola pública e luta de classes
Numa sociedade cindida em classes antagônicas, como é o caso da sociedade
capitalista, torna-se impossível que a educação seja homogênea, que defenda os
interesses comuns. No entanto pode a educação ser um instrumento de transformação,
pois:
Numa sociedade dividida em classes, é impossível que a escola
consiga contrabalançar o conjunto das condições de vida e as regras
de funcionamento social, as regras de exploração social, ao ponto de
interessar, em massa, os filhos da classe operária na rede SS. Cabe a
Baudelot-Establet o mérito de nos terem recordado vigorosamente que
a escola, em si, é incapaz de ultrapassar a divisão da sociedade, da
nossa sociedade, em classes antagônicas: Isto não é mais do que o
capitalismo secreto das estruturas escolares segregativas – e elas não
conseguem ser abolidas num regime capitalista; que não há
complementariedade simples e harmoniosa entre as formas da
escolaridade reduzida e a escolaridade prolongada. Por isso é que a
perspectiva revolucionária só pode ser a unificação da escolaridade
numa sociedade que tiver vencido os antagonismos de classes
(SNYDERS, 1976, p. 69).
Seguindo com o raciocínio, Snyders afirma:
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Mas não se conseguirá destruir o regime capitalista sem se reunirem
contra ele todas as camadas sociais que ele procura cada vez mais
violentamente maltratar, esmagar, expropriar. A revolução tornar-se-á
eternamente impossível se, mercê de progressos evidentemente
fragmentários, condenados a permanecer ainda muito tempo
fragmentários, a classe operária não consolidar as suas possibilidades
de coerência e de austeridade, de maneira a manter até ao fim o seu
papel de força revolucionária, a menos que só se considerem
revolucionários autênticos os desclassificados e os marginais
(SNYDERS, 1976, p. 69).
No entanto a escola pode, também, ser “[...] um aparelho de luta a serviço da
burguesia, um instrumento da ditadura da burguesia. A sua função efectiva consiste em
provocar o fracasso das crianças proletárias para finalmente as sujeitar aos seus postos
de exploradas” (SNYDERS, 1976, p. 78). Mas o autor chama a atenção também para o
fato de que não é a escola que gera as desigualdades, pois seria atribuir-lhe um poder
muito maior do que realmente ela exerce, ou seja:
A escola é uma superestrutura e não o princípio motor da sociedade
[...] Aqui a escola confirma mais os privilégios do que os institui, e
esses privilégios, na sua incontestável realidade, têm uma relação
directa com a posse dos meios de produção – e de exploração. Pode
ser desanimador que a escola não seja capaz de suprir os privilégios.
Não é o mesmo que acusá-la de os ter provocado [...] a classe
dominante, quando se esforça por conservar a sociedade tal e qual,
reproduzir a sociedade, concentra todos os seus esforços a fim de que
as crianças vindas do proletariado fiquem limitadas a uma
escolaridade reduzida, a menos escolaridade do que as outras; bem
longe de ter em vista o efeito, para ela vantajoso, da escolaridade,
encarniça-se, em toda a medida do possível, para transformar em não-
escola a escola das classes exploradas (SNYDERS,1976, p. 94).
O fato de a escola na sociedade capitalista ser dualista, não impede que se lute
pela superação desse dualismo. Antonio Gramsci (1891-1937) vai justamente atuar
nesse sentido, ou seja, na defesa da “escola unitária” e financiada pelo Estado (educação
pública), pois segundo ele:
A escola unitária ou de formação humanista (entendido este termo,
“humanismo”, em sentido amplo e não apenas em sentido tradicional)
ou de cultura geral deveria se propor a tarefa de inserir os jovens na
atividade social, depois de tê-los levado a um certo grau de
maturidade e capacidade, à criação intelectual e prática e a uma certa
autonomia na orientação e na iniciativa. [...] A escola unitária requer
que o Estado possa assumir as despesas que hoje estão a cargo da
família, no que toca à manutenção dos escolares, isto é, que seja
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completamente transformado o orçamento da educação nacional,
ampliando-o de um modo imprevisto e tornando-o mais complexo: a
inteira função de educação e formação das novas gerações torna-se, ao
invés de privada, pública, pois somente assim pode ela envolver todas
as gerações, sem divisões de grupos ou castas (GRAMSCI, 1991, p.
121).
A escola deve também superar o senso comum, folclore, superstições e mitos, ou
melhor,
A escola, mediante o que ensina, luta contra o folclore, contra todas as
sedimentações tradicionais de concepções de mundo, a fim de difundir
uma concepção mais moderna, cujos elementos primitivos e
fundamentais são dados pela aprendizagem da existência de leis
naturais como algo objetivo e rebelde, às quais é preciso adaptar-se
para dominá-las, bem como de leis civis e estatais que são produto de
uma atividade humana estabelecidas pelo homem e podem ser por ele
modificadas visando a seu desenvolvimento coletivo; a lei civil e
estatal organiza os homens do modo historicamente mais adequado à
dominação das leis da natureza, isto é, a tornar mais fácil o seu
trabalho, que é a forma própria através da qual o homem participa
ativamente na vida da natureza, visando transformá-la e socializá-la
cada vez mais profunda e extensamente [...]A escola tradicional era
oligárquica, pois era destinada à nova geração dos grupos dirigentes,
destinada por sua vez a tornar-se dirigente: mas não era oligárquica
pelo seu modo de ensino. Não é a aquisição de capacidades diretivas,
não é a tendência a formar homens superiores que dá a marca social
de um tipo de escola. A marca social é dada pelo fato de que cada
grupo social tem um tipo de escola próprio, destinado a perpetuar
nestes grupos uma determinada função tradicional, diretiva ou
instrumental. Se se quer destruir esta trama, portanto, deve-se evitar a
multiplicação e graduação dos tipos de escola profissional, criando-se,
ao contrário, um tipo único de escola preparatória (elementar-média)
que conduza o jovem até os umbrais da escolha profissional,
formando-o entrementes como pessoa capaz de pensar, de estudar, de
dirigir ou de controlar que dirige (GRAMSCI, 1991, p. 136).
No Brasil a ideia de obrigatoriedade e universalização da escola Pública ganha
força no período de transição da Monarquia para a República e fica mais evidente com o
“Manifesto dos Pioneiros” em 1932 com viés Liberal (Período de grande incentivo ao
processo de industrialização do país), tendo como um de seus principais expoentes
Anísio Teixeira (1900-1971), pois a nova finalidade da escola, quando refletirmos que
ela deve hoje preparar cada homem para ser indivíduo que pense e que se dirija por si
em uma ordem social, intelectual e industrial eminentemente complexa e mutável. No
entanto, embora avance o ideário liberal, não rompe com os ideais positivistas que
propunham uma educação e consequentemente uma escola elitista.
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A presença do ideário liberal fica ainda mais evidente na igualdade de direitos e
na igualdade de oportunidades, pois as democracias, sendo regimes de igualdade social
e povos unificados, isto é, com igualdade de direitos individuais e sistema de governo
de sufrágio universal, não podem prescindir de uma sólida educação comum, a ser dada
na escola primária, de currículo completo e dia letivo integral destinada a preparar o
cidadão nacional e o trabalhador ainda não qualificado, e, além disto, estabelecer a base
igualitária de oportunidade, de onde irão partir todos, sem limitações hereditárias ou
quaisquer outras, para os múltiplos e diversos tipos de educação semi-especializada,
ulteriores ä educação primária.
Numa sociedade onde há constantemente a disputa entre classes antagônicas, é
difícil, senão ingenuidade, acreditar que a igualdade de oportunidades por si só, ou seja,
sem a igualdade de condições, seja suficiente para romper com os “privilégios
hereditários” da classe dominante.
Nesse sentido é que podemos afirmar que a produção educacional está
estreitamente ligada à produção social.
Essa listagem, apesar de enfadonha e meramente descritiva, possibilita
lançarmos duas observações gerais que elucidam melhor o que se está
querendo afirmar ao expor tal produção. A primeira é que a produção
historiográfica educacional não emerge descolada do conjunto da
produção educacional brasileira (no âmbito da produção histórica, por
exemplo), mas se dá no interior dos trabalhos que têm por objetivo
analisar (e em alguns casos periodizar) a pesquisa educacional no
Brasil – inclusive a produção histórico-educacional. A segunda
observação é que o debate das principais questões da pesquisa
histórico-educacional tem se concentrado a partir de algumas poucas
iniciativas, geralmente sobrepostas: aquelas motivadas pelo trabalho
individual e/ou coletivo de pesquisadores (geralmente ligados a
alguma instituição universitária) (LOMBARDI, 2000, p. 16).
Percebemos no decorrer desta análise que devemos olhar para estes autores
como homens do seu tempo, ou seja, que as ideias que os mesmos defendem são as
ideias que o contexto histórico, que as disputas políticas e que as lutas travadas em cada
período permitiram que fossem pensadas.
Assim, evidencia-se que a Escola não foi inventada, ela foi produzida
socialmente, sendo, portanto, um produto que resultou e resulta das lutas sociais pela
hegemonia, das relações de poder, ou melhor, a escola é produto da produção humana e,
ao mesmo tempo, em que produz também é produzida socialmente.
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Referências Bibliográficas
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Paulo: Melhoramento, v. XVI, s/d..
COMENIUS, J. A. Didática Magna. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
DEWY, John. Experiência e educação. São Paulo: Educação Nacional, 1976.
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro, RJ:
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SAVIANI. Dermeval. História das idéias pedagógicas no Brasil. Campinas, SP:
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SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. –
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SNYDERS, Georges. Escola, classe e luta de classes. São Paulo: Centauro
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