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Escola Superior de Educação de Bragança
Seminário de Investigação
Insucesso Escolar em Crianças Ciganas
Nº 9626 – José Paulo Martins
Maio 2003
SEMINÁRIO DE INVESTIGAÇÃO
Paulo Martins Pág. 2
Que a vida seja sempre um
sorriso em toda a sua plenitude, para que se
sinta sempre com força e coragem para
ultrapassar as dificuldades que a vida lhe possa
vir a colocar.
É com enorme gratidão, que lhe agradeço
tudo quanto me ensinou com toda a sua simpatia
e boa disposição, ao longo do ano.
Para a:
Dª Sofia
SEMINÁRIO DE INVESTIGAÇÃO
Paulo Martins Pág. 3
Paulo Martins
Oração do Amanhecer
Salve o Sol, a Natureza, o Orvalho da Manhã!
Salve Deus todo-poderoso, que me dá a felicidade de tomar a bênção a toda. Natureza.
Salve o Vento, o Sol, a Chuva, as Nuvens, as Estrelas e a Lua!
Salve as forças das Águas, a Terra, a Areia e o Solo Fértil! Que belo seja seu remédio!
O pão que parto a mesa, seja multiplicado!
O Trigo que carrego comigo, seja minha prosperidade. O Universo me abrace.
E que os quatro elementos: Terra, Água, Fogo e Ar, me dê as forças necessárias para
todas as dificuldades de minha vida.
Meus caminhos sejam abertos, hoje e sempre, com toda a pureza do Elementar e dos
Anjos Mensageiros de Deus. Amem. 1
1 Fonte: http://www.fortunecity.com/?sid=fcfootergif
SEMINÁRIO DE INVESTIGAÇÃO
Paulo Martins Pág. 4
ÍNDICE 1 - Introdução ................................................................................................................... 9 2 - Revisão da Literatura ................................................................................................ 13
2. 1 - O Povo Cigano .................................................................................................. 13 2.1.1 – Origens ....................................................................................................... 13
2.2 - A Organização.................................................................................................... 15
2.2.1 - A família...................................................................................................... 15 2.2.2 - A sabedoria dos mais velhos ....................................................................... 16
2.3 - As Tradições....................................................................................................... 17
2.3.1 - Nascimento.................................................................................................. 17 2.3.2 - Casamento ................................................................................................... 18 2.3.3 – Morte .......................................................................................................... 19
2.4 - Os Costumes....................................................................................................... 20
2.4.1 - A leitura da sina........................................................................................... 20 2.4.2 - Música e dança............................................................................................ 21 2.4.3 - A devoção a Santa Sara Kali ....................................................................... 22
2.5 - Dificuldades que os jovens ciganos apresentam face a uma instituição de obrigatoriedade ........................................................................................................... 23
2.5.1 - A escola ....................................................................................................... 23
2.6 - Análise da escolaridade cigana em Portugal ...................................................... 24 2.6.1 - Os números.................................................................................................. 24
2.7 - A escola como Instituição de obrigatoriedade ................................................... 25
2.7.1 – Dificuldades................................................................................................ 25
2.8 - Realidades e Práticas Ciganas............................................................................ 26
SEMINÁRIO DE INVESTIGAÇÃO
Paulo Martins Pág. 5
3 - Problema de Investigação.......................................................................................... 28 4 – Metodologia.............................................................................................................. 29
4.1 – Tipo de investigação.......................................................................................... 29 4.1.1 Estudo descritivo ........................................................................................... 29 4.1.2 Inquéritos ....................................................................................................... 30 4.1.3 Estudos relativos ao desenvolvimento........................................................... 31 4.1.4 Estudos complementares ............................................................................... 32 4.1.5 Estudos sociométricos ................................................................................... 32
4.2 – População alvo................................................................................................... 33
4.3 – Amostra ............................................................................................................. 35
5 – Técnicas de recolhas de dados.................................................................................. 35
5.1 Inquéritos por questionário................................................................................... 35 5.1.1 A interacção indirecta, questão chave do inquérito por questionário............ 37 5.1.2 Formulação das perguntas ............................................................................. 38 5.1.3 Diversidade de canais de comunicação ......................................................... 39 5.1.4 Prevenção das não -respostas ........................................................................ 40 5.1.5 A questão da fiabilidade ................................................................................ 41
5.2. Aspectos de natureza prática ............................................................................... 42
5.2.1 Fase preliminar (antes) .................................................................................. 42 5.2.2 Construção das perguntas .............................................................................. 42 5.2.3 Cuidados a ter na construção de um inquérito por questionário.................... 43 5.2.4 Apresentação do questionário........................................................................ 47 5.2.5 O decorrer (durante) ...................................................................................... 49 5.2.6 Fase subsequente (depois) ............................................................................. 50 5.2.7 Em síntese: virtualidades e limitações do questionário ................................. 51
6 – Técnica de análise de dados...................................................................................... 52
6.1 Estatísticas ............................................................................................................ 52 6.1.1 Virtualidades.................................................................................................. 53 6.1.2 Limitações ..................................................................................................... 53 6.1.3 Princípios orientadores .................................................................................. 54
7 - Resultados ................................................................................................................. 55
7.1 Tabelas de tratamento e organização da informação............................................ 56
7.2 Gráficos de tratamento e organização da informação .......................................... 57
7.3 - Comentário ao anexo II ...................................................................................... 59 8 – Conclusão ................................................................................................................. 61
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Paulo Martins Pág. 6
9 - Bibliografia ............................................................................................................... 63 ANEXOS........................................................................................................................ 68
ÍNDICE DE FIGURAS
Fig. I– O lema cigano -------------------------------------------------------------- pág. 7 Fig. II – Os ofícios ciganos --------------------------------------------------------pág. 8
Fig. III – Acampamento cigano----------------------------------------------------pág. 9
Fig. IV - Origens do povo cigano ----------------------------------------------- pág. 10 Fig. V - O meio de transporte --------------------------------------------------- pág. 11
Fig. VI – A família cigana---------------------------------------------------------pág. 12
Fig. VII – O ancião cigano ------------------------------------------------------- pág. 13
Fig. VIII – Crianças ciganas ----------------------------------------------------- pág. 14
Fig. IX – A festa do casamento ------------------------------------------------- pág. 15
Fig. X – Os rituais da morte ----------------------------------------------------- pág. 16
Fig. XI – Leitura da sina --------------------------------------------------------- pág. 17
Fig. XII – A música cigana -------------------------------------------------------pág. 17
Fig. XIII – A dança --------------------------------------------------------------- pág. 18
SEMINÁRIO DE INVESTIGAÇÃO
Paulo Martins Pág. 7
Fig. XIV– A religião -------------------------------------------------------------- pág. 19
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro I - Distribuição Regional Das Crianças Ciganas Escolarizadas
1º Ciclo – 1997 - 98 ---------------------------------------------------------------Pág.24
Quadro II - Distribuição regional das crianças ciganas escolarizadas
[1º ciclo1997-98] -----------------------------------------------------------------Pág. 33
Quadro III - Idade dos alunos ----------------------------------------------------Pág. 55
Quadro IV - Assiduidade dos alunos ------------------------------------------- Pág. 55
SEMINÁRIO DE INVESTIGAÇÃO
Paulo Martins Pág. 8
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico I - Alunos ciganos na escola -------------------------------------------Pág. 55
Gráfico II – Higiene ---------------------------------------------------------------Pág. 56
Gráfico III – Comportamento ----------------------------------------------------Pág. 56
Gráfico IV – Alimentação --------------------------------------------------------Pág. 56
SEMINÁRIO DE INVESTIGAÇÃO
Paulo Martins Pág. 9
Fig. I – O lema cigano Fonte: http://pagina.vizzavi.pt/~mz72612a/historia.htm
1 - Introdução
Sugeri este tema para o meu trabalho, visto ter na minha sala de aula uma
criança de etnia cigana e também porque quase todos os anos tenho crianças desta etnia
nas escolas por onde passo, e ser nelas que o insucesso escolar se verifica com maior
incidência.
Começo por fazer uma breve abordagem ao povo de etnia cigana.
Os Ciganos são chamados de "povos das estrelas" e dizem que apareceram há
mais de 3.000 anos, ao Norte da Índia, na região de Gujaratna localizada margem direita
do Rio Send. No primeiro milénio D.C., deixaram o país e se dividiram em dois ramos:
o Pechen que atingiu a Europa através da Grécia; e o Beni que chegou até a Síria, o
Egipto e a Palestina. Existem vários clãs ciganos: o Kalé (da Península Ibérica); o
Hoharano (da Turquia); o Matchuaiya (da Jugoslávia); o Moldovan (da Rússia) e o
Kalderash (da Roménia).
Os ciganos não representam um povo compacto e homogéneo, mesmo
pertencendo a uma única etnia, existe a hipótese de que a migração desde a Índia tenha
sido fraccionada no tempo, e que desde a origem fossem divididos em grupos e
subgrupos, falando dialectos diferentes.
Porém de acordo com a tradição cigana, a teoria
mais frequente sobre a origem do Povo Cigano, é que
após um período de adaptação neste planeta, os ciganos
teriam surgido do interior da Terra e esperam que um dia
possam regressar ao seu lar. O grande lema do Povo Cigano é: "O Céu é meu
SEMINÁRIO DE INVESTIGAÇÃO
Paulo Martins Pág. 10
Fig. II - Os ofícios ciganos Fonte: http://www.mercadocigano.com.br/produto.asp?produto=476
teto; a Terra é minha pátria e a Liberdade é minha religião", traduzindo um espírito
essencialmente nómada e livre dos condicionamentos das pessoas normais geralmente
cerceadas pelos sistemas aos quais estão subjugadas.
Em sua maioria, os ciganos são artistas (de muitas artes, inclusive a circense); e
exímios ferreiros, fabricando os seus próprios utensílios domésticos, suas jóias e suas
selas.
Os ciganos sempre levaram uma vida muito
simples, fabricando tachos, consertando panelas,
vendendo cavalos, (actualmente vendem carros);
fazendo artesanato (principalmente em cobre - o metal
nobre desse povo) e lendo as cartas ciganas para ver a
"buena dicha" (boa sorte).
O povo cigano canta e dança tanto na alegria
como na tristeza pois para o cigano a vida é uma festa e
a natureza que o rodeia a mais bela e generosa anfitriã.
Onde quer que estejam, os ciganos são logo
reconhecidos por suas roupas e ornamentos, e,
principalmente por seus hábitos ruidosos. São um povo
cheio de energia e grande dose de passionalidade. São
tão peculiares dentro do seu próprio código de ética;
honra e justiça; senso, sentido e sentimento de liberdade que contagiam e incomodam
qualquer sistema.
Porém, a comunidade cigana ama e respeita a natureza, os idosos e todos os
membros do grupo educam as crianças de todos, dentro dos princípios e normas
próprios de uma tradição puramente oral, cujos ensinamentos são passados de pai para
filho ou de mestre para discípulo, através das histórias contadas e das músicas tocadas
em torno das fogueiras acesas e das barracas coloridas sempre montadas ao ar livre
(mesmo no fundo do quintal das ricas mansões dos ciganos mais abastados).
SEMINÁRIO DE INVESTIGAÇÃO
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Fig. III - Crianças ciganas Fonte: http://uisa.sapo.pt/?chan=&Chanel=2003&barra=imagens&9=ciganos&fs=20&limt=20
As crianças ciganas normalmente só frequentam as escolas do ensino básico,
para aprenderem apenas a escrever o próprio nome e fazer as quatro operações
aritméticas. A maioria das crianças não vai à escola com receio do preconceito existente
em relação a elas. Claro que com o acelerado processo de aculturação, um bom número
de ciganos, disfarçadamente, estão a frequentar as universidades e até ocupam cargos de
importância na vida pública de alguns países.2
1.1 Os Ciganos em Portugal A população cigana segundo os
últimos censos andará à volta de vinte
mil, distribuídas por todo o país, com
maior densidade nos distritos de Lisboa,
Setúbal, Porto, Guarda, Bragança e Faro.
Existem vários óbices que criam
problemas à escolarização das crianças
ciganas que respondem pelo absentismo e
pouco sucesso escolar; as condições de
estrema pobreza e de muitas famílias em
habitação sub-humana sem quaisquer
condições sanitárias; por vezes a distância da escola e falta de transportes; algumas
vezes o deficiente acolhimento e o ambiente escolar; a pouca aceitação da comunidade
não-cigana; e também a situação do analfabetismo dos pais que não mostram interesse
pela escola dos filhos; e também se poderá acrescentar a falta de compreensão e difícil
aceitação da parte de alguns docentes, que vêem nos ciganos um estorvo para o melhor
2 http://www.universocigano.hpg.ig.com.br/história-do-povo-cigano.htm (12-03-03)
SEMINÁRIO DE INVESTIGAÇÃO
Paulo Martins Pág. 12
andamento da classe. Contudo, a maior dificuldade para muitos ciganos é a adaptação
ao ambiente escolar, em pé de igualdade com outras crianças não ciganas da sua idade.
Horários fixos e disciplina escolar duros para crianças que vivem numa barraca
no ambiente sem higiene nem conforto.
Há um desnivelamento intelectual, pobreza de vocabulário comum, matéria de
programas alheios aos seus interesses, actividades lúdicas com que não estão
familiarizados, carências familiares, baixo nível sócio-económico das famílias onde
tudo falta, a criança não foi iniciada numa disciplina como a da escola.
É por isso que em vários países se estão criando escolas de adaptação (pré-
primária de 1 e 2 anos), para ambientar as crianças afim de poderem frequentar classes
normais da escola primária. A escola parece aos ciganos muito rígida pela pontualidade
e sistema de autoridade vigente.
Não há dúvida que a criança cigana, por si própria, constitui um problema e este
tem que ser estudado e equacionado.
Neste sentido proponho - me fazer um estudo descritivo sobre os ciganos.
SEMINÁRIO DE INVESTIGAÇÃO
Paulo Martins Pág. 13
Fig. IV - Origens do povo cigano Fonte: http://pagina.vizzavi.pt/~mz72612a/historia.htm
2 - Revisão da Literatura
2. 1 - O Povo Cigano
2.1.1 – Origens
Visto que o povo cigano não tem uma
linguagem escrita, é difícil saber com precisão
as verdadeiras origens destes nómadas. Tudo o
que se sabe é baseado em conjecturas,
suposições ou similaridades.
Pensa-se que os ciganos tenham surgido há mais
de 3000 anos no norte da Índia.
No primeiro milénio da era cristã, terão
deixado esta região para se dividirem em dois
grupos. O grupo Pechen terá atingido a Europa
através da Grécia e o grupo Beni terá chegado à Síria, ao Egipto e à Palestina.
Existe uma lenda cigana que explica este êxodo. Segundo a lenda, no passado, o
povo cigano foi guiado por um rei que o levou a instalar-se numa cidade indiana
chamada Sind. Devido a um conflito com os muçulmanos, os ciganos acabaram por ser
expulsos de Sind e obrigados a vaguear entre uma nação e outra.
Acredite-se ou não na lenda, a verdade é que estudos linguísticos demonstram a
grande probabilidade de o povo cigano ser, efectivamente, de origem hindu.
SEMINÁRIO DE INVESTIGAÇÃO
Paulo Martins Pág. 14
Fig. V - O meio de transporte Fonte: www.Vurdon.it/brazl.htm
O dialecto dos ciganos (o romani) apresenta algumas semelhanças com o
sânscrito, o prácrito, o maharate e o punjabi, o que parece comprovar a influência
indiana nas origens do povo cigano.
Além das semelhanças linguísticas, também as parecenças físicas (como a tez
morena) e os paralelismos estéticos (o gosto pelas roupas vistosas e coloridas) vêm
corroborar esta teoria.
Depois desta primeira "invasão" do Ocidente, os ciganos espalharam-se por todo
o mundo, estabelecendo clãs específicos em determinadas regiões. Assim, o Kalê é um
clã oriundo da Península Ibérica, o Hoharano da Turquia, o Matchuaiya da Jugoslávia, o
Moldovan da Rússia e o Kalderash da Roménia.
O estabelecimento dos ciganos em terras ocidentais não foi um processo
pacífico, tendo este povo sido vítima de
perseguições e julgamentos.
Talvez tenha sido devido às
perseguições que sofriam que se
transformaram no povo nómada que ainda
hoje são.
Mal recebido por algumas
populações, os ciganos dedicaram-se a
actividades itinerantes, adoptando profissões
como as de ferreiros, domadores, criadores e vendedores de cavalos.
Na verdade, o povo cigano teve de aguentar várias pressões para se poder
estabelecer em determinadas regiões.
Na Moldávia e na Valáquia (actual Roménia), as comunidades ciganas foram
escravizadas durante 300 anos; na Albânia e na Grécia, os impostos destinados aos
ciganos eram mais altos; na Alemanha, tiravam-se as crianças ciganas aos pais, dizendo-
lhes que elas iriam estudar; na Polónia, na Dinamarca e na Áustria as autoridades
puniam severamente quem acolhesse ciganos; e, nos Países Baixos, condenaram-se
muitos ciganos à forca.
SEMINÁRIO DE INVESTIGAÇÃO
Paulo Martins Pág. 15
Fig. VI - A Família cigana Fonte: http://wwweducacao:te.pt/dossiertematico/dossier.jsp?idDossier=62
No País de Gales, a situação não foi esta. Aí, os ciganos puderam manter parte
das suas tradições e da sua língua. O mesmo aconteceu na região espanhola da
Andaluzia, onde o povo cigano encontrou as condições necessárias para se estabelecer.
Mesmo assim, também na Andaluzia os ciganos foram perseguidos.
Durante o domínio da Inquisição, vários ciganos receberam ordem de expulsão
pelo Tribunal do Santo Ofício, tendo sido rotulados como ladrões, feiticeiros e
vagabundos, estigma que carregam até hoje3.
2.2 - A Organização 2.2.1 - A família
A família cigana apresenta regras rígidas em
relação ao seu comportamento e ao modo de acção.
O homem é o chefe de família, cabendo-lhe a
ele a protecção, a segurança e o sustento de todos os
seus elementos.
A mulher e os filhos respeitam o homem e
subordinam-se a ele como autoridade máxima.
É aos homens que cabe o papel de resolver os
assuntos pendentes, de acertar o casamento dos filhos
e de decidir o futuro das questões familiares.
As mulheres ciganas não podem trabalhar fora de casa. Mas, ler a sina é uma
tarefa vista como um cumprimento das tradições ciganas e não como uma forma de
trabalho. No entanto, esta actividade acaba por ajudar no sustento da família, pois todo
o dinheiro que ganham é entregue ao marido.
Os casais ciganos são casais legítimos, unidos pelos laços do matrimónio.
A comunidade cigana não aceita o concubinato como forma de união.
3 http://wwweducacao:te.pt/dossiertematico/dossier.jsp?idDossier=62 (14-03-03)
SEMINÁRIO DE INVESTIGAÇÃO
Paulo Martins Pág. 16
Fig. VII – O ansião cigano Fonte: http://wwweducacao:te.pt/dossiertematico/dossier.jsp?idDossier=62
Marido e mulher vivem juntos até à morte, a não ser em casos considerados
gravíssimos, em que um tribunal cigano decida que a separação se pode verificar.
Os casais são muito discretos em público, nunca trocando nenhum tipo de
carinho, pois a intimidade deve ser preservada dentro de casa.
Enquanto o homem tem o papel de braço forte da família, à mulher cabe a
função de dar ternura e protecção espiritual aos lares ciganos.
As mulheres têm de tomar conta das crianças e das tarefas do lar. As meninas
ciganas devem permanecer junto das mães, dando-lhes ajuda e aprendendo os costumes
e tradições ciganas.
Todas as tradições e costumes ciganos são passados de pais para filhos. As
crianças aprendem com os pais a dançar, a ler a sina e a observar todos os rituais e
cerimónias.
Tal como acontece nas comunidades islâmicas, se uma criança cigana se afastar
das tradições, a mãe é imediatamente responsabilizada pelo facto4.
2.2.2 - A sabedoria dos mais velhos
Num clã cigano, o maior respeito e reverência
vai para os mais velhos. A sua longevidade confere-
lhes uma sabedoria que lhes é reconhecida e
cultivada. Os conselhos dos mais velhos são ouvidos por
jovens e adultos, que acreditam que a voz da experiência de vida é imprescindível para
o seguimento correcto do seu caminho.
É aos mais velhos que cabe a responsabilidade de passar aos mais novos os
ensinamentos e tradições ciganos. Considerados como sábios, a tradição manda que os
jovens lhes beijem as mãos em sinal de respeito.
4 http://wwweducacao:te.pt/dossiertematico/dossier.jsp?idDossier=62 (14-03-03)
SEMINÁRIO DE INVESTIGAÇÃO
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Fig. VIII – Crianças ciganas Fonte: http://wwweducacao:te.pt/dossiertematico/dossier.jsp?idDossier=62
Nas festas e cerimónias, os mais velhos têm direito aos lugares de destaque,
revelando assim a importância que têm na comunidade cigana.
Nos tribunais de justiça (ou Cris-Romani), cabe aos mais velhos o papel de
conselheiros e consultores, procurando exercer a sua função com o mais alto sentido de
responsabilidade e respeito5.
2.3 - As Tradições
2.3.1 - Nascimento
O povo cigano guarda ainda as tradições
transmitidas pelos seus antepassados.
Embora alguns deles já não encarem de forma
tão rígida os costumes característicos do seu povo, os
rituais ciganos continuam a existir um pouco por todo o
mundo.
Quando uma criança nasce no seio de uma
família cigana, a ocasião é sempre de festa.
Os filhos homens são preferidos às mulheres para
que possa haver continuidade do nome de família, mas
as meninas são acolhidas também de forma entusiasta.
Quando a criança nasce, começam os
preparativos para a festa. Uma pessoa mais velha, ou
um dos membros da família, fica encarregue de
preparar um pão caseiro semelhante a uma hóstia e um vinho. 5 http://wwweducacao:te.pt/dossiertematico/dossier.jsp?idDossier=62 (14-03-03)
SEMINÁRIO DE INVESTIGAÇÃO
Paulo Martins Pág. 18
Fig. IX – A festa do casamento Fonte: http://wwweducacao:te.pt/dossiertematico/dossier.jsp?idDossier=62
Este repasto deverá ser oferecido às três fadas do destino, que farão uma visita à
criança, três dias após o seu nascimento, com o objectivo de designarem a sua sorte.
No dia seguinte, o pão e o vinho são também distribuídos por todas as pessoas
presentes na comemoração.
Com o intuito de afastar os maus espíritos, a criança recém-nascida recebe uma
espécie de cesto contendo incenso e marcado com uma cruz bordada ou desenhada.
Depois do parto, a mulher cigana deve cumprir quarenta dias de resguardo.
Durante esse período, a cigana é considerada impura.
O baptismo da criança pode ser feito por qualquer pessoa do grupo. O ritual é
muito simples e consiste em dar o nome à criança e benzê-la com água, sal e um ramo
verde. Apesar de não terem nenhuma obrigação, muitos ciganos optam por fazer um
baptismo católico às suas crianças6.
2.3.2 - Casamento
O casamento é uma das tradições mais
conhecidas do mundo cigano. A expressão
"parece um casamento de ciganos", associada a
festas de casamento invulgarmente longas e
faustosas, demonstra a grande celebração que o
povo cigano faz questão de exibir nesta data de
união.
A tradição cigana é muito rígida no que
diz respeito ao casamento. As raparigas ciganas
são prometidas, desde muito novas, aos seus
futuros noivos.
Geralmente, a escolha do marido para a jovem cigana é feita em função dos seus
laços familiares e das suas condições económicas, já que, mais do que um acto de amor,
o casamento cigano é a celebração de uma união entre famílias.
6 http://wwweducacao:te.pt/dossiertematico/dossier.jsp?idDossier=62 (14-03-03)
SEMINÁRIO DE INVESTIGAÇÃO
Paulo Martins Pág. 19
Fig. X – Os rituais da morte Fonte: http://wwweducacao:te.pt/dossiertematico/dossier.jsp?idDossier=62
Antigamente, o casamento nunca poderia ser feito entre ciganos e não ciganos
mas, hoje em dia, já se assistem a casamentos entre homens ciganos e mulheres não
ciganas.
O contrário é que nunca pode acontecer, sob pena de se expulsar a cigana da
comunidade para sempre.
O casamento marca a entrada dos ciganos na idade adulta.
Até à cerimónia matrimonial, os noivos não podem ter qualquer tipo de contacto
mais íntimo. Mesmo depois de consumado o casamento, durante três dias e três noites
os noivos ficam separados, dedicando a sua atenção exclusivamente aos convidados da
boda.
Na terceira noite da festa, os noivos ficam finalmente a sós.
A noiva tem de provar a sua virgindade no dia seguinte à consumação total da
união, mostrando a mancha de sangue no lençol nupcial.
Se a sua virgindade não for provada, a noiva pode ser devolvida aos pais, que
ainda terão de pagar uma indemnização aos pais do noivo. Se a noiva for realmente
virgem, na manhã seguinte ao casamento, veste uma roupa tradicional colorida e coloca
um lenço na cabeça, que simboliza o facto de já ser uma mulher casada.
Durante a festa, os convidados homens sentam-se no chão, à volta de uma mesa,
e recebem os presentes para os noivos em ouro ou dinheiro.
Segundo a tradição, as ofertas devem ser colocadas dentro de um pão sem miolo.
É nesta altura que os noivos são abençoados7.
2.3.3 – Morte
O povo cigano acredita na vida após a
morte e pratica todos os rituais que possam
aliviar a dor dos seus antepassados já falecidos.
Assim, é tradição colocar uma moeda no
caixão do ente querido, para que este possa pagar
7 http://wwweducacao:te.pt/dossiertematico/dossier.jsp?idDossier=62 (14-03-03)
SEMINÁRIO DE INVESTIGAÇÃO
Paulo Martins Pág. 20
Fig. XI – Leitura da sina Fonte: http.www.cantosciganos.hpg.ig.com.br/menu-htm
a travessia do grande rio que separa a vida da morte.
Com o mesmo objectivo, era hábito antigo enterrarem-se as pessoas juntamente
com os seus bens de valor, mas esta prática foi abandonada devido à violação de
túmulos.
Em vez de encomendarem uma missa pela alma dos que partiram, os ciganos
oferecem uma cerimónia com água, flores, frutas e as suas comidas preferidas, na
esperança de que a alma do morto partilhe com eles a cerimónia e se vá libertando das
coisas mundanas8.
2.4 - Os Costumes
2.4.1 - A leitura da sina
A leitura da sina está, desde sempre, associada
às ciganas. É bastante comum encontrar-se estas
mulheres pelas ruas a oferecer os seus serviços para
nos lerem a sorte. No entanto, esta prática é mantida pelos
ciganos por uma questão de tradição e não pelo
proveito económico que daí possa advir.