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Acta Scientiarum http://www.uem.br/acta ISSN printed: 2178-5198 ISSN on-line: 2178-5201 Doi: 10.4025/actascieduc.v37i1.22261 Acta Scientiarum. Education Maringá, v. 37, n. 1, p. 65-77, Jan.-Mar., 2015 Escolas étnicas italianas: Urussanga como principal centro ítalo- brasileiro catarinense no início do século XX Tatiane dos Santos Virtuoso 1 e Giani Rabelo 2* 1 Secretaria de Educação de Criciúma, Prefeitura Municipal de Criciúma, Criciúma, Santa Catarina, Brasil. 2 Universidade do Extremo Sul Catarinense, Av. Universitária, 1105, 88806-000, Criciúma, Santa Catarina, Brasil. *Autor para correspondência. E-mail: [email protected] RESUMO. Este artigo reflete a presença das escolas étnicas italianas no sul catarinense, nas primeiras décadas do século XX. Nas colônias do sul, marcadas pela predominância étnica italiana, percebeu-se a criação de escolas étnicas, favorecida pela precariedade do ensino público no Brasil, ou seja, a inserção, nas regiões colonizadas pelos imigrantes europeus e seus descendentes, de escolas subsidiadas pelos respectivos países de origem. A partir de fontes documentais, identificou-se que essas instituições recebiam subsídios da Itália por meio de dinheiro e livros, bem como visitas e inspeções de autoridades italianas. Na cidade de Urussanga foi instalada, em 1900, a Inspetoria das Escolas Italianas do Sul do Estado de Santa Catarina, por ser o principal centro ítalo-brasileiro catarinense no início do século XX. Palavras-chave: escola, imigrantes italianos, Santa Catarina. Italian ethnical schools: Urussanga as the main Italian-Brazilian center in the state of Santa Catarina in the early 20 th Century ABSTRACT. Italian ethnic schools in the south of the state of Santa Catarina, Brazil, in the early decades of the twentieth century are discussed. The establishment of ethnic schools in the southern Brazilian settlements, influenced by the predominant Italian ethnicity, was favored by the precariousness of public education in Brazil. Schools subsidized by the Italian government were introduced in the regions colonized by European immigrants and their descendants. Documentary sources showed that these schools received subsidies from Italy in cash and books, and were visited and inspected by the Italian educational authorities. The Secretariat for Italian Schools in the south of the state of Santa Catarina was established in Urussanga in 1900 since the town was the main Italian-Brazilian center of the state in the early twentieth century. Keywords: school, Italian immigrants, Santa Catarina. Escuelas étnicas italianas: Urussanga como principal centro ítalo-brasileño catarinense en el inicio del siglo XX RESUMEN. Este artículo discute la presencia de las escuelas étnicas italianas en el sur catarinense, en las primeras décadas del siglo XX. En las colonias del sur, marcadas por la predominancia étnica italiana, se percibió la creación de escuelas étnicas, favorecida por la precariedad de la enseñanza pública en Brasil, o sea, la inserción, en las regiones colonizadas por los inmigrantes europeos y sus descendientes, de escuelas subvencionadas por los respectivos países de origen. A partir de fuentes documentales, se identificó que esas instituciones recibían subvención de Italia por medio de dinero y libros, así como visitas e inspecciones de autoridades italianas. En la ciudad de Urussanga fue instalada, en1900, la Inspectoría de las Escuelas Italianas del Sur del Estado de Santa Catarina, por ser el principal centro ítalo-brasileño catarinense en el inicio del siglo XX. Palabras clave: escuela, inmigrantes italianos, Santa Catarina. Introdução Em fins do século XIX, o Brasil abriu suas portas aos imigrantes europeus. Dentre eles, estavam os italianos que começaram a imigrar para o Brasil impulsionados pelas transformações socioeconômicas em curso no norte da península itálica, que afetaram sobretudo a propriedade da terra. Um aspecto peculiar à imigração em massa italiana é que ela começou a

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Acta Scientiarum

http://www.uem.br/acta ISSN printed: 2178-5198 ISSN on-line: 2178-5201 Doi: 10.4025/actascieduc.v37i1.22261

Acta Scientiarum. Education Maringá, v. 37, n. 1, p. 65-77, Jan.-Mar., 2015

Escolas étnicas italianas: Urussanga como principal centro ítalo-brasileiro catarinense no início do século XX

Tatiane dos Santos Virtuoso1 e Giani Rabelo2*

1Secretaria de Educação de Criciúma, Prefeitura Municipal de Criciúma, Criciúma, Santa Catarina, Brasil. 2Universidade do Extremo Sul Catarinense, Av. Universitária, 1105, 88806-000, Criciúma, Santa Catarina, Brasil. *Autor para correspondência. E-mail: [email protected]

RESUMO. Este artigo reflete a presença das escolas étnicas italianas no sul catarinense, nas primeiras décadas do século XX. Nas colônias do sul, marcadas pela predominância étnica italiana, percebeu-se a criação de escolas étnicas, favorecida pela precariedade do ensino público no Brasil, ou seja, a inserção, nas regiões colonizadas pelos imigrantes europeus e seus descendentes, de escolas subsidiadas pelos respectivos países de origem. A partir de fontes documentais, identificou-se que essas instituições recebiam subsídios da Itália por meio de dinheiro e livros, bem como visitas e inspeções de autoridades italianas. Na cidade de Urussanga foi instalada, em 1900, a Inspetoria das Escolas Italianas do Sul do Estado de Santa Catarina, por ser o principal centro ítalo-brasileiro catarinense no início do século XX. Palavras-chave: escola, imigrantes italianos, Santa Catarina.

Italian ethnical schools: Urussanga as the main Italian-Brazilian center in the state of Santa Catarina in the early 20th Century

ABSTRACT. Italian ethnic schools in the south of the state of Santa Catarina, Brazil, in the early decades of the twentieth century are discussed. The establishment of ethnic schools in the southern Brazilian settlements, influenced by the predominant Italian ethnicity, was favored by the precariousness of public education in Brazil. Schools subsidized by the Italian government were introduced in the regions colonized by European immigrants and their descendants. Documentary sources showed that these schools received subsidies from Italy in cash and books, and were visited and inspected by the Italian educational authorities. The Secretariat for Italian Schools in the south of the state of Santa Catarina was established in Urussanga in 1900 since the town was the main Italian-Brazilian center of the state in the early twentieth century. Keywords: school, Italian immigrants, Santa Catarina.

Escuelas étnicas italianas: Urussanga como principal centro ítalo-brasileño catarinense en el inicio del siglo XX

RESUMEN. Este artículo discute la presencia de las escuelas étnicas italianas en el sur catarinense, en las primeras décadas del siglo XX. En las colonias del sur, marcadas por la predominancia étnica italiana, se percibió la creación de escuelas étnicas, favorecida por la precariedad de la enseñanza pública en Brasil, o sea, la inserción, en las regiones colonizadas por los inmigrantes europeos y sus descendientes, de escuelas subvencionadas por los respectivos países de origen. A partir de fuentes documentales, se identificó que esas instituciones recibían subvención de Italia por medio de dinero y libros, así como visitas e inspecciones de autoridades italianas. En la ciudad de Urussanga fue instalada, en1900, la Inspectoría de las Escuelas Italianas del Sur del Estado de Santa Catarina, por ser el principal centro ítalo-brasileño catarinense en el inicio del siglo XX. Palabras clave: escuela, inmigrantes italianos, Santa Catarina.

Introdução

Em fins do século XIX, o Brasil abriu suas portas aos imigrantes europeus. Dentre eles, estavam os italianos que começaram a imigrar para o Brasil

impulsionados pelas transformações socioeconômicas em curso no norte da península itálica, que afetaram sobretudo a propriedade da terra. Um aspecto peculiar à imigração em massa italiana é que ela começou a

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ocorrer pouco após a unificação da Itália (1871), razão pela qual a identidade nacional desses imigrantes se forjou, em grande medida, no Brasil. A colonização italiana no Brasil estendeu-se principalmente pelos Estados de Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Os Estados do sul do Brasil, isto é, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, foram privilegiados quanto ao recebimento de imigrantes até o grande êxodo iniciado em 1887. Essa realidade se deveu à necessidade do governo imperial brasileiro:

[...] de povoar o imenso território, ainda em grande parte virgem, e, em particular, as províncias do sul [...] por razões de caráter político militar, pois se tratava de áreas de fronteira (TRENTO, 1989, p. 77).

Entre os três Estados sulinos, o Rio Grande do Sul destacou-se em termos numéricos. Segundo Trento (1989), dados mais exatos sobre a entrada de imigrantes nos Estados sulinos foram divulgados no recenseamento de 1920. Ele apresenta o Rio Grande do Sul com 49.136 imigrantes; Santa Catarina com 8.062 e Paraná com 9.046.

Cabe lembrar que, entre esses imigrantes italianos, havia diferenças, singularidades, longe de uma suposta homogeneidade. Para Zanini e Santos (2009, p. 175):

Na época em que migraram, a Itália enquanto um Estado nacional unificado era algo existente de direito, mas não de fato. Havia muitas regiões com disputas, falantes de dialetos distintos, venerando santos específicos e cultivando hábitos diversos. Com a unificação em 1870, quando aquelas famílias rumaram para a América (em 1875), a noção de pertencimento que traziam era a de seus paesi, ou seja, de suas localidades de origem, e não de uma Itália falante de uma língua comum e tendo uma identidade nacional partilhada. A categoria ‘italiano’, ‘colono italiano’, passou a fazer sentido em solo brasileiro, já no contexto de contato com os nativos, brasilianni (brasileiros), considerados todos negri (negros), independente da cor da pele. Assim, adscritivamente, passaram a se autodenominar e serem denominados de ‘gringos’, ‘italianos’, entre outros adjetivos (Grifos do autor).

As cidades do sul catarinense possuem uma característica peculiar em relação aos outros territórios ocupados pelos imigrantes italianos: a colonização instalada em uma região denominada ‘complexo carbonífero’. Em função das atividades carboníferas, Urussanga e Criciúma1 passam a

1Criciúma emancipa-se em 1925 de Araranguá.

receber levas de trabalhadores, em sua maioria, luso-brasileiros. Essa inserção de diferentes grupos étnicos em núcleos habitados quase que exclusivamente descendentes de italianos causou a facilitação do ‘abrasileiramento’ dos descendentes dos grupos ítalos. Além do destacado contingente populacional, Urussanga seria o principal centro ítalo-brasileiro catarinense, como evidencia Pesciolini (1914, p. 123, tradução nossa)2.

Como se sabe, o núcleo italiano mais considerável no Estado que atravessa a zona meridional é Urussanga, a colônia mais importante e o único município autônomo deste Estado. Os outros centros principais daquela região, habitada por italianos, são Criciúma, Nova Veneza, Azambuja, Orleans do Sul. A população italiana compreendida por esse grupo de colonos supera 20.000 habitantes.

Nesse contexto, marcado fortemente pela presença dos imigrantes italianos e seus descendentes e pela precariedade do ensino público brasileiro, emergiram escolas italianas que se caracterizavam pela forte conotação étnica. Foram criadas e mantidas pelos próprios imigrantes e subsidiadas pelos respectivos países de origem, sendo fechadas definitivamente no início do Estado Novo de Getúlio Vargas, no contexto da Campanha de Nacionalização do Ensino.

O termo ‘escola étnica’ remete para o conceito de etnia ou pertencimento étnico que, de acordo com Kreutz (1999), é algo em processo e concorre na constituição dos sujeitos e de grupos. Constitui as práticas sociais e ao mesmo tempo é constituído por elas. O autor afirma ainda que

[...] o étnico é elemento de diferenciação social, influi na percepção e na organização da vida social. Ele não se dá no abstrato. Manifesta-se nos símbolos, nas representações e nas valorações de grupos (KREUTZ, 1999, p. 80).

O tema ‘escola étnica’, tendo como lócus os estados do sul do país, tem sido objeto de algumas pesquisas no campo da história da educação, destacando-se alguns autores/as como: Giron (1998), Kreutz (1999), Otto (2003) e Luchese (2007).

O estudo apresentado neste artigo se deu com base em uma pesquisa documental e bibliográfica. Foram analisados alguns jornais da época, além de produções acadêmicas e não acadêmicas que deram visibilidade a estas experiências. O texto está organizado em seis partes. Inicialmente, discorremos

2Come abbiamo detto, il núcleo coloniale italiano più considerevole nello Stato è quello che trovasi nella zona meridionale, che há per centro Urussanga, la colonia italina più importante e I`unico município italiano autônomo in questo Stato. Gli altri centri principali di quella regione, abitati da italiani, sono Cresciuma, Nuova Venezia, Azambuja, Orleans do Sul. La popolazione italiana complessiva di questo gruppo di colonie supera i 20.000 abitanti.

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sobre as escolas étnicas no Brasil e no sul catarinense, a fim de contextualizar. Posteriormente, problematizamos a instabilidade das escolas étnicas italianas e as estratégias para sua manutenção. Na sequência, abordamos a Inspetoria das escolas étnicas italianas localizadas na cidade de Urussanga (sul de Santa Catarina), bem como a sua manutenção por intermédio de uma parceria entre governo italiano, poder público e colonos, além dos subsídios diferenciados, momento em que questionamos os critérios de distribuição. Para finalizar, apresentamos alguns dados sobre as demais escolas étnicas italianas localizadas, à época, no sul de Santa Catarina.

As escolas étnicas italianas no Brasil e no sul catarinense

Predominava entre as elites brasileiras, no final do século XIX, o objetivo de modernizar a economia, branquear a população e garantir fronteiras. Pensava-se na marginalização dos negros para a construção de uma nação inspirada nos padrões europeus. O imigrante, neste período, era compreendido como superior em vários aspectos, como físico, intelectual e mesmo cultural. Seguindo este raciocínio, foram disseminadas propagandas sobre o Brasil por toda a Europa (KREUTZ, 2000).

A presença italiana no Brasil pôde ser percebida desde que os europeus efetivaram a conquista do país, em meados de 1500. Marinheiros, viajantes, refugiados políticos, mercadores e jesuítas foram alguns dos perfis italianos que aportavam em solo brasileiro nesse período, para estabelecer moradia ou apenas permanecer por alguns períodos. A partir de 1870, a imigração italiana para o Brasil começava a assumir dimensões cada vez maiores, até assumir características de fenômeno de massa no século XIX (TRENTO, 1989). Ainda segundo Trento (1989, p. 31),

[...] a fuga, inclusive a pé em pleno inverno, para chegar ao porto de embarque (Gênova) envolvia aldeias inteiras e podia assumir aspectos de verdadeira libertação.

Essa grande massa migratória cresceu “[...] a partir de 1875, para chegar a 50% da imigração total em 1888, percentual que se manterá até a Primeira Guerra Mundial” (TRENTO, 1989, p. 31).

No livro Imigração italiana em Santa Catarina, o autor João Leonir Dall’Alba (1983) menciona estatísticas que se reportam à colonização italiana em Santa Catarina. Ele transcreve um relatório do Cônsul Giuseppe Caruso Macdonald (apud DALL’ALBA, 1983, p. 171) que menciona um quadro impresso no ‘Boletim da imigração n.º 6’, publicado pelo Ministério das Relações Exteriores da

Itália em 1902. Esse quadro, de autoria do Cônsul italiano Gherardo Pio de Savóia, aponta em aproximadamente 26.868 o total populacional de italianos e descendentes no Estado3. Desse total, 14.044 estavam concentrados no sul de Santa Catarina, destacando-se as cidades de Araranguá com 2.002 habitantes, Tubarão com 5.042 e Urussanga, com a maior concentração do Estado catarinense, 7.000 ítalos e ítalo-brasileiros.

Trento (1989, p. 86) confirma o quadro estatístico apresentado pelo Cônsul Macdonald, afirmando que seria para o sul da província de Santa Catarina, “[...] sem ligações com núcleos agrícolas, que se dirigirá a imigração vêneta e lombarda, povoando as colônias de Azambuja, Urussanga e Tubarão”. O autor enfatiza que:

[...] entre estas, a mais importante foi seguramente Urussanga, que, fundada em 1878, chegou a ter 17 núcleos coloniais e constituiu o único município italiano de Santa Catarina, contando, no início do século XX, com 7000 habitantes (TRENTO, 1989, p. 86).

Esses dados levam à reflexão sobre o potencial populacional de imigrantes italianos e seus descendentes no sul catarinense e a possível abrangência das escolas italianas nessas áreas.

O Brasil era constituído por várias nações, que cultivavam culturas européias de tal modo que alguns grupos desconheciam a língua nacional brasileira. Aos poucos, as colônias iniciaram sua organização social marcada pela preocupação com a religiosidade e a educação, questões estas que não poderiam estar ausentes. No que tange à educação, percebe-se a morosidade do Estado desde o fim do século XIX até a segunda e, especialmente, terceira década do século XX, resultando na criação das ‘escolas étnicas’ – ou seja, com conotação fortemente étnica, criadas para os filhos e filhas de imigrantes europeus que chegaram ao Brasil no decorrer do século XIX e que funcionaram até o início do Estado Novo de Getúlio Vargas. Cabe ressaltarmos que o processo de fechamento destas escolas se deu de forma gradual. Segundo Giron (1998) – pesquisadora que fez seu estudo voltado para as escolas étnicas das colônias italianas do Rio Grande do Sul, em especial as de Caxias do Sul –, já na década de 1920 era insignificante o número de escolas italianas. De acordo com a autora, inúmeros foram os aspectos que motivaram sua redução, destacando-se:

3Esses dados referem-se tanto aos cidadãos italianos quanto aos que falavam a língua italiana. A dificuldade em fazer um cômputo mais exato do número de italianos imigrados consiste no fato de existirem italianos pertencentes às províncias ‘irredentas’, isto é, ainda não anexas ao reino da Itália, ou dos austríacos e dálmatas que falam italiano (MACDONALD apud DALL’ALBA, 1983, p. 171).

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1° a campanha nacionalista anterior à Primeira Guerra, leva o Estado a suprir de escolas primárias a região colonial italiana; 2° a inexistência de recursos suficientes para manter as pequenas escolas, por parte do governo italiano, que envia apenas material didático, e verbas insuficientes para a manutenção da escola e do professor. O ensino público gratuito ao contrário das ‘escolas italianas’ que deviam ser pagas pelos alunos; 3° a baixa qualidade do ensino nas escolas rurais, já que os professores habilitados na Itália tornaram-se cada vez mais raros. Testemunhos revelam que eram insuficientes as noções de aritmética, ocorrendo o mesmo em relação à língua portuguesa. Por outro lado, tanto a história como a geografia referiam-se a Itália, o que impedia o aproveitamento das disciplinas nas escolas de ensino municipal e estadual , já que os conteúdos programáticos eram diferentes; 4° a expansão do ensino público municipal e gratuito que vai absorvendo o alunado da zona rural ; 5° a criação das grandes escolas particulares de congregações religiosas, com ensino técnico de boa qualidade e que ofereciam o internato para os alunos. Sendo que algumas tinham ainda a vantagem de ensinar o português, além do italiano, seguindo os programas oficiais das escolas brasileiras (GIRON, 1998, p. 95).

Em conformidade com Luchese (2007, p. 184),

[...] as escolas étnicas eram ‘aulas’ elementares que ensinavam as noções básicas de escrita, leitura e cálculo. Na maioria dos casos, eram instituídas por iniciativa das próprias comunidades.

Ainda de acordo com a autora, existiam as que funcionavam na zona urbana, geralmente instituídas pelas Sociedades de Mútuo Socorro e as rurais, criadas e mantidas pelas próprias famílias que, em função da “[...] inexistência de escolas públicas ou pela própria distância, escolhiam o professor entre os moradores, aquele que era um pouco mais instruído” (LUCHESI, 2007, p. 184).

De acordo com Kreutz (2000), o processo escolar étnico não constituiu uma ação comum entre todas as levas das distintas etnias. O autor ressalta que:

Os alemães, italianos, poloneses e japoneses, ao se estabelecerem em áreas rurais formando núcleos populacionais com características e estruturas marcantemente étnico-culturais, tiveram maior visibilidade enquanto imigrantes e promoveram as escolas elementares comunitárias. Estas escolas tinham uma conotação fortemente étnica e, com exceção das escolas japonesas, também uma conotação fortemente confessional cristã. Além destas escolas comunitárias, houve um número significativo de escolas particulares mantidas por congregações religiosas, masculinas e femininas, geralmente em área urbana, mantendo especificidades étnicas do país de origem da mantenedora. Os imigrantes também tiveram

escolas étnicas particulares laicas, em área urbana, mas em menor número que as anteriores. Diversas destas escolas particulares, tanto as de congregações religiosas como as laicas, tornaram-se conhecidas como centros de excelência no ensino de primeiro e segundo graus (KREUTZ, 2000, p. 159).

Sobre a abrangência das escolas étnicas italianas no Brasil, um anuário das escolas italianas no exterior, divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores da Itália apresenta uma relação estatística das escolas italianas em outros países. O Brasil é apresentado, em 1908, com 232 escolas e 13.656 alunos e, respectivamente, em 1911, com 303 e 16.295, em 1913, com 396 e 23.323, em 1924, com 329 e 18.940 e em 1930, com 167 e 13.821 (TRENTO, 1989). Percebe-se o auge das escolas em 1913 e o início do declínio em 1924. As regiões de maior incidência foram as de São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, como se observa na Tabela 1 que segue:

Tabela 1. Distribuição das escolas étnicas italianas nos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina e Rio de Janeiro.

País 1908 1911 1913 1924 1930 Brasil 232 303 396 329 167 Estado 1908 1911 1913 1924 1930 SP 115 122 187 87 56 RS 47 91 91 123 38 SC 33 33 60 83 56 RJ 3 7 7 4 2 Total 198 253 345 297 152 Fonte: Anuário das escolas italianas (governamentais e subsidiadas) no exterior divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores da Itália (TRENTO, 1989, p. 182)4.

Os dados acima apontam os três Estados nos quais houve uma grande concentração de escolas italianas, sendo que Santa Catarina, de 1908 a 1930, fica na posição de terceiro lugar em número de escolas italianas no Brasil5.

Um aspecto instigante para a investigação sobre a colonização italiana no Estado catarinense foi o investimento, em favor de escolas, por imigrantes que, em sua maioria, eram analfabetos. Nesse Estado, os números estatísticos referentes ao grau de instrução dos imigrantes italianos se modificavam significativamente, dependendo da região de proveniência (KREUTZ, 2000). O sul catarinense, especialmente Criciúma, Nova Veneza e Urussanga, aparece marcado pela colonização de imigrantes do norte da Itália, especialmente trentinos (PIAZZA, 1994). A região se torna um reduto de italianos, analfabetos em sua maioria (DE BONI, 1987), mas,

4Uma singularidade desses dados a ser ressaltada é o fato desse quadro estatístico não observar o percentual de escolas por número de habitantes, o que poderia modificar a classificação, haja vista os números populacionais analisados anteriormente, sendo que São Paulo e Rio Grande do Sul receberam um número bem maior de imigrantes em relação à Santa Catarina. 5Apesar de o estado do Rio de Janeiro não concentrar um número significativo de escolas, resolveu-se apresentá-lo pelo fato de ele ser mencionado no decorrer do texto.

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nessas colônias, percebeu-se que havia significativa preocupação para com a escola. A precariedade a que estava relegada à educação no Estado favoreceu as iniciativas comunitárias em vários setores da sociedade, inclusive no que se refere à escola. A instituição de escolas étnicas por imigrantes, orientadas e custeadas pelos países de origem, constitui uma das especificidades da história da educação brasileira. Essa realidade permaneceu desde o Brasil colônia até o governo monárquico, apresentando a mesma lacuna: o total descaso das autoridades governamentais para com a educação. Realidade que se tornou um grande desafio aos imigrantes em geral, inclusive aos que aportaram em Laguna com destino a Urussanga, em meados de 1880.

Otto (2003) classifica as redes escolares fundadas nos núcleos coloniais italianos em três modalidades: escolas particulares, escolas paroquiais e escolas Dante Alighieri. De acordo com a autora, as escolas particulares eram aquelas sob a regência de algum colono mais instruído, ou com alguma experiência escolar obtida na Itália, e funcionava, geralmente, na casa do professor ou em pequenas capelas; já as escolas paroquiais eram fundadas por iniciativa de algum padre e com o apoio de colonos; e as escolas italianas Danti Alighieri eram subsidiadas pelo governo italiano e pela associação com o mesmo nome. Portanto, no que se refere a esta última modalidade, a lacuna deixada pelo Estado brasileiro, favoreceu a inserção da Itália no que tange aos assuntos educacionais das colônias ítalo-brasileiras, assim como a constituição de parcerias educacionais entre Itália e Brasil, por meio do Consulado Italiano e associações como a Dante Alighieri.

As iniciativas educacionais nas antigas colônias situadas no sul de Santa Catarina iniciaram em fins do século XIX. A Itália acompanhava o desenvolvimento dessas escolas por meio do trabalho de seus cônsules, assim como por meio de agentes consulares6 e inspetores das escolas.

O primeiro Cônsul italiano que registrou visita ao sul catarinense foi Alberto Rotti. Em seu relatório, datado em 1885, encontram-se algumas referências a respeito da existência de escolas étnicas italianas nessa região. As comunidades pertencentes a Tubarão encontravam-se desprovidas de escolas, como em Treze de Maio, localidade em que a única escola particular existente havia sido fechada, já que o professor não era remunerado pelo Estado e nem pelos colonos. Em Armazém, a escola também estava

6Não encontrou-se uma definição precisa a respeito das funções do ‘agente consular’. Por meio das leituras realizadas para a construção desse trabalho, entende-se o agente consular como um funcionário do governo italiano, responsável por algumas tarefas designadas pelo estado italiano no Brasil.

desativada porque o professor só havia recebido quatro meses de trabalho do governo de Tubarão. Azambuja vivenciara a mesma realidade e o professor nomeado pelo município retirou-se da escola por falta de pagamento e, depois do acontecido, lecionava apenas aulas particulares noturnas (ROTTI, 1885 apud DALL’ALBA, 1983).

Urussanga tinha melhores condições educacionais e em 1884 sediava no centro da cidade duas escolas elementares, uma para meninos e outra para meninas, também prejudicadas com a subtração de uma instituição escolar. O mestre, que era remunerado pela prefeitura, havia pedido demissão7 e a mesma foi fechada, permanecendo apenas a escola masculina. No interior de Urussanga, havia escolas particulares8 mistas (meninos e meninas), paga pelos pais dos alunos em Rancho dos Bugres, Urussanga Baixa, Rio Carvão, Rio América, sendo que as escolas de Rio Maior, Rio Caeté haviam sido fechadas por falta dos mestres que ali anteriormente lecionavam (ROTTI, 1885 apud DALL’ALBA, 1983).

No centro de Criciúma, a escola foi fechada por uma mudança na administração da Prefeitura Municipal. Mas na comunidade de Rio Maina havia uma escola particular mantida pelos pais dos alunos. Em Nova Veneza, havia uma escola fundada pela Sociedade ‘Pátria e Trabalho’ que planejava construir outras escolas ‘nas diversas seções’9, inclusive no núcleo de Treviso. Para a execução do projeto, a Sociedade contava com a Companhia Metropolitana na provisão de um edifício para a escola e a mobília. Em Orleans não havia escolas (ROTTI, 1885 apud DALL’ALBA, 1983).

Pode-se observar que, em ocasião da visita do Cônsul Alberto Rotti, havia escolas particulares, públicas e as iniciadas por organizações sociais como as da Sociedade ‘Pátria e Trabalho’. Entretanto, eram fragilizadas, entre outros motivos, pela falta da remuneração dos mestres, o que reiterava as dificuldades enfrentadas pelas escolas para ter um funcionamento contínuo, gerando instabilidade.

Instabilidade das escolas étnicas italianas e as estratégias para sua manutenção

A instabilidade que atingia as escolas preocupava a população do sul catarinense, especialmente Urussanga que, em 1900, alcançara autonomia com a

7No documento encontra-se registrada a informação: ‘o professor havia dado demissões’. Infere-se que o termo ‘dado demissões’ corresponda ao pedido de demissão solicitado pelo professor. 8As escolas assim denominadas eram instituídas e mantidas pelas comunidades que assumiam suas despesas, geralmente por meio do pagamento de mensalidades. 9No documento (ROTTI apud DALL’ALBA, 1983, p. 34) encontra-se registrado o termo ‘diversas seções’, que aqui foi interpretado como diversas localidades.

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emancipação política de Tubarão. Assim, a jovem cidade passou a investir na organização das escolas italianas, como salienta Marzano (1985, p. 166): “[...] tendo nossos compatriotas melhorado francamente sua condição, sentiram sempre mais necessidade de instrução e emancipação”.

A precariedade da instrução no sul catarinense também passa a ser analisada, em meados 1900, pelo Cônsul Gherardo Pio de Savóia, segundo representante italiano a visitar as colônias. A partir da visita, o Cônsul preocupa-se com o efetivo desenvolvimento de uma rede de escolas italianas na região, deixando registrado, em seu relatório ao governo italiano, as lacunas da instrução pública e as reivindicações dos colonos a esse respeito. Savóia apontava a seguinte realidade:

Não há escolas entre os colonos. Na colônia de Nova Veneza existia uma escolinha subsidiada pelo governo local, mas depois veio a faltar o subsídio e foi fechada. Em Jordão, Criciúma, Treviso, Beluno, Rio dos Pinheiros, nem sombra de escola. Em Cocal, um tal Vendramino Landonatti, pago pelos pais de família, recolhe junto a si uma vintena de crianças de ambos os sexos, às quais ensina o português. Mas nem por isso o governo local contribui. Em Criciúma o governo municipal subsidiava uma escola, mas diz-se que o professor municipal não se mostrava muito diligente. Então os pais de família tomaram iniciativa e indicaram à competente autoridade um dos deles que tinham por capaz de instruir seus filhos. Mas a autoridade deu-lhe um professor alemão, ainda por cima protestante (SAVÓIA, 1900 apud MARZANO, 1985, p. 166).

O Cônsul Italiano Giuseppe Caruso Macdonald10 registrou em seu relatório que no sul do Estado catarinense, antes de 1901, a única escola que podia se vangloriar de diversos anos de existência era a escola de Rio Carvão, mantida pelo mestre Gregório Bosa, fundada em 1895, com a frequência muita escassa de 23 alunos no máximo (MACDONALD, 1991 apud DALL’ALBA, 1983, p. 173).

Pesciolini (1914) confirma que o trabalho de organização das escolas havia iniciado em 1901, por iniciativa do cônsul Gherardo Pio de Savóia e do pároco italiano Padre Luigi Marzano, que deixou suas experiências como pároco em Urussanga e inúmeras informações publicadas em seu livro Colonos e missionários nas florestas do Brasil. Nessa obra, Marzano (1985, p. 167) concorda com a descrição do cônsul acima apresentada,

10Giuseppe Caruso Macdonald foi um diplomata siciliano, possuía formação em direito. Foi o representante da Itália que mais tempo permaneceu em Urussanga. Exerceu os cargos de cônsul italiano, inspetor escolar, diretor das escolas italianas, secretário municipal do município de Urussanga, diretor do jornal ‘La Pátria’, entre outras funções.

salientando que “[...] não havia escolas, e onde havia, como em Urussanga, sobreviviam em meio a dificuldades”. O pedido de Savóia em favor da instrução no sul catarinense deu início ao investimento para a criação e manutenção de escolas. Como ele afirma, foram distribuídos:

Abundante material escolar e livros para os pais de família. Desde o dia 1º de janeiro de 1901, além dos livros mandou em dinheiro um subsídio que foi multiplicado em 1902. De fato, desde 1902 as escolas subsidiadas pelo governo da Itália são já em número de vinte e cada professor recebe a soma de vinte liras por mês (MARZANO, 1985, p. 167).

Um dos vestígios dessas escolas são os registros fotográficos como a Figura 1. Na Escola Italiana de Rio Carvão, localidade de Urussanga, foi registrada a imagem do professor com seus alunos acompanhados de outras autoridades escolares que provavelmente eram inspetores de ensino, talvez acompanhados de um cônsul, haja vista a fotografia ser, no início do século XX, um recurso para ocasiões especiais como no caso de uma visita ilustre.

Figura 1. Escola Italiana de Rio Carvão - Urussanga, início do século XX11. Fonte: Acervo do Museu Histórico Municipal de Urussanga [19??].

Quanto ao número de escolas localizadas no sul catarinense nos anos posteriores aos incentivos acima apontados, encontra-se um quadro publicado em um livro editado pelo Jornal Fanfulla, em 1909. Esse quadro faz referência às escolas existentes no Estado de Santa Catarina de 1893 a 1905 e apresenta 22 escolas italianas, como se pode analisar por meio da Tabela 2.

11Na bandeira branca ao fundo encontra-se a inscrição: ‘Escola Italiana de Rio Carvão’.

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Tabela 2. Distribuição das escolas no sul catarinense12.

Sede da escola Nome da escola13 N.º alunos Araranguá (Município) Criciúma Fermo Antea 47 Primeira Linha Lúcia Gregorini 42 Tubarão (Município) Azambuja Terenzinano Santi 56 Rio Cintra Gregório De-Fáveri 36 Rio das Furnas Ferdinando Fabre 39 S. Antônio de Rio dos Pinheiros Leopoldo Flannoff 28 Treze de maio Bartolo Raveane 52 Urussanga (Município) Belvedere *14 Giuseppe Maffioletti 74 Belvedere Giovanni Ferraro 38 Cocal Giuseppe Peruchi 42 Nova Beluno* Serafino Mezzari 97 Nova Treviso Davide Raspini 123 Rio América Giovanni Spriccigo 33 Rio Caeté Giovanni Zannata 44 Rio Carvão Gregório Bosa 38 Rio Galo Lorenzo Sacchet 46 Rio Maior* Ignazio Barzan 33 São Martinho* Giovanni Damian 72 Urussanga (vila)* Irmãs Apóstolas do

Sagrado Coração 98

Urussanga Baixa Pasquale Zaccaron 43 Jordão* Elisabetta Remor 63 Jordão (festiva) Apollonio Remor Dado não

apresentados Total 22 Escolas 1144 alunos Fonte: Rotellini (1909, p. 802, tradução nossa).

Como demonstrado na Tabela 2, das 22 escolas, 15 estavam localizadas em Urussanga, concentrando o maior número de alunos. Enquanto Araranguá e Tubarão apresentavam sete escolas frequentadas por 300 alunos, as 15 escolas de Urussanga atendiam 844 alunos. A proeminência de Urussanga neste cenário resultou na implantação de uma Inspetoria das Escolas Italianas.

A inspetoria das escolas étnicas italianas do sul do estado de Santa Catarina na cidade de Urussanga

Para a manutenção das escolas italianas, observou-se a partir de 1900, a implantação de uma política de distribuição de subsídios no sul catarinense, por parte do governo italiano, o que implicou na instalação de uma organização administrativa local. Inicialmente, as escolas contaram com o diretor Giuseppe Caruso Macdonald (MARZANO, 1985). Refinando a organização, o governo italiano instituiu uma Inspetoria e, com isso, Urussanga foi privilegiada com a instalação da ‘Inspetoria das escolas italianas do sul do Estado de Santa Catarina em Urussanga’15.

12Em seu relatório, em 1906, o Cônsul italiano Giuseppe Caruso Macdonald descreve um número menor de alunos nas escolas, porém, o mesmo salienta que as cifras correspondiam ao número de alunos presentes em ocasião da inspeção (MACDONALD apud DALL’ALBA, 1983, p. 173). 13Percebe-se que o nome da escola, na maioria dos casos, correspondia ao nome dos professores que lecionavam nelas. 14O símbolo asterisco representa a sinalização de que as escolas possuíam edifício próprio. 15A existência da Inspetoria das escolas italianas do sul do estado de Santa Catarina em Urussanga é confirmada por meio de um ofício direcionado pelo

Nesse momento, a cidade de Urussanga passou a ser o centro colonial, sede de uma Inspetoria de abrangência regional. Assim, foi designado um inspetor escolar que residiu no centro da colônia de Urussanga por alguns períodos, haja vista que os trabalhos na agência consular em Florianópolis implicavam na realização de constantes viagens, causando o afastamento da cidade (PESCIOLINI, 1914, tradução nossa). O inspetor exercia as funções de agente consular, de inspetor das escolas subsidiadas pelo governo italiano no sul do Estado, assim como de professor da escola de meninos da sede de Urussanga, como será analisado posteriormente. Cabia a ele “[...] propor as ajudas, assim como executar a distribuição dos livros e dos subsídios” (PESCIOLINI, 1914, p. 155, tradução nossa)16.

Como Urussanga passou a ser o centro colonial, no qual estava localizada a Inspetoria responsável pelas escolas italianas do sul do Estado catarinense, alcançou uma posição de privilégio, o que despertou o questionamento por parte de outros Estados ocupados por ítalo-brasileiros, como São Paulo e Rio de Janeiro. Nesses locais havia o entendimento de que Urussanga havia alcançado uma posição de privilégio em relação às outras cidades marcadas pela presença dos italianos e ítalo-brasileiros, como se pode analisar por meio de um comentário registrado em um livro editado pelo jornal Fanfulla de São Paulo:

A única vez que o Governo italiano tentou no Brasil a proteção eficaz de uma escola italiana, a fez na pequena cidade de Urussanga, no Estado de Santa Catarina, onde há uma colônia de apenas 2000 mil italianos, e não se limitou somente ao subsídio, mas nomeou um inspetor do governo com um salário anual de vários milhares de liras, que no Brasil valem pouco, mas que pesam no orçamento do Estado Italiano tanto quanto os honorários de um diretor de colégio ou de um professor universitário. Não é de lamentar que o subsídio dado a escola de Urussanga e nem as despesas de seu inspetor, o cercará que meritar-se de estar fazendo um pouco de bem, a ação do cônsul que a propôs no interesse exclusivo da colônia existente na sua jurisdição, mas vem espontaneamente uma pergunta a direção das escolas italianas no exterior. Qual o critério que guia a distribuição da soma consignada a escola? A importância política da localidade? A importância numérica e moral da colônia? (ROTELLINI, 1909, p. 798, tradução nossa)17.

inspetor escolar Luigi Peroni ao Professor Zaccaron e colonos de Urussanga Baixa. Urussanga, de 29 de abril de 1913 (ITÃLIA,1913, tradução nossa). 16“[...] proporre gli aiuti e la distribuzione di libri e sussidi.” 17“La sola volta Che il Governo italiano tento al Brasile la protezione efficace di uma scuole italiana, lo fece per la piccola cittadina de Urssanga, nello stato de Santa Catarina, dove vi è uma colonia di appena duemila italiani; e non si limitò al sussidio, soltando, ma crèo um ispetore, governativo con uno stipendio annuale di parecchie migliaia di lire, Che al Brasile valgono poço, ma che pesano nel Bilancio dello Stato italiano quanto gli onorari di un preside di liceo o di un professore universitário. Non è da lamentare nè il sussidio dato alla scuola di

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Observa-se que a existência de uma estrutura administrativa como a ‘Inspetoria das escolas italianas do sul do Estado de Santa Catarina em Urussanga’ ocasionou desconforto entre os ítalo-brasileiros dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, que deixaram impressa sua não compreensão do fato. Eles não entendiam os critérios estabelecidos pelas autoridades italianas que não desenvolveram essa iniciativa nos maiores centros do país. Essa ausência causava protestos, pelo fato de que em São Paulo estavam localizadas “[...] noventa escolas e quase dois milhões de italianos” (ROTELLINI, 1909, p. 798, tradução nossa). Com relação ao Rio de Janeiro, não se compreendia o fato de o governo italiano nunca ter

[...] sentido a necessidade de agregar ao consulado, não digo um inspetor, mas ao menos um conselheiro didático para servir de norma e de conselho aos professores privados do Rio de Janeiro, Capital da República, onde somos cerca de 40.000 italianos (ROTELLINI, 1909, p. 798, tradução nossa)18.

A indignação continua quando se salienta que “[...] o Rio de Janeiro não é mais pensado para fazer nada [...]”, salientando que: “[...] para o Ministério do Exterior da Itália, Urussanga é a capital moral do Brasil” (ROTELLINI, 1909, p. 798, tradução nossa)19. Essa afirmação registrada por Rotelline leva à reflexão de que houve uma inversão de status quo, deslocando o prestígio oferecido pela Itália aos Estados do Rio de janeiro e São Paulo para Urussanga. Analisando o relatório do Cônsul Gherardo Pio de Savóia de abril de 1902, encontra-se a seguinte afirmação:

Com meus relatórios ‘A agricultura, a Indústria e o Comércio no Estado de Santa Catarina’ e ‘Os Comércios italianos no Sul do Brasil’, publicado no Boletim do Ministério dos Negócios Estrangeiros (janeiro e abril de 1901), indiquei as medidas que o bom senso e o patriotismo me sugeriam para melhorar nossas transações com este país. Não mudei de opinião. Poderia corrigir muitos erros e detalhes em que incorri, ajuntar novos dados e novos argumentos e repetir as mesmas coisas com mais clareza e perspicácia, mas a substância ficaria a mesma. Desgraçadamente não é chegado ainda o

Urussanga, nè lo stipendio del suo ispetore, che cercherà naturalmente di meritarselo facendo un pó`di bene, nè l`azione del console che lo propose nell`interesse esclusivo delle colonie esistenti nella sua giurisdizione; ma viene spontanea alla mente una domanda alla direzione delle scuole italiane all` estero. Quale criterio vi guida nella distribuizone delle somme assegnate alle scuole? L´ importanza politica della localittà? L´importanza numérica e morale della colonia?” 18“[...] sentita la necessita di aggregare al Consolato nonchè un ispettore, nemmeno um consigliere didattico per servire di norma e di consiglio agli insegnant privati a Rio de Janeiro, Capitale della Repubblica, dove ci sono circa 40.000 italiani.” 19A Rio de Janeiro non si è mai pensato a far nulla e l´única volta Che La Legazione intervenne nella formazione del Centro di istruzione [...]. Sicchè per il Ministero degli Esteri d´Italia, Urussanga è la Capitale morale Del Brasile.

tempo em que seja lícito poder chamar a atenção do público italiano sobre os Estados do Sul do Brasil. Por ora, na Itália, o Brasil é São Paulo. Grave erro sabendo que no sul do Brasil existem 100 ou 200 mil italianos, talvez complexivamente, os mais tranqüilos e os mais felizes de todos os nossos patrícios residentes nesta República: sabendo que os Estados do sul são os mais saudáveis do Brasil e os mais avançados no caminho da civilização (SAVÓIA, 1902 apud DALL’ALBA, 1983, p. 138, grifos do autor).

A importância oferecida pelo Cônsul para com o Estado de Santa Catarina fica explícita em seu relatório. Pode-se pensar que sua busca de atenção das autoridades italianas para o sul do Brasil realmente tenha se efetivado, segundo os protestos dos ítalo-brasileiros de São Paulo e Rio de Janeiro, acima mencionados.

Ainda salientava-se que as escolas italianas de Urussanga representavam

[...] uma estatística de um concurso escolar sinceramente fantástico em que as proporções não são encontradas nem mesmo nos países mais desenvolvidos do mundo20 (ROTELLINI, 1909, p. 798, tradução nossa)21.

Assim, pode-se pensar que, apesar das fragilidades, as escolas do sul catarinense se destacaram, inclusive, em nível nacional, suscitando elogios.

Segundo as impressões de Pesciolini (1914), o sul catarinense, apesar de muito por fazer pela instrução, era a zona colonial italiana que havia providenciado uma instrução de base ‘prevalentemente italiana’. Nessa organização, destacava-se a Inspetoria. Além do inspetor escolar, o município de Urussanga e outras localidades contavam com a existência de uma Comissão Escolar, nomeada pelo Conselho Municipal22. Essa Comissão era constituída por representantes de diferentes setores da sociedade como eclesiástico, político, educacional, entre outros. Como parte de suas atribuições, observa-se a distribuição do subsídio, assim como dos livros provindos da Itália, entre os professores das escolas étnicas italianas. Mesmo com a nomeação da comissão escolar municipal, o Cônsul Macdonald deixou registrada a existência de comissões escolares de nomeação consular em Criciúma e Urussanga, com o objetivo de sugerir e propor “[...]

20Sobre o concurso ocorrido em Urussanga, encontrou-se a seguinte notícia: “[...] avisamos que no dia 24 do corrente mês serão realizados os exames de habilitação como professor de escola. O concurso é público e qualquer cidadão pode se apresentar. O exame se fará no dia acima citado às 2 horas da tarde”. Embasando-se nessa nota, pode-se inferir que havia um concurso público para a contratação de professores na cidade de Urussanga (LA COLONIA, 1909, p. 1, tradução nossa). 21[“...] delle statistiche di un concorso scolastico addirittura fantástico le cui proporzione non si sono verificate nemmeno nei paesi più progretiti del mondo.” 22O Conselho Municipal atualmente é denominado ‘Câmara de Vereadores’.

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todas as medidas necessárias ao bom andamento da instrução pública [...]” (MACDONALD, 1902 apud DALL’ALBA, 1983, p. 174), garantindo de algum modo a manutenção das escolas.

Manutenção das escolas étnicas italianas em Urussanga: a parceria entre governo italiano, poder público e colonos

Em 1910, o jornal La Colonia (AVVISO, 1910, tradução nossa) publicava uma solicitação dirigida a todos os professores que se apresentassem ao tesoureiro da Comissão Escolar de Urussanga, padre Luigi Gilli, a fim de receber os subsídios do segundo semestre do ano de 1908-1909. Essa nota do jornal ratifica o entendimento de que a distribuição do subsídio era feita a partir da divisão de um subsídio total entre os representantes das escolas, nesse caso, os professores. Essa política ocasionava uma distribuição razoavelmente igualitária, auxiliando, ainda que minimamente, um número maior de escolas.

A política de subsídio italiano, também adotada pela municipalidade urussanguense, esteve presente em outras regiões do país, entre elas, São Paulo e Rio de Janeiro. Porém, nesses Estados, considerava-se o método de distribuição italiano “[...] humilhante e improfícuo” (ROTELLINI, 1909, p. 798, tradução nossa)23. No sul catarinense não há indícios de descontentamento com relação à política de distribuição do subsídio. Pelo contrário, por meio dessa distribuição foi desenvolvida uma rede escolar italiana. No entanto, observou-se que além das intervenções das autoridades italianas em favor da organização das escolas, o poder público também contribuía para com o ensino particular. A atitude do governo municipal em investir em escolas particulares seria um cuidado para com a iniciativa particular, que não receberia concorrência, bem como uma economia aos cofres públicos municipais, que passariam a contar com uma estrutura escolar já preparada.

Em 1902, a receita do município de Urussanga girava em torno de sete contos e oitocentos e noventa e três mil réis. Entre as despesas, dois contos de réis eram direcionados a subvencionar 10 escolas de iniciativa privada. A mesma era dividida entre as escolas, sendo que cada uma recebia 20 mil réis mensais entre os meses de janeiro a outubro. Uma das exigências para as escolas receberem essa verba municipal era que trinta pais, no mínimo, apresentassem um requerimento sinalizando o lugar de funcionamento da escola, no caso de esta já existir. Em caso de abertura de uma escola, os pais apresentariam, ao superintendente municipal, o

23“[...] una specie di distribuzione umiliante e improfícua”.

prédio que abrigaria a futura escola. Outra condição imposta à comunidade escolar era que providenciasse bancos para no mínimo 30 crianças e material escolar. Além das solicitações apontadas, somava-se a indicação de um mestre para ministrar as aulas (CÂMARA DE VEREADORES DE URUSSANGA, 1901).

Cumpridas as especificações acima, as escolas passavam a funcionar, com o ano letivo iniciando em janeiro e terminando em outubro, com uma carga horária de 24 horas semanais, incluindo sábados e feriados. A frequência na escola era obrigatória para crianças de 7 a 14 anos que morassem num raio de 4 km da escola. Para que essa lei fosse cumprida cabia ao professor construir um quadro estatístico do número de crianças dessa faixa etária que residiam próximos da escola. A multa para os pais que não cumprissem a lei seria de cinco mil réis e dez mil réis em caso de verificação da negligência. A mesma multa seria aplicada aos pais que tivessem filhos com três faltas injustificadas (CÂMARA DE VEREADORES DE URUSSANGA, 1901).

Os pais também eram responsáveis pelo pagamento do professor e, nas escolas com mais de 30 alunos, despendiam os valores de oitocentos réis por um aluno ou aluna, um mil e duzentos réis por dois e um mil e setecentos réis por três. Quando a família apresentava mais de três filhos ou filhas para matricular, os pais pagavam 500 réis por cada um. No caso de escolas com um menor índice de alunos os valores eram de mil réis, mil e quintentos réis e dois mil réis, respectivamente; quando o número de filhos ou filhas fosse superior a três, a taxa seria de 800 réis por aluno (CÂMARA DE VEREADORES DE URUSSANGA, 1901).

Assim, percebe-se que, além da verba do poder público municipal brasileiro e do subsídio italiano, havia também a participação da comunidade para que o funcionamento das escolas se efetivasse. Em 1909, o jornal La Colonia (1909, p. 2, tradução nossa) exibia uma nota denominada “Dinheiro ofertado à escola de Urussanga [...]”24, na qual ficaram registrados os nomes de oitos pessoas e suas respectivas doações, que somavam um total de setenta e sete mil e quinhentos réis. Essa nota representa um indício de que as contribuições em favor das escolas poderiam tornar-se atos de distinção entre os ítalo-brasileiros. Entre os doadores estavam os representantes das famílias de maior poder aquisitivo e influência política da cidade de Urussanga.

Vários segmentos da sociedade ofereciam subsídios para a manutenção das escolas, mas para que o seu funcionamento fosse financiado pela

24“Denaro ofertto alla scuola di Urussanga”.

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municipalidade urussanguense, somavam-se requisitos como a obrigatoriedade do ensino em língua vernácula. Para tanto, o poder municipal se comprometia a “[...] solicitar a Diretoria da Instrução Pública livros, papel, tintas e mais objetos escolásticos que julgar necessário [...]” (CÂMARA DE VEREADORES DE URUSSANGA, 1901, p. 10). Com isso, pode-se inferir que, em certa medida, também havia a participação do Estado nas escolas italianas.

Mesmo com toda a atenção dirigida às escolas por parte das autoridades brasileiras e italianas, com os investimentos municipais, estaduais, italianos e dos próprios pais, uma das problemáticas mais destacadas no decorrer dos anos subsequentes a 1901 continuava sendo a fragilidade no que se refere às verbas para a manutenção das escolas e a remuneração dos mestres. As lacunas monetárias cerceavam tanto o âmbito de responsabilidades brasileiras quanto italianas. Desta forma, os investimentos do governo brasileiro e italiano em favor das escolas e dos mestres não foram constantes. Em 1903, o presidente do Conselho Municipal reclamava ao superintendente Jacinto de Brida o fato de o mesmo ter suspendido a verba das escolas sem o consentimento do Conselho. O superintendente se justificou, enfatizando a impossibilidade de pagar os três meses findos, acrescentando que não achava “[...] conveniente que fosse empregado o resto do caixa nesta despesa [...]” (CÂMARA DE VEREADORES DE URUSSANGA, 1903, p. 44-45). Mesmo em meio a algumas controvérsias, a subvenção oferecida às escolas pelo governo municipal continuava.

Os relatórios aos governadores do Estado de Santa Catarina, de 1916, apontam alguns dados dos anos antecedentes. O documento demonstra várias características dos municípios catarinenses como receita, despesa, investimentos, dívidas, entre outros. Um dado que chama a atenção é o demonstrativo que trata sobre o investimento dos municípios na educação.

Os municípios apontados no relatório que se destacaram no quesito ‘Despesas com a Instrução’ foram Urussanga com 34,3%; Lages com 20,4%; Nova Trento 12,3%; Palhoça 12%; e Itajaí com 10,4% (SANTA CATARINA, 1916). Percebe-se que de uma classificação composta por cinco lugares, aparecem dois municípios de colonização italiana, sendo que Urussanga se destacou com o primeiro lugar e com um percentual significativo em relação ao segundo colocado.

Em 1915, a cidade de Araranguá possuía 03 escolas e 53 alunos, Urussanga 18 escolas e 646 alunos, Orleans 2 escolas e 60 alunos, Tubarão 2 escolas e 213 alunos. Destarte, o sul catarinense

possuía um total de 25 escolas italianas e 972 alunos (SANTA CATARINA, 1916). Todavia, não se pode entender as escolas étnicas italianas como um corpo homogêneo. Essas escolas possuíam especificidades. Analisando o investimento dispensado às escolas italianas e aos mestres, em diferentes tempos, observa-se uma dessas peculiaridades: as distinções entre os salários dos professores e os subsídios diferenciados.

Subsídios diferenciados: quais os critérios de distribuição?

Em 1911, o Superintendente Municipal de Urussanga estava autorizado a pagar durante o ano letivo de 1912 os professores das escolas subvencionadas por meio da verba ‘subvenção às escolas’. O pagamento era mensal e direcionado somente aos professores que lecionassem regularmente. Porém, os honorários dos professores modificavam-se, consideravelmente, segundo o local em que atuavam. A escola de maior remuneração era a das Irmãs Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus, localizada na sede de Urussanga, na qual o professor recebia 50$000. A escola que atendia alunos do sexo masculino também localizada na sede, ficava com a segunda maior remuneração, nela o professor que era o próprio inspetor de ensino25 e recebia 40$000. Já nas instituições das zonas periféricas, como Linha Torrens, Cocal, Rio Comprudente, Urussanga Baixa, Rio Caeté, Nova Beluno, Jordão, Nova Treviso (sede), Nova Treviso (Rio Pio), Rio Maior, Rio do Carvão, Rio da Pedra, Belvedere e São Martinho, os professores recebiam 20$000 (CÂMARA DE VEREADORES DE URUSSANGA URUSSANGA, 1911)26.

Os subsídios também eram diferenciados. Em 1909, as escolas eram assim subsidiadas: Escola do Rio Maior: 34$000; Urussanga Baixa: 34$000; Belvedere: 10$000; Nova Treviso: 34$000; Jordão: 10$000; Nova Beluno: 10$000; Rio Caeté: 10$000; Cocal: 10$000; Polaca: 20$000; Rio Carvão: 34$000; São Martinho: 34$000; Rio América: 34$000; Rio Comprundente: 34$000; Rio Galo: 34$000. Na vila de Urussanga havia quatro escolas que recebiam 20$000, acumulando o valor de 80$000, entre elas, estavam a escola de meninas e meninos, gerenciada pelas freiras e pelo inspetor de ensino, respectivamente, que acumulava a fatia de 40$000 (CÂMARA DE VEREADORES DE URUSSANGA, 1909).

Não se encontrou informações concretas sobre os critérios utilizados para a distribuição dos 25Sobre essa informação ver também Pesciolini (1914, p. 129, tradução nossa). 26Sobre essa informação ver também edital da Administração Municipal de Urussanga (1911).

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diferentes valores. Um deles poderia ser a quantidade de alunos atendidos. É possível perceber que algumas das escolas que recebiam maior subsídio eram as mais antigas. Além das distinções entre as escolas, em relação aos subsídios e à remuneração dos professores, outra singularidade manifesta-se por meio de uma educação elitista, comandada, especialmente, pelas Irmãs Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus e alguns párocos. Nesse perfil, também se observou a escola dirigida aos meninos, que estava sob a responsabilidade do inspetor de ensino. Nesse sentido, a realidade das escolas dos centros coloniais contrastava com a realidade das escolas localizadas nas zonas periféricas. Pesciolini (1914), ao referir-se ao Instituto dirigido pelas Irmãs de Urussanga, coloca-o como o melhor educandário da região, também por ser o único a oferecer o ensino elementar superior.

Na sede de Urussanga [...] encontrei um Instituto Italiano, modestamente subsidiado, dirigido pelas Irmãs [...] do Sagrado Coração de Jesus e é esta a melhor escola de toda a zona colonial. Também há uma sessão de classe elementar superior, frequentada pelas pequenas damas; o número total de alunas é cerca de uma centena (PESCIOLINI, 1914, p. 129, tradução nossa)27.

Além do Instituto das irmãs, Urussanga contava com um ‘mestre agente’, ou ‘professor agente’, termo que se refere a um professor enviado, que residia em Urussanga por alguns períodos, custeado pelo governo italiano. Exercia as funções de agente consular e de inspetor das escolas subsidiadas pelo governo italiano no Estado, como mencionado anteriormente.

Em ocasião de sua permanência em Urussanga, o professor inspecionava as escolas, assim como lecionava na escola dos meninos, que, dirigida pelas freiras, passava a ser regida por ele quando de sua estada na cidade. Nesses momentos, as irmãs se preocupavam somente com o ensino das meninas (PESCIOLINI, 1914). Porém, o acúmulo de funções sobre o mestre agente prejudicava a escola dos meninos. Como Urussanga era distante da Real Agência Consular28, localizada em Florianópolis, a função de professor ficava prejudicada, assim as aulas estavam sujeitas a muitas interrupções, não tendo continuidade. Esta situação obrigava as freiras “[...] ora a manter, ora a cortar a seção masculina” (PESCIOLINI, 1914, p. 130, tradução nossa)29. 27“Nella sede di Urussanga [...]. Vi è purê un Istituto italiano, modestamente sussidiato, tenuto dalle Suore Zelatrice del S. Cuore ed è questa la scuola miglioredi tutta la zona coloniale: havvi anche una sezione di classi elementari superiori, frequentata da fanciulle; il numero totale degli alunni è circa um centinaio.” 28Atualmente denomina-se Consulado Italiano em Florianópolis. 29“[...] ora a mettere, ora a togliere la sezione maschile.”

As demais escolas da região do sul catarinense

Há indícios de que em Criciúma também havia uma escola dirigida pelas Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus. O ‘Colégio São José’, como era denominado, tinha a missão de “[...] instruir e educar a mocidade de Criciúma e distritos vizinhos [...]” (NOTICIARIO, 1909, p. 1). Essa escola atendia meninos menores de 14 anos. Já o público feminino era mais amplo30, sendo que se aceitava desde crianças de 4 anos de idade, até moças de 20 anos (NOTICIARIO, 1909). A instituição educacional, situada na praça central da cidade31, possuía um prédio com “[...] dois salões, quatro quartos para dormitórios, sala de recepção, um refeitório, área para recreio, jardim, entre outros ambientes [...]”. Em 1909 havia 140 alunos matriculados, entre eles, “[...] cinco internas, sendo uma delas da cidade de Araranguá [...]” (NOTICIARIO, 1909, p. 1).

Entre os vestígios encontrados que indicam que esse estabelecimento foi voltado à elite local, destaca-se o currículo. Enquanto as escolinhas italianas se preocupavam com o ensino das primeiras letras, o Colégio São José ministrava “[...] modos de se apresentar e de comportar-se na sociedade e nas horas livres [...]” (NOTICIARIO, 1909, p. 4). O colégio também oferecia o ensino das línguas portuguesa e italiana, educação cívica, ginástica, exercícios na agricultura, higiene e economia doméstica, ensino de costura e outros trabalhos mais ligados ao cotidiano feminino (NOTICIARIO, 1909).

Sem essas escolas, especialmente dirigidas às elites, as populações de Criciúma e Urussanga poderiam optar pelas poucas escolas públicas ou escolinhas. Criciúma, onde havia apenas duas escolas subsidiadas pelo Consulado Italiano, passa a ter apenas uma32. Destarte, as escolas italianas eram desejadas em muitas localidades, como por exemplo, no Rio Maina, São Donato, na Primeira Linha (PESCIOLINI, 1914, tradução nossa). Em outros lugares, encontravam-se escolas organizadas e mantidas pelas comunidades, como as de Morro Estevão (RABELO, 2003) e Terceira Linha, que precisavam de subsídios (PESCIOLINI, 1914, tradução nossa). A existência de outras instituições organizadas pelos moradores das comunidades interioranas, estabelecidas com dificuldades, eram experiências educacionais precárias. Sobre elas,

30Mesmo que na escola das Irmãs Apóstolas fosse ministrado o ensino a meninos e meninas, optou-se pelo termo feminino “alunas” quando refere-se ao total de alunas e alunos. Essa opção fundamenta-se no fato de essas escolas serem dirigidas, especialmente, ao público feminino. 31A praça hoje denomina-se “Nereu Ramos”. 32Mesmo não desconhecendo a existência de escolas públicas nessa região, esse trabalho limita-se a analisar as escolas italianas.

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Pesciolini (1914, p. 138, tradução nossa)33 constata: “[...] dão um resultado escasso, tendo vida breve e interrompida”.

Observaram-se também casos específicos, como a colônia de Nova Veneza que possuía uma escola gerenciada por representantes religiosos, na qual o pároco assumia a função de professor, ensinando as crianças (PESCIOLINI, 1914, tradução nossa). Provavelmente, Pesciolini se referia a Miguel Giacca, pároco que chegou em 1909 na localidade. A partir de então, passou a lecionar em uma casa de madeira ao lado da Igreja Matriz (BORTOLOTTO, 1992). Além dessa, havia escolas nos núcleos de Belvedere, Nova Treviso, Jordão, São Martinho, Nova Beluno, todas ensinando em italiano e sendo subsidiadas pelo Consulado Italiano. Eram frequentadas, em média, por 30 a 35 alunos. Havia significativas dificuldades de acesso às mesmas, devido às grandes distâncias das residências dos colonos (PESCIOLINI, 1914, tradução nossa).

Em Araranguá, segundo Pesciolini (1914), localidade muito pobre de população em sua maioria brasileira, não é registrada a presença de escolas subsidiadas pelo Consulado Italiano até meados de 1913 (PESCIOLINI, 1914, tradução nossa). A partir dessa data, instalaram-se três escolas italianas na localidade (SANTA CATARINA, 1916). Orleans, constituída, inicialmente, por italianos, alemães, russos e brasileiros apresenta-se como uma área de colonização mais heterogênea. Os italianos estavam dispostos, especialmente, em três linhas, denominadas Rio dos Pinheiros, Rio das Furnas e Barracão. Em cada uma delas havia uma escola italiana, com cerca de 30 alunos, cujo pequeno subsídio do Consulado Italiano apresentava-se por meio de dinheiro e livros (PESCIOLINI, 1914, tradução nossa).

Considerações finais

Sobre as escolas étnicas italianas do sul catarinense fica evidente que Urussanga estabeleceu papel central na organização das mesmas, especialmente por meio da ‘Inspetoria’, até meados da década de 1920, quando Cesare Tibaldeschi chega à Nova Veneza e assume a inspeção escolar. Assim, a educação em Urussanga recebeu uma considerável atenção da Itália, causando protestos entre os ítalo-brasileiros instalados em centros maiores como São Paulo e Rio de Janeiro. Pensa-se também ser pertinente ressaltar o destaque que recebeu a educação municipal em meio a uma comunidade composta, em sua maioria, de analfabetos. Ratificando o destaque dedicado à educação, não se

33“[...] danno risultato scarso e hanno vita breve ed interrotta.”

pretende desconsiderar todas as necessidades e precariedades que envolveram a prática educativa nessas áreas, bem como as ausências dos alunos que se dividiam entre a escola e o trabalho, dispondo de tempo limitado para nela permanecerem. Porém, há que se considerar a educação dentro de um contexto nacional, no qual as políticas para esta área eram escassas.

A educação escolar também foi perpassada pela ‘distinção’. O ensino dirigido aos colonos mais favorecidos economicamente era diferenciado. Nas sedes dos núcleos coloniais, como Urussanga, Criciúma e Nova Veneza, existiam escolas dirigidas por religiosos, como as Irmãs Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus e alguns padres. Nas zonas periféricas, observou-se a instalação das ‘escolinhas’, geralmente resultado de iniciativas comunitárias, por meio das quais se buscava a pessoa mais instruída das redondezas para que lecionasse. Em muitos casos, o professor ensinava em sua própria casa ou na igreja, sendo que seu vencimento poderia ser pago em moeda corrente, alimentos, ou ainda por meio da prestação de algum trabalho. Essas escolas comunitárias, nas quais prevalecia o ensino em italiano, eram visitadas por autoridades provindas da Itália. O governo italiano enviava responsáveis por fazer mapeamentos das experiências educacionais privadas, que na maioria das vezes passavam a ser subsidiadas com dinheiro e livros. O Estado brasileiro também se fazia presente por meio de verbas dos governos municipais e estadual.

As escolas étnicas italianas oferecidas às elites contavam com um corpo profissional qualificado e estabeleciam taxas escolares mais altas. Essas iniciativas também eram subsidiadas pelos governos italiano e brasileiro. Essa relação se estabelecia com privilégios e alguns conflitos. Também se observou que as escolas étnicas italianas analisadas, em geral, possuíam uma organização que evidenciava a observação das diretrizes estabelecidas pela Sociedade Dante Alighieri. Alguns vestígios, como as festas de premiações e os livros oferecidos por essa Sociedade, aparecem em muitas escolas. Outro indício da intervenção da Sociedade foi a existência de um presidente da Dante Alighieri em Urussanga. Essa relação mostra, mais uma vez, que a Itália esteve presente nas comunidades ítalo-brasileiras.

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Escolas étnicas italianas no século XX 77

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