Escolha, Custo de Oportunidade e Trocas (1)[1]

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1 Bruno Pereira Rezende, Flávio Rabelo Versiani, Patrícia Costa Rodrigues Vimos que a escolha é um componente fundamental das decisões dos agentes econômicos, e estudamos nesse contexto, a noção de custo de oportunidade. Vamos neste texto explorar essas idéias, e falar de trocas, um elemento básico da vida econômica. Antes, porém, será útil apresentar algumas definições de termos que usaremos com frequência. ALGUNS NOVOS CONCEITOS Cœteris paribus . Podemos começar chamando atenção para uma expressão comumente usada em textos de Economia: cœteris paribus (em latim) ou, em português, “tudo o mais constante”. É empregada para indicar que, num dado raciocínio, tomam-se como constantes todas as variáveis que poderiam ter influência no fenômeno em análise com exceção da variável em consideração. Quando se afirma, por exemplo, que “se a demanda é inelástica, uma redução na quantidade ofertada aumenta a receita do monopolista, tudo o mais constante ” (uma afirmativa cujo sentido ficará claro mais tarde), a idéia é examinar apenas o efeito da redução de oferta, abstraindo de outras causas de variação na receita. Tipos de Bens . Em Economia, o conceito de “bem” se refere a tudo aquilo que contribui para a satisfação direta ou indireta dos desejos e necessidades humanos. Às vezes a palavra é usada num sentido restrito, referindo-se apenas a coisas tangíveis, que têm existência física (mercadorias), em distinção a “serviços” (transporte, atividades de profissionais liberais, etc.). Quando estudamos as transações externas de um país, por exemplo, falamos em “exportação de bens e serviços”. Outras vezes é usada em sentido lato, abrangendo tanto mercadorias como serviços. ESCOLHA, CUSTO DE OPORTUNIDADE E TROCAS

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EconomiaMercadoCusto benificioCusto de oportunidadeEscolha do consumidorGosto

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    Bruno Pereira Rezende, Flvio Rabelo Versiani, Patrcia Costa Rodrigues

    Vimos que a escolha um componente fundamental das decises dos agentes econmicos,

    e estudamos nesse contexto, a noo de custo de oportunidade. Vamos neste texto explorar essas

    idias, e falar de trocas, um elemento bsico da vida econmica.

    Antes, porm, ser til apresentar algumas definies de termos que usaremos com

    frequncia.

    ALGUNS NOVOS CONCEITOS

    Cteris paribus. Podemos comear chamando ateno para uma expresso comumente

    usada em textos de Economia: cteris paribus (em latim) ou, em portugus, tudo o mais

    constante. empregada para indicar que, num dado raciocnio, tomam-se como constantes todas

    as variveis que poderiam ter influncia no fenmeno em anlise com exceo da varivel em

    considerao. Quando se afirma, por exemplo, que se a demanda inelstica, uma reduo na

    quantidade ofertada aumenta a receita do monopolista, tudo o mais constante (uma afirmativa

    cujo sentido ficar claro mais tarde), a idia examinar apenas o efeito da reduo de oferta,

    abstraindo de outras causas de variao na receita.

    Tipos de Bens. Em Economia, o conceito de bem se refere a tudo aquilo que contribui

    para a satisfao direta ou indireta dos desejos e necessidades humanos. s vezes a palavra

    usada num sentido restrito, referindo-se apenas a coisas tangveis, que tm existncia fsica

    (mercadorias), em distino a servios (transporte, atividades de profissionais liberais, etc.).

    Quando estudamos as transaes externas de um pas, por exemplo, falamos em exportao de

    bens e servios. Outras vezes usada em sentido lato, abrangendo tanto mercadorias como

    servios.

    ESCOLHA, CUSTO DE OPORTUNIDADE E TROCAS

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    Nesse sentido mais amplo, os bens costumam ser classificados segundo critrios de

    disponibilidade, forma de utilizao e uso. importante ter em mente que tais classificaes no

    dependem de caractersticas intrnsecas do bem, mas da forma e circunstncias em que

    utilizado. O mesmo bem pode ser utilizado com bem de consumo e bem de capital, por exemplo.

    Veja o quadro a seguir.

    bens livres

    bens

    econmicos

    bens intermedirios

    bens finais

    bens de capital

    bens de

    consumo

    carter naturezafuno

    bens no-escassosdisponveis suficientemente

    para satisfazer todos os desejos

    bens escassoscuja obteno implica

    sempre um custo

    Exemplos: Ar, luz do sol

    bens que iro compr ouse transformar em outros bens

    bens que no sofreromais nenhum processo de

    transformao ou de agregaode valor

    apesar de no se transformarem mais em outros bens, os bens de

    capital iro participar doprocesso de produo de

    novos bens

    bens capazes de satisfazerimediatamente as

    necessidades das pessoasExemplo: Um MP3 player

    Exemplo: Cristal utilizado

    para a tela do MP3 player

    Exemplo: O mesmo MP3 player

    Exemplo: Mquina de montar as

    telas de cristal lquido do MP3

    Exemplo: Pra variar, MP3 player

    Segundo a disponibilidade, os bens podem ser livres ou econmicos. Livres so aqueles

    cuja quantidade suficiente para satisfazer a todos os indivduos, estando disponveis sem

    restrio. Exemplos comuns so o ar que respiramos (quando de fato disponvel, sem poluio), a

    luz do sol etc. Os bens econmicos, nosso objeto de maior interesse aqui, caracterizam-se por

    serem escassos, e portanto temos que pagar para obt-los, tm um preo no mercado. O ar numa

    mina subterrnea um bem econmico, e no um bem livre: h custos para torn-lo disponvel.

    Numa sociedade primitiva, como a dos nossos ndios antes de Cabral, os bens eram em geral

    livres. Com o avano da civilizao, h cada vez menos bens livres.

    J segundo sua forma de utilizao, os bens econmicos podem se classificar em bens

    intermedirios e bens finais. Os bens intermedirios so aqueles que ainda sofrero

    transformaes para ento se tornarem disponveis para o uso (ou seja, deixando de ser algo para

    se tornar uma coisa diferente). Como exemplo, temos o cristal lquido que ser utilizado na tela do

    MP3 player. Ou o ao que matria-prima de motores de automvel. So bens intermedirios

    porque ainda iro sofrer transformaes, sendo incorporados em outros bens, para ento se

    tornarem aptos ao uso (num MP3 player completo, num automvel). Os bens finais, por sua vez,

    esto prontos para o uso ou consumo. Nos exemplos, seriam os MP3 players, ou os automveis

    Exemplo: MP3 Player utilizado

    por uma revista musical

    MP3 Player utilizado por um

    universitrio comum

    disponibilidade forma de utilizao

    uso

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    Por fim, segundo seu uso, os bens finais dividem-se entre bens de capital e bens de

    consumo. Os bens de capital so aqueles que no atendem diretamente s nossas necessidades,

    sendo utilizados na produo de outros bens ou servios. Convm ressaltar que o que difere os

    bens de capital dos bens intermedirios que os bens de capital no sofrem transformao no

    processo produtivo. Uma mquina de uma fbrica montadora de automveis um bem final

    porque no sofrer mais transformaes para sua composio, j est pronta para o uso.

    Um automvel ser um bem de consumo se utilizado por particulares, e um bem de capital

    se for parte de uma frota de txis. Da mesma forma, o MP3 player um bem de consumo quando

    usado apenas para se ouvir msica por diverso, mas ser um bem de capital se utilizado por uma

    revista especializada em crtica musical, por exemplo, pois nesse caso fator de produo de um

    servio (crticas musicais).

    Os bens de consumo podem tambm ser classificados em durveis e no-durveis. Os

    bens de consumo durveis so aqueles que produzem servios ou tm utilidade por um perodo

    de tempo, como geladeiras, mquinas de lavar, automveis. Os no-durveis so inteiramente

    usados no ato de consumo, como, tipicamente, alimentos. Roupas e sapatos, embora possam

    durar vrios anos, no so classificados como bens durveis (s vezes so referidos como

    semidurveis). Notar que casas no so bens de consumo durvel: gastos com a aquisio de

    moradias no so considerados gastos de consumo, mas sim gastos de investimento das famlias

    (como veremos quando estudarmos Contabilidade Nacional).

    Eficincia econmica. A idia de eficincia, em Economia, tem a ver com a obteno do

    mximo possvel, com os recursos disponveis; ou a obteno de certo resultado com o mnimo

    possvel de recursos. No lado do consumo, se se considera a escolha de um consumidor entre

    vrios bens, dada a soma de dinheiro disponvel, a escolha ser eficiente se s for possvel

    consumir mais de um bem, se se diminuir o consumo de outros. Um empresrio, dispondo de um

    dado conjunto de fatores de produo, e contemplando a produo de dois bens, estar alocando

    eficientemente os fatores de produo se o aumento de produo de um dos bens acarretar

    necessariamente uma reduo na produo do outro bem. No lado da distribuio (de bens, ou de

    renda) entre vrios agentes, a alocao ser eficiente se s for possvel melhorar a condio de um

    agente, em temos de bens ou de renda, piorando a condio de outros. Esse conceito de eficincia

    costuma ser associado ao nome de Pareto, um economista italiano; uma alocao eficiente

    chamada de um timo de Pareto.

  • 4

    Eficincia x Equidade. Em certas circunstncias, pode haver um conflito entre eficincia

    econmica e equidade distributiva; fala-se, nesses casos, num trade-off entre eficincia e

    equidade. Por exemplo: o lanamento de impostos progressivos (os mais ricos pagando

    proporcionalmente mais de sua renda) um princpio de equidade; mas esses impostos podem ter

    efeito negativo sobre os incentivos para o investimento, e causar outras distores, impedindo a

    alocao eficiente de recursos e reduzindo a produo. Sob certas condies, pode-se mostrar que

    uma economia de mercado tende a situaes de eficincia econmica; mas no de igualdade

    distributiva. Se a sociedade julga desejvel que haja certo nvel de igualdade, sero necessrias

    medidas de interveno como os impostos progressivos que muitas vezes se contrapem

    eficincia alocativa. A escolha, pela sociedade, de uma combinao julgada adequada de eficincia

    econmica e equidade tpico estudado na chamada Economia do Bem-Estar, um ramo da teoria

    econmica.

    Fatores de produo. Os fatores de produo (ou recursos produtivos) so os elementos

    bsicos utilizados na produo de bens e servios, comumente reunidos em trs grandes

    categorias: terra, capital e trabalho. Terra refere-se no apenas s terras em que se pode

    cultivar, construir imveis etc., mas tambm aos recursos naturais disponveis, como minrios, ou

    gua. Capital compreende os recursos produzidos pelo homem e destinados produo de

    outros bens: mquinas, equipamentos e edifcios1. Por fim, trabalho refere-se ao conjunto de

    servios humanos empregados na produo.

    ESCOLHA NO CONSUMO: A LINHA DE POSSIBILIDADES DE CONSUMO (LPC)

    Tendo em mente a escassez e as escolhas a que os agentes so submetidos e sabendo

    tambm que os mesmos agem sob a maximizao dos ganhos, podemos agora fazer uma anlise

    inicial do comportamento do consumidor em uma economia simplificada.

    Para ilustrar esse comportamento, traa-se a Linha de Possibilidades de Consumo (LPC) de

    um dado consumidor, com dois produtos que podem ser consumidos por ele. Num eixo esto

    determinadas as quantidades possveis de um produto, e no outro eixo as quantidades de outro

    produto. A LPC a reta que liga os dois eixos, mostrando as combinaes possveis dos dois

    produtos de acordo com a renda disponvel. Ela tambm chamada de curva de restrio

    1 Nesse sentido, capital um conjunto de bens de capital; costuma-se falar, nesse contexto, em capital fsico. Em

    outro sentido, capital um conjunto de recursos financeiros aplicado a determinado fim, ou disponvel para isso. O

    capital de uma empresa so os recursos financeiros nela aplicados por seus scios ou acionistas.

  • 5

    oramentria, justamente porque representa a restrio imposta pela quantidade de dinheiro

    disponvel (oramento) para sua alocao entre a compra de dois bens distintos.

    Tomemos Joo como exemplo. Digamos que Joo tenha disponvel para alimentao,

    mensalmente, a quantia de R$150,00. Com esse dinheiro, pode escolher entre duas alternativas,

    ou uma combinao delas: comer no Restaurante Universitrio (RU), por R$2,50, ou comer em

    uma rede de fast-food, por R$12,50. Sabendo esses dados, e sabendo que toda essa renda (R$150)

    destinada alimentao de Joo, podemos traar sua a LPC.

    O ponto A aquele em que Joo escolhe

    gastar seus R$ 150,00 somente em fast-food,

    indo 12 vezes ao mesmo e 0 vezes ao RU

    (R$150/R$12,50 = 12). O ponto E o oposto, em

    que Joo gasta tudo no RU, 60 vezes, e 0 vezes

    em fast-food (R$150/R$2,50 = 60). importante

    notar que os pontos descritos na LPC so

    combinaes possveis, no necessariamente

    desejveis. Entre esses pontos, Joo poder escolher a combinao que preferir, podendo, por

    exemplo, escolher o ponto C, indo 30 vezes ao RU e 6 vezes ao fast-food, tendo uma combinao

    com as duas alternativas, a invs de uma s.

    Joo poderia, obviamente, escolher comer, por exemplo, 6 vezes no fast-food e apenas 15

    vezes no RU, combinao essa que estaria representada pelo ponto F, fora da LPC. Entretanto,

    como Joo um agente maximizador (opera, portanto, sob a racionalidade do homem

    econmico), ele prefere ter mais bens do que menos (desconsiderando-se a hiptese de guardar

    esse dinheiro para gastar com outras coisas, ou para gastar no ms seguinte). Desse modo,

    escolher necessariamente dentre os pontos sobre a LPC, lugar das combinaes que utilizam ao

    mximo seus recursos disponveis. No escolher um ponto abaixo da linha, e nem um ponto

    acima da linha, pois este extrapolaria seu oramento disponvel, e aqui se supe que uma pessoa

    no pode gastar mais do que o oramento destinado s compras desejadas dos dois bens.

    A LPC representa, assim, uma fronteira de consumo, mostrando o consumo mximo

    possvel de Joo, dada sua restrio oramentria. Porm, digamos que ele receba um aumento

    em seu salrio, e consequentemente dedique parte desse aumento sua alimentao, destinando

    agora no mais R$150, mas R$175 aos gastos com comida. Teremos, agora, uma quantidade

    mxima de fast-food igual a R$175/R$12,50 = 14, e uma quantidade mxima de idas ao RU igual a

    R$175/R$2,50 = 70 (veja representao ao lado). A LPC , assim, deslocada na direo oposta

    sacos

    de soja

    Fast-food

    12

    15 30 45 60

    A

    B

    C

    D

    . .

    . .

    9

    .

    E

    6

    3

    RU

    F .

  • 6

    origem, mostrando que agora Joo poder ir mais

    vezes tanto ao restaurante fast-food quanto ao RU,

    ilustrando que sua capacidade de consumo

    aumentou. A LPC pode, tambm, se deslocar em

    funo da variao dos preos dos bens medidos

    nos eixos. O aumento do preo de um bem faz com

    que possamos, com um mesmo oramento,

    comprar menos unidades desse bem. Dessa

    maneira, o aumento de preos desloca a LPC, no eixo do bem que sofreu o aumento, em direo

    origem (para a esquerda, no eixo horizontal, ou para baixo, no eixo vertical). Por outro lado, a

    reduo do preo de um bem, mantido o oramento, desloca a LPC, no eixo do bem que sofreu a

    reduo do preo, em direo oposta origem (para a direita, no eixo horizontal, ou para cima, no

    eixo vertical).

    ESCOLHA NA PRODUO: A CURVA DE POSSIBILIDADES DE PRODUO (CPP)

    Do mesmo jeito que a LPC demonstra a fronteira de consumo, a CPP demonstra a fronteira

    de produo de uma unidade produtiva (ou mesmo de uma economia), em que o produtor

    escolhem dentre alternativas, buscando maximizar seus ganhos. Assim como os consumidores, os

    produtores tambm tm uma restrio oramentria: os recursos de que dispem para a

    produo.

    Assim como Na LPC, na CPP so representados apenas dois produtos, para facilitar a

    anlise do modelo. Desse modo, a CPP mostra as combinaes possveis de produo de dois

    produtos com as quantidades disponveis dos fatores de produo (terra, capital e trabalho), e

    com a tecnologia existente. Para simplificar ainda mais, utilizaremos a CPP com custos de

    oportunidade constantes, tornando-a retilnea (vide em anexo nota a respeito).

    Tomemos um produtor rural como exemplo.

    Com sua capacidade produtiva, ele capaz de produzir

    de acordo com a CPP acima.

    No ponto A, o produtor destina todos os seus

    recursos produo de milho (100 sacos), produzindo 0

    sacos

    de soja

    sacos de milho

    100

    20 40 60 80

    A

    B

    C

    D

    . .

    . .

    75

    . E

    50

    25 sacos

    de soja

    sacos

    de soja

    Fast-food

    12

    60 70

    .

    . RU .

    . 14

  • 7

    sacos de soja. O ponto E mostra a situao inversa, em que h produo somente de soja (80

    sacos), e 0 sacos de milho. Os pontos intermedirios da CPP, como B, C e D, mostram combinaes

    possveis de produo de soja e milho. Cada ponto intermedirio indica, dada certa produo de

    soja, qual o mximo de milho que pode ser produzido, e vice-versa.

    A CPP rene os pontos em que o produtor pode produzir ao mximo, com seus recursos

    disponveis. Se a produo est abaixo de seu

    potencial, h subutilizao de recursos produtivos; isso

    ilustrado pelo P, interno CPP, na representao

    grfica ao lado. Nesse ponto a produo no

    eficiente: seria possvel produzir mais de um dos bens,

    sem diminuir a produo do outro.

    J quando o ponto P est sobre a CPP, os

    fatores de produo estaro sendo plenamente

    utilizados; a produo eficiente. S se poder

    produzir mais milho se se produzir menos soja, e vice-

    versa. Diz-se, nesse caso, que se trata de uma situao

    de pleno emprego (emprego integral dos fatores

    disponveis).

    Uma terceira situao seria a de um ponto P

    fora da rea delimitada pela CPP. Como esta

    representa uma fronteira mxima de produo, dados

    os fatores disponveis naquele momento, no

    possvel produzir em um ponto P, como mostrado ao

    lado. uma situao inatingvel a no ser que haja

    aumento nos fatores disponveis, ou se adotem

    inovaes tecnolgicas nos processos produtivos de

    soja ou milho, casos em que a CPP se desloca na direo contrria origem.

    Assim como a LPC, a CPP pode ser deslocada. Esse deslocamento se d pelo crescimento da

    capacidade produtiva de uma economia, como avanos tecnolgicos ou aumento na quan tidade

    de capitais, por exemplo, que deslocam a CPP para a direita (situao 1). Mas pode, tambm,

    ocorrer a situao inversa, em que, por uma eventualidade, como uma guerra, haja, por exemplo,

    uma reduo dos fatores de produo disponveis, e a CPP se desloca para a esquerda (situao 2).

    sacos

    de soja

    sacos de milho

    100

    80

    .

    . E sacos de soja

    P .

    sacos

    de soja

    sacos de milho

    100

    80

    .

    . E sacos de soja

    P .

    ,

    sacos

    de soja

    sacos de

    milho

    100

    80

    .

    . E sacos de soja

    P .

  • 8

    Voltando ao nosso exemplo do produtor rural, digamos que ele tenha um aumento em sua

    capacidade produtiva. Esse aumento pode se dar de diferentes maneiras.

    - Exemplo 1: Digamos que um novo tipo de

    fertilizante descoberto e o produtor passe a us-lo. A

    produtividade da terra aumentar tanto em relao ao

    milho quanto soja, tendo o produtor sua capacidade

    produtiva aumentada em ambos os produtos, como

    ilustrado a lado.

    - Exemplo 2: Digamos que o produtor compre

    novos tipos de sementes de soja, oferecidas pela

    Embrapa, que germinam num menor perodo de

    tempo. Como a inovao se d apenas na soja, a

    capacidade do produtor aumentar apenas nesse

    produto, permanecendo igual a capacidade produtiva

    de milho, como mostrado no grfico.

    - Exemplo 3: Digamos agora que o produtor

    tenha adquirido uma mquina colheitadeira de milho

    mais eficiente. Analogamente ao caso anterior, como a

    mquina serve somente para a colheita do milho, a

    capacidade de produo aumentar s para esse

    artigo, permanecendo igual no caso da soja. A nova

    CPP sofrer ento o deslocamento indicado no terceiro

    grfico.

    sacos

    de soja

    sacos de milho

    120

    80 90

    .

    . sacos de soja

    100

    .

    .

    SITUAO 1

    sacos

    de soja

    sacos de milho

    100

    60 80

    .

    . sacos de soja

    90

    .

    .

    SITUAO 2

    sacos

    de soja

    sacos de milho

    120 .

    . sacos de soja

    100

    .

    .

    80 90

    sacos

    de soja

    sacos de milho

    . sacos de soja

    .

    .

    80 90

    100

    sacos

    de soja

    sacos de milho

    120 .

    sacos

    de soja

    100

    .

    .

    80

  • 9

    Poderia haver tambm o caso de reduo da capacidade de produo apenas de soja ou

    apenas de milho (se, por exemplo, ocorresse uma praga que afetasse s uma das duas culturas). A

    representao grfica seria anloga dos exemplos 2 e 3, invertendo-se a direo do

    deslocamento da CPP.

    A CPP, assim como outras abstraes econmicas, uma simplificao da realidade, para

    facilitar sua anlise. Mas tem um papel muito importante para exemplificar os conceitos de

    escassez e escolha, entre outros. Um ponto sobre a fronteira de produo (utilizao plena dos

    recursos produtivos) ilustra claramente uma situao de eficincia econmica: s se pode produzir

    mais de um dos bens reduzindo a produo do outro. Essa concluso, apesar de simples e

    intuitiva, traz implicaes e concluses mais complexas, algumas das quais sero estudadas

    posteriormente.

    CPP E CUSTO DE OPORTUNIDADE Voc viu acima que as alternativas de alocao de recursos para a produo de dois bens

    distintos podem ser representadas graficamente por meio de uma curva de possibilidades de

    produo (CPP), em que cada ponto da curva representa uma combinao possvel de recursos

    para a produo de determinada quantidade de um bem 1 e outra quantidade de um bem 2.

    Considere a CPP representada ao lado, de um

    produtor rural que pode escolher entre produzir apenas

    milho, apenas soja ou ainda uma combinao dos dois

    bens. Se ele se dedicar apenas produo de milho,

    consegue produzir 100 sacos do gro (ponto A). Caso

    opte por produzir apenas soja, consegue produzir 80

    sacos (ponto E). As demais combinaes esto

    representadas por todos os demais pontos existentes ao longo da reta traada (a CPP), tais como

    B, C e D, por exemplo.

    Se o produtor se encontrasse na situao do ponto A, produzindo exclusivamente milho, e

    se encaminhasse para o ponto B, pode-se observar que ocorreria o seguinte:

    A produo de milho diminuiria de 100 sacos para 75 sacos; e

    A produo de soja aumentaria de 0 sacos para 20 sacos.

    sacos

    de soja

    sacos de milho

    100

    20 40 60 80

    A

    B

    C

    D

    . .

    . .

    75

    . E

    50

    25 sacos

    de soja

  • 10

    Dessa maneira, pode-se dizer que o produtor abriu mo de produzir 25 sacos de milho

    (reduo de 100 para 75 sacos) para passar a produzir 20 sacos a mais de soja (aumento de 0 para

    20 sacos).

    Voc j foi introduzido ao importante conceito econmico de custo de oportunidade: o

    custo de algo medido pela alternativa no adotada. No caso de uma escolha de consumo, o custo

    de oportunidade da opo por um bem dado por quanto se tem que abrir mo de outro bem,

    para que se possa desfrutar do escolhido. Se voc pensa em ir ao cinema ou estudar em casa, j

    que no pode fazer as duas coisas ao mesmo tempo, ter que escolher; nesse caso, o custo de

    oportunidade de ir ao cinema o estudo que deixou de fazer; e o custo de oportunidade de

    estudar em casa o filme que deixou de assistir.

    Com o produtor rural do exemplo acima, a lgica semelhante. Para aumentar a sua

    produo de soja, e caminhar do ponto A para o ponto B, ele teve que reduzir a produo de

    milho, pois seus fatores de produo (terra, capital e trabalho) so limitados. Em termos de custo

    de oportunidade, a questo que se coloca : para produzir uma unidade a mais do bem 1, quantas

    unidades do bem 2 eu terei que sacrificar (ou seja, deixar de produzir)? No caso em anlise, temos

    que, para produzir 20 sacos a mais de soja, esse produtor teve que abrir mo de produzir 25 sacos

    de milho. Para calcular o custo de oportunidade de produo de um saco de soja, basta fazer uma

    regra de trs simples:

    Resolvendo a regra de trs, temos que X = = 1,25 sacos a menos de milho. Isso significa

    dizer que, para produzir um saco a mais de soja, abre-se mo de 1,25 sacos de milho. Em resumo,

    o custo de oportunidade de um saco de soja igual a 1,25 sacos de milho.

    Se esse produtor j se encontrar no ponto B e desejar agora caminhar em direo ao ponto

    C, para produzir 20 sacos a mais de soja, ele ter que diminuir ainda mais sua produo de milho,

    caindo de 75 sacos para 50 sacos (reduo de 25 sacos). Pode-se perceber que, da mesma maneira

    como na situao anterior, o aumento da produo de soja em 20 sacos requereu a reduo da

    produo de milho em 25 sacos. Isso significa que o custo de oportunidade de produo de 1 saco

    de soja continua o mesmo, 1,25 sacos de milho. Se fizermos as contas para passar do ponto C ao

    ponto D e do ponto D ao ponto E, o que encontraremos ser a mesma coisa: o custo de

    oportunidade no se modifica. Isso ocorre porque a CPP retilnea. Se no o fosse (sendo,

    portanto, curvilnea), poderamos dizer que os custos de oportunidade iriam variar ao longo da

    curva. Dessa forma, pode-se dizer que o custo de oportunidade ser sempre constante se a curva

    25 20

    id

    20 sacos a mais de soja ------------------ 25 sacos a menos de milho 1 saco a mais de soja ------------------- X sacos a menos de milho

  • 11

    de possibilidades de produo for uma reta. Se a CPP for uma curva, o custo de oportunidade ir

    variar ao longo da curva (mais abaixo, voc ver exemplos de CPPs curvilneas e da variao dos

    custos de oportunidade ao longo da curva).

    Uma maneira mais prtica de calcular o custo de oportunidade de produo de

    determinado bem em uma CPP retilnea, caso se disponha apenas dos valores mximos de

    produo dos bens nos dois eixos, fazer a regra de trs com os prprios valores mximos de

    produo. Assim, para sair do ponto A e se dirigir diretamente para o ponto E, temos que:

    A produo de soja aumenta em 80 sacos (de 0 para 80); e

    A produo de milho diminui em 100 sacos (de 100 para 0).

    Assim, para se calcular o custo de oportunidade de produo de 1 saco de soja, basta fazer

    a regra de trs com esses valores extremos, como mostrado a seguir:

    Assim, encontramos o mesmo valor calculado acima, sendo X = = 1,25 sacos a menos

    de milho. Isso significa dizer que, do mesmo modo que encontrado acima, o custo de

    oportunidade de um saco de soja igual a 1,25 sacos de milho.

    Pode-se tambm calcular o custo de oportunidade de produo do milho, e o

    procedimento semelhante. No fim das contas, teremos que o custo de oportunidade de

    produo de um saco de milho igual a 0,8 sacos de soja.

    CUSTO DE OPORTUNIDADE E TROCAS

    A noo de custo de oportunidade tem uma aplicao de grande importncia na anlise

    das trocas entre agentes, que so, evidentemente, um elemento central no funcionamento do

    sistema econmico. Em particular, esse conceito permite explicar como todas as partes envolvidas

    em trocas podem se beneficiar desse comrcio tanto pessoas como pases. Na unidade 6 da

    disciplina, em Economia Internacional, voc ver a importncia do custo de oportunidade no

    contexto do comrcio internacional, e em que sentido todos os pases podem sair ganhando com

    essas trocas. Mas, antes de passar anlise das trocas comerciais internacionais, discutiremos

    primeiro uma situao mais simples, com apenas dois produtores. O produtor Alfa e o produtor

    Beta so marceneiros e podem escolher entre produzir cadeiras ou mesas de madeira.

    Veja a seguir as CPPs dos dois produtores.

    80 sacos a mais de soja ------------------ 100 sacos a menos de milho

    1 saco a mais de soja ------------------- X sacos a menos de milho

    100 80

  • 12

    A situao que temos aqui , portanto, a seguinte:

    O produtor Alfa pode produzir no mximo 12 cadeiras, se ele se dedicar apenas

    produo de cadeiras, ou no mximo 4 mesas, se ele se dedicar apenas produo

    de mesas, ou ainda uma combinao da produo de mesas e cadeiras.

    O produtor Beta pode produzir no mximo 10 cadeiras, se ele se dedicar apenas

    produo de cadeiras, ou no mximo 2 mesas, se ele se dedicar apenas produo

    de mesas, ou ainda uma combinao da produo de mesas e cadeiras.

    O que distingue esses dois produtores? Por que tm curvas de possibilidades de produo

    diferentes? Por hiptese, eles tm acesso s mesmas tecnologias de produo. Mas cada um

    deles tem uma determinada dotao de fatores produtivos, que considerada fixa. Podemos

    imaginar, por exemplo, que tenham oficinas de tamanhos diferentes, ou com equipamentos

    produtivos diferentes, ou ainda que um dos marceneiros seja mais talentoso que o outro,

    enquanto arteso, ou enquanto administrador de seu negcio. De qualquer forma, as

    possibilidades de produo dos dois marceneiros, descritas pelas respectivas CPPs, so distintas;

    esse o ponto essencial.

    Um primeiro conceito a ser introduzido, nesse contexto, o de vantagem absoluta. Tem

    vantagem absoluta na produo de determinado bem aquele produtor que consegue prod uzi-lo

    em maior quantidade. No caso das cadeiras, quem tem vantagem absoluta em sua produo o

    produtor Alfa, que consegue produzir no mximo 12 cadeiras, enquanto o produtor Beta consegue

    produzir no mximo 10 cadeiras. Com relao s mesas, o produtor Alfa tambm possui vantagem

    absoluta em sua produo, uma vez que consegue produzir no mximo 4 mesas, enquanto o

    sacos

    de soja

    cadeiras

    12

    2 4

    A

    B

    C

    .

    .

    .

    6

    mesas

    Produtor Alfa Produtor Beta

    sacos

    de soja

    cadeiras

    10

    1 2

    A

    B

    C

    .

    .

    .

    5

    mesas

  • 13

    produtor Beta produz no mximo 2 mesas. O conceito de vantagem absoluta tem, portanto,

    relao com a quantidade produzida e, mais especificamente, com a produtividade

    produtividade de cada produtor, no caso em foco, de uma empresa ou pas, em casos mais gerais.

    Se ambos os produtores produzem a mesma quantidade de determinado bem, diz-se que

    ningum tem vantagem absoluta na produo daquele bem, uma vez que a produo de nenhum

    dos dois ultrapassa a do outro, nesse bem especfico.

    A idia de vantagem comparativa. Compreendido o conceito de vantagem absoluta,

    passaremos agora ao conceito de vantagem comparativa. A vantagem comparativa est

    relacionada ao custo de oportunidade. Para saber quem possui vantagem comparativa na

    produo em determinado bem, necessrio calcular os custos de oportunidade de produo

    daquele bem para todos os produtores em questo. Na situao acima, dos dois marceneiros,

    temos que:

    Tem vantagem comparativa na produo de determinado bem 1 aquele produtor que tiver

    o menor custo de oportunidade em sua produo, ou seja, o produtor que deixar de produzir

    menos unidades de um bem 2 para produzir o bem 1 (menor custo de oportunidade de produo

    do bem 1).

    Com relao s cadeiras, o custo de oportunidade do produtor Alfa para produo de 1

    cadeira igual a 1/3 de mesa ( 0,33 mesa), enquanto o custo de oportunidade de produo de 1

    cadeira para o produtor Beta igual a 1/5 de mesa (= 0,2 mesa). Quem tem o menor custo de

    oportunidade na produo de cadeiras , portanto, o produtor Beta (visto que 0,2 < 0,33). Assim, o

    produtor Beta tem vantagem comparativa na produo de cadeiras.

    J com relao s mesas, o custo de oportunidade do produtor Alfa para a produo de 1

    mesa igual a 3 cadeiras, enquanto o custo de oportunidade de produo de 1 mesa para o

    produtor Beta igual a 5 cadeiras. Quem tem o menor custo de oportunidade na produo de

    Produtor Alfa Produo mxima de cadeiras: 12

    Produo mxima de mesas: 4

    Custo de oportunidade de produo de uma cadeira

    Custo de oportunidade de produo de uma mesa

    = 4 1 12 3

    = mesa

    = 12

    4 = 3 cadeiras

    Produtor Beta Produo mxima de cadeiras: 10

    Produo mxima de mesas: 2

    Custo de oportunidade de produo de uma cadeira

    Custo de oportunidade de produo de uma mesa

    = 2 1 10 5

    = mesa

    = 10

    2 = 5 cadeiras

  • 14

    mesas , portanto, o produtor 1 (visto que 3 < 5). Assim, o produtor Alfa tem vantagem

    comparativa na produo de mesas.

    Uma concluso da maior importncia, que pode ser tirada a partir do esquema acima,

    que, havendo possibilidade de troca, os produtores tendero a se especializar na produo

    daquele artigo em que tm vantagem comparativa, pois podero ganhar com isso. Produzindo

    mais daquilo que sabe fazer melhor (mais barato), cada produtor trocar uma parte de sua

    produo pelo outro artigo, feito pelo outro produtor (no caso do exemplo, onde s h dois bens e

    dois produtores); e essa troca em geral deixar ambos em melhor situao. E o que determina

    essa possibilidade de ganho, a partir do comrcio, a vantagem relativa, e no a vantagem

    absoluta. Vejamos por qu.

    Continuando com nosso exemplo dos dois marceneiros, considere uma situao hipottica

    em que o produtor Alfa se especializasse inteiramente na produo de cadeiras (produzisse s

    cadeiras), pretendendo comprar algumas mesas do outro produtor; e o produtor Beta se

    especializasse inteiramente na produo de mesas (sendo igualmente seu objetivo ter um certa

    mistura de cadeiras e mesas). Teramos, dessa maneira, que o produtor Alfa produziria, ao todo,

    12 cadeiras, e o produtor Beta, 2 mesas. Se ambos se encontram para fazer uma troca, evidente

    que ambos buscaro, seguindo os princpios do homem econmico, maximizar seus ganhos e

    minimizar suas perdas. Se o produtor Alfa oferece cadeiras ao produtor Beta para trocar por

    mesas, ele esperar pagar pelas mesas menos do que ele pagaria se fosse produzi-las (ou seja,

    desejar pagar no mximo 3 cadeiras por mesa, que o custo de oportunidade de produo de 1

    mesa para ele).

    Da mesma forma, o produtor Beta, recebendo as cadeiras do produtor Alfa e dando em

    troca mesas, desejar receber mais cadeiras do que ele deixaria de produzir para fazer 1 mesa (ou

    seja, desejar receber no mnimo 5 cadeiras por mesa, que o custo de oportunidade de

    produo de 1 mesa para ele). Ora, se um deseja, para no sair perdendo com a troca, pagar no

    mximo 3 cadeiras, e o outro, com o mesmo propsito, deseja receber no mnimo 5 cadeiras,

    pode-se dizer que eles no chegaro nunca a um acordo.

    Por que isso ocorre? Porque a especializao no se deu de maneira economicamente

    eficiente. Em lugar de se especializarem naquilo podem fazer melhor (mais barato, com custo de

    oportunidade menor), fizeram o oposto. Cada um se especializou naquele produto em que no

    tem vantagem comparativa. Nessa circunstncia, ningum pode sair ganhando com a troca.

    Considere agora a situao em que ambos se especializam naquilo em que de fato tm

    vantagem comparativa (o produtor Alfa se especializando na produo de mesas e o produtor

  • 15

    Beta, na produo de cadeiras). Se o produtor Alfa oferecer mesas ao produtor Beta, em troca das

    cadeiras que este produz, ele desejar receber pelo menos 3 cadeiras por mesa (que o custo de

    oportunidade de produo de 1 mesa, para ele). J o produtor Beta, recebendo as mesas do

    produtor Alfa e dando em troca cadeiras, desejar pagar no mximo 5 cadeiras por mesa (que o

    custo de oportunidade de produo de 1 mesa para ele). Dessa forma, se um deseja receber no

    mnimo 3 cadeiras e o outro deseja pagar no mximo 5 cadeiras, podemos dizer que qualquer

    valor de cadeiras no intervalo de 3 a 5 (3, 4 ou 5) configurar uma troca possvel entre ambos. Se

    estipularem o valor de 4 cadeiras, por exemplo, o produtor Alfa sair ganhando, uma vez que

    receber 1 cadeira a mais pela mesa do que ele poderia produzir caso deixasse de produzir aquela

    mesa para produzir cadeiras (visto que seu custo de oportunidade de produo de 1 mesa igual a

    3 cadeiras), e o produtor Beta tambm sair ganhando, uma vez que ele pagar 1 cadeira a menos

    do que ele teria que deixar de produzir para produzir 1 mesa (visto que seu custo de oportunidade

    de produo de 1 mesa igual a 5 cadeiras). Dessa maneira, ambos os produtores saem ganhando

    com a troca comercial, uma vez que os dois se especializaram na produo daquilo em que

    possuem vantagem comparativa.

    OS GANHOS COM A TROCA

    As diferenas nos custos de oportunidade, dando origem a vantagens comparativas, abrem

    a possibilidade de trocas, e as trocas podem produzir ganhos para todos. No ltimo exemplo

    acima (em que cada um se especializa na produo correta), fica claro que a distribuio desses

    ganhos vai depender da relao em que se d a troca, ou seja, do preo que cada produtor

    obtenha pelo artigo que vende (o preo, no caso, medido em unidades do outro bem).

    Por exemplo: se a troca se der na proporo de 3 cadeiras por 1 mesa, o produtor Beta

    certamente ganha: se quisesse produzir 1 mesa em sua prpria oficina, teria que produzir 5

    cadeiras a menos (1 mesa custaria para ele 5 cadeiras ), enquanto pela troca esse custo baixa

    40%, passando para 3 cadeiras apenas. E o produtor Alfa? Esse nada ganharia com a troca: ele

    poderia obter 3 cadeiras, sacrificando a produo de 1 mesa, em sua prpria oficina. Nesse caso,

    portanto, os ganhos do comrcio so inteiramente apropriados por Beta.

    Mutatis mutandis, fcil ver que, se a relao de troca for de 5 cadeiras por 1 mesa, todo o

    ganho vai para Alfa: antes do comrcio, 1 cadeira custaria para ele 1/3 de uma mesa, e com o

    comrcio ele pode obter 1 cadeira por 1/5 de uma mesa uma reduo tambm de 40%. Por seu

  • 16

    turno, Beta no tem qualquer ganho, pois sua relao de troca continua a mesma, com ou sem

    comrcio.

    Mas se a relao de troca for, por exemplo, 4 cadeiras por uma mesa, ambos ganham: o

    custo de 1 mesa para Beta passa de 5 para 4 cadeiras uma reduo de 20% e o custo de 1

    cadeira para Alfa cai de 1/3 para 1/4 de mesa reduo de 25%. Pode-se dizer que a condio

    para que ambos os participantes da troca aufiram ganhos que a relao de troca fique entre as

    relaes de transformao internas (os custos de oportunidade na produo) de Alfa e Beta. E

    ainda: quanto mais prxima da relao de transformao interna de Alfa for a relao de troca,

    menor ser o ganho de Alfa, e maior o de Beta. E vice-versa.

    Pode-se perguntar: qual a origem dos ganhos com o comrcio? Como podem todos

    ganhar, se os fatores de produo sos os mesmos, e esto plenamente utilizados (dado que a

    produo se d sobre a CPP), tanto em Alfa como em Beta, e tanto antes como depois de aberta a

    possibilidade de comrcio? Qual a mgica?

    No h mgica, de fato. O que acontece que o comrcio melhora a alocao dos recursos

    produtivos para o conjunto dos dois produtores. Antes da troca, a produo era eficiente, em cada

    unidade produtiva considerada isoladamente, desde que se desse num ponto da CPP respectiva.

    Mas, aberto o comrcio, isto no mais verdade; agora, a maximizao da eficincia produtiva

    requer que cada um se dedique a produzir mais aquilo que faz melhor. Ou seja, necessrio que

    haja especializao.2 Agora a eficincia produtiva deve ser analisada no contexto de uma CPP

    conjunta, que abranja tanto a CPP de Alfa quanto a de Beta.

    Prope-se que, como exerccio, o aluno trace essa CPP conjunta de Alfa e Beta. E mostre

    que, com o comrcio, pelo menos um dos participantes ir se especializar inteiramente na

    produo do bem em que tem vantagem comparativa.

    TROCAS E ESPECIALIZAO: ALGUMAS APLICAES

    Suponha que, alm de ser muito demandado como modelo de comerciais, Pedro

    tambm um excelente alfaiate. Mas apenas porque ele pode costurar muito bem significa que ele

    deveria faz-lo? Para descobrir isso, podemos empregar os conceitos de custo de oportunidade e

    vantagens comparativas. Digamos que Pedro consegue costurar um terno completo em um dia, 8

    horas de trabalho. Nas mesmas 8 horas, ele poderia se dedicar a gravar um comercial, e ganhar

    2 A especializao pode ser total (com produo apenas do bem em que o produtor tem vantagem comparat iva) ou

    apenas parcial dependendo da mistura dos dois bens que cada produtor deseja obter.

  • 17

    R$10.000. Natlia, amiga de Pedro, gasta todo um fim de semana para costurar o mesmo terno, e

    nesse perodo poderia trabalhar como garonete e ganhar R$200.

    Nesse exemplo, o custo de oportunidade de Pedro para costurar o terno de R$10.000, e o

    de Natlia de R$200. Pedro tem clara vantagem absoluta na produo do terno, porque o faz em

    menos tempo. Mas Natlia tem vantagem comparativa na produo do terno, porque custo de

    oportunidade do tempo empregado nisso menor. Dessa maneira, no difcil perceber que

    Pedro deveria especializar-se em fazer comerciais, enquanto Natlia costura seus ternos. Qualquer

    valor pago por Pedro a Natlia que se situe entre R$200 e R$10.000 ser, portanto, benfico a

    ambos.

    Da mesma forma que pessoas, pases podem se beneficiar da especializao, a partir de

    suas vantagens comparativas em relao a outros pases, um tema que ser desenvolvido na 6

    unidade do curso.

    Suponhamos, num exemplo, dois pases, Brasil e Argentina, produzindo dois produtos,

    geladeiras e soja. Tanto um trabalhador brasileiro quanto um trabalhador argentino produzem

    200 geladeiras por ms. Mas o trabalhador brasileiro pode produzir 2 toneladas de soja ms,

    enquanto o trabalhador argentino consegue produzir apenas 1 tonelada. fcil perceber que,

    nessa situao, nenhum dos dois possui vantagem absoluta na produo de geladeiras, e o

    trabalhador brasileiro possui vantagem absoluta na produo de soja. Mas os ganhos do comrcio,

    como visto acima, baseiam-se no na vantagem absoluta, mas na vantagem comparativa. Assim,

    pelo fato de o custo de oportunidade de produo de 1 geladeira ser igual a 1/100 tonelada de

    alimentos no Brasil e 1/200 tonelada de alimentos na Argentina, a Argentina tem vantagem

    comparativa na produo de geladeiras. A Argentina deveria, nesse exemplo hipottico,

    especializar-se na produo de geladeiras, produzindo mais desse artigo do que consome, e

    vendendo geladeiras para o Brasil. E o oposto para o Brasil, que se especializaria na produo de

    soja. Por meio da especializao e do comrcio, ambos os pases poderiam ter mais soja e mais

    geladeiras, pagando menos por isso.

    Como voc ver na unidade 6 do curso, a realidade do comrcio entre os pases envolve

    questes mais complexas do que as apresentadas nesse exemplo. Cada pas tem cidados com

    diferentes interesses, e o comrcio internacional pode fazer alguns indivduos ficarem em pior

    situao, mesmo sendo benfico para o pas como um todo. A reduo da produo interna de um

    bem em que o pas X no tenha vantagem comparativa, em benefcio da importao desse bem do

    pas Y, pode causar desemprego nesse setor, em X. O que pode levar a presses, nesse pas, para

    que a importao no se d.

  • 18

    Uma situao como essa est sendo causa, atualmente, de disputa comercial entre o Brasil

    e os Estados Unidos: os produtores americanos de algodo, produto em que o Brasil tem clara

    vantagem comparativa, resistem em reduzir sua produo, pressionam o governo de seu pas e

    obtm subsdios que os permitem manter-se no mercado. Embora a Organizao Mundial do

    Comrcio tenha decidido que essa ao est em desacordo com as regras decididas pelos pases

    membros (tanto o Brasil como os Estados Unidos so membros da OMC), a situao permanece,

    beneficiando um pequeno mas poderoso grupo de produtores naquele pas, e prejudicando no

    s os produtores brasileiros mas tambm os consumidores americanos, que tm que pagar mais

    caro pelo algodo que consomem. Exportadores brasileiros de produtos agropecurios enfrentam

    problemas anlogos na Unio Europia, cuja poltica agrcola extremamente protecionista em

    relao produo, comparativamente ineficiente, de pases como a Frana.

    Alm disso, um pas que tenha vantagem comparativa na produo de determinado

    produto no est necessariamente destinado a produzi-lo por toda a eternidade. Vantagens

    comparativas podem aparecer, ou desaparecer, ao longo do tempo. A dotao de fatores,

    considerada fixa nos modelos analticos, pode na realidade mudar, por vrias razes: inovaes

    tecnolgicas, novas descobertas de recursos naturais, economias de escala, etc. A partir dessa

    noo, vrios pases, inclusive o Brasil, adotaram, no sculo passado, polticas protecionistas

    (restries importao) visando estimular o desenvolvimento da produo industrial interna. Em

    nosso caso, essas polticas contriburam para o surgimento e expanso de um setor industrial

    vigoroso; mas deram origem, tambm, a problemas e seqelas desfavorveis, como estudaremos

    mais tarde no curso.

    Apesar de limitaes ou obstculos que sua aplicao possa enfrentar, como princpio de

    poltica econmica, a idia de vantagem comparativa uma proposio fundamental da teoria

    econmica. Enunciada pela primeira vez pelo economista ingls David Ricardo, no incio do sculo

    XIX (no contexto de uma anlise do comrcio entre Portugal e a Inglaterra), j aparecia, em

    embrio, na Riqueza das Naes, de 1776, livro de Adam Smith que costuma ser visto como o

    primeiro compndio abrangente de teoria econmica, onde o autor afirmava:

    Eis uma mxima que todo chefe de famlia prudente deve seguir: nunca tentar fazer em casa aquilo que seja mais caro fazer do que comprar. O alfaiate no tenta fabricar seus sapatos, mas os compra do sapateiro. Este no tenta confeccionar seu traje, mas recorre ao alfaiate. O agricultor no tenta fazer nem um nem outro, mas se vale desses artesos. Todos consideram que mais interessante usar suas capacidades naquilo em que tm vantagem sobre seus vizinhos e comprar, com parte do resultado de suas atividades, ou o que vem a dar no mesmo, com o preo de parte das mesmas, aquilo de que venham a precisar. (SMITH, 1985:380)

  • 19

    O princpio de vantagens comparativas um argumento importante na crtica s restries

    ao comrcio internacional, j que demonstra que o livre comrcio maximiza a produo e pode

    trazer ganhos para todas as partes envolvidas. No passado, esse argumento foi muito utilizado,

    nos pases mais industrializados, para criticar o protecionismo de pases em desenvolvimento em

    relao a seus setores industriais emergentes. Hoje, um tanto ironicamente, a mesma crtica

    dirigida ao protecionismo agrcola dos pases altamente industrializados. Todos concordam, em

    princpio, que a liberalizao do comrcio internacional um objetivo desejvel ; mas os

    obstculos polticos consecuo desse objetivo so evidenciados pelas dificuldades enfrentadas

    na chamada Rodada de Doha de negociaes internacionais de liberalizao do comrcio, em

    curso h vrios anos, sem que se chegue a um acordo.

    /\/\/\/\/\/\/\/\/\/\/\

  • 20

    ANEXO: o custo de oportunidade em CPPs curvilneas

    Como dito acima, o custo de oportunidade constante em CPPs retilneas, e varivel em CPPs

    curvilneas. Mas como isso funciona? Tomemos o exemplo dado no incio dessa seo, acerca da

    produo de milho e soja. Veja abaixo duas representaes, uma de uma CPP retilnea e outra de

    uma CPP curvilnea.

    Na CPP retilnea, j vimos que o custo de oportunidade de 1 saco de milho igual a 0,8

    sacos de soja. Vamos agora calcular os custos de oportunidade de 1 saco de milho para a situao

    da CPP curvilnea acima.

    Trajeto Custo de Oportunidade

    A B

    25 sacos de milho a menos (de 100 ara 75) ------ 50 sacos de soja a mais (de 0 para 50) 1 saco de milho a menos ------ W sacos de soja a mais

    W = 2 sacos de soja

    B C

    25 sacos de milho a menos (de 75 para 50) ------ 15 sacos de soja a mais (de 50 para 65) 1 saco de milho a menos ------ X sacos de soja a mais

    X = 0,6 sacos de soja

    C D

    25 sacos de milho a menos (de 50 para 25) ------ 10 sacos de soja a mais (de 65 para 75)

    1 saco de milho a menos ------ Y sacos de soja a mais Y = 0,4 sacos de soja

    D E

    25 sacos de milho a menos (25 para 0) ------ 5 sacos de soja a mais (de 75 para 80) 1 saco de milho a menos ------ Z sacos de soja a mais

    Z = 0,2 sacos de soja

    Nota-se, portanto, que, em uma CPP no retilnea, como a representada acima (cncava

    em relao origem), medida que cresce a produo de um dos bens, seu custo de

    oportunidade aumenta. O que isso reflete o fato de que, em vrias situaes, ocorrem

    rendimentos decrescentes, quando se transferem recursos produtivos de uma atividade para

    outra (por exemplo: remanejar trabalhadores para uma atividade diferente daquela que

    usualmente exercem pode provocar perda de produtividade, de forma crescente: primeiro se

    sacos

    de soja

    sacos de milho

    100

    20 40 60 80

    A

    B

    C

    D

    . .

    . .

    75

    . E

    50

    25 sacos

    de soja

    sacos

    de soja

    sacos de milho

    100

    50 65 75 80

    A

    B

    C

    D

    .

    . .

    .

    75

    . E

    50

    25 sacos

    de soja

  • 21

    transferem os mais adaptveis, mas depois ser preciso lanar mo de trabalhadores menos

    susceptveis a um retreinamento).

    Pode-se pensar numa CPP convexa em relao origem? Sim, na presena de rendimentos

    crescentes na produo. Em vrias atividades, um aumento de produo traz reduo no custo

    mdio; fala-se que h rendimento crescente de escala (ou economias de escala).

    A suposio de que a CPP seja retilnea traz, no entanto, evidente simplificao no

    raciocnio e nos clculos, sendo essa a principal razo de sua adoo.