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Escolha Racional, Ação Coletiva e Novo Institucionalismo: Algumas Notas Introdutórias Maria das Graças Rua & Franco Cesar Bernardes Em obra datada dos anos 1990, Jon Elster (1994) sustenta que à ciência não basta conhecer as causas dos fenômenos, mas é necessário sobretudo entender como as causas operam e se organizam de maneira a produzir determinados efeitos. Isso requer desvendar a cadeia causal que leva daquilo que se pretender explicar até a explicação efetiva dos fenômenos abordados. Na mesma obra, Elster sugere que existem duas formas principais de explicar as ações humanas que, por sua vez, são as causas dos fenômenos sociais 1 : a escolha racional e as normas sociais. Ambas as abordagens a da racionalidade e a das instituições - vêm ganhando cada vez mais espaço no estudo da política, quando as grandes transformações do final do milênio mostraram a fragilidade dos modelos convencionais de análise desafiaram a capacidade dos estudiosos de tornar inteligíveis fenômenos e eventos que agregam e recombinam, de maneira complexa, inusitada e até contraditória, o tradicional e o moderno, o todo e as partes. Compartilhando com o autor o primado destas duas formas de explicação, neste texto são apresentadas, de maneira bastante singela, os fundamentos da abordagem da escolha racional e do novo institucionalismo, com a finalidade de prover o entendimento dos conceitos básicos dessas duas vertentes da teoria política. O ponto de partida de toda a teoria da escolha racional é a proposição de que o comportamento coletivo pode ser entendido em termos de atores que procuram atingir seus objetivos. Os atores podem ser pessoas individualmente consideradas, podem ser grupos sociais de diversos tipos como empresas, sindicatos, partidos políticos e podem até mesmo ser Estados. O que importa é que tenham objetivos a atingir, interesses a realizar - quaisquer que sejam - e que o 1 . Elster assume que os fenômenos sociais são explicáveis exclusivamente em termos das ações dos indivíduos: suas intenções, suas crenças, preferências, características, etc. Em outras palavras, Elster se afilia à tradição do individualismo metodológico, cujo princípio é o de que os elementos constitutivos dos fenômenos sociais são as ações individuais e de que estas são intencionais.

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Escolha Racional, Ação Coletiva e Novo Institucionalismo:

Algumas Notas Introdutórias

Maria das Graças Rua & Franco Cesar Bernardes

Em obra datada dos anos 1990, Jon Elster (1994) sustenta que à ciência

não basta conhecer as causas dos fenômenos, mas é necessário sobretudo

entender como as causas operam e se organizam de maneira a produzir

determinados efeitos. Isso requer desvendar a cadeia causal que leva daquilo que

se pretender explicar até a explicação efetiva dos fenômenos abordados. Na mesma

obra, Elster sugere que existem duas formas principais de explicar as ações

humanas que, por sua vez, são as causas dos fenômenos sociais1: a escolha

racional e as normas sociais.

Ambas as abordagens – a da racionalidade e a das instituições - vêm

ganhando cada vez mais espaço no estudo da política, quando as grandes

transformações do final do milênio mostraram a fragilidade dos modelos

convencionais de análise desafiaram a capacidade dos estudiosos de tornar

inteligíveis fenômenos e eventos que agregam e recombinam, de maneira complexa,

inusitada e até contraditória, o tradicional e o moderno, o todo e as partes.

Compartilhando com o autor o primado destas duas formas de explicação,

neste texto são apresentadas, de maneira bastante singela, os fundamentos da

abordagem da escolha racional e do novo institucionalismo, com a finalidade de

prover o entendimento dos conceitos básicos dessas duas vertentes da teoria

política.

O ponto de partida de toda a teoria da escolha racional é a proposição de

que o comportamento coletivo pode ser entendido em termos de atores que

procuram atingir seus objetivos. Os atores podem ser pessoas individualmente

consideradas, podem ser grupos sociais de diversos tipos como empresas,

sindicatos, partidos políticos e podem até mesmo ser Estados. O que importa é que

tenham objetivos a atingir, interesses a realizar - quaisquer que sejam - e que o

1. Elster assume que os fenômenos sociais são explicáveis exclusivamente em termos das ações dos indivíduos: suas intenções, suas crenças, preferências, características, etc. Em outras palavras, Elster se afilia à tradição do individualismo metodológico, cujo princípio é o de que os elementos constitutivos dos fenômenos sociais são as ações individuais e de que estas são intencionais.

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façam racionalmente, ou seja, mediante a escolha de meios adequados à

consecução dos fins. Isso significa, entre outras coisas, que a teoria da escolha

racional não se detém no exame dos fins. Estes podem variar infinitamente entre os

atores, não cabendo a sua discussão em termos do exercício da racionalidade.

Os atores procuram atingir os seus objetivos em contextos bastante

diferentes. Eles podem simplesmente fazer escolhas em situações que não

envolvem cálculos interpessoais, como ocorre, por exemplo, quando alguém cujo

objetivo é descansar escolhe entre dormir, ver um filme ou ouvir música. Nesse

caso, trata-se de uma modalidade de escolha racional abordada mediante a teoria

da utilidade ou teoria da utilidade esperada. Trata-se, de maneira simplificada, da

avaliação da estrutura de preferências - ou seja, o que o ator prefere mais em

relação ao que ele prefere menos - frente à estrutura de oportunidades - vale dizer, o

que o ator pode fazer que vá lhe trazer a maior satisfação, com o menor custo.

Entretanto, muito frequentemente ocorrem situações nas quais um ator, ao

escolher os meios para atingir os seus objetivos, defronta-se com vários outros

atores, que também perseguem seus objetivos, sejam estes idênticos, semelhantes

ou distintos. Estas situações, que envolvem interações e, portanto, cálculos

interpessoais, são exploradas mediante a teoria dos jogos.

I

Conforme afirmam Tullock e McKenzie (1985), é possível estudar o

comportamento humano a partir da suposição de que os homens vivem em um

mundo imperfeito, mas são capazes de imaginar maneiras de melhorar sua situação.

Ou seja: "Como" eles agem para atingir seus objetivos, "porque" agem de

determinadas maneiras e "em que medida" conseguem o que pretendem. A

ordem social, seria o resultado das diferentes formas de interação dos homens,

conforme os diversos modos que inventam para obter o que desejam. Assim, ao

estudar a ordem social o analista estaria estudando os princípios do comportamento

individual no contexto da vida coletiva.

Um desses contextos é o mercado. O mercado é qualquer arranjo que as

pessoas estabelecem para trocar bens e serviços materiais e imateriais. Mas o

mercado é apenas um dos possíveis arranjos de interação. Outros devem ser

explorados, inclusive a arena política, que envolve as instituições governamentais.

Neste caso, pode-se estudar não apenas como as políticas públicas afetam o

mercado, mas também como princípios da economia podem ser usados para

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compreender os problemas políticos e para explicar porque certos tipos de políticas

públicas possivelmente surgem a partir de determinadas instituições políticas.

De acordo com o princípio de buscar aquilo que, além de pertinente, seja

relevante, um modelos teóricos centrais à análise do comportamento em sociedade

é aquele denominado "comportamento racional" (2). Resumidamente, significa que

as pessoas, dentro de certos limites, sabem o que querem ou quais são as suas

preferências; são capazes de ordenar hierarquicamente as suas preferências;

procurarão escolher as alternativas de ação que sejam mais satisfatórias, ou seja,

mais compatíveis com o que preferem.

A concepção do comportamento racional tem como foco o indivíduo, pois

considera que este é o único "agente": capaz de desejar e de agir3. A ação coletiva

é, portanto, a ação de indivíduos agregados.

Os indivíduos agem conforme suas preferencias, em situações de interação.

Logo, são afetados pela estrutura e pelo tamanho dos grupos dos quais fazem parte.

O leque de alternativas dos indivíduos é limitado por restrições externas, mas estas

restrições não obrigam ninguém a escolher uma dada alternativa em lugar da outra:

a escolha existe e quem a faz é o indivíduo. Este é o princípio do individualismo

metodológico que sustenta a ideia do comportamento racional.

Portanto, os homens agem visando objetivos porque estão insatisfeitos com

as coisas como são e desejam mudá-las. Eles percebem conscientemente os seus

desejos e compreendem, também, que não é possível satisfazer a todos eles

porque a capacidade de desejar é infinita e porque a satisfação depende de

situações de interação com outros homens, que impõem restrições às suas

escolhas. Logo, cada um faz o melhor possível, ou seja, procura maximizar a sua

satisfação. Em outras palavras, procura satisfazer o melhor possível os seus desejos

dentro das restrições que o mundo impõe.

O comportamento racional, portanto, implica fazer escolhas. Escolher, por

sua vez, significa renunciar. Ou seja, em qualquer situação de escolha sempre

haverá pelo menos uma alternativa à qual teremos que renunciar quando decidimos

o que queremos fazer. Por este motivo é que dizemos que toda escolha tem seu

custo. No entender de Tullock e McKenzie (1985), o custo de qualquer escolha é a

mais valiosa alternativa à qual tivemos que renunciar para poder ter a nossa melhor

2. Também denominado, alternativamente, teoria da escolha racional, teoria da public choice.

3 Que é o princípio do individualismo metodológico, característico dessa corrente de pensamento.

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preferência satisfeita (4). Todavia, é possível ir um pouco mais longe que os autores

e estabelecer que o custo de um escolha representa não apenas a renúncia à mais

valiosa alternativa, mas o conjunto de todas as coisas às quais alguém tem que

renunciar para obter um benefício.

Como as escolhas têm custos, o comportamento racional significa que a

pessoa escolherá as alternativas cujos benefícios esperados sejam maiores que os

custos estimados. Logo, o comportamento racional refere-se, em termos bastante

simples, a uma avaliação das vantagens e desvantagens de cada alternativa e da

escolha daquela alternativa que reúne mais vantagens e implica em menos

desvantagens. Ou seja, cada homem maximizará sua satisfação, escolhendo mais

do que quer e menos do que não quer.

Toda escolha se realiza dentro de um leque de alternativas. Este leque é

limitado conforme os custos das alternativas: há alternativas cujos custos são tão

altos que não são consideradas admissíveis. O custo ao qual a escolha racional se

refere não se limita ao custo monetário (dinheiro gasto com algo). Abrange também

o chamado custo real ou custo de oportunidade: aquilo a que se renuncia ou que se

deixa de ter pelo mesmo valor. Toda ação tem um custo real ou custo de

oportunidade, desde que haja escolha. Só não há custo quando a escolha não

existe. Como a escolha envolve um leque limitado de alternativas, dados os custos

envolvidos, há sempre uma tensão entre liberdade e restrição. Esta tensão se

resolve pelo cálculo de custo-benefício: a avaliação dos custos da ação frente aos

seus benefícios, das renúncias a serem feitas para que determinados ganhos sejam

obtidos. Este cálculo é sempre pessoal, subjetivo.

Ao fazer suas escolhas, as pessoas levarão em consideração natureza do

bem desejado (público ou privado), o momento em que os benefícios serão

recebidos e os custos serão incorridos e, finalmente, a incerteza que pode existir

sobre o montante exato de custos e de benefícios em uma situação de escolha.

O cálculo de custo-benefício pode envolver uma série de variáveis. Uma

delas é o timing dos custos e benefícios: quando alguém age, nem todos os custos

são incorridos imediatamente, e nem todos os benefícios são desfrutados de

imediato. Isto pesa na escolha.

Além disso, a escolha pode incorporar, também, a mudança no peso

relativo de um custo ou de um benefício. Algo que seria uma grande renúncia - custo

- hoje, pode não sê-lo dentro de algum tempo no futuro. O mesmo ocorre com os

4. Op. cit., 1985.

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benefícios. Por isso, a escolha racional envolve o valor presente, que é o valor de

um custo futuro, nos termos do momento presente. Todavia, tanto os benefícios

esperados como os custos esperados incorporam risco ou incerteza e isto pesa no

cálculo racional. As vezes, a racionalidade de uma escolha encontra-se no fato de

que o grau de incerteza de uma alternativa é menor que o de outras, cujos

benefícios - se não fosse a incerteza - poderiam ser até maiores.

Um outro elemento considerado pela concepção da escolha racional é a

natureza dos bens: privados, públicos e semi-públicos5. Um bem é privado quando

os seus benefícios são exclusivamente desfrutados pela pessoa que o possui. Um

bem é público quando não há possibilidade de excluir do seu desfrute nenhum dos

membros de um grupo. Finalmente, um bem é semi-público quando o escopo do

benefício é limitado, permitindo a exclusão dos que não participaram na sua

consecução ( free-riders ou caronas).

O problema maior está com a provisão dos bens públicos, exatamente

porque os indivíduos se comportam racionalmente. Como são bens não-exclusivos,

todos os membros do grupo podem desfrutar dele, mesmo que não tenham

enfrentado os custos de obtê-los. Por isso, em se tratando de grandes grupos,

quando o cálculo de cada indivíduo isolado mostrar que o custo de obtenção de um

bem público – ou seja: a participação na luta por ele - pode ser evitado e transferido

para outros membros do grupo, este indivíduo deixará de enfrentar este custo e

procurará apenas desfrutar dos benefícios, acreditando que aquele bem público vai

ser conquistado porque os outros membros do grupo participaram suficientemente.

Ocorre que todos os membros do grupo podem fazer o mesmo cálculo. Por isso,

embora o cálculo individual seja racional, o resultado agregado é totalmente

irracional: o grupo provavelmente não conquistará aquele bem. Esta é o chamado

“problema de Olson” na sua famosa análise sobre a lógica da ação coletiva (1963).

A tendência a se comportar de uma maneira que contempla estritamente a

racionalidade individual e que, ao se agregarem os comportamentos de todos os

membros de uma coletividade, geram resultados contrários aos interesses de todos

e de cada é infinitamente mais frequente nos grandes grupos, quando comparados

com os pequenos grupos. Isso ocorre porque quanto maior o grupo, maior o custo

de sua organização (coordenação e controle). Por este motivo é que pequenos

grupos como os cartéis, por exemplo, conquistam muito mais benefícios e com maior

facilidade do que, por exemplo, movimentos sociais de massa.

5 5

Especialmente na área da economia política existe uma extensa discussão sobre esses conceitos. Eles são apresentados aqui na sua forma mais simplificada, uma vez que abordar a

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II

Existem situações onde os atores escolhem alternativas que parecem ser

contrárias aos seus próprios interesses ou deixam de escolher a melhor alternativa

em determinadas circunstâncias. Trata-se das chamadas "escolhas sub-ótimas", nas

quais parece que os atores não procuraram maximizar a sua satisfação. Isto causa

perplexidade porque geralmente se supõe que as pessoas tentam se conduzir de

modo a maximizar a consecução dos seus objetivos, ou seja, a fazer escolhas

ótimas.

Existem diversas formas de explicar estes fenômenos: pode haver simples

erro de cálculo, como também as escolhas feitas podem resultar da atuação de

fatores não-racionais. O suposto adotado aqui é o de que os indivíduos e as

instituições são racionais, logo maximizadores. Portanto, as escolhas que parecem

sub-ótimas são casos de desacordo entre o ator e o observador: ou o ator não fez a

melhor escolha, ou o observador está errado.

O argumento é o seguinte: se as escolhas do ator parecem sub-ótimas

embora ele tenha informação adequada e suficiente, isto resulta do fato de que a

percepção ou a informação do observador estão incompletas: ele só vê um jogo,

mas o ator está envolvido em um conjunto de vários jogos. Assim, o que parece

sub-ótimo para um jogo só, mostra-se ótimo quando a perspectiva do conjunto é

considerada. Há duas situações de erro do observador: (1) quando ele pensa que

uma alternativa é ótima - e não é.(2) quando ele pensa que conhece todas as

alternativas do ator, e isto não é verdade: existem outras que são melhores e o

observador desconhece.

Porque o observador discorda do ator? Primeiro, porque o observador só vê

um jogo: o jogo da arena principal, mas há vários outros jogos acontecendo,

simultaneamente ou não. Neste caso, o jogo da arena principal está encaixado em

um jogo maior que define como os fatores contextuais influenciam os resultados para

o ator e para todos os outros jogadores, mantendo-se inalteradas as regras de

quaisquer dos jogos. Esta é a situação de jogos em arenas múltiplas.

Segundo, porque o ator age de modo a criar novas situações, que permitam

estabelecer opções melhores. Este procedimento implica mudança das regras do

jogo. Neste caso, o observador não vê que o ator está envolvido não apenas no jogo

extensa problematização a seu respeito excederia em muito o escopo deste texto.

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da arena principal, mas também em um jogo sobre as regras do jogo (um

regulamento de procedimentos). Neste caso, o jogo da arena principal está

encaixado em um jogo maior onde as regras do próprio jogo estão sendo alteradas.

Esta é a situação de jogos múltiplos de arranjo institucional.

Os jogos em arenas múltiplas têm resultados variáveis: o jogo é jogado em

uma arena, mas os resultados nesta são determinados pelos acontecimentos nas

outras arenas. As mudanças dos resultados na arena principal dependem da

magnitude dos ganhos, da comunicação entre os atores e do fato de o jogo ser

repetido ou não.

Nos jogos múltiplos de arranjo institucional a mudança institucional aparece

como um problema de maximização intertemporal, onde surgem complicações

porque os eventos futuros não podem ser claramente antecipados. A informação

disponível sobre os eventos futuros é de crucial importância para a escolha de

diferentes tipos de resultados institucionais. Os jogos de arenas múltiplas e os jogos

múltiplos de arranjo institucional são modalidades daquilo que Tsebelis (1990)

denominou “nested games”, um conceito que certamente contribui para uma melhor

compreensão da escolha racional.

III

Para avançar a discussão, vamos definir, inicialmente, que o

comportamento racional é aquele no qual os cursos de ação escolhidos por um ator

mostram-se os mais adequados para que ele atinja os fins que pretende. Em outras

palavras, trata-se da adequação entre meios e fins.

Existem dois conjuntos de teorias que não se baseiam na adequação entre

meios e fins: (1) as que não reconhecem o ator como unidade de análise; (2) as que

reconhecem o ator como unidade de análise, mas não assumem que o seu

comportamento seja racional.

1) Teorias sem ator: não analisam processos decisórios, e oferecem explicações

coletivistas de estrutura causal ou funcional.

De acordo com Elster (1989), existe nas Ciências Sociais uma tradição de

análise que se baseia na concepção de uma teleologia objetiva, ou seja, os

acontecimentos são explicados por uma finalidade que os guia, sem que existam

evidências de um sujeito intencional ao qual se atribui esta finalidade. Para além das

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distinções ideológicas, esta tradição abrange concepções como a "mão invisível" ou

noção de que na ordem social os vícios privados se transformam em virtudes

públicas; passa pela sociologia durkheimeana, que supõe a sociedade como um "ser

sui generis"; está presente na explicação funcionalista que imputa as causas dos

eventos às suas consequências esperadas, inclusive em termos de funções latentes;

e chega até ao marxismo, particularmente não que diz respeito aos supostos de que

a história possui leis próprias e de que a ação politica é ação de classe, orientada

por interesses objetivamente dados.

Explorando as teorias sem ator, Elster aponta três paradigmas:

(a) O Paradigma da Mão Invisível: consiste na suposição de um padrão institucional

ou comportamental cujas consequências (i) são benéficas para alguma estrutura ou

política; (ii) não são intencionais do ponto de vista dos atores individuais; (iii) não são

atribuidas pelos atores/beneficiários àquele comportamento.

(b) O Paradigma Funcional Principal (Mertoniano): Além das funções esperadas,

uma instituição frequentemente desenvolve funções latentes. São as funções

latentes (se existirem) de uma instituição ou comportamento que explicam a

presença dessa instituição ou comportamento.

(c) O Paradigma Funcional Forte: Todas as instituições ou comportamentos se

explicam pela função que lhes cabe exercer na sociedade.

Elster sustenta que os paradigmas funcionais (o principal e o forte) se

baseiam na suposta existência de propósitos para os quais não existe evidência de

haver um ator. Quem são os portadores deste propósito? Não se sabe.

Normalmente, pretende-se que se "a ordem social", algo reificado como a

proposição de Durkheim de que a sociedade seja um "ser", ainda que sui generis.

Elster analisa a teoria marxista e aponta um forte veio funcionalista em sua

estrutura lógica. Disso seriam exemplos não apenas a visão conspiratória do mundo,

que explica fatos – inclusive aqueles que contradizem os interesses da classe

dominante - em termos dos interesses de uma classe dominante, capaz de uma

intencionalidade e de uma teleologia para as quais não há evidências; outros

exemplos se encontram na tendência generalizada da teoria marxista de explicar as

instituições capitalistas em termos das suas funções para o capitalismo,

evidenciando-se na Teoria da Mais Valia, que sustenta que "Todas as atividades

beneficiam a classe capitalista e esses benefícios explicam a sua presença". Dessa

forma a lógica funcionalista permeia toda a teoria marxista, inclusive e

particularmente a análise do Estado capitalista.

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2) Teorias com Atores Não Racionais: são aquelas que supõem que os atores não

são maximizadores. Tsebelis sustenta que os comportamentos não maximizadores

só podem ser explicados de dois modos: pela ação impulsiva ou por uma profunda

fonte de irracionalidade (1990:22). Há entretanto, algo a acrescentar, a partir das

proposições de Adam Przeworski.

Analisando as respostas oferecidas pelo marxismo às proposições de Olson

sobre a ação coletiva, Przeworski (1988) alinha diversos argumentos que os

marxistas apresentam em defesa da ideia de que os trabalhadores apresentam um

lógica "própria" de ação coletiva: (i) trabalhadores não são egoístas; (ii)

trabalhadores são coagidos, por isso, não fazem realmente escolhas; (iii)

trabalhadores mudam suas preferencias mediante a comunicação; (iv) trabalhadores

cooperam em uma situação de dilema do prisioneiro que se repete (iterativa), e com

isso desenvolvem aprendizado para agir diferentemente de outros atores; (v) as

expectativas compartilhadas dos trabalhadores aglutinam ação coletiva. Infelizmente,

não existem evidências que sustentem esses argumentos – ao contrário.

IV

Tsebelis (1990) desenvolve sua argumentação para caracterizar a Teoria

da Escolha Racional, distinguindo dois conjuntos de requisitos da racionalidade.

O primeiro conjunto, denominado de "requisitos fracos", sustenta a

coerência interna do sistema de crenças e preferências dos atores. Crenças

consistem em avaliações mais ou menos genéricas que os atores fazem sobre

quaisquer situações. Preferências são as alternativas que os atores percebem, em

qualquer situação, como possibilidades de satisfazer os seus desejos. Assim, os

"requisitos fracos" são:

(i) Para que um ator aja racionalmente, não pode sustentar crenças e preferências

que sejam contraditórias entre si. Se um ator tem crenças contraditórias, não tem

como usar a razão. Por exemplo, se preciso decidir se necessito usar uma roupa de

frio para me proteger do clima, não posso acreditar simultaneamente, em duas

coisas: (a) vai fazer frio; (b) não vai fazer frio. Tenho que escolher o que me parece

mais realista para poder usar a razão. No máximo, posso tentar ser racional

estabelecendo cursos de ação alternativos, para ambas as eventualidades - mas

sem me esquecer que qualquer deles terá custos.

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Observe-se que crenças contraditórias impedem a ação racional, mas o

mesmo não acontece com as preferências. Isto porque é sempre possível escolher

entre preferências contraditórias, o que não acontece com as crenças. No caso das

crenças, quando se escolhe uma delas, a outra deixa de existir em termos de

parâmetro que orienta a escolha.

(ii) Para que um ator aja racionalmente, as preferências têm que ser transitivas: Se

eu prefiro A em lugar de B, e B em lugar de C, então prefiro A em lugar de C. Da

mesma forma, se prefiro E em lugar de F, mas também prefiro G em lugar de E,

então prefiro G em lugar de E.

Os requisitos (i) e (ii) significam o ator é capaz de maximizar a sua satisfação.

Todavia, não bastam para levar à ação definitivamente racional. Para isto é

necessário, ainda, que:

(iii) as decisões do ator racional devem estar em conformidade com o axioma do

cálculo da probabilidade, ou seja, na avaliação de qualquer situação, o ator deve

fazer escolhas nas quais a sua probabilidade de ganhar (conquistar benefícios, ter

seus desejos satisfeitos) seja sempre maior que a sua probabiblidade de perder

(enfrentar os custos sem ter os benefícios, frustrando os seus desejos). Esta é a

função objetiva que os atores racionais procuram maximizar.

Considerados os requisitos fracos da racionalidade, passemos aos

"requisitos fortes": eles exigem a correspondência entre as crenças e o

comportamento dos atores e o mundo real. Para começar a examinar tais requisitos,

primeiro é preciso definir o que seja equilíbrio: trata-se de qualquer situação da qual

nenhum dos atores tem incentivo ou interesse em se afastar.

Isto posto, os requisitos fortes são os seguintes:

(i) Nas estratégias equibilibradas, os atores agem em conformidade com as

prescrições da teoria dos jogos.

Para recuperar estas prescrições, voltemos a Elster (1989): A teoria dos

jogos baseia-se na ideia da interdependência das decisões. Esta interdependência

pode ser descrita em termos de três postulados:

(a) o ganho de cada um depende da escolha de todos;

(b) o ganho de cada um depende do ganho de todos;

(c) a escolha de cada um depende da escolha de todos.

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Trocando isto em miúdos, a ideia é a de que em qualquer jogo (interação)

existem vários jogadores e cada um deve escolher a sua estratégia ou ação.

Quando todos tiverem escolhido suas estratégias, cada um ganha de acordo com a

estratégia que ele próprio escolheu e com as estratégias que os outros escolheram.

Este é o significado do postulado (a).

Se pensarmos nas proposições de Olson sobre a consecução dos bens

públicos, entenderemos facilmente o segundo postulado. O que está em jogo, numa

situação de interdependência das decisões não é apenas o benefício individual, já

que é uma situação de interação que pode envolver, como vimos, não apenas o

presente imediato, mas custos e benefícios futuros. Por isso, ao decidir, o ator não

leva em conta apenas o seu ganho individual, mas também inclui nos seus cálculos

o que é que os demais jogadores poderão - possivelmente - ganhar naquele jogo.

Este é o significado do postulado (b)

O postulado (c) diz respeito à ação estratégica: o ganho de cada um

depende das escolhas de todos, ou seja, o jogo é sempre uma situação de

interação, que obriga cada um, ao escolher sua estratégia, a levar em conta o que os

outros irão fazer. Vale dizer, cada um deve procurar prever as decisões dos outros,

sabendo que eles também estarão tentando prever a sua.

É isto que significa o primeiro requisito forte: o comportamento dos atores se

ajusta ao mundo real quando estes postulados da teoria dos jogos são levados em

consideração. Ocorre que, segundo Tsebelis, o requisito de que os atores se

ajustem às prescrições da teoria dos jogos significa que os jogadores procuram

atingir o equilíbrio: escolhendo estratégias mutuamente ótimas, eles atingem uma

combinação da qual nenhum tem interesse em se desviar. Entretanto, pode haver

mais do que uma situação de equilíbrio em um jogo e o problema se torna escolher o

equilíbrio mais razoável. Esta escolha coloca em questão o problema de coordenar

os jogadores. Se esta coordenação não ocorre, a escolha da estratégia será errática

e o resultado não será equilíbrio.

(ii) As probabilidades subjetivamente estimadas devem se aproximar de frequências

objetivas. Na teoria dos jogos, todos os jogadores fazem o melhor uso das suas

prévias avaliações de probabilidades quanto às estratégias dos demais e dos

ganhos a serem obtidos, incluindo novas informações que eles obtém do ambiente.

Se as estimativas das probabilidades não se aproximam das frequências objetivas,

os atores racionais irão procurar melhorar as suas chances fazendo a revisão das

estimativas iniciais.

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(iii) As crenças devem se aproximar da realidade. O mesmo que ocorre com a

avaliação das probabilidades acontece com as crenças. As estratégias adotadas

expressam crenças e fornecem a cada jogador informações sobre as crenças dos

seus oponentes. Esta informação é usada para atualizar estratégias: um jogador

modifica as suas crenças ou o outro modifica sua estratégia.

Assim, os requisitos do comportamento racional são os de que preferências,

crenças e comportamentos (avaliações de probabilidades e ações estratégicas) não

apenas têm que ser consistentes entre si, mas também têm que ser

correspondentes ao mundo real (em equilíbrio).

V

Uma vez que mencionamos a Teoria dos Jogos e seus postulados centrais,

vamos explorá-la um pouco mais. Rapoport (1982) identifica três tipos de interação

social: lutas, jogos e debates. As lutas têm como objetivo eliminar o inimigo, de tal

maneira que deixe de representar ameaça. Os debates têm por finalidade atingir um

grau de persuasão tal que os discordantes não tenham como deixar de aderir aos

argumentos apresentados. As lutas, como os debates, se baseiam exclusivamente

na lógica da competição. os jogos não envolvem nem eliminação, nem persuasão;

nem conflito, nem argumentação: sua finalidade é a de que, usando sua melhor

estratégia, cada parte procure obter as vantagens necessárias para vencer o

adversário e a sua lógica competição, mas pode incluir também a cooperação. E

daí surgem diversos resultados possíveis. De maneira bastante simplificada,

usualmente adota-se a seguinte tipologia de jogos:

a) Jogos de dois jogadores. Podem ser jogos de soma zero ou jogos de soma

variável. Os primeiros são a expressão máxima do conflito, pois, a vitória de um

dos jogadores só pode ocorrer à custa da completa derrota do outro: para que

um ganhe, o outro tem que perder. Os jogos de soma variável são aqueles onde

nem um dos jogadores ganha tudo, nem o outro perde tudo: várias distribuições

alternativas são possíveis.

b) Jogos de vários jogadores, compreendendo as seguintes configurações:

b.1) Dilema do Prisioneiro: trata-se de um jogo onde dois jogam contra um terceiro.

Os dois primeiros não podem se comunicar, logo, não têm como combinar uma

estratégia comum. Eles podem, em princípio, agir cooperativamente. Mas podem,

Page 13: Escolha Racional, Ação Coletiva e Novo Institucionalismo ... · procurarão escolher as alternativas de ação que sejam mais satisfatórias, ou seja, mais compatíveis com o que

também, procurar se proteger não somente do terceiro jogador, mas um do outro, e

buscar maximizar a sua vantagem individual. Quando cada um dos membros desta

dupla de jogadores se comporta como se fosse um jogador isolado, ambos perdem

tudo e o terceiro jogador ganha. Os estudos da ação racional tem mostrado que,

geralmente, é o que acontece: não havendo informação compartilhada, há incerteza

sobre o curso de ação dos nossos parceiros. Assim, cada um de nós passa a pensar

apenas em buscar a própria vantagem. E todos acabam tendo o pior dos resultados.

Ou seja, cada um tentando ser o mais racional isoladamente, termina tendo

resultados absolutamente contrários aos seus interesses. O Dilema do Prisioneiro é

um modelo importante de situações onde o desafio é obter a cooperação em

contextos de incerteza.

b2) Jogo da Galinha: trata-se de um jogo de generalizada reciprocidade, pois as

consequências da não cooperação são tão desastrosas para todos que cada um

racionalmente terá incentivo a cooperar se outros jogadores não o fizerem.

Entretanto, cada jogador prefere que os outros contribuam sozinhos para obter o

resultado pretendido por todos. Mas, ao mesmo tempo, todos desejam ou

necessitam ter o resultado - e o terão, mesmo que não cooperem. Assim, o Jogo da

Galinha tem dois arranjos possíveis:

(i) cada jogador se dispõe a trabalhar pelo resultado pretendido, até mesmo

sozinho;

(ii) cada jogador se nega a trabalhar pelo resultado pretendido.

A consequência é que cada jogador desertará se houver um número suficiente de

outros cooperando ou, alternativamente, cada jogador cooperará se houver um

número excessivo de outros desertando. Assim, este jogo tem dois pontos de

equilíbrio e, em cada qual, cada jogador coopera embora o outro não o faça, de

modo que a não-contribuição de um força o outro a cooperar mais. Mas esta

cooperação é muito frágil e incerta porque se o fato de um jogador se recusar a

cooperar obrigar, de fato, os outros a cooperarem mais, a tendência será de que

todos corram para se negar a cooperar. Isso porque a vantagem fica com o jogador

que manifesta primeiro e mais firmemente a sua decisão de não cooperar, desde

que os demais continuem cooperando.

b3) Jogo da Garantia ou Jogo da Certeza: é um jogo onde os jogadores orientam o

seu comportamento por normas que servem para reduzir a incerteza sobre as

estratégias que cada um irá adotar. Este jogo tem dois pontos de equilíbrio: completa

cooperação ou completa deserção, ou seja, todos se comportam de acordo com as

normas ou todos violam as normas. Acontece que as normas geralmente são

criadas exatamente em benefício de todos. Por isso, a tendência é de que todos os

jogadores prefiram a cooperação. Cada jogador acredita que os outros vão agir de

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acordo com as normas e então torna-se racional “pagar na mesma moeda” : cumprir

as normas. Entretanto, como normas representam restrições e constrangimentos, há

enormes vantagens para qualquer jogador isolado em violá-las quando os demais as

estão acatando.

b4) Jogo do Imperativo Categórico: é aquele onde cada jogador decide se vai ou não

cooperar não à base de seus interesses instrumentais, mas a partir de convicções

quanto a valores. Também é chamado de “Jogo do Otário” pois o jogador que

coopera por motivações valorativas acaba sendo explorado pelos que não o fazem.

Uma das suas consequências é estimular os outros jogadores a se aproveitar da sua

disposição à cooperação. Entretanto, um resultado possível desse jogo é que o

“Otário” acabe se tornando um “Empresário Político” . Ou seja, alguém que arca

sozinho com os custos da ação coletiva, mas colhe os dividendos por outras vias

que não o próprio jogo no qual está envolvido.

Embora todos esses modelos, expostos dessa maneira, pareçam ser muito

abstratos, são inúmeras as suas aplicações práticas. O Dilema do prisioneiro, por

exemplo, pode ser usado para entender as estratégias das alianças eleitorais

previamente às convenções partidárias. O Jogo da Galinha presta-se ao

entendimento do comportamento dos atores em questões ambientais – onde o custo

da catástrofe é percebido por todos -, mas também se presta à análise de quaisquer

bens que só podem ser produzidos em grandes quantidades não desagregáveis,,

como por exemplo, as obras públicas. O Jogo da Garantia exemplifica bem o que

acontece em acordos de todo tipo, como por exemplo, os arranjos neo-corporativos

como os das câmaras setoriais. E o Jogo do Imperativo Categórico está na base, por

exemplo, de doutrinas como o pacifismo baseado no desarmamento unilateral nas

relações internacionais.

VI

Este é o momento de oferecer algumas respostas da teoria da escolha

racional às criticas que lhe são feitas. A abordagem da escolha racional enfrenta

uma série de críticas, algumas muito pertinentes. Outras, nem tanto, já que resultam

mais de um entendimento equivocado do que seja a própria teoria. Para iniciar,

recorramos a Tullock e McKenzie (1985) para enumerar o primeiro rol de

questionamentos:

1) O indivíduo faz muitas coisas que não revertem em seu benefício. (A teoria admite

que os indivíduos cometem erros)

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2) A teoria supõe indivíduos voltados para seus interesses particulares. (A teoria não

nega que existam objetivos altruistas, apenas sustenta que estes objetivos são

racionalmente perseguidos).

3) As pessoas estão sujeitas a comportamentos habituais ou impulsivos, orientados

por motivos psicológicos, que não podem ser considerados racionais. (A teoria

define comportamento irracional como aquele que não conduz ao melhor interesse

do indivíduo e o indivíduo sabe disto no momento da ação. No se pretende explicar

todos os motivos da ação.)

4) Os supostos do comportamento racional implicam considerável esforço para obter

e assimilar a informação. Nem sempre as pessoas podem assimilar a informação

necessária para fazerem escolhas racionais. (Pessoas podem cometer enganos.

Mas o conceito não supõe informação perfeita. As pessoas fazem escolhas racionais

à base da informação que possuem e podem racionalmente obter em um dado

contexto de escolha.)

5) As pessoas não são necessariamente maximizadoras: muitas nem sempre usam

o máximo das suas capacidades.(Isto também pode ser objeto de escolha racional:

são os valores do ator e não do observador que explicam a racionalidade do ato.)

Tsebelis avança em relação a Tullock e McKenzie, estabelecendo que a

racionalidade pode não ser o modelo, por excelência, de comportamento, mas é um

modelo muito adequado a determinado tipo de comportamento. Qual?

- O comportamento em situações nas quais a identidade e os objetivos dos atores

estão estabelecidos e as regras de interação são precisas e conhecidas dos

agentes. Por este motivo Tsebelis sustenta que não se trata de uma racionalidade

"desencarnada", mas sim de comportamentos que se do em contextos institucionais

que organizam a ação.

A posição de Tsebelis é, precisamente, a mesma de Elster e Reis (1984):

não é o caso de retratar o indivíduo racional como um átomo egoísta e isolado. Em

lugar disto, a teoria da escolha racional não discute os fins, e assim não incorre no

erro da teleologia objetiva. Admite, portanto, que tanto os objetivos egoistas como os

altruistas de indivíduos diferenciados - que só os únicos capazes de atribuir

finalidade e significado à ação - podem ser admitidos no cálculo racional. E leva em

consideração o fato de que os agentes que se situam em contextos históricos,

institucionais e sociais que impõem restrições com as quais os indivíduos têm que

lidar para satisfazer seus objetivos. Assim, o contexto institucional estabelece as

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regras do jogos, a partir das quais organizam-se os comportamentos dos atores, de

maneira a produzir resultados políticos e sociais. A ênfase neste contexto

institucional é característica do “novo institucionalismo”, como será visto a seguir.

VII

O Novo Institucionalismo6 é uma escola de pensamento que emergiu ao

longo da década de 80, tendo como principal foco de análise as instituições7. Não

se pode dizer, hoje, que o Novo Institucionalismo seja uma escola de pensamento

unificada. Para se ter uma ideia, existem pelo menos três vertentes deste tipo de

abordagem: o institucionalismo histórico, o institucionalismo sociológico e o

institucionalismo da ação racional ou teoria positiva das instituições (Powell e

DiMaggio, 1991, Hall e Taylor, 1996)8. Para evitar as ambigüidades e problemas

inerentes a qualquer revisão que tente sistematizar todas as abordagens 9 e

obviamente para não fugir aos objetivos deste capítulo, este texto se concentra na

perspectiva institucionalista da teoria da escolha racional.

De modo geral, a análise institucional reemergiu com grande força nas

pesquisas das ciências sociais das últimas décadas. O desenvolvimento destes

estudos contemporâneos deve-se, em grande medida, às observações empíricas

ocorridas ao longo da década de 1980 sobre a necessidade de criação de novas

instituições no contexto da redemocratização, na chamada “terceira onda

democrática”. Além disso, os modelos explicativos e teorias tradicionais da área

mostravam-se incapazes de explicar a ocorrência de fenômenos como a crise do

Estado nas democracias estáveis, a crise da representação política, o

desaparecimento de tradicionais clivagens de classe e as mudanças ideológicas

que começaram a emergir ao longo da década de 1970.

A análise institucionalista sob a perspectiva da escolha racional, por seu

turno, tem origem nos estudos do comportamento do Congresso americano, que

serviram em grande parte para resolver um interessante paradoxo. Os modelos

6 Gostaria de agradecer a leitura atenciosa e os comentários de Marcelo Gameiro.

7 Intitula-se “novo” a fim de se distinguir das análises institucionais praticadas nos Estados

Unidos no período anterior à Segunda Guerra Mundial (Limongi, 1994: 3). 8 Alguns ainda incluem o (novo) institucionalismo econômico (Cf. Powell e Dimaggio, 1991) e o

institucionalimo da teoria das organizações (Cf. March e Olsen: 1984). 9

Até porque estão brilhantemente elaboradas alhures. Veja os trabalhos de Powell e Dimaggio(1991) e de Hall e Taylor(1996), citados anteriormente.

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originais previam a dificuldade de obtenção de decisões estáveis ao longo do

tempo, caso fosse escolhida a regra de maioria, porque cada legislador possuiria

um ordenamento das preferências distinto dos demais e as alternativas de

políticas públicas e de legislação seriam multi-dimensionais, impedindo a

existência de um certo consenso acerca das propostas. Mesmo que uma decisão

fosse tomada, ela poderia ser revertida posteriormente, assim que uma maioria se

formasse em torno de uma nova alternativa.

Um dos pioneiros deste tipo de interpretação dos resultados coletivas nos

processos decisórios foi Kenneth Arrow (1963), com seu “Teorema da

impossibilidade”. Ele chamou a atenção para o problema das maiorias cíclicas, ou

melhor, da impossibilidade da obtenção de decisões estáveis ao longo do tempo.

Isto ocorreria porque, embora os indivíduos sejam capazes de listarem suas

preferências de maneira ordenada e transitiva10, ao agregá-las poderemos chegar

a uma situação onde elas se tornem intransitivas, impossibilitando a existência

de uma decisão única e estável11.

Embora o teorema de Arrow fosse muito instigante, ao ser aplicado aos

estudos legislativos não encontrava respaldo nas observações empíricas, pois o

que se constatava era uma considerável estabilidade nas decisões. Para uma

explicação desse fenômeno, os analistas começaram a examinar as instituições

que, como afirmaram Hall e Taylor, teriam a função de diminuir “os custos de

transação nas negociações permitindo ganhos de troca entre os legisladores

permitindo a aprovação de legislação possível” e de garantir a estabilidade da

legislação. Desta forma, as instituições resolveriam os problemas de ação coletiva

existentes no seio do legislativo, reduzindo a incerteza relativa aos resultados das

decisões e aos comportamentos dos legisladores mediante a estruturação de

normas e regras de conduta12.

VIII

Quais as características do novo-intitucionalismo na sua vertente da ação

racional? Douglas North (1990: 6) atribui ao papel das instituições a “redução da

incerteza pelo estabelecimento de uma estrutura estável (mas não

10

Isto quer dizer que os indivíduos são capazes de hierarquizar seus interesses por ordem de preferência. Assim, um indivíduo A poderia dizer que prefere a política X à Y à Z (portanto X>Y>Z). Portanto este indivíduo sempre escolherá X se comparado com Y ou Z ou também escolherá Y se comparar apenas com Z. Este é o princípio da transitividade. 11

Para uma boa revisão em português desta e de outras teorias sobre a instabilidade das decisões coletivas veja Limongi, 1994. 12

Entende-se como instituição: as normas legais formais, as normas informais (costumes) e as organizações, como partidos, sindicatos, igrejas, universidades, empresas, etc

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necessariamente eficiente) de interação humana”. Se, por um lado, existe um

certo acordo entre os estudiosos acerca do papel das instituições criação de

uma estrutura de interação para a redução da incerteza das decisões coletivas,

diminuição dos custos de transação, etc. , por outro, há uma imensa divergência

quanto à sua precisa definição. Genericamente, as instituições não se restringem

apenas às organizações e instituições formais (partidos, Congresso, comissões,

etc.), podendo significar também normas, rotinas, procedimentos ou convenções

relacionados aos aspectos culturais de uma determinada comunidade. Para os

fobjetivos deste artigo, as instituições são definidas apenas nos seus aspectos

formais, incluindo-se aí as leis positivas e escritas. Em outras palavras as

instituições referem-se às estruturas e aos procedimentos que regulam as

interações (regras do jogo) dos indivíduos.

Uma definição bem mais precisa é apresentada por Shepsle e Bonchek

(1997): “(...) uma instituição consiste em uma divisão de atividades, um grupo de

indivíduos e a correspondência das atividades com os indivíduos de modo que um

subgrupo de indivíduos tenham jurisdição sobre uma atividade específica. Uma

instituição também consiste de mecanismos de monitoramento, controle e outros

incentivos que conectem as atividades específicas de uma jurisdição dos

subgrupos a uma missão geral”.

Hall e Taylor (1996: 944-945) apontam quatro características distintivas do

novo institucionalismo na sua vertente da escolha racional. O primeiro deles

refere-se ao próprio modelo da escolha racional de comportamento humano. As

preferências dos atores são tidas como fixas e transitivas de maneira que os

indivíduos saibam sempre distinguir os objetivos e interesses prioritários dos

secundários. A satisfação e a maximização dos interesses pessoais molda o

comportamento humano, os indivíduos sempre agem de maneira estratégica para

obter o máximo benefício possível e, como regra geral, eles sempre preferem mais

(dinheiro, bens, políticas, etc.) a menos. O resultado das interações humanas, na

ausência de restrições à ação, seriam determinados pelo comportamento

estratégico e pelo cálculo intensivo dos atores. Contudo, esta situação poderia

levar a uma situação coletivamente desfavorável, ou Pareto-inferior, para utilizar a

linguagem da economia e da teoria dos jogos. O objetivo das instituições seria o

de regular as interações humanas, provendo os mecanismos para a cooperação, e

evitando que a maximização dos interesses pessoais provoque efeitos deletérios

sobre todos. Além disso, as instituições têm um papel crucial para reduzir as

incertezas relativas aos resultados da ação coletiva.

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Em resumo, “as instituições afetam o comportamento basicamente dotando

os indivíduos de maiores ou menores graus de certeza sobre os comportamentos

presentes e futuros de outros atores. Mais especificamente, as instituições

fornecem informações relevantes para o comportamento dos outros, os

mecanismos de garantia (enforcement) dos acordos, penalidades para a

defecção, entre outros.

O ponto a principal é que as instituições afetam as ações individuais

alterando as expectativas que os atores têm sobre as ações que os demais

provavelmente tomarão em resposta a suas próprias ações” (Hall e Taylor, 1996:

939).

Em segundo lugar, os autores informam que os analistas políticos adeptos

da perspectiva da escolha racional, “tendem a ver a política como um série de

dilemas de ação coletiva” (Hall e Taylor, 1996: 945). A não ser que haja algum

mecanismo de interação, os resultados dos esforços para a satisfação dos

interesses individuais serão sempre sub-ótimos coletivamente. Em outras

palavras, haverá sempre a possibilidade de um resultado melhor se os indivíduos

cooperarem. Este problema remete ao papel das instituições. Elas podem ser

compreendidas como estruturas de governança que permitem a condução e

coordenação dos negócios públicos e/ou das ações coletivas(Lane, 1995).

A terceira característica refere-se ao papel político das instituições. As

instituições estruturam as interações dos indivíduos ao “afetar a gama e

sequência das alternativas na agenda das escolhas ou ao prover as informações e

os mecanismos de garantia (enforcement) dos acordos que reduzem a incerteza

sobre o comportamento correspondente dos atores e propiciam “os ganhos de

troca”, desta forma induzindo os atores a um cálculo particular e a resultados

sociais potencialmente melhores” (Hall e Taylor, 1996: 945).

A quarta e última característica trata da origem e da sobrevivência das

instituições. Na perspectiva da escolha racional, elas surgem pelo cálculo racional

dos atores. O processo seria semelhante à resolução do problema hobbesiano,

onde as interações humanas são inviabilizadas a não ser que haja um acordo

sobre a criação de uma entidade leia-se, instituição que possibilite a

maximização dos interesses de forma coordenada, sem que isto se torne um jogo

de soma-zero (representado pelo estado de natureza de Hobbes). Este conceito

refere-se ao que Shapsle (1978: 7) denominou de “maximização restringida pela

estrutura institucional”13.

IX

13

No original: “constrained maximization in an institutional setting”.

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A partir do que foi acima exposto emergem as seguintes questões: como

estudar as instituições? Quais elementos considerar? Como proceder?

Existem atualmente, na ciência política, vários estudos institucionalistas. De

uma forma geral, eles englobam duas áreas básicas: as instituições políticas

domésticas e as relações internacionais (Powell e DiMaggio, 1991: 5). Contudo,

para um iniciante na área, muitas vezes fica difícil identificar como estes estudos

se distinguem das abordagens tradicionais. Além disso, os interessados em iniciar

estudos institucionalistas, em geral não possuem informação sobre os elementos

a serem considerados e de que forma devem ser tratados.

Para auxiliar na solução desses e outros problemas, Shepsle e Bonchek

(1997) elaboraram, de maneira simples e didática, um arcabouço para o estudo

das instituições, originalmente desenhado para os estudos de política doméstica,

mas também bastante útil para os estudos em relações internacionais.

Os autores propõem a consideração de quatro componentes: 1) a divisão do

trabalho e os procedimentos regulares; 2) A especialização do trabalho; 3) as

jurisdições; e 4) a delegação e o monitoramento.

1) A divisão do trabalho e os Procedimentos Regulares

Todas as instituições são compostas de procedimentos que regulam seu

funcionamento e da divisão de trabalho para que seus objetivos sejam alcançados

com maior eficiência. As regras são parte integrante da rotina institucional e

possibilitam a divisão do tempo de trabalho e o ordenamento das deliberações.

Isto possibilita uma maior agilidade e eficiência no trabalho além de diminuir os

custos de transação, isto é, os custos resultantes da realização dos negócios.

Divisão de trabalho permite que cada indivíduo planeje seu trabalho e que

tenha uma certa autonomia para executá-lo. Desta forma, os indivíduos podem

saber de antemão quando e onde participar de uma atividade e sua margem de

discrição na realização das mesmas. Um outro elemento importante da divisão de

trabalho e dos procedimentos é a atribuição clara de poder (empowerment) e de

seus limites, aos membros da organização. Desta forma é possível aumentar a

eficiência institucional, já que cada membro tem a exata noção de suas

atribuições, e, ao mesmo tempo, produzir os controles necessários para evitar o

comportamento arbitrário, principalmente dos líderes.

Para tanto, as regras devem ser claramente estabelecidas (Constituição,

regulamentos, regimentos, etc.) bem como os procedimentos de alteração ou

suspensão das mesmas. Instituições significam regularidade e permanência, por

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isso, não é possível falar em instituição na ausência de regras ou na sua mudança

constante e sem critérios.

2) Especialização

Não basta haver divisão do trabalho e o estabelecimento das regras e

procedimentos se as instituições não souberem fazer bom uso das habilidades,

talentos, preferências e interesses dos indivíduo. A instituição capitaliza com a

oferta de capital humano, deve saber tirar proveito disso. Além disso, elas devem

ser estruturas eficientes de produção de especialização (expertise). Vejamos por

quê.

Como foi visto acima, a divisão de trabalho, junto com a elaboração de

normas de funcionamento, permite a maximização das capacidades individuais no

interior das instituições. Em outras palavras, elas passam a produzir melhor e de

forma mais eficiente, utilizando-se do mesmo capital humano. Melhor ainda será

se os indivíduos que operam sob uma determinada instituição puderem se

especializar, pois maximizam suas atividades. Isto é muito benéfico para

instituição já que permite , através dos especialistas, obter a maior quantidade de

informação sobre os objetos de seu interesse, e desta forma, produzir os

resultados desejados, tornando-se mais ágeis e efetivas.

Para o melhor entendimento do conceito de especialização, pode-se

imaginar as relações entre os membros de um partido (políticos) e seu partido

(instituição). O ideal para o partido é que possa lidar com todas as questões

presentes no quotidiano, de modo a apresentar propostas para cada delas,

seguindo as suas diretrizes programáticas. Contudo, a obtenção destas

informações pode ser um problema, pois os partidos não possuem os recursos

(financeiros, humanos, etc.) que desejam. Eles devem buscar meios de resolver o

problema com os orçamentos e estruturas limitadas que possuem. Um mecanismo

para o processamento destes problemas é a divisão do trabalho e a criação de

regras, como salientados anteriormente. Mas isso só não basta porque, embora o

partido possa atuar com maior eficiência, ele obterá melhores resultados se

possuir especialistas em determinadas questões. Estas pessoas são chaves para

produzirem respostas rápidas aos problemas apresentados ao partido, porque

elas são autoridades nos assuntos. Portanto, para o partido é melhor possuir

vários especialistas em questões diversas (Orçamento Público, Legislação, Meio

Ambiente, Economia, etc) do que concentrar-se em um (ou poucos) tema(s) ou ter

vários generalistas. Assim, eles têm a quem confiar um determinado assunto e

não necessitarão de opiniões ou pareceres de pessoas fora do círculo partidário, o

que é sempre delicado, principalmente em se tratando de partidos políticos, pela

falta de engajamento programático.

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3) Jurisdição

O terceiro componente tratado por Shepsle e Bonchek, na análise das

instituições, é o delineamento de jurisdições. Estas referem-se ao espaço de

atuação das instituições, ou seja, aos limites de sua ação. Os prefeitos, por

exemplo, só podem utilizar de suas prerrogativas executivas dentro dos limites do

município onde foram eleitos. Esta é sua jurisdição política. Da mesma forma, as

instituições só atuam dentro de uma jurisdição.

Mas se são partes integrantes das instituições, poderíamos nos perguntar

porque seria importante considerar as jurisdições. Em primeiro lugar, as

jurisdições devem ser bem delineadas, para que as instituições operem de

maneira satisfatória. Por exemplo, para que haja separação e harmonia entre os

Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, é preciso que suas atribuições sejam

estabelecidas de forma clara, sem haver sobreposição de jurisdições.

Em segundo lugar, o delineamento das jurisdições é um incentivo à

especialização. Tornar-se um especialista gera custos14 para o indivíduo, pois, no

mínimo, tem que dedicar tempo para isso. Ninguém fará este sacrifício caso

perceba que seu esforço não será utilizado. Os departamentos de uma

universidade são um bom exemplo para o argumento. Eles são divididos em

disciplinas para que os professores possam se especializar. Um professor de

química nunca se esforçaria para ser um bom profissional em sua área, caso a

universidade decidisse recrutar um sociólogo para lecionar química para os

graduandos.

Em último lugar, jurisdições bem desenhadas conferem autonomia decisória

às instituições, pelo menos no que diz respeito à condução de seus trabalhos e ao

estabelecimento de regras internas de funcionamento. Os departamentos

universitários podem decidir autonomamente suas questões internas, desde que

não firam os regulamentos gerais da universidade.

4) Delegação e Monitoramento

Na vida moderna, em geral as pessoas não dispõem de tempo para a

realização de todos os seus interesses. Para contornar o problema, delegam as

mais diversas atribuições a agentes especializados. Os políticos profissionais, por

exemplo, existem para nos representar na arena política, pois não dispomos de

tempo nem interesse para lidarmos com o dia-a-dia do ato de legislar. Nas

empresas, delegamos atividades a outros funcionários para aumentarmos a

capacidade de processá-las. Estabelecemos, assim, uma relação de

agente-principal. O principal é o titular da relação, é quem delega as atividades. O

14

Não apenas o custo monetário, como foi enfatizado anteriormente.

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agente, por seu turno, está encarregado de defender os interesses do agente, é o

delegado.

Para ilustrar a relação agente-principal, Adam Przeworski (1998) invoca o

exemplo de um cliente e um mecânico. Quando o cliente começa a sentir

problemas em seu carro, comunica ao mecânico, especialista no assunto. Ao

executar o conserto, o mecânico avisa o quanto demorou para sanar o problema e

os reparos feitos. O cliente então paga e vai embora. Nesta exemplo, o principal

era o proprietário que contrata o agente para atuar em defesa de seu interesse: o

conserto do carro.

Um dos problemas da relação agente-principal é o oportunismo pois, ao

mesmo tempo que delegamos, incorremos no risco dos indivíduos, a quem

investimos de autoridade para realização de nossos interesses, utilizem estes

poderes em seu benefício. No exemplo do mecânico, não sabemos se, de fato, ele

trocou as peças indicadas ou apenas apertou alguns parafusos. Os agentes,

justamente por serem especialistas, têm melhor informação sobre os meios de

satisfazer os interesses do principal e dos custos para sua realização. Além do

mais, os agentes também incorrem em custos para realizarem as atividades

afinal de contas eles utilizam seu tempo e recursos. Por isso, os incentivos para

que os agentes utilizem-se do ato da delegação apenas para a realização de seus

interesses pessoais são altos.

O oportunismo é gerado basicamente assimetria de informação entre o

principal e o agente, que se expressa pela sonegação de informações (hidden

information) e pela ação oculta (hidden action) (Kiewiet e McCubbins, 1991). No

primeiro caso, como os agentes adquirem e tomam posse de informações que não

estão disponíveis ao principal ou cujos custos sejam proibitivos para obtê-las, eles

têm incentivos para utilizá-las estrategicamente ou escondê-las (idem: 25).

Exemplificando, numa relação entre um deputado (agente) e seus eleitores

(principal), existem situações onde o deputado possivelmente sabe de (quase)

todos efeitos de uma legislação, mas prefira revelar apenas suas vantagens.

Kiewiet e McCubbins chamam a atenção para uma variante da sonegação de

informações que é a seleção equivocada do agente, ou seleção adversa.

Precisamos escolher agentes para as mais diversas atividades, como vimos

anteriormente. Mas como ter certeza da escolha correta? Não dispomos de

informações sobre todas qualidades e defeitos deste indivíduo prestes a ser

selecionado, portanto, podemos incorrer em uma seleção equivocada, quando o

agente não possui os atributos esperados.

Quanto à ação oculta, ela ocorre porque não podemos fiscalizar e controlar

todos os passos de nossos agentes. Os eleitores não conseguem observar

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constantemente se seus representantes eleitos estão atuando em defesa dos seus

interesses. O mesmo ocorre em todas relações agente-principal.

Um problema da ação oculta é a falta de compromisso derivada do risco

moral do principal. Em uma relação agente-principal, existe a possibilidade que o

agente mude seu comportamento, e passe a atuar de maneira distinta. O mesmo

pode ocorrer com o principal. Com isso, os compromissos acordados no

estabelecimento da relação deixam de ter credibilidade. No âmbito das

instituições, o risco moral deriva da tendência de seus membros privilegiarem os

objetivos privados em detrimento dos objetivos públicos das instituições (Shepsle

e Bonchek, 1997: 310).

X

São as instituições que regulam estas relações e evitam, pelo menos em

parte, a conversão do ato de delegação em abdicação15. As instituições têm o

papel crucial de reduzir os problemas provenientes da seleção equivocada, do

risco moral, do oportunismo e daqueles gerados pela assimetria de informações.

É ai que entra o papel do monitoramento, apresentado no arcabouço de

estudo das instituições. No estudo sobre a lógica da delegação, Kiewiet e

McCubbins apresentam maneiras de monitoramento, que não são

necessariamente excludentes. A primeira refere-se ao desenho do contrato. Fica

muito mais fácil controlar os agentes quando os termos da relação são claramente

estabelecidos. Constituições, regimentos, regulamentos internos, contratos

comercias, prestam-se a isto. Desta forma, ficam estabelecidas tanto as

recompensas quanto as sanções.

A segunda maneira refere-se à criação de mecanismos eficientes de triagem

e seleção dos agentes. Este mecanismo presta-se a resolver o problema da

seleção equivocada, levantado anteriormente. Isto é importante porque muitas

vezes é muito custoso destituir um agente, ou mesmo transformar suas ações

para que atue da maneira esperada. Se tomarmos os servidores públicos na

existência de estabilidade como exemplo, este fato se torna bem claro. Portanto

é importante o desenvolvimento de meios de triagem e seleção.

15

Utiliza-se aqui a mesma definição dada para a disjuntiva delegação-abdicação por Kiewiet e McCubbins (1991). Delegação refere-se ao ato de transferir autoridade e de recursos para agentes no intuito de promoverem os interesses do principal de forma mais eficiente. Ela se converte em abdicação quando o agente passa a atuar exclusivamente em prol de seus interesses particulares em detrimento daqueles do principal.

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Um terceiro mecanismo são os procedimentos de monitoramento e de

circulação de informações. Estes destinam-se a resolver o problema da ação

oculta e de sonegação de informações. Estes mecanismos forçam os agentes a

revelarem as informações que dispõem e também suas ações.

O quarto e último mecanismo apresentado pelos autores refere-se aos

controles institucionais. Esta forma de monitoramento foi pensada originalmente

pelos federalistas, que partiam do princípio que uma delegação absoluta de

poderes a apenas uma pessoa ou instituição levaria ao poder arbitrário, agindo

contra os interesses do principal. Para que isso fosse evitado, o “poder deveria

controlar o poder”. O controle institucional estabelece que “quando a autoridade

for delegada a um agente, deve haver pelo menos um outro agente com

autoridade para vetar ou bloquear as ações daquele agente” (Kiewiet e

McCubbins, 1991:34).

Para além destes mecanismos, Adam Przeworski (1998) propõe ainda outros

três:

(1) a criação de múltiplos agentes ou de múltiplos principais com objetivos

dissonantes, para que um controle o outro;

(2) estabelecimento de competição entre agências. Embora este mecanismo tenha

sido elaborado para minorar as dificuldades de operação eficiente das agências do

Estado, ele pode ser também utilizado para o contexto de outras instituições.

(3) Descentralização, para aumentar a accountability, ao aumentar a proximidade

entre o agente e o principal.

Em resumo, o arcabouço de estudo das instituições é útil para o

entendimento da operação das mesmas porque, como mencionam Shepsle e

Boncek, “(...) a divisão e a especialização do trabalho, subscritos pela criação de

subunidades com jurisdições bem delineadas, permitem à instituição

descentralizar suas operações. Isto, por seu turno, facilita a delegação de

autoridade e recursos a especialistas que, por possuírem influência

desproporcional sobre os eventos nos seus respectivos campos de atividades,

também têm incentivos para desenvolver melhor seu expertise. O ato de

delegação, no entanto, gera um problema de controle no qual os especialistas

podem ter oportunidades para perseguir objetivos privados em detrimento dos

objetivos públicos da instituição (...). É provavelmente impossível resolvê-lo

inteiramente, mas as instituições normalmente estabelecem mecanismos tanto

para monitorar o desempenho das subunidades, como para controlar o

comportamento oportunista que fuja aos objetivos institucionais.”

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