Escravismo Colonial, Jacob Gorender

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O Escravismo Colonial:  A revolução Copernicana de Jacob Gorender  A Gênese, o Reconhecimento, a Deslegitimação 1 Mário Maestri 2 1 1 Versãoinicial desteartigofoiapresentadaem: MAESTRI, Mário. O escravismocolonial: a revoluçãocopernicanadeJacob Gorender.História& Luta deClasses.RiodeJaneiro:,p.77-102,2005; Revista Espaço Acadêmico,v.35e36,n.1e2,abril e maio de 2004. www.espacoacademico.com.br. Agradecemos a leitura da lingüista Florence Carboni, do jornalista Duarte Pereira, do historiador Théo Loubarinha Piñeiro e o apoio documental do Dr. Antônio Ozaí da Silva. 2 Professor do Programa de Pós-Graduação em História. Universidade de Passo Fundo. E-mail: [email protected]

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O Escravismo Colonial: A revolução Copernicana de Jacob Gorender

 A Gênese, o Reconhecimento, a Deslegitimação1

Mário Maestri2

1

1 Versão inicial deste artigo foi apresentada em: MAESTRI, Mário. O escravismo colonial: a revolução copernicana de JacobGorender. História & Luta de Classes. Rio de Janeiro:, p.77-102, 2005; Revista Espaço Acadêmico,v.35e36,n.1e2,abril

e maio de 2004. www.espacoacademico.com.br. Agradecemos a leitura da lingüista Florence Carboni, do jornalista DuartePereira, do historiador Théo Loubarinha Piñeiro e o apoio documental do Dr. Antônio Ozaí da Silva.

2 Professor do Programa de Pós-Graduação em História. Universidade de Passo Fundo. E-mail: [email protected]

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Sumário

1 Formação e trajetória de um militante comunista....................................................................... 4

 2 O escravismo colonial: Uma Revolução Copernicana .................................................................. 9

 3 Leis Tendenciais da produção escravista colonial ........................................................................ 14

4 Esboço de interpretação da formação social brasileira.................................................................. 17

5 O escravismo colonial: apogeu e crise ......................................................................................... 23

6 Escravismo Colonial: Questionamentos ...................................................................................... 25

7 A escravidão reabilitada e a maré neoliberal ............................................................................... 37

Obras de Jacob Gorender .............................................................................................................. 41

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1 Formação e trajetória de um militante comunista

 Jacob Gorender nasceu em 20 de janeiro de1923, em Salvador, onde viveu sua infância noscortiços habitados pela comunidade pobre da-quela cidade. Seu pai, Nathan Gorender, judeuucraniano socialista e anti-sionista, emigrara apósas jornadas revolucionárias de 1905 para a Argen-

tina, onde vivera por cinco anos. A seguir, talvezatraído pela pequena comunidade judaica de Sal-vador, partiu para a Bahia, onde viveu e traba-lhou humildemente como vendedor à prestação.

 Após concluir os estudos primários na EscolaIsraelita Brasileira Jacob Dinenzon, de 1933 a1940, Jacob Gorender prosseguiu os estudos gi-nasiais e o preparatório no Ginásio da Bahia, es-cola pública de grande prestígio, freqüentada ha-bitualmente pelos filhos da elite baiana. Em

1941, matriculou-se na Faculdade de Direito da-quela cidade, onde se manteve até 1943. Militan-te daUnião de Estudantes daBahia, eminícios de1942, foi cooptado para pequena célula universi-tária comunista fundada por Mário Alves e Aris-ton Andrade, que secundavam, no meio estudan-til, a rearticulação do PCB na Bahia dirigida porGiocondo Dias.

Os jovens estudantes comunistas participaramativamente da mobilização pela entrada do Brasilna II Guerra, que cresceu fortemente com os tor-pedeamentos de navios brasileiros, a partir de iní-cios de 1942. Seis décadas após os fatos, Goren-der lembra a emoção despertada pelos cadáveresde passageiros que chegavam às costas baianas.Nesses anos, trabalhou como repórter nos jornaisO Imparcial e O Estado da Bahia.1

Em 1943, Gorender, Ariston Andrade eMário Alves arrolaram-se na FEB, em resposta

ao desafio lançado pelo general Demerval Pei-xoto, comandante da VI Região Militar, aos es-tudantes que exigiam nas ruas a declaração deguerra. Mário Alves foi, porém, reprovado noexame médico. Na viagem para o Sul, Goren-der conheceu, a bordo de pequeno navio-trans-

porte, a despreocupação acintosa dos oficiaiscom os praças, obrigados literalmente a alimen-tar-se com carne crua, motivo de uma quase re-volta em alto mar, que Gorender contornou aointerceder junto aos oficiais pela melhoria notratamento alimentar.

Partindo para o front 

Com 21 anos, em Pindamonhangaba, em SãoPaulo, e no Rio de Janeiro, Gorender recebeu trei-namento militar como membro do corpo de co-municações, partindo, a seguir, para o porto deNápoles, no sul da Itália, onde chegou em setem-bro de 1944. No fronte de batalha, participoudos ataques ao Monte Castelo e a Montese, nooutono-inverno de 1944, acompanhando a ofen-siva aliada até o fim da guerra.

Gorender lembra que, durante a campanha,não raro, era acordado, com seus companheiros, ànoite, sobo frio invernal, para empreender opera-ções na chamada “terra de ninguém”, estendendoou remendando cabos de comunicação partidos.Estacionado em Pistóia, na Toscana, freqüentoua sede do Partido Comunista Italiano, presencian-do discurso de Palmiro Togliatti [1893-1964],secretário-geral do PCI e homem de confiança de

 Josef Stalin na Itália.

4

1 Cf. TOLEDO, Caio Navarro de. Notas sobre Jacob Gorender: o engajamento intelectual Seminários , n. 2, São Paulo,

 Arquivo do Estado/Imprensa Oficial do Estado, maio 2003; MAESTRI, Mário. Da Europa, o olhar crítico sobre o Brasil.Entrevista concedidaa J. Gorender.Diário do Sul . PortoAlegre, Rio Grande do Sul, 9 out.1987. Entrevista, realizada em7 dez. 2003, na residência de J. Gorender, em São Paulo.

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De volta ao Brasil, na Bahia, retomou o cursouniversitário, que logo abandonou para militarprofissionalmente no PCB, legalizado em 1945.Em fins de 1946, já no Rio de Janeiro, Gorenderingressou na redação do semanário comunista AClasse Operária e no secretariado metropolitanodo PCB.

 A Guerra Fria ensejou o abandono da políticade colaboração do PCB com as elites nacionais,por linha semi-insurrecional de confronto diretocom o Estado e com o governo conservador deEurico Gaspar Dutra [1946-50] – Manifesto deLuís Carlos Prestes, de agosto de 1950. A orienta-

ção esquerdista prosseguiu, aos menos retorica-mente, mesmo após a vitória de Getúlio Vargas,em fins de 1950. Em 1951-3, Gorender transfe-riu-se para São Paulo, entrando no Comitê Esta-dual do PCB, novamente na ilegalidade, desdemaio de 1947.2

De volta ao Rio de Janeiro, em 1953, partici-pou da organização dos “chamados cursos Stalin” ,destinados a militantes e dirigentes comunistas.3

Nesses anos, trabalhou no diário comunista

Imprensa Popular e conviveu com a geração de fer-ro stalinistabrasileira, na qual destacavam-se Car-los Marighella, João Amazonas, Diógenes de

 Arruda Câmara e Pedro Pomar, que se entrega-vam, sem reservas e grandes inquietações teóri-co-intelectuais, à revolução, como lembraria anosmais tarde.4

Nova política

Em novembro de 1954, Gorender foi eleitomembro suplente do comitê central, no IV Con-gresso do PCB, realizado em São Paulo, que rea-firmou o caráter do Brasil como “país semicoloniale semifeudal” e a “luta por um governo democrá-tico e popular”, dirigido pela “Frente Democráti-ca de Liberação Nacional”. Apesar da linha dura,

o PCB apoiou, nas eleições de outubro de 1955, aaliança PDS-PTB que apresentou Juscelino Ku-bitschek e João Goulart à presidência e vi-ce-presidência [1956-61].

Em 1955, Gorender integrou a segunda tur-ma brasileira a cursar a escola superior de forma-ção de quadros da PCURS, em Puschkino, na an-tiga sede da Internacional Comunista, a uns trin-ta quilômetros de Moscou. Apesar do seu baixonível teórico e cultural, o curso lhe permitiria do-minar o russo e, mais tarde, traduzir para o portu-guês alguns clássicos do marxismo stalinista. Du-rante a escola, iniciou seu relacionamento com a

companheira de toda a sua vida, uma das dez co-munistas que seguiam a escola. Idealina da SilvaFernandes era filha do operário eletricista Her-mogênio da Silva Fernandes, um dos fundadoresdo PCB, em 1922.

Em Moscou, os comunistas brasileiros foramnotificados, parcialmente, em 1956, do relatóriode Kruschev sobre Stálin, que Gorender pode ler,na sua totalidade, em edição reservada aos funcio-nários do PCURS. As revelações de Kruschev lan-

çaram o movimento comunista na confusão eapressaram o retorno dos brasileiros de Moscou,em meados de 1957.5

De volta ao Brasil, no Rio de Janeiro, dirigiu aImprensa Popular  e, a seguir, o semanário Voz Operária, onde haviam sido abertas colunas dedebates sobre a situação do PCB, algo inusitadoaté então. Em 1958, com a aprovação de Prestes,Giocondo Dias reuniu pequeno grupo de diri-gentes – Alberto Passos Guimarães, Mário Alves,

 Armênio Guedes, Jacob Gorender – para redigi-rem documento substitutivo à orientação oficial,à margem do Comitê Central, onde tinham forçastalinistas, como João Amazonas, Diógenes Arru-da, Pedro Pedro Pomar e Maurício Grabois.

Publicado na Imprensa Popular  e, a seguir,como livreto, o documento conhecido como a“Declaração de Março” materializou a definitiva

5

2 Cf. MAESTRI. Entrevista citada.3 Cf. TOLEDO, op.cit.4 Cf. MAESTRI. Entrevista citada.5 DIAS, Giocondo. A vida de um revolucionário : meio século de história política no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1993.

p. 190.

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substituição da política esquerdista, que regera opartido após sua ilegalização, por proposta de di-reita, de aliança com a burguesia nacional e pro-

 gressista. Por primeira vez, propunha-se a possibi-lidade da conquista pacífica do poder, materiali-zação no Brasil da nova orientação mundial daburocracia soviética de franca coexistência pacífi-ca. O caráter da revolução brasileira, diziao docu-mento, era antiimperialista e antifeudal, nacionale democrático.

Burguesia progressista

 A nova política estava sendo aplicada desde oapoio do PCB à candidatura Juscelino Kubits-chek. Apoio que, segundo Gorender, teria tidoimportância talvez fundamental na eleição de JK ,devido aos quinhentos mil votos decisivos advin-dos do PCB. A nova guinada levou à saída de Ma-urício Grabois e João Amazonas da ComissãoExecutiva e ao ingresso na mesma de GiocondoDias e Mário Alves.

Em setembro de 1960, no V Congresso, reali-zado na Cinelândia, no Rio de Janeiro, em semi-legalidade, Jacob Gorender, com 37 anos, foieleito membro pleno do Comitê Central do PCB,e Mário Alves e Carlos Marighella, designadospara sua Comissão Executiva. O encontro apro-fundou a política de apoio à “burguesia nacio-nal”: “As tarefas fundamentais [...] são a conquis-ta da emancipação do país do domínio imperia-lista e a eliminação da estrutura agrária atrasada

[...] o estabelecimento de amplas liberdades de-mocráticas e a melhoria das condições de vida dasmassas populares.”6

Coma renúncia de Jânio e a posse de João Gou-lart [1961-64], aprofundou-se, radicalmente, oatrelamento da direção do PCB, comandada porPrestes, à política populista nacional-desenvolvi-mentista e à proposta de modificação da Constitui-

ção,para a reeleição de Jango, emummomento emque se precipitava a crisepolítica e social.Ao contrá-rio do ocorrido durante o governo JK , era direto efreqüente o contato da direção política do PCB, emgeral, e de Prestes, em particular, com João Goularte com seu governo. Nesse contexto, fortaleceu-se,no PCB, setor defendendo maior aprofundamentoda luta social e autonomia diante do bloco socialdominante no governo.

Em 1962, na IV  Conferência, Marighella,Mário Alves e Jover Telles, da Comissão Executi-va, criticaram os “desvios de direita” da direção,propondo a “substituição do [...] governo por ou-

tro nacionalista e democrático, do qual estives-sem excluídos os elementos conciliadores”.7 Em1959-61, a vitória da revolução cubana galvani-zara a esquerda revolucionária latino-americanacom sua proposta de conquista imediata do poderatravés da formação do foco guerrilheiro.8

No mesmo ano, a modificação da designaçãode Partido Comunista do Brasil para Partido Co-munistaBrasileiro [PCB], com o objetivo de faci-litar a legalização do Partido, ensejou que João

 Amazonas, Pedro Pomar e Maurício Grabois co-mandassem fracionamento do partido e fundaçãodo Partido Comunista do Brasil.

 Virada à esquerda

Nesses anos, o PCB era a única organização deesquerda com reais raízes no movimento social.Num sentido sociológico geral, no contexto e nos

limites da cultura política burocrática stalinista,sua facção de esquerda sofria a influência da radi-calização da revolução mundial e dos segmentosclassistas da classe trabalhadora em contradiçãocom a política de colaboração de classes da dire-ção do PCB.

Em janeiro de 1958, Jacob Gorender publica-ra os ensaios Correntes sociológicas no Brasil ,nare-

6

6 DIAS, op.cit., p. 210.7 Id.,ib., p. 221.8 Cf. DEBRET, Regis. Révolution dans la révolution1? Lutte armée et lutte politique en Amérique Latine. Paris: François

Maspero, 1967.

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vista Estudos Sociais ; em janeiro de 1960, A ques-tão Hegel , na mesma revista e, em janeiro de1963, Contradições do desenvolvimento econômicono Brasil ,narevista Problemas da Paz e do Socialis-mo.9 Em 1961, traduziu, com Mário Alves, o Ma-nual de economia política, da Academia de Ciên-cias da URSS e, no ano seguinte, Fundamentos domarxismo-leninismo, obra coletiva de stalinistassoviéticos, ambos publicados pela Editora Vitó-ria, do PCB.10

Em 1964, a grande desmoralização da direçãodo PCB, devido à vitória do golpe militar, em 1ºde abril, sem resistência, fortaleceu a oposição de 

esquerda do PCB, na qual participavam Apolôniode Carvalho, Carlos Marighella, Jacob Gorender,

 Joaquim Câmara Ferreira, Manuel Jover Telles,Mário Alves, Miguel Batista do Santos, entre ou-tros. Porém, em 1965-6, a disputa pelo controleda direção do partido seria vencida pelo grupoprestista.11

 A oposição de esquerda foi expulsa do PCB,sem nem mesmo poder defender suas posiçõesno VI Congresso, em dezembro de 1967. A dire-

ção comunista tomara a “decisão de proibir aparticipação dos delegados e suplentes da oposi-ção: Carlos Marighella, Mário Alves, Manoel

 Jover Telles, Joaquim Câmara Ferreira, Apolô-nio de Carvalho, Jacob Gorender e Miguel Ba-tista dos Santos.”12

 A política recessiva implementada pelo gover-no Castelo Branco, em respeito às exigências dogrande capital financeiro, ensejou forte reação erearticulação popular, sobretudo a partir de

1967, aprofundando a crise e o fracionamento doPCB em organizações, em geral influenciadas pelavitória da Revolução Cubana e pela RevoluçãoVietnamita.

Renovação revolucionária

Em abril de 1968, no Rio de Janeiro, foi fun-dado o Partido Comunista Brasileiro Revolucio-nário – PCBR  –, sob a direção de Mário Alves,

 Apolônio de Carvalho, Jacob Gorender e outroscomunistas de esquerda. A nova organização pro-punha “renovação revolucionária” do antigoPCB, como sugeria o nome que assumia.13 Ma-righella e Câmara Ferreira, ao contrário, haviamfundado a ALN, grupo guerrilheiro que se afasta-va de qualquer versão político-partidária leninistae marxista. Diversos comunistas abandonaram o

PCB para ingressar no PC do B, ou para fundaroutras organizações militaristas – VPR , Var Pal-mares, MR8, POC, etc. - e participar nelas.

O PCBR constituiu organização híbrida, comalguma força no Rio de Janeiro, no Paraná, noEspírito Santo e no Nordeste. No plano político,rejeitava a aliança com a burguesia, mas negava aluta direta pelo socialismo. No plano tático-orga-nizacional, defendia a luta social e sindical, des-prestigiada pela derrota da esquerda diante dos

militares, em 1964, associada à luta armada nocampo, fortemente prestigiada pela recente vitó-ria cubana, em 1959-61, e pela luta vietnamita,então em curso.

O caráter híbrido do PCBR  contribuiu paraque fosse rapidamente destruído, já que manti-nha a organização anterior, necessária à inter-venção no movimento de massas, sem assumirestrutura organizacional rigidamente estanquedos grupos militaristas, imprescindível para re-

sistir, por mais tempo, aos ataques policiais. Em12 de janeiro de 1970, iniciaram-se as quedasque desorganizaram a direção histórica doPCBR . Mário Alves, secretário-geral do PCBR ,

7

9 Cf. GORENDER , Jacob. Correntes sociológicas no Brasil. Estudos Sociais , Rio de Janeiro, n. 3-4, 1958; A questão HegelEstudos Sociais , Rio de Janeiro, n. 8, 1960; Contradições do desenvolvimento econômico no Brasil. Problemas da Paz e doSocialismo, Rio de Janeiro, n. 2, 1963.

10 Cf. PEREIRA , Duarte. Marxismo sem classe operária. Princípios , São Paulo n. 56, fev./abr. de 2000, p. 12-21.11 Cf. Mário Alves de Souza Vieira. Secretário-Geral do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR ).

<org.br/ mtnm _mor/mor_desaparecidos/mor_mario_vieira.htm>12 Cf. DIAS, op.cit., p. 268.13 CARVALHO, Apolônio. Vale a pena sonhar. 2.ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. p. 200.

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caiu no Rio de Janeiro, sendo executado apóstorturas inomináveis.

No dia 20, em São Paulo, depois de seis anosna clandestinidade, Jacob Gorender era preso eigualmente torturado. Na ofensiva policial, fo-ram detidos Apolônio de Carvalho e outros diri-gentes da “velha guarda”, ensejando que a novadireção aprofundasse a via militarista definida nafundação do grupo. Em abril de 1969, o PCBR iniciara operações de “propaganda armada urba-na”, sob a pressão de militância que deixava a or-ganização por grupos militaristas mais ativos.

Fora da linha

 Jacob Gorender divergira da orientação guer-rilheira, apoiada por Mário Alves, mantendo-se àmargemdasações armadas, apontando a “hemor-ragia” em que vivia a esquerda armada, envolvidano ciclo vicioso de ações armadas-quedas que lheesgotava as forças e os quadros. Já então, Goren-der dedicava-se à investigação sobre o caráter da

formação social brasileira e da revolução brasilei-ra. Grande parte da esquerda evoluíra da políticade colaboração com a “burguesia nacional” para oassalto militar ao poder sem crítica real das con-cepções passadas e sem apoiar a nova política eminterpretação estrutural da realidade brasileira.14

Na prisão, Gorender apresentou, sob forma decurso, primeiro plano de sua interpretação da for-mação social brasileira que defendia a transiçãoda sociedade brasileira, do escravismo ao capita-lismo, sem passagem pelo feudalismo. Essa inter-pretação, se correta, determinava a necessidadeda luta direta pelo socialismo, descartando, con-

seqüentemente, a etapa antifeudal, apoiada naburguesia progressista, defendida pela Declara-ção de Março, de 1958, que o próprio Gorenderajudara a produzir.

Em outubro de 1971, Jacob Gorender con-cluiu os dois anos de encarceramento a que foracondenado. Fora da prisão, jamais voltou à mili-tância revolucionária orgânica, tendo se inscritotardiamente no PT, em meados dos anos 1990,sem participar ativamente da sua vida interna ou

de alguma de suas tendências.15

8

14 Id.,ib., p. 203.15 GORENDER , Jacob. Combate nas trevas. 5 ed. ampl. e atual. São Paulo: Ática, 1998. p. 201 et seq.; PEREIRA , op.cit.

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2 O escravismo colonial:

Uma Revolução Copernicana

Em fins de 1971, em liberdade, Jacob Goren-der manteve-se com o trabalho de tradutor, de-dicando-se, na medida das possibilidades, à suainvestigação sobre a formação social brasileira.

Em 1974, aos 51 anos, com o apoio econômicode alguns amigos, entre eles José Adolfo Gran-ville e Jacques Breyton, francês e ex-resistente,dedicou-se plenamente à redação de O escravis-mo colonial , que completou dois anos mais tar-de, em 1976, ainda em plena ditadura militar[1964-85].16

Em 1978, depois de demorado exame, O es-cravismo colonial era lançado pela Editora Ática,de São Paulo. Para surpresa do autor e dos edito-res, tamanho foi o sucesso da volumosa obra nomundo acadêmico que a edição se esgotou rapi-damente após o lançamento, ensejando uma se-gunda edição ainda no mesmo ano.

 A tese, com cerca de seiscentas páginas, efetua-va revolução copernicana nas ciências sociais bra-sileiras. Efetivamente, ao apresentar, exaustiva-mente, a defesa do caráter escravista colonial dopassado brasileiro, superava a falsa polêmica “pas-sado feudal-passado capitalista” que dividira pordécadas as ciências sociais e a esquerda brasileira.

 Alguns dos mais ásperos debates político-ideoló-gicos no Brasil haviam se centrado sobre essaquestão.

 A origem do impasse teórico era antiga e tinharaízes complexas. A hegemonia stalinista sobre omarxismo e o movimento operário ensejara queas sociedades extra-européias fossem necessaria-mente enquadradas em um dos estágios da linhainterpretativa marxiana do desenvolvimento eu-

ropeu – comunismo primitivo-escravismoclássico-feudalismo-capitalistamo-socialismo.

Em 1928, quando do VI Congresso da Inter-nacional Comunista, esse procedimento teórico

dogmático transformou-se em política oficialpara o mundo colonial e semicolonial, sendo im-plementada no Brasil e na América Latina peloBureau Sul-Americano da IC, sediado em Mon-tevidéu. 17 No clássico Formação histórica do Bra-sil, de 1962, o general e historiador Nélson Wer-neck Sodré, erudito e prolífero intelectual e mili-tante comunista propunha: “Consideradas taisrelações, a sociedade, ao longo do tempo, conhe-ceu diversos regimes de produção: a comunidadeprimitiva, o escravismo, o feudalismo, o capitalis-mo e o socialismo. O estudo do processo históri-co da sociedade brasileira, objeto deste livro,mostra não só a vigência, aqui, da descoberta aosnossos dias, de cada uma daquelas formas, decada um daqueles regimes de produção, salvo oúltimo, sucessivamente [...].” 18

Diplomacia soviética

Essa leitura não constituía erro ou desvio alea-tórios de aplicação do método marxista. Era ori-entação política da burocracia soviética que im-pulsionava a pacificação do movimento social dospaíses do Terceiro Mundo, submetendo-o às bur-

 guesias nacionais e às necessidades conjunturais dadiplomacia do Estado soviético. Expressava eapoiava-se também em segmentos sociais dasclasses proprietárias, das classes médias, da buro-

9

16 GORENDER , Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Ática, 1978.17 LAPA , José Roberto do Amaral (org.). Modos de produção e realidade brasileira. Petrópolis: Vozes, 1980. p. 11.18 SODRÉ, Nélson Werneck. Formação histórica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1964. p. 4.

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cracia sindical e da aristocracia operária, interes-sados nessa colaboração.

 A definição do caráter colonial, semicolonial,feudal e semifeudal das nações de capitalismoatrasado justificava a política de aliança e de sub-missão programática dos trabalhadores às suasburguesias nacionais, em frente antiimperialista eantilatifundiária que excluía a luta anticapitalista.

 Apenas vencida a etapa democrática da revolu-ção, seria empreendida, algum dia, agora soba di-reção operária, a luta pela superação socialista docapitalismo.

No Brasil, para corroborar essa visão, a inte-

lectualidade orgânica comunista interpretou aluta social no passado brasileiro com base no con-fronto entre o camponês pobre sem terra e o lati-fundiário semifeudal. O intelectual e militantecomunista Alberto Passos Guimarães criou, arbi-trariamente, uma sociedade camponesa desde oinício da colonização, formatando, literalmente, opassado e a história nacionais às necessidades des-sa interpretação.

Em seu livro Quatro séculos de latifúndio, de

grande repercussão, o pensador comunista pro-punha: “Jamais, ao longo de toda a história da so-ciedade brasileira, esteve ausente, por um instantesequer, o inconciliável antagonismo entre a classedos latifundiários e a classe camponesa, tal comoigualmente sucedeu em qualquer tempo e emqualquer parte do mundo.”19 Entretanto, no Bra-sil, por séculos, dominaria a produção escravistacolonial e a quase inexistência de um campesinatopropriamente dito.20

Em 1º de abril de 1964, a política de aliançaantiimperialista e antilatifundiária mostrou suainconseqüência objetiva quando, sem qualquerprurido, a burguesia nacional, democrática e pro-

 gressista integrou a vanguarda social do movimen-to militar que impôs seus interesses estratégicos

de superexploração e destruição de conquistashistóricas do mundo do trabalho, em associaçãocom o imperialismo, com o capital financeiro ecom o latifúndio.

Esquerda marxista

Grupos marxistas revolucionários frágeis –Organização Revolucionária Marxista – PolíticaOperária, pequenos grupos trotskistas, etc. –, emoposição ao projeto nacional-desenvolvimentistaburguês, propunham programa socialista para a

revolução brasileira. Deduziam, porém, a corretacaracterização capitalista do Brasil da constataçãosumária de determinações gerais da ordem mun-dial e da sociedade brasileira. Evacuava-se a ques-tão do caráter da antiga formação social com defi-nição sumária do domínio de relações capitalistasdesde a Colônia.21

Em Programa Socialista para o Brasil , de 1967,a militância da OMR-POLOP inferiu o caráter so-cialista da revolução no Brasil da situação mundi-

al da luta de classes, pautada pela contradição en-tre o capital imperialista e a revolução socialista,que viveria sua fase conclusiva. “Vivemos na épo-ca do confronto final entre o velho regime capita-lista e as forças que lutam pelo socialismo [...].”22

Mesmo nos “países subdesenvolvidos”, “partedo mercado capitalista mundial”, “onde não” es-tava “suficientemente amadurecida a contradi-ção” capital-trabalho, impunha-se a luta socialis-ta, devido à contradição maior e à impossibilida-

de dessas regiões “de repetir o processo de desen-volvimento trilhado pelas nações capitalistasavançadas”. Portanto, pouca importância tinhamas “diferenciações sensíveis” existentes entre na-ções americanas que “passaram por fases de in-dustrialização, possuindo um proletariado desen-

10

19 GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro séculos de latifúndio. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, [sd.]. p.110.20 Cf. MAESTRI, Mário. A aldeia ausente: índios, caboclos, cativos, moradores e imigrantes na formação da classecampone-

sa brasileira. STEDILE, J. P. (org.). A questão agrária no Brasil. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2005. p. 217-75.21 Cf. PRADOJÚNIOR , Caio. A revolução brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1966; FRANK, A. G. Capitalismo e o mito do feu-

dalismo no Brasil. Revista Brasiliense , São Paulo, n. 51, 1964.22 REIS FILHO, D.A.; SÁ, J. F. de. (org.). Imagens da revolução: documentos políticos das organizações clandestinas de es-

querda dos anos 1961-1971. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1985. p. 89-117.

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volvido” e os “países que continuam a viver prati-camente da monocultura de produtos tropicais”.

 A dominação imperialista, o geral, determinavapara qualquer nação, o particular, a luta anticapi-talista direta.

O Brasil era definido como “país capitalistaindustrial”, de “desenvolvimento, bloqueado”,“em processo de integração com o sistema impe-rialista”, com contradições com a “exploração la-tifundiária do campo”, às quais se havia “acomo-dado”, já que o latifúndio “nada” tinha de “feu-dal”, já que “desde o período colonial” forneciabasicamente “artigos para o mercado”, a fim de

obter “lucro”.

Passado capitalista

O corte integracionista23 daanáliseda OMR-POnão deixava espaço para reflexões sobre a forma-ção social brasileira, no passado e, portanto, suastendências dominantes no presente. No docu-mento, há referências à “herança colonial” e regis-

tro que, “pelo menos, a partir de 1930”, a bur-guesia não era mais “classe marginalizada do po-der”. Era muito sumária a abordagem do golpe de1964, “decorrência necessária da crise do regimeburguês-latifundiário”, certamente porque a lutasocialista e armada independia deste e de outrossucessos contingentes.

Nesses anos, para a quase totalidade dos mili-tantes revolucionários, a história do Brasil inicia-va praticamente com a Revolução de 1930, já que

apenas então se podia constatar intervenção na-cional , ainda que frágil, da classe operária do Bra-sil. Evacuavam-se os períodos colonial, imperial ea RepúblicaVelha como questões teóricas, soluci-onando-se, assim, a impossibilidade de análisedaqueles séculos com categorias próprias à pro-dução capitalista.

Em contexto de grande pragmatismo, empi-rismo e propagandismo, militantes das organiza-ções brasileiras com programa socialista ou de li-bertação nacional, em geral muito jovens, estuda-vam e discutiam, com dedicação, as experiênciassoviética, cubana, chinesa, vietnamita, argelinaetc., despreocupados com a história e a realidadebrasileiras. Boa parte dessa militância permane-ceu à margem da discussão que se estabeleceu, em1978, em torno de O escravismo colonial , incons-ciente do sentido e das decorrências profundasdesse trabalho.

Em O escravismo colonial, Jacob Gorender su-

perava a tradicional apresentação cronológica decunho historicista do passado do Brasil para defi-nir em forma categorial-sistemática sua estruturaescravista colonial. Ou seja, empreendia estudo“estrutural” daquela realidade, para penetrar “asaparências fenomenais e revelar” sua “estruturaessencial”, isto é, seus elementos e conexões inter-nos e o movimento de suas contradições.24

 Ao aplicar criativamente o método marxistaao passado brasileiro, o autor demarcava, igual-

mente, a necessidade de investigação exaustivaque realizasse a exegese de seu caráter singular e,portanto, dos ritmos objetivos de seu desenvolvi-mento, a partir das suas contradições objetivas in-ternas. Propunha, assim, superaçãoepistemológi-ca radical da interpretação da formação socialbrasileira como um todo.

Contradições internas

Pela primeira vez, empreendia-se, de formasistemática, a interpretação do passado pré-Abo-lição, com base em suas contradições fundamen-tais, a oposição entre o trabalhador escravizado eo escravizador. Até então, as mais elaboradas in-terpretações da antiga formação social brasileira

11

23 (...) Lógica do Integracionismo: A operação se efetua segundo o axioma de que as relações de dominância são sempre rela-ções de integração identificadora: o termo subordinado integra-se no termo dominante e, desde logo, tem a mesma identi-

dade substantiva dele.” GORENDER , J. O escravismo colonial. 4.ed. rev. e ampl. São Paulo: Ática, 1985. p. 30724 GORENDER , Jacob. O conceito de modo de produção e a pesquisa histórica. LAPA , José Roberto do Amaral (org.). Mo-

dos de produção e realidade brasileira. Petrópolis: Vozes, 1980. p. 45.

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apontavam como demiurgos sociais o se-nhor-de-engenho – na leitura de Gilberto Freyre,de 193325 – e o empresário capitalista do café, dooeste paulista. Essaúltima interpretação, da Esco-la Paulista de Sociologia, de 1950-60, propunhao despotismo da escravidão, uma forma de “capi-talismo incompleto” e a impotência histórica dotrabalhador escravizado.26

Fernando Henrique Cardoso sintetiza a visãoda impotência servil: “A liberdade desejada e im-possível apresentava-se, pois, como mera necessi-dade subjetiva de afirmação, que não encontravacondições para realizar-se concretamente. (...)

houve fugas, manumissões e reações. (...). A liber-dade, assim conseguida ou outorgada, não impli-cava, em nenhum momento, porém, modifica-ções na estrutura básica que definia as relações en-tre senhores e escravos (...).”27 Ou seja, ao menosna escravidão e no Brasil, a história não fora pro-duto da luta de classes.

Um dos pontos altos da interpretação de Go-render era a apresentação do trabalhador escravi-zado como “agente subjetivo do processo de traba-

lho”, e não como “máquinas” ou “outro bem decapital”, igual ao formulado por autores, comoCaio Prado Júnior, Werneck Sodré, FernandoHenrique Cardoso e Ciro Flamarión. Este últimoautor, porém, ao contrário dos analistas anterio-res, propôs, de forma clara, a dominância no Bra-

sil de modo de produção escravista colonial e ja-mais desconsiderou o caráter subjetivo do agirservil.28

O caminho para a interpretação radical e siste-mática do passado brasileiro de Gorender não sedera em espaço vazio. Ele fora aberto por movi-mentos teóricos em desenvolvimento no planonacional e internacional, anteriores e contempo-râneos àquela investigação. No Brasil, interpreta-ções historicistas ou sistemáticas sumárias defen-diam a existência de “sistema escravista” e a opo-sição entre o escravizador e o escravizado como acontradição fundamental na pré-Abolição, com

destaque para os trabalhos de Bejamin Péret, de195629, de Clóvis Moura30, de 1959, J. Stanley Stein31, de 1961, de Emilia Viotti da Costa, de196632, de Décio Freitas, de 1973.33

No cenário internacional, desempenhou pa-pel essencial na interpretação de Gorender o re-nascimento da discussão sobre a pluralidade demodos de produção das formações sociaisnão-européias, ensejado pelo enfraquecimento dahegemonia mundial do stalinismo, permitida

pela forte retomada da revolução mundial. Essadiscussão centrou-se inicialmente na proposta deMarx e Engels de “modo de produção asiático”,com exploração classista e sem apropriação priva-da dos meios de produção.34 Quando do lança-mento de O escravismo colonial , havia muito que

12

25 Cf. FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime de economia patriarcal. 14.ed.Rio de Janeiro: José Olímpio, 1969. 2 v.

26 Cf. FERNANDES, Florestan. Mudanças sociais no Brasil. São Paulo: Difel, 1960; A integração do negro na sociedade de classes.

3.ed. São Paulo: Ática,1978; IANNI, Octávio. As metamorfoses do escravo. São Paulo: Difel, 1962; CARDOSO, F.H. Capita-lismo e escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. São Paulo: Difel, 1962.

27 Cf. CARDOSO, F.H, op.cit., p.140-2.28 Cf. GORENDER , Jacob. Questionamentos sobre a teoria econômica do escravismo colonial. Estudos Econômicos (Institu-

to de Pesquisas Econômicas, IPE), São Paulo, 13(1), jan.-abril 1983, p. 16.29 Cf. PERET, Benjamin. Que foi o quilombo de Palmares? Revista Anhembi, São Paulo, abril e maio, 1956; _______.

(org.). O quilombo de Palmares, ensaios e comentários de Mário Maestri e Robert Ponge. Porto Alegre: EdUFRGS,2002.30 Cf. MOURA , Clóvis. Rebeliões na senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas. São Paulo: Zumbi, 1959.31 Cf. STEIN, J. S. Grandeza e decadência do café no vale do Paraíba: Com referência especial ao município de Vassouras. São

Paulo: Brasiliense, 1961 (Original em inglês 1957).32 Cf. COSTA , Emília Viotti da. Da senzala à colônia. 2.ed. São Paulo: Ciências Humanas, 1982.33 Cf. FREITAS, Décio. Palmares : a guerradosescravos. Porto Alegre:Movimento, 1973 (Primeira ediçãoespanhola, 1971.).34 Cf. SOFRI, Gianni. Il modo di produzione asiático. Torino: Einaudi, 1969;SOFRI. O modo de produção asiático: históriade

uma controvérsia marxista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977; GODELIER/MARX/ENGELS, Sobre el modo de producciónasiatico. Barcelona: Martínez Roca, 1977.

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se consolidara, no Brasil, a discussão sobre a di-versidade de modos de produção na história e na

 América Latina.35

Economia política da escravidão

Em sentido mais específico, no contexto dadiscussão das razões da guerra de Secessão, Euge-ne D. Genovese apresentou estudo sobre o escra-vismo no sul dos USA onde defendeu a análisedessa realidade social com base em suas dinâmi-cas, estruturas e contradições internas. 36 Nesse

trabalho seminal, apontou a existência no Sul dosUSA de sistema social escravista que subordinavaas outras formas de trabalho, destacando seu cará-ter necessariamente  colonial. Com pertinência,ressaltou a impropriedade de definir como capi-talista qualquer sociedade dominada por relaçõesmercantis. Essas propostas foram ampliadas eaprofundadas em O escravismo colonial .

O historiador estadunidense jamais propôs,porém, a existência de modo de produção escra-

vista colonial no Sul dos USA e vacilou entre in-terpretação materialista e idealista da realidade.

 Ao defender que o mundo escravista possuía sualógica, moral e ideologia próprias, deduzia, maisde uma vez, a dinâmica essencial dessa sociedadeda visão aristocrática dos escravizadores.

Na introdução de seu magistral trabalho, Eu-gene Genovese propunha: “Tenho consciênciaque, afinal de contas, os verdadeiros problemassão de ordem ideológica e psicológica. Não semorre por nenhum interesse material, supon-de-se que algum o mereça, o que não é eviden-te.”37 Declaração explícita de cegueira históri-co-ideológica, considerando-se a sistematicidadecom que, na história, a defesa e a conquista de in-

teresses materiais estiveram na base dos maiores emais cruentos confrontos sociais.

 A seguir, o historiador abandonaria grandeparte das propostas revolucionárias que enuncia-raem Economia política da escravidão. Elas foram,porém, retomadas ou estavam sendo desenvolvi-das por outros estudiosos, com destaque para ohistoriador Ciro Flamarion Cardoso, já citado,que publicou, em 1973, dois artigos seminais so-bre as formações sociais escravistas americanas,

escritos no contexto do desenvolvimento de suatese de doutoramento sobre a Guiana Francesa,redigida na França, em 1967-71.38

13

35 Cf. ASSADOURIAN, C.S. et al. Modos de producción en América Latina. Buenos Aires: Siglo XXI, 1973; GEBRAN, Philo-mena (org.)Conceito de modo de produção.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978; MEILLASSOUX , Claude. L´esclavage en Afri-que précoloniale : dix-sept études présentés par. Paris: François Maspero, 1975; MIERS, Suzanne; KOPYTOTT, Igor. Sla-very in Africa: historical and anthropological perspectives. Wisconsin: Universityof Wisconsin,1977; GODELIER , Mau-rice. Sobre as sociedades pré-capitalistas. Lisboa: Seara Nova, 1976.

36 Cf. GENOVESE, Eugene. The political economy of slavery. NewYork: Pantheon Books,1965; GENOVESE. Économie poli-tique de l´esclavage. Paris: François Maspero, 1968; GENOVESE. A economia política da escravidão. Rio de Janeiro: Pallas,1976.

37 Cf. GENOVESE, Eugene. Économie politique de l´esclavage. op.cit., p. 20. (Traduzimos do francês).38 Cf. CARDOSO, Ciro F. S. El modo de producción esclavista colonial en América. Assadourian et Al. C.S. et al. Modos de 

 producción en América Latina , op.cit.; CARDOSO,CiroF. Escravo ou camponês? O protocampesinato negronas Américas.São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 31.

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3 Leis Tendenciais da produção escravista colonial

Em O escravismo colonial , Jacob Gorender em-preende crítica categorial-sistemática da produçãoescravista americana considerada como modo deprodução historicamente novo, devido ao seu ca-ráter dominantemente mercantil, que extremouqualitativamente determinações secundárias oupouco desenvolvidas da produção patriarcal e pe-

queno-mercantil do escravismo greco-romano.39

Gorender propõe que a escravidão colonial te-nha determinado essencialmente todas as socie-dades americanas onde assumiu papel dominan-te. Portanto, a fundamentação de sua investiga-ção no caso brasileiro deve-se também ao fato deter sido ali que a produção escravista colonial al-cançou o mais acabado desenvolvimento – longe-vidade, espaço geográfico, variedade de produtos,número de cativos importados, influência na for-

mação social, etc. Ao empreender a análise crítica da literaturateórica e da historiografia sobre o Brasil escravis-ta, mediante rigorosa aplicação do método mar-xista, Gorender associa criativamente os níveishistórico, lógico e metodológico de análise. Utili-za como paradigma a apresentação das leis ten-denciais da produção capitalista, em O capital , deKarl Marx, semse negar a refutar referências mar-xianas ao escravismo moderno, consideradas in-corretas ou pouco desenvolvidas.

Em capítulo dedicado a “reflexões metodológi-cas”, inicia sua tese dissociando-se da leitura althus-seriana da história e do marxismo, então em voga.40

Dedica a primeira parte à definição do escravismocolonial como categoria historicamente nova, nocontexto da impulsão do mercado internacional edos avanços materiais da época – transporte, moen-das, etc. A seguir, apresenta as “categorias funda-

mentais” desse modo de produção, destacando a“categoria escravidão” e a “forma plantagem de or-ganização da produção escravista”.41

Na segunda parte, aborda a gênese histórica daformação escravista luso-brasileira, por meio dacrítica do espaço sociogeográfico português, nati-vo e colonial. Portanto, trata-se de processo de ex-

posição que violenta conscientemente a ordem deinvestigação para empreender apresentação queparta do geral, para o particular, do abstrato parao concreto.

Leis tendenciais

 A longa terceira parte é dedicada à discussão dasleis “monomodais”, exclusivas do modo de produ-

ção escravista colonial, em oposição às leis “pluri-modais”, comuns a diversos modos deprodução.Asleis específicas do escravismo colonial seriam: lei darenda monetária; lei da inversão inicial da aquisiçãodo trabalhador escravizado; leis da rigidez da mão-de-obra escravizada; lei da correlação entre econo-mia mercantil e economia natural na plantagem es-cravista; e lei da população escravizada.42

Nas quarta, quinta e sexta partes e em adendofinal, discute, respectivamente, o “regime territoriale renda da terra”, as “formas particulares de escra-vidão”, a “circulação e reprodução” no escravis-mo moderno e “as fazendas escravistas do Oestede São Paulo”. A definição do caráter escravistada cafeicultura do Oeste paulista constitui refuta-ção da proposta do caráter empresarial capitalistados cafeicultores dessa região, apresentados,como vimos, como demiurgos da revolução bur-guesa no Brasil.

14

39 Cf. MAESTRI, Mário. Breve história da escravidão. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.40 Cf. GORENDER . O escravismo colonial, op.cit., p. 1-3041 Cf. Id., ib., p. 37-98.42 Cf. Id.,ib., p. 45-370.

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 Apesar do caráter multifacetado da produçãoescravista colonial, para Gorender, seu pólo do-minante encontrava-se na grande plantação es-cravista – plantagem –, cujas características des-creve de forma minuciosa, assimcomo as particu-laridades e as forças produtivas que a sustenta-ram. Nesse processo, destaca a coexistência estru-tural na plantagem de correlação dialética entreesfera de produção, natural e subordinada, e ou-tra, mercantil e dominante.

Era antiga, na historiografia da escravidão, adiscussão sobre o caráter benigno ou despótico doescravismo americano. Durante decênios, a inter-

pretação “patriarcalista” de Gilberto Freyre, queretomava, sintetizava e organizava sociologica-mente interpretações daspróprias classes escravis-tas, foravisão historiográfica semi-oficial no Brasil,tendo sido o brilhante sociólogo agraciado peloEstado com fundação para melhor desenvolver eperpetrar sua visão pacificadora e consoladora dopassado e do presente brasileiros.43

  Jacob Gorender apresenta solução teóri-co-estrutural para essa questão, ao lembrar que as

características patriarcais, consideradas por Gil-berto Freyre como a essência do escravismo lu-so-brasileiro e brasileiro eram, ao contrário, se-cundárias, já que se originam sobretudo na esferanatural de produção, sempre subordinada aos rit-mos e sentidos da esfera mercantil, comandadaesta última pelas inexoráveis exigências e determi-nações da produção para o mercado mundial.

O geral e o particularEssa compreensão de Gorender ressaltava a

imperiosa necessidade da análise dos fenômenossociais e históricos no contexto da totalidade dasestruturas e formações sociais em que se apresen-tam. Isso para que se desvelem corretamente seus

nexos e determinações gerais e essenciais, ou seja,a necessidade de não generalizar o fenômeno his-tórico particular ou particularizar o fenômenogeral.

O escravismo colonial não constituía monogra-fia acadêmica isolada, parte de divisão e especiali-zação erudita do saber que se frustra ou se realiza,ao suprir, mais ou menos plenamente, as exigênci-as de plano semi-anárquico do avanço do conheci-mento, sempre determinado pelas necessidadesobjetivas e subjetivas dos interesses sociais hege-mônicos. Plano, em geral, exterior ao processo deprodução do investigador e, não raro, mais ou me-

nos à margem de sua consciência. A inquirição sociológica de Jacob Gorender,

em O escravismo colonial , desenvolvia-se “na pers-pectiva do marxismo crítico e dialético” que con-sidera, no contexto de sua “autonomia relativa”,“o trabalho intelectual” como “dimensão das lu-tas políticas e ideológicas que perpassam a socie-dade capitalista”.44 Portanto, um trabalho teóri-co profundamente influenciado pela correlaçãoobjetiva de forças entre o mundo do trabalho e o

mundo do capital.Estritamente, tratava-se de investigação com oobjetivo de estabelecer bases metodológicas sóli-das para a interpretação da moderna formação so-cial brasileira, para poder transformá-la em senti-do revolucionário. Logo, toda essa reflexão de-senvolveu-se no contexto da 11ª Tese de Marx,sobre Feuerbach, de 1845, ou seja, para “inter-pretar” o mundo social e, assim, ajudar a “trans-formá-lo”, ao agir no sentido das forças tenden-ciais libertadoras.45

Num sentido mais amplo, ao empreender eco-nomia política do modo de produção escravistacolonial, Gorender contribuía para a construçãode economia política dos modos de produçãopré-capitalistas, capitalistas e pós-capitalistas, aolado de obras como a Nova economia, do econo-

15

43 Cf. MAESTRI, Mário. Gilberto Freyre : da Casa grande ao Sobrado: gênese e dissolução do patriarcalismo escravista no

Brasil. Cadernos IHU , São Leopoldo, ano 2, n. 6, 2004. 31 p.44 Cf. TOLEDO, op.cit.45 MERKER , Nicolao. (org.) MARX;ENGELS. E 2.ed. La concezione materialisticadella storia. Roma: Riuniti, 1998. p. 52.

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mista soviético trotskista E. Preobrazhensy, de Mulheres, celeiros & capitais , de Claude Meillassaux,entre outras.46

Em sentido estrito, a reflexão de Jacob Goren-der sobre o modo de produção escravista colonial,base da acumulação originária de capitais no Bra-sil, apoiou, sobretudo, duas outras apresentaçõesfundamentais, desenvolvidas, entretanto, sob for-

ma de ensaios sintéticos. A primeira, Gênese e de-senvolvimento do capitalismo no campo brasileiro,conferência pronunciada, em 13 de julho de1979, em Fortaleza, durante a 31ª Reunião Anualda SBPC, e publicada, a seguir, em coletânea e emforma individual; a segunda, A Burguesia brasilei-ra, apresentada na coleção Tudo é história , daBrasiliense, em 1981.47

16

46 Cf. PREOBRAZHENSKY, E. (1926). La nuova economia. México: Era, 1971; MEILLASSOUX , Claude. Mulheres, celeiros & capitais . Porto: Afrontamento, 1977; DALLA VECCHIA , Agostinho Mário. As noites e os dias : elementos para uma eco-

nomia política da forma de produção semi-servil filhos de criação. Pelotas: EdiUFPEL, 2001.47 Cf. GORENDER . Gênese e desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987;

GORENDER . A burguesia brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1986.

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4 Esboço de interpretação da

formação social brasileira

Gorender inicia sua leitura da Gênese e desen-volvimento do capitalismo no campo brasileiro peladefinição marxiana do “capitalismo” como modode produção no qual operários assalariados, livres

e sem meios de produção, vendem a força de tra-balho como mercadoria, produzindo mais-valiapor meio da produção de mercadorias para omercado, com base em bens de produção apro-priados pelo capital. Um processo de reproduçãoampliada do capital que se desenvolve no contex-to da oposição entre o caráter social da produçãoe a forma privada de apropriação dos bens produ-zidos, contradição que enseja antagonismo estru-tural entre trabalhadores e burgueses.

Lembra que essa definição de capitalismo étambém válida para a agricultura que se organiza,entretanto, como ramo industrial do sistema ca-pitalista. Na agricultura, porém, o caráter limita-do e insubstituível da terra, condição necessáriade produção da agricultura, enseja “renda da ter-ra” não-capitalista, “diferencial ou absoluta”, per-cebida pelo terratenente devido ao monopóliofundiário. Na agricultura capitalista desenvolvi-da, a renda do capital, dominante, determina re-cuo tendencial da renda da terra.48

Gorender assinala igualmente que a existênciade capital comercial, usurário, bancário, etc. na

 Antiguidade comprova que o capital precede aocapitalismo. Quanto ao Brasil, reafirma que, coma Independência, o modo de produção escravistacolonial dominante expandiu-se, ensejando aacumulação originária49 de capital na qual seapoiou, mais tarde, o desenvolvimento do capita-lismo no Brasil.

Recorda que, entre as condições necessáriaspara o surgimento do capitalismo, encontra-se aexistência de meios de produção e de capitais dis-ponibilizados pela acumulação originária; de tra-

balhadores livres abundantes desprovidos demeios de produção; de certo nível de desenvolvi-mento da divisão social do trabalho e da circula-ção de mercadorias; da propriedade privada dosmeios de produção.

Propõe que a gênese do capitalismo na Europaa partir da produção feudal não justifica a propos-ta de ter o mesmo ocorrido no Brasil e da existên-cia, na pós-Abolição, de supervivências semifeu-dais que obstacularizariam o desenvolvimento docapitalismo na agricultura. Lembrando que o ca-pital espoliaoutros modos de produção, impugnaas teses “integracionistas” que definem o Brasilpré-1888 como capitalista (completo, incomple-to ou colonial) por ter sido explorado pelo capita-lismo mundial.

 A gênese do capitalismo no campo

 Jacob Gorender propõe que, no Brasil, a pro-

dução capitalista teria se apoiado na acumulaçãooriginal ensejada, sobretudo, pela produção es-cravista. Entretanto, defende que não bastou ape-nas a libertação civil da mão-de-obra, em 1888,para que o capitalismo surgisse no campo, já queos colonos do café, os moradores, os parceiros,etc., categorias rurais então dominantes no cam-po, não conheceram, nas décadas sucessivas, assa-lariamento capitalista. Durante a República Ve-

17

48 Cf. KAUTSKY , Karl. La cuestión agraria. México: Cultura Popular, 1978.49 Cf. MARX . La llamada acumulación originaria. MARX . O Capital : crítica de la economia política. México: Fondo de Cul-

tura Económica, 1973. I. p. 607-49.

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lha, o capitalismo teria sido forma de produçãosubordinada.

Segundo Gorender, a formação social escra-vista brasileira conheceu duas grandes formas deprodução. A primeira, o modo de produção es-cravista colonial, hegemônico, apoiado no traba-lho coercitivo e na propriedade alodial-latifun-diária da terra, que ensejou fraca acumulação, emparte devido à “inversão inicial” necessária parainiciar a exploração do produtor direto. A segun-da, o modo de produção de pequenos cultivado-res não-escravistas, subordinado, apoiado na pro-priedade ou na posse de pequena quantidade de

terra, que produzia para a subsistência e mercan-tilizava parte de produção.

Com a Abolição, a propriedade da terra, e nãomais a posse do trabalhador e de sua força de tra-balho, passou a ser o fator básico de dominação.Devido à ausência de exército rural de reserva50, àescassez de capitais e à lenta rotação do capital naagricultura, o cafeicultor, hegemônico no Brasil,concedeu ao colono o direito a plantar gêneros desubsistência entre os pés de café; à pastagem para

alguns animais; ao acesso à lenha e à água; à mo-radia gratuita; à remuneração anual. Inicialmen-te, a remuneração anual paga pelo trabalho dogrupo familiar significava apenas a metade darenda geral do colono do café – terra, lenha, água,pasto, etc.

Portanto, o cafeicultor concedeu ao colono odireito de estabelecer-se como camponês, peloperíodo do contrato, recebendo do mesmo ren-da-trabalho em troca do direito de uso da terra.

No geral, esse modo de produção foi tambémpraticado em outras regiões do Brasil. Era hábitoque terratenente sem capitais entregasse terrasvirgens para que colono constituísse cafezal. Ocolono recebia em troca de seu trabalho o direitoa plantar gêneros de subsistência e à produção dosdois primeiros anos dos cafezais. O fazendeirodespendia para a formação do cafezal apenas arenda da terra (não-capitalista).

Esse “modo de produção latifundiário, apoia-do em formas camponesas dependentes”, com raí-

zes na longa luta do colono do café, iniciadaquando da experimentação do senador Vergueiro,na metade do século XIX , resultou em atividadede “baixa produtividade do trabalho, técnicaatrasada, fraca divisão social do trabalho (...) ebaixa proporção da acumulação do capital”, queentravavam o avanço da produção e da acumula-ção capitalista no campo.

Duas grandes vias

O desenvolvimento da produção agrícola no

Brasil teria tido duas grandes vias. A primeira,constituída pela transformação da produçãoplantacionista em empresa capitalista, com a su-peração das relações camponesas dependentes,ensejada pela formação de exército rural de reser-va. A segunda, determinada pelo crescimento dograu de comercialização da produção camponesafamiliar independente.

Inicialmente, a produção latifundiária foi sub-sumida formalmente ao capital, pela substituição

do braço camponês dependente pelo assalariado,possível devido ao desenvolvimento do exércitorural de reserva. Esse processo apoiou-se na extra-ção de mais-valia absoluta. A subsunção real daprodução latifundiária ao capital e a conseqüenteprodução dominante de mais-valia relativa pro-cederam-se por meio da exploração de mão-de-obra restrita apoiada em maquinaria avança-da. Essa via de transição do latifúndio pré-capita-lista à capitalista ensejaria desinteresse da burgue-

sia na reforma agrária no Brasil.Na conclusão de Gênese e desenvolvimento docapitalismo no campo brasileiro, Gorender esboçarápida discussão sobre o apoio do Estado, a partirdos anos 1970, ao desenvolvimento capitalista docampo; da expansão da estrutura latifundiária daterra pelo grande capital nacional e mundial, porum lado, e da pequena propriedade, por outro;do alto valor da terra no Brasil; do dinamismo dapequena propriedade na produção de alimentos esua exploração pelo capital.

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50 Cf. Exército industrial de reserva. MARX . O capital, op.cit. I, p. XXXIII, 407 et seq.; 535, 542 et seq.

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Nas páginas finais do ensaio Gênese e desenvol-vimento do capitalismo no campo brasileiro, em re-lação à luta pela reforma agrária, Gorender pro-põe-se a necessidade de respeitar a expectativa dotrabalhador rural pela propriedade plena do lote ede se propor a “transformação das grandes em-presas agrárias, plantacionistas e pecuária, já tec-nicamente unificadas, em grandes exploraçõescoletivizadas: cooperativistas ou estatais.”

 A burguesia brasileira

No ensaio A burguesia brasileira, dedicado àapresentação sumária da gênese e desenvolvi-mento da industrialização no Brasil e da forma-ção da burguesia brasileira, Gorender aprofundaa proposta de que a industrialização brasileiraapoiou-se em “acumulação originária” ensejadapela escravidão colonial, que se acelerou com a

 Abertura dos Portos (1808) e a Independência(1822), processos que eliminaram a intermedia-ção fiscal e comercial lusitana, tornaram mais ba-

ratas as importações, ensejaram Estado nacionalescravista unificado.

 Assinala que apenas a burguesia industrial seapropriadamais-valiadoprodutore promove a cria-ção-reprodução da produção capitalista. Retoma aproposta de que a burguesia mercantil não possuicontradições com formações pré-capitalistas. Lem-bra a maior importância, para a gênese do capitalis-mo, das atividades dos pequenos e médios empresá -rios , doque asempreendidaspeloviscondedeMauá.

Em 1840-88, aqueles empresários organizaram fábri-cas de vestuário, de alimentos, de materiais de cons-trução, etc., que funcionavam com o trabalho livre eescravizado. Essas pequenas unidades produtivas emgeral substituíram a produção artesanal local.

Recorda que, na Europa, a ordem feudal ga-rantia a permanência do camponês na gleba; im-pedia a mercantilização plena das terras; manti-nha o artesanato dependente das corporações; di-ficultava a circulação das mercadorias; asseguravaprivilégios fiscais e administrativos à aristocracia,etc. Que, em sentido contrário, a revolução bur-guesa proletarizara camponeses, ao separá-los da

terra; tornara plena a propriedade fundiária; pu-sera fim aos privilégios industriais; criara mercadonacional; impusera a igualdade jurídica do cida-dão, etc.

 Assinala que, em geral, a sociedade escravistabrasileira conheceu, desde sempre, a propriedadealodial da terra; que as corporações foram fenô-menos marginais e rapidamente superados; que,em 1822, criou-se o Estado unitário centralizado,com unidade “tributária, monetária e de pesos emedidas”. Nesse contexto geral, as relações escra-vistas eram o grande empecilho ao desenvolvi-mento da produção capitalista, incompatível

com o trabalho e o mercado de trabalho escravis-tas. O mercado de trabalho livre teria começado ase constituir nos anos 1850 e se consolidou após a

 Abolição.Gorender lembra que, por um lado, a abolição

da escravatura, a única revolução social do Brasil,pôs fim às relações sociais e às classes escravistas; im-pôs a liberdade civil ao mundo do trabalho; fragili-zou a Monarquia, estrutura político-jurídica da es-cravidão, etc. Por outro, a República secularizou o

Estado, facilitou a formação de sociedades anôni-mas, etc., não tocando na estrutura latifundiária daterra, pois não existia movimento camponês, exi-gindo a distribuição da terra. Os cativos lutaram, naocasião, essencialmente pela liberdade civil. Essesprocessos criavam as condições essenciais para o de-senvolvimento da produção capitalista.

O campo e a cidade

Na República Velha, a produção e as relaçõescapitalistas em crescimento subordinaram-se àprodução agropastoril latifundiária, que, comoproposto em Gênese e desenvolvimento do capita-lismo no campo brasileiro, combinou “elementosde economia camponesa com o pagamento de sa-lários de modalidade pré-capitalista” a colonos docafé, moradores, meeiros, parceiros, etc. Em iní-cios do século XX , dois terços da produção ruraleram exportados, e o café constituía mais de 50%das exportações. Então, a formação social brasi-leira era dominada pelos grandes fazendeiros, se-

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guindo-lhes, em associação subordinada, ban-queiros, comerciantes e industrialistas.

No final da Monarquia, o governo favoreceu aliquidez dos bancos, devido à necessidade de aagricultura pagar salários. A valorização das açõesbancárias estendeu-se às de empresas em partefundadas com objetivos especulativos. Rui Bar-bosa aprofundou a liquidez monetária, instituin-do bancos emissores. Apesar do desperdício, oEncilhamento teria permitido a transferência docapital entesourado para investimentos produti-vos, com destaque para os bancos, ferrovias e em-presas de navegação.

No Brasil, como habitual, a industrializaçãoiniciou-se na “indústria leve de bens de consumonão-duráveis” – tecidos, alimentos, etc. – que as-sumiu caráter regional, devido ao elevado custodos transportes, escassez de capitais e impostosinterestaduais Na segunda metade do século XIX ,as exportações nordestinas em crise ensejavambaixa acumulação, mesmo assim, a Bahia teve aprimeira fábrica de tecidos (1911). A produçãotêxtil pernambucana nasceu mais tarde e resistiu

melhor, destacando-se na região a produção deaçúcar por usinas, financiadas comumente comrecursos públicos. O baixo dinamismo do merca-do interno ensejou que o Nordeste se tornassefornecedor de trabalhadores e capitais para o Sul.

O dinamismo da economia exportadora e domercado urbano determinou que o Rio de Janei-ro, grande centro comercial, bancário e portuáriodo Brasil, surgisse como principal centro indus-trial do país. Em São Paulo, no início do século

 XX , após esmorecer a expansão da cafeicultura ex-portadora, esta atividade ensejou acumulação decapitais que financiou o futuro principal pólo in-dustrial do Brasil. No extremo Sul, a industriali-zação foi financiada pela economia colonial-camponesa, de autoconsumo mais elevado, volta-da para o mercado regional.

Gorender lembra que não procede a apresen-tação dos cafeicultores como promotores da Abo-lição e da industrialização. Não houve simetriaentre desenvolvimento da cafeicultura e da indus-trialização e apenas alguns poucos cafeicultorestornaram-se industrialistas. O capital cafeicultor

financiou a indústria, sobretudo, por via bancáriae comercial. Também não teria raízes históricas omito do enriquecimento industrial pelo trabalho,

 já quepoucos operários tornaram-se empresários.

 Agentes da industrialização

 Ao contrário, os imigrantes tiveram impor-tância real na industrialização, sobretudo aque-les que chegaram com algum capital, que eramrepresentantes de firmas estrangeiras, que pos-suíam conhecimentos técnicos, etc. Gorender

ressalta que comerciantes investiram na produ-ção do que importavam; que o comércio internopermitiu acumulação investida na indústria; quealgumas pequenas empresas familiares transfor-maram-se em indústrias.

Gorender lembra que, após a Abolição e a Re-pública, a burguesia industrial, já claramenteconservadora, não possuía contradições com apropriedade latifundiária, apesar de, não raro,opor-se à política econômica ruralista; que, na

República Velha, os industrialistas acompanha-ram, em geral politicamente, a oligarquia regio-nal, sem promoverem organização nacional in-dependente; que empresários se tornaram pro-prietários fundiários rurais e urbanos; que a re-forma agrária surgiu sempre do impulso dasclasses camponesas.

Gorender assinala que, naqueles anos, os em-pregados conheceram condições de trabalho muitoduras e praticamente nenhum direito social; que

os capitalistas, nacionalmente surdos às reivindica-ções até as grandes greves de 1917-9, serviam-sedopaternalismo e da repressão para estender e mantera exploração. Nesse contexto, os trabalhadores ob-tiveram conquistas parciais de alcance local e regio-nal, generalizadas apenas no Estado Novo.

Menciona que os interesses da produção in-dustrial e da agricultura de exportação conhece-ram complementaridade contraditória. Ao pro-duzir mercadorias importadas, a reprodução am-pliada do capital industrial exigia subsídios e de-fesa alfandegária aos quais o ruralismo se opunha.Os interesses agroexportadores defendiam o câm-

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bio baixo, aceito pelos industrialistas e combatidopelos importadores, pela população, pelo capitalfinanceiro, pelas concessionárias internacionais,etc. Até os anos 1930, o governo tributou as im-portações com objetivos fiscais, favorecendo rela-tivamente a indústria. Comumente, a pequenaburguesia foi antiindustrialista.

Nos anos 1920, a cafeicultura entravava o de-senvolvimento industrial, ao reforçar a monocul-tura, monopolizar os capitais, facilitar as impor-tações, etc. Em 1924, impôs-se a defesa perma-nente do café, ou seja, a compra e retenção de es-toques, para elevar artificialmente os preços, que

ensejou a expansão dos cafezais. Em 1924-9, ocafé representava 73% das exportações; em1931-2, 36% da área cultivada; em 1920-29, aagricultura de exportação cresceu, em média7,5%, e a produção industrial, apenas 2,8%.

 A revolução que não houve

Gorender defende que não houve “revolução

burguesa” em 1930 e que essa categoria seria“inaplicável à história do Brasil” e que se deveriafalar de “dominação burguesa”. Assinala que asburguesias paulista e carioca optaram por JúlioPrestes e que a Aliança Liberal não propôs apoio àindústria e defendeu inicialmente a cafeicultura.Lembra que, com a grande depressão (1929-33),a agricultura de exportação retrocedeu, e a inter-na, avançou; fortaleceu-se o processo de indus-trialização por substituição de importações; os

ideólogos da burguesia passaram a propor a iden-tificação entre industrialização e os interesses na-cionais, e os industrialistas aproximaram-se deVargas, apoiando o golpe de 1937.

Indica que o Estado Novo defendeu os interes-ses gerais e estratégicos da burguesia industrial,mobilizando-sepelo controle ideológico, sindical epolicial do operariado. Para tal, concedeu a jorna-da de oito horas; o salário mínimo; a regulamenta-ção do trabalho feminino; a previdência social; a

 Justiça do Trabalho; as convenções coletivas; a ex-tensão da estabilidade, etc., conquistas das quais omundo rural ficou completamente excluído.

Nos anos 1930, o liberalismo burguês exigia ofinanciamento da industrialização e a criação peloEstado das indústrias de base. Inicialmente, oBanco do Brasil financiou, em curto prazo, a in-dústria privada. Nos anos 1950, o BNDE finan-ciou as indústrias estatais e, nos 1970, as priva-das. Nos seus dois governos, Vargas instituiu aCompanhia Siderúrgica Nacional; a Companhiado Vale do Rio Doce; a Petrobras; a Eletrobras; aRede Ferroviária Federal, etc. No próprio regimemilitar, as empresas públicas expandiram-se.Quanto à formação bruta do capital fixo, elasconstituíam 13%, em 1965, e 25%, em 1975.

Em 1944, Roberto Simonsen propôs o planeja-mento econômico capitalista de longa duração,combatido pelos liberais Godin e Bulhões.

O ensaio A burguesia brasileira foi publicadoem 1981, no momento em que se encerrava o ci-clo expansivo do processo de acumulação capita-lista no Brasil, conhecido como “milagre econô-mico”, e o imperialismo e importantes setores daburguesia nacional aprofundavam a crítica ao“estatismo” brasileiro, mais forte desde 1975. So-

bre essa questão, Gorender lembra que a burgue-sia critica sistematicamente as empresas estatais,

 já que o sucesso de qualquer uma delas é semprepropaganda antiprivatista.

Propõe que, mesmo em um contexto em queos capitais industrial e bancário disputassem oscapitais controlados pelo Estado; em que a ex-pansão da reprodução ampliada de capitais dasestatais invadisse esferas da produção privada,etc., a campanha anti-estatista burguesa seria li-

mitada devido à sua necessidade da intervençãoestatal em grandes projetos. “É improvável (...)que as intervenções privatizantes ora acesas consi-gam reduzir o peso específico do setor estatal naeconomia brasileira”. Essa avaliação dava-se apouco menos de uma década da vitória mundialda contra-revolução neoliberal.

Os senhores da riqueza

No ensaio, ao criticar a proposta de uma bur-guesia de Estado no Brasil, ou seja, de uma classe

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dominante formada por administradores públi-cos sem propriedade dos meios de produção, Go-render alerta que é a propriedade, e não a admi-nistração, que define uma classe; que os altos ad-ministradores são semelhantes aos congêneresprivados, estando obrigados a obedecer à lógica eàs exigências do capital. Mostra que as empresasestatais são espécie de propriedades coletivas doscapitalistas, administradas pelo Estado.

 Até 1930, no Brasil, os investimentos do capi-tal imperialista, sobretudo inglês, eram principal-mente indiretos (empréstimos) e diretos (serviçosbásicos) com pouca incidência na esfera de trans-

formação, pois a burguesia imperialista preferiaexportar manufaturados produzidos na metrópo-le. Gorender assinala, novamente, que, mesmotendo o capital externo contribuído no processode industrialização brasileiro, já significativo nosanos 1950, ele fora produto, principalmente, doscapitais internos. O capital estadunidense, após aguerra, e o europeu e japonês, a seguir, reagiram aesse dinamismo interno, investindo na indústria,especialmente, de bens de uso durável para con-

sumo de massa.Gorender cita que, se por um lado o capital

produtivo externo enseja descapitalização ten-dencial, isso não significa que, por um outro, elenão dinamize o mercado interno e o desenvolvi-mento da produção capitalista no Brasil; que,como classe, a burguesia brasileira apoiava o in-gresso seletivo de capitais estrangeiros, sobretudodas indústrias de ponta que consumiam bens in-termediários produzidos por empresas nacionais.

 A posição do empresário nacional diante do capi-tal internacional variaria entre o nacionalismo in-transigente, a associação independente, a ligaçãoestreita, a submissão plena, etc.

Gorender propõe que, na época em que escre-via, a economia brasileira se apoiasse no tripé capi-tal estatal, capital privado nacional, capitalprivadoestrangeiro. O setor nacional conhecera importan-tes transformações, com setores tradicionais, invo-luindo, enquanto novos grupos se expandiam.

 Assinala que, em 1974, com a burguesia nacionalem expansão, no mínimo, 85% do patrimônio no

Brasil era de propriedade nacional, com predomi-nância privada, apesar das maiores empresas sereminternacionais e manterem importantes campos de reserva, como a indústria automobilística. Em1974-80, o capital estatal fortalecera-se significati-vamente, e o capital privado nacional avançaramais aceleradamente do que o estrangeiro.

Gorender lembra que, nos anos 1960, o modode produção capitalista e a burguesia dominavamindiscutivelmente, e os latifundiários viviam si-tuação subordinada. Com o Golpe de 1964, em-preendimento burguês com o apoio do imperia-lismo e do latifúndio, o alto comando das Forças

 Armadas dominou o País para aprofundar a acu-mulação burguesa, mediante o arrocho salarial; ofim da estabilidade; a instituição do FGTS, oBanco Nacional da Habitação, etc; a facilitaçãodo ingresso do capital estrangeiro; a estruturaçãodo mercado de capitais, etc.

Em 1980, o PIB do Brasil alcançara os 210 bi-lhões de dólares (10ª economia mundial), com aindústria representando mais de 80% da produ-ção. Então, os departamentos de produção de

bens intermediários e de bens de produção co-mandavam a expansão da indústria brasileira. Ocapital bancário brasileiro se consolidara, princi-palmente, após a II Guerra, mas não haveria ain-da capital financeiro nacional propriamente dito(associação entre capital bancário e capital indus-trial), tendo crescido o investimento de industria-listas no campo e se fortalecido a média burgue-sia, que não era antiimperialista.

Editado em 1981, A burguesia brasileira apre-

sentava sinteticamente proposta de interpretaçãoestrutural da gênese da industrialização e da bur-guesia brasileira no momento em que se esgotavao surto expansivo iniciado em fins dos anos 1960.

 A seguir, o processo tendencialmente recessivo,conhecido pelo país na década seguinte, aprofun-daria a internacionalização da economia; o esgo-tamento relativo da industrialização; a destrui-ção-privatização da área de propriedade pública;a crescente perda de controle efetiva da naçãopela burguesia nacional, tendências que prosse-guem atualmente seu curso.

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5 O escravismo colonial :

apogeu e crise

Cremos que os importantes sucessos sociais,políticos, culturais e ideológicos gerais ocorridosno Brasil e no mundo em fins da década de 1970permitem compreensão mais precisa do sucesso

científico e acadêmico de O escravismo colonial , nomomento de seu lançamento, e durante o decênioseguinte, e a radical reversão de sua receptividade elegitimação acadêmica, nos anos 1990.

Em 1977-8, o Milagre Brasileiro pertencia aopassado e a sociedade nacional ingressava na de-pressão econômica tendencial na qual ainda semantém. Naquele então, ainda no contexto doafluxo do movimento social mundial, a violentadecadência absoluta e relativa das condições davida da população, devido à expropriação salarial– inflação e arrocho –, determinada pelo início dopagamento incondicional da dívida financeira,ensejava o renascimento do ativismo sindical,pondo fim ao longo período depressivo em que omovimento social ingressara em 1969.

Em 1979, duras mobilizações populares, nacidade e no campo, agitaram o Brasil, assinalandoobjetivamente o protagonismo social e políticodos trabalhadores, negado pelo nacional-desen-volvimentismo burguês do PCB, antes de 1964, epelo militarismo pequeno-burguês – VAR, PCBR, ALN, VPR, etc. – nascido, sobretudo, nas filas co-munistas e entre os segmentos de classe média, ra-dicalizados após 1967.

No mundo das representações, O escravismocolonial materializava as necessidades das mobili-zações classistas dos trabalhadores de interpreta-ção radical da formação social brasileira, da óticado mundo do trabalho, que superasse as falsas vi-sões do passado, nas quais se haviam apoiado as

estratégias populistas, direitistas e esquerdistas,derrotadas, respectivamente, em meados dosanos 1960 e nos inícios de 1970. 51

O forte avanço dos trabalhadores em fins de

1970 – greves operárias e ocupações de latifún-dios, comápice em 1979; fundação do PT antica-pitalista, em fevereiro de 1980; fundação da CUTclassista, em agosto de 1983 – abria espaço socialpara o reconhecimento acadêmico e científico deobras como O escravismo colonial , de 1978, queempreendiam e apoiavam leituras radicais da for-mação social brasileira, exigidas pelo desenvolvi-mento da luta social.

Hegemonia conservadora

Entretanto, a ofensiva do mundo do trabalhobrasileiro,de fins dos anos 1970, sofreu imediatase múltiplas respostas, de todas as ordens, de partedas forças sociais proprietárias ascendentes e des-cendentes, que jamais deixaram de manter a he-gemonia nacional e internacional. Essas respostasabrangeram, igualmente, as expressões daqueleimpulso social no mundo das representações.

Nessa operação, destacou-se vasto movimentode deslegitimação científica e acadêmica de O es-cravismo colonial , inicialmente, de forma indiretae transversal, mais tarde, de forma direta e fron-tal, que se mobilizou para soldar a fratura causadapela aparição de obra que colocava o trabalhadore a luta de classe no centro da interpretação daformação social brasileira.

 A campanha processou-se, notadamente, pormeio de dois movimentos. Enquanto se procura-

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51 Cf. KORSH, Karl. Marxismo e filosofia. Porto: Afrontamento, 1977. p. 79.

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va, sistematicamente, argumentação que questio-nasse, nem que fosse no mundo das aparências,elementos essenciais daquela interpretação, esfor-çava-se para manter à margem do mundo acadê-mico os defensores do novo revisionismo historio-gráfico, em geral, e de Jacob Gorender, em especial.

Quanto ao segundo movimento, é exemploparadigmático a trajetória profissional do pensa-dor marxista baiano, após o lançamento de suaobra. Apesar da profunda erudição registrada emO escravismo colonial , as portas da Academia, es-paço ideal para a atualização, correção e amplia-ção daquela interpretação do passado mantive-

ram-se fechadas para ele, soba justificativa de nãopossuir título universitário.

Nesse sentido, o pensador radical foi, indiscu-tivelmente, punido por ter preferido combatermilitarmente o nazi-fascismo, como pracinha,em 1942, e o capitalismo, como militante profis-sional, após 1945, e ter-se, assim, descurado deformação superior, que lhe teria garantido as exi-gências formais para ingressar na Academia ou se-guir carreira burocrática respeitadora das institui-

ções e da simbologia do poder.

Finalmente doutor

Nos anos seguintes à publicação de sua tese,para manter-se, Jacob Gorender trabalhou na

 Abril Cultural, coordenando a coleção Os Eco-nomistas , que apresentou mais de meia centenade autores e vendeu, inicialmente, um milhão e

meio de exemplares.52

Nessa coleção, publicouuma introdução e uma apresentação a dois volu-mes de obras de Marx.53 Em 1989, escreveu lon-

ga introdução à Ideologia alemã , de Marx eEngels.54

 Apenas em 7 de abril de 1994, dezesseis anosapós a publicação de O escravismo colonial , foiagraciado com o título de Doutor Honoris Causa,pela Universidade Federal da Bahia, quando dareitoria do dr. Luiz Felippe Perret Serpa, em obe-diência à resolução do Conselho Universitário de27 de outubro de 1992.55 Em 1994-6, atuoucomo professor visitante no Instituto de Estudos

 Avançados da USP, redigindo o ensaio Globaliza-ção, tecnologia e relações de trabalho.56

Em 29 de agosto de 1996, por proposta do

Departamento de História da USP, recebia o títu-lo de especialista de Notório Saber, pela Congre-gação da Faculdade de Filosofia, Letras e CiênciasHumanas, da mesma universidade, o que lhe per-mitiu participar como examinador de bancas demestrado e doutorado. Em 1997, ministrou dis-ciplina em curso de pós-graduação do Departa-mento de História da mesma instituição – Histó-ria e marxismo: a prova prática no século XX (análi-se científica e aspirações utópicas). A efetivação des-

se ainda que limitado reconhecimento científicoinstitucional muito honra as instituições e os pro-motores que se desdobraram para promovê-lo.

 A exclusão acadêmica obrigou Jacob Goren-der a empreender, de forma quase isolada, semapoio institucional, após suas atividades profis-sionais, nos momentos roubados ao repouso, aresposta aos variados questionamentos de suainterpretação do passado, produzidos, em geral,por intelectuais dedicados, profissionalmente, à

produção intelectual, sustentados e apoiados porsuas instituições, por bolsistas, por seus orientan-dos, pelagrande imprensa nacional e regional, etc.

24

52 Cf. MAESTRI. Entrevista.53 GORENDER , Jacob. Introdução.MARX ,Karl. Para a crítica da economia política; salário,preçoelucro;Orendimentoesuas 

 fontes. São Paulo: Abril Cultural. 1982. p. VII-XXIII; GORENDER Apresentação. MARX , Karl. O capital : crítica da eco-nomia política. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. VII-LXXII.

54 Cf. GORENDER , Jacob. Introdução. O nascimento do materialismo histórico. MARX; ENGELS. A ideologia alemã. SãoPaulo: Martins Fontes, 1989.

55 Cf. Diploma expedido em Salvador, 7 abr. 1994. (xerox).56 GORENDER , Jacob. Globalização, tecnologia e relações de trabalho. Estudos Avançados , São Paulo, 11(29), p.311-61,

 jan.-abr. 1997.

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6 Escravismo Colonial:

Questionamentos

 Após a publicação de O escravismo colonial , Ja-cob Gorender interveio, sobretudo, com dois en-saios na importante discussão ensejada por suaobra – O conceito de modo de produção e a pesquisa

histórica, de 1980, e Questionamentos sobre a teo-ria econômica do escravismo colonial , de 1983.57

Em 1985, publicou uma quarta edição revista eampliada de O escravismo colonial .

Em 1990, um ano após a consolidação da con-tra-revolução mundial – queda do Muro de Ber-lim –, portanto, em uma conjuntura política, cul-tural e ideológica radicalmente adversa, escreveuolivro A escravidão reabilitada 58, resposta exausti-va à criticaria organizada sobre O escravismo colo-nial , obra que abordaremos oportunamente. Emgeral, essa produção demarcou as diversas fases dapoderosa operação revisionista estabelecida sobresua interpretação.

Em 1980, o artigo O conceito de modo de pro-dução e a pesquisa histórica59 registrava o impactode O escravismo colonial sobre a comunidade inte-lectual. Na introdução, José Roberto do AmaralLapa assinala que a coletânea pretendia retomardebate interrompido havia “quinze anos”, reu-nindo os textos “mais representativos” da “inter-

pretação da realidade histórica brasileira atravésdo conceito de modo de produção”.

Portanto, constituía tentativa de organizaçãoda polêmica entre interpretações que utilizavam“conceito teórico marxista axial”, de forma, no

“geral, discordante”, apesar de “substanciaisaproximações” em alguns casos. Pretendia-se quese desse no “universo conceitual” do “modo deprodução” e “formação social”, correlacionado

com “suas categorias básicas (...), relações de pro-dução, forças produtivas, classes sociais, luta declasses, consciência de classe, etc.”60

O texto de Gorender abre o ensaio, seguidopelos de Antônio Barros de Castro, FlamarionCardoso, Werneck Sodré, Octávio Ianni, PeterEisenberg e Theo Santiago, apresentados em or-dem alfabética. O organizador lembra a ausênciade autores essenciais para a polêmica, como CaioPrado, Celso Furtado, Fernando Novais, Fernan-do Henrique Cardoso, Florestan Fernandes e

  José de Souza Martins, por motivos “perfeita-mente compreensíveis”.61

Teoria geral

Em seu texto, Gorender empreende a defesada proposta da construção de uma teoria geraldos modos de produção singulares; reafirma ascategorias sociais como expressão da realidade

empírica; assinala a dominância da esfera econô-mica, necessariamente associada à esfera ex-tra-econômica; lembra a necessidade do desen-volvimento de teoria da formação social, em ge-ral, e da formação social capitalista, em especial.

25

57 GORENDER . O conceito de modo de produção e a pesquisa histórica. LAPA , José R. do Amaral (org.). Modos de produção e realidade brasileira. Petrópolis: Vozes,1980. p. 43-63; GORENDER ,Jacob. A escravidão reabilitada.SãoPaulo:Ática, 1990.

58 GORENDER . Questionamentos sobre a teoria econômica do escravismo colonial.Estudos Econômicos ,SãoPaulo,13[1],p. 7-39, jan.-abril 1983.

59 GORENDER . O conceito de modo de produção e a pesquisa histórica, op.cit. GORENDER , Jacob. A escravidão reabilita-

da, op.cit.60 LAPA . Introdução ao redimensionamento do debate. LAPA . Modos de produção (...), op.cit., p. 15.61 Id.,ib., p. 10 e 3.

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Na terceira parte do texto, retoma a defesa docaráter historicamente novo do modo de produ-ção escravista colonial, em relação à produção es-cravista patriarcal da Antiguidade, ressaltandosua dependência ao mercado externo não-escra-vista. Daí seu caráter colonial, “na acepção econô-mica do termo”. Fenômeno do qual não decorre-riam – como pretendiam as visões integracionis-tas , entre elas a Teoria da Dependência – a deter-minação e integração do modo de produção es-cravista colonial pelos modos de produção domi-nantes mundialmente.

 Avança a defesa da não-dominância imediata

da produção capitalista “no final e o escravismo eapós a Abolição”, devido à gênese e à expansão, de“formas camponesas pré-capitalistas combinadas àestrutura da plantagem e do latifúndio pecuário”,

 já discutida. Dedica o final do texto à proposta danecessidade de amplo processode investigação, ge-ral e sistemático, exigido pela caracterização da gê-nese da produção capitalista no Brasil, com baseno escravismo colonial, questão que abordaria noensaio A burguesia brasileira, de 1981.

Burguesia conservadora

Da transição da produção escravista colonial,portanto mercantil, apoiada em formas alodiaisda propriedade da terra, à produção capitalista,Gorender deduz o caráter conservador da bur-guesia nacional, que jamais encontrou “obstáculopara adquirir a propriedade de terra e teve na es-

peculação fundiária uma das suas fontes de acu-mulação original do capital”. Lembra que ela nãoaprofundou sua “contradição com os latifundiá-rios”, incorporando, ao contrário, “o latifúndio àestrutura do capitalismo no Brasil,onerando”, as-sim, seu “desenvolvimento (...) com o peso exor-bitante do preço e da renda da terra (...)”.62

Quanto à dinâmica social e à transição inter-modal, propõe que são “as variações nas forças

produtivas (na medida em que progridem ou,mais raramente, na medida em que retrocedem)que estabelecem uma não-correspondência comas relações de produção existente e conduzem,afinal de contas, à sua substituição por outras re-lações de produção e ao surgimento de um novomodo de produção.”63

Proposta correta do ponto de vista da episte-mologia marxista, na medida em que se compre-enda o impulso à variação ascendente das relaçõessociais de produção, sempre no contexto de for-ças produtivas historicamente dadas, como deter-minação da solução da contradição entre produ-

tores diretos e controladores, detentores ou pro-prietários dos meios de produção.

Como em O escravismo colonial , nessa apre-sentação geral e na proposta de investigação siste-mática sobre a formação social brasileira não háreferência permanente e explícita à luta de classescomo determinação principal do devir social. A abordagem mais sistemática dessa questão se da-ria em resposta à acusação de ignorar essa instân-cia do devir histórico, lançada por autores, em ge-

ral, defensores da indeterminação objetiva daação subjetiva das classes sociais.

Refutação sistemática

Salvo engano, no artigo A economia política, ocapitalismo e a escravidão, Antônio Barros de Cas-tro apresentou a primeira tentativa de refutaçãoestrutural da proposta do modo de produção es-

cravista colonial, ao retomar a defesa da singulari-dade do capitalismo como modo de produção ca-paz de ser apreendido sob a forma de economiapolítica, pois apenas nele a “lógica econômica”determinaria o social.64

 Apoiada em apresentação superficial do feu-dalismo e do escravismo clássico, a tese de Barrosde Castro choca-se com as determinações econô-micas do escravismo colonial, analisadas com

26

62 GORENDER . O conceito de modo de produção (...), op.cit., p. 64.63 Id.,ib., p. 52.64 CASTRO, Antônio Barros de. A Economia Política, o Capitalismo e a escravidão. LAPA . Modos de produção (...), op.cit.,

p. 67-107.

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maior rigor, paradoxo argumentativo evacuadocom a proposta de que “o moderno escravismo”teria “importantes traços em comum com o capi-talismo”, e “o escravo” constituiria “antecipaçãodo moderno proletário”. Essa visão realizava ver-dadeiro retrocesso analítico, ao retomar o enfoqueda Escola Sociológica Paulista de um “capitalismoescravista” ou de um “escravismo capitalista”.65

Portanto, para esse autor, o escravizador esta-ria “submetido a uma engrenagem econômica”,enquanto o trabalhador escravizado não teria o“caráter social efetivamente moldado pelo regimede produção”, ou seja, segundo o analista, as con-

dições servis de existência não seriam condiciona-das pelas condições de produção. Isso ensejariaque pouco importava ao cativo ser deslocado dacozinha da casa-grande para a fornalha do enge-nho açucareiro!

Mero “cativo”, o trabalhador escravizado seriaajustado, “bem ou mal”, “ao aparelho de produ-ção [...] por uma combinação mais ou menos efi-caz de violência, agrados, persuasão, etc.” Emcontexto de “classes explicitamente antagônicas”,

sobretudo “na passagem do século XVIII para o XIX ”, quando a produção assumiu orientaçãomercantil, as sociedades escravistas avançariamcom base no confronto social explícito e da cons-ciência dos escravizadores do perigo das grandesmassas servis.66

O escravo que negocia

Essa leitura dualista propunha não assentar odevir histórico da escravidão na oposição, e sim,especialmente, na acomodação entre escravizado-res e escravizados, já que a orientação social de-penderia “da intensidade, direção e êxito da resis-

tência e/ou luta aberta dos escravos, bem comodas respostas encontradas pelos proprietários ehomens livres em geral, para assimilar, acomodare abafar a presença hostil e o potencial de rebel-dia” servil.67

Os atos “de rebeldia declarada e aberta” seriam“como o vapor que escapa ruidosamente da ma-quina”, “índice de pressão” no interior da socie-dade escravista. Conscientes desse fato, os escra-vistas se adaptariam “social, política e militar-mente à convivência” com os cativos, “buscandomeios e medidas para atenuar a combatividade,ou desviar” sua “agressividade”, ensejando que “o

regime social” tenha cedido aos cativos “transfor-mando-se sob o impacto de sua presença”.68

O autor conclui, propondo investigações so-bre fenômenos que não teriam despertado “gran-de atenção” na historiografia brasileira, como osregistrados pela proposta do Tratado de Paz, doscativos do Engenho Santana de Ilhéus, em 178969,a concessão sistemática de glebas servis no Bra-sil70, o aproveitamento das “oportunidades mer-cantis” pelos trabalhadores escravizados, etc., que

constituiriam expressões das lutas servis para“construir um espaço próprio” na escravidão.

Segundo ele, a importância desses atos estariano fato de que eles não expressariam “apenas o es-forço dos escravos no sentido de negar as condi-ções que os oprimem”, mas, sobretudo, o proces-so de “acomodação” à escravidão que se mobiliza-ria pela conquista, por parte dos cativos, do “re-conhecimento da sua existência e lugar na socie-dade”.71

Desde esses anos, até hoje, com maior ou me-nor sucesso, centenas de historiadores esforça-ram-se para seguir as recomendações de Barros deCastro sobre a necessidade de assentar a interpreta-ção do devir da sociedade escravista na acomoda-

27

65 Id.,ib., p. 92.66 Id.,ib., p. 94.67 Id.,ib., p. 105.68 Id.,ib., p. 98.69 Cf. SCHWARTZ, Stuart B. Resistence and accomodation in eighteenth-century Brazil: the slaves´ view of slarevy. The

Hispanica American Historical Review, Duke University Press, 57(1), fev. 1977.70 Cf. CARDOSO, Ciro F. Agricultura, escravidão e capitalismo. Petrópolis: Vozes, 1979. cap. 4.71 Id.,ib., p.100.

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ção ao sistema escravista e não nos ritmos e deter-minações da produção e da resistência servil. Em1989, Eduardo Silva e João José Reis tentariamuma sistematização dessa visão em Negociações e conflitos : a resistência negra no Brasil escravista.72

 A brecha camponesa

Em 1983, Jacob Gorender apresentou respostasistemática aos principais Questionamentos sobre ateoria econômica do escravismo colonial , em artigopublicado na revista Estudos Econômicos , do IPEA 

da USP. Mais uma vez, abria o dossier dedicado in-teiramente à escravidão,que contou com a presen-ça de Flamarion Cardoso, Peter Eisenberg, Ma-nuel Correiade Andrade, entre outros especialistasdo tema.73

Esse texto ensejaria debate historiográfico, tra-vado em torno da “brecha camponesa” que, devi-do ao seu caráter paradigmático, analisaremos deforma mais sistemática na parte três do ensaioEscravismo colonial e economia camponesa. Goren-

der aborda esse fenômeno na escravidão, apresen-tado de forma ampla por Flamarion, em 1979,em capítulo do livro Agricultura, escravidão e ca-

 pitalismo.74

Em A brecha camponesa no sistema escravista,Flamarion retomara a proposta de Tadeusz Lep-kowski da “economia independente de subsistên-cia” dos quilombos agrícolas e dos “pequenos lo-tes de terra concedidos em usufruto,nas fazendas,aos escravos não-domésticos”, como “atividades

que, nas colônias escravistas, escapavam ao siste-ma de plantation”.Para o autor, no caso do Brasil, aos quilombo-

las e cativos deviam-se agregar os “lavradores ar-rendatários das ‘fazendas obrigadas’” dos enge-nhos e os “moradores” e os “parceiros”. No século XVII, no caso das Antilhas, o mesmo devia-se fa-

zer com os “indentured servants ” e “engagés ”, queobtinham nesgas de terras ao terminarem os con-tratos, mesmo que a expansão da plantagem cor-roesse essa economia camponesa.

No ensaio, o autor apenas se refere à agricultu-ra quilombola, centrando a discussão no fenôme-no do “protocampesinato escravo”, conceito pro-posto por Sidney Mintz, de quem se dissocia noque se refere à dissolução das categorias “escravo”e “modo de produção escravista”, já que defendeque o cativo poderia ser “escravo” e “camponês”,ao viver, de forma alternada, as duas “relações deprodução”.

Um só modelo

Inicialmente, Flamarion propõe sua visão geraldo fenômeno: o domínio das relações escravistassobre as “atividades camponesas” servis; o objetivodo escravista de “minimizar o custo de manuten-ção e reprodução da força de trabalho” com a con-cessão; o recuo da agricultura autônoma dos cati-

vos nas “épocas de colheita e elaboração dos pro-dutos”; a sua importância “econômica e psicologi-camente” para o “escravo”; a compreensão do es-cravizador do caráter “revogável” da parcela, “des-tinadaa ligar”o cativo“à fazenda e evitar a fuga”.

 Após reconhecer a existência “de um só modelode sistema escravista na América” e indicar aborda-gem do fenômeno com base no “conjunto dos ca-sos observados”, mesmo compreeendendo que ele“não foi pesquisado igualmente a fundo em todas

as regiões escravistas”, propõe que “a atribuiçãoaos escravos de parcelas de terra e de tempo paracultivá-las” constituísse “característica universal doescravismo americano” e que o “acesso dos escra-vos aos meios de produção e ao tempo” tenha ten-dido“a transformar-se em umdireito de fato e, emcertos casos, fixados pela lei”.75

28

72 Cf. SILVA , Eduardo; REIS, João. Negociações e conflitos: a resistência negra no Brasil escravista. SãoPaulo: CompanhiadasLetras, 1989.

73 GORENDER . Questionamentos [...], p. 7-39.74 CARDOSO, Ciro F. A brecha camponesa no sistema escravista. Agricultura, escravidão e capitalismo. Petrópolis: Vozes,

1979. p. 133-54.75 Id.,ib., p. 138.

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Essa última proposta apoiava-se substancial-mente na concepção do caráter contratual do “es-cravismo”, em que, “como em qualquer regimeeconômico-social, se estabelece entre a classe do-minante e a classe explorada um acordo contra-tual – legal ou consuetudinário – que garantepara a classe dominada, pelo menos de fato, cer-tos direitos cuja infração traz consigo o perigo dealguma forma de rebelião”.76

 As decorrências da proposta de “brecha cam-ponesa” na escravidão americana eram claras.Propunha-se a existência de relações de produçãocamponesas sistêmicas, isto é, necessárias e uni-

versais, no interior do escravismo colonial, deter-minando, corroendo e dissolvendo esse modo deprodução. A apresentação da documentação pro-batória das proposições avançadas inicia-se peloreconhecimento de que, no Brasil, “a pouca aten-ção prestada [...] pelos historiadores à ‘brechacamponesa’ pareceria indicar certo ceticismo re-lativo à sua importância”.77

Entretanto, apesar dessa constatação objetiva,o autor não retém a possibilidade de a escassa

“atenção” nascer de escassa importância do fenô-meno e de suas decorrências diretas e indiretas noescravismo brasileiro. Ao contrário, antepõe-se,simplesmente, crença otimista ao “ceticismo” ge-ral: “Acreditamos que, ao desenvolver-se, o estu-do (...) revelará o grande peso do que chamamosaqui a ‘brecha camponesa’ (...).” 78 Confiançadesmentida pelos estudos historiográficos espe-cializados das duas últimas décadas que reafirma-ram o caráter residual e não-estrutural do fenô-

meno no Brasil.

Documentação sumária

 A sumária documentação probatória apresen-tada sobre o Brasil reduz-se a pouco mais do quereferências a André João Antonil Jorge Benci,

Luís dos Santos Vilhena e a estudo de StuartSchwartz, o mesmo ocorrendo para o sul dosUSA , onde se afirma que “estava bem assentado”o “hábito de conceder aos escravos lotes de terraem usufruto e o tempo para trabalhá-los” e queexistiriam “alguns indícios de que a posse sobre aparcela e a garantia do trabalho livre eram direitosamplamente reconhecidos (...)”.

 A abordagem do fenômeno nas Guianas Fran-cesa e Inglesa e nas Antilhas, feita com base eminformação relativamente mais rica, assinala aexistência de dois lotes servis, um perto da caba-na, o outro, em geral, em terreno montanhoso,

mais afastado. Registra-se, igualmente, o movi-mento dos cativos, em algumas regiões, quandoda abolição da escravatura, pela compra-alugueldos lotes servis. Referências esparsas são apresen-tadas para a Venezuela, Cuba, Porto Rico, etc.

 A partir da comprovação da existência lacunare desigual desse fenômeno na América escravista,conclui-se, afirmando a universalidade do fenô-meno e, paradoxalmente, desautorizando relati-vamente seu caráter sistêmico: “(...) em todas as

colônias ou regiões escravistas – embora em pro-porção variável –, muitos dos escravos dispu-nham de lotes em usufruto e do tempo para culti-vá-los (...).”79

Nas páginas finais do ensaio, Flamarion apre-senta otimista avaliação de corte impressionistada produtividade da agricultura autônoma servil,sobre a qual não se tenta estimativa concreta. EmSaint-Domingue  [Haiti], “na horta próxima” à“cabana, plantavam árvores frutíferas e legumes,

além de criar galinhas e ocasionalmente tambémperus, porcos e cabras. Nos terrenos comuns,plantavam bananas, milho, raízes (mandioca, ba-tata-doce, inhame, etc.)”.

 A avaliação positiva é estendida também aoseu caráter e rentabilidade mercantil. Observa-seque, na Jamaica, “os escravos também cultivam,por sua conta, café, gengibre e alguns produtos

29

76 Id.,ib., p. 137.77 Id.,ib., p.138.78 Id.,ib., p. 139.79 Id.,ib., p. 145. Destacamos.

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menores de exportação”; que, na Venezuela, alémde produtos de subsistência, os cativos“preferiam”plantar “cacau”, constituindo verdadeiras “pe-quenas fazendas – haciendillas – dentro da fazen-da maior”.80

Pequenos banqueiros

Na Guiana Francesa, os cativos “monopoliza-vam quase totalmente o mercado interno de cas-save (preparação da mandioca) e aves, tendo emseupoder grande parte da moeda que circulava na

colônia”. Na Jamaica, os cativos teriam chegado a“possuir 20% da moeda em circulação, e a legar,em seus testamentos informais, até duzentas li-bras esterlinas!”.81 Após reafirmar que, “em todasas colônias a inserção dos escravos nos circuitosmercantis era semelhante”, propõe-se como “fi-nalidade primordial” dessa produção “obter su-plementos de alimentação e vestimenta de me-lhor qualidade (incluindo jóias (sic) e sapatos),tabaco e bebidas”.82

Uma realidade que se estende ao Brasil, aoaceitar-se sem retenção a proposta de StuartSchwartz de que os trabalhadores escravizados doengenho de Santana “eram capazes de produzirum excedente comercializável” e “participar dire-tamente na economia de mercado (sic) e acumu-lar capital (sic)”! Produção servil que, eventual-mente, negaria a proposta historiográfica da ine-xistência de um verdadeiro “mercado interno”colonial, apontando em direção do “desenvolvi-

mento industrial”!83

Na conclusão, propõe-se retenção nas finali-zações sobre o fenômeno totalmente ausente nocorpo do texto: em geral, as parcelas “não chega-vam a garantir a totalidade” da subsistência servil;muitas vezes, prevalecia “a forma extrema da lógi-ca” plantacionista; “nem todos os cativos se bene-

ficiaram com o sistema”; nem todos os cativos ti-nham energia ou disposição para empregar suaspoucas horas de repouso nessa atividade.

Crítica metodológica

Inicialmente, em Questionamentos sobre a teo-ria econômica do escravismo colonial , Jacob Go-render propõe que Flamarion aborde aquelaquestão “sem recorrer às categorias de formaçãosocial e de modo de produção, ou seja, que assimilemodos de produções diversos, dominantes e do-

minados, coexistentes em uma mesma formaçãosocial. Lembra que, nas formações sociais escra-vistas da Antiguidade e dos Tempos Modernos,ao lado do modo de produção escravista domi-nante, subsistiram “variados tipos de atividadecamponesa”, “dependentes ou não”.

 Assinala que definira em O escravismo colo-nial a existência de “modo de produção dos pe-quenos cultivadores não-escravistas”, “secundá-rio na formação social escravista”, “no qual se

agrupavam os sitiantes minifundiários, os pos-seiros e os agregados ou moradores”. Esses pro-dutores ficariam excluídos “de todo” na “consi-deração da chamada ‘brecha camponesa’”.84

Quanto aos “lavradores, proprietários ou arren-datários, que se incumbiam de plantar ca-na-de-açúcar para fornecê-la a engenhos alhei-ros” “eram escravistas, e até grandes escravistas”,“organicamente integrados no modo de produ-ção escravista colonial”.

Quanto aos quilombos, assinala que se situa-vam “fora” do âmbito do escravismo colonial,apesar de, eventualmente, manterem “vínculosde intercâmbio” com ele. Não introduzindo“qualquer alteração no modo de produção escra-vista colonial em si mesmo”, os quilombos nãoeram, conseqüentemente, “argumento em favor

30

80 Id.,ib., p. 146.81 Id.,ib., p. 148.82 Id.,ib., p. 147.83 Id.,ib., p. 148.84 Id.,ib., p. 18.

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da suposta ‘brecha camponesa’”.85 Portanto, “asformas camponesas não” representariam “brechaalguma no modo de produção escravista domi-nante, seja patriarcal como colonial, uma vez que não faziam parte de sua estrutura” .86

 Ao contrário, “o cultivo autônomo de lotes deterra pelos escravos dentro do âmbito da planta-gem” constituía fenômeno da “estrutura domodo de produção escravista colonial” sujeito ànecessária análise. Sobre essa realidade, Gorenderafirma: “Cardoso resume as referências da biblio-grafia secundária sobre o assunto e conclui que setratou de prática generalizada nas diversas regiões

do escravismo americano”, “com diferença deamplitude para cada região”.

Para Gorender, o “cultivo de gêneros”, as “ati-vidades de coletoras”, a “criação de pequenos ani-mais”, etc. para autoconsumo” ou, eventualmen-te, para a venda, teriam sido reduzidos nos USA ,“pois as plantagens mantinham cultivos própriosa fim de alimentar” os cativos. Essas práticas te-riam conhecido “maior desenvolvimento” no Ca-ribe, onde se registraria “apreciável participação

comercial dos próprios escravos com a venda deseus produtos e um grau de estabilidade no usu-fruto dos lotes, que permitia mesmo legá-los”.

Debate antigo

Gorender lembra que, ao contráriodo propos-to por Flamarion, vários “historiadores e sociólo-gos abordaram, conquanto, em certos casos, ape-

nas de passagem” a questão. Assinala que trataraigualmente em O escravismo colonial o fenômeno,baseado em uma dezena de fontes primárias equase o mesmo número de estudiosos.

Em 1978, naquela obra, refutara amplamentea tendência a universalizar e a superestimar a pro-dutividade das roças servis e, sobretudo, a propos-

ta de Passos Guimarães, dos anos 1960, em Qua-tro séculos de latifúndio, do trabalhador escraviza-do ser em parte escravo e em parte servo-campo-nês, devido ao controle de glebas servis. Aqueleautor defendera também a extensão da concessãode terras ao cativo.87

Gorender resenha a seguir a visão apresentadaem O escravismo colonial sobre a questão. A práti-ca teria sido transportada pelos portugueses dailha de São Tomé, nas costas da África, no século XV , para o Brasil, sendo aplicado de forma “extre-mamente irregular na área da produção açucarei-ra”. Engenhos não concediam lotes e outros

avançavam no tempo livre dos cativos durante asafra, “quando as jornadas de trabalho podiamprolongar-se até dezoito horas e os dias de des-canso eram muito espaçados”.88

Em 1996, João José Reis confirmaria a propos-ta de Gorender. Para o conhecido historiador baia-no, “no Brasil o sistema (´brasileiro´) aparente-mente não foi assim tão difundido (...)”. Nos en-genhos açucareiros, após o grande boom do produ-to, escravistas teriam passado a alimentar direta-

mente os trabalhadores. Reis lembra: “Um estudorecente de B. Barickman conclui que, entre 1780 e1860, nos engenhos, a alimentação escrava ficavaprincipalmente por conta do senhor.”89

Para Gorender, a prática da plantação de gê-neros alimentícios ou, até mesmo, comerciáveis,em pequenas parcelas, nos “domingos e dias san-tos de guarda”, teria sido maior nas plantagens dealgodão e café, possivelmente devido a menoresexigências do “processo produtivo” nessas explo-

rações, em relação ao açúcar. Sobretudo na cafei-cultora, lembra estar documentada “a alimenta-ção” servil, “no fundamental, pelas plantações ecriações dos próprios fazendeiros”, contribuindoa exploração dominical de lotes com “recursosacessórios” aos cativos.

31

85 Id.,ib., p. 19.86 Id.,ib., p. 18.87 GORENDER . O escravismo colonial. 4.ed. São Paulo: Ática, 1985. p. 263.88 Id., Questionamentos (...), p. 20.89 REIS, João José. Escravos e coiteiros no quilombo do Oitizeiro: Bahia, 1806. In: REIS; GOMES (org.). Liberdade por um

 fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 336.

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Direito ao descanso

Sobre a origem última da prática, Gorenderaceita que pode ter sido iniciativa dos cativos, masassinala que sua introdução constituiu um retro-cesso em relação à conquista da “dispensa do tra-balho nos dias feriados, durante o escravismo anti-go”, “favorável ao senhor, uma vez que obrigava oescravo a trabalhar mesmo no dia consagrado aodescanso a fim de suprir uma parte do produto ne-cessário à auto-subsistência”, elevando o “grau deexploração do trabalho escravo”.90 Fenômeno quedeterminava o entrosamento orgânico dessa prá-

tica “na estrutura do modo de produção escra-vista colonial, não se tratando de dois sistemas,porém de um único”. Uma integração seme-lhante à existente no feudalismo entre o trabalhona reserva feudal, e do servo para si, na gleba quedetinha. “A concessão de um lote ao escravo nãopassou de uma forma variante, inessencial e con-dicional , do segmento de economia natural, po-dendo inexistir ou ocupar apenas uma parte des-se segmento.”91

Mesmo aceitando que os cativos se esforçavampara ampliar o “espaço de autonomia que o usu-fruto do pequeno lote lhes concedia”, Gorenderressalva o grau elevado de exploração do cativo naprodução de açúcar, na América escravista, com

  jornadas infernais de trabalho que ensejavamuma “extrema estreiteza e a precariedade do culti-vo autônomo do escravo”.92

Lembra que o direito à formação de pecúliopelo trabalhador escravizado, comum na Anti-

guidade européia, fora tardio e limitado no escra-vismo brasileiro.Rejeitando as visões gentis da es-cravidão, assinala que, no escravismo americano,“devia prevalecer, em proporção esmagadora, amassa de escravos agrícolas condenada à impie-dosa exploração e sem outra perspectiva que não amorte na escravidão”.93

Quinta edição

Como assinalado, em 1985, nove anos apóster concluído a redação de sua tese, Jacob Go-render revisou e ampliou, “em cerca de dez porcento”, o texto original, quando da quarta edi-ção de O escravismo colonial , que se tornaria suasegunda e definitiva versão. Em depoimento a

  José Tadeu Arantes, que o entrevistara, em1978, para o semanário Movimento, após o lan-çamento de O escravismo colonial , assinalou quea revisão reafirmava a “estrutura” e as propostasessenciais da obra por meio de “fundamentação

mais profunda, mais flexível e mais ricas de várias”de suas “teses”.94

No prefácio à quarta edição, enfatiza igual-mente que as “modificações introduzidas” manti-nham e reforçavam “em conjunto todas e cadauma das teses da primeira edição”. Os temas am-pliados foram “trabalho escravo e alto custo de vi-gilância”, “plantagem escravista e progresso téc-nico”, “características do tráfico africano”, “escra-vismo patriarcal e antigo”, “lei da população es-

crava”, “alforria”, “tratamento dos escravos”, “la-vradores e evolução da renda da terra”, “escravi-dão em Minas Gerais”, “escravidão e industriali-zação”, “os pequenos escravistas”, “escravidão nosetor cafeeiro”.95

Na entrevista, Gorender referiu-se à influên-cia, “nos últimos vintes anos”, “das correntes his-toriográficas estadunidenses no Brasil”, com des-taque para a interpretação do neopratiarcalismorepresentada pelo “ex-marxista” Eugene Genove-

se que, inspirando-se em “Gilberto Freyre”, apre-sentava “os escravos americanos como a classe tra-balhadora melhor tratada do mundo, do pontode vista material, em sua época”. Sobretudo emSobrados e mucambos : decadência do patriarcadorural e desenvolvimento urbano, publicado em1936, Freyre empreende verdadeira apologia das

32

90 Id.,ib., p. 21.91 Id.,ib., p. 24.92 Id.,ib., p. 23.93 Id.,ib., p. 224, 26.94  ARANTES, José Tadeu. O escravismo colonial revisado. (Entrevista a Jacob Gorender.) Leia, dez. 1985. p. 22-3.95 GORENDER , Jacob. Prefácio à quarta edição. O escravismo colonial. 5 ed. ver. e ampl., op.cit., p. IX-X .

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condições de vida dos trabalhadores escraviza-dos do Nordeste, transformando a Abolição emverdadeiro drama social para os trabalhadoresescravizados.96

Nesse cenário historiográfico nacional, ondedominava a “revivescência da influência de Gil-berto Freyre”, sobretudo pela historiografia esta-dunidense, declarava que não “seria de estranharque chegássemos ao centenário da Abolição”“com uma reabilitação também do escravismobrasileiro”. Tese que seria desenvolvida, de formasistemática, em 1990, em A escravidão reabilita-da, que teve influência marcante na intervenção

de Gorender na discussão do escravismo, comoveremos oportunamente.

 A brecha camponesa

Em 1987, em Escravo ou camponês? O proto-campesinato negro nas Américas, Ciro FlamarionCardoso retomou o debate sobre a proposta debrecha camponesa, em resposta extremamente

ácida à refutação de Gorender, de quatro anos an-tes, em Questionamentos sobre a teoria econômicado escravismo colonial.97 No livro, descreveu a crí-tica como eivada de “erros” historiográfico e pro-duto de “visão monolítica” e “classificatória” dahistória, “à maneira dos velhos manuais do mar-xismo”. Como assinalado, Gorender traduziramanuais da Academia de Ciência da URSS nosanos 1960.98 Escrito por um dos primeiros e maisbrilhantes defensores da categoria “escravismo

colonial”, a resposta de Flamarion obteve granderepercussão acadêmica.O breve ensaio Escravo ou camponês? divide-se

em três partes. Na primeira, Cardoso desenvolveapresentação, explicação e correções à sua leitura

sobre o escravismo americano. Nas duas seguin-tes, empreende defesa geral da proposta da “bre-cha camponesa” como fenômeno “estrutural”, de“orientação mercantil”, no Brasil e na Américaescravistas. 99 Para tal, apresentam incidências da“brecha camponesa” no sul dos USA , no Caribebritânico, francês e espanhol, com base, princi-palmente, em relatos de viajantes, de tratadistascoloniais e de trabalhos historiográficos isolados,o que facilita a descrição de paisagens otimistassobre aquele fenômeno e as condições de existên-cia servil.

No relativo à Carolina do Norte, o autor es-

creve: “Além do que produzissem em suas parce-las, os escravos recebiam abundantes rações dealimentos, provenientes da produção da própria

 plantation pertencentes a Pettigrez: peixe, carne,arroz, milho, farinha de trigo, eventualmentefrutas.”100 Sobre a Virgínia: “Muitos [...] evita-vam tal trabalho extra e viviam só das rações.Estas eram tão abundantes que os negros nego-ciavam com partes delas, comprando aos do-mingos, a brancos pobres da redondeza, uísque

que consumiam às escondidas [...].”101 A situa-ção no sul algodoeiro seria a mesma: “[...] tam-bém lá os negros eram bem alimentados, alémde possuírem parcelas, galinhas e chiqueiros, cu-

 jas produções vendiam (comprando, entre ou-tras coisas, farinha de trigo), além de venderamo produto da caça.”102

No mesmo sentido, supervaloriza-se a produ-tividade e a orientação mercantil da “economiaautônoma” dos trabalhadores escravizados, sem

apoio de documentação conclusiva: “O produzi-do nas parcelas (às vezes, incluindo algodão),criando animais e em atividade extrativista, era,normalmente, vendido: com o dinheiro obtido,os escravos compravam roupas, fumo tecidos e

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96 FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos : decadência do patriarcado rural no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacio-nal, 1936. 405 p.

97 GORENDER , Jacob. Questionamentos (...).98 Cf. CARDOSO, C. F. Escravo ou camponês? op.cit., p. 111.99 Id.,ib., p. 97, 109.100 Id.,ib., p. 63.101 Id.,ib., p. 64.102 Id.,ib., p. 65

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outros objetivos (jóias (sic), brinquedos para ascrianças, anzóis, utensílios de cozinha, etc.).”103

Lotes minúsculos

O cenário apresentado contradita com o reco-nhecimento de que os lotes eventualmente con-cedidos aos cativos eram minúsculos – “não eramgrandes” –, possuindo, habitualmente, no Caribefrancês dois ares per capita, ou seja, quarenta me-tros quadrados! No Caribe britânico, o terreni-nho podia ser de 25 a trinta pés quadrados: uns

oitenta metros quadrados!104

 A limitada extensão de terra, os rústicos ins-trumentos de trabalho e o pouco tempo livre deque gozavam os cativos delimitavam material-mente a produção possível dessas glebas, o que re-comenda retenção no que se refere a generaliza-ções de casos exemplares de cativos, para que nãodistorçam a descrição essencial do fenômeno emdiscussão. Entretanto, o autor não opta pela re-tenção, em sua interpretação.

Em Escravo ou camponês? , citam-se trabalha-dores escravizados que legaram “até duzentas li-bras esterlinas!” e reafirma-se que “graças às suasatividades comerciais, [...] chegaram a possuir20% da moeda em circulação”. Afirma-se que “osnegros exerciam, em Saint-Domingue , um grauconsiderável de poder econômico”.105 A sugestãode altíssima produtividade dessas parcelas é reite-rada em afirmações, como: “Num caso, um hec-tare e meio de terra, cultivado por três homens e

três mulheres, rendia, em média, vinte francospor dia! O ganho médio anual que se podia espe-rar de um lote individual era estimado variavel-mente entre 200 e 800 francos.”106

 A apresentação otimista da produção possíveldos microlotes, nas escassas horas de trabalhopermitidas, com meios de trabalho precários, é

viabilizada comumente por descrições impres-sionistas produzidas com a aglutinação das ativi-dades “eventuais” das diversas microglebas, suge-ridas como gerais a cada uma delas, pelo uso devírgula substituta da preposição aditiva “e”, alionde devia, rigorosamente, usar-se a conjunçãoalternativa “ou”. “Os cativos plantavam em seuslotes mandioca, bananas, batatas, inhames, legu-mes diversos, árvores frutíferas. Criavam gali-nhas, coelhos, porcos, ovelhas, às vezes, mesmovacas e cavalos (...). Também praticavam o artesa-nato, cortavam madeira e fabricavam carvão, co-letando forragem para vender, pescavam, etc.”107

Paradoxalmente, após as longas apresentaçõesotimistas, lembra-se que “Tomich chama a aten-ção, sensatamente, para o perigo do exagero:eram poucos os escravos realmente prósperos; ha-via muitos vivendo na penúria mais extrema;existiam, ainda, aqueles que recusavam a conti-nuar trabalhando nas horas e dias livres, ou nãoagüentando fazê-lo, preferindo receber rações dossenhores.”108

Sem avançar

 A réplica de Flamarion limita-se à reafirmaçãoe radicalização do proposto, sem refutação dosquestionamentos metodológicos apresentadospor Gorender. Não há também ampliação siste-mática do material empírico avançado. Boa parteda documentação na qual se apoiara, fora já utili-zada e citada por Jacob Gorender em Escravismo

colonial . Em relação ao Brasil, os poucos casos re-gistrados de concessão de nesgas de terras refe-rem-se, sobretudo, à economia açucareira e a pro-priedades rurais de ordens religiosas.

Mais comumente, esses casos reafirmam o ca-ráter aleatório e não-sistêmico da prática. Em1700, Jorge Benci registra que “alguns senhores”

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103 Id.,ib., p. 66.104 Id.,ib., p. 69.105 Id.,ib., p. 75, 81.106 Id.,ib., p. 84.107 Id.,ib., p. 83. (Destacamos).108 Id.,ib., p. 84.

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davam “um dia” aos cativos para produziremmantimentos. Em 1711, Antonil afirmava tam-bém que “alguns senhores” costumavam conce-der “um dia em cada semana para plantarem parasi”. No final do século XVIII, Vilhena reafirma ocaráter não-orgânico da prática e, em meados doséculo seguinte, em Vassouras, fazendeiros “reco-mendavam” a sua adoção como forma de dimi-nuir a resistência servil.109

No relativo ao Brasil, não se empreende a supe-restimação da produtividade dessas parcelas pro-posta para os Estados Unidos e o Caribe. Porém,como assinalado, aceita-se acriticamente a afirma-

ção de Schwartz de que os cativos do engenho deSantana “eram capazes de produzir um excedentecomercializável” e “participar diretamente na eco-nômica de mercado (sic) e acumular capital (sic)”.Visão que não compreende a economia servilcomo miserável poupança monetária, capaz, nomelhor dos casos, de, após décadas, viabilizar a al-forria de um produtor envelhecido, como registraad nausean a documentação, mas sugere, ao con-trário, uma dinâmica economia que ensejaria ver-

dadeiro “mercado interno” e apontaria, quemsabe, em direção do “desenvolvimento industrial”,pela produção de “capital”, como já assinalado!110

Em alguns casos, ao contrário do defendido, adocumentação apresentada aponta para a práticaextraordinária daquele hábito. Como é o caso doestudo da escravidão em Goiás, em que EurípidesFunes encontrou registro documental de roças decativos em menos de dez por cento das proprieda-des registradas! Ou seja, mais de noventa por cento

poderiam não conhecer esse fenômeno.111

Generalização do singular

Portanto, baseado em documentação lacunarque, não raro, infirma o proposto, sem discutir asrefutações metodológicas apresentadas, assina-

la-se que o fenômeno se teria convertido “em cos-tume cada vez mais arraigado e difundido”, “in-dispensável” ao escravismo brasileiro. Em inver-são arbitrária da realidade objetiva, afirma-se te-rem sido “casos individuais” e “conjunturas variá-veis” aqueles nos quais “certos senhores puderampreferir e impor o sistema de rações”!112

Flamarion e, salvo engano, nenhum autor quedefendeu, na época, a alta produtividade, o cará-ter mercantil e a generalização da brecha campone-sa no Brasil, tentou responder sistematicamenteas questões incontornáveis decorrentes da propo-sição. Entre elas, por que os escravizadores não

distribuíram as terras entre os trabalhadores es-cravizados e limitaram-se à cobrança de renda, re-petindo nas Américas a transição do escravismoao feudalismo, através do colonato, já que era tãoelevada a produção desses “pedacinhos de terra”explorados com instrumentos rústicos e escassogasto de tempo?

Transição que seria também aconselhada pelofato de que essas práticas contribuiriam para a paz na senzala, reduziriam os gastos marginais de se-

gurança, poriam fim à hemorragia de recursos,exigida pela renovação das escravarias dizimadasna produção, por meio do tráfico. Como se sabe,o camponês, com alguma terra e autonomia, parefilhos como coelho! Finalmente, se, nas últimasdécadas da escravidão, a concessão de parcelas deterras e a consolidação do controle servil sobre elacresceram – e não diminuíram –, por que não seconheceu, no Brasil, mobilização multitudináriapor seu controle, no contexto da luta abolicio-

nista, como em regiões da América escravistaonde o fenômeno assumiu importância? Ques-tionado de outra maneira: Por que os cativosabandonaram as fazendas em que viviam, comtanta facilidade, procurando comumente a li-berdade nas cidades ou relações assalariadas emoutras propriedades, não empreendendo resis-tência aberta ou velada pelo controle das hortas

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109 CARDOSO, Escravo (...), op.cit.110 Id.,ib., p. 109.111 Id.,ib., p. 102.112 Id.,ib., p. 110.

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que, segundo se propõe, explorariam maciça-mente, com tanta felicidade?113

Nos últimos quinze anos, as investigações sobreo escravismo colonial no Brasil terminaram solucio-nando pelanegativa as questões em discussão. Hoje,não há mais dúvidas sobre o caráter não-sistêmicoda concessão de hortas aos cativos, o limite da pro-

dutividade dessa produção e sua orientação domi-nante para a satisfação das necessidades de subsis-tência dos produtores. Em geral, como propusera

 Jacob Gorender, em 1978, em O escravismo colonial ,no “regime escravista, a economia própria do escra-vo nunca representou peça indispensável, semprefoi acessória e condicional”.114

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113 Cf. CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil: 1850-1888. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasí-lia: INL, 1975.

114 GORENDER , Jacob. O escravismo colonial. 4.ed. rev. e ampl. São Paulo: Ática, 1985. p. 258-9; 254-64; 236-3.

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7 A escravidão reabilitada e a maré neoliberal

 Jacob Gorender escreveu A escravidão reabilita-da imediatamente após as celebrações do I Cente-nário da Abolição. Como sugere o título, o livroconstituiu duríssima resposta às críticas contra ainterpretação escravista colonial do passado brasi-leiro que alcançavam, então, verdadeiro paroxis-

mo, caracterizadas explicitamente como “reabilita-ção” histórica da escravidão e refinamento das te-ses de um escravismo patriarcal, benigno e consen-sual defendidas por Gilberto Freyre, a partir de1933, visão crescentemente desacreditada pelasciências sociais, sobretudo a partir dos anos 1950.

Partindo do princípio de que o “trabalho histo-riográfico nunca é inocente”, o autor apontou asraízes ideológico-sociais profundas das obras queanalisa, caracterizando o forte viés social-democra-

ta do revisionismo historiográfico sobre a escravi-dão então em curso: “(...) se foi possível e viável aconciliação de classes entre senhores e escravos (...)muito mais possível e viável, vem a ser a concilia-ção entre capitalista e assalariados.”115

No capítulo Violência, consenso e contratuali-dade , Gorender lembra as importantes conquistasnos anos 1970, no Brasil e no mundo, da historio-grafia marxista, entre elas a definição do modo deprodução escravista colonial. Aponta como mo-mento de refluxo desse movimento a publicaçãode Ser escravo no Brasil , na França (1979) e noBrasil (1981), assinalando a fragilidade dessaobra, “reafirmação do “sistema” patriarcal na es-cravidão brasileira”, que apresenta de “um lado, osenhor ameno, generoso; dooutro, o escravo dócil,embora maliciosa e sutilmente resistente”.116

 Assinala igualmente Time on the cross: the eco-nomics of american negro slavery, de Fogel e

Engerman (1974) e Roll, Jordan, roll, de Genovese ,editado no Brasil em 1988, como contribuições àretomada das teses neopatriarcalistas no Brasil, aodefenderem a “escravidão como instituição ca-paz de tratar os escravos com critérios de justiça”,ensejando “escravidão muito mais consensual do

que coercitiva”.117

Gorender lembra que essas propostas revisio-nistas empreenderam críticas exacerbadas e seleti-vas da visão de cativos “coisificados” e, portanto,testemunhas mudas de uma “história para a qualnão existe senão como uma espécie de instrumen-to passivo”, na formulação já citada de HenriqueCardoso, não para destacar o agir “anti-sistêmi-co” do cativo, mas para propor o desenvolvimen-to pelo mesmo de “estratégias” de “acomodação” 

e de “reconciliação” que o levaram a não querersequer “trocar a escravidão pura pela escravidãoassalariada”.

Em Lei da população: família escrava, planta- gem e tráfico, reafirma ter sido a escravidão “pre-dominantemente adversa ao consórcio familiar” eaborda questões, como o tráfico, a lei populacio-nal, a reprodução nas fazendas grandes, pequenase monacais, etc., criticando os recursos utilizadospara produzir cenários sociais em que as famíliasescravizadas estáveis seriam fenômenos quase ge-rais. Critica também a dissociação dos sucessoshistóricos da vontade das classes e as explicaçõesculturalistas, climáticas, etc. de realidades estru-turais do escravismo, como a incapacidade ten-dencial de reprodução populacional endógenadevido às condições gerais necessárias de existên-cia, trabalho e produção servil.

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115 Cf. GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada, op.cit., p. 43.116 Id.,ib., p. 15.117 Id.,ib., p. 16.

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 A brecha camponesa

No capítulo Brecha camponesa, mercado inter-no e agricultura de subsistência, Gorender retomaa polêmica desenvolvida com Ciro Cardoso, pro-pondo a inaceitável supervalorização da produti-vidade da microeconomia dos cativos, que reafir-ma ser fenômeno mais ou menos fortuito, semcaráter dominantemente mercantil, que recuavaquando cresciam os preços e a produção escravis-ta. Impugna a definição como “semicamponês”ou “protocampesinato” dos cativos envolvidosnessas atividades, que podiam sempre ser vendi-

dos e transferidos de atividades, ao sabor da von-tade dos escravistas.

Em Equívocos e mistificações sobre a variedade do ser escravo, discute as características essencial-mente produtivas das relações sociais escravistas,não obstante conhecerem eventualmente formasincompletas e imperfeitas de realização. Critica aselucubrações em torno de fenômenos comuns àescravidão clássica, como a escravidão urbana, osganhadores, o pecúlio, etc., inseridos e determi-

nados pela escravidão colonial e jamais elementosde sua dissolução ou superação.

Em Pecados do marxismo e miragens do antimar- xismo, breve e erudita crítica epistemológica, dis-cute autores como Castoriadis, Lefort, Thomp-son, Veyne, etc., que, com a proposta de uma“nova história” – “cultural”, do “imaginário”, das“mentalidades”, etc. – indicavam o abandono doestudo social estrutural, visto como risível, por te-mas, como a doença, a feitiçaria, a festa, a loucura,

a sexualidade, etc., abordados de uma ótica etno-gráfica e antropológica e jamais como momentosde totalidades históricas orgânicas.

Em Escravidão e luta de classes : da estrutura àsubjetividade , retoma a discussão da proposta daconciliação sistêmica entre escravizadores e escra-vizados que apresentava um cativo modelando aescravidão, construindo-se espaços de liberdade,impondo a paz social, interessado na manutençãodo cativeiro. Apresenta as determinações estrutu-rais que enquadraram a oposição do cativo à es-cravidão e os limites objetivos de sua resistência.Lembra que a proposta do abandono da “oposi-

ção” pela “convergência” na interpretação da his-tória construía universo de paz no passado paramelhor fortalecer a defesa de colaboração socialno presente.

Em longo e importante capítulo, A revoluçãoabolicionista, condena a desvalorização da açãoabolicionista na superação do escravismo ou suarealização como devida ao “medo” dos escravis-tas, à ação de segmentos das elites, etc. Após apre-sentar leitura exploratória orgânica da luta aboli-cionista, define a Abolição, nascida da conjunçãodo agir servil e do abolicionismo radicalizado,como verdadeira “revolução burguesa”, momen-

to único da superação do modo de produção es-cravista colonial até então dominante. Como jávisto, em A burguesia brasileira, apresentara a

 Abolição como a única revolução social até entãoconhecida no Brasil.

Fios de Ariadne

 Ao longo do livro, como assinalado, Gorender

estabelece, sistematicamente, as determinaçõesideológicas que animavam e dirigiam as interpre-tações historiográficas sobre esse determinantedomínio da história do Brasil, ferindo as ilusões eas apologias gerais sobre a autonomia científica,política e ideológica das ciências sociais, em geral,e da historiografia, em particular.

 A escravidão reabilitada foi respostadura e ten-sa à enorme criticaria acadêmica organizada con-tra a historiografia materialista, em geral, e a pro-

posta de modo de produção escravista colonial,em especial. Impugnação geral que, apoiada na jáférrea hegemonia das forças sociais conservadorasque esse movimento expressava, materializava-se,nesse momento, sob a forma de apologia crescen-temente despreocupada com as praxes do traba-lho científico e acadêmico e, não raro, do própriobom senso.

O dramático momento sociopolítico nacionale internacional e o caráter já claramente apologéti-co das impugnações à interpretaçãomaterialista dopassado brasileiro ajudam a compreender a polê-mica ferina, aberta e direta do autor com estudio-

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sos consagrados e célebres centros acadêmicos.Umcontexto que ajuda a compreender a exacerba-ção da tendência do autor de, devido à valorizaçãoda totalidade nos processos interpretativos, enfati-zar as diferenças, mesmo restritas, com as interpre-tações e os autores discutidos, procedendo commaior parcimônia no registro das proximidades eidentidades gerais com as mesmas e os mesmos.

 A escravidão reabilitada foi uma espécie deassalto frontal à baioneta, por um infante isola-do, a uma linha de soldados comodamente en-trincheirados e poderosamente artilhados. Aoescrever esse livro, Gorender já tinha consciên-

cia dos duros tempos sociais que se apresenta-vam, sem certamente poder dimensionar a ex-tensão da crise que se abateria sobre a humani-dade, com a vitória da contra-revolução capita-lista que potenciava exponencialmente a forçadaqueles que, no mundo das representações, pu-nham-se ao seu serviço, consciente, semicons-ciente, inconscientemente.

Em 1990, vivíamos o ápice da vitória históricada contra-revolução mundial, da dissolução da

URSS e dos Estados operários degenerados doLeste europeu e da vaga neoliberal que varreriaconquistas históricas do mundo do trabalho emtodo o mundo, pelo avassalador movimento deprivatizações, destruição de conquistas sociais,dissolução de partidos e organizações operárias,etc., ou seja, vivíamos já o dramático retrocessodo mundo do trabalho diante das forças do capi-tal que se mantêm ainda hoje. As nuvens negras eos ventos sombrios no horizonte não eram apenas

um terrível vendaval se aproximando, mas tusina-mi até então jamais visto.

Bloco social-ideológico

 A crítica de A escravidão reabilitada, apresen-tada sem nuanças de forma e de conteúdo, em

momento em que se aprofundava abismalmenteo domínio das forças sociais nacionais e interna-cionais que apoiavam as tendências irracionalis-tas nas ciências sociais, ensejou a formação deampla e sólida frente de oposição acadêmicacontra o autor e sua interpretação, precisamentequando se vivia refluxo quantitativo e qualitati-vo das pesquisas historiográficas nacionais sobreo mundo social, em geral, e sobre a escravidão,em particular. 118

 A “resenha” de Sidney Chalhoub de A escravi-dão reabilitada é exemplo paradigmático dessemovimento. O autor procura “depurar” o debate

sobre o escravismo de qualquer sentido político eideológico, tornando-o mero tema acadêmico,despido de qualquer transcendência epistemoló-gica e social. Nesse sentido, Chalhoub registranão compreender “o porquê” da “história da es-cravidão” ser, para Gorender, “uma questão e im-portância tão transcendental”.

Na resenha, Gorender é acusado da mesma“monomania classificatória” do “médico alienis-ta, de Machado de Assis, “que, com suas expe-

riências científicas, lançou o terror entre os habi-tantes da vila de Itaguaí”. Apenas no presentecaso, as vítimas seriam os “historiadores que seatreveram a escrever sobre a históriada escravidãoe da abolição”, contra os quais o autor utilizaria omesmo método “abrangente e aterrador” doalienista-alienado.

 A escravidão reabilitada seria produto da men-te de um autor que se tomava por “vítima de umcomplô urdido nas hostes revisionistas”. Goren-

der não teria autoridade científica e ética, já que“nunca” teria feito “uma pesquisa histórica pro-longada nos arquivos da escravidão brasileira – li-mitou-se, até hoje, a ler alguns documentos (sic)impressos e livros de viajantes”. Seguindo nomesmo sentido, Gorender é acusado de funda-mental “seus procedimento de crítica historiográ-fica no truque e na pilhagem.”

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118 Cf. CHALHOUB, S. Gorender põe etiquetas nos historiadores. Folha de S. Paulo, 24 nov. 1990.; GORENDER, J. Comoera bom ser escravo no Brasil. Folha de S. Paulo. (réplica), 15 dez. 1990; LARA, S. Gorender escraviza a História. Folha de S. Paulo (tréplica), Caderno Letras, jan. 1991.

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Maluco e negreiro

Praticamente limitando sua referência ao livroresenhado ao “sic” posposto após o título, Cha-lhoub conclui o arrazoado, retomando a críticade Gorender, que defende em O escravismo colo-nial a visão do “escravo-coisa” – “representaçãoacadêmica segundo a qual os escravos só conse-guiam pensar o mundo, e atuar sobre ele, a partirdos significados sociais impostos pelos senhores”–, deixando-se assim “seduzir” “completamentepela lógica dos escravocratas”. Ou seja, Goren-der, além de maluco, seria negreiro!

No longo e árido contexto social caracterizadopelas propostas de fim da história, encerraram-sepraticamente as discussões sobre a multiplicidadede modos de produção, já que a própria propostade compreensão tendencial do passado foi anate-matizada como, no mínimo, visão ideológica daprática historiográfica que já se orientava decidi-damente para campos mais gentis e menos tensos,como a história da vida privada, da cultural, das

mentalidades, das festas, dos sentimentos, doscostumes, dos hábitos, do sexo como desvio, etc.,sobretudo das elites do passado e do presente.

Na década seguinte, reduzida a mero campo deestudo dos fatos singulares da formação social bra-sileira, desconectada de compreensão totalizantedos fenômenos em discussão, a historiografia daescravidão dedicou-se, sobremaneira, à propostade pactos e consensos entre cativose seus escraviza-dores e à defesa da existência sistemática da famíliaescravizada no Brasil, as duas estratégias então emcurso de reconstituição do consenso estrutural daescravidão proposto pelos escravistas, quando da

escravidão, e pelos intelectuais orgânicos das clas-ses dominantes brasileiras, após a Abolição.

Nos anos 1990, comumente, as bibliografiasde dissertações e teses sobre a escravidão brasileiranão mais arrolaram O escravismo colonial , numaprepotente tentativa de comprovação da supera-ção final da fratura ocorrida no mundo das repre-sentações dominantes, ocorrida no já distanteano de 1978.

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Obras de Jacob Gorender

Livros

O escravismo colonial. São Paulo: Ática, 1978. 6.ed. (defi-nitiva), 1992. 2.imp., 2005.

  A burguesia brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1981.8.ed.,1990. 2.reimp., 1998.

Gênese e desenvolvimento do capitalismo no campo brasi-leiro. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987.

Combate nas trevas. São Paulo: Ática, 1987. 6.ed. 2.re-imp., 2003.

  A escravidão reabilitada. 2. ed. São Paulo: Ática, 1990.,1991.

O fimda URSS. Origens e fracasso da perestroika. SãoPau-lo: Atual, 1991. 11.ed., 2003.

  Marcino e Liberatore. (Diálogos sobre marxismo, social-democracia e liberalismo). São Paulo: Ática, 1992.

  Marxismo sem utopia . São Paulo: Ática, 1999. 2.imp.,

2000.Direitos humanos . (O que são ou devem ser). São Paulo:Senac, 2004.

Brasil em preto & branco. O passado escravista que nãopassou. São Paulo: Senac, 2000.

 Artigos e ensaios

 A escravidão reabilitada. LPH - Revista de História. In:SEMINÁRIO SOBRE TENDÊNCIAS CONTEMPO-

RÂNEAS DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA, dez.1991. Universidade Federal de Ouro Preto. Mariana:LPH-UFOP, 1992. 1 (3).

 A face escrava da corte imperial brasileira. AZEVEDO, P.C.; LISSOVSKY, M. (org.). Escravos brasileiros : do século XIX na fotografia de Chistiano Jr. São Paulo: Ex Libris,1988. p. XXXI-XXXVI.

 A participação do Brasil na II Guerra Mundial e suas conse-qüências. SZMRECSANYI, T.; GRANZIERA, R.B.(org.). Getúlio Vargas e a economia contemporânea . Cam-pinas: UNICAMP, 1986.

  A prova da história. Estudos Avançados . São Paulo:IEA-USP, 1998. 12 (34).

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Cadernos IHU divulga pesquisas, produzidas por professores/pesquisadores, poralunos de pós-graduação e trabalhos de conclusão de alunos de graduação, nas áreasde concentração ética, trabalho e teologia pública. A periodicidade é bimensal.

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Mário Maestri (1948), é natural de Porto Alegre. Estudou História na UFRGS e no Instituto Pedagógi-co da Universidade do Chile. Graduou-se e Pós-graduou-se em História em História na UniversidadeCatólica de Louvain, na Bélgicva. Em 1990, concluiu pós-doutoramento, na Bélgica e, em 2002, fez osemestre sabático em PortugalTrabalhou, entre outrasuniversidades, na Fundação Universitária de Rio Grande (FURG); na Universi-dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul(PUCRS).Desde 1996 é professor e pesquisador no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade dePasso Fundo (UPF). É autor de mais de trinta livros publicados no Brasil, Itália, Bélgica e França.E-mail: [email protected]

Publicações:

MAESTRI, Mário. Os senhores da serra. A colonização italiana no RS. 2. ed. (revista e ampliada) Passo Fundo: EdUPF, 2005._______. A linguagem escravizada. São Paulo: Expressão Popular, 2003 [Com Florence Carboni]._______. Deus é grande, o mato é maior! Trabalho e resistência escrava no Rio Grande do Sul. Passo Fundo: EdUPF, 2002.

_______. Antonio Gramsci : vida e obra de um comunista revolucionário. São Paulo: Expressão Popular, 2001 [Com Luigi Candreva]._______. O sobrado e o cativo: a arquitetura urbana erudita no Brasil escravista. Passo Fundo: EdiUPF, 2001._______. Castro Alves : genealogia crítica de um revisionismo. Passo Fundo: EdiUPF, 2000.