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VIII JORNADAS REGIONAIS DO GT MUNDOS DO TRABALHO – ANPUH/RS HISTÓRIAS DO TRABALHO ESCRAVO, LIBERTO E LIVRE LIVRO DE RESUMOS EXPANDIDOS Melina Kleinert Perussatto Nauber Gavski da Silva Micaele Irene Scheer Alisson Droppa (Orgs.)

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VIII JORNADAS REGIONAIS DO GT MUNDOS DO TRABALHO – ANPUH/RS

HISTÓRIAS DO TRABALHO ESCRAVO, LIBERTO E LIVRE

LIVRO DE RESUMOS EXPANDIDOS

Melina Kleinert Perussatto

Nauber Gavski da Silva

Micaele Irene Scheer

Alisson Droppa

(Orgs.)

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VIII JORNADAS REGIONAIS DO GT MUNDOS DO TRABALHO

DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE HISTÓRIA – SEÇÃO RIO GRANDE DO SUL

“HISTÓRIAS DO TRABALHO ESCRAVO, LIBERTO E LIVRE”

LIVRO DE RESUMOS

EXPANDIDOS

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Campus Porto Alegre

Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul

Porto Alegre, Rio Grande do Sul

Outubro de 2015

Organização Melina Kleinert Perussatto Nauber Gavski da Silva Micaele Irene Scheer Alisson Droppa Editoração GT Mundos do Trabalho – ANPUH/RS Imagens 1) Greve dos rodoviários. Fotógrafo: Ricardo Giusti. Correio do Povo, Porto Alegre, 2014. 2) Greve dos garis. Mídia Ninja, Rio de Janeiro, 2014. 3) Classificação do velo de lã. Imagem n. 42. Coleção Fotográfica Laneira Brasileira S. A. Fototeca Memória da UFPel, entre 1950-1990. 4) Club Recreio Operário. Acervo pessoal de Gicelda Marques. Pelotas, déc. 1950. 5) Crianças vendendo flores. Fotógrafo: Virgílio Calegari. Museu Joaquim José Felizardo/Fototeca Sioma Breitman, Porto Alegre, fins do século XIX/início do século XX. 6) Negros libertos, deixa disso, nhô João. Fotógrafo: Lunara. Museu Joaquim José Felizardo/Fototeca Sioma Breitman, Porto Alegre, 1900.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Jornadas do GT Mundos do Trabalho (8.: 2015.: Porto Alegre).

Livro de Resumos Expandidos: Anais da VIII Jornadas Regionais do GT Mundos do Trabalho da Associação Nacional de História – Seção Rio Grande do Sul. / organizado por Melina Kleinert Perussatto… [et al.]. – Porto Alegre: ANPUH/RS: Memorial/TRT4, 2015.

77 p.

ISBN 978-85-62873-05-8

1. História do Trabalho. 2. Trabalhadores. I. Perussatto, Melina Kleinert. II. Título.

CDD: 331.09

Catalogação na Publicação: Tania Rokohl – CRB10/2171

Observação: o conteúdo dos resumos expandidos é de responsabilidade exclusiva de seus respectivos autores.

Coordenação do GT Mundos do Trabalho da Associação Nacional de História – Seção Rio Grande do Sul (Gestão 2014-2016) Coordenadora: Melina Kleinert Perussatto (UFRGS)

Vice-Coordenador: Nauber Gavski da Silva (UFSC)

Comissão Organizadora e Comitê Científico das VIII Jornadas Regionais do GT Mundos

do Trabalho da Associação Nacional de História – Seção Rio Grande do Sul

Alisson Droppa (UFFS)

Carlos Fernando de Quadros (USP)

Guilherme Machado Nunes (UFRGS)

Fernando Cauduro Pureza (UFRGS)

Frederico Duarte Bartz (UFRGS)

Melina Kleinert Perussatto (UFRGS)

Micaele Irene Scheer (UFRGS)

Nauber Gavski da Silva (UFSC)

Paulo Roberto Staudt Moreira (UNISINOS)

Tamires Xavier Soares (PUCRS)

Divulgação

http://viiijornadasgtmtrs.blogspot.com.br

https://www.facebook.com/gtmtrs

Realização

GT Mundos do Trabalho da Associação Nacional de História – Seção Rio Grande do Sul

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Campus Porto Alegre

Apoio

Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul

Associação Nacional de História – Seção Rio Grande do Sul

Departamento de História da Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus Erechim

Memorial do Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região

GT Mundos do Trabalho da Associação Nacional de História

Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica/RS

Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pelotas

Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Maria

Financiamento

Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul

SUMÁRIO

PROGRAMAÇÃO GERAL ............................................................................................................................. 6

APRESENTAÇÃO .......................................................................................................................................... 7

CONFERÊNCIA DE ABERTURA ................................................................................................................ 8

MESAS-REDONDAS ..................................................................................................................................... 8

PAINÉIS ........................................................................................................................................................... 8

MINICURSO .................................................................................................................................................... 9

ATIVIDADE COMPLEMENTAR ................................................................................................................. 9

LANÇAMENTO/DIVULGAÇÃO DE LIVROS ........................................................................................... 9

SESSÕES DE COMUNICAÇÕES COORDENADAS ............................................................................... 10

RESUMOS EXPANDIDOS DAS SESSÕES DE COMUNICAÇÕES COORDENADAS ...................... 15

TRABALHO, EMANCIPAÇÃO E PÓS-ABOLIÇÃO ....................................................................................... 15

TRABALHO E LEIS I ............................................................................................................................................ 20

TRABALHO, ESCRAVIDÃO E LIBERDADE .................................................................................................. 24

TRABALHO E POLÍTICA .................................................................................................................................... 29

TRABALHO, IMPRENSA E EDUCAÇÃO ........................................................................................................ 36

GRUPOS PROFISSIONAIS E DESLOCAMENTOS ........................................................................................ 41

TRABALHOS E LEIS II ......................................................................................................................................... 45

TRABALHO, MENORES E MULHERES .......................................................................................................... 48

TRABALHO CONTEMPORÂNEO ..................................................................................................................... 54

TRABALHO, MEMÓRIA E HISTÓRIA ORAL ................................................................................................ 57

TRABALHO, RACIALIZAÇÃO E PÓS-ABOLIÇÃO ....................................................................................... 62

FONTES, ACERVOS E HISTORIOGRAFIA ..................................................................................................... 72

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PROGRAMAÇÃO GERAL

26/10/2015 27/10/2015 28/10/2015

UNISINOS

Campus Porto Alegre

UNISINOS

Campus Porto Alegre

APERS

Auditório

10h às 12h

Minicurso (Sala Santander)

10h às 12h

Minicurso

12h às 13h30

Almoço

12h às 13h30

Almoço

14h às 15h45 Sessões Coordenadas

Sessão 01 (Sala Santander)

Sessão 02 (Sala CPA 205)

13h30 às 15h30

Sessões Coordenadas

Sessão 05 (Sala Santander)

Sessão 06 (Sala CPA 304)

Sessão 07 (Sala CPA 306)

13h30 às 15h15

Sessão Coordenada 11

15h45 às 16h

Coffee Break

15h30 às 15h45

Coffee Break

15h15 às 15h30

Coffee Break

16h às 17h45

Sessões Coordenadas

Sessão 03 (Sala Santander)

Sessão 04 (Sala CPA 205)

15h45 às 17h30

Sessões Coordenadas

Sessão 08 (Sala Santander)

Sessão 09 (Sala CPA 304)

Sessão 10 (Sala CPA 306)

15h30 às 17h15

Sessão Coordenada 12

17h15 às 17h30

Painel

17h45 às 18h

Coffee Break

17h30 às 18h

Coffee Break

17h30 às 18h

Visita Guiada no APERS

18h às 18h30

Lançamento de livros

(Sala Santander)

18h às 18h30

Lançamento de livros

(Sala Santander)

18h às 18h30

Lançamento de livros

18h30 às 19h

Abertura (Sala Santander)

18h30 às 19h

Painel (Sala Santander)

18h30 às 19h

Painel

19h às 21h

Conferência

(Sala Santander)

19h às 21h

Mesa-redonda

(Sala Santander)

19h às 21h

Mesa-redonda

21h

Confraternização

21h às 21h30

Reunião

26/10/2015 – 13h30 às 18h: Credenciamento (em frente à Sala Santander)

29/10/2015 – 10h às 12h: Atividade complementar “O Floresta dos Operários”

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APRESENTAÇÃO

As Jornadas Regionais do Grupo de Trabalho Mundos do Trabalho da Associação

Nacional de História – Seção Rio Grande do Sul se configuram como um momento de encontro

relacionado às pesquisas em História Social do Trabalho. Pretende-se congregar professores e

estudantes de graduação e pós-graduação de História, Sociologia, Antropologia, Direito,

Educação e áreas afins, favorecendo o intercâmbio entre a Universidade e demais

pesquisadores e profissionais da temática do trabalho. Como nas Jornadas anteriores, busca-

se discutir as perspectivas historiográficas, os diálogos interdisciplinares, os métodos, as

fontes e os acervos de pesquisas relacionadas ao mundo do trabalho.

As VIII Jornadas, intituladas “Histórias do trabalho escravo, liberto e livre”, pretendem

abarcar reflexões e debates sobre os mundos do trabalho e as múltiplas experiências e formas

de resistência e ação dos(as) trabalhadores(as), do século XVIII aos dias de hoje. Serão aceitos

trabalhos que versem sobre instituições, organizações, formações e lutas dos(as)

trabalhadores(as), suas relações com o Estado e seus múltiplos espaços de ação; sobre as

fronteiras e temporalidades das condições e relações de trabalho; e sobre as articulações

entre classe, gênero, raça, etnicidade e/ou nacionalidade no processo ampliado de formação

da classe trabalhadora.

A escolha do tema associa-se tanto à consolidação e ao crescente interesse dos(as)

pesquisadores(as) pela temática geral do evento, como à necessidade de proporcionar um

debate qualificado que dialoga com o recrudescimento das violações aos direitos dos

trabalhadores – e, de um modo mais amplo, aos direitos humanos – que marca os dias atuais.

Em parceria com o Programa de Pós-graduação em História da Universidade do Vale

do Rio dos Sinos, apoio do Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, do Memorial do

Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, da Associação Nacional de História – seção Rio

Grande do Sul, do GT Nacional Mundos do Trabalho, dos Programas de Pós-graduação em

História da UFRGS, UFPel, UFSM e PUCRS, do Programa de Pós-graduação em Educação da

UNISINOS, DO Departamento de História da UFFS e patrocínio da Fundação de Amparo à

Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul, as VIII Jornadas Regionais do GT Mundos do

Trabalho oferecerão conferência, mesas-redondas, painéis, minicursos e sessões de

comunicações coordenadas, contando com a participação de pesquisadores gaúchos e de

outras regiões do país.

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CONFERÊNCIA DE ABERTURA

Segunda-feira, 26 de outubro, 19h Histórias do trabalho escravo, liberto e livre: velhos problemas, novas questões Prof. Dr. Álvaro Pereira Nascimento (UFRRJ) Mediador: Prof. Dr. Paulo Roberto Staudt Moreira (UNISINOS)

MESAS-REDONDAS

Terça-feira, 27 de outubro, 19h Classe, raça e gênero na história do trabalho: aproximações e debates Profa. Dra. Giovana Xavier (UFRJ) Dr. Marcus Vinícius de Freitas Rosa (UFRGS) Mediadora: Profa. Dra. Beatriz Loner (UFPel) Quarta-feira, 28 de outubro, 19h Condições de trabalho e temporalidades: problemas e tensões Prof. Dr. Robério Souza (UNEB) Prof. Dr. Norberto Ferreras (UFF) Mediadora: Profa. Dra. Clarice Gontarski Speranza (UFPel)

PAINÉIS

Terça-feira, 27 de outubro, 19h Projeto Memórias dos trabalhadores organizados em Porto Alegre, 1887-1930 Prof. Dr. Frederico Duarte Bartz (UFRGS) Quarta-feira, 28 de outubro, 17h15 Projeto Documentos da Escravidão do Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul e Visita Guiada Historiadora Caroline Acco Baseggio (Coordenadora da Sala de Pesquisa - APERS) Quarta-feira, 28 de outubro, 19h Projeto Limpeza Total: UFF, EJA e Trabalhadores Terceirizados Prof. Dr. Marcelo Mac Cord (UFF)

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MINICURSO

Terça-feira, 27 de outubro, 10h Histórias do trabalho escravo liberto e livre: balanços, perspectivas e desafios Profa. Ma. Melina Kleinert Perussatto - Doutoranda (UFRGS) Histórias do trabalho: algumas fontes para pesquisa do século XX Prof. Dr. Nauber Gavski da Silva (UFSC) Quarta-feira, 28 de outubro, 10h Histórias do trabalho: extensionismo, educação, universidade e trabalhadores terceirizados Prof. Dr. Marcelo Mac Cord (UFF)

ATIVIDADE COMPLEMENTAR

Quinta-feira, 29 de outubro, 10h O Floresta dos operários Prof. Dr. Frederico Duarte Bartz (UFRGS)

LANÇAMENTO/DIVULGAÇÃO DE LIVROS

Segunda-feira à quarta-feira, 26 a 28 de outubro, 18h FERRERAS, Norberto; SECRETO, Maria Verónica. Os pobres e a política. História e Movimentos sociais na América Latina. Mauad, RJ, 2013. GILL, Lorena Almeida; SCHEER, Micaele Irene. À beira da extinção: memórias de trabalhadores cujos ofícios estão em vias de desaparecer. Pelotas: Editora UFPel, 2015. MAC CORD, Marcelo; BATALHA, Cláudio. (orgs.). Organizar e Proteger: trabalhadores, associações e mutualismo no Brasil (século XIX e XX). Campinas: Editora da Unicamp, 2015. MOREIRA, Paulo Roberto Staudt; MUGGE, Miquéias Henrique. Histórias de escravos e senhores em uma região de imigração europeia. São Leopoldo/RS: Oikos, 2014. MOREIRA, Paulo Roberto Staudt; AL-ALAM, Caiuá Cardoso; PINTO, Natalia Garcia . Os Calhambolas do General Manoel Padeiro: práticas calhambolas na Serra dos Tapes (RS, Pelotas, 1835). 1. ed. São Leopoldo: Oikos, 2013. NONNENMACHER, Marisa Schneider. Tudo começou em uma madrugada: Sociedade beneficente Cultural Floresta Aurora (1872-2015). Porto Alegre, Medianiz, 2015. PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz; LOVATO Barbara Hartung. Introdução ao estudo da História:temas e textos. 1. ed. Porto Alegre: Edição das Autoras, 2013. SPERANZA, Clarice Gontarski. Cavando direitos: as leis trabalhistas e os conflitos entre os mineiros de carvão e seus patrões no Rio Grande do Sul (1940-1964). São Leopoldo: Oikos - Coleção Anpuh/RS, 2014. SOUZA, Robério dos Santos. Tudo pelo trabalho livre!: trabalhadores e conflitos no pós-abolição (Bahia, 1892-1909). Salvador: Edufba, 2011. WEIMER, Rodrigo de Azevedo. Felisberta e sua gente: Consciência histórica e racialização em uma família negra no pós-emancipação rio-grandense. Rio de Janeiro: FGV Editora/FAPERJ, 2015.

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SESSÕES DE COMUNICAÇÕES COORDENADAS

Segunda-feira, 26 de outubro

14h às 15h45 – Sala Santander – UNISINOS (Campus Porto Alegre) Sessão 01 - TRABALHO, EMANCIPAÇÃO E PÓS-ABOLIÇÃO Coordenador: Prof. Dr. Rodrigo de Azevedo Weimer (FEE) Beatriz Ana Loner (Doutora em Sociologia – UFPel) A importância dos apoios (religiosos, políticos e étnicos) na vida de Manoel Conceição da Silva Santos Bruna Emerim Krob (Mestranda em História – UFRGS) Emancipação de escravos e controle sobre trabalhadores libertos: os registros policiais da Cadeia Civil de Porto Alegre (1884 – 1888) Maria do Carmo Moreira Aguilar (Doutoranda em História – UFRGS) “Patrão da gente, nunca eles ficam contentes, quanto mais a gente faz, mais eles querem”: as relações de trabalho, família e migração de uma comunidade quilombola no Rio Grande do Sul. Claudia Daiane Garcia Molet (Doutoranda em História – UFRGS) “As pessoas não tinham o direito de falar na vista deles. Era, sim senhor e não senhor”: camponeses negros e arrozeiros, nas lavouras de arroz, do litoral do Rio Grande do Sul, no século XX. 14h às 15h45 – Sala CPA 205 – UNISINOS (Campus Porto Alegre) Sessão 02 – TRABALHO E LEIS I Coordenador: Prof. Dr. Alisson Droppa (UFFS)

Evangelia Aravanis (Doutora em História - ULBRA) A contribuição do médico gaúcho Carlos Penafiel no debate e elaboração das Leis de Acidentes de Trabalho (1918 -1944) Guilherme Machado Nunes (Mestrando em História – UFRGS) Regulamentando o ócio e o lazer operário: um estudo comparativo entre as férias no Brasil e em outros membros da OIT entre 1920 e 1930 Glaucia Vieira Ramos Konrad (Doutora em História – UFSM) Direitos da Mulher: Estado Novo no Rio Grande do Sul (1937-1945) Tamires Xavier Soares (Mestranda em História – PUCRS) Demissão como ato de patriotismo: o caso dos trabalhadores súditos do Eixo.

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16h às 17h45 – Sala Santander – UNISINOS (Campus Porto Alegre) Sessão 03 – TRABALHO, ESCRAVIDÃO E LIBERDADE Coordenador: Prof. Dr. Paulo Roberto Staudt Moreira (UNISINOS) Paulo Rodrigues de Andrade (Mestrando em História – Prefeitura de Vinhedo) Que o Governo de S. M. havia concedido verbalmente despensa da condição 8ª do mencionado decreto”: trabalhadores escravos nas obras de construção da São Paulo Railway na década de 1860 Wagner de Azevedo Pedroso (Mestre em História – Prefeitura de Montenegro) A dinâmica das atividades escravas nas propriedades de uma freguesia rural da Província de São Pedro (Aldeia dos Anjos, século XIX) Miquéias Henrique Mugge (Doutorando em História - UFRJ) Entre qualificados e qualificadores: perfis ocupacionais de guardas nacionais no Rio Grande do Sul (1850-1873) 16h às 17h45 – Sala CPA 205 – UNISINOS (Campus Porto Alegre) Sessão 04 – TRABALHO E POLÍTICA Coordenadora: Profa. Dra. Gláucia Ramos Konrad (UFSM) Caroline Poletto (Doutoranda em História - UNISINOS) Angelo las Heras: fragmentos de um anarquista e de seus desenhos combativos Roberto Borges Lisboa (Doutorando em História - UFSM) Classe Trabalhadora e Sindicato no Brasil dos anos 1930: A Luta e o viés sindical do Grupo Comunista Lenin até Liga Comunista Internacionalista Diorge Alceno Konrad (Doutor em História - UFSM) Lutas Políticas e Projetos Sociais Distintos dos Trabalhadores Brasileiros na Década de 1930: os Casos da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e da Ação Integralista Brasileira (AIB) Yuri Rosa de Carvalho (Doutorando em História - UFSM) Sindicalismo “Democrata”: O colaboracionismo de trabalhadores à serviço da Ditadura de Segurança Nacional Aline Silveira Flores (Mestranda em História - UFSM) Ativismo militante de mulheres petistas na Santa Maria dos anos 1980: trajetórias individuais e cruzadas

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Terça-feira, 27 de outubro

13h30 às 15h30 – Sala Santander – UNISINOS (Campus Porto Alegre) Sessão 05 – TRABALHO, IMPRENSA E EDUCAÇÃO Coordenador: Dr. Marcus Vinícius de Freitas Rosa (PROPG/UFRGS) Ângela Pereira Oliveira (Mestranda em História – UFPel) O papel de construção desempenhado pelos jornais O Exemplo e A Alvorada na formação de uma identidade negra e operária. Melina Kleinert Perussatto (Doutoranda em História – UFRGS) Defender a classe e educar pel'O Exemplo: imprensa negra e a luta pela instrução em Porto Alegre (1892-1911) Isabel Aparecida Bilhão (Doutora em História – UNISINOS) Imprensa militante e a difusão do ensino racionalista no Brasil (1900 a 1920) 13h30 às 15h30 – Sala CPA 304 – UNISINOS (Campus Porto Alegre) Sessão 06 – GRUPOS PROFISSIONAIS E DESLOCAMENTOS Coordenador: Prof. Dr. Robério Souza (UNEB) Robert Wagner Porto da Silva Castro (Mestrando em História – UFPel) Considerações sobre relações de trabalho no contexto das mobilizações de marinheiros da marinha de guerra brasileira Renan Amaral Alves (Graduando em História - UFPel) A profissão de sapateiro na cidade de Pelotas a partir da Delegacia Regional do Trabalho-RS, 1939-1943 Maria Antonia Veiga Adriao (Doutoranda em História – UFC) Os caminhos do Sol: migração sertão – cidade de Sobral 1950-1980

13h30 às 15h30 – Sala CPA 306 – UNISINOS (Campus Porto Alegre) Sessão 07 – TRABALHO E LEIS II Coordenadora: Profa. Dra. Evangelia Aravanis (ULBRA) Fernando Cauduro Pureza (Doutorando em História – UFRGS) Os crimes da carne: crimes contra economia popular e açougueiros em Porto Alegre (1946-1959) Camila Martins Braga (Mestranda em História – UFPel) Antônio Ferreira Martins: o advogado mediador de conflitos trabalhistas de Pelotas/RS (1941-1945)

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15h45 às 17h30 – Sala Santander – UNISINOS (Campus Porto Alegre) Sessão 08 – TRABALHO, MENORES E MULHERES Coordenadora: Profa. Dra. Giovana Xavier (UFRJ) Maicon Lopes dos Santos (Graduado em História - Unilasalle) "Artifices habeis e perfeitamente educados" - os menores aprendizes das oficinas do Arsenal de Guerra de Porto Alegre (1860- 1870) Lisiane Ribas Cruz (Mestranda em História - UNISINOS) “Precisa-se de uma menina de 12 annos de idade para cuidar de creança”: o trabalho infantil na Primeira República (Porto Alegre/RS) Priscilla Almaleh (Mestranda em História - UNISINOS) Trabalhadoras, Enfermas e Pobres: Condição de vida da mulher popular a partir dos Registros de Matrícula Geral dos Enfermos da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (1889 – 1895). 15h45 às 17h30 – Sala CPA 304 Sessão 09 – TRABALHO CONTEMPORÂNEO Coordenador: Prof. Dr. Norberto Ferreras (UFF) Alisson Droppa (Doutor em História - UFFS) O eixo temático terceirização do projeto “Contradições do Trabalho no Brasil Atual. Formalização, precariedade, terceirização e regulação”: relato de experiência Jordana Alves Pieper (Mestranda em História - UFPel) Os registros na carteira de trabalho na extinta fábrica Laneira Brasileira Sociedade Anônima Indústria e Comércio (1980-1985) 15h45 às 17h30 – Sala CPA 306 – UNISINOS (Campus Porto Alegre) Sessão 10 – TRABALHO, MEMÓRIA E HISTORIA ORAL Coordenadora: Profa. Dra. Isabel Bilhão (UNISINOS) Diego Oliveira de Souza (Doutorando em História – UFSM/Ministério Público) A repressão política sobre os trabalhadores: o caso Manoel Fiel Filho e a memória das violações de direitos humanos como patrimônio cultural Lucinéia Fagnani (Mestra em História – UNIOESTE) Trajetórias dos Operários da Unidade de Produção de Pintainhos. Elvis Patrik Katz (Graduando em História - FURG) Trabalho, espaço e mudança social: impactos da construção da RS-13 na Serra do Botucaraí – RS (anos 50 e 60) Frederico Duarte Bartz (Doutor em História – UFRGS) A memória da classe trabalhadora e a cidade em mutação: o caso do Bairro Floresta e do Quarto Distrito em Porto Alegre.

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Quarta-feira, 28 de outubro 13h30 às 15h15 - Auditório Marcos Justo Tramontini (APERS) Sessão 11 – TRABALHO, RACIALIZAÇÃO E PÓS-ABOLIÇÃO Coordenador: Prof. Dr. Álvaro Nascimento (UFRRJ) Rodrigo de Azevedo Weimer (Pós-Doutor em História - FEE) Trabalho livre para além do assalariamento: campesinato negro no pós-Abolição, nem cativos, nem operários Sarah Calvi Amaral Silva (Doutoranda em História - UFRGS) “Aparências que iludem”: cor, classe e criminalidade na Porto Alegre dos anos 1930 Franciele Rocha de Oliveira (Mestranda em História - UFSM) Trajetórias negras santamarienses no pós-abolição: o caso do clube União Familiar e sua rede Fernanda Oliveira da Silva (Doutoranda em História - UFRGS) Raça, classe e sociabilidade: possibilidades de acesso às experiências de classe no pós-abolição Brasil-Uruguai (déc.1920 - déc. 1960).

15h30 às 17h15 – Auditório Marcos Justo Tramontini (APERS) Sessão 12 – FONTES, ACERVOS E HISTORIOGRAFIA Coordenadora: Historiadora Clarissa Sommer (APERS)

Clarice Gontarski Speranza (Pós-Doutoranda em História – UFPel) e Micaele Irene Scheer (Doutoranda em História - UFRGS) A recente história dos trabalhadores no Rio Grande do Sul: produções, arquivos e debates (2005-2014) Lorena Almeida Gill (Pós-Doutora - UFPel) Fontes para a História do Trabalho na região sul do Brasil Aristeu Elisandro Machado Lopes (Doutor em História - UFPel) Os trabalhadores rurais no acervo da Delegacia Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul (1933-1943)

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RESUMOS EXPANDIDOS DAS SESSÕES DE COMUNICAÇÕES COORDENADAS

Segunda-feira, 26 de outubro

14h às 15h45 – Sessão Coordenada 01 TRABALHO, EMANCIPAÇÃO E PÓS-ABOLIÇÃO COORDENADOR: PROF. DR. RODRIGO DE AZEVEDO WEIMER (FEE) A importância dos apoios (religiosos, políticos e étnicos) na vida de Manoel Conceição da Silva Santos Beatriz Ana Loner (Doutora em Sociologia – UFPel) Palavras-chave: libertos - minas - Igreja Católica Resumo expandido: Esta comunicação faz parte de uma pesquisa sobre uma família afro descendente que residiu nas cidades de Pelotas e Rio Grande, durante os séculos XIX e XX, a família Silva Santos. A ideia é de investigar cinco gerações, desde a chegada da primeira geração, ainda escravizada em inícios do século XIX, até representantes escolhidos da quinta geração, com a data final em 2010. Portanto, trata-se de uma pesquisa de fôlego, a qual pretende investigar as formas e estratégias de inserção de seus membros na sociedade brasileira, os preconceitos que enfrentaram e também sua ativa participação nos movimentos trabalhista e político das duas cidades assinaladas acima. Para esta comunicação, vai-se analisar os apoios que o personagem focal dessa história Manoel da Silva Santos conseguiu amealhar e utilizou para sua trajetória de sucesso nas duas cidades entre 1831 e 1918. Resumidamente, Manoel nasceu escravo em Rio Grande, libertou-se apenas aos 20 anos e dedicou-se profissionalmente a construção civil na cidade de Pelotas, para a qual se mudou na década de 1860. Entre suas conquistas pessoais está o fato de haver sido liderança política da comunidade negra pelotense, membro do Partido Liberal, integrante da diretoria da Irmandade do Rosário por vários anos, liderança ativa da campanha abolicionista, tendo sido tesoureiro do Clube Abolicionista da cidade e fundador de associações de artesãos e do jornal A Voz do Escravo. Economicamente, teve sucesso em sua profissão, sustentando dez filhos e possuindo propriedades na cidade e morreu reconhecido pela comunidade negra, com amigos e conhecidos na elite política da cidade. Para quem nasceu escravo, é, sem dúvida, uma trajetória de sucesso. Nosso objetivo é analisar os vários instrumentos e instituições de que se utilizou para chegar a este patamar de respeitabilidade e sucesso econômico em sua vida pós alforria. Para tanto, pretendemos mostrar sua inserção junto a comunidade negra, que aconteceu em Rio Grande, entre os grupos que se reivindicavam de nação mina, como sua mãe. Tudo indica que Manoel foi membro respeitado da comunidade mina rio grandina, pelo seu círculo de amizades e compadrios. Já em Pelotas, o contexto foi mais generalizante, e ele comparece como um representante do conjunto da comunidade negra, situação que é acentuada pela sua participação religiosa e também política. Em um caso e outro, a participação nas irmandades do Rosário foi fundamental para constituir sua liderança. Trabalhamos com a hipótese, parcialmente confirmada, de que a proximidade com a Igreja católica, da qual foi fiel militante até sua morte, foi um elemento chave para a construção de sua carreira e para atenuar dificuldades que um liberto enfrentava na sociedade imperial. Por último, sua filiação política ao Partido Liberal e o fato que atuou participativamente como cabo eleitoral deste partido, serviu não só para ampliar sua rede de relacionamentos, mas também para impulsionar suas atividades como construtor civil. A força destes apoios torna-se mais marcante, quando vemos que, após a proclamação da República e com a guerra civil de 1893-1895, o fato que ele e seu grupo continuou fiel as lideranças partidárias gasparistas, teve reflexos imediatos em seus

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negócios, profissão e inclusive espaço de atuação, obrigando seus filhos a abandonarem Pelotas temporariamente e fixarem-se em Rio Grande, cidade na qual os federalistas encontraram maior espaço. Seus filhos mais velhos, dedicados a construção civil como ele, foram lutadores contra a discriminação racial, mas em seus caminhos encontraram muitos tropeços e empecilhos, perdendo o apoio tanto da Igreja, quanto de parcela da comunidade negra pelotense, sem falar que os quarenta anos de domínio do PRR terminaram por sufocar qualquer tentativa de participação na política local. Assim, sem os mesmos apoios que terminaram por tornar a vida de Manoel, um exemplo de sucesso entre os negros, seus descendentes terminaram por ter situações econômicas bem mais modestas. Os poucos já identificados, que tiveram sucesso sensível em suas carreiras, aproveitaram-se de oportunidades únicas e irrepetíveis ( caso de seu neto, Carlos Santos, sindicalista que se tornou deputado estadual classista na década de 1930 e seguiu a carreira política) e também puderam contar com o apoio fundamental da Igreja Católica ( Carlos Santos e João Mira, este último bisneto de Manoel e padre jesuíta). Emancipação de escravos e controle sobre trabalhadores libertos: os registros policiais da Cadeia Civil de Porto Alegre (1884 – 1888) Bruna Emerim Krob (Mestranda em História – UFRGS) Palavras-chave: escravidão - liberdade - polícia - alforrias - Porto Alegre Resumo expandido: A presente comunicação faz parte da pesquisa de mestrado em curso que parte da emancipação de escravos ocorrida da província do Rio Grande do Sul em 1884 para buscar perceber as relações estabelecidas por libertos em Porto Alegre no mundo do trabalho entre aquele ano e a promulgação da Lei Áurea. O movimento abolicionista empreendido na província quatro anos antes do fim da escravidão no Império levou a cabo uma estratégia de emancipação adotada pelas elites locais que, em um momento em que a escravidão se encaminhava para o fim e que as pressões escravas forçavam alguma medida, permitia simultaneamente declarar os cativos livres e seguir utilizando sua força de trabalho. Tal estratégia consistiu na concessão de alforrias condicionadas à prestação de serviços. De acordo com os dados do Ministério da Agricultura, até 30 de junho de 1885, teriam sido alforriados 29.031 dos 60.136 escravos na província um ano antes, sendo que desses, 66,5% receberam alforrias condicionais. Em Porto Alegre, entre 1884 e 1888, dos 1.088 alforriados registrados em cartório, 77% tiveram a liberdade condicionada à prestação de serviços, sendo que, dos demais, 17%, tiveram alforrias ditas sem ônus ou condição e 5,8%, pagas. Para tanto, analisamos os registros de prisões e solturas da Cadeia Civil de Porto Alegre tendo por objetivo perceber como aquela estratégia de emancipação se deu no cotidiano dos trabalhadores libertos. Tais registros encontram-se nos códices da Secretaria de Polícia da Província do Rio Grande do Sul entre 1884 e 1888, concentrados principalmente a partir de 1886, quando as informações sobre a cadeia passaram a ser remetidas a chefatura de polícia quase que diariamente. Interessados nos delitos miúdos do cotidiano de indivíduos ligados ao cativeiro, aqueles que não chegam às instâncias superiores dos tribunais, e na maioria das vezes sequer viram inquéritos policiais, buscamos através desses documentos toda e qualquer menção à escravos e libertos e, para ampliar nosso espectro de análise, todos os registros que se referiam a pretos, pardos, crioulos e africanos. Chegamos ao total de 408 indivíduos, sendo 66,2% homens e 33,8%, mulheres. Desses, 85 indivíduos foram identificados como libertos, tendo sido 70 deles (82,3%) alforriados sob condição de prestação de serviços. Ao analisar os qualificativos raciais que designavam os indivíduos não brancos que davam entrada e saída da cadeia, bem como sua condição jurídica e delitos cometidos, chegamos a resultados que permitem deslindar parte das várias disputas travadas por egressos da escravidão e seus ex-senhores em torno das distintas visões do que seria a vida em liberdade. Na Porto Alegre do

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final do século XIX vemos, então, um cenário urbano repleto de indivíduos que, tal como os libertos contratados, viviam sob condições intermediárias entre a escravidão e a liberdade, a testar os limites impostos pelos antigos senhores e tensionando as margens de sua liberdade. Embora a alforria condicional fosse marcada de laços de continuidade com o cativeiro, e que seus termos expressassem a vontade senhorial de que fossem mantidos os laços de dependência pessoal e gratidão, concretizados no trabalho, a agência dos indivíduos percebida a partir dos registros policiais não permite entendê-la como sinônimo de escravidão. O que se vê através daqueles vestígios documentais são indivíduos se esforçando em fazer valer o seu entendimento de que, embora ainda houvessem elos que os prendiam ao cativeiro, já não eram escravos. Sob um olhar mais amplo, a análise dos registros policiais demonstra a vigilância e a repressão exercida sobre aquele grupo de trabalhadores como tentativa de manutenção do controle social em um momento em que o poder moral baseado nas relações escravistas e o domínio senhorial desintegravam-se. Em contrapartida, ao analisarmos os tipos de delitos cometidos por escravizados, forros, livres de cor e seus descendentes, percebemos sua tentativa de ocupação do espaço urbano e de exercício de uma maior margem de autonomia, frequentemente transgredindo a ordem almejada pelo poder público. Conforme Walter Fraga Filho, o modo como os ex-escravos atribuíram significado à liberdade afetou a relação com antigos senhores e modificou os padrões de relações sociais. “No seu cotidiano, os ex-escravos procuraram demarcar limites e expressar a diferença entre o passado de escravidão e a liberdade.” (2006, p. 246). Referências bibliográficas: FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhada da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-1910). São Paulo: Editora da Unicamp, 2006. RELATÓRIO... Relatório do Ministério da Agricultura de 30 de abril de 1885 e Relatório do Ministério da Agricultura de 14 de maio de 1886 apud ARAÚJO, 2015, p. 289. “Patrão da gente, nunca eles ficam contentes, quanto mais a gente faz, mais eles querem”: as relações de trabalho, família e migração de uma comunidade quilombola no Rio Grande do Sul Maria do Carmo Moreira Aguilar (Doutoranda em História – UFRGS) Palavras-chave: Comunidades Remanescentes de Quilombos - migração - trabalho Resumo expandido: Neste texto proponho apresentar os resultados obtidos na pesquisa que resultou em minha dissertação de mestrado e que teve como objetivo central analisar o período de itinerância, ocorrido entre 1940 e 1960, de um grupo familiar residente no quilombo Rincão dos Caixões, localizado no município de Jacuízinho, situado no planalto médio do Rio Grande do Sul. Esta coletividade tem sua origem em outro território negro, denominado Sítio Novo/Linha Fão, localizado no município de Arroio do Tigre. Esta área fora doada em meados de 1910 por um grande fazendeiro a uma família de libertos, que permaneceu em sua propriedade no pós-abolição. A onda de migrações do grupo se iniciou devido à expropriação de parte deste território e estas famílias negras se transformaram em uma massa de trabalhadores, em contínuos deslocamentos pela região, oferecendo mão de obra. Ao abordar a questão das migrações verifiquei: As estratégias desenvolvidas pelo grupo na busca por postos de trabalho; as relações familiares tecidas neste contexto de constantes deslocamentos; e a recuperação da estabilidade perdida. A delimitação temporal focalizou-se entre 1940 (momento da perda de parte do território) e 1960 (quando a família se fixou na área do quilombo Rincão dos Caixões). O período delimitado, no entanto, recuou para o final da escravidão (1870-1890) para reconstituir o contexto de territorialidades negras na região em questão. No período analisado as fazendas da região do planalto, em sua maioria, eram destinadas à cultura da pecuária e agricultura, com destaque para o trigo e as plantações de

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gêneros alimentícios destinados à economia regional. Há ainda a indústria da banha, que apesar de ter perdido espaço para a produção de trigo e posteriormente para a soja, figurou durante várias décadas como principal produto de exportação do Rio Grande do Sul e apesar da crise na produção, não deixou de ser produzida no Estado. Remunerações em banha foram evocadas nas entrevistas e perseguiram as famílias em seus percursos errantes. A pesquisa Foi conduzida no quilombo Rincão dos Caixões e por algumas vezes se estendeu ao território original (Sítio Novo/Linha Fão) e ao terceiro núcleo familiar (quilombo Júlio Borges). Neste empreendimento optei pela utilização e cruzamento de fontes escritas e fontes orais, acreditando na importância da complementaridade desses dois corpos documentais e na riqueza de dados que o diálogo entre ambas pode proporcionar, ampliando, com isso as possibilidades de elucidação do problema de pesquisa. Foram realizadas um total de 30 entrevistas, com o objetivo de mapear as trajetórias das famílias e assim tentar responder as perguntas que nortearam a pesquisa. Utilizei testamentos que tivessem doações de terras a ex-escravos ou escravos, na tentativa de mapear a incidência deste tipo de doação na região. Também percorri a bibliografia para tentar conjecturar as possíveis intenções dos proprietários no ato dessas doações. Estas doações estão situadas entre a dádiva ou estratégia de aprisionamento da mão de obra negra? Ou ainda, seriam uma forma de ocupação das áreas limítrofes das propriedades e assim proteger suas fronteiras? Pesquisei também inventários post-mortem e alguns processos-crime a fim de montar o quebra-cabeça das possíveis trajetórias dos antepassados do grupo no período pós-abolição, que não raro tomavam corpo nas narrativas. Assim, a pesquisa com fontes escritas e orais, possibilitou a reconstituição de alguns aspectos deste contexto de desagregação do escravismo e pós-abolição, no qual os pais e avós dos entrevistados estavam inseridos. Mesmo considerando que as experiências específicas sempre levam em conta uma série de fatores, como contexto e tipo de trabalho que variam de região para região, dentre outros, em alguns momentos do texto aproximei a trajetória do grupo ao que Mattos e Rios (2005:252), em estudo sobre os descendentes da última geração de escravos do Vale do Paraíba, denominaram de campesinato negro itinerante. A perda do território ocupado e a migração forçada das famílias do Rincão dos Caixões e as do vale do Paraíba se aproximavam. As famílias pesquisadas pelas autoras se dividiam em dois extremos, uma massa de trabalhadores itinerantes (com relações de trabalho instáveis, em deslocamentos contínuos à procura de estabilidade) e aquelas que conseguiam se fixar via contrato informal de parceira (pressuposto de estabilidade, uma territorialização via posse de áreas de plantio cedidas pelos proprietários). E neste ponto iniciou-se meu problema, que foi o de pesquisar essas relações de trabalho a fim de verificar se o trabalho em parceria, recorrente no meu universo de pesquisa, também fora sinônimo de estabilidade e até que ponto essas categorias de trabalho se distinguiam. Será que para os quilombolas do Rincão dos Caixões houve essa distinção entre trabalhadores itinerantes e os parceiros? Para responder a essas questões mapeei as jornadas de trabalho, as atividades por eles desempenhadas, os tipos de categorias de trabalho e remunerações de cada uma, cruzando estas narrativas com alguns dados socioeconômicos da região no período em questão. A pesquisa demonstrou que em meu universo de pesquisa, não há como dividir as experiências das famílias pesquisadas em dois extremos. As categorias de trabalho se misturam, sendo que por vezes estes trabalhadores exerciam mais de uma categoria, eles poderiam ser parceiros (ter uma moradia em determinada propriedade, prestar serviços para o proprietário e serem também itinerantes, se deslocando pela região oferecendo mão de obra) ou serem agregados (outro pressuposto de estabilidade), mas não terem permissão para plantar suas roças de subsistência. Constatei ainda a capacidade destas famílias em transformar as constantes migrações em mecanismo de resistência. Em algumas ocasiões o deslocamento das propriedades foi uma forma de se contrapor às tentativas de aprisionamento do trabalho negro, como relatam as famílias, quase aos moldes do cativeiro.

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Se em um primeiro momento a itinerância foi uma obrigação, em decorrência da expropriação territorial, ao longo da trajetória as famílias reapropriaram e a transformaram em forma de resistência, uma arma para combater os excessos cometidos pelos proprietários. No que tange a relação com a terra e com o território original, me fiz as seguintes perguntas: em contexto de diáspora ocorreu a perda do apego ao território anteriormente ocupado? Os símbolos impressos naquele território se perderam no ato da expropriação? O território foi entendido como a apropriação do espaço através de todo gênero de ação empreendida sobre ele (a apropriação pode ser econômica, política, cultural), como um espaço onde se efetuou ou se concretizou um trabalho. Percebi que as famílias deixaram o território físico, mas carregaram consigo uma territorialidade que é simbólica. Desta forma, os signos, a cultura, os modos de vida impressos no espaço que o transforma em território, não se perdeu e acompanhou os itinerantes em suas andarilhagens, sendo impressas no novo espaço ocupado. Nas relações familiares, minha questão era verificar como estas se reproduziam. Em um contexto de continuas migrações, os elos seriam desfeitos? Será que eles desapareceriam enquanto comunidade? Percebi que estas comunidades não desaparecem ou se desfazem com a perda da área em que habitam. Há nestas famílias, mesmo em contexto de constantes deslocamentos a necessidade do retorno ao antigo território. Elas saíram do Sítio, mas os vínculos permaneceram e sempre que possível eles retornavam para rever os que ficaram, os laços familiares não se desfizeram. Os entrevistados afirmavam que o território atual é o seu território, mas o Sítio também. É quase uma fusão em um único território. Então tem-se a conformação de três áreas físicas (três espaços) em municípios diferentes, mas que se fundem em um único território simbólico, onde circula a memória de uma ancestralidade comum e a noção de territorialidade. Referências: MATTOS, Hebe Maria; RIOS, Ana Lugão. Memórias do cativeiro: família, trabalho e cidadania no pós- abolição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. RÜCKERT, A.A. Metamorfoses do Território: a agricultura de trigo/soja no planalto médio rio-grandense 1930-1990. Porto Alegre: UFRGS EDITORA, 2003. p. 112. “As pessoas não tinham o direito de falar na vista deles. Era, sim senhor e não senhor”: camponeses negros e arrozeiros, nas lavouras de arroz, do litoral do Rio Grande do Sul, no século XX Claudia Daiane Garcia Molet (Doutoranda em História – UFRGS) Palavras-chave: campesinato negro - relações de trabalho - arrozeiros Resumo expandido: Nessa comunicação tenho o objetivo de analisar as relações de trabalho nas lavouras de arroz, do litoral do Rio Grande do Sul. Além disso, busco compreender algumas vivências dos camponeses negros com os vizinhos orizicultores que ocasionaram em negociações e com elas perdas de porções de imóveis. Para isso, foco nos campesinatos de Teixeiras e do Limoeiro, durante o século XX, especialmente a partir da década de 1960, período que ocorreu a intensificação do plantio daquele produto. Os camponeses investigados são ancestrais das atuais comunidades remanescentes quilombolas de Teixeiras e do Limoeiro, localizadas nos municípios de Mostardas e de Palmares do Sul, respectivamente. Essas terras situam-se na estreita faixa entre a laguna dos Patos e o Oceano Atlântico, compreendendo atualmente os municípios de São José do Norte, Tavares, Mostardas e Palmares do Sul. Nesse recorte espacial passou o Caminho das Tropas, construído no século XVIII, que, posteriormente, serviu de base para o traçado da “Estrada do Inferno” que ligava Osório a São José do Norte. A estrada recebeu esse nome porque não possuía as mínimas condições de mobilidade: sem asfaltamento, sem manutenção e formada por uma grande quantidade de areia que em dias de chuva multiplicava os transtornos daqueles que necessitavam utilizá-la. Com o

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desenvolvimento econômico, do litoral, nas décadas de 1960 e de 1970, impulsionado pelas lavouras de arroz e pelas plantações de cebola, os debates referentes à necessidade de asfaltamento da “Estrada do Inferno” ficaram mais acirrados, porém foram necessários quase 30 anos para que a obra fosse realizada e a “Estrada do Inferno” passasse a ser denominada de “Estrada do Paraíso”, ainda que por um curtíssimo período. Entre os produtos cultivados no litoral, no começo do século XX, destacavam-se a cebola, o milho, o feijão e a soja. O arroz foi introduzido na década de 1930, mas foi somente a partir da década de 1960 que a produção aumentou. Com a emancipação de Mostardas, do município de São José do Norte, em 1963, os interesses dos produtores que necessitavam escoar a plantação para outras localidades, emergem nas páginas dos jornais. Importante destacar que as lavouras e os orizicultores trouxeram novas relações de trabalho para os camponeses negros, pois os arrozeiros passaram a disputar os terrenos alagadiços que anteriormente tinham baixo valor econômico e estavam na posse, principalmente, do campesinato negro. Além disso, muitos camponeses negros foram trabalhar nas lavouras de arroz. Um trabalho árduo, com manipulação diária de veneno e com refeições precárias. Conforme relembra o quilombola do Limoeiro S. Manoel Boeira “As pessoas não tinham o direito de falar na vista deles. Era, sim senhor e não senhor”. A partir desse relato nota-se os desmandos dos empregadores que não ofereciam as mínimas condições de trabalho e ainda não possibilitavam o questionamento dos trabalhadores. São inúmeras as recordações dos quilombolas sobre as atividades desempenhadas nas lavouras de arroz e as tensas relações com os vizinhos arrozeiros. A temática dessa comunicação, justifica-se a partir da necessidade de compreensão dessas novas relações de trabalho que surgem juntamente com as lavouras de arroz, soma-se a isso a questão referente às terras do campesinato negro que tinham um baixo valor econômico, em decorrência do quase isolamento geográfico do litoral e principalmente por que tais imóveis eram geralmente localizados em áreas alagadiças, porém com o aumento de sua produção, tais terras impróprias para o cultivo de batata, milho, entre outros “produtos do seco” despertaram o interesse dos novos arrozeiros ávidos por expandir suas lavouras. Para analisar as questões apresentadas será utilizada a metodologia da História Oral, sendo assim, a partir da entrevistas com os atuais remanescentes quilombolas de Teixeiras e do Limoeiro pretende-se investigar as memórias das relações de trabalho e das negociações das terras. Além das entrevistas outras fontes serão utilizadas como jornais e processos. A hipótese principal é que as relações de trabalho entre os camponeses negros e os arrozeiros, marcadas pelos excessos de serviço e pela precariedade do mesmo, pode ter influenciado na hora das negociações das terras, ou seja, os arrozeiros podem ter utilizado sua posição de empregador para pressionar a venda de parcelas de terras.

14h às 15h45 – Sessão Coordenada 02 TRABALHO E LEIS I COORDENADOR: PROF. DR. ALISSON DROPPA (UFFS) A contribuição do médico gaúcho Carlos Penafiel no debate e elaboração das Leis de Acidentes de Trabalho (1918 -1944) Evangelia Aravanis (Doutora em História - ULBRA) Palavras-chave: leis de acidentes de trabalho - medicina social - 1a. República Resumo expandido: Nesta exposição temos por objetivo apresentar e analisar as contribuições do médico gaúcho Carlos Penafiel para a elaboração das leis de acidentes de trabalho, no Brasil, na Primeira República. Nascido em Porto Alegre, em 1883, concluiu seus estudos na Faculdade de Medicina do RJ. Em Porto Alegre, foi professor da Faculdade de Medicina e o primeiro diretor

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psiquiátrico do Hospital São Pedro. Na vida política teve também ativa presença, sendo deputado, por duas vezes, pelo Partido Republicano Rio-grandense. Primeiramente à Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, de 1915 a 1920, e, após, na Câmara Federal, de 1921 a 1923. Foi dentro desta sua atuação política que Penafiel participou, representando o estado do Rio Grande do Sul, na Comissão Especial de Legislação Social, no Congresso Nacional, espaço de discussão e elaboração do projeto de lei da 1a. Lei de Acidentes de Trabalho do Brasil (1919). Penafiel, contudo, não veio a concordar, na íntegra, com o projeto de lei que saiu vencedor desta comissão, elaborando um outro documento, como projeto alternativo ao vencedor. Nossa apresentação centra a análise neste documento de Carlos Penafiel, intitulado "Higiene e Segurança do Trabalho", e onde ele propõe significativas mudanças na legislação do infortúnio, proposições estas que serão contempladas somente a partir das duas próximas leis de acidente de trabalho do Brasil, as de 1934 e de 1944. Regulamentando o ócio e o lazer operário: um estudo comparativo entre as férias no Brasil e em outros membros da OIT entre 1920 e 1930 Guilherme Machado Nunes (Mestrando em História – UFRGS) Palavras-chave: Lei de Férias - movimento operário - lazer Resumo expandido: O pós-Primeira Guerra foi um período de grande debate sobre a condição de vida da classe trabalhadora. O Bureau International du Ttravail, instituição surgida do Tratado de Versalhes, em 1919, se constituiu em um grande espaço de discussão sobre esse tema cada vez mais latente. A entidade se reunia uma vez por ano com presença de patrões e empregados e discutia temas específicos a cada encontro, como a jornada de trabalho, o trabalho de mulheres e crianças e acidentes de trabalho. Naquele momento, a Revolução Russa de 1917 aparecia como um horizonte possível para a classe trabalhadora, e discutir melhores condições de vida e trabalho era uma tentativa dos governos dos países ocidentais de oferecer uma resposta dentro do capitalismo à alternativa bolchevique, buscando, para tanto, evitar situações de miséria laboral similares às da Rússia czarista. No Brasil, também em função de uma série de greves e mobilizações operárias entre os anos 1917 e 1919, esse é o período em que surgem a Lei de Acidentes de Trabalho (1919), uma controversa Lei de Férias (1925) e o Código de Menores (1927), além do Conselho Nacional do Trabalho (1923), responsável por regulamentar e fiscalizar essas e outras leis. A Lei de Férias foi uma das medidas que mais causou conflitos entre o operariado e a burguesia industrial brasileira. Enquanto estes tentaram de todas as formas dissuadir o Estado de regulamentar o repouso remunerado de seus funcionários, aqueles denunciaram diversas vezes o descumprimento da legislação pelos seus patrões. A dissertação que desenvolvo nesse momento tenta responder de que maneira se deram as disputas entre Estado, burguesia industrial e movimento operário em torno da Lei de Férias. O que se pretende nessa apresentação específica é compreender o contexto global no qual essa lei foi aprovada, compará-la com as férias remuneradas de outras localidades e especular sobre alguns motivos que podem ter levado o governo brasileiro a promulgar essa lei, que sequer compunha as pautas de reivindicações do movimento operário brasileiro até então. Essa medida, aprovada em 1925 e regulamentada em 1926, seria revogada em 1930 e depois aprovada com novo texto em 1934. Para tanto, será feita uma exposição comparando o Brasil com outros países que regulamentaram as férias, destacando semelhanças e diferenças. Desde 1905, por exemplo, muitos segmentos operários da Alemanha, Áustria-Hungria, Noruega e Dinamarca gozavam do benefício. Entre 1919 e 1925, países como Finlândia, Itália, Tchecoslováquia e Polônia concederem férias a operários fabris, mineiros, jornalistas e até serviçais. Entre 1926 e 1934, Luxemburgo, Grécia, Romênia, Chile, México, Espanha, Suécia, Peru e Portugal – além do próprio Brasil – também legislaram sobre a matéria. Em 1936, foi a vez de França, Iraque,

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Bélgica e Bulgária. Em diversas oportunidades os industriais brasileiros disseram que as férias eram estranhas à realidade de um país como o nosso, de industrialização tardia, mas ao olharmos para o exterior, os países de industrialização tardia são justamente a maioria a conceder esse benefício. A OIT, já em 1919, recomendava que se desse algum tempo de “repouso absoluto” aos trabalhadores, algo que seria “fundamental para manter sua sanidade psíquica e moral”. A matéria era de aparente fácil legislação, e talvez isso explique a grande adesão de países majoritariamente periféricos a tal direito entre 1919 e 1936. O caso da Argentina é curioso: percebendo o apelo que a medida tinha entre a classe trabalhadora, Perón encampou as férias em um projeto político, o turismo obrero, que conforme foi possível averiguar, foi uma experiência pioneira. A partir dos anos 1940, o turismo foi grande fonte de propaganda do peronismo e do turismo interno no país. O ócio e o lazer o proletário surgiam como uma questão importante e estavam em disputa ao redor do mundo, e isso foi logo percebido pelo movimento operário organizado. Crescia, dessa forma, a importância de eventos coletivos fora das fábricas, como piqueniques e festas proletárias, e as organizações comunistas e anarquistas tentavam se aproveitar dessas oportunidades para recrutar novos membros. Há ao menos um caso em Porto Alegre em que sabidamente o ócio e as atividades fora da fábrica (no caso, o futebol) foram fundamentais para o recrutamento de um militante, o do metalúrgico Eloy Martins, em 1928, que jogava no time da fábrica Alcaraz quando foi recrutado pelo Bloco Operário e Camponês. Desde cedo os comunistas perceberam não só a importância dos espaços de convivência fora da fábrica como também o valor e o apelo que as férias tinham entre os trabalhadores, fazendo dos cumprimento da Lei de Férias (e outras leis sociais) uma de suas palavras de ordem em diversos momentos, exercendo, assim, crescente influência no meio sindical. Dessa forma, a partir de casos brasileiros e internacionais, sobretudo através da imprensa operária, se discutirá a importância das férias para o operariado, os limites e as possibilidades dessa legislação e como o empresariado nacional via essa questão no Brasil e também em outros países. Direitos da Mulher: Estado Novo no Rio Grande do Sul (1937-1945) Glaucia Vieira Ramos Konrad (Doutora em História – UFSM) Palavras-chave: direitos - mulheres - Estado Novo no Rio Grande do Sul Resumo expandido: Durante o Estado Novo (1937-1945), no Rio Grande do Sul, a atualização da legislação trabalhista e social procurava resolver o conflito entre capital e trabalho pela harmonia social, criando um aparato jurídico-corporativo que submetia a vida sindical ao Ministério do Trabalho e a Inspetoria Regional do Trabalho. Porém, antes de ser uma doação do Estado, a conquista dos direitos resultou da resistência e da luta dos trabalhadores pela garantia das mínimas condições de vida e trabalho, especialmente da mulher trabalhadora. Neste período, argumentamos que não existiu um hiato na história de lutas das trabalhadoras, estabelecendo que as relações entre os sindicatos e o Estado, entre as não-sindicalizadas e a sociedade, apresentaram momentos de menor ou maior reação, porém, nunca de conformismo. Através de pesquisa sobre fontes trabalhistas e outras, especialmente de Santa Maria – RS, o objetivo da comunicação é mostrar as formas de como as trabalhadoras rio-grandenses leram o discurso do Estado Novo em relação à sua classe e como reagiram em defesa de seus direitos e nas especificidades de suas lutas em sua formação histórica. Desta forma, será apresentada parte da ação das trabalhadoras para garantir na prática o que estava na letra da lei, como salário mínimo, férias, indenização, aposentadoria, regulamentação do trabalho da mulher, dos domésticos, abono família, educação, saúde, moradia, transporte, etc. Assim, este estudo procura ressaltar e valorizar a complexidade dos processos trabalhistas no interior das reflexões atuais sobre a História Social do Trabalho, visando entender tanto os aspectos técnicos quanto os processos de trabalho. Juntamente com este processo, torna-se

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fundamental buscar os sujeitos históricos e suas práticas coletivas e institucionais. Perceber nos locais de trabalho, nas relações sociais construídas no fazer da classe operária, nas relações de gênero, nas diversas formas de sociabilidade e lazer, a autonomia das trabalhadoras, mesmo que de forma fragmentada ou mesmo dispersa, traz a possibilidade de construir e dar voz as trabalhadoras de Santa Maria. Também, possibilita perceber as peculiaridades locais, da formação sócio, política, econômica e cultural de Santa Maria, no trato das relações de trabalho com as relações de gênero. Assim, como alerta Ferreira (1997, p. 16), é preciso compreender as mulheres trabalhadoras durante o Estado Novo como sujeitos, nem mais nem menos importantes, mas conscientes de suas ações, ao se apropriarem do discurso do Estado em defesas de seus interesses ou de reagirem a ele. É importante também destacar a reflexão de Emília Viotti da Costa (2001, p. 42) quando diz que “a maioria dos historiadores do trabalho industrial na América Latina continua ignorando o importante papel desempenhado pelas mulheres” e quando o fazem, “limitam-se a oferecer breves comentários sobre sua passividade sem procurar explicá-la”. Assim, conclui a autora que nenhuma história das classes trabalhadoras poderá ser escrita sem que se incorpore a mulher, não apenas as trabalhadoras no setor industrial, mas também as esposas e membros da família que trabalham em outras atividades. Frente ao desafio proposto por Costa esta pesquisa buscará colaborar com a história da mulher no mundo do trabalho. Desta forma, o acervo da Justiça do Trabalho de Santa Maria trata de memórias registradas, constituindo-se de fontes de pesquisa, e através delas é possível identificar e entender as formas de ação, reivindicações e lutas sociais utilizadas pelas trabalhadoras de Santa Maria para garantir os seusdireitos trabalhistas durante o período do Estado Novo. Referências Bibliográficas: COSTA, Emília Viotti da. Experiência versus estruturas: novas tendências na história do trabalho e da classe trabalhadora na América Latina – o que ganhamos? o que perdemos?. In. História Unisinos. Número Especial: V Encontro Estadual de História. São Leopoldo: Unisinos, 2001. FERREIRA, Jorge. Trabalhadores do Brasil: o imaginário popular (1930-1945). Rio de Janeiro: FGV, 1997. Demissão como ato de patriotismo: o caso dos trabalhadores súditos do Eixo Tamires Xavier Soares (Mestranda em História – PUCRS) Palavras-chave: súditos do Eixo - demissão - patriotismos Resumo expandido: O presente trabalho irá analisar um processo trabalhista, ajuizado em 1942 na Justiça do Trabalho de Pelotas, por imigrantes súditos do Eixo contra a empresa norte-americana The Riograndense Light and Power. Os funcionários haviam adquirido estabilidade laboral, ou seja, conforme previsto pela Lei 62 de 1935, o empregado que trabalhasse por dez ou mais anos só poderia ser demitido por motivo de força maior ou falta grave, depois destas serem apuradas por meio de um inquérito administrativo. No entanto, a empresa norte-americana após o ataque a Peral Harbor demitiu, de forma abrupta, todos os nove funcionários súditos do Eixo (oito alemães e um italiano) sem abertura do inquérito administrativo previsto pela Lei 35. Deste modo os funcionários recorreram à Justiça do Trabalho, requerendo suas reintegrações. Em defesa da reclamada, o advogado Bruno de Mendonça Lima afirmava que as despedidas se enquadravam na legislação, pois se tratava de força maior, devido à nacionalidade dos reclamantes, tendo em vista que o Brasil estava neutro, mas havia declarado solidariedade aos Estados Unidos. Havendo o Governo Brasileiro, interpretado o sentir geral da opinião pública do Brasil e honrando os compromissos internacionais antes assumidos, declarando a sua solidariedade aos Estados Unidos, não era possível à Suplicante

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manter em exercícios empregados que pertenciam a nações agressoras da América (Processo 213-B, 1942, p. 20, grifo meu). Sendo assim, não haveria, segundo a reclamada, mais condições de manter funcionários de tais nacionalidades trabalhando em uma empresa que prestava serviço público. Além disso, segundo Bruno de Mendonça Lima, o decreto lei 62 de 5 de dezembro de 1935, que previa demissões por motivo de força maior não deixava especificado o que significava motivos de força maior. Entendendo que os funcionários eram súditos do eixo e representavam perigo para a segurança pública, a empresa os demitiu acreditado que as demissões se adequariam à legislação, como motivo de força maior. Os reclamantes alegam que foram demitidos em dezembro de 1941, ou seja, antes do Brasil romper sua política de neutralidade e aproximar-se dor aliados. Logo, não configurava força maior, e mesmo se fosse o caso haveria necessidade da previa abertura de um inquérito administrativo. Entretanto a reclamada argumentou que as demissões: “foram medidas de prudência e de patriotismo.”. E caso a decisão da Junta de Conciliação e Julgamento de Pelotas decidisse por ordenar a readmissão de tais elementos isso significaria “dar-lhes assim oportunidade para trabalharem contra os interesses da Pátria” (Processo 213-B, 1942, p. 22, grifo meu). Concluindo o julgamento, o Juiz de Direito José Alcina Lemos julgou improcedente a reclamação. Os funcionário inconformados com a decisão da JCJ, recorreram da decisão, encaminhando a reclamação para o Conselho Regional do Trabalho da 4ª Região. No recurso, os advogados dos reclamantes formulam a defesa dos funcionários. Começam argumentando que os imigrantes eram homens íntegros e possuíam famílias brasileiras. “Em primeiro lugar, os reclamantes estão no Brasil há mais de dez anos uns, e outros há mais de quarenta, cooperando por seu engrandecimento, e em segundo lugar, são todos casados com mulheres brasileiras e tem filhos brasileiros, e alguns até netos, e jamais cometeram qualquer ato que os desabonassem”. (Processo 213-B, 1942, p. 32). Por fim, os reclamantes utilizam o próprio discurso oficial contra a sentença proferida pela JCJ de Pelotas: M.S. Ministério do Trabalho, que por diversas vezes veio a público em nome do Governo, afirmar o seu ponto de vista em não modificar a atual Legislação Trabalhista, de vez que a mesma satisfaz plenamente e garante não só a tranquilidade do Brasil como o direito dos estrangeiros, mas se assim não procedêssemos, não estaríamos pugnando pelos direitos dos nossos constituintes, e eis porque não nos podemos furtar. (PROCESSO 213-B, 1942, p. 34). A reclamada não apresentou nenhum argumento novo, apenas reafirma que as demissões foram demonstração de patriotismo e que estavam baseadas na Lei 62 de 1935, pois tratava-se de força maior. No dia 19 de dezembro de 1942 , o Egrégio Tribunal Regional informou sua decisão, declarando procedente o recurso dos trabalhadores Sendo assim a empresa The Riograndense Light and Power teria de reintegrar os funcionários em suas antigas funções, e lhes pagar os salários atrasados pelo tempo em que permaneceram afastados da empresa. Concluindo, a partir da análise deste processo, podemos perceber algumas tensões trabalhistas criadas a partir da guerra, visto que a empresa era norte-americana e no dia 7 de dezembro de 1941, ou seja, onze dias antes das demissões, houve o ataque japonês a Pearl Harbor. Desta forma, acreditamos que as demissões tenham mais ligação com o ataque a base americana, do que com possíveis atos de sabotagem que os trabalhadores poderiam cometer. 16h às 17h45 – Sessão Coordenada 03 TRABALHO, ESCRAVIDÃO E LIBERDADE COORDENADOR: PROF. DR. PAULO ROBERTO STAUDT MOREIRA (UNISINOS)

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Que o Governo de S. M. havia concedido verbalmente despensa da condição 8ª do mencionado decreto”: trabalhadores escravos nas obras de construção da São Paulo Railway na década de 1860 Paulo Rodrigues de Andrade (Mestrando em História – Prefeitura de Vinhedo) Palavras-chave: ferrovia - trabalhadores escravos - São Paulo Resumo expandido: O presente texto faz parte de um dos tópicos de minha dissertação de mestrado. A pesquisa tem como objeto de estudo os trabalhadores escravos, brasileiros livres e imigrantes nas obras de construção e início da operação da estrada de ferro São Paulo Railway (Santos-Jundiaí), abarcando período de 1860, quando se iniciou as obras da ferrovia, até 1872, quando é inaugurada a segunda ferrovia da Província, a Companhia Paulista. O título da pesquisa é “Em Virtude dos Artigos 8 e 9”: trabalhadores escravos, brasileiros e imigrantes na construção e início de Operação da São Paulo Railway (1860-1872). A presença de trabalhadores escravos nos canteiros de obras da São Paulo Railway (SPR) foi maior do que fez supor a historiografia que trata do empreendimento ferroviário na segunda metade do século XIX brasileiro. Muitos historiadores, baseados na legislação ferroviária do Brasil Império que vedava a presença de mão de obra cativa nesse empreendimento – o Governo teria tomado essa medida como forma de evitar o desvio de escravos da lavoura para as estradas de ferro - negaram peremptoriamente, outros minimizaram, a utilização de escravos nos canteiros de obras das ferrovias. Recentemente, autores como Maria Lúcia Lamounier e Robério Santos Souza vêem criticando essa visão e chamando atenção para a estreita relação entre ferrovia e escravidão. Conforme Lamounier “as ferrovias não contribuíram significativamente para alterar os moldes em que se pensava a transformação das relações de trabalho”. Analisando o caso da SPR minha hipótese é de que a clausula do decreto que autorizava sua construção, relacionada à proibição do uso de trabalhadores escravos nunca era cumprida, e a presença de cativos nos canteiros de obras da companhia era a regra e não a exceção. Essa presença era de conhecimento do Governo imperial, que em determinados momentos, através da presidência da Província, chegou a interpelar via ofícios, o superintendente da SPR em relação ao fato do descumprimento da condição 8ª do decreto 1 759 de 26 de abril de 1856, que vedava a utilização de escravos pela empresa. Se mostrando conhecedor da realidade de um país escravista como o Brasil oitocentista, o superintendente inglês John James Aubertin tentava justificar junto às autoridades, a utilização dos cativos nas obras da estrada de ferro e argumentava sobre a impossibilidade de se abrir mão dessa força de trabalho na construção da via férrea. A arregimentação de mão de obra escrava nas obras da SPR se dava de várias formas: havia os escravos que faziam parte das turmas de trabalhadores dos subempreiteiros contratados pelos empreiteiros principais para levar a cabo a construção da estrada de ferro; havia os escravos que eram alugados para os canteiros de obras da ferrovia pelos seus proprietários; e havia também os escravos que fugiam dos seus proprietários e se dirigiam para a ferrovia em busca de trabalho e liberdade. Essa última forma de engajamento da mão de obra cativa, proporcionada pelas fugas, foi observada por Robério Santos Souza na sua tese sobre a Estrada de Ferro de São Francisco, na Bahia. Como destacou Sidney Chalhoub com relação a Corte, que no século XIX teria funcionado como um tipo de cidade-esconderijo para os escravos, Maria Cristina Cortez Wissenbach notou também esse fato com relação à cidade de São Paulo, que atraia muitos escravos em fuga na segunda metade do século XIX. Se a capital paulista funcionava como uma cidade-esconderijo, os canteiros de obras da SPR seria uma espécie de esconderijo dentro do esconderijo. Entretanto, a ferrovia que libertava, também escravizava, e cativos procuravam fugir dos trabalhos na linha férrea. Sobre a bibliografia do universo de trabalho ferroviário no Brasil, Thiago Moratelli afirmou que os estudos sobre os trabalhadores da operação das ferrovias é grande, porém, poucos são os que tratam do “mundo do trabalho da construção ferroviária”. Para Lamounier essa lacuna se deve

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a dificuldade de rastrear esses trabalhadores nas fontes. Para conseguir alcançar o objetivo de pesquisar “a história do trabalho vivo que se petrificou nessas colossais obras de engenharia”, nas palavras de Francisco Foot Hardeman, analisarei uma gama diversificada de fortes impressas e manuscritas para descrever e interpretar as experiências desses trabalhadores. No caso dos trabalhadores escravos da construção da SPR usarei documentação do Arquivo Publico de São Paulo (APESP): relatórios do engenheiros fiscais do governo, principalmente mapas de acidentes e mortes na construção da linha; ofícios do superintendente da companhia. No Correio Paulistano, disponível no APESP e na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, utilizarei artigos do jornal relacionados às obras da SPR, anúncios de fuga de escravos, demonstrativos de despesa da companhia. Será pelo cruzamento dessas fontes que buscarei perscrutar as experiências de trabalho dos escravizados que fizeram parte do exército de trabalhadores subalternos que levaram a termo a construção da primeira ferrovia na Província. A dinâmica das atividades escravas nas propriedades de uma freguesia rural da Província de São Pedro (Aldeia dos Anjos, século XIX) Wagner de Azevedo Pedroso (Mestre em História – Prefeitura de Montenegro) Palavras-chave: escravidão - zona rural - trabalho Resumo expandido: Esta apresentação tem por objetivo analisar a dinâmica do trabalho cativo na Freguesia de Nossa Senhora da Aldeia dos Anjos - uma das freguesias do município de Porto Alegre durante praticamente todo o século XIX. Buscando compreender as atividades dos escravos na localidade foram analisados inventários post-mortem (89) da Aldeia dos Anjos nas décadas de 1840 e 1860 (o recorte cronológico esta relacionado a tentativa de insurreição escrava que serviu de norteador para a pesquisa) para compreender a estrutura econômica da região, registros eclesiásticos (batismo, matrimônio e óbito) para compreender as relações familiares e sociais existente entre os inventariados e entre os cativos e o processo-crime de uma tentativa de insurreição escrava ocorrida na localidade no ano de 1863, que nos ajuda apresenta fragmentos das rotinas diárias dos escravos, assim como de suas relações familiares e sociais. Analisando os inventários da Aldeia dos Anjos encontramos indícios da predominância de atividades agrícolas, com plantações de milho, feijão e, principalmente, mandioca, sendo que a transformação deste último produto em farinha tem destaque na economia local e era realizada nas diversas atafonas espalhadas pela Aldeia dos Anjos. As atafonas parecem ter sido bastante comuns, e de grande importância, para a localidade durante grande parte do século XIX (Oliveira, 2007: 158 e Pedroso, 2013:60-65), como podemos observar visto que quase metade (44) dos 89 inventariados eram possuidores de atafonas. Para além das atividades agrícolas ainda encontramos indícios de propriedades com atividades de pecuária, sendo que, geralmente, esta era aliada a atividades agrícolas, e praticamente, todas eram possuidoras de atafona. Considerando que a Aldeia dos Anjos era uma freguesia rural, com atividades econômicas voltadas, principalmente, para o mercado interno, e com uma elite pobre se comparada a de outras regiões da província (como por exemplo Pelotas, Rio Grande e Alegrete), percebemos, mesmo assim, uma ampla disseminação da mão de obra escrava na freguesia. Observando o número médio de cativos por inventariado percebemos que nestas duas décadas temos 6,9 escravos por propriedade, considerando esse número por inventariados com e sem atafona, percebemos que no primeiro caso este número era de 9,3 cativos, já no segundo caso esse número caia para 4,8, indicando a concentração de cativos nas propriedades desse grupo detentor de atafonas. Como os inventariados da Aldeia dos Anjos pareciam desenvolver diversas atividades em suas propriedades (agricultura, pecuária e fabrico de farinha), acreditamos poder sugerir, pelos indícios presentes em inventários e também nos relatos do processo-crime, que os cativos

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desenvolviam as mais variadas atividades para seus senhores, ou seja, conforme a necessidade do período o escravo era deslocado para uma ou outra atividade. Buscando compreender melhor esta percepção dos escravos desempenhando diversas funções na Aldeia dos Anjos, procuramos cruzar os dados dos inventários com os registros de eclesiásticos e alguns relatos do processo-crime. Nesse cruzamento foi possível observar fragmentos das relações familiares existente entre os inventariados, levando-nos a sugerir a possibilidade de troca de cativos entre os integrantes das famílias senhoriais, como podemos observar no relato do cativo José. Este afirmava ser escravo de Innocente Ferreira Maciel, mas diferentemente do que pensávamos, ele não residia na propriedade deste senhor, mas sim “no Butiá em casa do velho Francisco Maciel”, analisando o registro de batismo de José, encontramos que este foi registrado como sendo escravo de Innocente, mas no inventário deste Francisco, José aparece relacionado entre os escravos deste “velho senhor”. Ao cruzarmos os dados dos senhores, observa-se que Innocente Maciel era filho de Francisco Maciel, ou seja, provavelmente este escravo deveria realizar tarefas entre as fazendas dos integrantes desse grupo familiar. Assim como José outros foram os escravos que aparecem batizados como escravo de um senhor, mas no inventário foram relacionados como bens de outro senhor. Há o caso ainda de Aniceto, escravo de Francisco Maciel, que no interrogatório é descrito com a profissão de campeiro, mas em seus relatos, presente no processo-crime, descreve desempenhar diversas atividades relacionadas ao campo, assim como na distribuição de produtos agrícolas pela localidade (Pedroso, 2013: 185), este caso se enquadra com o estudo de Teixeira que ao analisar o caso do escravo campeiro Jacinto, escreve que este relatou em um interrogatório “que trabalhava 'no que o senhor manda fazer e é campeiro'” (Teixeira, 2008: 100), outro caso que corrobora para essa percepção é de Aniceto (padrinho do réu Aniceto, já citado) este foi relacionado no inventário de seu senhor como “campeiro, princípio de carpinteiro, hábil para todo o serviço” (Pedroso, 2013: 200). Considerando os dados apresentados anteriormente, sugerimos que devido a configuração da propriedade estar focada em uma variedade de atividades, e não havendo a necessidade e nem capital suficiente para adquirir novos cativos, os escravos dos senhores acabavam por desempenhar atividades de todos os tipos, podendo em alguns momentos, desempenhar o papel de “roceiro” ou de “campeiro”. Claro que com isso não estamos afirmando não haverem posições de privilégios dentro das escravarias locais, apenas destaco que as limitações pelas quais os senhores passavam, possibilitavam e, mesmo, exigiam que os escravos fossem amplamente utilizados pelos seus senhores. Para finalizar destacamos a existência de uma ampla rede de relações familiares senhoriais que, conforme os relatos de alguns escravos, demonstram fragmentos de uma mobilidade espacial dos cativos entre as propriedades dos inventariados Desta fora, afirmamos que em uma freguesia rural constituída basicamente por pequenas e médias propriedades, com uma elite pobre, os senhores de escravos criaram mecanismo de ajuda mútua para a utilização da mão de obra escrava, fazendo com que os cativos dos senhores trabalhassem nas mais variadas atividades e nas mais variadas propriedades das famílias senhoriais. Os dados analisados também permitem fortalecer os argumentos que já vem sendo apresentados por outros pesquisadores, como Teixeira (2007), de que a mão de obra cativa não estava restrita somente as grandes propriedades. Entre qualificados e qualificadores: perfis ocupacionais de guardas nacionais no Rio Grande do Sul (1850-1873) Miquéias Henrique Mugge (Doutorando em História - UFRJ) Palavras-chave: Guarda Nacional - listas de qualificação - ocupações Resumo expandido: Este trabalho analisa a Guarda Nacional do Brasil – também conhecida como milícia cidadã – desde a ótica de seus partícipes. Nervo militar do Império para a defesa de seus interesses, ela

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era uma máquina cujas engrenagens tinham, por vezes, estratégias próprias. A partir de 1850, no Rio Grande do Sul, as vontades secessionistas foram abandonadas e a milícia tornou-se um canal de comunicação forte, por onde também se transmitiam insatisfações, já que negociar ainda parecia mais interessante que separar. O que quero dizer é que a milícia conectava espaços de poder, fazendo com que os mais distantes geograficamente ficassem, muitas vezes, muito próximos do centro. A Lei número 602, de setembro de 1850, normatizava nacionalmente as qualificações para a Guarda Nacional: seriam feitas em cada Paróquia ou Capela, no distrito de cada Companhia ou Corpo, “por um Conselho de Qualificação, com recurso suspensivo para um Conselho de Revista, e deste, sem suspensão, para o Governo da Corte e para os Presidentes nas Províncias”. Para isto, o Conselho de Qualificação seria composto por oficiais da própria Guarda; o Conselho de Revista pelo oficial mais graduado de cada município, pelo juiz municipal e pelo presidente da Câmara de Vereadores – na ausência do juiz, poderiam servir como substitutos o delegado ou o subdelegado de polícia. Para que as informações apresentadas pelos qualificados fossem cotejadas, párocos, juízes de paz, delegados, subdelegados e outros funcionários públicos eram obrigados a prestar “esclarecimentos a seu alcance”. Os cidadãos deveriam comprovar idade, estado civil, ocupação e renda anual. Ou seja, cada cidadão do Império deveria apresentar-se, anualmente, a uma mesa composta por três oficiais de milícia, que colocavam seu nome e demais informações em uma lista produzida naquele momento, que passava, posteriormente, por uma revisão e – só então – era produzida uma nova lista, em ordem alfabética, de todos os cidadãos aptos ao serviço ativo ou da reserva de uma dada localidade (paróquia ou município). A insígnia simbólica de cidadão ativo era, então, homologada. Fazer parte do serviço ativo também pode ter sido estratégico: marchar ao lado de um poderoso local provavelmente renderia frutos no futuro, mesmo tendo que lidar com as incertezas do campo de batalha. Ser hierarquizado e qualificado era também demonstrar de que lado se estava – junto de Fulano ou Ciclano, do lado da ordem ou da desordem. As “delícias da paz” estavam reservadas àqueles que seriam elencados na reserva. As listas que acessei estão em sua maior parte resguardadas no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Dividem-se em dois períodos: dos anos anteriores à Guerra do Paraguai, de 1861 a 1863; e dos posteriores, de 1869 a 1873. Trato, dessa forma, de dois momentos distintos no tocante à composição social da milícia: as listas do primeiro período foram produzidas em tempos de paz; revelam uma Guarda Nacional menos preocupada com os destacamentos para o campo de batalha ou para resguardar as fronteiras. As do segundo grupo, por sua vez, fazem transparecer a priori as agruras da guerra: há mais dispensas por saúde – são os doentes que retornaram; mais veteranos de guerra, agora dispensados por contribuírem com o esforço de campanha. Com uma amostra de 26 listas de guardas nacionais qualificados tanto para o serviço da ativa, quanto para o serviço da reserva, a análise abrange 28.610 cidadãos (71,9% da ativa, 28,1% da reserva). Coloco em discussão, a partir de tais números, um modelo de estrutura social de parte da sociedade oitocentista no Rio Grande do Sul. Com suas ocupações em foco, procuro por diferenças na dimensão e na composição populacional. Manejando por esse labirinto (VELLASCO, 2004, p. 190; MATTOSO, 1992, p. 579-593), trata-se de contribuir com o debate acerca das hierarquias sociais do Império do Brasil e da composição da própria Guarda Nacional, que ainda carece de análises mais detalhadas sobre seus participantes. Em quais mundos de trabalho os guardas nacionais se inseriam? Essa massa de informações inédita, no entanto, apenas inclui aqueles que cumpriam os seguintes critérios: homens, de 18 a 60 anos, cuja renda anual média era de, no mínimo, 100 mil réis. O universo ocupacional dos soldados e dos oficiais sugere que é preciso superar simplificações. Por fim, o que tento demonstrar é o modo pelo qual se organizava localmente a Guarda Nacional brasileira – e como contribuía para o desenvolvimento político e militar do Império. Referências bibliográficas:

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MATTOSO, Kátia de Queirós. Bahia, século XIX: uma província do Império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992. VELLASCO, Ivan de Andrade. O labirinto das ocupações: uma proposta de reconstrução da estrutura social a partir de dados ocupacionais. Varia Historia, n. 32, julho 2004, p. 190-209. 16h às 17h45 – Sessão Coordenada 04 TRABALHO E POLÍTICA COORDENADORA: PROFA. DRA. GLÁUCIA RAMOS KONRAD (UFSM) Angelo las Heras: fragmentos de um anarquista e de seus desenhos combativos Caroline Poletto (Doutoranda em História - UNISINOS) Palavras-chave: Las Heras - imagens - anarquismo Resumo expandido: O presente texto pretende abordar aspectos da atuação militante do imigrante anarquista Ângelo de La Heras através da observação das suas composições visuais amplamente divulgadas pela imprensa libertária durante as três primeiras décadas do século XX, não apenas nos jornais gaúchos, mas também nos paulistas e através de demais suportes, como os folhetos, impressos em Barcelona e que circularam em Buenos Aires. Dessa forma, o presente estudo pretende resgatar traços tanto da trajetória do desenhista Ângelo de Las Heras como resgatar parte da obra imagética deste artista e apontar para o alcance internacional de suas composições visuais. A composição mais difundida e famosa de Las Heras – a alegoria feminina pisando sobre os escombros da antiga sociedade e erguendo bravamente a tocha da sabedoria, anunciando a Nova Era, a Anarquia - foi encontrada em um dos folhetos depositados na Biblioteca Criolla (coleção particular do cientista alemão Lehmann-Nietsche que reúne folhetos, poemas e canções que circularam em Buenos Aires nas décadas iniciais do século XX) intitulado “El Cancionero Revolucionario”. De acordo com Gloria Chicote, sabe-se que esse folheto foi impresso em Barcelona em 1909 e é de autoria do artista (espanhol, francês, algeriano ou marroquino, não há consenso sobre sua nacionalidade nas fontes pesquisadas) Ângelo de Las Heras ou Lasheras, demonstrando assim a existência de uma importante rede de trocas na imprensa subalterna que englobava e conectava as cidades de Barcelona e Buenos Aires. Infelizmente, no artigo de Glória Chicote, não é mencionado o ano preciso em que esse folheto foi encontrado em Buenos Aires e coletado por Lehmann Nitsche, mas se acredita que ele tenha sido encontrado em solo portenho logo após sua impressão em Barcelona. Mais curioso ainda é o fato de Angelo Las Heras ter vivido, praticamente quase toda a sua vida no Brasil (emigrou para esse país quando tinha apenas 3 anos de idade) e, tudo leva a crer, que realizava as atividades de propaganda ácrata desde as cidades brasileiras em que fixou residência, articulando uma rede de trocas que englobava tanto a Espanha (local de impressão de folhetos), a Argentina (local de distribuição dos impressos) e o Brasil (local de produção da iconografia). No Brasil, foi preso em 1936, quando foi acusado de realizar propaganda subversiva e a estabelecer contato e receber material de cunho libertário proveniente de outros países e, dessa forma, sendo considerado perigoso para o estado brasileiro. A imagem de Las Heras ganha popularidade no Brasil na década de 1930 e muitos autores acreditam que ela começou a circular apenas nesse momento, quando, na realidade, ela já se difundira vinte anos antes, através do folheto “El Cancionero Revolucionário”. O próprio depoimento de Las Heras, quando de sua apreensão pela polícia brasileira em 1936, confunde as informações, uma vez que ele declara “só ter passado para as fileiras anarquistas há oito anos”, o que, evidentemente, é um falseamento da realidade, uma vez que o artista estava atuando conforme os princípios libertários desde, pelo menos, 1909, ano de impressão do “Cancionero

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Revolucionário”. No entanto, o desenhista estava ciente que, no material recolhido pela polícia, seu desenho estava estampado em jornais datados dos anos finais da década de 20 e iniciais da década de 30, de maneira que seu depoimento correspondia com as fontes policiais e poderia evitar sua possível expulsão do país, já que seria considerado um anarquista recente. É bastante provável que a polícia paulista não soubesse da existência do folheto “Cancionero Revolucionário” e nem das edições de jornais anteriores à década de 20 em que a imagem apareceu (edições essas que serão aqui abordadas). No mesmo ano da impressão do folheto, 1909, essa imagem de autoria de Las Heras já está sendo divulgada na imprensa libertária brasileira, mais especificamente no jornal A Luta de Porto Alegre, em um exemplar especial de 1º de Maio, o que demonstra a rápida circulação que essa alegoria teve nos veículos da imprensa libertária, bem como a aparição do desenho primeiramente num jornal gaúcho de caráter mais local e, somente alguns anos depois, nos jornais anticlericais e libertários paulistas. De forma que um provável caminho (porém não o único possível) percorrido por essa alegoria possa ser o seguinte: Barcelona, Buenos Aires, Porto Alegre e São Paulo. A composição gráfica de Las Heras é reproduzida novamente no periódico anticlerical paulista A Lanterna no primeiro de Maio do ano de 1916 e, outra vez mais, reproduzida nos anos de 1917 e 1927 no periódico anarquista paulista A Plebe; o que demonstra a grande circulação e repetição dessa imagem na imprensa operária (lembrando também da sua aparição na forma de folheto em Buenos Aires nas décadas iniciais do século XX). Além dessa constante circulação e permanência da imagem nas páginas da imprensa subversiva também é importante observar o fato de que, embora a imagem fosse a mesma, cada periódico modificava sua apresentação: seja através de incrementos ou supressões de elementos na imagem ou na mudança dos títulos e/ou das legendas que acompanhavam a representação iconográfica. Dessa forma, o presente texto pretende recuperar partes a obra do artista anarquista através da reconstrução dos prováveis caminhos por onde circulou uma das suas composições iconográficas mais famosas e recuperar uma das estratégias mais importantes da imprensa libertária: a utilização de imagens. Classe Trabalhadora e Sindicato no Brasil dos anos 1930: A Luta e o viés sindical do Grupo Comunista Lenin até Liga Internacionalista Comunista Roberto Borges Lisboa (Doutorando em História - UFSM) Palavras-chave: movimento sindical - trotskistas - A Luta de Classe Resumo expandido: Este trabalho objetiva apresentar uma pequena parte dos resultados obtidos na dissertação de Mestrado aprovada no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) em março de 2013. Intitulada “Revolução e realidade Social na imprensa trotskista brasileira dos anos 1930”, a pesquisa procurou realizar um levantamento das fontes hemerográficas produzidas pelos dissidentes do Partido Comunista do Brasil (PCB) que aderiram às ideias do ex-dirigente bolchevique Leon Trotsky, assim como, problematizar os temas recorrentes debatidos nos jornais e boletins que editaram. A seguir, intenta-se dissertar sobre questões que modificaram profundamente o movimento sindical e sua estrutura em relação à década de 1920. Apreendê-las historicamente, pois a estrutura sindical de traços fascistas que emerge nos anos 1930, não concentra todas as suas características de imediato, ela é erigida no contexto conturbado da política brasileira desses anos, eivado de arranjos e rearranjos políticos que atingem classes e frações de classe. Por conseguinte, acompanhar a atividade política trotskista no e com o movimento sindical permitirá perceber sua concepção e críticas às vicissitudes do referido movimento e a percepção daqueles acerca da legislação sindical no período. Indica-se que a participação trotskista via Grupo Comunista Lenin e, em seguida, Liga Comunista no movimento sindical se fez presente desde o início dos anos 1930, apesar de uma frágil base constituída. De 1930 a

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1933, os trotskistas tiveram sua intervenção sindical através do jornal A Luta de Classe e do Boletim da Oposição, publicações produzidas, sobretudo, para o esclarecimento dos militantes do PCB. Afinal, agiam como fração desse partido. Inicialmente, eles criticam os ziguezagues da política sindical comunista, sua concepção e sectarismo diante da oficialização sindical, no contexto da escalada bonapartista de Getúlio Vargas. Em contrapartida, definem a prioridade da luta econômica nos sindicatos por parte de seus militantes, imputando a mesma a funcionalidade de “ponte” à luta política. O partido é definido como “a consciência de classe concentrada”, “a vanguarda conscientemente revolucionária”, intervindo favoravelmente para o que entendem por “concepção marxista das relações recíprocas entre o partido, o sindicato e a classe. Assim, a sua crítica incide tanto sobre a concepção sindicalista de “negação mecânica de toda ligação entre o partido e o sindicato”, quanto a concepção do PCB de “predomínio automático e formal do partido diretamente sobre o sindicato”. Nesse ínterim, temas importantes são problematizados nas publicações trotskistas. As iniciativas do “Ministério da Revolução “, o “Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC), e, também, os debates sobre a “unidade sindical”, a situação dos sindicatos diante da oficialização e o fracasso dos mesmos na “Revolução Constitucionalista de 1932” indicam apenas parte do debate sindical e político no início dos anos 1930. Nesse período, eles dirigem um importante sindicato, a União dos Trabalhadores Gráficos de São Paulo (UTG), logrando importante inserção, também, entre os trabalhadores gráficos na cidade do Rio de Janeiro. A política sindical da UTG repercute o dilema do que fazer diante da política sindical do MTIC. O ano de 1934 traz novidades ao movimento sindical brasileiro, os trotskistas já não atuam mais enquanto fração do PCB, no momento reivindicam-se propriamente como um partido político, a Liga Comunista Internacionalista (LCI). Ainda, o jornal A Luta de Classe continua a ecoar as consequências do decreto-lei que instituiu os sindicatos oficiais, a saber, “especialmente para elaborada para atenuar os conflitos de classe por meio da subordinação do proletariado ao aparelho do Estado, que seria o árbitro supremo nas pendências surgidas entre o patronato e as massas laboriosas descontroladas”. Mesmo assim, o sindicato livre foi apresentado como se estivesse “condenado a não passar de um fantasma”. Logo a adesão da UTG a oficialização sindical traria críticas tanto dos anarquistas quanto dos comunistas aos trotskistas que tomavam parte da direção sindical da UTG. Após a Constituinte de 1934, diante de uma burguesia paulista que se pautava pela liberdade dos sindicatos, admitindo o princípio da autonomia sob o regime de pluralidade sindical, os trotskistas criticaram os “manejos divisionistas da burguesia”, propondo a luta pela unidade sindical, “com a formação de fortes organismos federativos locais que possam ser a base de uma única CGT”, Central Geral dos Trabalhadores. No entanto, o ano seguinte traria consigo o fim de certa “normalidade institucional”, através da Lei de Segurança Nacional, a “Lei Monstro”. Com isso, o governo saído do golpe de Estado de outubro de 1930 mostrava sua forma mais acabada de “ditadura aberta e legal”. Outro componente importante para entender a crescente dificuldade no movimento sindical brasileiro são evidenciadas no momento seguinte ao fracasso do levante comunista em novembro de 1935. Apesar do aumento da intervenção repressiva do Estado ao movimento sindical, os trotskistas indicam reações pontuais do proletariado ante o terror policial no ano seguinte pela via da greve. No entanto, o ano de 1936 traz consigo cisões nas fileiras da LCI que, somadas a prisão de importantes militantes e a forte repressão às organizações de esquerda, ocasionam um hiato nas suas publicações de novembro de 1936 a dezembro de 1937, momento que a LCI se desarticula gradualmente até a fundação de um novo partido, o Partido Operário Leninista. Concluindo, apesar da relativa inconstância dos jornais trotskistas, suas organizações políticas interviram ativamente nos principais debates do movimento sindical, criticando a postura, respectivamente, sindical e política de anarquistas e comunistas frente as investidas do MTIC para tutelar as organizações sindicais. No entanto, ressalta-se que os trotskistas também não obtiveram êxito a partir de suas

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propostas de organização da classe trabalhadora no contexto da escalada bonapartista dos anos 1930. Lutas Políticas e Projetos Sociais Distintos dos Trabalhadores Brasileiros na Década de 1930: os Casos da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e da Ação Integralista Brasileira (AIB) Diorge Alceno Konrad (Doutor em História - UFSM) Palavras-chave: História do Trabalho - Aliança Nacional Libertadora - Ação Integralista Brasileira. Resumo expandido: Na década de 1930, o Brasil atravessava uma conjuntura política de radicalização das posições ideológicas. Muitos trabalhadores que haviam apoiado Vargas anteriormente passaram a chamar o Movimento de 1930 de “revolução traída”, dirigindo-se para a esquerda na Aliança Nacional Libertadora (ANL), ou para a direita na ação Integralista Brasileira (AIB). Naquela conjuntura, Getúlio Vargas e seus aliados defendiam a aprovação da Lei da Segurança Nacional (LSN) com consequente fechamento do regime constitucional, assim como a aprovação de direitos trabalhistas e sociais dentro da orientação corporativista; por sua vez, tendo a frente o clandestino Partido Comunista do Brasil (PCB), os setores aliancistas entremeavam a tática de classe contra classe com a de frente antifascista, organizando-se em frente ampla e popular e propondo reformas radicais no desenvolvimento capitalista no Brasil. Por outro lado, os integralistas também se inseriam entre os trabalhadores fortalecendo sua organização de tipo fascista Em um quadro de disputas políticas, a classe trabalhadora defendia seus direitos pela legislação trabalhista, bem como se organizava de variadas formas e dirigia greves econômicas e/ou políticas. Dito isto, o objetivo da comunicação é apresentar as formas de resistência e conquista de direitos e cidadania dos trabalhadores brasileiros, salientando a luta da classe entre dois projetos distintos no Brasil dos anos 1930: o integralismo da AIB e o aliancismo da ANL. Esta comunicação se justifica, sobretudo, porque, em 2015, se completam 80 anos da ANL no Brasil, em uma nova quadra histórica na qual, para quem compreende a História do Presente vinculada ao processo histórico do passado, é possível relacionar a disputa de diferentes projetos de classe que opõem setores da classe trabalhadora, tanto em 1935, como na atualidade. A metodologia deste trabalho insere-se entre as articulações da história e dos mundos do trabalho e suas relações com os movimentos sociais e políticos, através de uma abordagem totalizante, buscando as contradições e as lutas de classe em que os trabalhadores brasileiros se inseriram na década de 1930. As fontes desta pesquisa expressam, além da literatura sobre o tema: jornais da década de 1930 (como o Correio do Povo e o Diário de Notícias de Porto Alegre), que se encontram no Museu de Comunicação Social José Hipólito da Costa (MCSJHC/RS), e outros oriundos da Coleção Jornais Brasileiros (pesquisados no Arquivo Edgard Leuenroth AEL/UNICAMP); os fundos de história política do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas (Arquivo Getúlio Vargas, Arquivo Filinto Müller); os fundos Polícia, Documentação dos Governantes e Arquivos Particulares – Borges de Medeiros/Sinval Saldanha do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul – AHRS e; o prontuário Propaganda Comunista, localizado no Fundo DESPS, Setor Dossiês e o Fundo DOPS, Setor Comunismo do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro - APERJ. Os principais resultados desta pesquisa demonstram que os trabalhadores brasileiros da década de 1930 não podem apenas ser singularizados por sua origem de classe, mas pelas suas opções político-partidárias e ideológicas. Desta forma, encontrar trabalhadores organizados entre os aliancistas da ANL e os integralistas da AIB, além de outras correntes políticas, demonstra a diversidade de atuação, especialmente em um contexto em que a orientação em torno da consciência de

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classe e a diretiva centrada na consciência nacional colocava os trabalhadores em conflitos de classe e intraclasse. Referências Bibliográficas: CANCELLI, Elizabeth. Ação e repressão policial num circuito integrado internacionalmente. In. PANDOLFI, Dulce (Org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 1999. CAVALARI, Rosa Maria Feiteiro. Integralismo. Ideologia e organização de um partido de massa no Brasil (1932-1937). Bauru: Ed. da USC, 1999. CARONE, Edgar. Brasil: anos de crise 1930-1944. São Paulo: Ática, 1991. KONRAD, Diorge Alceno. 1935: a Aliança Nacional Libertadora no Rio Grande do Sul. Dissertação Mestrado em História do Brasil). Porto Alegre: PUC-RS, 1994. ________. Operários no Rio Grande do Sul (1930-1937): conflitos entre identidade nacional e identidade de classe. In. Os trabalhos e os dias. Ensaios de interpretação marxista. Passo Fundo: CEM/Ed. da UPF, 2000 ________. O fantasma do medo: o Rio Grande do Sul, a repressão policial e os movimentos sócio-políticos (1930-1937). Tese (Doutorado em História Social do Trabalho). Campinas: IFCH-Unicamp, 2004. PRESTES, Anita Leocádia. Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional Libertadora. Os caminhos da luta antifascista no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1997. TRINDADE, Hélgio. Integralismo. O fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: Difel, 1979. VIANNA, Marly de Almeida G. Revolucionários de 35: sonho e realidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. _______. A ANL (Aliança Nacional Libertadora). In. MAZZEO, Antônio Carlos; LAGOA, Maria Izabel (Orgs,). Corações vermelhos: os comunistas brasileiros no século XX. São Paulo: Cortez, 2003. _______. O PCB, a ANL e as insurreições de novembro de 1935. In. FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil Republicano. Livro. 2. O tempo do nacional-estatismo. Do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. Sindicalismo “Democrata”: O colaboracionismo de trabalhadores à serviço da Ditadura de Segurança Nacional Yuri Rosa de Carvalho (Doutorando em História - UFSM) Palavras-chave: Ditadura de Segurança Nacional – sindicalismo - colaboracionismo. Resumo expandido: A Ditadura de Segurança Nacional teve início com o Golpe de 31 de março de 1964, e a invasão do Sindicato do Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, ainda naquela fatídica noite, desfazia qualquer dúvida sobre o caráter do regime que estava começando a erguer seus pilares: a classe trabalhadora seria seu alvo. Depois de intervir em sindicatos, cassar sindicalistas, impor uma legislação repressiva que tornava a histórica tática de resistência, a greve, como ilegal, criar um aparato de vigilância e controle, sistematizar “listas negras”, prender, sequestrar, torturar, assassinar e desaparecer com trabalhadores, ficava claro que um dos objetivos primários da Ditadura era desorganizar a classe trabalhadora que vinha numa ascensão de organização durante todo o período 1945-1964, exigindo maior participação política e mais justiça social, endossando, principalmente, mas não exclusivamente, o projeto político-social das Reformas de Base. Entretanto, a Ditadura não teria tido o sucesso que teve em implantar seus mecanismos coercitivos entre a os trabalhadores, não fosse os sindicalistas colaboracionistas. Ao contrário dos agentes infiltrados da repressão, disfarçados de operários para denunciar resistências ao nível de “chão de fábrica”, a atuação dos trabalhadores alinhados ideologicamente com a

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Ditadura de Segurança Nacional brasileira é praticamente desconhecida das parcas pesquisas sobre esse período, mas bastante notória e clara entre os trabalhadores do período. Como parte integrante do esquema de vigilância e monitoramento da classe trabalhadora, os sindicalistas colaboracionistas, com posse da função de interventores nos sindicatos e/ou beneficiados em eleições sindicais controladas pelo regime ditatorial, tiveram função fundamental na implantação e execução da lógica repressiva e coercitiva e vigilância, controle e punição implantado no pós-1964. Produziam, por exemplo, diversos tipos de ofícios que eram encaminhados ao DOPS, como listas de nomes dos trabalhadores que participariam de eleições sindicais, que deveriam ser checados pelo setor de inteligência da repressão, pedidos de autorização para a realização de assembleias ou reuniões descrevendo as pautas a serem debatidas e os nomes presentes, informações estas, relevantes para a atuação de agentes infiltrados, entre outros importantes dados levados à conhecimento da Ditadura. Um dos maiores exemplos é Joaquim dos Santos Andrade, conhecido como “Joaquinzão”. Se por um lado Joaquim Andrade foi um dos responsáveis pelo I Encontro Estadual dos Trabalhadores, tentativa de reorganizar os trabalhadores nos moldes da Doutrina de Segurança Nacional, e por ser o autor do único protesto pela morte do operário Manuel Fiel Filho em janeiro de 1976, o sindicalista também foi responsável por ser a cara do regime entre os trabalhadores do estado de São Paulo. Durante mais de uma década, o “Joaquinzão” foi o represente dos interesses ditatoriais, e por consequência, do patronato, entre os trabalhadores de São Paulo, ajudando a desorganizar a classe trabalhadora e reforçando o controle social da época. Outros também serviram aos propósitos golpistas e ditatoriais. Encontrado ostensivamente na documentação analisada foi o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias de São Paulo, Geraldo Souza Pereira. Em julho de 1965 assinava um manifesto de campanha para a chapa única a qual encabeçava, no qual firmava os valores do sindicalismo “democrata”, essencialmente anticomunista e reconhecimento à suposta experiência sindical estadunidense como exemplo a ser seguido pelos trabalhadores do Brasil, em uma clara expressão dos interesses da Ditadura de Segurança Nacional, já praticadas pelas forças reacionárias da sociedade brasileira antes mesmo do Golpe através do complexo IPES/IBAD (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais/Instituto Brasileiro de Ação Democrática) que, por meio de financiamento do capital estadunidense, procurava reorganizar a classe trabalhadora aos seus moldes, afastando-a da combatividade e de interesses próprios. Em julho de 1967, um manifesto em defesa da reeleição de Geraldo Souza Pereira, escrito de maneira anônima por “Ferroviários da Santos a Jundiaí”, associados do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias de São Paulo, reforçava a imagem de anticomunista do sindicalista e o comprometimento de atuar a favor dos interesses do poder instituído. Nele, fica claro o anticomunismo militante, a noção de um suposto “inimigo interno” presente entre as fileiras dos trabalhadores, que deveria ser erradicado, missão tomada para si por Geraldo Souza Pereira e sua chapa sindical, em muito reproduzem a DSN, mostrando afinidade com os interesses simbólicos e práticos do regime ditatorial. Não à toa, esse tipo de sindicalismo, por influência dos interventores e pressão de seus organizadores, prestava homenagens aos ditadores, numa teatralização do poder, onde o representante do Estado era celebrado. No dia 15 de junho de 1972, o jornal Cidade de Santos, noticiava que os sindicatos da região iriam homenagear o ditador Garrastazu Médici, tratado pelo jornal como “presidente” legítimo da República. Diz a notícia que no dia seguinte, partindo da sede da Secretária do Trabalho – o que simbolicamente é significativo – uma caravana de dirigentes sindicais – e não trabalhadores, importante salientar – partiu rumo à capital paulista, onde haveria uma homenagem ao líder do regime ditatorial.

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Não há dúvidas que, sem os sindicalistas chamados “pelegos” por seus colegas trabalhadores à época, colaboracionistas dos interesses da Ditadura de Segurança Nacional, que serviam de primeira frente de vigilância, monitoramento e delação de trabalhadores de oposição política, haveria muito mais dificuldade em desorganizar a classe trabalhadora e as resistências postas em práticas teriam tido muito mais sucesso em se alastrar entre os trabalhadores antes do início da erosão desse sistema coercitivo com as greves de São Bernardo do Campo em 1979. Portanto, seu papel deve ser melhor avaliado, o peso de suas ações mensurado e a atuação do colaboracionismo do sindicalismo “democrata” deve ser mapeado e identificado. Se faz necessário aprofundar o conhecimento sobre as violências impostas pela Ditadura de Segurança Nacional aos trabalhadores, tema pouco abraçado pela academia. É urgente que se caracterize e se delimite as fronteiras do que foi o colaboracionismo do sindicalismo “democrata”. Ativismo militante de mulheres petistas na Santa Maria dos anos 1980: trajetórias individuais e cruzadas Aline Silveira Flores (Mestranda em História - UFSM) Palavras-chave: mulheres - Partido dos Trabalhadores - Santa Maria. Resumo expandido: Desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Maria, a pesquisa que apresentamos envolve o ativismo militante das mulheres petistas na cidade de Santa Maria dos anos 1980. Ela estende-se de parte do período de abertura lenta e gradual da Ditadura Civil-Militar no Brasil até o processo de redemocratização no país, das Diretas Já até a primeira eleição direta para o Executivo pós-ditadura. Em concordância ao período referido acima, mas reduzindo a escala de observação, ela perpassa o momento de formação do Partido dos Trabalhadores (PT) em Santa Maria (1982), o seu envolvimento na política da cidade e os encontros municipais com suas disputas. Essa pesquisa surge na tentativa de inversão de perspectivas históricas, procurando indicar a importância de não reduzir o ativismo militante de mulheres na participação nos processos políticos contemporâneos. Portanto, buscamos perceber a densidade da participação feminina na política partidária e local da cidade de Santa Maria. Partimos do entendimento que elas influíram na construção e formação do PT na cidade, assim como, participaram ao longo dos anos 1980 de diferentes movimentos sociais, procurando destacar a pauta feminista e desenvolver uma política de oposição à Ditadura Civil-Militar. Essas mulheres propõem para a construção do partido bandeiras que defendem os interesses do movimento feminista, como a igualdade de sexos, a valorização da mão-de-obra feminina, melhores condições de trabalho, entre outras. Indica-se que o projeto de pesquisa aqui apresentado busca perceber essa relação partido / movimento no contexto de participação das mulheres petistas em Santa Maria. Daí a importância da realização de pesquisas que coloquem o ativismo militante feminino em lugar de destaque, contrariando a sua representação anterior na historiografia – ou a falta dela. Assim, busca-se identificar as trajetórias individuais destas ativistas e o encontro destas trajetórias no interior do partido e dos movimentos sociais em Santa Maria. Ressaltamos a necessidade de advertir que a militância política no PT e a luta por mais espaços de intervenção e de formulação das demandas dessas mulheres apresenta-se de forma diferenciada. Concordando com Bensaïd (1999: 40.), é necessário enfatizar a relação desigual com ritmos e temporalidades próprios da questão de gênero ante a política geral, ou seja, o programa e a estratégia partidária. Não obstante, indicamos que as ativistas militantes, objeto da pesquisa, estão relacionadas à proposta de Benjamin (1994: 225-226) de “escovar a história a contrapelo”, na perspectiva da “tradição dos oprimidos”, onde o “estado de exceção”

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aparece como regra geral da sociedade. Apontamos que a pesquisa tem sido desenvolvida a partir da consulta das fontes hemerográficas localizadas no Arquivo Histórico Municipal de Santa Maria (AHMSM), no jornal A Razão publicado ao longo dos anos 1980. A consulta deles importa, pois eles permitem identificar as militantes do PT que tiveram maior projeção política na cidade de Santa Maria e realizar um levantamento mais amplo das ativistas que militaram no referido partido. O levantamento dessas ativistas faz parte do primeiro momento da pesquisa que busca identificar nomes, trajetória momentâneas e acontecimentos, episódios vinculados a sua participação no partido e na política local. Isto permitirá a realização de entrevistas com algumas das mulheres arroladas, partindo do entendimento de que as mesmas possibilitarão acessar os objetivos propostos pela pesquisa. Contudo, concordamos com Selau (2004: 221) quando indica a necessidade de “contrapor as informações obtidas no conjunto de entrevistas procurando evidenciar estes acontecimentos encontrados nas mesmas e também perceber as representações que os depoentes construíram sobre os mesmos e o modo como os vivenciou”. Neste sentido, o uso de fontes orais viabilizará a confecção de uma história que dê visibilidade ao ativismo político de mulheres, no caso as petistas, as suas trajetórias individuais no partido e o encontro destas no mesmo e nos movimentos sociais da cidade de Santa Maria. Concluindo, ressaltamos que em trabalho anterior – monografia aprovada no Curso de História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) no dia 05 de dezembro de 2014 – foi constatado a participação de mulheres na formação e construção do PT e, também, o seu envolvimento com o movimento social “Mulheres em Movimento” na cidade de Santa Maria. No entanto, essa pesquisa quer interrogar sobre a importância deste ativismo militante na construção partidária, visto que os espaços políticos do período se mostravam majoritariamente masculinos. Neste sentido, aponta-se a hipótese inicial, de que as mulheres galgaram espaços pouco a pouco no partido, dando visibilidade a pauta feminista e ocupando espaços de poder no interior do partido em Santa Maria. Referências Bibliográficas: BENJAMIN, Walter. Magia E Técnica, Arte E Política. São Paulo: Brasiliense, 1994. BENSAÏD, Daniel. Marx, o intempestivo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. SELAU, Maurício da Silva. História Oral: Uma metodologia para o trabalho com fontes orais. In. Revista Esboços, UFSC, n. 11, 2004, p. 217-228.

Terça-feira, 27 de outubro 13h30 às 15h30 – Sessão Coordenada 05 TRABALHO, IMPRENSA E EDUCAÇÃO COORDENADOR: DR. MARCUS VINÍCIUS DE FREITAS ROSA (UFRGS) O papel de construção desempenhado pelos jornais O Exemplo e A Alvorada na formação de uma identidade negra e operária Ângela Pereira Oliveira (Mestranda em História – UFPel) Palavras-chave: imprensa negra - imprensa operária - pós-abolição Resumo expandido: Propondo uma articulação entre história do trabalho e da cultura, dentro do contexto do pós-abolição, se busca dar ouvidos ao grupo negro. Uma vez que esses ainda possuem uma história bastante estereotipada. Por isso, ao longo desta pesquisa buscamos dialogar com a capacidade intelectual e organizativa mantida pelos negros gaúchos através de sua imprensa, destacando sempre o seu protagonismo. Nesse sentido, a utilização de alguns autores nos

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auxilia na construção desta proposta. Entre eles, temos, por exemplo, Thompson (2001). Uma vez que o autor ao mesmo que realiza uma abordagem marxista também apresenta uma maior valorização do aspecto cultural em suas análises. Também privilegiamos um diálogo com autores que analisam a imprensa negra que teve sua circulação nos mais diversos Estados brasileiros. Como por exemplo, Guimarães (2003) e Domingues (2008). Uma vez que estes, além de possibilitar entender as demandas do pós-abolição, permitem notar alguns comportamentos similares entre essa imprensa. Como fontes o presente trabalho utiliza-se, principalmente, de dois jornais de imprensa negra e operária que circularam no Estado do Rio Grande do Sul, no início do século XX. Essa imprensa é assim denominada influenciada pelo fato de que “a imprensa negra, de certa forma, se espelhou na atuação da imprensa operária” (CARVALHO, 2009: 129). Esses jornais selecionados para a pesquisa se diferenciam dos demais que circularam no Rio Grande do Sul. O primeiro, O Exemplo, editado na cidade de Porto Alegre, foi o precursor entre a imprensa negra que se estabeleceu no referido Estado. O Exemplo nasceu no ano de 1892 e suas atividades só foram finalizadas no ano de 1930. O jornal deixou de circular por diferentes momentos devido a problemas financeiros, ainda assim conseguiu manter-se por quase 38 anos. Já o segundo jornal estudado, A Alvorada, era editado na cidade de Pelotas, situada na região sul do Rio Grande do Sul. Esse tem a sua fundação em 1907 e só finalizaria suas atividades 58 anos após, no ano de 1965. Da mesma forma que O Exemplo, o jornal A Alvorada, também passou por problemas financeiros, o que ocasionou em diversas interrupções. Este estudo é parte da construção da dissertação da autora que visa tratar como os negros conseguem, através desse recurso comunicativo, que é a imprensa negra, construir um mecanismo de defesa étnica. E, como esse mecanismo consegue ou não se sobrepor a outras questões identitárias. Como hipótese tem se levantado que a identidade étnica construída nesses jornais se sobrepõe a identidade de classe. Assim, se busca demonstrar que a classe não está acima de outras identificações. Logo, o objetivo buscado permeia na apresentação de como se deu a construção dessa proposta. E, apontar a forma como a autora tem atuado no desenvolvimento e construção de sua dissertação. A fim de dialogar sobre possibilidades na metodologia e nas formas de abordagem. Também, se buscara dentro de ambos os jornais, O Exemplo e o A Alvorada, como eles apresentam os chamamentos de união para seus leitores e como constroem uma consciência em relação à classe e, em defesa do seu grupo étnico. Pretende-se estabelecer um diálogo entre os referenciais teóricos e as fontes. E, para isso busca-se trazer para o conhecimento do leitor o posicionamento e a própria escrita do jornal. Para a construção desta pesquisa foram escolhidos os anos de 1919 a 1935. Essa seleção foi influenciada pela disponibilidade de consulta do material escolhido. Referências: CARVALHO, Gilmar Luiz de. A imprensa negra paulista entre 1915 e 1937: características, mudanças e permanências. São Paulo, 2009. Mestrado em História Econômica - Universidade de São Paulo. DOMINGUES, Petrônio José. A nova abolição. São Paulo: Selo Negro, 2008. GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Notas sobre raça, cultura e identidade na imprensa negra de São Paulo e Rio de Janeiro, 1925-1950. Afro-Ásia, núm. 30, 2003, pp. 247-269. Universidade Federal da Bahia. Bahía, Brasil. THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. São Paulo: EDUNICAMP, 2001. Defender a classe e educar pel'O Exemplo: imprensa negra e a luta pela instrução em Porto Alegre (1892-1911) Melina Kleinert Perussatto (Doutoranda em História – UFRGS) Palavras-chave: pós-abolição - imprensa negra - instrução Resumo expandido:

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Na década de 1930, o sociólogo e historiador negro estadunidense W.E.B. Du Bois apontou para a necessidade de uma descentralização na história do trabalho que considerasse as relações entre raça e classe, problematizando os motivos pelos quais o trabalhador branco se tornou o trabalhador universal. Nesse sentido, a proposta dessa comunicação consiste em problematizar as relações entre raça e classe desde a perspectiva de intelectuais reunidos em torno da imprensa negra de Porto Alegre, na virada do século XIX para o XX. Para tanto, parto do programa que atravessou as quase quatro décadas de existência do jornal O Exemplo, sintetizado em seu número de abertura em duas ideias-chave: “a defesa de nossa classe e o aperfeiçoamento de nossos medíocres conhecimentos”. Sem estabelecer hierarquias entre raça e classe, procuro apreender em minha pesquisa de doutoramento as circunstâncias nas quais raça e/ou classe eram acionadas na busca pela concretização do programa do hebdomadário, bem como a polissemia que caracterizava o próprio uso desses dois termos. Uma das estratégias de análise reside em observar as interlocuções que estabeleciam com seu público-alvo: os trabalhadores e trabalhadoras negras. Semelhante a outro postulado de W.E.B. Du Bois, os jornalistas d’O Exemplo se colocavam como lideranças do povo negro na busca pela redenção da sua raça em uma sociedade marcada por, pelo menos, dois processos simultâneos, entrecruzados e profundamente racializados: a organização do mercado de trabalho livre e a edificação da nação republicana. Para Du Bois, a redenção da raça deveria passar necessariamente por uma educação verdadeiramente emancipadora, e não apenas instrumental. Somente dessa forma a barreira racial, identificada por esse intelectual com o problema do século XX, seria extirpada. A crença de que a instrução seria uma via para a redenção da raça também perpassou os processos de construção da liberdade e da cidadania negra no pós-abolição em outras geografias (Gomes, 2005; Pinto, 2010; Pereira, 2013). Na primeira fase do jornal (1892 a 1897), os jornalistas acionaram vários dispositivos constitucionais para denunciarem o preconceito de cor (também nomeado de preconceito de raça) que afetava seu grupo sociorracial em diferentes espaços. Espiridião Calisto, que na fase seguinte tornou-se diretor de redação, denunciou suas experiências de segregação escolar para explicitar que era o racismo a causa do desinteresse pela matrícula e da evasão das crianças negras e não a ausência de capacidade cognitiva, princípios morais ou méritos. Nesse empreendimento, era fundamental que os pais insistissem na permanência de seus filhos nas escolas e, sobretudo, que denunciassem a violação do princípio constitucional da igualdade. Na segunda fase (1902 a 1911) o jornal assumiu um caráter mais propositivo diante das desilusões em relação ao Estado. Já na primeira edição os redatores-chefes Espiridião Calisto (barbeiro e depois funcionário púbico) e Tácito Pires (professor) anunciaram o projeto de criação da Escola Noturna O Exemplo, “visando o levantamento intelectual das classes desprotegidas” e aberta a todos os trabalhadores sem distinção de “cor, sexo, nacionalidade, princípios religiosos ou profissão”. O projeto não chegou a concretizar-se e entre os motivos citados estava a pouca adesão à causa, evidenciando mais uma vez os limites enfrentados por esse coletivo na interlocução com seu público-alvo principal. Essa tentativa, apesar de frustrada, possibilita a apreensão das intersecções entre raça e classe presentes nas experiências e no pensamento desses sujeitos. Na segunda fase outras estratégias foram acionadas, merecendo destaque o diálogo com as associações negras e a proposta de criação da Liga das Associações dos Homens de Cor no Rio Grande do Sul. Dentre outros fins, ela seria mantenedora de sociedades recreativas, beneficentes e instrutivas (Rosa, 2014), ou seja, apesar de criticarem a pouca atenção dada à instrução, reconheciam a importância da sociabilidade proporcionada pelas associações e viam nelas espaços possíveis para a concretização de seu projeto de levantamento intelectual "classe dos homens de cor preta”. Concretamente, registrou-se a fundação do Grêmio Dramático José do Patrocínio, que chegou a funcionar junto à redação d’O Exemplo, com a proposta de educar pelo teatro (especialmente com a encenação de peças do dramaturgo negro sul-rio-grandense Arthur

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Rocha, falecido às vésperas da abolição), além de outras atividades (Bohrer, 2013). A maioria dessas propostas e iniciativas era aberta a todos, porém o diálogo estreito com as associações negras aponta mais uma vez para as especificidades que marcavam o projeto d’O Exemplo e as experiências compartilhadas por seu grupo (e pela massa de trabalhadores e trabalhadoras negras, de um modo geral) dentro da classe trabalhadora. Referências: Jornal O Exemplo, 1892 a 1911 (Acervos diversos). BOHRER, Felipe Rodrigues. A música na cadência da história: raça, classe e cultura em Porto Alegre no pós-abolição. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-graduação em História. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. UFRGS, Porto Alegre, 2013, 234 p. DU BOIS, W.E.B. As Almas da Gente Negra. Editora Lacerda, 1999. DU BOIS, W.E.B. Black Reconstruction in America, Nova York, 1992. GOMES, Flávio. Negros e Política (1888-1937). Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2005. MÜLLER, Liane. As contas do meu rosário são balas de artilharia. Porto Alegre: Pragmatha, 2013. PEREIRA, Amilcar. O Mundo Negro: relações raciais e a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas/FAPERJ, 2013. PINTO, Ana Flávia Magalhães. Imprensa negra no Brasil do século XIX. São Paulo: Selo Negro, 2010. ROSA, Marcus Vinícius de Freitas. Além da invisibilidade: história social do racismo em Porto Alegre (1884-1918). Tese de doutorado - Programa de Pós-graduação em História. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. UNICAMP, Campinas, 2014, 312 p. SANTOS, José Antônio. Prisioneiros da história: Trajetórias intelectuais na imprensa negra meridional. Tese de Doutorado - Programa de Pós-graduação em História. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. PUCRS, Porto Alegre, 2011, 281 p. ROEDIGER, David. E se o trabalho não fosse branco e masculino? Recentrando a história da classe trabalhadora e estabelecendo novas bases para o debate sobre sindicatos e raça. FORTES, Alexandre; LIMA, Henrique Espada; XAVIER, Regina Célia Lima; PETERSEN, Silvia Regina Ferraz. (Org.). Cruzando Fronteiras: novos olhares sobre a história do trabalho. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2013. XAVIER, Regina. Raça, classe e cor: debates em torno da construção de identidades no Rio Grande do Sul no pós-abolição. In: XAVIER, Regina Celia Lima Xavier; PETERSEN, Silvia Regina Ferraz; LIMA, Henrique Espada; FORTES, Alexandre. (Org.). Cruzando Fronteiras: novos olhares sobre a história do trabalho. 1ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2013. Imprensa militante e a difusão do ensino racionalista no Brasil (1900 a 1920) Isabel Aparecida Bilhão (Doutora em História – UNISINOS) Palavras-chave: racionalismo - imprensa - educação operária Resumo expandido: A discussão apresentada nessa comunicação está inserida em um projeto de pesquisa mais amplo - intitulado Entre a fé e a razão: disputas de católicos e anarquistas pela educação operária (Espanha, Brasil e Argentina – 1891 a 1920), desenvolvido junto ao PPGEDU/Unisinos, com financiamento do CNPq – e tem como objetivo analisar a construção da memória e a difusão dos preceitos educacionais do pedagogo Catalão Francisco Ferrer y Guardia (1859-1909), voltadas à educação dos trabalhadores e de seus filhos, realizadas por grupos de militantes anarquistas em atuação no interior do mundo do trabalho brasileiro, durante as primeiras décadas do século XX. Época de profundas transformações sociais e políticas, na qual a República, instituída em 1889, consolidou-se a partir dos princípios federativos, do liberalismo econômico e de uma noção meramente formal da representatividade política. Em tal conjuntura, ampliou-se a defesa da organização autônoma

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dos trabalhadores e a educação operária passou a ser vista como um importante campo de batalhas ideológicas. Os veículos da imprensa militante, como propagadores das propostas em disputa, se engajaram tanto na difusão dos diferentes ideários quanto no combate às propostas rivais. Para o caso desse texto, pretende-se abordar a difusão da concepção racionalista de ensino e a defesa da criação de Escolas Modernas para os trabalhadores e seus filhos, em distintas partes do país, presentes em periódicos de tendência anarquista. Com o intuito de analisar as relações desses veículos militantes com o contexto em que estavam inseridos, a abordagem será organizada em três tópicos. Inicialmente, reflete-se brevemente sobre as características gerais da imprensa no período. Num segundo momento trata-se das peculiaridades da constituição da imprensa militante ao longo da Primeira República e, finalmente, tomando como exemplo empírico o caso de três jornais militantes: o periódico anticlerical A Lanterna que passou por três fases de publicação: de 1901 a 1904; de 1909 a 1916 e de 1933 a 1935. O jornal foi criado como órgão da Liga Anticlerical, de São Paulo, e dirigido pelo advogado Benjamin Motta. Na primeira fase, A Lanterna apresentou uma tiragem irregular, mas bastante elevada para os padrões da época, alcançando, em alguns números, 26 mil exemplares. Chegou a ser distribuído em várias cidades do interior do estado de São Paulo, no Rio de Janeiro e em outros estados da federação. A segunda fase do jornal, sob a direção de Edgard Leuenroth, iniciou-se 1909 e estendeu-se até 1916, com a publicação de 293 edições. A terceira fase, também sob a direção de Edgard Leuenroth, iniciou-se em 1933 e foi até 1935, com a publicação de 48 números. Apesar de não definir-se claramente como anarquista, esse jornal tinha, em seu grupo editorial, militantes ácratas e apresentava-se, especialmente em sua segunda fase, como defensor do socialismo revolucionário, rejeitando as disputas político-eleitorais, a propriedade privada e todo tipo de autoridade. Centrava esforços no combate ao pensamento religioso em geral e à Igreja Católica em particular e participava da difusão do ensino racionalista e das concepções pedagógicas da Escola Moderna. O segundo jornal é o A Luta, de Porto Alegre, que circulou, em sua primeira fase no período de 1906 a 1911. Esse periódico foi criado e dirigido pelo gráfico Polydoro dos Santos, auxiliado por um grupo de militantes que, como ele, participavam de longa data do movimento operário da cidade, inicialmente na União Operária Internacional e, posteriormente, na Federação Operária do Rio Grande do Sul-FORGS. A direção de Polydoro foi um dos fatores marcantes na linha editorial do periódico, pois ele foi um dos mais constantes defensores e divulgadores das concepções do pedagogo catalão Francisco Ferrer y Guardia na cidade. No jornal A Luta, além de divulgar o ensino racionalista, travou acaloradas polêmicas contra diferentes adversários, entre eles, o Estado, o Clero e os militantes de correntes rivais, especialmente os socialistas. O terceiro veículo é o A Voz do trabalhador, do Rio de Janeiro, que teve duas fases de circulação, a primeira de 1908 a 1909, com a publicação de 21 números, sob a responsabilidade editorial do militante anarquista espanhol Manoel Moscoso, e a segunda de 1913 a junho de 1915. O periódico foi criado a partir das discussões do Primeiro Congresso Operário Brasileiro, realizado em abril de 1906, na cidade do Rio de Janeiro e que, entre suas resoluções, instituiu a Confederação Operária Brasileira - COB e determinou a publicação de um jornal para representá-la. Embora tenha sido criado como veículo da COB, que então se encontrava sob influência anarquista, A Voz do Trabalhador acabou muitas vezes por restringir seu âmbito de atuação ao movimento operário do Rio de Janeiro e, tanto por dificuldades financeiras, quanto pela repressão sofrida, não conseguiu manter um padrão em seu formato, número de páginas, tiragens e periodicidade. A hipótese norteadora é de que uma das mais importantes funções dos veículos jornalísticos da época era colocar em circulação os argumentos de grupos contendores em suas variadas polêmicas. No caso aqui analisado, esses “combates de ideias” em torno da vida e morte de Ferrer ensejaram, ao longo dos anos, a criação de símbolos e lugares de memória e ajudaram a sacralizar sua imagem. Mas, para além das polêmicas, também compareceram reiteradamente nas

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homenagens a ele prestadas a afirmação da continuidade de sua obra. Numerosos são os exemplos da fundação de escolas modernas nos veículos consultados e, embora se saiba que boa parte delas teve existência efêmera, não se pode desconsiderar sua contribuição para a renovação de práticas e concepções pedagógicas, para a quebra de tabus como a co-educação de meninos e meninas, e até mesmo para a difusão da cultura escolar a uma parcela da população que, de outra forma, não teria acesso a ela. 13h30 às 15h30 – Sessão Coordenada 06 GRUPOS PROFISSIONAIS E DESLOCAMENTOS COORDENADOR: PROF. DR. ROBÉRIO SOUZA (UNEB) Considerações sobre relações de trabalho no contexto das mobilizações de marinheiros da marinha de guerra brasileira Robert Wagner Porto da Silva Castro (Mestrando em História – UFPel) Palavras-chave: relações de trabalho - marinheiros - Marinha do Brasil Resumo expandido: OBJETIVOS Diante de uma temática que abarca relações tão dinâmicas como aquelas estabelecidas no mundo do trabalho, sobretudo na contemporaneidade, o presente trabalho busca analisar as relações de trabalho estabelecidas por um segmento específico dentro da Marinha de Guerra Brasileira, a saber: praças nas graduações iniciais, isto é, cabos, marinheiros e soldados. Neste sentido, o enfoque principal desta pesquisa se estabelece sobre a mobilização daqueles militares a partir da Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB) entre os anos de 1962-1964. Deste modo, serão analisadas também algumas características inerentes aqueles militares e à própria atividade marinheira, bem como, a relevância dessas características durante o processo que os levou se organizar enquanto grupo na busca pelo atendimento de determinadas reivindicações. No contexto da análise realizada nesta pesquisa, tenho como objetivo evidenciar o processo de identificação daqueles militares e sua mobilização, enquanto grupo, em busca do atendimento de determinadas demandas sociais, e ainda, daquelas relacionadas ao seu universo de trabalho e à carreira militar naval. Buscando compreender a mobilização dos marinheiros e a própria constituição da AMFNB enquanto parte integrante de uma realidade sindical e reivindicatória, em um contexto de intensas lutas por direitos sociais experimentado pela sociedade brasileira à época. Procurando assim, analisar o fortalecimento de uma consciência de grupo por parte daqueles militares, a partir das relações de trabalho estabelecidas com seus superiores hierárquicos, especialmente a bordo dos navios de guerra da Marinha do Brasil. Deste modo, buscarei também aprofundar os debates mais recentes da historiografia acerca da aplicabilidade dos conceitos de “classe” e “luta de classes” na análise histórico-social de determinados segmentos de trabalhadores situados “às margens do mundo do trabalho”, como os militares analisados na presente pesquisa. JUSTIFICATIVA A escolha deste tema justifica-se, primeiramente, por buscar reconstruir a trajetória de mobilizações de caráter reivindicatório de um segmento específico de militares da Marinha, evidenciando suas demandas, bem como, aspectos e características peculiares aos mesmos e a sua atividade na instituição militar naval brasileira. E ainda, por contribuir para o debate acerca das relações de trabalho estabelecidas entre superiores e subordinados naquela instituição, bem como, sobre a aplicabilidade dos conceitos de “classe” e “luta de classe”. Sem deixar de considerar a condição hierárquica daqueles militares na instituição militar e, ainda, o fato de não existir uma relação de produção entre os marinheiros e a oficialidade. Mas sim, uma relação de dominação – corroborada por um regulamento disciplinar – em um espaço

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onde são estabelecidas relações de trabalho e vivenciadas experiências sociais das mais diversas, tendo em vista o caráter de microcosmo dos navios de guerra. Neste sentido, a presente pesquisa contribui para trazer ao centro do debate sobre trabalho e relações de trabalho, segmentos que não se enquadram nas análises clássicas dessas relações, uma vez que as mesmas estão fundamentadas nas relações de produção. FONTES No desenvolvimento da presente pesquisa, a análise das fontes de memória tem papel precípuo, destacando-se as obras memorialísticas escritas por ex-marinheiros, membros da AMFNB, e as entrevistas de História Oral. No que concerne às entrevistas, existe a previsão de que seja realizado um total de oito, especialmente com militares e ex-militares que de alguma maneira vivenciaram o movimento de marinheiros e fuzileiros entre os anos de 1962-1964. De modo a complementar as análises das fontes de memória, até o momento, estão sendo analisadas fontes oficiais e de imprensa coletadas junto a(s) / ao(s): arquivos pessoais de alguns entrevistados, Arquivo da Marinha no Rio de Janeiro-RJ, base de dados do Arquivo Edgard Leuenroth (projeto Brasil Nunca Mais) e Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro-RJ. METODOLOGIA Notadamente as fontes de memória têm significativa relevância na presente pesquisa, deste modo, a História Oral, enquanto arcabouço metodológico cumpre papel essencial, em especial, no que concerne à reconstrução da trajetória dos marinheiros enquanto segmento social específico nas fileiras da Marinha do Brasil durante o recorte temporal destacado neste trabalho. Desta maneira, a partir da análise das memórias de integrantes do movimento dos marinheiros, buscarei uma melhor compreensão acerca das demandas daqueles militares e de suas relações sociais, sobretudo as de trabalho, no contexto do processo de mobilização abordado nesta pesquisa. No que se refere às fontes oficiais e jornalísticas, que serão utilizadas de modo a complementar e auxiliar na análise das fontes orais, será empregada a ferramenta metodológica da análise de conteúdo, mais especificamente na perspectiva qualitativa. HIPÓTESES Ao analisar as mobilizações de praças nas graduações iniciais da Marinha do Brasil, especialmente aquela em torno da AMFNB (1962-1964), é possível perceber em seu contexto os contornos de um conflito de classes, mesmo em se tratando de um ambiente militar em que não se estabelecem relações de produção entre superiores e subordinados. O processo de identificação e diferenciação, vivenciado por aqueles militares durante o exercício das relações de trabalho com seus superiores hierárquicos, teria propiciado sua mobilização na busca pelo atendimento de suas demandas. Culminando assim em um nível de consciência enquanto grupo social, alcançada especialmente pelos membros da associação. Por fim, como já citado anteriormente, ressalto que as relações de trabalho e produção nos dias atuais são demasiadamente dinâmicas. Neste contexto, apresenta-se a necessidade de se aprofundar o debate teórico acerca dos conceitos de classe e luta de classes de modo a cada vez mais torná-los adequados a abarcar questões socioculturais, tão presentes na sociedade capitalista contemporânea. A profissão de sapateiro na cidade de Pelotas a partir da Delegacia Regional do Trabalho- RS, 1939-1943 Renan Amaral Alves (Graduando em História - UFPel) Palavras-chave: trabalhadores – sapateiros - acervo Resumo expandido: 1. INTRODUÇÃO: A Carteira Profissional da Delegacia Regional do Trabalho (DRT), instituídas pelo decreto nº 21.175 de 21 de março de 1932 durante o governo de Getúlio Vargas, foi criada com o intuito de regulamentar os direitos trabalhistas, desenvolver uma melhor

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regulamentação do ambiente de trabalho e fazer com trazer a garantia aos diretos de férias, 13º salário e outros benefícios do trabalhador. A fonte de pesquisa utilizada para este trabalho foram as Fichas de Qualificação Profissional da DRT-RS - referentes à profissão de sapateiro na cidade de pelotas dos anos de 1939 até 1943. Um dos objetivos dessa análise, é observar as principais características dos trabalhadores regulamentados nos primeiros anos após a implementação da Carteira Profissional do Trabalho, e fazer uma ligação entre os dados encontrados nas fichas com a bibliografia encontrada sobre o tema. Consoante a esta pesquisa, este trabalho se enquadra no campo denominado História Social do Trabalho. O qual tem ajudado a contribuir na construção de uma maior historiografia a respeito do mundo do trabalho, voltado para as profissões de pessoas em diferentes classes sociais. 2. METODOLOGIA: O acervo da DRT-RS conta com aproximadamente 630.00 fichas de qualificação profissional. Assim, fazendo-se necessária a criação de um arquivo em forma de banco de dados digital, para serem salvas as informações que constam nas fichas. Com a criação de um programa de configurações específicas para a armazenagem dos dados do acervo, se possibilita encontrar as informações digitalizadas das fichas nos computadores do Núcleo de Documentação Histórica da Universidade Federal de Pelotas, localizado no Campus de Ciências Humanas. Ao ser feita uma pesquisa com utilização do banco de dados digitais, é possível encontrar informações referentes às fichas, em formatos de porcentagens e números, o que possibilita a criação de gráficos e tabelas, característicos da chamada História Quantitativa (BARROS,2008). Neste trabalho, foram selecionados todos os profissionais registrados como sapateiros na cidade de pelotas. Resultando em solicitações feitas entre 1939 até 1943, onde se localizaram 37 solicitações de carteira digitalizadas até o momento da pesquisa. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO: No período de implementação da carteira profissional em 1932, a cidade de Pelotas passava por um momento econômico complicado, a cidade não acompanhou o desenvolvimento tecnológico dos outros polos industriais do estado. Nesse contexto se desenvolveu a indústria calçadista da época (SOARES, 2002). A profissão de sapateiro no início do século XX era inicialmente feita de modo familiar. Onde o mestre sapateiro trabalhava com confecções artesanais, com a ajuda de aprendizes – que por maioria das vezes eram membros da própria família. Com o passar dos anos e com a introdução de máquinas no meio calçadista, as oficinas calçadistas passaram a contar com sapateiros voltados a funções artesanais e outros com funções maquinarias (SCHEER, 2014). 4. CONCLUSÕES: A regulamentação das profissões por meio da Carteira Profissional – atual Carteira de Trabalho – foi uma das mais significantes conquistas dos direitos trabalhistas brasileiros. Contudo, nota-se que são poucos os trabalhos relacionados à pesquisa com ênfase no tema da solicitação da carteira. Portanto, pesquisas como a realizada neste trabalho, contribuem para a construção historiográfica. Referências bibliográficas: BARROS, José D’Assunção. O campo da história: especialidades e abordagens.Rio de Janeiro: Vozes, 2008. SCHEER, Micaele Irene. Aprender-fazendo: reflexões sobre a relação entre aprendizes e sapateiros (Pelotas, 1960-2014. IN: Oficina do Historiador, Vol 7, Iss Supl. 2014, pp.233-246. SCHEER, Micaele Irene. Vestígios de um ofício : O setor calçadista e as experiências de seus trabalhadores na cidade de Pelotas (1940-2014). Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, PUCRS.2014.163 f. SOARES, Paulo Roberto Rodrigues. Del proyecto urbano a la producción del espacio: morfologia urbana da cidade de Pelotas, Brasil, 1812-2000. Barcelona: Universidade de Barcelona. Tese de Doutorado em Geografia Humana, 2002. Os caminhos do Sol: migração sertão – cidade de Sobral 1950-1980

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Maria Antonia Veiga Adriao (Doutoranda em História – UFC) Palavras-chave: migração- cultura - trabalho Resumo expandido: Trata-se da pesquisa que estamos finalizando sobre a migração realizada por agricultores que moravam no Sertão Centro Norte do Estado do Ceará, à cidade de Sobral, também situada nessa região, que ocorreu entre 1950 – 1980 do XX. Quando interessa-nos saber por que Sobral e não outros Estados como os que surgiram na pesquisa de Mestrado (Recife, 2002), ocasião que entrevistamos sessenta e três agricultores aposentados, moradores de uma comunidade agrícola próxima de Sobral, que tinham como característica cultural a mobilidade desde crianças dentro da zona rural dessa área, quando aprenderam deste modo a refutar a ideia de morar em uma cidade por menor que fosse. Contudo, vários já conheciam Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, onde haviam ido a passeio visitar filhos lá residentes, quando percebemos que essa experiência corroborava também, para que rechaçassem a possibilidade de morar em um centro urbano, por aparecer conjugado às vivências negativas que esses agricultores tiveram nas visitas aos filhos, uma vez que vislumbravam a cidade na chegada e na saída, e assim, formulavam uma ideia de grandeza associada à violência, confinados que ficavam às residências dos filhos durante a estadia em bairros periféricos, nesse sentido, distantes e de difícil acesso. Assim, a migração para Sobral teria relação com o temor que a grande cidade causava aos agricultores? Destarte, nosso objetivo foi estudar o ponto de vista dos entrevistados sobre essa mobilidade através da oralidade, e de tal modo, observar nas recordações e interpretações do vivido, suas experiências com o sistema de propriedade privada da terra, o que compreendia a relação com patrões/proprietários, a exploração do trabalho, as formas de moradia, a convivência com as estiagens, e em Sobral, a aprendizagem de novas profissões e exigências no campo do trabalho e moradia, quando ainda objetivamos saber como se deu a alteração cultural, abrangendo aí as diversas circunstâncias do cotidiano. Portanto, “reconstruir a visão a partir de baixo” como defendeu Thompson (1998: 30; 68-69); e ressaltar no “exame dialético”, como se construiu “o campo de força societal” nas pelejas pela sobrevivência e permanência nessa cidade. Não obstante, não a título de comprovação das recordações dos migrantes, (FERREIRA, 1994: 10), mas para a análise do contexto oficial e cultural que envolvia não apenas essa população, mas o estrato de proprietários; buscamos um semanário quase centenário, o Correio da Semana fundado em 1918, e dirigido pela Diocese de Sobral, espaço dos discursos e proposições políticas desse setor, assim como dos segmentos privilegiados letrados da cidade, o que abrangia, mormente, uma fração da Igreja Católica que defendia entre outros temas, a reforma agrária. Consequentemente, tanto a urbanização da região, como o sistema agrário, podem ser materializados a partir das matérias trazidas pelos articuladores que escreviam nesse Periódico. Deste modo, havia um debate de como o Estado deveria conduzir as políticas agrária e urbana, quando é interessante perceber que a posição do agricultor pobre corroborava como fator de persuasão, porque era colocada no centro dos debates, ora para reivindicar políticas que sanassem sua situação de risco e evitar o “êxodo”, ora para propor ampliar o status quo dos proprietários, quando exoravam que sem subsídios estatais não havia como melhorar a produção agrícola, que ressoaria na melhoria da situação dos trabalhadores e por sua vez também evitar o êxodo. Ainda foram importantes relatórios como os do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e outros. Realizamos vinte sete entrevistas em áudio e vídeo divididas em várias sessões, conforme a disponibilidade e interesse dos migrantes, que nos surgiram a partir do primeiro contato como indicação de vizinhos, amigos, cônjuges, e desse modo, efetivamos as entrevistas com migrantes moradores de alguns bairros da cidade, sendo que a maior parte se colocou como primeiro morador do bairro ou um dos primeiros. Perscrutamos nas recordações e representações do vivido, “a cultura a partir de baixo”, quando novamente guardadas às proporções, Thompson (1998, p. 54; 65) foi de suma importância. De tal modo

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apareceram às dificuldades de convivência com o sistema agrário, insurgiram as formas de resistência, as negociações, as tensões e medições de força, não de forma coletiva como o “contrateatro” defendido por esse autor, todavia, no campo individual. Percebemos que emigrar para Sobral estava em diálogo com permanecerem próximos a parentes e amigos, mas, sobretudo, dos lugares conhecidos. Conquanto, encontramos algumas diferenças entre os agricultores sem posses (moradores das propriedades) e os pequenos proprietários e posseiros, o que estabeleceu uma linha tênue e não para todos, porque dependia das possibilidades já postas na cidade com parentes e amigos, porém definiu diferenças na construção das novas relações nessa urbe, nomeadamente no campo do trabalho e moradia. Porque alguns na chegada, no ato de lidar com o desemprego buscaram negociar no mercado público, o que envolveu a família ou parte dela, e para morar, puderam contar temporariamente com apoio de parentes enquanto adquiriam uma “casinha”. Não obstante, viver em Sobral foi mais complexo para quem chegou sem nenhuma economia para recomeçar, o que também os levou pelo que notamos, a rescindir mais facilmente as relações com o sertão, posto que a vida difícil na cidade, os impediam de realizar o trânsito livre entre campo e cidade quando se viam desempregados; e por outro, os levaram a recorrer à agricultura de subsistência nos campos propícios dentro de Sobral, que no período pelas narrativas, parecia dispor de bastante espaço. Igualmente a cidade exigiu mais das mulheres menos afortunadas que se empregaram notadamente no serviço doméstico, encetando aí questões de gênero, porque se os homens encontraram dificuldade de ingressar nas fábricas da cidade, (que no período multiplicaram-se sopesando os incentivos governamentais); porque “não tinham estudo” e só “encontravam serviço pesado”, as mulheres nem tentaram, porém, justificando a mesma questão, qualificação profissional. Encontramo-las na prestação de serviços domésticos (lavadeiras, engomadeiras, domésticas), no inaudível comércio nas feiras, e ligadas a profissões como costureiras, professoras, “enfermeiras/parteiras” (auxiliar de enfermagem). Portanto, não precisamos enfatizar que o problema da escolarização e competência profissional ganhou uma tônica quase unânime. Ao analisarmos estudos sobre migração no Brasil, concluímos que os confrontos dos migrantes sem posses, dependentes do sistema de propriedade privada da terra nos centros urbanos industrializados, são semelhantes, independentemente de serem grandes ou pequenos centros, do ponto de vista econômico e cultural. Referências: ADRIÃO, M. A. V. Memórias do Sertão: a migração sertaneja entre imagens e discursos literários. Recife, 2002. (Dissertação de Mestrado) Universidade Federal de Pernambuco, orientação da Profa. Dra. Sílvia Cortez Silva. 205p. FERRERIRA, M. de M.. História oral: um inventário das diferenças. IN: FERRREIRA, M. de M.; (coord.). Entre-vistas: abordagens e usos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1994, p. 1-13. THOMPSON, E.P. Patrícios e Plebeus. In: THOMPSON, E.P. Costumes em Comum: Estudos Sobre a Cultura Popular Tradicional. Trad. Rosaura Eichemberg. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 25-85.

13h30 às 15h30 – Sessão Coordenada 07 TRABALHOS E LEIS II COORDENADORA: PROFA. DRA. EVANGELIA ARAVANIS (ULBRA) Os crimes da carne: crimes contra economia popular e açougueiros em Porto Alegre (1946-1959) Fernando Cauduro Pureza (Doutorando em História – UFRGS)

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Palavras-chave: Economia popular – custo de vida – açougueiros Resumo expandido: A proposta desse trabalho é discutir um aspecto da chamada “economia popular” em Porto Alegre a partir de processos-crime que envolviam açougueiros e seus clientes na capital gaúcha. A partir da análise desses processos, pretendo aqui demonstrar como a definição de “economia popular” era construída juridicamente, como era reinterpretada pela polícia e, principalmente, como comerciantes, clientes e demais trabalhadores viam essa questão. Para tanto, é importante destacar que o termo “economia popular”, dentro do discurso jurídico brasileiro do período, remetia a uma série de leis criadas entre 1938, 1946 e 1951 que visavam delimitar uma série de práticas ilícitas de comerciantes (atacadistas e varejistas). A aplicabilidade das leis, por sua vez, dependia de instrumentos jurídicos e policialescos aptos para resolver as “disputas” entre comerciantes e clientes, demonstrando assim uma preocupação institucional para controlar a majoração de preços, o que seria, numa visão recorrente da época , o principal motivo pelo qual haveria um aumento no “custo de vida” da classe trabalhadora brasileira. Em Porto Alegre, analisando somente processos criminais da Terceira Vara Criminal , foi possível levantar 42 processos contra a “economia popular”, o que demonstra um número considerável de ações movidas pelo poder público contra comerciantes que fraudavam, especulavam ou açambarcavam alimentos e demais mercadorias na capital gaúcha. Mas seriam eles os responsáveis, de fato, pela majoração dos preços? No contexto porto-alegrense, contudo, creio que não é exatamente simples atribuir aos comerciantes uma responsabilidade tão grande sobre o aumento do preço dos gêneros alimentícios. Em trabalhos anteriores sobre o mercado de carne em Porto Alegre , é possível perceber que a dinâmica da guerra alterara o processo de produção e distribuição de carne, sendo mediada por uma Comissão de Abastecimento Estadual (CAERGS) que tinha como finalidade garantir o acesso regular da carne nos mercados. No final da guerra, contudo, o produto manteve preços elevados e a escassez fora sentida pela classe trabalhadora, como demonstra Nauber Gavski da Silva em sua tese. Por esse contexto, a categoria dos açougueiros mostra-se privilegiada para análises acerca das disputas políticas de uma cultura de alimentação tipicamente gaúcha, focada na carne de gado como alimento essencial de uma dieta alimentar. Nesse caso, as iniciativas do Estado brasileiro para controlar a majoração de preços dentro do comércio eram variadas, mas no caso específico dos “crimes contra a economia popular”, o que se percebe é que elas acabavam tentando criar, entre açougueiros e consumidores, uma cisão irreconciliável, a qual somente a Justiça poderia resolver. Tiravam-se produtos e distribuidores da equação da escassez de gêneros alimentícios e transferia-se o problema para o comércio. O que talvez os agentes políticos não percebessem, contudo, é que havia uma curiosa relação entre esses comerciantes e seus fregueses, uma relação onde pode se perceber que as dinâmicas de repasse, reajuste e majoração de preços seguia, aparentemente, três orientações distintas: aquelas tipicamente capitalistas (como a lei de oferta e procura), as orientações concebidas pelo Estado e suas comissões de abastecimento que visavam tabelar e regular o lucro dos comerciantes e, por fim, as orientações baseadas nos costumes e nas relações pessoais que eram estabelecidas entre os donos, os balconistas, os empregados e, é claro, os fregueses dos estabelecimentos. Nesse emaranhado de relações, os dispositivos básicos de uma racionalidade economicista não eram necessariamente empregados pelos agentes sociais. Pelo contrário, o que se percebe nos casos que pretendo analisar é que relações pessoais, status e uma profunda desconfiança para com o sistema legal davam o norte dos comportamentos de clientes e comerciantes. Em certo sentido, creio ser possível afirmar que não havia por parte desses a mesma compreensão do poder público sobre o custo de vida, ou seja, de que os açougueiros locais seriam responsáveis pela majoração de preços. Dessa forma, creio que os processos criminais da “economia popular” em Porto Alegre

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apresentam-se como um excelente tipo de documento para a investigação de duas possibilidades analíticas: a primeira, sobre como trabalhadores e trabalhadoras lidavam com os problemas do custo de vida no âmbito das relações estabelecidas pela atividade comercial, em especial, no que diz respeito a carne, um produto cujo peso (simbólico e nutricional) era bastante alto na capital gaúcha do período. A outra possibilidade fica por conta das relações estabelecidas entre comerciantes, clientes e policiais mediante o andamento dos processos. Nesse caso, salienta-se que a ação da força policial na regulação do mercado tinha muito pouco a ver com conhecimentos sobre economia política, focada especialmente na construção de “flagrantes” em seus autos. Dentro do que espero apresentar aqui, destaco que as estratégias empreendidas pelos agentes sociais nessa questão estão relacionadas, sem dúvida, a perspectiva da classe trabalhadora. Entretanto, policiais e comerciantes assimilavam e afastavam-se dessa perspectiva conforme mostram os autos, demonstrando assim como tais estratégias não eram necessariamente mediadas por organizações de classe, mesmo se tratando de um tema como o “custo de vida”. Em outras palavras, o que se percebe aqui é justamente como um tipo específico de “crime” traz luz a relações que, dentro do contexto da época, eram referidas como relações de classe, mas que no contexto específico dos processos, indicavam justamente um apagamento dessas tensões. Referências: GODELIER, Maurice. Rationalité & Irrationalité en économie. Volume 1. Paris. François Maspero, 1983. LEVI, Giovanni. A herança imaterial – Trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2000. POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens de nossa época. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 2000. POSUSNEY, Marsha Piripstein. Irrational workers: the moral economy of labor protest in Egypt. IN: World Politics. Vol. 46. Nº 1. London: Cambridge University Press. Out. 1993. PUREZA, Fernando Cauduro. Economia de guerra, batalha da produção e soldados-operários: o impacto da Segunda Guerra Mundial na vida dos trabalhadores de Porto Alegre (1942-1945). Dissertação de mestrado. Porto Alegre: UFRGS, 2009. QUELER, Jefferson José. Jânio Quadros, o pai dos pobres: tradição e paternalismo na projeção do líder (1959-1960). Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 29. Nº 84. Fevereiro de 2014. SILVA, Nauber Gavski. O “mínimo” em disputa: Salário mínimo, política, alimentação e gênero na cidade de Porto Alegre (c. 1940 – c. 1968). Tese de Doutorado. Porto Alegre: UFRGS, 2014. THOMPSON. E. P. Costumes em comum: estudos sobre cultura popular tradicional. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 2005. Antônio Ferreira Martins: o advogado mediador de conflitos trabalhistas de Pelotas/RS (1941-1945) Camila Martins Braga (Mestranda em História – UFPel) Palavras-chave: Advogado-Justiça-Pelotas Resumo expandido: Durante o período do governo ditatorial de Getúlio Vargas (1937 -1945), a sociedade brasileira vivenciou consideráveis mudanças sociais, culturais e econômicas. Dentro desta conjuntura, em 1941, foi instalada a Justiça do Trabalho (JT), cujo o objetivo era dirimir os conflitos trabalhistas. Entendemos que a instalação da JT pode ser considerada um divisor de águas entre capital-trabalho no Brasil. A JT pretendia institucionalizar as negociações entre patrão e empregado (GOMES e SILVA,2013).De família humilde, filho da dona de casa Rosalinda e do marceneiro Manoel, Antônio Ferreira Martins entrou na faculdade de Direito na cidade de Pelotas em 1934, aos 20 anos. Após concluir sua graduação em 1939 e obter o

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título de advogado, casou-se com Laura Veiras Martins, com quem teve 6 filhos. O casal acabou se separando e Antônio teve, mais tarde, 4 filhos com Maria Alice Macedo Machado.Após sua formatura o jovem advogado viu no Direito do Trabalho um novo campo a ser explorado profissionalmente. Além de possibilitar um retorno financeiro, esse novo campo permitia que Martins, integrante do Partido Comunista Brasileiro, conciliasse sua profissão com suas ideologias políticas. As informações citadas sobre a vida pessoal e profissional de Martins foram recolhidas das entrevistas realizadas pela autora com Aires e Daniel, filhos do advogado. De acordo com o Acervo da Justiça do Trabalho de Pelotas (salvaguardado pelo Núcleo de Documentação Histórica da UFPel), entre os anos de 1941 e 1945 foram impetrados na Justiça do Trabalho de Pelotas, pelo menos, 487 processos. O advogado Martins atuou em 233 reclamatórias trabalhistas, atendendo apenas ao interesse dos trabalhadores. Nos outros 254 processos foram encontrados os nomes de 29 advogados. Esses dados quantitativos confirmam que Martins fora o advogado mais procurado pelos trabalhadores pelotenses. A problematização desta pesquisa busca compreender como a atuação do advogado Antônio Ferreira Martins contribuiu para a luta da classe operária de Pelotas (RS) contra o patronato no momento de implantação da Justiça do Trabalho, a partir de sua inserção no campo jurídico e de sua militância comunista. O intuito de analisar o papel desempenhado por Martins é devido ao leque de informações que sua atuação traz sobre trabalhadores e operadores do Direito no período nascente da Justiça do Trabalho. A partir da análise da atuação deste profissional, torna-se possível saber quais eram os conflitos entre os trabalhadores e empregadores, quais direitos as empresas cumpriam/descumpriam, qual a relação das indústrias com os sindicatos, quais eram as estratégias utilizadas pelos advogados dos empregadores, quais eram as posturas dos magistrados no período pesquisado. Apesar desta pesquisa não ser um estudo biográfico de Martins, a autora se apoia em algumas ferramentas que esta metodologia oferece. Diferentemente da biografia tradicional, objetiva-se fugir do modelo apologético (SCHMIDT, 2004), considerando o advogado Martins como uma via de acesso para a compreensão das lutas entre operários e patrões pelotenses dentro do âmbito jurídico. Para isso, estão sendo realizadas entrevistas baseadas na metodologia da História Oral com o próprio advogado, seus filhos, seu colega de profissão e seu contemporâneo de militância comunista. Estes materiais encontram-se em processo de análise pela autora. Para analisar o processo de lembrança de cada entrevistado, será utilizado o conceito de memória do antropólogo CANDAU (2001). Também encontra-se em processo de análise quantitativa e qualitativa os processos trabalhistas que Martins atuou entre os anos de 1941 e 1945. Para análise quantitativa dessas fontes está sendo feito uma análise dos resultados de cada processo, dados do reclamado e do reclamante e os pedidos nas ações. Para a análise qualitativa está sendo analisado a atuação do advogado Martins nas audiências, suas estratégias de argumentação e também a postura dos demais operadores do Direito dentro no campo jurídico. Referências Bibliográficas: CANDAU, Joel. Memória e identidade. São Paulo: Contexto, 2012. GOMES, Angela. de C.; SILVA, F. T. Da. A Justiça do Trabalho e sua história. Campinas: Unicamp, 2013. SCHMIDT, Benito. B. Grafia da vida: reflexões sobre a narrativa biográfica. História Unisinos, v.8, n.10, p.131-142, jul;dez.2004.

15h45 às 17h30 – Sessão Coordenada 08 TRABALHO, MENORES E MULHERES COORDENADORA: PROFA. DRA. GIOVANA XAVIER (UFRJ)

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"Artifices habeis e perfeitamente educados" - os menores aprendizes das oficinas do Arsenal de Guerra de Porto Alegre (1860- 1870) Maicon Lopes dos Santos (Graduado em História - Unilasalle) Palavras-chave: menores aprendizes - arsenal de guerra - história social Resumo expandido: O presente trabalho foca-se no Arsenal de Guerra de Porto Alegre, que foi no século XIX, uma importante instituição militar de apoio e confecção de materiais para o exército. Tendo suas próprias oficinas, com mestres, operários e aprendizes. Estes menores aprendizes, inseridos dentro do contexto militar e social da época, eram até o presente momento, apenas números nas páginas das fontes do Fundo Arsenal de Guerra, existente no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, que dentro da perspectiva da história social buscamos resgatar o percurso destes agentes históricos. O objetivo deste trabalho é analisar a conjuntura social da época e os mecanismos de entrada de menores, repressão e resistência dos meninos dentro da instituição militar, através de correspondências, ofícios e mapas estatísticos do Fundo Arsenal de Guerra, na legislação e relatórios dos presidentes da Província disponível no AHRS. Dentro de uma abordagem micro analítica, buscamos compreender o funcionamento deste mecanismo de assistencialismo a órfãos, expostos, indígenas e crianças pobres, e as suas estruturas e relações com os poderes provinciais e militares do período. No ano de 1774, na então nova capital do Rio Grande do Sul, o Arsenal de Guerra de Porto Alegre começa a ser construído no lugar denominado “Praia do Arsenal”, ou seja, uma zona litorânea do extremo da península, pela Rua da Praia, até a Igreja das Dores(OLIVEIRA,1985: 53.). Período em que a necessidade de manutenção e apoio ao exército brasileiro no sul do país era de grande importância devido às campanhas de conquista da então chamada Província Cisplatina, atual Uruguai. O Arsenal de Guerra de Porto Alegre, como instituição militar foi criado por ordem do governo Imperial pela lei de 21 de Fevereiro de 1832, onde implantou regulamentos administrativos para os Arsenais, da Corte, no Rio de Janeiro, e no Pará, Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Sul, e Mato Grosso Regulamento datado de 21 de fevereiro de 1832(GERTZE, 1990: 228). Dentro deste regulamento, estavam as condições de admissão de menores na condição de aprendizes, determinando o número de meninos, e os segmentos de cada um pertencentes as camadas mais carentes da população: os filhos de pais pobres, indígenas os órfãos indigentes e expostos. No Arsenal de Guerra de Porto Alegre existiam duas classes de menores aprendizes, a Classe Geral, regida e mantida pelos cofres Imperiais, e a Classe Provincial, mantida pelos cofres públicos da província. Eram admitidos nestas instituições crianças dos oito aos doze anos de idade, conforme o regulamento de 25 de Fevereiro de 1848 (SCHNEIDER, 1993: 94). Nossa pesquisa se concentrou na década de 1860, onde através de um estudo analítico das fontes primárias, analisamos exemplos do cotidiano desta instituição militar. Buscamos através de documentos, escritos por homens à frente da instituição militar, que controlavam os menores, identificar os diferentes mecanismos de sobrevivência, resistência e práticas sociais no cotidiano destes menores, como agentes históricos ativos na sociedade porto alegrense do século XIX. O ato de internar as crianças para o aprendizado, não era somente uma prática para expostos, ou órfãos. Através das fontes consultadas, comprovamos ser uma prática comum na época para pais, mães, avós, tios e tutores legais, que não tendo condições de manterem e dar subsistência para os meninos enviavam requerimentos ao diretor do Arsenal de Guerra, em que suplicavam e pediam, para seus filhos e educandos serem admitidos na instituição. Mais do que dados, estas informações, com o devido tempo e pesquisa mais aprofundados, nos mostrarão quais caminhos foram percorridos por estes meninos, que aprendiam e mais tarde exerciam uma profissão e eram considerados úteis ao Estado. Percebemos isto, ao nos depararmos com o que lhes eram ensinados, como consta nos relatórios anuais do diretor do Arsenal ao Presidente da Província, informando não só os números de aprendizes, mas

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também suas profissões, como no ano de 1863, onde constava no Arsenal de Guerra de Porto Alegre, 2 aprendizes de alfaiate, 23 aprendizes de carpinteiro, 13 aprendizes de correeiro e sapateiro, 7 de funileiros e 7 de latoeiro, que dentre destes ainda 9 estudavam. Nem todos os meninos aprendizes, iam de livre espontânea vontade e obedeciam aos mandos do pedagogo responsável por sua educação, igualmente como ocorre no Mato Grosso, em Porto Alegre, também contamos com insubordinações como no caso do menor da Classe Geral João Evangelista, que portando-se desrespeitosamente para com o pedagogo José Amaro de Miranda, e inflando seus colegas aprendizes para não mais obedecerem a seus superiores, foi castigado e repreendido pelo mesmo pedagogo que não excedeu de vinte e tantas palmadas, como consta no documento do Arsenal de Guerra de 18 de Agosto de 1860. Fugas também eram reprendidas, pois com a concessão de licenças para visitar seus familiares, temos casos de menores que não mais retornavam para o Arsenal de Guerra, sendo muitas vezes, solicitados e procurados pela própria policia, e é nestes relatórios, onde consta seus dados que podemos ter informações importantes sobre os mesmos. A análise destes documentos e casos, aqui apresentados, são apenas iniciais e necessitam de uma pesquisa mais detalhada, mas, servem para dar um panorama sobre o Arsenal de Guerra de Porto Alegre e as suas escolas de Aprendizes, que com um modelo de instituição militar, mantinha sob a sua tutela, expostos, órfãos, indígenas e crianças carentes da Porto Alegre do século XIX, pois a instituição foi mantida até o ano de 1882, onde foi extinta por deliberação da Assembleia Legislativa. Instituição esta que foi o palco para o aprendizado de centenas de jovens sul rio-grandenses, e de mais de diversos brasileiros, espalhados pelos Arsenais de Guerra do país, onde carece uma pesquisa historiográfica mais detalhada, para trazer a luz da historia, estes personagens até então esquecidos da história tradicional, mas que foram agentes de seu meio social, ativos em condutas e práticas que através de uma farta documentação, e do olhar crítico do historiador, possam ser narradas e inseridas nas páginas da história do Brasil. Bibliografia: GERTZE, Jurema M. Infância em Perigo: a assistência às crianças abandonadas em Porto Alegre: 1837-1880. Porto Alegre, 1990. Dissertação (Mestrado em História), Pontifícia Universidade Católica – RS. OLIVEIRA, Clóvis S. de. Porto Alegre: a cidade e sua formação. Porto Alegre; Norma,1985. SCHNEIDER, Regina P. A Instrução Pública no Rio Grande do Sul (1770-1889). Porto Alegre: UFRGS/EST, 1993. “Precisa-se de uma menina de 12 annos de idade para cuidar de creança”: o trabalho infantil na Primeira República (Porto Alegre/RS) Lisiane Ribas Cruz (Mestranda em História - UNISINOS) Palavras-chave: criança – trabalho - Primeira República Resumo expandido: A presente pesquisa propõe-se a analisar o trabalho exercido por menores na cidade de Porto Alegre após a proclamação da Primeira República entre os anos de 1889 até 1927. A capital do Rio Grande do Sul enfrentou mudanças com o fim da abolição da escravatura e a chegada de imigrantes de diversas nacionalidades. Além disso, com o crescimento de indústrias e comércios, a cidade recebeu um contingente populacional maior na procura por funções remuneradas, e em meio a esse contexto, o trabalho exercido por crianças foi uma atividade costumeira para a sociedade porto alegrense, tanto que jornais de maior circulação da época apresentam anúncios que solicitavam o trabalho de meninos e meninas para diversas funções. A pesquisa desse artigo utilizou como objeto de análise alguns dos jornais de maior circulação na região de Porto Alegre, entre eles o Jornal do Comércio, Correio do Povo, Le Petit Jornal, Gazeta do Comércio e Gazeta da Tarde. Os jornais que circulavam na capital gaúcha nesse

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período mostravam uma gama de anúncios destinados a menores aprendizes nos quais ofereciam-se diversos tipos de funções. Nesses exemplares está registrada a idade, sexo e muitas vezes a cor da criança desejada pelo contratante. Essa pesquisa tem por objetivo a identificação e análise de características presentes nos anúncios, como o tipo de trabalho e remuneração, demais atributos exigidos pelos empregadores e qual tipo de abordagem utilizada nesses anúncios. Além dos jornais, documentos oriundos da policia e a legislação vigente da época foram objetos de análise, sendo assim, também é objetivo da pesquisa a compreensão das denúncias de abusos cometidos por patrões, dos tratamentos dados aos menores pelo Patronato Agrícola Senador Pinheiro Machado - escola profissionalizante agrícola - e pela legislação vigente na época. Contudo, também é apresentado um estudo sobre os efeitos do positivismo e da abolição da escravatura no decorrer da Primeira República, sendo que as vagas oferecidas nos jornais analisados pediam de preferência crianças de cor de pele “branca” ou de nacionalidade estrangeiras, levando ao esquecimento a possibilidade de contratar os recém-libertos do trabalho escravagista ou os descendentes desses. A preferência por mão de obra de imigrantes foi maior do que pela procura de contratação dos descendentes de escravos, como é afirmado por ZUBARAN, 2007. Porém, através de outros pesquisadores, notamos que o trabalho de crianças negras se fez presente em outras regiões do Rio Grande do Sul, como a região da cidade de Pelotas através da pesquisa de DORNELLES, 1998. Na maioria dos anúncios que constam a idade, está a preferência por meninas e meninos de 10 até 15 anos e a idade de 12 anos aparece como predominante para ambos os gêneros. Para o sexo feminino, as funções oferecidas estavam ligadas ao serviço doméstico, como constou na maioria dos anúncios, trabalhos essas como, cuidar de crianças e serviços dentro das casas de família. Entretanto, em um menor número de anúncios, há solicitações de meninas em fábricas e indústrias. A conduta e a honra, atributos tão valorizados pela sociedade na época, refletiam-se nas ofertas de trabalho e nas exigências do comportamento das crianças e dos jovens contratados pelos estabelecimentos. Através dos anúncios encontrados nos jornais, nos deparamos com quais foram as funções oferecidas para os meninos: geralmente solicitados por estabelecimentos comerciais, a maioria dos pedidos eram destinados às funções de caixeiros, entregadores de recados e atendimento de clientes. Além disso, o Patronato Agrícola Senador Pinheiro Machado selecionava meninos pobres, de 10 até 14 anos, cujos pais não poderiam mais cuidar e manter a tutela. O recorte temporal está relacionado com a Proclamação da República, sendo importante considerar que o trabalho de menores já era costumeiro no período imperial. Entretanto, com a transição do período, receberá novas justificativas de juristas, educadores e governantes que consideraram o trabalho de menores como ato benévolo e um caminho para a formação de cidadãos trabalhadores. Através das correspondências policiais, denúncias foram registradas evidenciando, assim, uma série de abusos cometidos contra crianças em ambientes de trabalho. Devido a isso, visando à proteção dos menores, muitos movimentos operários levaram em frente debates e protestos, exigindo a criação de leis e normas voltadas para a proibição de certos abusos cometidos em fábricas e comércios. Sendo assim, em 1927 foi criado o primeiro Código de Menores, no qual foram garantidos direitos, como a proibição do trabalho para menores de 12 anos e para 14 anos que não estivessem alfabetizados. Também a lei se aplicava na proibição de trabalhos noturnos e a uma série de fatores considerados positivos para os menores, como comentado por SOARES, 2009. As fontes apresentadas nessa pesquisa são ricas em detalhes e nos oportunizou uma maior compreensão sobre a aceitação do trabalho infantil na Primeira República, pela sociedade porto-alegrense. São fontes que possibilitam a formulação de várias problemáticas e diversas formas de análise, que utilizadas juntamente com outras fontes, possam contribuir para a historiografia dedicada à criança e a juventude. Referências:

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DORNELLES, João Batista. Profissões exercidas pelos negros em Pelotas (1905 - 1910). História em Revista, Pelotas, v.4, 95-138, dezembro/1998. Disponível em: <http://www2.ufpel.edu.br/ich/ndh/downloads/Joao_Dornelles_Volume_04.pdf>, acessado em 30 nov 2014. SOARES, Aline Mendes. “Precisa-se de um pequeno”: o trabalho infantil no pós-abolição no Rio de Janeiro, 1888-1927. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 25, 2009, Fortaleza. Anais do XXV Simpósio Nacional de História – História e Ética. Fortaleza: ANPUH, 2009. Disponível em: < http://anpuh.org/anais/?p=15550>, acessado em 30 nov 2014. ZUBARAN, Maria Angélica. A produção da identidade afro-brasileira no pós-abolição: Imprensa negra em Porto Alegre (1902-1910). In: III Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional, Florianópolis: 2007. Disponível em: http://www.escravidaoeliberdade.com.br/site/images/Textos3/maria%20angelica%20zubaran.pdf, acessado em 30 nov 2014. Trabalhadoras, Enfermas e Pobres: Condição de vida da mulher popular a partir dos Registros de Matrícula Geral dos Enfermos da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (1889 – 1895). Priscilla Almaleh (Mestranda em História - UNISINOS) Palavras-chave: mulher - Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre – popular Resumo expandido: Este trabalho objetiva estudar as mulheres populares na cidade de Porto Alegre no final do século XIX, usando como observatório fontes produzidas por uma instituição voltada à caridade e ao atendimento médico. Este local era um lugar de assistência, acolhimento e de sociabilidade de uma diversidade de pessoas de faixas etárias, naturalidades, culturas, profissões e cores plurais. Trabalharemos com os códices que registravam os pacientes que procuravam atendimento na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (SCMPA), especificamente os registros de matrícula geral dos enfermos (RMGE) de número 6 e 7, que abrangem os anos de 1889 e 1895, período marcado pela circulação de pensamentos positivistas, de ordem moral e civilizatória, com os médicos higienistas procurando ditar regras de conduta. Esta investigação contemplará métodos quantitativos e qualitativos voltados ao trabalho e as condições de vida da mulher que frequentava esta instituição. Para a realização da pesquisa quantitativa foi feita a transcrição dos dados referentes aos livros de registros, para uma tabela de dados (Excel), para fins de melhor aproveitamento dos mesmos. Foram transcritos 12.632 dados referentes a todos os enfermos da SCMPA, independente do gênero, no período abordado, sendo após feita uma filtragem apenas do gênero feminino, no total de 2.887 enfermas. Até pouco tempo as mulheres foram excluídas da historiografia, como se não possuíssem uma história própria ou importância para a sociedade. Quando citadas, eram representadas pelas perspectivas dos homens, como eles as enxergavam, ou seja, geralmente personagens coadjuvantes subsumidas aos papéis que lhes foram reservados, de mãe, esposa e filha. Ou então, narrava-se a trajetória de mulheres excepcionais, que tinham se sobressaído por seus atos, portanto, não eram mulheres ditas “comuns”, populares, sem títulos ou riquezas. É importante considerar que identifico como populares todos aqueles que possuem algumas características comuns, como exemplo, a exclusão e a subordinação, definindo sua situação jurídica e seu perfil social ligado ao trabalho, entrelaçado com as condições de vida, estratégias de sobrevivência e bens materiais. Portanto, se mesmo as mulheres das famílias de elite foram parcamente estudadas pela historiografia as mulheres populares ficaram fadadas ao esquecimento. Hoje, através das novas visões metodológicas sobre a história e suas fontes, conseguimos identificar a relativa autonomia que as mulheres em geral possuíam e mapeá-las a partir de recortes mais

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específicos, como os mundos do trabalho, estado civil e as próprias doenças as atingiam, auxiliando para identificar aspectos cruciais de suas vidas. Os RMGE nos traz um dado peculiar para este estudo - a cor do enfermo. De acordo com a historiadora Hebe Mattos (2013), a ausência de dados sobre a cor é recorrente nos documentos (principalmente judiciários) ao longo da segunda metade do século XIX e no imediato pós-abolição. Um dos possíveis motivos referentes a aparição das cores dos indivíduos nas fontes abordadas é a importância deste dado para o diagnóstico médico, pois a raça estava ligada ao surgimento e a probabilidade de algumas doenças. O final do século XIX, mais precisamente na década de 70, de acordo com Schwarcz (1993), representa o momento de entrada de um novo ideário positivista-evolucionista, em que os modelos raciais cumprem um papel fundamental, principalmente em um momento demarcado pelo fim da escravidão. Local de confronto, identidade e sobrevivência, o trabalho pode apresentar diversos significados, de acordo com cada pensamento e cultura. Trabalhar, no final do século XIX é sinônimo de civilidade, de enaltecimento. Aqueles que não se encaixavam nos padrões morais, eram vistos como ociosos, preguiçosos e vagabundos, no caso das mulheres ainda podiam ser enquadradas como mulheres de má reputação, vulgarmente conhecidas como prostitutas. Entre as profissões encontradas nos referidos anos, as ligadas aos serviços domésticos são as mais recorrentes, além de uma gama significativa de mulheres que não informam suas profissões ou não foram anotadas pelos funcionários. Podemos pensar que estas estavam inseridas no mundo do trabalho, porém, não declararam suas profissões, por motivos diversos. Esta declaração nula pode ser pensada como um trabalho ilícito, socialmente não aceito ou como uma rotatividade de ofícios diversos, sem especialização. O cotidiano feminino era cheio de espertezas e artimanhas. Sobreviver implicava a liberdade de circulação na cidade. A partir dos dados coletados na fonte observei que a maioria das mulheres observadas eram solteiras, o que não implica dizer que não estavam envolvidas em relações familiares, afetivas ou sexuais consensuais. As mulheres populares trabalhavam e garantiam sua independência, o fato de se amasiarem e não contraírem matrimonio, significava autonomia para a troca de parceiros quando estes não lhes auxiliavam ou agradavam mais. Porém, é importante ressaltar que o amasiamento não se confunde com encontros sexuais e afetivos passageiros, ele precisa de um certo tempo de duração e da aceitação e reconhecimento. O amasiamento gerava responsabilidade mútua perante o casal e uma relação pública. Por fim, as mulheres e famílias populares forjavam estratégias próprias para gerar suas famílias ou para o próprio sustento, marcadas por preconceitos diários em várias esferas de sua vida. A doença está diretamente ligada às condições e o modo de vida dessas pessoas, onde a idade, os mundos do trabalho onde viviam e sobreviviam e os modos de vida pessoais contribuíam para possíveis contágios e, portanto, acabavam por se tratar na SCMPA, observatório desta pesquisa. Referências: CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte imperial. São Paulo – SP: Companhia das Letrasm 1996. COSTA, Ana Paula do Amaral. Criados de servir. Pelotas: Ed. Universitária UFPel, 2013. DIAS, Maria Odila. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. SP: Brasiliense, 1995. GRAHAM, Sandra Lauderdale. Proteção e Obediência. Criadas e seus patrões no Rio de Janeiro (1860 - 1910). São Paulo: Companhia das Letras, 1992. LEITE, Miriam Moreira. A condição feminina no Rio de Janeiro século XIX. São Paulo, São Paulo: Edusp, 1993. MATTOS, Hebe. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista – Brasil século XIX. São Paulo: Unicamp, 2013. MOREIRA, Paulo Roberto Staudt. Entre o deboche e a rapina: os cenários sociais da criminalidade popular em Porto Alegre. 1993. Dissertação (Mestrado em História) –

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Universidade Federal do Rio Grande do Sul. PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007. PESAVENTO, Sandra Jatahy. Os pobres da cidade. Porto Alegre: UFGRS, 1994, ___________. A emergência dos subalternos. Trabalho livre e ordem burguesa. Porto Alegre: UFRGS/FAPERGS, 1989. RAGO, Luzia Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar: Brasil 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870 - 1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. WEBER, Beatriz Teixeira. As artes de curar: medicina, religião magia e positivismo na República Rio-Grandense – 1889-1928. Santa Maria: UFSM, 1999. 15h45 às 17h30 – Sessão Coordenada 09 TRABALHO CONTEMPORÂNEO COORDENADOR: PROF. DR. NORBETO FERRERAS (UFF) O eixo temático terceirização do projeto “Contradições do Trabalho no Brasil Atual. Formalização, precariedade, terceirização e regulação”: relato de experiência Alisson Droppa (Doutor em História - UFFS) Palavras-chave: Justiça do Trabalho - terceirização - súmulas Resumo expandido: O presente artigo apresenta resultados parciais obtidos em pesquisa que se desenvolve na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, FA/UNICAMP, com apoio financeiro da Fundação de Amparo Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP, no eixo Terceirização do Projeto Temático: “Contradições do Trabalho no Brasil Atual: formalização, precariedade, terceirização e regulação”. Esse eixo busca, dentre outros temas relacionados à terceirização, investigar o papel das instituições públicas brasileiras, com foco na Justiça do Trabalho, diante dessa forma de contratar, analisando as demandas propostas pelos trabalhadores ou por meio do Ministério Público do Trabalho, MPT, em Ações Civis Públicas. A terceirização avançou no mundo e no Brasil a partir dos anos 1990 nas esferas pública e privada, podendo expressar tanto um fenômeno interno quanto externo ao contrato de trabalho (VIANA, 2006), como se abordará em item específico. Adotada, em regra, como estratégia das empresas para reduzir custos, partilhar riscos e aumentar a flexibilidade organizacional (KREIN, 2007), ganhou maior dimensão quando o movimento do capitalismo pressionou no sentido da liberalização dos mercados, impactando o regime de contratação da mão de obra (BIAVASCHI; SANTOS, 2014). Compreendendo a terceirização como uma das expressões da dinâmica capitalista contemporânea, com alto potencial precarizador das relações de trabalho, o texto, ao investigar os resultados parciais obtidos pela pesquisa que o fundamenta, faz referência ao processo de regulamentação da terceirização no Brasil onde, distintamente de outros países da América Latina, não há lei disciplinando-a especificamente. A principal fonte de pesquisada são os acórdãos das decisões do TST entre 2000 e 2013, concentrando-se nos setores: papel e celulose, petroleiros, eletricitários, e trabalhadores em Call Center e TI em bancos públicos, como será explicitado em item que segue. O objetivo é trazer à discussão elementos não apenas sobre o papel das instituições públicas que atuam no mundo do trabalho diante da terceirização, mas, também, sobre a importância ou não de se construir uma lei específica sobre o tema e, caso positivo, quais seus pilares estruturantes visando a uma regulamentação civilizatória e integradora do mundo do trabalho. Depois de alguns conceitos e definição de abordagens, apresenta-se a metodologia adotada, analisam-se certos resultados obtidos, chegando-se, assim, às considerações finais. Bibliografia Consultada:

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BALTAR, P. E. Relatório da pesquisa a Terceirização e a Justiça do Trabalho. Campinas, 2009. Disponível em: http://www.trt4.jus.br/portal/portal/memorial/textos BALTAR, P. E. Relatório da pesquisa a Terceirização e a Justiça do Trabalho: diversidades regionais. Campinas, 2010. Disponível em: http://www.trt4.jus.br/portal/portal/memorial/textos BELLUZZO, L. G. Prefácio. In MATTOSO, J. E OLIVEIRA, C [Org.]. Crise e trabalho no Brasil: modernidade ou volta ao passado? São Paulo: Scritta, 1996. ______. O Capital e suas metamorfoses. São Paulo: Unesp, 2013. BIAVASCHI, M. B. SANTOS, A. L. dos A terceirização no contexto da reconfiguração do capitalismo contemporâneo: a dinâmica da construção da Súmula 331 do TST. Revista do TST: http://www.tst.jus.br/documents/1295387/8239059/Revista_TST_2014_v80_n3_jul_set, 2014. ______., DROPPA, A. A DINÂMICA DA REGULAMENTAÇÃO DA TERCEIRIZAÇÃO NO BRASIL: as súmulas do Tribunal Superior do Trabalho, os projetos de lei e as decisões do Supremo Tribunal Federal. Revista Politica e Trabalho. http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/politicaetrabalho, 2014. ______; TEIXEIRA, M. O.; DROPPA, A. A Terceirização e desigualdade: abordagem crítica sobre os projetos de lei 4330/04 e 87/2010. Texto escrito a partir de apresentação no Seminário Internacional: 1º de Maio. Uma nova visão para o movimento sindical brasileiro, organizado pela UGT e CESIT/IE/UNICAMP, São Paulo, 2014. BIAVASCHI, M. B.; DROPPA, A. A história da súmula 331 do tribunal superior do trabalho: a alteração na forma de compreender a terceirização. Revista Mediações (UEL) , v.16, p.124 - 141, 2011. CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo-SP: Ed. Xamã, 1994. COCHRAN, 1953, W. G. Sampling techniques. New York : John Wiley, 1953. GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2002. KREIN, D. As tendências recentes na relação de emprego no Brasil: 1990-2005. Tese de doutoramento. IE/UNICAMP, Campinas, 2007. POULANTZAS, Nicos. Estado, o poder, o socialismo. Rio de Janeiro: Graal, 1990. VIANA, M.T. Terceirização e Sindicato: um enfoque para além do direito. Belo Horizonte, 2006, mimeo. Os registros na carteira de trabalho na extinta fábrica Laneira Brasileira Sociedade Anônima Indústria e Comércio (1980-1985) Jordana Alves Pieper (Mestranda em História - UFPel) Palavras-chave: História do Trabalho; Irregularidades na Carteira de Trabalho; Fábrica Laneira Brasileira Resumo expandido: A temática do presente estudo reporta-se à pesquisa que está sendo realizada pela autora em seu projeto de mestrado em História (PPGH/UFPel), sobre as experiências dos operários da fábrica Laneira Brasileira S.A. na cidade de Pelotas, na década de 1980. Essa fábrica funcionou mais de cinquenta anos, entre 1948 e 2003 quando, por falência, fechou suas portas. Esse fato causou grande pesar para os seus operários, que encontraram dificuldades para se reinserirem no mercado de trabalho. Problemas como idade avançada, falta de qualificação e ainda a desqualificação dos currículos foram alguns dos entraves encontrados pelos operários. Esta comunicação analisa a última questão apresentada, conhecida entre os operários de “carteira suja”. Trata-se da prática do patronato de não registrar nas carteiras profissionais dos trabalhadores as reais funções exercidas por eles. Assim, em seus registros, constavam funções de pouca definição como serviços gerais ou ajudantes. Tal situação

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dificultava a comprovação das reais experiências profissionais já exercidas, tornando o currículo desses operários menos atrativo para concorrer às vagas de trabalho no mundo industriário. Diante disso, o objetivo desse estudo é investigar como ocorria o processo de contratação e registro na carteira de trabalho dos operários da fábrica Laneira, a fim de analisar as reações dos operários frente ao fenômeno da “carteira suja”, no cotidiano das relações de trabalho. Destacaram-se para análise os cinco primeiros anos da década de 1980, porque nesse período a fábrica Laneira havia ampliado suas atividades industriais com a inauguração do setor de fiação, o qual realizava a feitura do fio de lã para diferentes fins e o tingimento do mesmo. Com isso, houve o contrato de operários na fábrica para o novo setor, chegando, no ano de 1980, a admitir cerca de cem novos trabalhadores. Essa documentação, a partir da década de 1980, encontra-se completa e disponível para consulta no acervo da fábrica Laneira, salvaguardado no Núcleo de Documentação Histórica da UFPel. São dossiês contendo o histórico dos trabalhadores na fábrica, sendo que através deles é possível averiguar a ficha de candidatura à vaga de emprego, o contrato de trabalho, além de várias outras informações. Portanto, analisaram-se, nessa documentação, três pontos: a função a qual a pessoa desejava se candidatar; o registro na carteira de trabalho e o cargo realmente desenvolvido até o final de sua carreira, na fábrica. Além dessa documentação, também se investigou as fontes orais, selecionando aqueles que tratavam da temática. A intenção é a de, a partir das memórias, analisar as experiências operárias aproximando-as do cotidiano fabril. E por fim, foram observados os processos trabalhistas da Primeira Vara da Justiça do Trabalho de Pelotas (JT). Do total de 34 processos impetrados contra a fábrica Laneira entre 1980 a 1985, 13 pediram a atualização de função na carteira de trabalho. Nesses processos foram vistas as táticas arroladas por empregados e empregadores, com seus respectivos advogados, no tocante a reclamação do registro da carteira profissional dos obreiros. Esse estudo utiliza como base o conceito de experiência de Thompson (1981), o qual permite investigar as ações dessas pessoas comuns, entendendo-as atuantes em suas estruturas, pois respondem às condições dadas, a partir de seu aporte cultural. Portanto, investigar essas ações em meio às relações trabalhistas não é apenas valorizar o passado dos trabalhadores, mas também desvelar partes da história em pleno processo de esquecimento. É preciso que se diga, no entanto, que estudar os trabalhadores é sempre um desafio devido à falta de fontes que contemplem o dia-a-dia laboral. Vê-se nas memórias trazidas pelas fontes orais uma solução para diminuir esse distanciamento com o objeto. Candau (2012) explica que a memória e a identidade andam juntas, pois as pessoas rememoram individualmente seu passado, através dos suportes indentitários existentes no presente da fala. Diante desse suporte, verificou-se que investigar os significados das narrativas dos trabalhadores, as táticas e estratégias estabelecidas por eles em suas ações sejam em ambiente fabril, ou ainda judicial é a chave para se aproximar desse sujeito e, assim, da complexidade que há nas relações trabalhistas. Os resultados até então encontrados dão conta de explicar que as pessoas que queriam candidatar-se à vaga de emprego, na década de 1980, preenchiam uma folha contendo seus dados pessoais e a função que desejava adquirir na fábrica. Nela, a maioria indicava a função de serviço geral talvez por desconhecer outros cargos que poderiam ser referidos. Ao ser selecionado, o trabalhador era registrado, no período de experiência, como serviço geral ou ajudante. Durante esse primeiro momento na fábrica, grande parte recebia capacitações, dadas ora por colegas de trabalho ora pelos chefes de setor. Com isso, esses novos operários capacitados já adentravam em alguma etapa do beneficiamento da lã. Mesmo após o período de experiência e, atuando em uma função específica, na maioria dos casos, os obreiros não recebiam nenhuma atualização de função em suas carteiras profissionais permanecendo como serviço geral ou ajudante, durante todo período na fábrica. Dos 119 dossiês analisados de 1980 a 1985, constatou-se que 67 foram registrados como serviço geral e 15 como ajudantes, sendo o restante dividido entre

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cargos técnicos, de chefia e setor administrativo. Destaca-se o fato de que foi possível identificar, em todos os casos de serviços gerais e ajudantes, as reais funções exercidas na fábrica, através da folha de pagamento e pelo atestado de recebimento de equipamentos de proteção individual (EPI). Nestas documentações era indicado o setor de trabalho, pois cada setor demandava tipos de EPIs diferentes. As fontes orais indicam que parte dos operários reclamava essa irregularidade diretamente para a chefia. Como exemplo há a experiência de Renato, o qual explica que quando foi contratado pela segunda vez na fábrica pediu no, momento do seu contrato, para que não lhe sujasse a carteira, como havia ocorrido anteriormente. Outros trabalhadores procuraram a JT pedindo a correção de função em suas carteiras de trabalho. Foram investigados 59 processos, sendo que destes, 22 reclamaram por irregularidades em suas carteiras. Os autos findos analisados possibilitaram entender que a postura do empregador ao não registrar a real função dos empregados ocorria para que não ficasse claro o setor de trabalho do operário e assim evitar o pagamento de indenização por trabalho em local insalubre. Isso indica que o patronato preferia correr o risco de receber esse tipo de reclamação judicial, já que era menos oneroso pagar o benefício da insalubridade para alguns que demandavam judicialmente, do que para todos na fábrica. Por conseguinte, verificou-se que o fato dos trabalhadores vivenciarem o mesmo problema, nesse caso da “carteira suja”, não significou que as reações tenham sido iguais, pelo contrário mostrou as diferentes interpretações e atuações operárias frente a um mesmo problema. As lutas e embates com o patronato, seja ou não em âmbito judicial, não marcou a realidade do cotidiano fabril, pois a grande parte dos operários mesmo conhecendo e sofrendo igual desrespeito em suas carteiras de trabalho, não chegavam a reclamar seus direitos. Bibliografia: CANDAU, Joel. Memória e identidade. São Paulo: Contexto, 2012. THOMPSON, E.P. Miséria da teoria ou um planetário de erros uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahae Editores, 1981. 15h45 às 17h30 – Sessão Coordenada 10 TRABALHO, MEMÓRIA E HISTÓRIA ORAL COORDENADORA: PROFA. DRA. ISABEL BILHÃO (UNISINOS) A repressão política sobre os trabalhadores: o caso Manoel Fiel Filho e a memória das violações de direitos humanos como patrimônio cultural Diego Oliveira de Souza (Doutorando em História – UFSM/Ministério Público) Palavras-chave: repressão política – trabalhadores - memória das violações de direitos humanos Resumo expandido: Esta pesquisa, amparada em robusta documentação judicial e extrajudicial, enfatiza o episódio da repressão política exercida sobre os trabalhadores durante a Ditadura Civil-Militar através do assassinato do operário metalúrgico Manoel Fiel Filho, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), em 1976, destacando a tentativa oficial de encobrir as reais circunstâncias de sua morte e a possibilidade de se tratar a memória daquele episódio como patrimônio cultural, capaz de ser amparado pela tutela judicial. Partindo do Caso Manoel Fiel Filho, objetiva-se investigar a forma como órgãos do Poder Judiciário brasileiro se relacionam com a justiça de transição e a defesa da memória das violações de direitos humanos praticadas contra trabalhadores durante a Ditadura Civil-Militar. Em especial, trata-se da constituição dos lugares de memória da violência estatal, ao mesmo tempo em que se procura defender a hipótese de que tais lugares possam ser considerados bens culturais destinados à reparação simbólica das vítimas e à produção de conhecimento histórico. Para atender esta demanda, formulou-se a seguinte questão: qual é a forma jurídico-política adotada pela democracia

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brasileira, para promover a responsabilização e a reparação aos abusos de direitos humanos, praticados contra o operário Manoel Fiel Filho, no ano de 1976? Ademais, a justificativa para a realização desta investigação historiográfica decorre do fato de que a morte de Manoel Fiel Filho, nas dependências do DOI/CODI/II Exército, não é lembrada, pelo Estado brasileiro, de forma a colaborar com o conjunto de medidas de reparação às violações de direitos humanos, perpetradas no período de 1964-1985. Nesse sentido, a memória constituída do período da Ditadura Civil-Militar, relativa às mortes dos operários Virgílio Gomes da Silva, assassinado em 1969, e Manoel Fiel Filho, assassinado em 1976, é pobre em informações sobre os registros dos responsáveis por suas mortes em dependências funcionais do Exército Brasileiro. Com isto, evidencia-se o desenvolvimento de um processo de ocultação das reais causas de suas mortes. Na opinião de Elio Gaspari, por exemplo, Virgílio Gomes da Silva, “virou um personagem ora secundário, ora embrutecido”, ao tempo em que “a morte de Manoel Fiel Filho é pouco lembrada”, nos registros das memórias do período (1997, p. 115). Portanto, é oportuno reconstituir historicamente as circunstâncias que levaram ao assassinato do operário metalúrgico, tendo em vista que ele não tinha antecedentes criminais nem registros nos órgãos de repressão política, sendo detido em 16 de janeiro de 1976, sem qualquer ordem escrita ou investigação formal contra ele. Para atender a demanda desta pesquisa, buscou-se através do levantamento de fontes documentais judiciais e extrajudiciais elementos capazes de definir a relação de órgãos do Poder Judiciário nacional com a resolução judicial do conflito envolvendo a ocultação das reais causas da morte do operário metalúrgico nas dependências do DOI/CODI/II Exército. Desse modo, destaca-se entre as fontes documentais utilizadas: Inquérito Policial Militar (IPM), Termos de Inquirição de Testemunhas, Laudo de Exame de Local e Encontro de Cadáver, Laudo de Exame de Corpo de Delito, Petições Iniciais de Ações Judiciais e Decisões Judiciais. A concepção teórico-metodológica utilizada parte da noção de memórias das violações de direitos humanos da Ditadura Civil-Militar, enquanto bem cultural merecedor de tutela judicial como patrimônio cultural brasileiro, agregada ao conceito de justiça de transição e seu marco histórico definido pelo filósofo Jon Elster. Desse modo, adere-se a tese jurídica de que os equipamentos públicos permanentes destinados à memória da violação de direitos humanos como lugar de memória podem ser vinculados à previsão constitucional dos espaços destinados à manifestação cultural (art. 216, inc. IV da Constituição Federal de 1988) ou dos sítios de valor cultural ou de interesse arqueológico como bens integrantes do patrimônio cultural brasileiro (art. 216, inc. V da Constituição Federal de 1988). Na visão de dois pesquisadores sobre os lugares de memória da Ditadura Civil-Militar, “o termo lugar de memória também delimita com maior clareza o bem que se deseja proteger, permitindo uma atuação administrativa que lhe destine verbas orçamentárias específicas, que caracterize seus elementos constitutivos, seus traços diferenciadores e até mesmo seus valores de referência que o ligam à memória, à identidade e ação do povo brasileiro” (SOARES; QUINALHA, 2011, p. 82). De outro lado, a justiça transicional ou justiça de transição, enquanto fenômeno social pode ser percebida tanto sobre a perspectiva histórica quanto jurídica. A reflexão sobre a vulnerabilidade dos direitos humanos no Brasil, durante 1964-1985, não pode escusar-se de apreciar a motivação da justiça de transição para promover o acerto de contas com o passado ditatorial. Por isso, enfatiza-se a compreensão de Jon Elster sobre o fenômeno da justiça de transição, no momento em que o filósofo assevera que a motivação para o desenvolvimento de tal fenômeno, ao longo da História, baseia-se em uma tríade integrada pela (a) razão como concepção de justiça, (b) interesse e (c) emoção (ELSTER, 2006, p. 101-102). Dos desdobramentos desta pesquisa, evidencia-se que o IPM instaurado para investigar as circunstâncias da morte de Manoel Fiel Filho, em 1976, conseguiu deixar claro que junto com o operário se encontravam presos arbitrariamente outros trabalhadores, membros do PCB. Tal fato ilustra a forma como a repressão política da Ditadura Civil-Militar se voltava contra a

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organização política dos trabalhadores de forma sistemática e generalizada. Ademais, das medidas judiciais propostas para reparar e responsabilizar os envolvidos no assassinato do operário Manoel Fiel Filho, aquela que será capaz de trazer significativa mudança, no sentido de delinear uma política de memória estatal, voltada para a formação da memória histórica das violações de direitos humanos, do período de 1964-1985, trata-se da condenação da União Federal e do Estado de São Paulo, correspondente a inclusão da divulgação dos fatos relativos à morte do operário, em equipamentos públicos permanentes destinados à memória das violações de direitos humanos. Deste modo, o conhecimento histórico das violações de direitos humanos pode ser constituído por meio dos lugares de memória, os quais devem ser concebidos como bens merecedores de tutela judicial como patrimônio cultural brasileiro, tendo em vista a previsão constitucional do art. 216, inciso IV e V. Referências Bibliográficas: ELSTER, Jon. Rendición de cuentas: la justicia transicional em perspectiva histórica. Buenos Aires: Katz, 2006. GASPARI, Elio. O que é isso, companheiro? O operário se deu mal. In. REIS FILHO, Daniel Aarão (Org.). Versões e ficções: O seqüestro da História. São Paulo: Perseu Abramo, 1997; SOARES, Inês Virgínia P. QUINALHA, Renan Honório. Lugares de Memória no cenário brasileiro da justiça de transição. Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 10, p. 75-86, junho/2011. Trajetórias dos Operários da Unidade de Produção de Pintainhos Lucinéia Fagnani (Mestra em História – UNIOESTE) Palavras-chave: Experiência, trajetória de vida e trabalho, memória. Resumo expandido: Atualmente os meios de comunicação enaltecem a indústria como etapa superior do desenvolvimento da "sociedade santa-helenense" (jornais locais, emissoras de rádio, órgãos públicos). A versão hegemônica da industrialização tem significado submeter-se à condição operária como "um beneficio", designando os trabalhadores desempregados, que normalmente são denominados como "desqualificados", "mão de obra" ou "população". Esses trabalhadores, ao terem seus contratos firmados com os patrões, são chamados de empregados, funcionários, colaboradores ou mesmo de "auxiliares de produção", como é o caso dos trabalhadores da Unidade Produção de Pintainhos. Ocorre que, como nos chama a atenção Raymond Willians (1979), as denominações, os conceitos, as noções ou categorias são carregados de história. A vida dos trabalhadores é constituída de distintas trajetórias de trabalho. Alguns nasceram no campo e, em busca de meios de sobrevivência, deslocaram para outras regiões e outros países, ou mesmo do campo para a cidade. As trajetórias deles variam entre: proprietários rurais que vivenciaram a experiência de desapropriação da Itaipu, posseiros e boias-frias no Paraguai, filhos de proprietários rurais que buscam o assalariamento na indústria ou na cidade, trabalhadores rurais diaristas, mensalistas e por pagos por empreita dos lotes de produção, normalmente nas atividades avícolas, de gado leiteiro e na avicultura de corte. Nas suas experiências nas ocupações urbanas, normalmente passaram por: serviços domésticos, na construção civil, no atendimento comercial ou higienização em lugares de intensa circulação de pessoas, na construção de estradas e outras em atividades terceirizadas na agroindústria e no serviço público. Esta pesquisa, desenvolvida na experiência de mestrado pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, em trabalho com variadas fontes históricas. Para este apresentação o recorte metodológico abordará o uso entrevista oral realizadas com os trabalhadores da Unidade de Produção de Pintainho. A problematização aborda a significação dos trabalhadores acerca de suas escolhas dentro das margens de possibilidades que encontravam na sua condição de classe.

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Os resultados desta reflexão permitiu a compreensão sobre como a trajetória de vida e trabalho destes operários reconstroem a vivencia da classe trabalhadora da Região Oeste do Paraná e do Leste do Paraguai, evidenciando como os diferentes significados perpassam esse sujeito genérico da ideologia dominante. O objeto de análise histórica são as experiências de trabalho dos operários da avicultura na cidade de Santa Helena- Paraná, 2006-2013.Nesta pesquisa, a memória é analisada apresenta como um campo de possibilidades, onde o trabalhador significa os limites e pressões que constroem os espaços das relações de classe, e direcionam suas experiências históricas. Os enredos de suas vidas apresentam as possibilidades de emprego, os sonhos de transformados pelas condições materiais, como as limitações impostas a saúde foram fundamentais para rever projetos de vida, como a família é importante para a criação de novos meios de sobrevivência, como a realidade trás a recordação das frustrações de outros sonhos, como as expectativas e as nostalgias de outros tempos são meios de contraposição com a dureza de viver no campo dominado pelo agronegócio; como a experiência se contrapõem ao discurso, mostrando as limitações de ter uma profissão, mas não ter condições de viver desta ocupação. Estas e outras questões são apresentadas como desafios da experiência desta classe trabalhadora. Suas memórias são os meios de problematizar e contrapor outras visões do processo histórico de industrialização avícola positivado pela ideologia hegemônica. Trabalho, espaço e mudança social: impactos da construção da RS-13 na Serra do Botucaraí – RS (anos 50 e 60) Elvis Patrik Katz (Graduando em História - FURG) Palavras-chave: BR-386 - história oral - trabalho. Resumo expandido: INTRODUÇÃO Atualmente, a BR-386 é importante via de ligação entre a capital gaúcha e o norte do Rio Grande do Sul. Nos anos 50 e 60, período em que foi construída, ela significou um projeto de integração nacional através das rodovias, bem como uma possibilidade de escoamento para a rica produção agrícola advinda do interior do estado. A RS-13 (nome original) causou inúmeras transformações nas regiões por onde passou, incluindo a chamada Serra do Botucaraí, região que incluí os municípios atuais de São José do Herval e de Pouso Novo. OBJETIVOS Esse texto tem por objetivo refletir sobre os impactos socioeconômicos provocados pela obra na região, abordando especialmente os âmbitos do comércio, do consumo e da produção agropecuária. Espera-se também verificar as formas pelas quais a mudança no espaço habitado pode engendrar novas relações sociais entre os moradores locais. JUSTIFICATIVA Dois argumentos centrais justificam a elaboração da pesquisa que se apresenta: o ineditismo e a relevância social que os resultados podem trazer aos afetados pela rodovia. O ineditismo, em primeiro lugar, é importante no sentido de renovar a prática historiográfica, contribuindo para a descoberta de temas ou abordagens ainda pouco investigados. Já a questão social é importante porque liga-se com a identidade dos moradores; estes, que sofrem os positivos e os negativos efeitos da RS-13, tem ligação especial com as localidades que habitam, vivendo um dilema quanto ao real, ou efetivo, progresso que a rodovia lhes trouxe. FONTES E METODOLOGIA As fontes utilizadas resultam de quatro entrevistas obtidas por meio da metodologia da História Oral. Tal conjunto de testemunhas constitui-se de moradores das margens da rodovia que ali residem desde a pavimentação da RS-13. São quatro depoentes, entre 60 e 75 anos, que compartilham memórias ligadas ao passado de sua comunidade e como esta foi transformada pela construção da rodovia. Suas entrevistas foram semi-dirigidas por um

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questionário de vinte questões, de modo que as gravações somam mais de 139 minutos de áudio. RESULTADOS Os primeiros resultados são fruto de uma análise inicial das fontes e que será aprofundada conforme os referenciais bibliográficos forem ampliados e fontes de outro tipo forem acrescentadas ao longo da pesquisa. Atualmente, indicam-se duas esferas de alteração em que a RS-13 foi mais importante, são elas: o comércio e a produção agropecuária. Quanto ao comércio, notabiliza-se que no período anterior havia apenas um comerciante por comunidade, responsável por recolher toda a produção e vende-la aos comerciantes de fora da região. Assim, com a realização da rodovia e a considerável melhoria nas condições estruturais do transporte rompe-se essa situação quase de monopólio comercial, de modo que vendedores e compradores de todos os tipos e lugares invadem a colônia em busca de seus produtos e potencial mercado consumidor. A produção agropecuária possui duas subseções: com relação à agricultura, cultivava-se de milho, soja, feijão, mandioca, arroz, abóbora, batata, lentilha e batata doce. A maioria dessa produção permanece a mesma, com a ressalva de que aumentaram o número de compradores para as mercadorias. A exceção talvez esteja no milho, que certamente teve sua produção impactada pela diminuição na criação de suínos. Conforme foi apurado, era prática muito comum a criação desses animais tanto para a venda como para o consumo das famílias, sendo a base alimentar desses animais muito comumente o milho. Com o passar do tempo, as “integrações”, que são grandes empresas voltadas para a criação desses animais (também para a obtenção de leite e criação de frangos para corte) acabou minando o comércio de suínos feito por esses moradores, tendo em vista que os animais das “integrações” são alimentados com produtos mais eficientes do ponto de vista da engorda e acabam custando bem menos ao consumidor final. CONSIDERAÇÕES FINAIS As relações sociais estabelecidas no passado da região dão conta de uma localidade praticamente isolada das cidades, com uma produção de subsistência real e que se voltava para o mundo urbano apenas em períodos esporádicos. Os transportes a cavalo ou a pé impediam maiores conexões com outras realidades, fortalecendo a integração social dentro da própria comunidade; espaços como a igreja e o campo de futebol faziam comunidades unidas tanto por laços de sangue como de cumplicidade. Com a instauração da rodovia, os pequenos trajetos entre as famílias ficaram mais raros, atravessar ou caminhar as margens de uma estrada na qual veículos grandes e pequenos trafegam a mais de 100 km por hora tornou tudo mais perigoso. Os atropelamentos e os acidentes chegaram aos poucos e foram ficando constantes, a sensação de angústia parece ter abatido os moradores que hoje tem seu próprio automóvel, mas estão muito menos próximos de seus vizinhos do que dos centros comerciais e políticos urbanos. A memória da classe trabalhadora e a cidade em mutação: o caso do Bairro Floresta e do Quarto Distrito em Porto Alegre. Frederico Duarte Bartz (Doutor em História – UFRGS) Palavras-chave: Porto Alegre - memória operária - revitalização urbana Resumo expandido: Neste trabalho pretendo problematizar a memória da classe trabalhadora (especialmente dos trabalhadores organizados) e os projetos de revitalização de áreas urbanas. Vou tratar mais especificamente de uma área de Porto Alegre que engloba os bairros Floresta, São Geraldo, São João, São Geraldo e Navegantes, que tiveram uma forte presença de operários industriais no final do século XIX e princípio do século XX, sofrendo ao longo das últimas décadas um processo de degradação urbana e que agora é alvo de diversos projetos de revitalização. O Bairro Floresta e o Quarto Distrito (São Geraldo, São João, São Geraldo e Navegantes) foram

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importantes espaços de concentração industrial e moradia de operários do final do século XIX até a primeira metade do século XX. Nesta região foram erguidas as primeiras grandes fábricas da cidade (como a FIATECI, o Moinho Chaves e a Cervejaria Bopp), espaços de moradia para trabalhadores (como o Conjunto Residencial Vila Flores), mas também espaços de ação política (como a Livraria Internacional, a Allgemeiner Arbeitverein e diversas sedes da FORGS). Este é um espaço muito importante para a memória dos trabalhadores organizados da capital. Ao longo do século XX, porém, ocorreu um processo de saída das fábricas e de abandono por parte do poder público, com o apagamento desta memória. Mais recentemente, se intensificou o interesse por aquela área, principalmente por artistas e produtores culturais, que veem nesta região um local privilegiado para construir um “distrito criativo”. Por outro lado, também se intensifica o debate sobre as consequências da especulação imobiliária e o efeito destrutivo sobre o conjunto urbano. O processo de intervenção urbana se iniciou de forma mais sistemática no ano de 2003, quando a antiga fábrica da Cervejaria Bopp, na Avenida Cristovão Colombo, foi instalado um shopping center que dinamizou a economia daquela área. Em anos mais recentes, no terreno da fábrica da Companhia Fiação de Tecidos Porto-Alegrense (FIATECI) foi construído, faz alguns anos atrás, um grande condomínio. O antigo Conjunto Residencial Vila Flores, que abrigava os trabalhadores da Fábrica Wallig, foi ocupado por um grupo de artistas e agentes ligados à cultura, que estão transformando aquele espaço em uma nova referência cultural para a cidade. Uma intervenção urbana que promete ter um impacto global sobre toda aquela região é a duplicação da Avenida Voluntários da Pátria, que ficará pronta (conforme as previsões em 2016). Para além destes projetos, existem muitos outros que estão sendo pensados, alguns deles em contradição uns com outros, mas todos tendo em vista a valorização urbana daquele local. A intervenção que está sendo realizada provoca uma valorização (e um forte encarecimento) daquele espaço. Quais serão as consequências globais desta mudança estrutural? Neste ponto devemos questionar um processo que pode levar à gentrificação e ao apagamento da memória dos trabalhadores que ali viveram durante muito tempo. Quais seriam as medidas possíveis para tornar visível a memória do trabalho em um espaço onde está se dando um processo de elitização? A memória da classe trabalhadora de Porto Alegre é constantemente negligenciada, tanto que não temos monumentos, nem marcos históricos, que indiquem a existência pretérita de sindicatos, de associações ou de partidos. É como se toda uma memória permanecesse soterrada sob a capa da história oficial, esperando para ser problematizada. No caso específico do Bairro Floresta e do Quarto Distrito, as mudanças estruturais podem ajudar a aniquilar as parcas reminiscências das lutas operárias nesta capital. Está mais que na hora destas reminiscências serem trazidas novamente a tona, para que a cidade conheça o seu próprio passado, não apenas a partir de uma perspectiva de suas elites. A história dos trabalhadores deve se tornar visível no espaço público e o debate sobre revitalização destas zonas de Porto Alegre oferece um bom ensejo para o início destas ações.

Quarta-feira, 28 de outubro 13h30 às 15h15 – Sessão Coordenada 11 TRABALHO, RACIALIZAÇÃO E PÓS-ABOLIÇÃO COORDENADOR: PROF. DR. ÁLVARO NASCIMENTO (UFRRJ) Trabalho livre para além do assalariamento: campesinato negro no pós-Abolição, nem cativos, nem operários Rodrigo de Azevedo Weimer (Pós-Doutor em História - FEE) Palavras-chave: escravidão – campesinato - operariado

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Resumo expandido: Os estudos sobre as relações livres de trabalho têm ensaiado aproximações às pesquisas sobre a escravidão e o pós-Abolição. A comunidade negra passa a ser considerada importante para a compreensão da trajetória dos trabalhadores urbanos brasileiros e a ser valorizada pelos historiadores do operariado. Assim, campos historiográficos distintos têm buscado intersecções. Uma convergência está no fato de que ambos se beneficiaram, a partir da década de 1980, dos aportes da história social, ao reconhecer o poder da ação subjetiva de sujeitos históricos operários ou (ex-) escravizados (CHALHOUB E SILVA, 2009). Em ambos casos, a história tem rejeitado as perspectivas que reduzem trabalhadores, livres ou não, a uma situação de passividade. Algumas vezes, porém, essa combinação se dá principalmente em função das agendas de pesquisa dos estudiosos do movimento operário. Busca-se no escravo um sujeito vinculado à formação da classe operária brasileira, em termos thompsonianos. Essa perspectiva revelou-se fértil, ensejando estudos inovadores e que trouxeram uma releitura do fazer-se do proletariado nacional, ao destacar as interfaces entre o trabalho artesanal e escravo (MAC CORD, 2012), o recrutamento de operários entre os nacionais/negros (LONER, 2001), e ainda experiências de luta coletiva no seio do que se entendeu como combate à escravidão (BADARÓ DE MATTOS, 2008) – como as greves de cativos (LONER, 2000, BADARÓ DE MATTOS, 2008). Incorporou-se, então, na discussão sobre a constituição da classe trabalhadora, um segmento social relevante omitido. Por outro lado, as experiências sociais específicas dos sujeitos sociais escravizados, ex-escravizados ou descendentes não adquirem muito relevo por si sós. Em alguns estudos, eles se tornam dignos de interesse na medida em que porventura contribuíram para a constituição do operariado. Além disso, não há muito diálogo com os estudos que problematizam os significados da liberdade impressos pelos próprios escravos durante a vigência do cativeiro. Basicamente, trata-se de perceber parâmetros culturais específicos dos forros e expectativas de vida livre contrastivas à escravidão (MATTOS, 1998, MACHADO, 1994). Elas não implicavam em uma busca pelo assalariamento e não podem ser menosprezadas ao pensar a transição do trabalho livre ao escravo. Um aspecto fundamental rejeitado pelos libertos era o trabalho para outrem (por exemplo, MATTOS DE CASTRO, 1987, SCOTT, 1991, HOLT, 1992 e 2005, GUEDES, 2008). O trabalho desta natureza abrangia tanto o trabalho escravo quanto operário. Os antigos escravos aspiravam ao trabalho para si: a produção familiar camponesa, e não a autoconstituição como operariado. Essa perspectiva foi apontada por alguns autores como um “projeto camponês” (RIOS, 2005, RIOS E MATTOS, 2007). Dessa forma, há que cuidar com possíveis teleologias ao colocar em perspectiva a participação de ex-escravos na constituição da classe operária. Esse é um problema na obra de um autor como Florestan Fernandes (1965), que inferiu a inexistência de uma ética do trabalho entre ex-escravos “anômicos” e “pouco integrados socialmente”. Em sua fixação no trabalho fabril, os autores da escola sociológica paulista, ao ignorar as pretensões ao estabelecimento autônomo, não encontraram libertos com a esperada ética de trabalho. A realização de uma discussão nesse sentido é o objetivo desta comunicação. A partir da análise detida no campesinato negro no litoral norte do Rio Grande do Sul, quer-se problematizar a relação entre trabalho livre e escravo, sublinhando que existem modalidades de liberdade que escapavam ao assalariamento; eram estas as almejadas pelos sujeitos históricos em questão. Observo a região que hoje emerge como “comunidade remanescente de quilombos” do Morro Alto, a partir do pleito de direitos constitucionais com base étnica (BARCELLOS ET AL., 2004). Localiza-se na divisa entre os municípios de Osório e Maquiné, basicamente entre as lagoas dos Quadros, Pinguela e o espigão do Morro Alto. Nessa região, após o fim do cativeiro, formou-se um vigoroso campesinato negro, por meio de doações senhoriais, continuidade informal de posse ou aquisição de lotes. Investigam-se os fundamentos históricos da ocupação territorial coletiva. Este segmento social definiu rotinas e ritmos de trabalho próprios, regras

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de casamentos, legitimidade, compadrio e heranças, padrões de cooperação vicinal, enfim, um sistema sócio-econômico diverso do capitalista. A localidade veio a monetarizar-se e a inserir-se de forma mais plena em uma economia de mercado muitos anos após 1888. (WEIMER, no prelo). Irei me ater ao imediato pós-abolição, basicamente, às quatro décadas posteriores ao 13 de maio, cruzando depoimentos que recuperam a tradição oral com documentação variada, coletada em arquivos ou cedida pelos entrevistados. Por meio desse cotejo, acredita-se ser possível acessar as formas como essas experiências sociais foram vividas ou rememoradas. Por campesinato, entende-se um segmento de produtores amparado no trabalho familiar e na posse da terra. As mesmas pessoas ocupam simultaneamente os papéis de empresários e consumidores. Em momentos de maior ou menor agudeza da relação entre bocas para comer e braços para trabalhar – estabelecida pela dinâmica da composição familiar ao longo dos anos –, os trabalhadores podem administrar graus diferenciados de auto-exploração da mão-de-obra familiar ou graus de conforto disponíveis (CHAYANOV, 1974, 1979). Sendo assim, trata-se de uma modalidade de trabalho livre distinta do assalariamento, correspondente à ambição dos ex-escravos de labutar para si e à rejeição à submissão a terceiros – presente quer no trabalho escravista, quer no industrial. Acredita-se que a pretensão ou aspiração ao autossustento corresponda à da maior parte dos negros do Rio Grande do Sul depois de 1888. Não se pretende minimizar a importância dos estudos que destacam o recrutamento de operários nacionais/negros no trabalho fabril, devolvendo seu lugar na formação da classe operária. Não se compreende, porém, que as reflexões sobre os mundos do trabalho entre a comunidade negra não levem em conta a situação dos que se encontravam distantes dos centros industriais. Não eram, não podiam e não pretendiam ser assalariados. Por meios indiretos, a redução do trabalho de ex-escravos aos parâmetros da produção industrial atualiza o etnocentrismo de Fernandes (1965), na medida em que se mostra incapaz de perceber experiências específicas da comunidade negra e procura “encaixá-la” em modelos heurísticos apropriados aos imigrantes europeus. Baseio-me em dados que indicam para um caráter majoritariamente agrário da sociedade rio-grandense na aurora da República. A partir de uma projeção linear de dados censitários de 1920, 1940 e 1950 (FEE, 1981, p. 127, 147 e 175), é possível estimar em pouco mais de 80% a população rural do Rio Grande do Sul em 1890. Levando em conta que o ritmo de urbanização foi crescente, este índice deve ter sido ainda superior. As migrações rural-urbanas, sejam no Rio Grande do Sul, sejam em outros lugares do Brasil, intensificaram-se gerações mais tarde. Apenas em meados do século XX esse segmento populacional dirigiu-se de forma massiva às urbes (PATARRA, 2007, COSTA, 2008, WEIMER e KLAFKE, 2015). Se é necessário assinalar a contribuição do operariado negro, especialmente do instalado em cidades como Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas, também cabe ponderar que o trabalho camponês sobressaía, tanto em sua incidência numérica quanto como projeto social. Assim sendo, as reflexões acerca do processo de constituição de um mercado de trabalho livre não podem seguir contemplando apenas as experiências de trabalho assalariado. A dissociação entre trabalho livre e assalariamento se faz necessária a fim de entender que a experiência camponesa é de suma importância: extrapola e precede a proletarização. Deve ser entendida em seus próprios termos, e não em função de apropriações teleológicas. Bibliografia citada: BADARÓ MATTOS, Marcelo. Escravizados e livres. Experiências comuns na formação da classe trabalhadora carioca. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2008. BARCELLOS, Daisy M.; CHAGAS, Miriam de Fátima, FERNANDES, Mariana Balen; FUJIMOTO, Nina Simone; MOREIRA, Paulo Roberto Staudt; MÜLLER, Cíntia Beatriz; VIANNA, Marcelo; WEIMER, Rodrigo de Azevedo. Comunidade negra de Morro Alto. Historicidade, identidade e direitos constitucionais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.

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significação da expressão “boa apresentação física” e, com isso, a construção do perfil criminal de Oscar. A primeira refere-se a formalidades técnicas, tais como: a atribuição dos qualificativos acima citados; a confecção da Ficha de Identidade de Oscar Schaeffer pelos peritos do Instituto de Identificação da Polícia Civil, na qual constam “Registro Geral”, “Filiação Morfológica”, “Caracteres Cromáticos”, “Marcas Particulares” e “Boletim de Antecedentes”; a enunciação de teses pelos advogados dos réus no Tribunal do Júri, onde as expressões “boa apresentação física” e “correto vestuário” reportam-se, também, aos dados da ficha; a emissão das sentenças pelo juiz, baseadas nos elementos de prova. Essas práticas eram desencadeadas por sujeitos específicos, encarregados de produzir as peças que compunham o processo criminal, informados pela redefinição dos procedimentos científicos da Polícia Civil brasileira nos anos 30, bem como por debates doutrinários em torno do Direito Penal. Na esteira de tais transformações, as classificações de cor, combinadas a outros marcadores físicos, foram pensadas nos campos da identificação civil e criminal, da medicina legal, da criminologia e de novos e velhos saberes jurídicos. Em maior ou menor medida, esses campos foram atravessados por discussões tocantes à raça. De maneiras diferentes, o conjunto de elementos apresentado pode ser vislumbrado em revistas e textos de época, decretos oficiais e processos criminais. Já a segunda frente de análise, consiste na percepção do confronto entre juízos de valor, códigos morais e experiências colocados na conflituosa arena dos sistemas repressivo e de justiça. Autoridades classificavam pessoas e interpretavam condutas com base em seus lugares sociais e institucionais de poder privilegiados, informadas por saberes definidos como científicos e por percepções erigidas na confluência dos próprios lugares que ocupavam. Mas, as pessoas classificadas também traziam significações sobre si mesmas em termos sociais e comportamentais. Nesse sentido, suas experiências tencionavam as atividades das próprias autoridades, ajudando a preencher o conteúdo de categorias de cor e correlatas. Essa movimentação de mão dupla e profundamente desigual se deu no bojo do projeto de nação de Getúlio Vargas, encarregado de levar o país ao progresso, estabelecendo novos patamares de valorização do trabalho. Além das tantas reformas políticas e institucionais - entre as quais inclui-se a reestruturação da Polícia Civil brasileira -, a presença de imigrantes europeus brancos e seus descendentes ocupava posição privilegiada. Afinal, suas qualidades raciais consideradas superiores seriam imprescindíveis para a conformação da mão-de-obra nacional. Nesse contexto, os juízos de valor das autoridades – em grande medida, oficialmente sintonizadas com as pretensões varguistas – sobre quem seriam os “gatunos”, entravam em conflito com as experiências dos próprios sujeitos que assim eram rotulados. E que, por certo, não se viam exatamente da mesma maneira que os homens de ciência os enxergavam. A nação idealizada deveria ser formada por indivíduos produtivos e trabalhadores. No entanto, as condições e modos de vida desses trabalhadores encontravam-se em permanente tensão com as normas estabelecidas, e com parte das idealizações das elites.Dessa forma, na segunda parte da comunicação busca-se problematizar os possíveis significados da cor tanto nos ambientes institucionais em questão, para além de (ou em consonância com) procedimentos técnicos e científicos, quanto no mundo do trabalho urbano na década de 30. Assim, pretende-se apontar articulações entre estes significados e as categorias manipuladas pelas autoridades, ativadas à sua maneira por pessoas “comuns” em situações de criminalidade. Tais aspectos podem ser percebidos, também de maneiras distintas, nas mesmas revistas, textos, decretos e processos utilizados na primeira parte desta análise. É neste duplo terreno, portanto, que buscou-se compreender os sentidos da “boa apresentação física”. A expressão fora atribuída a Oscar Schaeffer, acusado de furto em 1938, cuja condição social era, afinal, a menos privilegiada entre os réus do processo, todos integrantes de setores da classe trabalhadora branca porto-alegrense.

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Trajetórias negras santamarienses no pós-abolição: o caso do clube União Familiar e sua rede Franciele Rocha de Oliveira (Mestranda em História - UFSM) Palavras-chave: Clube União Familiar - organizações negras em Santa Maria - pós-abolição Resumo expandido: Este trabalho aborda o desenvolvimento das pesquisas realizadas, que resultaram no Trabalho de Conclusão de Graduação em História pela UFSM, intitulado “Moreno Rei dos Astros a Brilhar, Querida União Familiar: Trajetória e Memórias do Clube Negro Fundado em Santa Maria, no Pós-Abolição” e também no Projeto de Mestrado intitulado, “Trajetórias Negras Santamarienses no Pós-abolição: O Caso do Clube União Familiar e Sua Rede”, ambos de criação da autora, orientados pelo Prof. Dr. Diorge Alceno Konrad e co-orientados pela Prof. Drª. Beatriz Ana Loner. São sujeitos dessas pesquisas, comunidades negras, compostas por pessoas que foram escravizadas e seus descendentes e que na cidade fundaram organizações diversas, no período posterior à abolição da escravatura, e que, entre outras razões, as ergueram como forma de garantir direitos, realizar práticas de cultura, lazer e convivência entre os seus, criando laços de amizade, família e trabalho, no anseio de construir uma imagem positivada de si e dos seus iguais e assim também quem sabe, buscar melhorias nas suas condições de vida e trabalho. O foco desta pesquisa está no Clube União Familiar (1896) e na rede que o cercava, envolvendo suas relações com a Irmandade do Rosário (1889), a Vila Operária Brasil (1911), local onde o Clube estava situado; o Bloco Carnavalesco Rancho Succo, fundado por volta dos anos 20 e o Jornal Negro O Succo. No início de 2010, um estágio e trabalho voluntário faz com que a autora conheça o Museu Treze de Maio e dentro dele, um “universo negro”, que na cidade ainda é pouco reconhecido. Atrelado ao aprendizado no Museu estava à constatação da invisibilidade, uma vez que nos Bairros do Rosário e Bom Fim (territórios de presença negra e onde espaços como o Treze se localizam), escolas e livros locais, pouco se fala sobre a comunidade negra, sua História e trajetórias, diferente da abordagem percebida com relação a outros grupos étnicos na cidade. O contato tardio da autora com o Museu é exemplo disto, já que como moradora desses Bairros, foi apenas em 2010 que soube da existência do Museu, de sua antiga Sociedade Negra Treze de Maio, e através dele, da Irmandade do Rosário e também do Clube União Familiar.A relação estabelecida no Museu, ao ouvir os relatos e os significados atribuídos pela população negra, acerca dos espaços negros locais, unida à constatação da invisibilidade historiográfica municipal faz com que esse estudo surja, ainda na graduação da autora, com foco para a história do Clube União Familiar, que é anterior ao Treze, que não possuía pesquisa documentada e que mantém seu espaço físico, sediando outras funções pelas quais não fora criado. Atualmente, em nível de pós-gradução, o objetivo geral dos estudos é aprofundar nas relações do Clube União Familiar e sua rede, revisando essas conexões, através da análise de fontes inéditas à pesquisa e apontando novos rumos em torno dessa rede, tendo em vista a realidade vivenciada pelas comunidades negras locais no pós-abolição, que fazem permanecer estratégias de resistência ou ainda desenvolverem novas estratégias, procurando, de forma geral, a melhoria na condição de vida e trabalho da comunidade negra em questão. Portanto pretende-se também, especificamente: 1. Aprofundar as relações já descobertas em torno do clube, como por exemplo, o que sustenta tais relações, o que aproxima e/ou distancia os componentes da rede relacionada ao Clube União (Vila Operária Brasil, Bloco Carnavalesco Rancho O Succo, Jornal Negro O Succo); 2. Investigar se houve relações entre o Clube União e a Irmandade do Rosário e seus desdobramentos; 3. Inovar as fontes relativas à pesquisa do Clube União Familiar e sua rede, acrescentando corpo inédito de fontes orais, documentais e iconográficas. 4. Discutir de que maneira as relações estabelecidas entre os componentes da rede, em torno do Clube União, podem ser compreendidas como parte de uma estratégia de resistência. 5. Apontar minimamente a trajetória dos componentes da rede em torno do Clube

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União, buscando compreender também como essa rede foi desfeita ao longo do tempo e os motivos de seu desaparecimento. O referencial bibliográfico deste estudo tem como principais obras àquelas relacionadas ao pós-abolição, ao protagonismo negro e ao mundo do trabalho, com foco para textos que abordam a cultura de resistência das comunidades negras, os clubes sociais negros e demais organizações e que ajudam aprofundar nos conceitos e significados de: cultura de resistência, redes, sociabilidade, carnaval e mutualismo. Tais como: CHALHOUB (1990; 2010), PESAVENTO (1989), MÜLLER (1999), LONER (1999; 2001), DOMINGUES (2004), GRIGIO (2003), XAVIER (2007), ESCOBAR (2010), NUNES (2010), SILVA (2011), SANTOS (2011), GOMES; DOMINGUES (2001) E WEIMER (2013). O desenvolvimento do trabalho permitiu o avanço na crítica, acerca da invisibilidade negra na historiografia local, bem como tornou possível uma ampla busca pelas mais diversas fontes históricas, que permitiram romper com esse “silêncio” acerca da história desses espaços negros. Nesse sentido “mapeou-se” até o presente momento cerca de 200 fontes, presentes em arquivos, casas de memória, cartórios, bancos de dados online e acervos particulares, envolvendo fontes orais (13 entrevista), documentais (jornais locais e de âmbito estadual, processos crime, habilitações de casamento, estatutos, carteiras, convites e registros de pagamentos do clube, etc.) e iconográficas (fotografias). A partir das quais, por meio de análises, críticas e cruzamentos, torna-se possível a construção de perfis dos envolvidos, suas práticas e concepções, na construção futura de redes relacionais mais completas. Referências Bibliográficas: CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade: Uma História das Últimas Décadas da Escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. CHALHOUB, Sidney. Precariedade Estrutural: O Problema da Liberdade no Brasil Escravista (século XIX). In: Revista História Social. Campinas, n. 19, 2010. DOMINGUES, Petrônio. Uma História Não Contada: Negro, Racismo e Branqueamento em São Paulo no pós-abolição. São Paulo: Senac, 2004. ESCOBAR, Giane Vargas. Clubes Sociais Negros: Lugares de Memória, Resistência Negra, Patrimônio e Potencial. Santa Maria: UFSM, 2010. Dissertação (Mestrado em Patrimônio Cultural) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2010. GOMES, Flávio; DOMINGUES, Petrônio. (org.). Experiências de Emancipação: Biografias, Instituições e Movimentos Sociais no Pós-abolição (1890-1980). São Paulo: Selo Negro, 2011. GRIGIO, Ênio. A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, em Santa Maria (1873-1915): Uma Trajetória de Conflitos. Santa Maria: UFSM, 2003. LONER, Beatriz Ana. Negros: Organização e Luta em Pelotas. In: História em Revista, Pelotas, v.5, p. 7-27, dez. 1999. LONER, Beatriz Ana. Construção de Classe: Operários de Pelotas e Rio Grande, 1888-1930. Pelotas: Editora e Gráfica Universitária – UFPEL/Rede Unitrabalho, 2001. Raça, classe e sociabilidade: possibilidades de acesso às experiências de classe no pós-abolição Brasil-Uruguai (déc.1920 - déc. 1960) Fernanda Oliveira da Silva (Doutoranda em História - UFRGS) Palavras-chave: raça- classe - sociabilidade Resumo expandido: Nesta comunicação problematizo quais os interesses levaram as/os trabalhadoras/es negras a conformar experiências coletivas de sociabilidade. Pretendo entender as possibilidades dos usos da sociabilidade como via de acesso às experiências coletivas de classe a partir de sujeitos descendentes de escravizados nas cidades de Pelotas, Jaguarão, Bagé (Brasil) e Melo (Uruguai). Adoto como lócus de análise os clubes sociais Vinte e Quatro de Agosto fundado em 1918 em Jaguarão; Fica Ahí P’rá Ir Dizendo fundado em 1921 em Pelotas, Os Zíngaros fundado em 1936 em Bagé e o Centro Uruguay criado em 1923 em Melo. Todos criados por

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trabalhadores. Adoto como fontes a documentação interna dos clubes, como estatutos e atas de diretoria e assembléia, e a imprensa negra de Pelotas (A Alvorada) e Melo (Acción e Orientación). Analiso o perfil profissional dos fundadores. Observo como a ideia de raça e de classe emergiu como sinônimo nesses espaços e interpreto o(s) significado(s). Atento para como por trás dessa linguagem utilizada para referenciar associadas e associados dos clubes sociais negros, as categorias raciais eram ressignificadas e reinventadas como critérios de classificação em uma ordem social racializada e como esse critério foi acionado através de lutas reivindicatórias. Comparo matérias veiculadas na imprensa negra que articulam raça, classe e reivindicação com o poder público para problematizar os interesses que levaram os grupos a lutar, sem perder de vista a relação com as ideias centrais para pensar o lugar social dos ex-escravizados e seus descendentes após a abolição da escravidão – escravidão, cidadania e racialização – a partir de processos históricos a princípio distintos, em decorrência da distância em relação à abolição da escravidão, porém, com dimensões conectadas através dos objetivos almejados. O pós-abolição como problema histórico, referência explícita a problemática de Hebe Matos e Ana Maria Rios (2004), refere-se a um campo de reflexão e de pesquisa que problematiza os atributos que foram utilizados para compor o significado da liberdade, a partir de três pontos centrais: escravidão, cidadania e racialização. Estes pontos são permeados pelos significados da raça na história das sociedades que passaram pela escravidão moderna. O objetivo dessa comunicação vincula-se diretamente com a racialização, no entanto, explicito que os três pontos são centrais e relacionais. Essa região de fronteira foi historicamente interpenetrável, caracterizando-se como um espaço em que os limites nacionais foram constantemente manejados por sujeitos localizados em diferentes esferas sociais. Esse manejo deu-se especialmente em relação à abolição da escravidão. A proibição da escravidão no Uruguai é datada em 1842 e 1846, respectivamente pelo governo Colorado com sede em Montevidéu, e pelo governo Blanco com jurisprudência no interior. No entanto, na região da fronteira com o Brasil muitos eram os proprietários de terras brasileiros, os quais utilizavam mão de obra escrava no lado brasileiro. É nesse ínterim que surgem os contratos de peonagem, a militarização obrigatória dos homens aptos uruguaios e a tutela de mulheres e homens inaptos pelos senhores de terras uruguaios. O que, resumidamente, nos permite uma reflexão sobre os significados da liberdade para os ex-escravizados e seus descendentes, assim como uma reatualização da racialização no trabalho. Cerca de 40 anos depois da abolição uruguaia, em 1888, o Brasil aboliu a escravidão. Em nenhum dos dois países adotou-se uma legislação baseada na ideia de raça explicitamente, e ambas as nações, no século XX, adotavam como ideologia nacional a democracia/harmonia racial. Essa pequena contextualização histórica tem como objetivo oferecer indícios das limitações de cidadania vivenciadas pelos oriundos do cativeiro e seus descendentes, e do refazer-se da raça. Permite também que observemos o pós-abolição de forma sincrônica, visto que os clubes coexistiram, mas também de forma diacrôncia, visto que o espaço de tempo em relação à abolição tem um intervalo de quase meio século. Porém, em que a ideia de raça negra ainda vigorava como uma distinção plausível e aponta para a atribuição de um lugar social diferenciado. Dessa forma, poderemos acompanhar o destino dos descendentes de escravizados nessa região, e a experiência vivida em relação à identidade social distintiva entre os trabalhadores. A partir de dois exemplos abordo a forma como a sociabilidade pode auxiliar na compreensão das complexidades da classe trabalhadora, especialmente a não operária, e os interesses compartilhados que parecem apontar para uma especificidade racial dentro da grande coletividade dos trabalhadores: a escola José do Patrocínio e a figura do herói Ansina. O processo de racialização no pós-abolição, em um e outro lado da fronteira, era algo cotidiano, não legalizado em termos de segregação racial, mas passível de ser acessado através das experiências que sustentavam a vida das pessoas. Dessa forma, pretendo ilustrar

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um exemplo de objetivos compartilhados pelos negros pelotenses através da escola José do Patrocínio. Viabilizar uma escola, em um espaço vinculado à raça, seja esse intermitente ou não, significa proporcionar o direito básico à educação e vincular isso aos objetivos de clubes identificados pelos outros e auto-identificados nas relações cotidianas como de negros. Ter uma sede própria, como no caso do Fica Aí, e nessa sede oferecer aulas é mais que simbólico, é objetivamente exteriorizar de forma pública ao que um espaço de negras/os serve, e o que o grupo negro reivindica enquanto direito, ao significar a raça de uma forma que estava de acordo com os ditos da sociedade harmônica e culta, mas também demonstra que essa sociedade ainda apresentava problemas e não viabilizava satisfatoriamente um direito básico. Essa forma de gestar o pensamento e as estratégias de ação estava também na base dos estatutos do Centro Uruguay e do Clube 24 de Agosto. Corroboro, assim, a perspectiva de Thomas Holt (1995, p. 14) ao afirmar que “é precisamente na vida cotidiana que a racialização tem sido mais efetiva, onde ela faz a raça”. O clube social uruguaio contestou a invisibilidade racial e a partir dele os grupos se organizaram para contrapor a (não) visão reivindicando um lugar para os negros, uma negritude patriótica, a partir do símbolo de Ansina, o fiel escudeiro de Artigas, prócer da independência uruguaia. Essa perspectiva permite expandir a compreensão dos interesses que levaram os negros a lutar a partir de um espaço envolto numa área de lazer que não comporta, no imaginário, a face política. Porém, a cultura mesmo no seu sentido mais restrito, também comporta significados. E, se afigura como uma boa forma de acessar as experiências de racialização na classe trabalhadora através de comportamentos vividos - nem sempre ditos, costumeiramente fluídos, por vezes silenciados e invisibilizados nos estudos históricos - quais parecem caracterizar a complexidade da classe trabalhadora na América Latina. Referências bibliográficas: - Fontes primárias: Jornais - Acción (1934-1952) – Biblioteca Nacional Del Uruguay A Alvorada (1931-1935; 1946-1957) – Biblioteca Pública Pelotense; acervo do Clube Cultural Fica Ahí P’rá Ir Dizendo e acervo pessoal de Catharina Motta, gentilmente cedido. Orientación (1944- 1952) - Biblioteca Nacional del Uruguay e acervo pessoal de Juan María Pose. Documentos internos - Estatutos Generales Del Centro Uruguay (1932) – Acervo pessoal de Ramón Farias, gentilmente cedido. Estatutos do Club 24 de Agosto – Jaguarão, 1955 (1964) – Acervo do Club 24 de Agosto. Estatutos da Sociedade Recreativa Os Zíngaros (1948) – Acervo do Clube Os Zíngaros, gentilmente cedido pelo historiador Tiago Silva. LIMA, Giselda Maria Marques. Histórico do Clube Cultural Fica Ahí P’rá Ir Dizendo. 2001 – Acervo do Clube Cultural Fica Ahí P’rá Ir Dizendo. Libro de actas Del Centro Uruguay (1942-1943) – Acervo pessoal de Ramón Farías, gentilmente cedido. Livro de atas do Club 24 de Agosto-1955-1959 – Acervo do Club 24 de Agosto. Livro de atas do Clube Fica Ahí P’rá Ir Dizendo- 1938-1943; 1947-19572001 – Acervo do Clube Cultural Fica Ahí P’rá Ir Dizendo. - Livros: BONILLA-SILVA, Eduardo. Rethinking Racism: Toward a Structural Interpretation. In: American Sociological Review, v. 62, n. 3, Jun., 1997, pp. 465-480. BORUCKI, Alex; CHAGAS, Karla; STALLA, Natalia. Esclavitud y Trabajo. Un estudio sobre los afrodescendientes en la frontera uruguaya (1835-1855). Montevideo (Uruguay): Mastergraf, 2009.

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quanto em centros de pesquisa ligados a universidades, como o Núcleo de Documentação Histórica da UFPel (que abriga todos as ações trabalhistas que tramitaram nas varas de Pelotas desde sua fundação). Os processos judiciais trabalhistas têm se constituído em exemplo de um movimento de alargamento e diversificação de fontes, que incluem também documentação de empresas e arquivos relacionados a movimentos sindicais e de categorias específicas de trabalhadores, muitos deles disponibilizados digitalmente. Os eventos e reuniões promovidos pelo GT Mundos do Trabalho no Rio Grande do Sul (nos anos inversos às jornadas nacionais e seminários internacionais, realizados bienalmente) podem ser qualificados como fatores determinantes na atração de novos pesquisadores e de aperfeiçoamento dos mais experientes, com base no fomento de debates acadêmicos. Talvez por este fator, observa-se uma diversificação dos temas abordados nas produções. Se em 2001, Loner advertia que a maior parte da produção historiográfica da época sobre trabalhadores gaúchos concentrava-se nos anos da Primeira República até a década de 30 (LONER, 2001, p. 54), o recorte cronológico ampliou-se bastante nos últimos anos, abarcando em especial o período pós-1940, no qual o interesse volta-se a objetos variados – desde movimentos grevistas até a utilização do arcabouço legal varguista como forma de garantir direitos, bem como a relação do movimento sindical com partidos políticos. Da mesma forma, o trabalho escravo (visto isoladamente ou em conjunto com o trabalho livre) tornou-se referência obrigatória aos estudos do mundo do trabalho, ampliando-se o diálogo e as trocas com as pesquisas centradas na escravidão, perspectiva que vai ao encontro dos anseios de Lara, em artigo publicado em 1998, quando afirmou que a maior parte dos autores da área se debruça sobre o trabalho livre assalariado, adotando a “teoria da substituição” do escravo pelo imigrante. Batalha (2006), assim como Lara, observou com pessimismo a situação dos estudos sobre história do trabalho nos anos de 1990, postura que se altera em texto publicado em 2006. Para Batalha, ocorreu uma ampliação de temas e uma abertura de abordagens e enfoques. Classe social, trabalho assalariado e urbano são perspectivas que não reinam mais absolutos, e estão sendo articuladas com: identidades, trabalho não livre, trabalho autônomo, meio rural, etc. As reflexões desse autor são pertinentes para este estudo, tais aspectos serão observados durante a análise das produções acadêmicas no Rio Grande do Sul, entre 2005 e 2014. Em termos metodológicos, destaca-se, além dos cuidados específicos para tipos determinados de fonte, a ampla utilização da história oral, tendência que já se avizinhava no início dos anos 2000, mas que se tornou mais marcante nos estudos recentes, alimentada ainda mais pela ampliação do recorte cronológico e com a aproximação a durações mais próximas do presente. O objetivo é articular a pesquisa sobre a produção em história do trabalho no Rio Grande do Sul com autores que se preocuparam em analisar a história do trabalho no Brasil e nesse estado, com diferentes recortes cronológicos de analise, para observar os avanços (ou não) desses estudos. Referências: BATALHA, Claudio H. de M. Os desafios atuais da história do trabalho. Anos 90, Porto Alegre, v. 13, n° 23/24, 2006, p. 87-104. LARA, Sílvia. Escravidão, cidadania e história do trabalho no Brasil. Projeto História, São Paulo, v. 16, 1998, p. 25-38. LONER, Beatriz. A história operária no Rio Grande do Sul. História-Unisinos, São Leopoldo, edição especial, 2001, p. 53-79. MATTOS, Marcelo Badaró. Perspectivas e dilemas da produção historiográfica recente sobre trabalhadores, sindicatos e estado no Brasil. Tempos históricos, Marechal Cândido Rondon, v. 05/06, 2003/2004, p. 11-34. PETERSEN, Silvia R. F. A presença da história social do trabalho no ambiente acadêmico nas últimas décadas. Mesa redonda. Anais Eletrônicos do XXVI Simpósio Nacional da ANPUH. São Paulo, USP, 2011.

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Fontes para a História do Trabalho na região sul do Brasil Lorena Almeida Gill (Pós-Doutora - UFPel) Palavras-chave: Núcleo de Documentação Histórica - Arquivo da Justiça do Trabalho - Acervo da Laneira Resumo expandido: Faz alguns anos que o Núcleo de Documentação Histórica (NDH) da UFPel constituiu projeto de pesquisa que versa sobre ofícios antigos ou em vias se extinção na região sul do Rio Grande do Sul, visando compreender como os trabalhadores se colocam em um mundo globalizado, o qual tende a fazer com que seus ofícios desapareçam ou se transformem. Tal estudo tem trazido a possibilidade de se pensar e ampliar as fontes de pesquisa para a História do Trabalho. O projeto trabalha basicamente com duas metodologias: história oral temática e pesquisa documental. A história oral temática busca, prioritariamente, construir narrativas sobre um assunto em especial, neste caso as experiências no mundo do trabalho. Já foram entrevistadas 60 pessoas, que possuem diferentes ofícios. A partir destas narrativas e da análise de outros documentos foram feitos trabalhos de conclusão de curso (Licenciatura e Bacharelado em História) versando sobre os estivadores, sapateiros, alfaiates, tecelãs, motorneiros, benzedores, parteiras e também foi publicado livro, organizado por Gill e Scheer, em 2015, que foi intitulado “À Beira da Extinção: memórias de trabalhadores cujos ofícios estão em vias de desaparecer”. Já a parte vinculada à pesquisa documental, se esforça em higienizar, organizar, disponibilizar e analisar um farto material, constituído por mais de 100 mil processos trabalhistas, os quais abarcam o período temporal de 1941 e 1995. Tal acervo foi doado ao NDH, em regime de comodato, no ano de 2006, tendo se iniciado o trabalho no ano de 2009, pois, em um primeiro momento, houve a necessidade de se organizar toda uma infraestrutura que comportasse, de forma adequada, este grande volume de papel. Somente no ano de 2015 foi possível se iniciar o armazenamento das informações presentes nos processos trabalhistas em um Banco de Dados, feito especialmente para as características existentes neste tipo de material. Não há estimativa para a finalização do trabalho, tendo em vista o volume documental existente. Atualmente 7 bolsistas de iniciação científica, de extensão e do Programa de Educação Tutorial estão envolvidas com o trabalho, mas seriam necessários muitos outros para que se avançasse na tarefa, buscando estabelecer algumas séries por data, por exemplo. No Banco de Dados constam os seguintes itens: Nome; Sobrenome; Endereço; Idade; Número da carteira de trabalho; Sexo; Estado civil; Profissão; Benefício; Grau de Instrução. Logo, o cadastro seguinte é a partir da opção “Processos”. Neste digitam-se nos seguintes campos: Número do processo; Número da caixa; Datas de início e conclusão; Demanda; Tipo de ação; Nome do Juiz; Primeira Vara ou Segunda Vara; Arquivado ou não; Sentença justificativa; Tipos de demandantes; Conclusão; Requerentes; Requeridos; Advogados. Na opção “Cadastros Básicos”, o usuário pode editar as opções correspondentes a: Conclusão; Estado civil; Profissões; Tipos de ação; Tipo de demandantes. E, por último, a opção “Pesquisa”, que é utilizada visando realizar buscas. Cerca de 10 anos de processos foram lidos e resumidos e agora estão sendo colocados no Banco de Dados. Nesta compilação alguns dados preliminares aparecem: 85% dos casos se relacionam aos homens e apenas 15% às mulheres. Quando se pensa sobre as demandas das mulheres, a maioria delas era arquivada ou julgada improcedente, já no caso dos homens, na maioria das vezes, era feito acordo. Após a implementação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), as demandas aumentaram consideravelmente. A maioria dos processos teve por requerente os trabalhadores, sendo estes geralmente operários de diversas fábricas da cidade. Muitas vezes não foi mencionada sua função ou setor de trabalho, até porque as atividades desenvolvidas nem sempre foram as efetivamente realizadas. Dentre os operários que demandavam, a maioria tinha postos menos remunerados, mas há alguns casos de chefes e subchefes. Grande

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parte dos operários era brasileira, mas há situações de estrangeiros, especialmente alemães, italianos e portugueses, algumas das imigrações preponderantes em Pelotas. Nas poucas ocorrências em que a empresa demandava era para demitir algum operário, por justa causa. São poucos os processos plúrimos. Muitas vezes o trabalhador comparecia sozinho na primeira audiência e, no meio dos autos, declarava quem era o seu procurador. A maioria dos processos era resolvida em primeira instância. As demandas mais frequentes por parte dos trabalhadores eram: pedidos de indenização por demissão sem justa causa; pagamento de aviso prévio e reintegração. Muitos eram solicitados na mesma reclamatória. Um outro acervo importante e que só recentemente começou a ser organizado é o da Laneira Brasileira Sociedade Anônima Indústria e Comércio, fundada no ano de 1945, em Porto Alegre e transferida para Pelotas, entre os anos de 1948 e 1949. Tratou-se de importante fábrica, que foi referência no comércio lanífero não só da cidade, como do Estado do Rio Grande do Sul. Até o final de 1970 a fábrica se desenvolveu adequadamente, sendo que a lã era vendida para várias regiões do Brasil, do continente americano e europeu, mas a partir dos anos de 1990, começou a diminuir suas atividades, entrando em processo falimentar nos anos de 2000. Esta documentação passou a fazer parte do NDH, a partir de 2010, quando a Universidade Federal de Pelotas recebeu o prédio, para fins acadêmicos. Naquele momento, foram encontrados diversos materiais, que foram praticamente divididos, tendo em vista as temáticas de interesse, entre o Núcleo e a Fototeca Memória da UFPel, coordenada pela professora Francisca Michelon. Atualmente é feita a higienização e organização dos documentos. Foram localizadas fichas pessoais de trabalhadores da empresa, na qual eram anexados o contrato de admissão, recibo de pagamento de salários, atestados médicos, aviso de férias, pagamento de seguro saúde, caderneta de vacinação, dentre outras. Há também uma farta documentação de caráter financeiro, além de recortes de jornais os mais diversos, evidenciando algum fato ocorrido em determinada época e processos judiciais de trabalhadores, especialmente aqueles que envolviam algum acidente de trabalho. Além desse tipo de material, existem diversas plantas arquitetônicas do interior da fábrica, que possuía 10.000 metros de área construída, com os seguintes espaços, que foram se constituindo com o passar dos anos: classificação de lã, cardagem e preparo dos fios, filatório, madeiras e conicaleiras, tingimento, depósito de materiais, caldeiras, lavagem, depósito para produtos acabados, depósitos de lã, escritório. Constam também na documentação uma escritura de alteração de contrato social de 1948 (troca de nome social da Laneira) e uma escritura de venda de um galpão na Avenida Vinte de Setembro. Os trabalhadores rurais no acervo da Delegacia Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul (1933-1943) Aristeu Elisandro Machado Lopes (Doutor em História - UFPel) Palavras-chave: trabalhadores rurais - Delegacia Regional do Trabalho - Carteira Profissional Resumo expandido: O Núcleo de Documentação Histórica da Universidade Federal de Pelotas possui, entre seus acervos, os documentos da Inspetoria Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, a qual foi estabelecida pelo Departamento Nacional do Trabalho em 1932 e em 1940 transformada em Delegacia Regional do Trabalho. A DRT era o órgão responsável por emitir a carteira profissional destinada às garantias dos direitos dos trabalhadores. O estabelecimento da carteira foi parte inicial e importante da legislação social para o trabalhador brasileiro, a qual seria confirmada mais tarde com a Consolidação das Leis do Trabalho. A carteira, assim, foi uma “criação do pós-30 e documento por excelência do novo regime, traduzia o tipo de relação entre cidadão e estado que se desejava construir”. (GOMES, 1988: 242). Antes da emissão o trabalhador declarava várias informações pessoais e profissionais, as quais eram anotadas na ficha de qualificação profissional ou também chamada ficha espelho. Os dados

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declarados pelo trabalhador permitem identificar a sua cor e seus dados antropométricos, ano de nascimento, grau de instrução, sua profissão e o nome do estabelecimento no qual trabalhava, os nomes dos pais, a cidade de nascimento, informações sobre dependentes, sua filiação sindical, o ano em que solicitou a carteira, entre outros dados relevantes, naquele momento, para a confecção da carteira profissional (LOPES; JAQUES, 2015). O acervo é constituído por essas fichas num total de 627.213 encadernadas ou, então, soltas. A documentação corresponde aos anos entre 1933 e 1968 e estão distribuídas em 1.053 caixas de arquivo permanente. Em relação as possibilidades de consulta, ressalta-se que os projetos de pesquisa desenvolvidos com o acervo já possibilitaram a digitação das informações das fichas em um banco de dados. Esse banco permite múltiplos cruzamentos dos dados facilitando a pesquisa e possibilitando traçar o perfil do trabalhador com carteira nos primeiros anos do governo getulista no Rio Grande do Sul. Atualmente, já estão digitadas no banco as informações de todas as fichas entre os anos de 1933 e 1943 e atualmente está em processo de digitação os dados de 1944. O Total das informações digitadas já representam dados de 44 mil fichas. O objetivo pretendido nesta comunicação se refere a apresentação de uma das possibilidades de pesquisa proporcionadas pelas fichas e com o cruzamento das informações no banco de dados. Como ressaltado, cruzar as informações das fichas já digitadas permite compreender o perfil dos trabalhadores do Rio Grande do Sul a partir de um universo variado de possibilidades, seja através de uma determinada profissão, seja através da análise do grau de instrução, por exemplo. Assim, objetiva-se averiguar a presença de informações sobre os trabalhadores rurais que solicitaram carteira profissional logo após a criação do novo documento. A maioria das informações sobre as profissões dos trabalhadores revela que estavam ligados a ocupações urbanas, como o trabalho em fábricas, construção civil, estabelecimentos comerciais, frigoríficos e, uma parte considerável, de trabalhadores manuais como sapateiros, barbeiros, domésticas, pedreiros, cozinheiros, entre muitos outros. A metodologia empregada na pesquisa, contudo, identificou uma parcela de trabalhadores relacionados às atividades rurais: 134 trabalhadores que declararam sua profissão com agricultores. Alguns apontavam o local de trabalho, como chácaras, indústria de adubos, produção de leite e lavoura de arroz; outros declaravam-se como trabalhadores eventuais ou, ainda, como desempregados. A comunicação pretende apresentar não apenas os resultados apontados acima, mas também abordar o perfil desse trabalhador rural, que se declarava como agricultor, a partir das informações declaradas. Assim sendo, a pesquisa já demonstrou que em um estado com forte ligação histórica com as atividades do campo o trabalhador rural ainda carecia de uma maior abrangência das leis criadas para garantir os direitos dos trabalhadores nos anos 1930. Contudo, uma pequena parcela já buscava por esses direitos através da carteira profissional. Em outras palavras, se é possível apontar que o trabalhador urbano e vinculado, sobretudo, às atividades fabris estava inserido no universo das leis trabalhistas, o trabalhador rural ainda necessitava atingir um patamar semelhante. Apesar desta consideração, as fichas dos trabalhadores que se declaravam como agricultores demonstram que o caminho já estava sendo percorrido nos anos 1930. Referências bibliográficas: GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988. LOPES, Aristeu Elisandro Machado; JAQUES, Biane Peverada. Os trabalhadores gráficos e os ofícios em extinção: tipógrafos e litógrafos no acervo da Delegacia Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, 1933-1943. In: GILL, Lorena Almeida; SCHEER, Micaele. (Orgs.). À beira da extinção: memórias de trabalhadores cujos ofícios estão em vias de desaparecer. Pelotas: Editora da UFPel, 2015, p.15-28.

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