Escrituralismo-Cosmovisao_crampton

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    Escrituralismo: Uma Cosmoviso Cristpor W. Gary Crampton

    Nota do editor: este um seguimento do ltimo ar-tigo resenha escrito por Dr. Crampton. Vantilianosseguem com as mesmas acusaes enfadonhascontra Gordon Clark originalmente feitas por VanTil na controvrsia Clark-Van Til e suas reper-cusses. Segue aqui uma excelente defesa do es-crituralismo a filosofia b blica mais consistente .

    Introduo 1 Escrituralismo uma viso do mundo e da vida.Cosmoviso um conjunto de crenas sobre asvrias questes da vida. Toda pessoa tem umacosmoviso; algo inescapvel. A cosmoviso de-terminar como uma pessoa enxerga a totalidadeda vida, as decises que toma, por que age comoage e assim por diante. Todas as cosmovises a-presentam pressuposies que governam seu sis-tema de crena; essas pressuposies funcionamcomo axiomas a partir dos quais todas as decisesso deduzidas. Escrituralismo o sistema de cren-a em que a Palavra de Deus fundacional na to-talidade dos assuntos filosficos e teolgicos. 2 Es-se sistema de pensamento assevera que os cris-tos jamais devem tentar combinar ideias se-culares e crists. Antes, todo pensamento deve ser levado cativo Palavra de Deus ( 2 Corntios 10.5),3 que (parte de) a mente de Cristo ( 1 Corntios 2.16). Nossa mente deve ser transformada para que

    1 Muito deste artigo foi adaptado de W. Gary Crampton, TheScripturalism of Gordon H. Clark (Hobbs, New Mexico: TheTrinity Foundation, 1999). [Futura publicao em portugus daEditora Monergismo, N. do T.]2 John W. Robbins cunhou o termo Escrituralismo , veja AnIntroduction to Gordon H. Clark [Uma Introduo a Gordon H.Clark],The Trinity Review (Julho e Agosto de 1993).3 Todas as citaes bblicas neste artigo foram extradas daverso Almeida Corrigida e Fiel (ACF), salvo indicao emcontrrio. [N. do T.]

    experimente[mos] qual seja a boa, agradvel, eperfeita vontade de Deus tal como encontrada nasEscrituras (Romanos 12.2), i.e ., nossos pensa-mentos devem se tornar progressivamente os pen-samentos de Deus ( Isaas 55.6-9), pensamentosdivinos esses que so apenas conhecidos atravsda Palavra de Deus. O escrituralismo, ento, ensi-na que todo o nosso conhecimento deve ser deri-vado da Bblia, que tem um monoplio sistemticosobre a verdade.

    Essa abordagem a uma cosmoviso crist en-sinada pelo apstolo Paulo e confirmada pelos en-sinos dos Padres de Westminster. 4 Nas palavrasdo apstolo: Toda a Escritura divinamente ins-pirada, e proveitosa para ensinar, para redarguir,para corrigir, para instruir em justia; para que ohomem de Deus seja perfeito, e perfeitamente ins-trudo para toda a boa obra (2 Timteo 3.16-17). Ena Confisso de F de Westminster (1:6) lemosTodo o conselho de Deus concernente a todas ascoisas necessrias para a glria dele e para a sal-vao, f e vida do homem, ou expressamentedeclarado na Escritura ou pode ser lgica e cla-ramente deduzido dela; Escritura nada se acres-centar em tempo algum.

    Observe os universais nessas duas declaraes:toda, perfeito, perfeitamente, toda, Todtodas, nada, em tempo algum. A Bblia, infalvelmente, e a Assembleia de Westminster, em con- 4 Todas as referncias aos Padres de Westminster, com-postos da Confisso de F de Westminster e dos CatecismosMaior e Menor so da Westminster Confession of Faith (Glasgow, Scotland: Free Presbyterian Publications, 1994). A lnguoriginal foi modernizada. [A traduo das referncias livre, Ndo T.]

    THE TRINITY REVIEW Porque, andando na carne, no militamos segundo a carne. Porque as armas da nossa milcia no so carnais,

    mas sim poderosas em Deus para destruio das fortalezas; destruindo os conselhos, e toda a altivez que se levantacontra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo o entendimento obedincia de Cristo; e estando prontos pa-ra vingar toda a desobedincia, quando for cumprida a vossa obedincia. ( 2 Corntios 10.3-6)

    Nmero 299 Copyright 2011 The Trinity Foundation Post Office Box 68, Unicoi, Tennessee 37692 Maro-Maio 2011Email: [email protected] Website: www.trinityfoundation.org Fone: 423.743.0199 Fax: 423.743.2005

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    formidade com a Bblia, ensinam ambas a total su-ficincia das Escrituras. De acordo com o princpioreformado da sola Scriptura , nem a cincia nem ahistria nem a filosofia so necessrias para forne-cer a verdade. De acordo com o escrituralista, ne-nhuma teoria de verdade de duas fontes ens i-nada na Palavra de Deus. Como Paulo claramente

    afirma nos dois primeiros captulos de 1 Corntios ,a sabedoria do mundo loucura e o homem no capaz de chegar ao conhecimento da verdade parte das proposies escritursticas reveladas pe-lo Esprito. Em 1 Corntios 2.9-10, por exemplo,Paulo escre ve: Mas, como est escrito: As coisasque o olho no viu, e o ouvido no ouviu, e nosubiram ao corao do homem, so as que Deuspreparou para os que o amam . Mas Deus no-lasrevelou pelo seu Esprito. A Bblia suficiente pa-ra a verdade que precisamos. somente nas Es-crituras que encontramos a certeza das palavrasda ver dade (Provrbios 22.17-21; veja tambmLucas 1.4). Isso escrituralismo.

    EpistemologiaUm escrituralista sustenta que a epistemologia (ateoria do conhecimento) o princpio-chave dequalquer sistema teolgico ou filosfico. GordonClark afirma isso da seguinte forma:

    Enquanto a questo de como podemos co-nhecer Deus fundamental na filosofia dareligio, subjacente filosofia em geral re-side a questo ltima Como podemos co-nhecer de fato alguma coisa?. Se no po-demos falar de forma inteligente sobreDeus, podemos falar de forma inteligentesobre moralidade, sobre nossas prpriasideias, sobre arte, poltica podemos se -quer falar sobre cincia? Como podemosconhecer alguma coisa? A resposta a essapergunta, tecnicamente chamada teoria deepistemologia, controla todo assunto oumatria que reivindica ser inteligvel ou cog-nitivo.5

    Aurlio Agostinho, Joo Calvino, Gordon Clark e a Assembleia de Westminster comearam todos suaabordagem sistemtica ao estudo sobre Deus esua criao com a epistemologia, e todos acredita-vam que as Escrituras so o fundamento epistemo-lgico para uma teoria de conhecimento verdadei-ra. A revelao a condio sine qua non do co- 5 Gordon H. Clark, How Does Man Know God?[Como o Ho-mem Conhece Deus?], The Trinity Review (Julho/Agosto de1989), 1.

    nhecimento. Mesmo antes da Queda, o homem jdependia da revelao proposicional para o conhe-cimento. Deus tinha ento de revelar-lhe informao, e a situao atual, agravada pelo pecado, fazda revelao uma necessidade ainda maior.

    Epistemologia Crist

    Primeiro, importante entender que todas as filo-sofias (ou cosmovises) necessariamente come-am com um princpio primeiro ou ponto de partidindemonstrvel, i.e ., um axioma a partir do qual tudo o mais deduzido. Uma cosmoviso crist con-sistente assevera que o ponto de partida epistemo-lgico que somente a Bblia a inspirada, infal-vel e inerrante Palavra de Deus e tem um monop-lio sobre a verdade ( Joo 17.17; 2 Timteo 3.16-17; 1 Timteo 6.3-5). Os 66 livros do Antigo e NovTestamento so autocomprobatrios e autoautenti-cveis. As Escrituras julgam todos os livros e ideias, mas no podem ser julgadas por nenhumapessoa ou coisa. Somente a Bblia a Palavra deDeus. Este o princpio reformado da sola Scriptu-ra .

    Uma epistemologia crist no comea sua abor-dagem sistemtica para a teologia e filosofia comuma discusso sobre se existe um deus, ou comosabemos se existe um deus, para ento tentar pro-var que se trata do Deus das Escrituras. O pontode partida para uma epistemologia crist genuna a revelao. A doutrina de Deus segue da episte-mologia. por isso que a Assembleia de West-minster comeou seu estudo da teologia sistem-tica com a doutrina da revelao. O Captulo 1 daConfisso de F de Westminster tem a ver comnossa fonte de conhecimento: Da Escritura Sagrada. Os 32 captulos seguintes so estabelecidossobre o axioma da revelao bblica.

    Essa tambm era a viso de Calvino. Ele comeasua Instituio da Religio Crist com a seguintedeclarao: Quase toda a suma de nossa sabedo-ria, que deve ser considerada a sabedoria verda-deira e slida, compe-se de duas partes: o conhe-cimento de Deus e o conhecimento de ns mes-mos. Como so unidas entre si por muitos laos,no fcil discernir qual precede e gera a outra. 6De acordo com Calvino, sem conhecimento de simesmo no h conhecimento de Deus. Mas, paraconhecer a si mesmo (e todo o mundo em geral),deve haver primeiro um conhecimento de Deus.

    6 A Instituio da Religio Crist , Editora UNESP, 2007; I:1:1-[pg. 37].

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    Deus conhecido melhor e antes de algum co-nhecer a si mesmo ou qualquer outra coisa. 7 Cal-vino tambm comeou sua teologia sistemticacom a epistemologia. Seu ponto de partida era arevelao.

    Crticos dessa viso escrituralista frequentemente

    alegam que ela pouco mais que uma petio deprincpio; isto , ela assume o que deve ser prova-do. Como podemos dizer que acreditamos que aBblia inspirada e, portanto, verdadeira porqueela reivindica ser inspirada e verdadeira, e entosair a dizer que devemos acreditar nesta reivindi-cao porque a Bblia inspirada e verdadeira?No deveramos primeiro provar que a Bblia aPalavra de Deus?

    Evidentemente, nem toda reivindicao verda-deira. H um sem nmero de testemunhos falsos.Mas dificilmente pode ser negado que a Bblia rei-vindica ser a Palavra de Deus inspirada (veja Joo10.35; 2 Timteo 3.16; 2 Pedro 1.20-21). E isso significativo. certamente uma reivindicao quemuito poucos escritos fazem de si mesmos. Domesmo modo, seria longe de justificvel dizer quea Bblia a Palavra de Deus se ela negasse inspi-rao, ou fosse talvez silente sobre essa questo.Mas uma posio muito plausvel insistir que aprimeira e principal razo de acreditarmos que aBblia a Palavra de Deus inspirada que de fatoela reivindica s-la. 8

    Segundo, a resposta ad hominem ao crtico quetodos os sistemas precisam comear com um axi-oma indemonstrvel. Sem esse postulado, nenhumsistema poderia mesmo iniciar . Petio de princ-pio, neste sentido solto e amplo da expresso, no uma idiossincrasia do cristianismo. a situaona qual todas as filosofias e teologias se apresen-tam.

    Se algum pudesse provar a proposio de que aBblia a Palavra de Deus, a proposio no seriao ponto de partida. Haveria algo frente mesmodas Escrituras. De acordo com as Escrituras, po-rm, no h fonte de verdade superior prpriaautorrevelao de Deus. Como afirma o autor deHebreus , como [Deus] no tinha outro maior por quem jurasse, jurou por si mesmo (6.13). As Escri- 7 John Calvin, Institutes of the Christian Religion , Volumes I &II, John T. McNeil, editor, traduzido por Ford Lewis Battles(Philadelphia: Westminster Press, 1960) I:1:1-3.8 Veja Gordon H. Clark,Gods Hammer: The Bible and Its Cri tics (Jefferson: The Trinity Foundation, 1982), 1-23.

    turas, portanto, no podem ser deduzidas a partir de qualquer princpio superior. Como ensina Calvino, elas so autoautenticveis e autocomprobat-rias. Ele escreve:

    pois, com grande desprezo pelo EspritoSanto, perguntam: quem nos far crer que

    [a Escritura] provm de Deus? Como noscertificarmos de que chegou salva e intactaaos nossos dias? A principal prova daEscritura que nela Deus fala pessoalmen-te. Os profetas e apstolos no alegamnem sua prpria agudeza, nem eloqncia,tampouco aduzem razes, mas proferem osagrado nome de Deus, por honra do qualtodos so coagidos obedincia. 9

    A Confisso de F de Westminster (1:4) coloca as-sim:

    A autoridade da Escritura Sagrada, razopela qual deve ser crida e obedecida, nodepende do testemunho de qualquer ho-mem ou igreja, mas depende somente deDeus (a mesma verdade) que o seu autor;tem, portanto, de ser recebida porque apalavra de Deus.

    E Jonathan Edwards comenta que a Palavra deDeus no se apresenta em petio por sua evi-dncia, como tanto pensam alguns; a mais superior e adequada evidncia ela traz em si mesma. 10Deve-se aceitar, portanto, a revelao especial deDeus como axiomtica ou, de fato, nenhum conhe-cimento ser possvel. Nas palavras de Clark, umponto imediato, abordando tanto a epistemologiacomo a teologia a impossibilidade de se co-nhecer Deus exceto por revelao ou a revelao aceita como um axioma ou, de fato, ne-nhum conhecimento de Deus possvel . 11

    Ademais, na epistemologia crist no h nenhumadicotomia entre f (revelao) e razo (lgica). Elasandam de mos dadas, pois Jesus Cristo, o Lo-gos , quem revela a verdade. O cristianismo ra-

    9 Calvino, A Instituio da Religio Crist , Editora UNESP2007; I:7:1,4-5 [pg. 71,74].10 Jonathan Edwards, The Works of Jonathan Edwards , revisado e corrigido por Edward Hickman (Carlisle: The Banner oTruth Trust, 1984), I:293.11 Gordon H. Clark, An Introduction to Christian Philosophy (Jefferson: The Trinity Foundation, 1968, 1993), 60; agorincludo em Christian Philosophy , 299-300, e Clark and HisCritics , 53-54.

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    cional porque Cristo, em si, a Lgica, 12 Razo eSabedoria de Deus encarnada ( Joo 1.1; 1 Corn-tios 1.24,30; Colossenses 2.3). Sendo a imagemde Deus, o homem pode raciocinar; pode pensar logicamente, pois Deus lho concedeu essa capaci-dade inata.

    Essa capacidade concedida por Deus permite queos homens compreendam as proposies revela-das nas Escrituras. necessrio crer em algo co-mo sendo o ponto de partida axiomtico a fim dese compreender alguma coisa. Para raciocinar cor-retamente, precisa-se de um fundamento no qualtudo est baseado. Na cosmoviso crist (raciona-lismo cristo) o conhecimento vem atravs da ra-zo (i.e ., lgica), e no a partir do raciocnio (comono racionalismo puro). Ao contrrio do racionalismopuro, o escrituralismo se mantm sobre o funda-mento da revelao bblica. Como afirmado no ditode Agostinho, Creio para poder entender. 13

    Revelao Geral e Especial A Bblia ensina que o Deus trino se revela ao ho-mem tanto na revelao geral como na revelaoespecial, que esto em harmonia. A primeira ge-ral em pblico (toda a humanidade) e limitada emcontedo, enquanto a revelao especial, encon-trada agora somente nas Escrituras, mais restritaem audincia (aqueles que leem a Bblia) e maisdetalhada em contedo. A Confisso de F deWestminster (1:1) afirma:

    Ainda que a luz da natureza e as obras dacriao e da providncia de tal modo mani-festem a bondade, a sabedoria e o poder de Deus que os homens ficam inescus-veis, contudo no so suficientes para dar aquele conhecimento de Deus e da suavontade necessrio para a salvao; por is-so foi o Senhor servido, em diversos tem-pos e diferentes modos, revelar-se e decla-rar sua Igreja aquela sua vontade; e de-pois, para melhor preservao e propaga-o da verdade, para o mais seguro esta-belecimento e conforto da Igreja contra acorrupo da carne e malcia de Satans edo mundo, foi igualmente servido faz-la

    12 A palavra em portugus Lgica derivada do grego Logos .13 Augustine, The Nicene and Post-Nicene Fathers of theChristian Church , Volume III, editado por Philip Schaff (GrandRapids: Eerdmans Publishing Company, 1988), On the Holy Trinity (15:2); veja tambm Norman L. Geisler, editor, What

    Augustine Says (Grand Rapids: Baker Book House, 1982), 14-19.

    escrever toda. Isto torna indispensvel aEscritura Sagrada, tendo cessado aquelesantigos modos de revelar Deus a sua von-tade ao seu povo.

    Conquanto a revelao geral seja suficiente pararevelar Deus a todos os homens deixando-os sem

    desculpa, ela insuficiente, como diz a Confissopara dar aquele conhecimento de Deus e da suavontade necessrio para a salvao Isto tornaindispensvel a Escritura Sagrada. Sem a verdadeproposicional da Palavra de Deus, i.e ., a revelaoespecial, o homem pecador no capaz de chegar a um conhecimento slido e salvfico de Deus. Anecessidade da revelao especial repousa na in-suficincia da revelao geral. Devido sua natu-reza limitada, ento, a revelao geral deve sem-pre ser interpretada luz da revelao especial.Isso era verdade antes mesmo da Queda do ho-mem (Gnesis 3), e ainda mais depois, visto que ouniverso est agora em um estado de anormalida-de (Gnesis 3.14-19; Romanos 8.19-25). Assim, oconhecimento de Deus e sua criao s pode deri-var das Escrituras.

    A Bblia ensina, como afirma Joo Calvino, que oEsprito de Deus implantou em todos os homensuma ideia inata de si mesmo, um sensus divinitatisque proposicional e no pode ser erradicada. Is-so se deve ao fato de que todos os homens socriados imagem de Deus. Quando interage com acriao de Deus, que demonstra a glria, poder esabedoria dele, o homem, sendo imagem de Deus, forado em cer to sentido a pensar Deus. Em smesma, a criao visvel no medeia conhecimen-to para o homem (como na epistemologia de To-ms de Aquino), pois o universo visvel no apresenta ou expe nenhuma proposio. Antes, esti-mula intuio (ou recordao) intelectual a mentedo homem, que, como ser racional, j possui in-formao proposicional a priori sobre Deus e suacriao. Essa informao a priori se encontra ime-diatamente impressa na conscincia do homem e mais que suficiente para mostrar que o Deus daBblia o nico e verdadeiro Deus. 14 No entantosem os culos da revelao especial, todas as

    14 Clark, An Introduction to Christian Philosophy , 61-62 (Christian Philosophy, 300-301; Clark and His Critics , 54-55); Jonathan Edwards, The Works of Jonathan Edwards , Volume 6editado por Wallace E. Anderson, Scientific and Philosophical Writings (New Haven, Connecticut: Yale University Press1980), 346, 361, 368. Edwards refere-se a essa intuio (ourecordao) intelectual como ideias estimulantes [excitingideas ].

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    evidncias falam em vo. No se deve tentar pro-var Deus; ele a premissa necessria para toda equalquer prova. 15

    Como todo conhecimento deve vir atravs de pro-posies (que so ou verdadeiras ou falsas) e co-mo os sentidos, interagindo com a criao, no

    produzem proposies, o conhecimento no podeser transmitido por sensao. Antes, como obser-vado acima, os sentidos aparentemente estimulama mente do homem intuio intelectual, a recor-dar as ideias inatas, concedidas por Deus, que ohomem j possui. Gordon Clark usou a ilustraode um pedao de papel onde est escrita umamensagem em tinta invisvel. O papel (na ilustra-o, a mente) pode ter a aparncia de estar embranco, mas na verdade no est. Quando o calor da experincia aplicado mente (como quando ocalor aplicado ao papel), a mensagem se tornavisvel. O conhecimento humano, portanto, s possvel porque Deus dotou o homem de certasideias inatas. 16

    A viso crist de epistemologia tem suas razes nadoutrina do Logos . 17 De acordo com o Evangelhode Joo , Jesus Cristo o Logos cosmolgico (Joo 1.1-3), o Logos epistemolgico (1.9, 14) e o Logos soteriolgico (1.4, 12-13; 14.6). Ele o Criador domundo, a fonte de todo o conhecimento humano eo doador da salvao. Quanto ao Logos epistemo-lgico, que o foco do presente estudo, Cristo aluz verdadeira, que ilumina a todo o homem quevem ao mundo (1.9). parte doLogos , o mestreinterior, o conhecimento seria impossvel.

    Outra maneira de explicar isso que na mente deDeus h a soma total de toda a verdade: Porquenele [Deus] vivemos, e nos movemos, e existimos( Atos 17.28). Nada existe fora da mente de Deus. ess e o significado das palavras onisciente eonipresente. Se o homem h de conhecer a ver-dade, deve conhecer as proposies eternas namente de Deus. Como afirma Jonathan Edwards,visto que toda verdade est na mente, e visto queDeus a prpria verdade, se havemos de conhe-cer a verdade, deve haver consistncia e conco r-dncia das nossas ideias com as ideias de Deus.

    15 Calvino, A Instituio da Religio Crist , Editora UNESP,2007; I:1-6 [pg. 37~70].16 Gordon H. Clark, Religion, Reason and Revelation (Hobbs,New Mexico: The Trinity Foundation, [1961], 1995), 142-143.17 Ronald H. Nash, The Word of God and the Mind of Man (Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1982), 59-69.

    18 Algumas dessas verdades proposicionais soimplantadas no homem desde sua concepo por Deus. E quando o homem interage com a criaoou l as palavras das Escrituras, o mestre divino, oLogos , ilumina a mente para que as proposiesvenham conscincia, como a tinta invisvel. Isso possvel porque a mente do homem envolvida

    pela mente do Logos , que ilumina o homem paracompreender as proposies eternas na mente deDeus. Isso no acontece pelo esforo ou iniciativado homem, mas pelo esforo ou iniciativa de Deus,que revela a verdade. 19

    Deus criou os seres humanos com mentes racio-nais que usam as mesmas leis do pensamento queele; os homens so portadores da imagem deDeus. Os princpios da razo (lgica) e do conhe-cimento so inatamente dados por Deus humani-dade atravs do Logos . Portanto, sempre que osseres humanos conhecem a verdade, conhecemaquilo que existe na mente de Deus; eles no tmmeramente uma representao da verdade.

    O escrituralismo nega a teoria da correspondnciada verdade, i.e ., que a mente do homem tem ape-nas uma representao da verdade, e no a ver-dade em si. Antes, a epistemologia crist defendea teoria da coerncia da verdade, que sustenta queo que o homem tem a verdade real: a mesmaverdade que existe na mente do homem existeprimeiro na mente de Deus. Como afirma GordonClark: Realismo a viso de que a mente do ho-mem de fato possui a verdade. O representacio-nismo sustenta que a mente tem apenas uma ima-gem, um retrato, uma representao, uma analogiada verdade, e no a verdade em si. 20

    A epistemologia crist sustenta que uma proposi-o verdadeira porque Deus a pensa como ver-dadeira. Assim, quando conhece a verdade, o queo homem conhece concorda com o que Deus co-nhece. Nosso conhecimento deve coincidir com oconhecimento de Deus, se havemos de conhecer averdade. Na teoria da coerncia, a mente e o obje-to conhecido so parte de um sistema, um sistemaem que todas as partes esto em perfeito acordo,pois so encontradas na mente de Deus. Como

    18 Edwards, Scientific and Philosophical Writings , 340-342. 19 Veja Gordon H. Clark, The Johannine Logos (JeffersonMaryland: The Trinity Foundation, 1972, 1989).20 Ronald H. Nash, editor, The Philosophy of Gordon H. Clark (Philadelphia: Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1968), 440; reimpresso em Clark and His Critics (UnicoTN: The Trinity Foundation, 2009), 209.

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    Deus onisciente, conhecendo toda a verdade, seo homem h de conhecer a verdade, deve conhe-cer o que Deus conhece.

    Alm disso, o escrituralismo assevera que a reve-lao geral (juntamente com os primeiros ensinosde revelao especial dados inicialmente por Deus

    a Ado) a razo para a religiosidade bsica dahumanidade e as muitas das chamadas religiesque existem atualmente. O problema que o ho-mem cado, agora em um estado tico de deprava-o total (Romanos 3.10-18; 8.7-8), suprime a ver-dade sobre Deus que inatamente possui. No entan-to esse conhecimento parte da razo de sua res-ponsabilidade; e ele indesculpvel ( Romanos1.18-21). O homem culpado perante Deus por causa da revelao geral que possui e suprime.Mas, muito embora essa revelao seja mais geralque a revelao especial e suficiente para tornar ohomem culpado, ela no suficiente para mostrar-lhe o caminho da salvao: Jesus Cristo. Essa in-formao dada somente nas Escrituras (revela-o especial). A revelao geral revela Deus comoCriador; a revelao especial o revela como Salva-dor. Escreve Calvino:

    a Escritura, recolhendo em nossa menteum conhecimento de Deus [i.e ., conheci-mento inato] de outro modo confuso, desfa-zendo a fumaa, apresenta-nos claramenteo verdadeiro Deus. E este certamente umdom singular [revelao especial]: para co-nhecer o Templo, Deus no usa somentemestres mudos, mas tambm torna acess-vel sua boca sacrossanta, e no s promul-ga que devemos cultuar algum deus, maspronuncia que Ele o Deus que deve ser cultuado; nem ensina que os eleitos olhemunicamente para Ele, mas tambm se apre-senta para que o vejam dado Deus ter oferecido o auxlio da palavra a cada vezque quis dar uma erudio frutfera aoshomens, visto que previsse que sua ima-gem, impressa na belssima forma do mun-do, fosse pouco eficaz Digo que Pa-lavra que se deve voltar quando, de modoprobo e vivo, Deus nos descrito por suasobras. 21

    Como ensinado pela Confisso de F de West-minster (14:1), A graa da f, pela qual os eleitos

    21 Calvino, A Instituio da Religio Crist , Editora UNESP,2007; I:6:1, 3; II:1-17 [pg. 66~69].

    so habilitados a crer para a salvao das suasalmas, a obra que o Esprito de Cristo faz noscoraes deles, e ordinariamente operada peloministrio da Palavra; por esse ministrio, bemcomo pela administrao dos sacramentos e pelaorao, ela aumentada e fortalecida. Essa obrade Deus referida como o testemunho interior do

    Esprito Santo. uma obra imediata do Espritopela Palavra e com a Palavra proclamada, na qualele produz crena na mente do pecador eleito.

    Como diz a Confisso , o Esprito no opera (nor-malmente) no pecador eleito parte da Palavra.Pecadores perdidos precisam ouvir de Cristo. Por-tanto, responsabilidade da igreja ensinar todo oconselho de Deus, evangelizar e fazer o trabalhode apologtica. Estes so deveres cristos. Massomente o Esprito de Deus que produz crena.Como afirmado por Paulo em 1 Corntios 3.6 : Euplantei, Apolo regou; mas Deus deu o crescimen-to. O pecador, sem qualquer obra especial do E s-prito de Deus, pode entender a mensagem prega-da. H uma diferena entre entender a verdade eacreditar na verdade. Alguns incrdulos entendema Bblia melhor que alguns cristos.

    Epistemologia e SoteriologiaO escrituralismo ensina que a soteriologia (a dou-trina da salvao) um ramo da epistemologia.No um ramo da metafsica, pois o pecado no um problema metafsico e os homens no so divi-nizados quando so salvos. Nem um ramo datica, pois os homens no so salvos por suasprprias obras ou conduta. Antes, a salvao somente pela graa, somente pela f ( i.e ., pelacrena na verdade revelada por Deus o Esprito emsua Palavra), somente em Cristo ( Romanos 1.16-17 ). E essa salvao dom de Deus ( Efsios 2.8-10). Em concordncia com a Assembleia deWestminster, a salvao tem totalmente a ver comepistemologia. No apenas somos justificados portermos f na verdade, mas tambm santificadospor conhecermos a verdade. Em Joo 17.17 lemosas pa lavras de Cristo: Santifica-os na tua verdade;a tua palavra a verdade. E em 2 Tessalonicen-ses 2.13 (NVI)o apstolo diz: Mas ns devemossempre dar graas a Deus por vocs, irmos ama-dos pelo Senhor, porque desde o princpio Deus osescolheu para serem salvos mediante a obra santi-ficadora do Esprito e a f na verdade .

    Revelao e Apologtica A cosmoviso escrituralista rejeita a teologia natural de Toms de Aquino e seus seguidores moder-

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    nos, bem como a teologia natural dos humanistas etelogos liberais. Ou seja, ela no se atm a umaviso evidencialista de apologtica. Em vez de co-mear da criao, argumentar pela existncia deDeus e ento pela confiabilidade das Escrituras,devemos comear das Escrituras. 22

    Segundo Gordon Clark, uma crtica escrituralistada teologia natural parte do fato de esta se basear em uma metodologia empirista. No somos capa-zes de deduzir formalmente o Deus trino da Bbliaa partir de uma anlise emprica do universo. 23 No possvel derivar conhecimento da experin-cia sensorial. O empirismo no fornece mais co-nhecimento sobre o Criador do mundo que sobre omundo em si.

    Sobre esse assunto, Dr. Clark escreve:

    Algum poderia considerar o que o apstoloPaulo pensava do argumento cosmolgicode Aristteles para a existncia de Deus Toms de Aquino declarou que Paulo pro-lepticamente declarara vlida a reformula-o tomista de Aristteles. A partir do pre-sente pargrafo [ 1 Corntios 1.18-25] pode-ramos supor que para Paulo isso era umabsurdo.

    At onde as palavras de Paulo podem ser aplicadas a Aristteles, [1 Corntios ] 3.20seria um repdio ainda mais claro espe-culao filosfica sobre Deus Apologistascristos, portanto, fariam bem em repudiar a futilidade escolstica da chamada teolo-gia natural. Deveriam desistir da tentativade provar a existncia de Deus e descrever sua natureza com base em observaesempricas. 24

    Todas as provas tradicionais da existncia deDeus so invlidas; so falcias lgicas. Como Da-vid Hume apontou, no logicamente necessrioque o criador de um mundo finito seja infinito. Tudoque necessrio, de acordo com Hume, que ocriador seja pelo menos to grande como aquiloque ele criou. No s isso; a observao nunca

    22 Para saber mais sobre isso, veja Robert L. Reymond, FaithsReasons For Believing (Ross-shire, Great Britain: ChristianFocus Publications, 2008 ).23 Clark, Gods Hammer , 66.24 Gordon H. Clark,First Corinthians (Jefferson, Maryland: TheTrinity Foundation, [1975], 1991), 52.

    pode provar causalidade; ela pode nos dar se-quncia, mas nunca causalidade. 25 Tampouco slido o argumento ontolgico (noemprico) de Anselmo e Descartes. Este argumen-to, afirma Clark, basicamente declara que Deus,por definio, o ser que possui todas as perfei-es; a existncia uma perfeio; portanto, Deus

    existe.26

    H vrios problemas com esse racioc-nio. Primeiro deve ser dito que tal silogismo, comoafirmado formalmente por Descartes, vlido. Oproblema no a forma do argumento, mas seustermos. Existncia, por exemplo, um atributo quese aplica a tudo sem exceo. Sonhos existem,alucinaes existem, miragens existem. A questono se algo existe ou no; a questo do que setrata isso que existe. 27 Por essa razo que a As-sembleia de Westminster fez a pergunta da formacomo encontrada no Catecismo Menor (P. 4),Quem Deus?, em vez de Existe um deus?. Seo argumento ontolgico entendido como um es-clarecimento do significado da palavra Deus nBblia, ele pode ser til. Mas no um argumentoque chega a Deus a partir de algo extrabblico. Adefinio de Deus encontrada no argumento onto-lgico inclui elementos contrabandeados das Escri-turas, incluindo o monotesmo.

    Outro erro nas provas tradicionais que conclu-ses normativas nunca podem ser extradas depremissas descritivas. Gordon Clark escreve:

    A teoria da lei natural comete uma grandegafe lgica ao tentar deduzir uma conclusonormativa de premissas descritivas. Noimporta quo cuidadosa ou complexa seja aforma de algum descrever o que os ho-mens fazem, ou no que consistem as provi-dncias da natureza, ou como operam astendncias naturais, uma impossibilidadelgica concluir o que os homens devem ouno fazer. O nunca implica o deve . Essacrtica se aplica a todas as teorias empri-cas. 28

    25 Gordon H. Clark,Thales to Dewey (Unicoi, Tennessee: TheTrinity Foundation, [1957], 2000), 299-308; e Gordon H. Clae Aurelius Augustine, Lord God of Truth e Concerning theTeacher (Hobbs, New Mexico: The Trinity Foundation, 199424.26 Gordon H. Clark, A Christian Philosophy of Education (Jefferson, Maryland: The Trinity Foundation, [1946], 1988), 31.27 Clark, Three Types of Religious Philosophy , 33-44.28 Gordon H. Clark,Essays on Ethics and Politics , editado poJohn W. Robbins (Jefferson, Maryland: The Trinity Foundation1992), 102.

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    Ademais, se as vrias provas, como as cinco viasde Toms de Aquino, pudessem provar a existn-cia de Deus, elas provariam a falsidade da Bblia.Como poderamos saber se as cinco provas pro-vam o mesmo deus? Por que no poderiam ser dois, trs, quatro ou cinco deuses? De fato, se asprovas testas fossem vlidas, elas demoliriam o

    cristianismo; provariam quando muito a existnciade uma divindade pag, e no o Deus cristo. Fe-lizmente as provas no so vlidas. 29

    No se pode provar o Deus das Escrituras pelateologia natural. Nem tampouco se pode provar que as Escrituras so a Palavra de Deus. Para oescrituralista, a Palavra de Deus o ponto de par-tida axiomtico. Ela indemonstrvel, autoautenti-cvel e autoevidente. O dito de Agostinho, Creiopara poder entender, tambm deve ser o nosso.

    Isso no quer dizer que no h evidncia abundan-te demonstrando que a Bblia a Palavra de Deus;h muitas dessas evidncias. Mas as evidnciasno provam que as Escrituras so verdadeiras.Como ensinado na Confisso de F de Westmins-ter (1:4-5):

    A autoridade da Escritura Sagrada, razopela qual deve ser crida e obedecida, nodepende do testemunho de qualquer ho-mem ou igreja, mas depende somente deDeus (a mesma verdade) que o seu autor;tem, portanto, de ser recebida, porque apalavra de Deus.

    Pelo testemunho da Igreja podemos ser movidos e incitados a um alto e reverenteapreo da Escritura Sagrada; a supremaexcelncia do seu contedo, e eficcia dasua doutrina, a majestade do seu estilo, aharmonia de todas as suas partes, o esco-po do seu todo (que dar a Deus toda aglria), a plena revelao que faz do nicomeio de salvar-se o homem, as suas muitasoutras excelncias incomparveis e com-pleta perfeio, so argumentos pelos quaisabundantemente se evidencia ser ela a pa-lavra de Deus; contudo, a nossa plena per-suaso e certeza da sua infalvel verdade edivina autoridade provm da operao in-terna do Esprito Santo, que pela palavra ecom a palavra testifica em nossos cora-es.

    29 Clark, Gods Hammer , 87-89.

    E nas palavras de Gordon Clark:

    Pode haver, digamos, mil afirmaes hist-ricas na Bblia. Felizmente, muitas dessasafirmaes que o modernista dizia seremfalsas agora se sabe que so verdadeiras.Por exemplo, os modernistas afirmavam

    que a nao hitita nunca existiu. Hoje osmuseus possuem mais livros hititas do quetm tempo de traduzir. Os modernistas dizi-am que Moiss no poderia ter escrito oPentateuco porque em sua poca a escritaainda no tinha sido inventada. Bem, a es-crita j existia mais de mil anos antes deMoiss. No obstante, o fato de que a B-blia est correta sobre esses pontos noprova que ela no tem erros. Obviamenteh muitas afirmaes histricas na Bbliaque no podemos verificar e jamais sere-mos capazes de verificar. Quem poderia ter esperana de corroborar [por meio da ar-queologia e pesquisa histrica] as afirma-es de que Eliezer pediu a Rebeca um go-le de gua e que ela tambm deu de beber aos seus camelos? 30

    Joo Calvino tambm falou do poder de persuasodas vrias evidncias disponveis a ns: o argu-mento religioso ou moral, o argumento cosmolgico, o argumento da graa comum e o argumentoda anatomia humana. No entanto, diz o reforma-dor, sem a ajuda das Escrituras esses argumentosfalam em vo. 31 Ele escreve : As provas da f de-vem ser [procuradas] na boca de Deus [ i.e ., na suaPalavra] somente. Se vamos disputar sobre ques-tes que dizem respeito aos homens, deixemosque as razes humanas tomem lugar; mas na dou-trina da f, a autoridade de Deus deve reinar sozi-nha, e dela devemos depender. 32

    H um sem nmero de evidncias internas 33 e ex-ternas de que a Bblia a revelao infalvel deDeus ao homem. Mas parte do testemunho inter-no do Esprito Santo essas evidncias so incon-clusivas. A prpria Bblia nos diz por que acreditamos ser ela a Palavra de Deus: Deus o Esprito

    30 What Do Presbyterians Believe? , 17.31 Calvino, A Instituio da Religio Crist , Editora UNESP2007; I:1-5, 16 [pg. 37~65, 184~195].32 John Calvin, Commentaries , Volumes I-XXII (Grand RapidBaker Book House, 1981), Commentary on Acts 17:2.33 Tecnicamente falando, evidncias internas no so de fatoevidncias; so parte da revelao especial. S evidnciasexternas (extrabblicas) que so realmente evidncias.

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    produz essa crena na mente do eleito; ele no ofaz nos no eleitos. No h autoridade maior que aPalavra de Deus.

    Uma metodologia apologtica escrituralista pres-supe a primazia das Escrituras em fornecer a ba-se para todas as provas. A Bblia tem um monop-

    lio sistemtico sobre a verdade. Ela autocompro-batria e autoautenticvel. Julga todos os livros eideias, e no pode ser julgada por nenhuma pes-soa ou coisa. Isso no quer dizer que as evidn-cias no so teis; elas so. Podem ser usadas deforma ad hominem para revelar a loucura dos sis-temas no cristos. Aqui o escrituralista consideraProvrbios 26.4-5 (NVI) muito importante para adisciplina de apologtica: No responda ao insen-sato com igual insensatez, do contrrio voc seigualar a ele. Responda ao insensato como a suainsensatez merece, do contrrio ele pensar que mesmo um sbio.O apologista bblico se recusa aresponder ao crtico do cristianismo com base naspressuposies tolas que este adota em sua cos-moviso no crist. O cristo no responde a esseinsensa to com igual insensatez, pois se agisseassim apenas se tornaria como o insensato. Antes,permanecendo sobre a revelao inspirada, infal-vel e inerrante de Deus, o apologista cristo deverespond[er] ao insensato como a sua insensatezmerece, usando as evidncias apagogicamentepara refutar a cosmoviso defeituosa do insensato.Essa argumentao deve ser usada para criticar internamente a cosmoviso do incrdulo, revelandosuas inconsistncias, por sua vez mostrando queela est errada. 34 Gordon Clark coloca isso da se-guinte forma:

    Usemos toda evidncia arqueolgica quepudermos encontrar. Entremos em grandesdetalhes sobre J , E , D e P . Haveremos dediscutir a presena de camelos no Egito em2000 a.C. e o hipottico Conclio de Jmnia.35 Mas nossos argumentos sero totalmentead hominem . Devemos mostrar que osprincpios que nossos oponentes usam des-troem suas prprias concluses.

    O argumento ad hominem e elntico.Quando o oponente finalmente reduzido

    34 Jonathan Edwards, The Works of Jonathan Edwards , Vo-lume 24:1, editado por Stephen J. Stein, The Blank Bible (New Haven, Connecticut: Yale University Press, 2006), 575-576.35 Suposto conclio do final do primeiro sculo onde o cnonda Bblia hebraica teria sido finalizado. [N. do T.]

    ao silncio e j podemos nos manifestar,apresentamos a Palavra de Deus e oramospara que Deus o faa crer. 36

    Essa metodologia apaggica, consistindo em umasrie de reductiones ad absurdum , o principamtodo disponvel a um apologista bblico. A razo

    que, muito embora haja um terreno metafsicocomum entre crentes e incrdulos, em que ambosso criados imagem de Deus, no h nenhumterreno epistemolgico comum. No h proposies tericas em comum, quaisquer noes c omuns entre o cristianismo e as filosofias no cris-ts. Os argumentos ad hominem apaggicos de-vem ser usados contra o incrdulo, um transgres-sor pactual que j traz consigo a ideia inata deDeus, contra quem est se rebelando. Tambmenvolvem destrui[r] os conselhos, e toda a altivezque se levanta contra o conheci mento de Deus (2Corntios 10.4-5). Os argumentos devem ser usa-dos de uma forma que procurem torn-lo epistemo-logicamente autoconsciente (e assim consciente deDeus) de sua rebelio por transgresso de pacto.

    Aps demonstrar a incoerncia interna das visesno crists, o apologista bblico argumentar pelaverdade e consistncia lgica interna das Escritu-ras e da cosmoviso crist nela revelada. Comoensina a Confisso de F de Westminster (1:5)nas Escrituras h harmonia de todas as suas pa rtes. O apologista bblico mostrar como o cristianismo autoconsistente, como ele nos d um en-tendimento coerente do mundo. O cristianismoresponde perguntas e resolve problemas que ou-tras cosmovises no podem. Esse mtodo nodeve ser considerado uma prova para a existnciade Deus ou prova da verdade das Escrituras, masuma prova de que a viso no crist falsa. Elemostra que a inteligibilidade somente pode sermantida ao examinarmos todas as coisas comosendo dependentes do Deus das Escrituras, que a prpria verdade.

    Comentando sobre a metodologia apologtica es-crituralista de Gordon Clark, Gilbert Weaver escreve:

    Um exemplo mais amplo desse tipo de apo-logtica encontrado no livro de Clark, AChristian View of Men and Things . NeleClark toma as reas da histria, poltica, -

    36 Nash, editor, The Philosophy of Gordon H. Clark , 451-452reimpresso em Clark and His Critics, 240.

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    tica, cincia, religio e epistemologia e mos-tra em cada uma delas que os principaissistemas no cristos adversrios no po-dem dar respostas aos problemas bsicosde sua rea de estudo, que eles tendem aoceticismo ou autocontradio e que acosmoviso crist baseada na revelao di-

    vina fornece solues plausveis em cadacaso. O resultado lquido que os rivais docristianismo so solapados em cada reade pensamento, no estando assim em po-sio slida para lanar um ataque f cris-t. 37

    Dr. Clark usou o argumento a partir da natureza daverdade de Agostinho para revelar a consistnciainterna do cristianismo. 38 A verdade, argumentaClark, deve existir; logo o ceticismo falso. Atmesmo negar a existncia da verdade (isto , dizer que verdade que no existe verdade) afirmar que a verdade existe e deve existir. Alm disso,no possvel a verdade ser mutvel. O que mudapor definio no pode ser verdadeiro. Negar aeternidade da verdade ( i.e ., dizer que verdadeque a verdade no eterna, ou um dia acabar)confirma sua natureza eterna. E como a verdades pode existir na forma de proposies, ela deveser mental ( i.e ., sendo proposicional, s pode exis-tir na mente). Mas, considerando que a mente dohomem no eterna e imutvel, deve existir umamente superior mente do homem que eterna eimutvel: a mente de Deus. Como afirmam as Es-crituras, Deus a prpria verdade. E se um ho-mem sabe alguma verdade, sabe tambm algo deDeus.

    No sistema apologtico escrituralista consistenteh, portanto, duas etapas: em primeiro lugar o apo-logista deve mostrar ao incrdulo a inconsistncialgica de sua metodologia. Em segundo, deve a-presentar a consistncia interna da cosmovisocrist. Uma vez demonstrados esses dois pontos, oapologista bblico deve exortar o incrdulo a repu-diar seu sistema falso e abraar os ensinamentosdas Escrituras.

    Conhecimento e OpinioUma parte importante da cosmoviso escrituralista a distino epistemolgica entre conhecimento e

    37 Citado em Nash, editor, The Philosophy of Gordon H. Clark ,290; reimpresso em Clark and His Critics , 271.38 Clark, A Christian View of Men and Things , 318ss.; Nash,editor, The Philosophy of Gordon H. Clark , 157-161; reimpres-so em Clark and His Critics , 128-131.

    opinio. Ao longo da histria do pensamento ocidental, filsofos como Parmnides, Plato e Aristteles tm feito corretamente uma distino entreambos. Agostinho e Gordon Clark so apenas doisexemplos de filsofos cristos que fizeram o mes-mo. 39 H uma diferena entre aquilo que conhe-cemos e aquilo sobre o qual podemos ter opini

    es.Na cosmoviso escrituralista, conhecimento no apenas ter ideias ou pensamentos; ter ideias oupensamentos verdadeiros. Conhecimento conhe-cimento da verdade. uma crena verdadeira justi-ficada. Somente a Palavra de Deus (aquilo que,como diz a Confisso de Westminster [1:6], ou expressamente declarado na Escritura ou pode ser lgica e claramente deduzido dela) nos d esseconhecimento.

    Opinies, por outro lado, podem ser verdadeiras oufalsas. Cincia natural opinio; arqueologia o-pinio; histria (com exceo da histria bblica) opinio. Nessas disciplinas no estamos lidandocom fatos.No h nelas crena verdadeira justifi-cada . Opinar algo no conhecer algo. Verda-des justificadas so encontradas somente na Pala-vra de Deus.

    O escrituralista comea com a pressuposio quea Bblia a Palavra de Deus; isso axiomtico. Eleento deduz tudo o mais das Escrituras. Como ohomem chega ao conhecimento de Deus e sua cri-ao? Isso s possvel atravs da autorrevelaode Deus. O conhecimento s possvel porqueDeus escolheu se revelar ao homem. Esse conhe-cimento no recebido ou descoberto por sensa-o ou raciocnio. Todo conhecimento por natu-reza revelacional e proposicional, e sua fonte Deus.

    Limitaes Epistemolgicas e a Linguagem dasEscrituras O escrituralismo assevera que o homem pode conhecer a verdade. Mas isso no significa que ele

    39 Veja W. L. Reese, Dictionary of Philosophy and Religion(New Jersey: Humanities Press, 1980), 402; Ronald H. NashThe Light of the Mind: St. Augustines Theory of Knowledge(Lexington: Kentucky University Press, 1969); Robert CrousKnowledge, em Allan D. Fitzgerald, editor, AugustineThrough the Ages: An Encyclopedia (Grand Rapids: EerdmansPublishing Company, 1999), 488; Clark, An Introduction toChristian Philosophy , 57-92 (Christian Philosophy, 297-323Clark and His Critics, 57-77); e Robbins, An Introduction tGordon H. Clark [Uma Introduo a Gordon H. Clark],TheTrinity Review (Julho/Agosto de 1993).

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    capaz de ter conhecimento exaustivo ( J 11.7;36.26; Salmos 139.6). Somente Deus tem esseconhecimento (Romanos 11.33-34; 1 Corntios2.11). Deus onisciente. Todo o seu conhecimento intuitivo, ao passo que o conhecimento do ho-mem discursivo. H limitaes no conhecimentodo homem no s por causa do pecado, mas tam-

    bm porque ele criatura. At mesmo o Ado sempecado, antes da Queda, jamais poderia ter co-nhecimento exaustivo. Essa limitao no ser re-movida nem mesmo no estado final, sem pecado.

    No obstante, qualquer conhecimento que o ho-mem tem, posto que deva ser uma verdade queDeus sabe, deve necessariamente ser um conhe-cimento igual ao conhecimento de Deus. Isso signi-fica que devemos rejeitar a viso tomista e vantilia-na da predicao analgica. De acordo com Tomsde Aquino e Cornelius Van Til, todo conhecimentoque o homem tem de Deus e sua criao anlo-go. No h um ponto nico de coincidncia entre oconhecimento de Deus e o conhecimento do ho-mem. 40

    O escrituralista no nega que h uma diferenaquantitativa entre o que Deus sabe e o que o ho-mem sabe. H uma vasta diferena no grau de co-nhecimento (Salmos 139.6). Mas no h nenhumadiferena no conhecimento em si. H um ponto decontato entre o que Deus sabe e o que o homemsabe; h um ponto unvoco onde o conhecimentode Deus encontra o conhecimento do homem.Gordon Clark escreve que se nossas mentes e amente de Deus no tivessem algum contedo un-voco, no saberamos nada. Se Deus tem toda averdade, no podemos conhecer qualquer verdadea no ser a conheci da por Deus. 41 A diferenaentre o conhecimento de Deus e o conhecimentodo homem de grau. Deus sabe mais e sempresaber mais que qualquer criatura. Se tudo o quetemos uma analogia da verdade, no temos averdade. Uma mera analogia da verdade, sem um

    40 Thomas Aquinas, Summa Contra Gentiles , XXXII-XXXIV.Cornelius Van Til defendia uma viso similar a de Aquino. Emsua Introduo ao livro de B. B. Warfield,The Inspiration and

    Authority of the Bible , editado por Samuel G. Craig (Phillips-burg, New Jersey: Presbyterian and Reformed PublishingCompany, 1948), por exemplo, Van Til escreve que por cau-sa da natureza analgica da revelao escriturstica que oconhecimento do homem em nenhum ponto idntico aocontedo da mente de Deus .41 Gordon H. Clark,The Pastoral Epistles (Jefferson, Maryland:The Trinity Foundation, 1983), 119.

    ponto unvoco de entendimento, no a verdade.42

    A revelao especial nos dada nas Escrituras proposicional em natureza. O Deus trino das Escri-turas se revelou ao homem na forma de declara-es proposicionais. Ele fala ao homem em verda-

    des universais proposicionais. Proposies socombinaes lgicas e compreensveis de palavras sujeito, verbo, predicado que objetivamenteensinam algo. Elas so o significado de sentenasindicativas. Proposies so ou verdadeiras ou fal-sas. E o que leva uma proposio a ser verdadeira Deus pens-la como verdadeira. Ademais, noexiste algo como uma verdade no proposicional.

    A verdade uma caracterstica, um atributo, dasproposies somente.

    De acordo com o escrituralista, a verdade das Es-crituras no est entre ou acima ou por trsdas palavras ou apenas na mente do intrprete.Nem tampouco so as palavras secretamente sim-blicas ou metafricas, sugerindo alguma verdadesuperior. Pelo contrrio, a verdade de Deus res ide na organizao e no significado lgicos das pa-lavras das prprias Escrituras. 43 Sua verdade vematravs do nosso entendimento dessas proposi-es de acordo com as regras de gramtica e lgi-ca. Assim, a Bblia no contm paradoxos lgicosObviamente essas declaraes proposicionais nopodem ensinar duas ou mais verdades contrriasou contraditrias ao mesmo tempo (como na neo-ortodoxia e no neoliberalismo). Elas ensinam umaverdade de cada vez, e esta nica verdade podeter vrias aplicaes ou implicaes lgicas. Issotambm se relaciona com os eventos da histria eseus significados. Isto , a Bblia no s nos ensinaque certos eventos ocorreram na histria, comotambm nos diz o significado desses eventos. Ainterpretao do evento no deixada para a sub-

    jetividade da interpretao pessoal. As Escriturasnos do o evento e o significado na forma de pro-posies.

    Como mencionado acima, a Bblia diz que JesusCristo a lgica (Logos ) de Deus (Joo 1.1); ele a Razo, a Sabedoria e a Verdade encarnadas ( 1

    42 Clark, Gods Hammer , 30-34, 38, 71. 43 Evidentemente verdade que nem todas as declaraesdas Escrituras esto na forma de proposies. Algumas, por exemplo, so mandamentos, e outras, declaraes de louvor aDeus. Mas mesmo estas podem ser tornadas proposicionaisao se coloc-las em uma sentena maior, por exem plo: Deuor dena isso e aquilo e Deus digno de louvor .

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    Corntios 1.24, 30; Colossenses 2.3; Joo 14.6). Asleis da lgica no foram criadas por Deus ou pelohomem; elas so a maneira de Deus pensar. E vis-to que as Escrituras so parte da mente de Deus ( 1 Corntios 2.16), elas so pensamentos lgicos deDeus. A Bblia expressa a mente de Deus de umaforma logicamente coerente para a humanidade.

    ConclusoO escrituralismo uma cosmoviso crist. a ni-ca cosmoviso consistente ensinada na prpriaPalavra de Deus. O escrituralismo sustenta que aBblia, a Palavra de Deus inspirada, infalvel e iner-rante, fundacional na totalidade da conduta filo-sfica e teolgica de uma pessoa. As Escrituras

    julgam todas as coisas, e no podem ser julgadaspor nenhuma pessoa ou coisa. A Bblia deve ser considerada o ponto de partida axiomtico do cris-to. Ela o princpio primeiro indemonstrvel, oaxioma a partir do qual tudo deduzido. Todo equalquer sistema de crena deve partir de premis-sas indemonstrveis. Se estas premissas podemser provadas, no so princpios primeiros. Por is-so, o cristianismo parte das Escrituras e sua reivin-dicao autoautenticvel de inspirao.

    Citando mais uma vez a Confisso de F deWestminster (1:6):

    Todo o conselho de Deus concernente atodas as coisas necessrias para a glriadele e para a salvao, f e vida do ho-mem, ou expressamente declarado naEscritura ou pode ser lgica e claramentededuzido dela. Escritura nada se acres-centar em tempo algum, nem por novasrevelaes do Esprito, nem por tradiesdos homens.

    Soli Deo Gloria

    Traduzido por Marcelo Herberts