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    "Dark Night Dawning"

    Stacy Absalom1984

    Os beijos de Keir eram doces, deliciosos, traioeiros...Com o corao batendo forte de ansiedade e paixo, Abigail desceu do carro e

    foi ao encontro de Keir, seu ex-noivo. No queria esperar nem mais um segundopara cair nos braos de!e, beij-lo, pedir-lhe que esquecesse as mgoas e aaceitasse de volta.

    Nesse instante, porm, viu o Porsche negro de Keir correndo em sua direo,como um anjo vingador que a quisesse destruir sem piedade. Depois tudo querestou foi a escurido...

    Disponibilizao do livro :Valeria O.Digitalizao: Joyce

    Reviso : Jaque Argentin

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    CAPTULO I

    Abigail estremeceu quando o txi parou diante de Dornfield House. Fora

    tomada de um estranho pressentimento desde que Serge aparecera de surpresa

    e a convidara para assistirem a um concerto oferecido por lady Elizabeth

    Dornfield, a infatigvel mecenas dos msicos. Mas Serge parecia to feliz ao

    ajud-la a descer do txi, que ela preferiu no dizer nada.

    Ouerido Serge. . . Olhou-o, cheia de ternura. O que teria feito sem o seu apoio,

    afeio, incentivo e confiana na capacidade dela de se recobrar do duro golpe

    que sofrera? Abigail no queria mago-lo, por nada neste mundo.

    Serge no deveria saber que aquele lugar era capaz de despertar lembranas queela preferia esquecer. Ele achava que Abigail estava apenas pisando em um

    terreno familiar, retornando a um mundo ao qual um dia pertencera. Um dia...

    Ela j frequentara aquela casa, s vezes na qualidade de concertista e outras,

    como convidada especial. Mas isso parecia ter ocorrido h tanto tempo, que

    dava a impresso de ter sido em outra vida. Era ento uma jovem pianista de

    muito sucesso, que acreditava ser amada. . .

    Abigail julgava que a ferida se encontrasse cicatrizada, mas no era bemverdade. Nessa noite percebia que ainda estava sensvel demais para ser tocada.

    Pensara j estar acostumada ideia de nunca mais poder tocar as msicas dos

    grandes compositores do passado, de nunca mais sentir o silncio expectante

    antes de seus dedos tocarem no teclado de um piano, nem ouvir mais os

    aplausos ao final das execues.

    Mas agora, ao subir relutante os degraus da entrada de Dornfield House, na

    companhia de Serge, compreendia que era muito mais fcil aceitar essa verdade

    na tranquilidade de seu lar.

    Foi uma surpresa ver o hall de entrada quase deserto, pois esperava encontr-lo

    repleto. Havia apenas um pequeno grupo de pessoas, conversando num canto

    distante. Serge parou para tirar-lhe a capa dos ombros e entregou-a a uma

    criada.

    Uma senhora de idade indefinvel e de propores enormes separou-se do grupo

    e aproximou-se deles com os braos estendidos.

    - Abigail, querida, que bom v-la de novo!

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    - Lady Elizabeth. murmurou Abigail, surpresa com "a recepo Calorosa de

    sua anfitri.

    Muito obrigada por ter vindo. Lady Elizabeth beijou-a de leve na face.

    Obrigada por ter me convidado respondeu Abigail, polidamente.

    Lady Elizabeth deu uma risada sonora.

    Minha cara menina, venho amolando Serge h sculos para traz-la. Mas

    durante muito tempo ele nem quis ouvir falar nisso. S admitiu transmitir o

    meu convite quando achou que voc j tinha condies para aceit-lo. Mesmo

    assim, eu estava receosa de que no viesse. Ao ver os olhos de Abigail arre-

    galados de espanto, lady Elizabeth olhou para Serge. Ento voc no explicou

    a ela do que se trata, no Serge?

    Ele tomou a mo de Abigail.

    Minha cara Elizabeth, se eu tivesse feito isso, voc nunca teria visto o seu

    desejo concretizado. S espero que esta jovem me perdoe por engan-la desse

    jeito e que no me castigue deixando de ser minha amiga.

    Serge no havia perdido completamente o sotaque russo, apesar de ter vivido a

    maior parte de sua vida em Londres.

    Enganar-me como, Serge? disse Abigail, apreensiva. Antes que ele pudesse

    responder, lady Elizabeth segurou-a pelo brao e conduziu-a com firmeza emdireo ao pequeno grupo do qual se havia separado.

    Voc logo entender tudo, querida. Venha conhecer o comit de recepo.

    Ao aproximar-se do grupo, Abigail reconheceu perplexa seus componentes. O

    primeiro a apertar-lhe a mo e murmurar uma saudao foi Raphael Andr, o

    famoso regente de orquestra. Cumprimentou a seguir Ling Tan, o jovem

    pianista chins cujo talento sempre havia admirado e cuja timidez e dificuldade

    com a lngua inglesa sempre despertaram sua simpatia. Em seguida, foi a vez deDorinda Clay abra-la. Havia sido sua melhor amiga no conservatrio musical

    e agora se destacava muito como solista de violoncelo.

    James Stevens, que tambm fora seu colega no conservatrio, sorria, radiante, e

    falou:

    Ficamos todos muito abalados quando soubemos de seu acidente, Abby, e

    achamos que esta seria a melhor maneira de ajudar.

    Abigail olhava de um para o outro sem compreender nada. - No tenho a menor

    ideia do que esto falando! Posso saber do que se trata?

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    Dorinda abriu a boca para explicar, mas lady Elizabeth se interps.

    Agora no h tempo. Todos esto esperando.

    Ela foi at as portas duplas, que davam para o salo de recepes, e abriu-as

    diante de Abigail. No salo estavam dispostas fileiras e mais fileiras de cadeiras,

    todas ocupadas. Todos se voltaram para Abigail e levantaram-se para aplaudi-la.

    Abigail deu-se conta de que seu vestido preto de chiffon estava fora de moda.

    Era uma relquia do tempo em que ela precisava desse tipo de traje para se

    apresentar em pblico. Aqueles olhares fixos em sua pessoa deixavam-na ciente

    de como havia emagrecido, de como a magreza de seus braos transparecia

    atravs do tecido difano das mangas compridas.

    Levou involuntariamente a mo aos cabelos dourados, presos num coque alto.

    Surpreendeu-se ao constatar que era a mo esquerda, enluvada, que se havia

    levantado. Constrangida, baixou-a e escondeu-a entre as dobras da saia.

    "Como Serge pde fazer uma coisa dessas? Exibir-me como uma aberrao

    qualquer, num parque de diverses?", ela pensou.

    Mas a plateia, sorridente, no via aberrao alguma. Viam apenas uma moa

    frgii, muito magra e cujo pescoo delgado dava a impresso de no ser

    suficientemente forte, nem mesmo para sustentar o peso dos cabelos lustrosos.

    Uma moa bonita, cujos olhos escuros e assustados faziam-na parecer maisjovem que seus vinte e cinco anos.

    Ela se virou para o seu acompanhante, em pnico.

    Serge. . .

    Ele lhe deu uns tapinhas na mo, o rosto sereno e bem-feito cheio de

    compreenso.

    Acalme-se, querida. Todos aqui so seus amigos e gostam muito de voc.

    Todos na plateia, que estavam suficientemente perto para testemunhar o modocomo ela buscava proteo em seu velho mestre, ficaram comovidos. Vendo que

    Abigail ainda parecia paralisada, Serge pediu:

    Querida, no prive os seus amigos desta oportunidade de mostrar o quanto

    voc significa para eles.

    Lady Elizabeth j estava andando por entre as fileiras de cadeiras, e Abigail

    compreendeu que faria papel de tola se seguisse seu impulso e sasse correndo

    dali. Reunindo toda a coragem, permitiu que Serge a conduzisse por entre a

    plateia. Sentou-se no lugar que lhe foi indicado e pegou, sem olhar, o programa

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    que Serge lhe ofereceu.

    Depois que os espectadores voltaram a sentar-se e a orquestra comeou a tocar

    os primeiros acordes da abertura de Don Gio-vanni, de Mozart, Abigail olhou de

    relance para o programa e viu: Concerto em Homenagem a Abigail-Paston.

    Ento, comeou a entender o motivo dos comentrios feitos por lady Elizabeth e

    pelos ex-colegas. Virou-se com uma expresso reprovadora para Serge.

    Desculpe, talvez eu devesse ter lhe contado. . . ele sussurrou.

    Abigail reconheceu que no teria vindo, por nada no mundo, se ele tivesse

    contado. As intenes de seus amigos e colegas eram boas, comoventes, mas ela

    no podia deixar de sentir-se um pouco humilhada por achar que estava sendo

    alvo de caridade.

    Abigail tinha vindo a Londres para uma consulta com o mdico que estava

    tratando de sua mo. E teria voltado ao seu chal no mesmo dia, se no tivesse

    dado ouvidos s palavras lisonjeiras de Serge.

    "Faamos disso uma ocasio. . .", escrevera ele em uma de suas cartas, que eram

    alis o nico contato dela com o mundo da msica desde o acidente.

    "Faa feliz um homem velho, vindo ficar comigo durante pelo menos alguns

    dias. Marcarei uma entrevista com seu editor musical. O sr. Bowers ficou en-

    cantado com aquela primeira coleo de estudos que voc escreveu e estansioso por receber o segundo volume. Voc poderia entreg-lo pessoalmente.

    Tambm comprarei ingressos para um concerto, por isso traga um vestido de

    noite bem bonito." Por causa da velha amizade entre eles, Abigail aceitara o

    convite.

    Serge Markovitch fora um de seus professores no conservatrio musical, talvez o

    mais rigoroso, e Abigail sempre se esforara para para satisfaz-lo. Desde o

    incio da relao, uma grande afinidade se estabelecera entre os dois. Elereconhecia o talento a sensibilidade dela; ela absorvia prontamente os

    ensinamentos do experiente mestre, reagindo a eles como uma esponja seca a

    presena de gua.

    Ao final desse primeiro ano no conservatrio, ele se aposen-tara, mas

    continuara a lhe dar aulas particulares. Mesmo quando a carreira musical de

    Abigail estava no auge, eles continuaram a manter contato. Ela lhe enviava

    ingressos para todos os seus concertos em Londres e lhe escrevia, sempre que

    estava em excurses. Visitava-o frequentemente em sua casa em Chelsea, as

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    quem entrou em cena para cuidar de tudo. Providenciou o funeral e tentou

    convencer Abigail a voltar para Londres. Na poca ele argumentava que, como a

    velha senhora havia gastado todas as economias com os estudos da neta que no

    dispunha de renda prpria, ela no poderia continuar morando em Mill House.

    Mas este segundo golpe teve o efeito de arrancar Abigail de seu torpor. A ideia

    de voltar para Londres, onde "ele" talvez, estivesse, encheu-a de pnico. O bom

    senso fazia lembrar que Londres era uma cidade grande e havia poucas chances

    de se encontrarem. Mas depois daquela coisa inacreditvel que ele tentara lhe

    fazer, o simples pensamento de estar num raio de poucos quilmetros dele

    arrepiava-a at a alma. S em Great Wiston ela estava comeando a sentir-se

    segura, principalmente porque Marmion tinha agora um novo proprietrio.

    Foi o vigrio quem resolveu seu problema. Dodie's Retreat era uma fileira de

    chals construdos na virada do sculo, para abrigar teceles aposentados. Mas,

    por ficarem muito distantes da aldeia, poucas pessoas idosas quiseram ir viver

    l, apesar dos baixos aluguis. O vigrio, na qualidade de curador dos chals,

    ofereceu-lhe um em condies facilitadas, e ela aceitou-o com prazer.

    O chal era. ura tanto primitivo e oferecia muito pouco conforto, comparado

    com a casa de sua av. O menor dos dois quartos de dormir havia sido

    transformado num banheiro, mas o nico lavatrio da casa ficava no quintal. Ofogo antigo da cozinha, alm de dispor de um prtico forno lateral, funcionava

    tambm como aquecedor, pois fornecia gua aquecida em sua caldeira traseira.

    Entretanto, aparelhado com alguns objetos de sua av, o chal at que se

    tornara confortvel. E com o rendimento do aluguel de Mill House, ela possua o

    suficiente para viver, embora de forma modesta.

    Alis, muito modesta. . .", Abigail pensou quando terminou a abertura de

    Mozart e o pblico ps-se a aplaudir.A seguir vieram ao palco James Stevens, Dorinda Clay e Ling Tan, para a

    interpretao do Concerto Triplo de Beethoven para piano, violino e violoncelo.

    Serge tinha ficado muito transtornado com a deciso dela de morar no chal e

    voltara irritado para Londres. Abigail at pensou que fosse perder sua amizade.

    Mas ele passara a escrever-lhe duas vezes por semana, cartas longas, afetuosas,

    que a faziam sentir-se menos s e menos esquecida do mundo. s vezes essas

    cartas continham crticas construtivas e elogios sobre as msicas que ela passou

    a enviar-lhe.

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    No comeo Abigail achou que os elogios se devessem a uma vontade de

    encoraj-la e de elevar seu moral. Mas quando seu primeiro livro de ensaios

    para piano ficou pronto e foi aceito para publicao, ela foi forada a acreditar

    que os elogios eram inceros e sentiu-se incentivada a tentar composies mais

    am-biciosas. Foi ento que aprendeu que as crticas dele podiam ter to severas

    quanto as de seu tempo de estudante. No esperava ouvir seu preldio

    executado, a menos que conseguisse persuadir Serge a toc-lo enquanto

    estivesse em Londres. . .

    Uma nova onda de aplausos se elevou sua volta, e Abigail deu-se conta de que

    o Concerto Triplo havia chegado ao final sem que ela tivesse ouvido uma nota

    sequer. Sentindo-se culpada, ergueu-se e aplaudiu os trs solistas com

    entusiasmo.

    Dorinda e James deixaram o palco enquanto Ling Tan retornava ao piano.

    Quando ele tocou os primeiros acordes com seus dedos geis, repentinamente

    Abigail sentou-se, ao reconhecer a msica.

    Serge apertou-lhe de leve a mo, e ela fitou-o sorridente com os olhos

    arregalados. Sem dizer nada, ele abriu o programa em seu colo e indicou o

    ltimo item: Preldio, de Abigail Paston.

    Seu Preldio! Ling Tan o executava diante de um salo cheio de algumas dasfiguras mais respeitadas e influentes do mundo da msica.

    Abigail conhecia cada nota, pois vivera durante meses com a msica na cabea,

    mas ouvi-la sendo tocada era uma experincia indescritvel. A msica lhe

    parecia maravilhosa, mas ela sabia que no tinha objetividade suficiente para

    saber se era realmente boa.

    Quando os acordes finais se dissiparam, houve um momento de silncio e

    depois os aplausos irromperam. Transbordante de gratido por Ling Tan ter-lheprestado uma homenagem ao tocar o preldio, Abigail aplaudiu muito

    entusiasmada enquanto ele fazia suas mesuras de agradecimento. Mas, em vez

    de sair para os bastidores, Ling Tan desceu do palco e estendeu a mo para ela.

    Serge empurrou-a e, antes que se desse conta do que estava acontecendo, ela

    tambm estava em p no palco, participando da aclamao feita ao solista.

    Ling Tan ergueu-lhe a mo e fez uma mesura antes de recuar com um largo

    sorriso no rosto. Depois, percebendo sua emoo deu novamente um passo

    frente para abra-la. Os primeiros gritos de aprovao se elevaram em coro.

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    Comovida e exultante por essa evidncia de que ainda tinha um lugar no mundo

    da msica, Abigail lutou contra o n que sentia na garganta e contra as lgrimas

    que lhe assomavam aos olhos.

    Quando parecia que o auditrio no ia mais parar de aplaudir, lady Elizabeth

    subiu ao palco e ergueu imperiosamente a mo.

    Senhoras e senhores! Eu no quero tornar esta ocasio emocionante demais

    para a nossa convidada de honra. Como vem, Abigail j est em estado de

    choque, e vocs vo compreender o motivo quando eu lhes contar que ela no

    tinha a menor ideia de que este concerto lhe seria dedicado e que uma de suas

    obras seria executada.

    Lady Elizabeth voltou-se para ela, sua voz suavizando-se perceptivelmente, e

    continuou:

    Abigail, querida. . . Esperamos que voc nos perdoe por esta surpresa. Mas

    todos nesta sala. . . e muitos outros que no puderam ser acomodados. . .

    queremos expressar nossa solidariedade a voc por seu infortnio. Sentimos

    muito a sua falta, querida, e doloroso pensar que voc nunca mais poder

    tocar para ns. Mas esperamos que isto facilite um pouco a sua entrada numa

    nova carreira. . . compondo msicas ao invs de execut-las. Ela entregou a

    Abigail um papel.Abigail olhou estupefata para o cheque em sua mo, ainda confusa com os

    aplausos e os flashes das cmaras da imprensa. Era muito dinheiro! Mordeu o

    lbio, sentindo um n na garganta.

    Ainda estava se recompondo, quando os aplausos foram finalmente morrendo

    at se transformarem em murmrios. Compreendeu que todos esperavam que

    dissesse alguma coisa. Olhou assustada para Serge, na primeira fila, e o sorriso

    dele fez muito para tranquiliz-la. No podia desapont-lo fraquejando. . . Eu... realmente no sei o que dizer... comeou com voz tremula.

    Obrigada, Ling Tan. . . por ter tocado a minha msica! a primeira vez que a

    ouo, e no existem palavras que possam explicar o que isso significa para mim.

    E obrigada a vocs todos. . . por sua grande generosidade. Eu. . . jamais pensei

    que tivesse tantos amigos maravilhosos! concluiu, dirigindo-se plateia, e a

    emoo finalmente tomou conta dela, que no pde conter um soluo.

    Urna onda de palmas fez novamente os pingentes dos candelabios tremerem.

    Ling Tan ajudou-a a descer plateia, onde Serge esperava por ela, e os dois

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    seguiram lady Elizabeth at as grandes portas duplas.

    Uma vez chegando ao espaoso hall, Abigail suspirou de al-vio, mas logo

    compreendeu que as surpresas no haviam terminado quando a anfitri falou:

    Agora vamos jantar, querida. H tantas pessoas que querem"conversar com

    voc.

    Ela olhou para seu acompanhante com uma expresso de splica.

    Serge. . . ser que preciso ir mesmo?

    O olhar de Serge era complacente, mas ele segurou com firmeza seu brao e os

    dois seguiram a anfitri.

    Sim, precisa. Minha cara menina, voc deu um passo gigantesco esta noite.

    Provou que, embora a concertista Abigail Paston esteja morta, em seu lugar

    surgiu a compositora Abigail Paston. Muito poucas mulheres alcanaram

    sucesso neste campo, mas esta noite voc fez uma iniciao. Se quiser

    prosseguir, ter que enfrentar o julgamento de seus colegas, aprender atravs

    das crticas de pessoas cujas opinies voc respeita. Voc disse, agora h pouco,

    que no sabia que tinha tantos amigos. No os deixe fora de sua vida, querida

    concluiu ele, com um sorriso encorajador.

    Abigail corou um pouco diante da suave reprimenda, que sabia ser merecida.

    Todos esses meses trancada em seu chal, isolada, a haviam tornado egosta,envolvida demais em seus prprios problemas e sentindo uma necessidade de se

    esconder do mundo a fim de que este no lhe pudesse infligir mais danos.

    Respirou fundo para acalmar o nervosismo e seguiu lady Elizabeth at a sala de

    visitas, onde aceitou uma taa de champanha. A sala de estar de Dornfield

    House era quase to grande quanto a de recepes no andar trreo, mas ela logo

    pareceu ficar pequena, medida que todos os que estavam presentes ao

    concerto foram subindo. Todos queriam conversar com Abigail e mostrar seuencantamento por ela estar de volta, elogiando a estreia em sua nova carreira de

    compositora.

    Serge ficou ao seu rado enquanto se moviam de um grupo para outro, e Abigail

    no percebeu o momento exato em que ele a deixou. Estava conversando com

    Ling Tan quando se deu conta de que seu velho amigo j no se encontrava ao

    seu lado. Sentiu uma ansiedade momentnea. No entanto, o champanhe que

    estivera bebericando, o calor demonstrado por seus colegas, e a gentileza de

    Ling Tan tinham servido para relaxar sua tenso.

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    Ficaram discutindo sobre o Preldio e a interpretao dele, at que a figura

    austera de Raphael Andr, o regente conhecido por sua aspereza e por seu

    perfeccionismo, se aproximou. Abigail j trabalhara com ele em diversas

    ocasies e prezava muito sua opinio. Ele a olhou de maneira penetrante, e ela

    esperou ansiosa por seu veredicto.

    uma obra brilhante, Abigail ele disse.

    Abigail suspirou de alvio e prazer, mas percebeu que isto foi prematuro quando

    Raphael continuou:

    Mas onde esto a emoo e o sentimento que voc costumava colocar em

    suas apresentaes? Seu Preldio tinha o brilho de um diamante lapidado com

    perfeio, mas estava destitudo de sua chama interior.

    Antes que ela pudesse reagir ao julgamento, uma voz atrs dela disse:

    Tambm penso da mesma forma.

    O estranho pressentimento que a perseguira durante toda a noite cristalizou-se

    ao som daquela voz, do leve sotaque canadense, outrora to familiar. Ela soube

    ento que era disso que estava com medo, embora no tivesse visto mais aquele

    homem desde a noite fatdica em que enxergara seu rosto atravs do pra-brisa

    escuro do carro.

    Plida, Abigail voltou-se para olh-lo. Ele continuava atraente como sempre; oscabelos escuros estavam um pouco mais compridos e ele ainda tinha a mesma

    cicatriz no lado direito do lbio superior, adquirida numa briga em um

    acampamento madeireiro. Seu terno, perfeitamente talhado, no escondia a

    fora dos ombros largos; os pequenos vincos nos cantos de seus olhos no

    suavizavam a frieza do olhar.

    Keir Minto. . . O homem que transformara o amor e confiana em dor e

    incerteza. O homem que planejara insensivelmente aquela cilada, que quase lheroubara a vida.

    O choque de v-lo de novo transformou-se em terror. Abigail viu, com a

    respirao suspensa, as sobrancelhas dele se juntarem numa expresso

    indagadora, mas foi incapaz de desviar o olhar daquela fonte de perigo.

    Ouviu a voz de Raphael Andr vinda de muito longe:

    Se conseguisse recuperar aquela chama interior que j teve, voc produziria

    obras de mrito duradouro.

    Aquela voz interrompeu a sua paralisia. Uma espcie de armadura a envolveu,

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    privando seu rosto de qualquer expresso. Abigail virou-se para o regente a fim

    de se desculpar pela desateno, mas ele j se afastava. E, de alguma forma, sem

    que ela notasse, Keir havia se colocado entre ela e a multido, isolando-a.

    Abigail entrou mais uma vez em pnico e ele exclamou segurando-lhe o brao:

    Pelo amor de Deus, pare de me olhar como se eu fosse Frankenstein! S

    quero conversar com voc. . . saber como tem estado desde. . . Interrompeu o

    que estava dizendo quando ela agitou to violentamente a sua taa de

    champanhe que derramou a bebida.

    Keir tomou a taa de sua mo e colocou-a em cima de uma mesa, mas no

    soltou-lhe o brao.

    O que, diabos, andou fazendo? Seus nervos esto em frangalhos e voc est

    mais magra que um prisioneiro de guerra. Keir soltou-a, mas vendo que ela

    continuava calada, insistiu com aspereza: Perguntei o que voc tem feito para

    ficar nesse estado.

    Abigail tentou passar por ele, torcendo para que Serge viesse salva-la, mas o

    corpo poderoso de Keir bloqueava-lhe a viso. Algum por perto riu e isto lhe

    deu coragem. Embora no conseguisse ver as pessoas, sabia que havia muitas

    por perto, e isto a tranquilizou um pouco.

    O que ele quer de mim? Por que me procura depois de tanto tempo? Claro queno para perguntar sobre a minha sade!"

    Ela respondeu num tom de voz inexpressivo, mantendo os olhos baixos:

    No fiz nada.

    No me venha com essa! Da ltima vez em que a vi voc estava perfeitamente

    bem, e agora parece que est passando fome.

    Abigail ficou tensa e ofegante com a lembrana daquela traio final: o carro

    investindo sobre ela, com Keir ao volante. Da ltima vez em que me viu, no esperou para saber se eu estava viva ou

    morta. Por isso no finja que est ligando agora disse, com os dentes

    cerrados.

    A amarga acusao foi recebida em silncio, mas ela no conseguiu olhar para o

    rosto dele.

    Sei que voc ficou descontrolada quando rompi o nosso noivado, mas nem

    mesmo uma mulher possessiva como voc morre por causa de um corao

    partido.

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    Possessiva. . . Mesmo agora a injustia dessa acusao era capaz de feri-la. O

    que havia de possessivo no fato de ela fazer objees ligao dele com outra,

    quando planejavam se casar?

    No estou falando sobre o rompimento de nosso noivado, e voc sabe disso

    afirmou, com um tremor na voz.

    Sua mo esquerda doa e latejava, como no acontecia h tempos, como se os

    ossos, nervos e tendes avariados estivessem revivendo as agonias passadas.

    Ento, sobre o que est falando? perguntou ele, com impacincia.

    Segurou-lhe os ombros de novo, e por um momento Abigail pensou que fosse

    sacudi-la. Em todo caso, voc no levou muito tempo para se recobrar do

    nosso rompimento, no mesmo? Voc logo encontrou um substituto. Oh, sim,

    novas viagens. . .

    Abigail pestanejou, tentando entender o que ele estava dizendo. Seu pnico e

    sua confuso aumentaram.

    Eu... no sei do que est falando. . .

    Ficaria surpresa se soubesse que me preocupei com o modo como a deixei?

    Claro que sim!

    Se me conhecesse realmente, no ficaria surpresa. Mas acontece que voc

    nunca me conheceu de verdade, no mesmo, Abigail? Fiz indagaes; pedi aalgum para ver como voce estava, o que andava fazendo.

    Ela sentiu um arrepio ao longo da espinha ao saber que e havia mandado

    algum espion-la.

    Por qu? Por que queria saber de mim?

    O que voc acha?

    Seu corao comeou a bater com fora. Keir fizera com que algum a seguisse,

    observasse, talvez para terminar aquilo que ele comeara. Por favor. . . no acha que j fez o bastante? Se estive" com medo de que eu o

    denuncie, no precisa se preocupar. E no contei polcia quem estava

    dirigindo o carro na ocasio e no pretendo contar nunca.

    Carro? Que carro? Est falando por enigmas, menina. Abigail seria capaz de

    jurar que o espanto dele era autntico, mas ha um ano ela tambm poderia jurar

    que Keir Minto seria incapaz de fazer o que fez. Olhou-o estarrecida. Se no era

    atras de uma garantia de silncio que ele estava, ento o que desejava? Por que

    estava fazendo esse jogo cruel de gato e rato? Ele segurou-lhe os braos com

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    fora e continuou:

    - Deixe de fazer rodeios, Abigail. Esta a primeira vez que ouo mencionar o seu

    nome desde que voltei Inglaterra, fez seis meses. Por isso, agora que a

    descobri, quero algumas respostas diretas. Que acidente foi esse sobre o qual

    todo mundo esta falando? Foi realmente to grave, a ponto de voc ter desistido

    de sua carreira bem-sucedida para comear a compor msicas? O que

    aconteceu, Abigail?

    Voc tem mesmo muito topete, no? Est bem, ento voc no esperou para

    ver os danos que causou, mas deve ter lido nos jornais. Disseram que isto foi

    publicado em todo o pas. Voc deve ter sabido que destruiu a minha carreira.

    At mesmo os pianistas mais brilhantes precisam de duas mos.

    Sua raiva e sua amargura lhe deram foras para empurr-lo. Os olhos dele

    foram atrados prontamente para a luva preta, que ela vinha escondendo at

    ento.

    Sua mo! Voc feriu a mo? Nesse instante ela ouviu a voz de Serge.

    A est voc, querida. Eu comeava a pensar que voc tinha ido embora sem

    mim.

    Suspirando de alvio, Abigail aproximou-se dele e segurou-lhe o brao.

    No vai me apresentar ao seu... amigo, Abigail? Keir perguntou, irnico.Com o apoio de Serge, e agora vendo muito bem todos na sala, Abigail pde

    ignorar a ameaa de Keir.

    Este Serge Markovitch, meu ex-professor e um amigo muito querido.

    Keir olhou-a de maneira penetrante e estendeu a mo.

    Uma vez que Abigail no parece disposta a completar as apresentaes, eu

    mesmo terei que fazer isso. Sou Keir Minto, ex-noivo de Abigail.

    Serge apertou-lhe a mo e olhou surpreso para Keir. Ento voc o homem que uma vez iluminou a vida desta moa! No sei o

    que aconteceu entre os dois para apagar essa luz, mas gostaria que voc ainda

    estivesse por aqui na ocasio do acidente. Ela nunca precisou tanto de voc.

    Abigail negou com veemncia:

    No! Ele era o ltimo homem na Terra de quem eu precisava. Gostaria at de

    me esquecer que ele havia nascido! Serge, podemos ir embora agora? Por favor!

    Notando sua palidez, Serge deu-lhe uns tapinhas na mo e respondeu:

    Claro, querida! Boa noite, sr. Minto.

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    Abigail... Ela ouviu Keir chamar, mas no se voltou para trs.

    Abigail ainda estava tremendo quando Serge ajudou-a a descer do txi em frente

    casa de Chelsea, que sempre fora quase um lar para ela, desde seus tempos de

    estudante. Naquele momento, depois de todos os choques e tenses da noite, ela

    lhe parecia mais do que nunca um refgio. Enquanto Serge procurava a chave

    da porta, olhou por cima dos ombros dele como se receasse que Keir os tivesse

    seguido.

    A sala de estar do andar trreo estava quente, e pesadas cortinas vermelhas

    deixavam para fora a noite, com todas as suas ameaas. Abajures vermelhos

    lanavam uma luz rsea e as chamas da lareira a gs davam ao ambiente um

    toque domstico, mas Abigail continuava a tremer.

    Serge pegou solicitamente sua capa e a fez sentar-sc numa poltrona, perto do

    fogo.

    Conforme havia prometido, a sra. Price nos deixou um lanche preparado.

    Ele destampou uma garrafa trmica e despejou chocolate quente em duas

    xcaras, convencendo Abigail a comer um sanduche.

    O chocolate aqueceu-a um pouco, mas ela ainda estava tensa, esperando que

    Serge lhe perguntasse sobre Keir. Para seu alvio, ele no fez nenhum

    comentrio sobre aquele encontro, em vez disso falou sobre o concerto. Voc ficou surpresa ao ouvi-lo? Abigail sorriu.

    Surpresa?! Quase ca da cadeira! Eu nem sabia que o senhor havia mostrado

    a partitura a outras pessoas. Nunca tinha falando nisso.

    Os olhos de Serge brilharam.

    -Voc no vai achar ruim por este velho aqui ser um pouco intrometido, vai?

    Ling Tan ficou interessado quando contei que voc havia composto uma obra

    que merecia ser includa no programa. E por acaso tambm mencionei ao seueditor que Ling Tan estava com a ideia de executar a msica diante de um

    publico to ilustre, caso as cpias pudessem ser produzidas em tempo.

    -Quer dizer que a partitura tambm foi publicada? Ele estendeu a mo e pegou

    uma partitura em cima de uma mesinha, jogando-a sobre o colo dela. Sorrindo,

    triunfante.

    -Eu no podia perder oportunidade de deixar o mundo saber o que voc est

    fazendo agora, Abigail!

    Folheando a cpia de seu primeiro trabalho srio, Abigail sentiu uma emoo

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    profunda.

    - Mas voc nunca disse nada, Serge. . . Satisfeito, ele recostou-se na poltrona.

    - que acabei desenvolvendo um certo gosto pela intriga, Abigail. Alm disso,

    eu temia lhe contar. Achava que voc no viria ao concerto se soubesse que a sua

    msica ia ser tocada.

    Voce me perdoa? No foi uma provao to grande assim, foi? Ele a olhou

    afetuosamente, sensibilizando-a. Serge jamais sa-beria como havia sido duro.

    No o concerto em si, mas o que aconteceu depois. . .

    Para apagar a lembrana ameaadora de Keir Minto, falou da critica que havia

    ouvido:

    Raphael Andr achou que faltava fora interior na minha musica.

    A expresso complacente de Serge desapareceu no mesmo instante.

    A rudeza daquele homem chega a ser brutal!

    Quer dizer ento que concorda com ele? Serge respondeu, com cautela:

    E verdade que os seus infortnios ofuscaram um pouco o seu esprito forte, e

    isto transparece em sua obra. Mas no se preocupe, querida, pois isso

    passageiro. Voc jovem e acabar se recuperando, e a sua verdadeira natureza

    voltar a se afirmar. Ele hesitou um pouco, depois perguntou: Aquele

    jovem com quem voc estava conversando esta noite. . . No seria ele a pessoacapaz de fazer acender novamente aquela centelha interior que havia em voc?

    Abigail estremeceu.

    No, nunca!

    Serge suspirou, com pesar.

    Tem razo. Voc ainda est submersa nas cinzas de um velho amor. Mas ter

    outros amores, Abigail. Isto to inevitvel quanto o nascer do sol.

    Ele se levantou, e s ento Abigail notou como estava cansado e abatido. Elatambm se levantou e Serge a acompanhou at a porta do quarto, beijando-a

    levemente na testa.

    Boa noite, minha filha. Durma bem.

    Abigail entrou e fechou a porta. No meio do quarto, cruzou os braos e ficou

    ouvindo os passos dele pelo corredor.

    Outros amores? Oh, no! Serge estava enganado. Nunca mais iria permitir que

    algum se aproximasse dela para mago-la como Keir havia feito. Ele infligira

    sofrimentos que bastariam para diversas existncias. Seria muito melhor fechar-

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    se no chal, junto com seu trabalho, a arriscar-se a sofrer tanto novamente. Era

    prefervel viver a vida pela metade, resguardando-se na segurana do dia-a-dia,

    a confiar de novo no amor de um homem.

    Ela atravessou o aposento e mirou-se no espelho da parede. Amor! Keir nunca a

    amara. Sem dvida ele fora muito convincente durante algum tempo, levando-a

    a acreditar que estava apaixonado por ela. To profundamente que tinha uma

    amante, enquanto insistiu para que Abigail promovesse as mudanas na casa

    que seria deles. To profundamente que, ao primeiro protesto seu, Keir rompera

    tudo, chamando-a de ciumenta e irracional.

    Como pudera se iludir com um homem to frio e cruel, que tinha sido capaz de

    armar aquela cilada diablica para destru-la?

    Abigail sentou-se na banqueta da penteadeira e enterrou o rosto nas mos. Por

    qu? Por que Keir tinha atentado contra a vida dela? Esta era a pergunta que a

    perseguia h meses e que, provavelmente, continuaria a persegui-la para

    sempre. S porque ela tentara v-lo mais uma vez?

    Ela baixou as mos e viu seus olhos assustados no espelho. Agora havia uma

    pergunta ainda mais inquietante ardendo em sua mente: por que Keir tinha

    voltado depois de tanto tempo?

    Por que tentava entrar de novo em sua vida, logo agora que ela estavacomeando a sair do abismo no qual ele a atirara?

    CAPTULO II

    Abigail despediu-se e deitou-se, mas no conseguiu dormir. Cada vez que

    fechava os olhos, exergava bem ntido o rosto de Keir, trazendo-lhe lembranas

    que h muito tempo ela supunha definitivamente sepultadas. Acendeu almpada da mesinha-de-cabeceira e tentou ler, porm em vo, pois no havia

    como controlar os pensamentos que lhe povoavam a mente.

    Lembrou-se de quando vira Keir pela primeira vez, vestido com um elegante

    terno cinza-escuro. Foi em Toronto, no Canad, no primeiro de uma srie de

    concertos de uma turn que ela fazia pelo pas. A platia, uma das maiores para

    as quais j havia tocado, tinha reagido de forma especialmente calorosa.

    A programao a que se propusera sem dvida exigiria muito dela, o que a fazia

    sentir-se bastante nervosa. Concerto para Piano em Mi Bemol Maior, de Mozart,

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    e Concerto para o Imperador, de Beethoven.

    Mas, to logo sentou-se ao piano e comeou a tocar, estabeleceu-se um fluxo de

    energia positiva e de cumplicidade entre ela e a platia repleta; uma espcie de

    magia teve lugar. Ao terminar os ltimos acordes, ouviu a maior e mais

    entusistica ovao de sua vida at aquele momento.

    Durante a recepo aps o concerto, todos os msicos, amantes da msica e a

    nata da sociedade de Toronto a disputavam. O salo estava cheio e o burburinho

    era ensurdecedor, mas o prazer de ser cortejada como uma celebridade era

    inebriante.

    Um homem baixo, calvo e um tanto pomposo, que se nomeara guia de Abigail,

    apresentava-a de grupo em grupo quando de repente ela reparou num outro

    homem.

    Alto e moreno, ele se destacava de todos os demais. Tinha o aspecto de quem

    vivia a maior parte do tempo ao ar livre, e o rosto de expresso forte mostrava

    uma pequena cicatriz no canto da boca. Mas os olhos dele que mais lhe

    atraram a ateno.

    Cinzentos, emoldurados por sobrancelhas espessas e escuras, emanavam um

    magnetismo que prendeu de imediato seu olhar.

    Esquecendo-se de todas as outras pessoas sua volta, estendeuinvoluntariamente as mos na direo dele. Ele as segurou, virou-lhe as palmas

    para cima e estudou seus dedos longos, sua aparencia frgil.

    Parece incrvel que essas mos tenham tanto poder! -O senhor tambm

    msico? ela perguntou, meio ofegante, sentindo as mos dele fechando-se

    sobre as suas. Ele meneou a cabea e sorriu, melanclico.

    Aprendi a tocar um pouquinho de piano, mas o instrumento que domino bem

    uma serra eltrica. Abigail, voc est conversando com Keir Minto, um dos homens de negcios

    mais bem sucedidos do pas. o anfitrio disse, pomposamente. Madeira,

    agricultura, minerao, eletrnica. . . tudo.

    Abigail pestanejou. Ele possua sem dvida um ar de muita segurana, mas no

    devia ter mais que trinta e cinco anos.

    Encantada em conhec-lo, sr. Minto. a primeira vez que falo com um

    magnata.

    Ele sorriu, irnico, ainda segurando as mos de Abigail.

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    Pode me chamar de Keir. Deve ter notado que somos menos formais aqui do

    que na Inglaterra.

    Conhece bem a Inglaterra?

    Minha me inglesa, e costumo passar algum tempo por l.

    O homem que fazia as vezes de anfitrio interveio:

    Agora voc precisa conhecer. . .

    Segurou-a pelo brao com firmeza, pretendendo conduzi-la dali e obrigando

    Keir a solt-la. Ela sorriu pesarosa e deixou-o.

    Durante a meia hora seguinte, enquanto recebia cumprimentos, Abigail

    percebeu que Keir continuava olhando e sorrindo, fazendo com que de vez em

    quando ela perdesse o fio da conversa.

    A certa hora, olhou na direo em que esperava encontr-lo e decepcionou-se

    por no o ver mais. Era como se uma fonte de luz e calor houvesse subitamente

    sido apagada; como se a meia-noite de Cinderela tivesse chegado, dissipando

    toda a magia.

    "Claro que apenas cansao!", disse a si mesma.

    At ento, o jbilo pelo sucesso a mantivera animada, mas agora essa exaltao

    enfraquecia. Naquele momento desejou a tranquilidade e a intimidade de seu

    quarto no hotel.Quando a multido finalmente comeou a rarear, para alvio de Abigail, o

    anfitrio desfez seus planos de ficar sozinha:

    Convidei algumas pessoas importantes para jantar em minha casa e,

    naturalmente, espero que voc se junte a ns.

    Enquanto Abigail pensava numa maneira de recusar o convite sem ofender o

    homem, ouviu algum dizer:

    Sinto muito, Edgar, mas j providenciei um jantar tranquilo para Abigail.No est vendo como ela est exausta?

    Abigail olhou perplexa para os olhos cinzentos, que a desafiavam a negar sua

    afirmativa. Sob os protestos do anfitrio, Keir passou o brao por sobre os

    ombros dela e a-conduziu para a sada.

    Voc parece uma cora assustada ele brincou.

    Eu. . . pensei que tivesse ido embora. No acha que foi deselegante de nossa

    parte deixar Edgar na mo, daquele jeito?

    Voc por acaso tinha alguma vontade de jantar com ele e todas aquelas

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    pessoas sem graa, da alta sociedade?

    Ela sorriu, travessa.

    Bem. . . para dizer a verdade, no! E agora no estou to cansada quanto

    pensava.

    Ele a abraou com mais fora.

    Meu bem, o que voc estava sentindo era muito mais tdio do que cansao.

    Mas pode deixar que voc no vai se entendiar mais at o final da noite.

    Keir abriu a porta para ela sair, e uma brisa fresca soprou em seus cabelos. Um

    carro grande, de fabricao americana, estava estacionado junto ao meio-fio.

    Abigail entrou, suspirando aliviada ao sentar-se. Logo em seguida ele tomou

    assento.

    Nunca vi nenhum carro to grande e luxuoso! O meu cabe no porta-malas

    deste aqui e ainda sobra espao para a bagagem.

    Keir colocou uma fita no aparelho de som e ela recostou-se em sua poltrona,

    relaxando ao ouvir os primeiros acordes do Noturno, de Chopin.

    Mas essa a minha gravao! exclamou, erguendo-se de repente.

    Isso mesmo.

    Mas. . mas como? Quer dizer, eu no sabia que algum daqui j tivesse me

    ouvido. Pois eu j a ouvi. Ele sorriu. Tambm j a vi tocar no Purcell Room de

    Londres. Mas as primeiras vezes foram no De Montfort Hall e no Leicester.

    Leicester! O que voc estava fazendo l?

    No faa pouco-caso daquele lugar. Tenho uma casa l. Na verdade, a uns

    nove quilmetros da cidade, perto de uma pequena aldeia. um lugar

    interessante ede fcil acesso, e ainda com a vantagem de ficar longe de Londres.

    Quando quero fugir da agitao da capital, vou correndo para l. No estou fazendo pouco-caso de Leicester, que conheo bem a cidade, por

    isso estou surpresa. Como o nome de sua aldeia?

    Great Wiston. Conhece?

    Se a conheo?! No imagina quanto! Fui criada l! Sempre que posso, vou at

    l visitar minha av.

    Ora, ora! Mas que coincidncia! Voc ento deve conhecer a minha casa. O

    nome dela Marmion.

    Oh, claro que conheo...

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    Abigail reviu mentalmente a graciosa casa do comeo do sculo, feita de tijolos

    aparentes e cercada por gramados, rvores c arbustos, com um riacho ao lado

    separando-a dos campos verdejantes.

    uma casa linda. Vov me contou que ela foi vendida h algum tempo, mas

    no sabia para quem. Que coisa extraordinria! Depois de viajar milhares de

    quilmetros, encontro algum que tem casa na minha aldeia.

    Keir parou o carro num estacionamento.

    Bem, at agora no cheguei a passar muito tempo ali. Mas daqui para a

    frente, farei o maior esforo neste sentido falou com suavidade, olhando-a de

    uma maneira que a fez prender a respirao.

    O restaurante ficava num prdio antigo de trs andares, a iluminao era suave.

    Enquanto comiam deliciosos frutos do mar, Abigail se dava conta do quanto

    estava faminta. Keir olhava-a, fascinado.

    Voc tem bom apetite, no? A maioria das mulheres que conheo mal belisca

    a comida.

    Sem saber por que, Abigail sentiu-se contrariada ao ouvi-lo referir-se a outras

    mulheres.

    Elas talvez no dispendam tanta energia quanto eu. Alm disso, estou sem

    comer direito desde ontem, quando viajei. No gosto da comida que servem noavio. E hoje. . . bem, no consigo comer nada antes de um concerto, a excitao

    no deixa.

    No deve ser muito fcil a vida de uma pianista, hein?

    preciso ter muita resistncia fsica ela concordou, sorrindo.

    Ele olhou para os ombros magros de Abigail e depois para seus seios firmes.

    Bem, voc deve ser mais resistente do que aparenta. . .

    Estou comeando a viajar. Sei que bom para a minha carreira, mas preferiano precisar disso. Viajar de avio no tem muita graa e viver num quarto de

    hotel isola a pessoa de um convvio mais pessoal.

    Sei o que voc quer dizer. Entretanto, viajar um mal necessrio hoje em dia.

    por isso que gosto de ter uma base nos lugares que mais visito. Tenho meu

    apartamento aqui em Toronto, uma cabana em Manitoba, um apartamento em

    Londres e a casa em Leicester. E ainda um rancho em Alberta e uma fazenda em

    Saskatchewan.

    Ele encheu de novo o copo de vinho de Abigail.

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    Mas, para isso, s sendo magnata como voc.

    A Minto Enterprises um negcio de famlia, cuja direo no est nas mos

    de uma nica pessoa. Meu pai dirige a parte relativa ao cultivo de cereais, o

    marido de minha irm cuida da fazenda de gado, meu irmo Andrew da

    extrao de minrios e meu irmo mais novo assumiu os negcios madeireiros

    de meu av. Quanto a mim, sou responsvel pelo setor de eletrnica, e por isto

    que preciso de uma base na Inglaterra.

    Dois irmos e uma irm. Sua famlia relativamente numerosa.

    Dois irmos e duas irms a corrigiu Keir. A mais nova ainda est na

    universidade. E voc? Tem famlia?

    Abigail meneou a cabea.

    Os meus pais. . . morreram quando eu era pequena. Meu pai tambm era

    msico. . . Tenho s minha av Lucy.

    A av que a criou? Ela deve sentir falta de voc durante essas suas viagens.

    Sente, sim. por isso que vou sempre a Great Wiston. Se no estou em turn,

    l que podem me encontrar.

    Ento voc vem de uma famlia de msicos. Sua av tambm e musicista?

    Ela cantora. Ou melhor, era, at que se casou.

    E quanto a voc, Abigail? Tem um futuro marido em vista?Ele a olhou de modo penetrante e a fez corar. Ela forou um sorriso e deu de

    ombros.

    Bem, nunca fiquei num lugar por tempo suficiente para manter uma relao

    que levasse ao casamento.

    E namorados?

    A resposta a mesma. As faces dela ardiam.

    Mas agora voc me conheceu... Amanh tenho que ir para Ottawa disse ela, mudando de assunto.

    Ele indagou sobre seu roteiro, e Abigail falou sobre os locais e datas.

    Agora, se no se importa, eu gostaria de voltar ao hotel. Obrigada pelo

    delicioso jantar., Era exatamente disto que eu estava precisando para me

    descontrair.

    Sem dizer nada, Keir acenou para o garom e pediu a conta. Depois conduziu

    Abigail, segurando-a pelo brao, at o carro.

    Durante o trajeto, ela fez alguns comentrios triviais para tentar quebrar o

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    silncio mas, vendo que ele s respondia por monosslabos, desistiu, achando

    que talvez o tivesse ofendido. E se tivesse? No valia a pena o esforo para

    desfazer algum possvel mal-entendido. Dentro de poucos minutos se despedi-

    riam e tudo estaria terminado.

    Ainda sem interromper seu enervante silncio, Keir parou na frente do hotel.

    Abigail virou-se para agradecer, mas ele j tinha sado do carro para abrir-lhe a

    porta. Ela esboou uma despedida, mas ele no lhe deu chance. Apenas fechou a

    porta do carro, segurou-a pelo brao e caminhou com ela rapidamente para

    dentro do hotel.

    Boa noite, sr. Minto cumprimentou o recepcionista. Era bvio que Keir era

    conhecido l, e Abigail notou o olhar curioso do homem quando ela lhe disse o

    nmero de seu quarto. Mas, antes que pudesse pegar sua chave, Keir se

    antecipou a ela.

    Minha chave! Por favor, me d a chave ela sibilou, enquanto se

    encaminhavam para os elevadores. Olhou de relance para o recepcionista. O

    que ele vai pensar?

    Que eu sou um perfeito cavalheiro e vou acompanh-la at o quarto. O que

    mais? concluiu, irnico.

    No preciso. Sou perfeitamente capaz. . . preciso sim. Mesmo num hotel como este, uma moa sozinha no est

    imune a atenes inoportunas. Ele apertou o boto do andar dela e as portas

    do elevador se fecharam.

    "Atenes inoportunas de quem?", Abigail pensou, irritada.

    Manteve a cabea abaixada, sentindo a mo dele em seu brao. Ser que ele

    estava esperando um pagamento por t-la levado para jantar fora? Se ele

    entrasse em seu quarto, ser que teria foras para impedi-lo de fazer o quequeria? Teria vontade de impedi-lo?

    Abigail abriu a boca para protestar, mas desistiu a tempo. E se estivesse

    enganada? E se ele estivesse mesmo sendo apenas cavalheiro, acompanhando-a

    ao quarto? Na certa faria papel de tola se o acusasse de querer ir para cama com

    ela, quando Keir nem ao menos a havia beijado.

    O elevador parou e ele a conduziu pelo corredor silencioso. Alcanaram a porta

    do apartamento e Keir a destrancou e estendeu a mo para acender a luz. Com o

    corao batendo forte, Abigail viu-o retirar a chave da fechadura e devolv-la.

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    No vou entrar. A expresso divertida em seu olhar mostrava que ele havia

    lido seus pensamentos.

    Ela corou, embaraada, e aprumou os ombros. Tentando mostrar naturalidade,

    estendeu a mo.

    Foi um prazer conhec-lo, Keir, e obrigada pelo jantar. Ele tomou-lhe a mo,

    mas, ao invs de apert-la, levou-a aos lbios e beijou-a.

    Boa noite, Abigail. Durma bem.

    Boa noite ela respondeu, vendo-o afastar-se pelo corredor.

    Abigail fechou a porta do quarto e se recostou nela, lutando contra uma ridcula

    sensao de desapontamento. Afinal, Keir s estivera flertando com ela. Em

    todo caso, o que importava? Sua permanncia no Canad seria breve, pois

    dentro de duas semanas teria que voltar para Londres a fim de atender a outro

    compromisso. Entretanto, no conseguia deixar de sentir uma certa frustrao.

    Em Ottawa, teve dificuldade para se concentrar durante os ensaios, e uma

    perturbao a impediu de relaxar durante os horrios de descanso. Apenas

    quando se sentou ao piano para executar o concerto conseguiu afastar Keir da

    mente. Concen-trou-se na batuta do maestro, livrando-se daqueles anseios inex-

    plicveis.

    ()s aplausos pela execuo foram to entusisticos quanto os de Toronto.Porm, desta vez, o entusiasmo dela no persistiu. Ao caminhar de volta ao

    camarim, torceu para que no houvesse nenhuma recepo programada.

    Sentou-se numa cadeira diante do espelho e olhou desanimada para si mesma,

    antes de retocar a pintura e pentear os cabelos.

    Era ridculo encontrar-se naquele estado. Estava se comportando como uma

    colegial, apaixonada por um homem que talvez nunca mais visse. Ouviu uma

    batida porta. Entre respondeu, irritada.

    A porta se abriu e ela estremeceu. Os olhos que encontraram os seus pelo

    espelho no eram os de um estranho.

    Voc?! Virou-se para ,olh-lo. O que est fazendo aqui?

    Keir sorriu, triunfante.

    Est surpresa em me ver? Pois no devia. Era bvio que eu no ia deix-la

    longe de minhas vistas.

    Claro que estou surpresa! Voc. . . voc no disse que tambm viria a este

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    concerto. O corao de Abigail batia acelerado, e sua depresso se

    transformara milagrosamente numa excitao inebriante.

    Depois daquele formalssimo "Foi um prazer conhec-lo", no podia me

    arriscar a dizer nada ele replicou, e ajudou-a a levantar-se. E alm disso,

    no sabia se ia conseguir um ingresso to em cima da hora.

    A proximidade de Keir e a declarao de que ele estava ali por sua causa faziam

    Abigail sentir-se deslumbrada.

    Voc acha que no iria conseguir um ingresso logo, Keir?

    Pensa que assim to fcil? No se esquea de que uma celebridade. Alis,

    para ter a honra de vir busc-la no camarim precisei me entender com a

    vigilncia. Infelizmente voc precisa comparecer recepo programada. Ele

    segurou seus braos, acariciando-os e deslizando as pontas dos dedos pelos

    ombros.

    Aquele contato a fez vibrar. De repente, ele ps-se a estudar-lhe o rosto, como se

    estivesse decorando cada detalhe de seu semblante, como se estivesse

    testemunhando a reao feminina sua atrao masculina. Abigail quis desviar

    os olhos, esconder a emoo, mas o magnetismo dele impossibilitava qualquer

    fuga.

    Suas pernas tremiam. Ela levou as mos ao torso dele, pretendendo afast-lo,mas ele aproveitou a proximidade para beij-la, de maneira suave porm

    devastadoramente sedutora. Tempo e espao pareceram deixar de existir, e ela

    se perdeu num oceano de sensaes antes inimaginveis.

    Srta. Paston? Sr. Minto?

    Abigail sobressaltou-se com a batida porta. Keir soltou-a, relutante e

    praguejou, baixinho!

    Maldita recepo! s meia hora e nada mais. Depois quero ter voc s paramim.

    Foi abrir a porta e ela procurou se recompor. Desta vez Keir ficou o tempo todo

    ao lado dela. Eram muitas as apresentaes e felicitaes, porm, em meia hora

    ele a retirou da reunio e a levou at o carro.

    Abigail ficou surpresa quando ele a levou diretamente ao hotel. Olhou-o de

    relance e logo desviou os olhos, com medo de que ele percebesse sua confuso.

    Teria coragem de dizer-lhe que estava morta de fome? Mas ele no tinha falado

    nada sobre lev-la para jantar, dissera apenas que a queria s para si. E uma vez

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    que estavam subindo diretamente para o quarto. . .

    Seu corao comeou a martelar loucamente. Ser que lhe dera uma impresso

    errada ao corresponder ao beijo? Mas era mesmo uma impresso errada? Ao

    lembrar o beijo, ela admitiu que aquelas sensaes foram de desejo por Keir.

    Abigail de repente ficou tomada de pnico. Como conseguira chegar virgem

    idade de vinte e quatro anos, sem saber lidar com uma situao semelhante?

    Keir no acreditaria se ela lhe contasse. Sabendo que ela havia viajado tanto

    pelo mundo sozinha, naturalmente devia v-la como uma mulher experiente.

    As portas do elevador se abriram e, com a mente ainda confusa, ela permitiu

    que ele a conduzisse pelo corredor e a empurrasse delicadamente para dentro

    do apartamento. De repente ela parou e arregalou os olhos.

    Este no o meu quarto!

    Claro que no ! Os lbios de Keir se curvaram, num sorriso. Voc no

    pensou que eu fosse deix-la ir para a cama com fome, pensou? Eu disse que a

    queria s para mim. J pedi para que servissem um jantar aqui em minha sute.

    Oh! Por um momento, a ideia de ficar sozinha com ele tornou-se

    desconcertante, mas ela se acalmou ao olhar em volta e ver uma espaosa sala

    de estar. Eu... eu no sabia que voc estava hospedado neste hotel.

    Deixe-me pegar o seu casaco. " Ele tirou-lhe a capa de peles dos ombros ependurou-a no encosto de uma cadeira. Foi at o bar, serviu-se de uma dose de

    usque e preparou um martni para ela. Que tal sentar-se? Chega de ficar de

    p. brincou ao lhe entregar o copo, apontando para uma poltrona confortvel.

    Nesse instante bateram de leve porta e um. garom entrou empurrando um

    carrinho. Quando ele comeou a servi-los, ela j se sentia bem mais vontade.

    Durante o jantar, Keir falou muito de si mesmo. Contou que costumava

    trabalhar nas vrias empresas da famlia nas frias escolares e que, aps seformar em administrao de empresas, resolvera trabalhar em eletronica por

    acreditar que aquela seria a indstria do futuro.

    Quando se sentaram no sof para tomar caf, Abigail se queixou:

    No sei bem por que, mas voc fez a minha vida parecer muito restrita,

    concentrada unicamente na msica.

    Voc deve mesmo se concentrar em sua msica, uma vez que ela d enorme

    prazer a tanta gente. Olhou para seu corpo, envolto num vestido de seda

    cor-de-rosa. Apesar de que, para mim, s de olhar para voc j sinto imenso

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    prazer.

    Ele tomou a xcara de caf das mos de Abigail, depositando-a na mesa de

    centro e puxou-a para junto de si.

    Keir. . .

    Temerosa dos efeitos do contato dele, Abigail tentou protestar, mas medida

    que ele ia lhe beijando levemente as faces, o queixo, os olhos e o nariz, todo

    protesto foi sendo esquecido. Seus lbios procuraram os dele excitando-o. Keir

    recostou-se nas almofadas e puxou-a para si, segurando-lhe a nuca enquanto

    acariciava-lhe a pele sedosa das costas e dos ombros.

    Todas as dvidas e incertezas dela se extinguiram diante das sensaes que a

    invadiram. O corpo msculo junto ao seu, o contato acariciante daquelas mos

    sensuais, a presso dos lbios quentes sobre os seus no eram nenhuma

    alucinao. Tudo era muito real, apesar da excitao que entorpecia os sentidos.

    Quando ele passou a explorar com os lbios seu pescoo, descendo at os seios,

    Abigail gemeu em voz alta.

    Abigail, como te quero! ele murmurou, com voz rouca. Ao perceber que ele

    estava abrindo o zper de seu vestido,

    todas as suas dvidas e receios retornaram de supeto.

    No... Ela estremeceu, tensa, e o empurrou. Ele soltou-a prontamente. Desculpe, mas pensei que tivesse recebido sinal verde disse, desapontado,

    sentando-se ereto.

    Segurando o decote do vestido contra os seios com uma das mos, e lutando

    para fechar o zper com a outra, Abigail via-se como uma tola.

    Ele a observava, impassvel.

    Voc tem algum na Inglaterra, isso? perguntou secamente, esforando-

    se por conter a ira.Abigail meneou a cabea. Com o vestido agora fechado, cruzou as mos sobre o

    colo para disfarar o tremor.

    No. Como j disse, nunca houve tempo para relacionamentos mais ntimos.

    Ento por que no me quis? Eu no cometi um engano, cometi? Recebi

    mesmo um sinal verde. Ento por que voltou atrs, de repente?

    Eu. . . esta foi a primeira vez que encontrei um homem que me tirou do srio.

    . . Keir. . . ns mal nos conhecemos.

    E eu a estou apressando. Ele se levantou e comeou a andar pelo aposento.

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    Bem, no vou me desculpar por causa disso. Eu a desejei desde a primeira vez

    que a vi, Abigail.

    E aquilo que voc quer voc toma, no ? replicou ela com amargura.

    Acho melhor acompanh-la ao seu quarto, Abigail. Sem dizer nada, ela pegou

    a bolsa, o casaco e o seguiu para

    fora da sute. Caminharam em silncio at o elevador, e depois pelo corredor

    que levava ao seu quarto. Ao chegarem ele destrancou a porta e disse

    secamente:

    Boa noite.

    Enquanto se despia, Abigail lutava para conter as lgrimas. Tentava se consolar

    dizendo a si mesma que no havia nenhum futuro para ela junto com aquele

    homem. Mas terem que se separar como inimigos era realmente doloroso.

    Na manh seguinte esforou-se para afastar Keir Minto da mente, procurando

    concentrar-se no restante da turn. Mas a perspectiva de uma viagem longa at

    Vncouver e da permanncia em outro quarto solitrio de hotel deprimia. E

    apesar do esforo, a imagem de Keir persistia forte nos seus pensamentos.

    Depois de ter tomado o caf da manh no quarto, Abigail estava acabando de

    fazer as malas quando ouviu algum bater porta. Com o corao aos pulos, foi

    atender. Um rapaz com um uniforme do hotel viera buscar sua bagagem e dizerque um txi estava esperando.

    Ela ficou surpresa, pois ainda no havia chamado nenhum txi para lev-la ao

    aeroporto, mas atribuiu o fato eficincia do organizador da turn. Olhou em

    volta para ver se no estava esquecendo nada e seguiu o rapas;, aliviada por no

    ter que se avistar com Keir de novo, uma vez que era muito cedo.

    Mas, ao atravessar o vestbulo do hotel para deixar sua chave na recepo, uma

    figura alta e familiar se aprumou ao lado do balco. Bom dia, Abigail Keir cumprimentou-a.

    B-bom dia. . . ela respondeu, sentindo a boca de repente seca. Eu. . . eu

    no esperava que nos vssemos de novo.

    Ele a olhou com ar divertido ao tomar-lhe a chave da mo e entreg-la ao

    recepcionista. Ps o brao em seus ombros e afastou-se com ela do balco.

    Infelizmente tenho que partir agora. Meu txi j est esperando disse,

    relutante.

    Sei disso. Fui eu quem o chamou.

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    Voc?!

    Ela s no caiu porque ele a segurou com mais fora.

    Tambm estou indo para o aeroporto, ento vamos juntos. Vou para

    Vncouver.

    Abigail ficou paralisada.

    Vancouver?! repetiu, com os olhos arregalados.

    Isso mesmo.

    Com a maior familiaridade, como se no houvesse ningum mais naquele

    vestbulo movimentado, Keir afastou uma mecha de cabelo do rosto dela e a

    prendeu atrs da orelha.

    Eu vou com voc... sussurrou-lhe ao ouvido.

    CAPTULO III

    Vancouver era muito mais agradvel do que Abigail imaginara. Da janela de seu

    quarto de hotel ela via conjuntos de arranha-cus entremeados por prdios mais

    baixos, porm as ruas pareciam todas arborizadas. Alm de uma faixa de gua

    destacava-se uma encosta repleta de pinheiros, e a paisagem urbana contra umfundo de montanhas com picos cobertos de neve. Era ainda muito cedo, o sol

    nem havia nascido. No azul-claro do cu sobressaam-se as nuvens que

    circundavam o topo das montanhas.

    quela mesma hora no dia anterior, Abigail lembrou-se, ela estava muito

    deprimida. Porm agora um entusiasmo novo a dominava.

    Quando Keir dissera que tambm ia viajar para Vancouver, ela no acreditara.

    S depois que registraram as malas no aeroporto soube que ele havia falado asrio.

    Keir no estou entendendo. . . Quer dizer. . . ontem noite pensei. . . Bem,

    pensei que voc no queria mais saber de mim, uma vez que. . .

    Uma vez que no consegui o que queria? Desculpe, Abigail, me comportei

    como uma criana a quem tomaram o pirulito. Voc tinha todo o direito de me

    rejeitar, e foi imperdovel de minha parte desforrar a minha frustrao em voc.

    Isso nunca deve ter acontecido antes. . . Uma mulher rejeit-lo, quero dizer.

    Ela sentiu um frio no estmago ao imaginar outras mulheres nos braos dele,

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    mulheres mais ousadas que ela, correspondendo aos beijos e carcias sem

    inibies.

    Um leve rubor lhe subiu s faces, e Abigail ficou admirada ao v-lo

    desconcertado.

    Eu nunca encontrei mesmo foi mulheres que dissessem exatamente o que

    pensavam, sem acanhamento. Mas, quanto sua pergunta... no, isso nunca

    aconteceu antes. E no precisa me olhar com esse ar de espanto. O que haveria

    de errado no amor fsico de um homem e,uma mulher que se sentem atrados

    um pelo outro?

    Abigail desejou no ter iniciado essa conversa. Afinal, ela no podia dizer nada

    por experincia prpria.

    Ento deu de ombros e murmurou:

    Se os dois querem no h nada de errado. Mas no acha que isso poderia

    transformar um relacionamento especial numa coisa inexpressiva?

    Keir olhou-a, muito srio.

    No creio que o que existe entre ns possa tornar-se inexpressivo. Tomou-

    lhe as mos e encostou-as no peito. Eu ainda quero voc, mais do que j quis

    a qualquer outra mulher. Mas prometo que no vai haver mais exibies de mau

    humor. Vou fazer todo o possvel para conter a minha impacincia, at voctambm me querer. E sei que isso logo ocorrer.

    Abigail estremecera, excitada. A apreenso antes de um es-petculo era algo a

    que j se acostumara, mas aquela excitao era uma coisa inteiramente nova,

    que no conseguia entender.

    Keir no fizera segredo de que a tinha acompanhado a Vancouver na esperana

    de que ela sucumbisse sua atrao. Mas ser que ela se satisfaria com um

    romance breve? Tinha quase certeza de que no. No queria ser apenas maisuma das conquistas de Keir!

    No entanto, enchia-se de jbilo ao pensar que iria passar o dia na companhia

    dele. Na vspera eles haviam feito uma longa viagem, seguida das providncias

    relativas ao concerto, e no dia seguinte ela estaria totalmente ocupada com os

    ensaios. Este era ento o dia em que juntos explorariam Vancouver.

    Abigail reparou que nunca se sentira assim, to viva! Depois de tomar banho e

    lavar os cabelos, enrolou-se numa toalha e sentou-se diante da penteadeira com

    o secador nas mos. Seus cabelos loiros, compridos e grossos, levaram um

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    tempo razovel at ficarem secos.

    Vestiu apressadamente uma cala de brim e uma camiseta, amarrou os cabelos

    para trs com uma fita e pintou levemente o rosto. Estava pronta.

    Entrou muito alegre no restaurante para o caf da manh. Keir esperava-a,

    muito atraente, vestido com cala cinza e camisa esporte aberta no colarinho.

    Ele se levantou para receb-la, os olhos claros brilhando de satisfao e

    passeando por suas curvas.

    Mas o que houve?

    Estou atrasada? Oh, me desculpe.

    Ele sentou-se novamente e olhou para o relgio.

    Estou admirado com a sua pontualidade. Mas onde est aquela pianista

    famosa de ontem? Esta manh voc parece ter uns quinze anos.

    Abigail realmente sentia-se muito jovem, porm a atrao que aquele homem

    to charmoso e bonito despertava nela era mais prpria de uma mulher madura.

    Deve ser por causa da oportunidade de gazetear um pouco, como os

    colegiais; de poder passar o dia todo fora, sem ensaios ou concertos para

    atrapalhar a folga. Mas se no lhe agrado assim, posso vestir alguma roupa mais

    apropriada depois do caf.

    Ele segurou-lhe a mo. Oh, no pense que estava me queixando! Voc est to deliciosa que sinto at

    vontade de com-la! Mas acho que vou ter que me contentar com este caf. . .

    Por enquanto... acrescentou, com um olhar que fez a pulsao dela aumentar.

    Aonde voc gostaria de ir? Keir perguntou, quando estavam terminando

    de tomar o caf. Penso que poderamos ir a Granville Street, pois l que se

    encontram as grandes lojas.

    Aceito a sugesto Abigail murmurou polidamente, mas sua expressorevelava desapontamento.

    Keir recostou-se na cadeira, com os olhos semicerrados.

    Parece que a ideia no a atrai muito, no? Ela corou.

    No isso. Deve ser interessante conhecer as lojas de Vancouver, e, se voc

    quiser aproveitar para fazer algumas compras, vou gostar de acompanh-lo.

    Eu no preciso, nem pretendo comprar nada. Mas ainda estou para conhecer

    uma mulher que consiga resistir ideia de um passeio de compras. . .

    Principalmente quando a companhia masculina pode lhe comprar as coisas

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    mais extravagantes. . .

    Abigail ficou indignada com o modo desdenhoso de Keir falar sobre as mulheres

    e com o julgamento precipitado que ele estava fazendo a seu respeito.

    por isso que pensa que concordei em passar o dia com voc? Para me

    aproveitar de seu dinheiro? Nenhum homem me compra, sr. Minto. Alis,

    mudei de ideia. Vou passar o dia como eu quiser. . . e sozinha!

    Ela pegou a bolsa, levantou-se e saiu do restaurante sem olhar para trs. Seu

    primeiro impulso foi o de retornar ao quarto, mas, ao avistar uma livraria que

    fazia parte do complexo do hotel, resolveu entrar. Para que no perdesse aquele

    dia que tanto tinha prometido, era melhor comprar um guia da cidade. Mas seus

    olhos marejados de lgrimas dificultavam-lhe a viso, por isso ficou aliviada

    quando uma balconista indicou-lhe uma prateleira.

    Abigail limpou as lgrimas com o dorso da mo e esticou o brao para pegar um

    livro. Logo que o alcanou, a mo de Keir pousou em seu ombro.

    Abigail, me desculpe por t-la ofendido... disse Keir, em tom de

    arrependimento.

    Evitando virar-se para encar-lo, ela respondeu, secamente:

    Devo lembr-lo de que no o convidei para vir a Vancouver comigo. Muito

    menos pedi para ser humilhada!Ele segurou-lhe o ombro com mais fora.

    No tive inteno alguma de humilh-la, acredite. Minhas experincias com

    as mulheres at agora no foram das mais felizes, mas eu devia saber que voc

    diferente. Virou-a para si, mas ela ainda se recusava a olh-lo de frente.

    No sei por que deveria. . . Afinal, somos na verdade estranhos um para o

    outro e muito provvel que continuemos assim.

    Keir ergueu-lhe o queixo, forando-a a fit-lo. Estranhos?! Voc sabe que isso no verdade. Alguma coisa nos aproximou

    desde o comeo, no tente negar isso. Ainda no sei o que , mas. . .

    atrao fsica. O que no deve ser novidade alguma para voc. . . Mas para

    mim .

    E voc acha que foi por isso que a segui at Ottawa e depois at aqui? Porque

    a cobiava?

    Voc j no admitiu isso? No consigo imagin-lo me seguindo at

    Vancouver se tivesse conseguido o que queria naquela noite em Ottawa.

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    No se subestime, minha querida. No seria muito fcil esquecer o seu corpo

    delicioso. Ele desperta desejos que exigiriam ...

    Keir! ela exclamou, olhando em volta, embaraada e fazendo-o rir:

    Ento, j que o centro comercial da cidade no a atrai, aonde voc gostaria de

    ir?

    Estou procurando um bom guia para comprar. melhor saber antes onde se

    encontram os pontos de interesse, os lugares que eu gostaria de ver.

    Est bem, se voc quer visitar lugares interessantes, no vai precisar disso.

    Ele tomou o guia de sua mo e o recolocou na prateleira. Conheo Vancouver

    muito bem, por isso melhor deixar para l essa bobagem de sair sozinha. Va-

    mos, h um carro alugado nos esperando.

    Sem lhe dar tempo para protestar, Keir a conduziu para o estacionamento do

    hotel.

    Vamos comear por uma das vistas mais espetaculares ele disse, quando j

    estavam no carro. A ponte pnsil Capilano e a lagoa Perdida agora uma

    reserva de pssaros ele comeou, apontando o lago pontilhado de ilhotas.

    H anos atrs a gua costumava escoar com a mar baixa, e foi da que veio esse

    nome. Toda a pennsula, num total de cerca de quatrocentos hectares, dos quais

    uns trezentos e vinte ainda se encontram em seu estado natural, faz parte doParque Stanley.

    Que lindo! Abigail exclamou.

    Logo depois ele parou no estacionamento prximo ponte pnsil Capilano,

    estendia bem no alto da garganta do rio Capilano.

    Quando passavam pela ponte, ela pareceu se mover sob seus ps, e Abigail

    segurou a mo de Keir com fora. Embora a vista fosse fascinante, ela fechou os

    olhos. O rio correndo l embaixo, a uns setenta metros, e a sensao de nohaver nada slido sob seus ps e fizeram sentir-se tonta.

    Quer voltar? Keir brincou, puxando-a para junto de si. Encostada ao corpo

    dele, Abigail sentiu-se segura para abrir os olhos de novo.

    Estar aqui mais ou menos como voar sem estar num avio.

    Ou como voar com asa-delta sem saltar ele rematou.

    Abigail j se havia acostumado ao movimento da ponte quando eles a deixaram.

    Enquanto caminhavam de volta ao carro, ela apontou para um grande prdio.

    O que aquilo?

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    No deve lhe interessar. apenas uma loja especializada em produtos locais:

    peles, totens, suteres feitos pelos ndios cowichan, jias de jade. . .

    No, claro que no interessa. . .

    Na verdade ela queria visitar a loja e talvez comprar uma lembrana da viagem,

    e tinha uma incmoda suspeita de que Keir sabia disso muito bem.

    Uma vez no carro, seguiram novamente para o norte. Depois de percorrerem

    cerca de um quilmetro e meio, ele apontou para o viveiro de salmes do rio

    Capilano. Mas eles no pararam at atingir o sop do monte Grouse e a represa

    Cleveland, de onde o rio flua para o lago.

    Este um grande centro de esqui durante o inverno, e s fica a meia hora da

    cidade Keir informou. Mas tambm vale a pena visit-lo durante o vero.

    Chegaram bem a tempo de apanhar o telefrico. Abigail, toda concentrada na

    empolgante viagem ao topo da montanha, no notou que Keir a observava.

    Ao descerem, ele a conduziu ao que disse ser seu ponto de observao predileto.

    E Abigail entendeu facilmente o motivo da preferncia. A mil e duzentos metros

    abaixo deles estava a cidade de Vancouver, incrustada entre guas azuis

    pontilhadas de ilhas verdes e cercada por montanhas de picos envoltos em

    nuvens.

    Olhe, est vendo? Ele estava de p atrs dela e apontou por cima de seuombro. Hoje no est muito claro, mas aquele o monte Rainier, que fica do

    lado dos Estados Unidos. uma pena no termos tempo para explorar algumas

    das trilhas que levam ao alto. Mas, para cumprirmos o programa ambicioso que

    voc estabeleceu, melhor irmos andando.

    Desta vez ele dirigiu o carro para o sul, voltando por onde tinham vindo at

    atravessarem Lion's Gate e entrarem no Parque Stanley.

    Oh, olhe! Um zoolgico! Abigail falou, excitada. Voc quer ir ao zoolgico?! Keir espantou-se.

    Oh, por favor, Keir, vamos. Gostaria muito.

    Est bem!

    O zoolgico no era grande, nem havia animais exticos. Abigail sentiu um

    pouco de pena dos ursos polares, fora de seu ambiente natural, pois as peles

    deles ficavam amareladas ao invs de brancas, e ficou encantada com os

    pinguins e com as lontras do mar. Mas foram os trejeitos dos macacos que mais

    chamaram sua ateno, especialmente o carinho de uma macaca que segurava

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    seu filhote nos braos como qualquer me.

    Este um lado seu que eu nunca tinha imaginado Keir falou, observando

    sua fascinao quase infantil. No sei por que, mas acho que voc no teve

    uma infncia muito feliz.

    Oh, at que tive, sim!

    Sua infncia fora feliz, pois Vov Lucy cuidara para que isso acontecesse. Mas

    ela estudara msica desde cedo, de modo que lhe restara muito pouco tempo

    para participar dos passatempos das outras crianas de sua idade.

    Bem. . . talvez, num certo sentido, sim ela admitiu. Minha av usou as

    economias para me mandar para a escola de msica, por isso nunca sobrou

    muito dinheiro para este tipo de excurso durante as frias. Mas eu nunca

    pensei estar perdendo alguma coisa. Eu costumava brincar com as outras crian-

    as. . . embora sempre tivesse que tomar cuidado com as minhas mos. . .

    Voc no nadava em rios? No trepava em rvores, no montava em pneis?

    No. Acho que nunca fui muito levada. Era isso que voc fazia?

    E como. Eu, meus irmos e os filhos dos empregados da fazenda vivamos

    fazendo traquinagens. Ei, sei de uma coisa que voc gostaria de fazer.

    Ele tornou-lhe a mo, puxando-a at um guich onde comprou dois bilhetes

    para um passeio no trenzinho. Parecia estar se divertindo tanto quanto ela.Mas o gosto sofisticado de Keir se reafirmou quando ele a levou para almoar.

    Desprezando o pavilho do Parque Stanley, para onde a maioria das pessoas se

    dirigia, ele a levou para a Beach Avenue, onde almoaram no terrao com vista

    para as guas azuis da English Bay.

    Depois do almoo fizeram uma excurso relmpago pela cidade. Circularam

    pela zona oeste, onde ele lhe mostrou o Jardim Japons Nitobe e a Universidade

    da Colmbia Britnica. Atravessaram a cidade para que ela pudesse pelo menosver as grandes lojas, e foram ao Museu Heritage Village, uma recriao histrica

    que mostrava o modo de vida no baixo continente a partir de 1890, com os

    funcionrios usando inclusive trajes da poca.

    Est cansada ou quer ver mais coisas? Keir perguntou, depois que

    percorreram todo o museu.

    Abigail estava cansada e seus ps doam, mas mesmo assim se divertia

    muitssimo.

    Eu gostaria de ver mais coisas respondeu com convico, no querendo

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    que seu dia de folga terminasse.

    Sei que prometi mant-la longe das lojas, mas voc precisa conhecer

    Gastown disse ele, com um brilho zombeteiro nos olhos.

    Ao chegarem l, Abigail entendeu o motivo. A regio, muito pitoresca, era um

    vilarejo com praas bem cuidadas e ruas pavimentadas de pedras redondas.

    Voc acreditaria se eu dissesse que esta j foi a zona perigosa da cidade?

    Keir comentou, enquanto perambulavam pelos becos e ruas estreitas, olhando

    as lojas de antiguidades, as butiques e as galerias de arte.

    Voc tambm no acreditaria que Covent Garden j foi um mercado de frutas

    e verduras barulhento e malcheiroso Abigail retrucou, rindo, lembrando-se de

    sua terra. Apontou para uma vitrine. Olhe s que malhas bonitas!

    So os suteres feitos pelos ndios cowichan, sobre os quais j lhe falei.

    Gostaria de experimentar um?

    Abigail hesitou. Ela de fato queria um. Eles pareciam suficientemente quentes

    para combater qualquer inverno ingls, pois eram grossos e feitos com l

    natural.

    Sim, mas eu mesma vou comprar avisou, erguendo o queixo.

    Keir no protestou quando ela pagou pelo suter, e nem mais tarde, quando ela

    comprou para sua av a estatueta de um urso polar esculpida em pedra-sabo.Ao pararem diante de uma vitrine na qual estavam expostas peas de jade, Keir

    falou:

    Voc no vai permitir que eu lhe compre um desses berloques, no mesmo?

    No vou mesmo ela respondeu e se afastou da loja.

    pena.

    No entendo... Se... no sente prazer em dar presentes s suas amigas, ento

    por que faz isso? Quem disse isso?

    Bem, pelo que falou esta manh, tirei essa concluso. Voc obviamente

    despreza as mulheres que aceitam os seus presentes. Ou ser que gosta de lhes

    comprar coisas para ter uma desculpa para desprez-las?

    O rosto dele ficou sombrio e Abigaii receou ter ido longe demais.

    Acha que era isso que eu estava tentando fazer agora h pouco? Comprar-lhe

    um berloque e ter uma desculpa para desprez-la?

    Abigail corou.

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    Eu... eu no sei.

    Ao contrrio do que a sua ingenuidade permite supor, existem mulheres que

    se interessam muito mais pela conta bancria de um homem do que por ele.

    Realmente, acho difcil acreditar nisso!

    Oh, Abigail! Voc sincera at a morte! Agradeo-lhe ao menos por isso.

    Ele caiu na risada e levou-a de volta para o carro. "Como entender um homem

    como Keir?", Abigail se indagou, j em seu quarto de hotel antes de adormecer.

    Ao descer para tomar o caf da manh, no dia seguinte, Abigail soube que Keir

    j havia tomado o seu desjejum e sado. Ficou um pouco desapontada mas no

    teve muito tempo para pensar nisso. s dez horas um carro chegou para lev-la

    ao teatro, onde toda a sua ateno ficou concentrada no trabalho.

    Foi s tarde, quando estava repousando, preparando-se para o concerto, que

    ela se permitiu especular sobre onde Keir teria ido passar o dia. Imaginou que

    ele talvez tivesse se desinteressado dela, ou ento voltado para Toronto, e

    procurou se convencer de que era melhor assim. A ltima coisa de que precisava

    naquele estgio de sua carreira era de um envolvimento emocional. Mesmo

    assim sentiu-se magoada com a possibilidade de ele ter partido sem dizer nada.

    Procurando apagar a mgoa, tratou de pensar nas sugestes que o regente da

    orquestra havia feito durante os ensaios.Mas, ao vestir-se para o concerto, a imagem de Keir voltou sua mente. Estava

    acabando de se preparar quando ouviu uma batida porta de seu quarto e viu-o

    entrar. Era como se a fora de seus pensamentos o houvesse trazido de volta, e

    ela sentiu o sangue fugir-lhe das faces.

    Ele atravessou o aposento rapidamente, tomou-lhe as mos e olhou-a

    preocupado.

    Voc est bem?Ela umedeceu os lbios e esforou-se por falar:

    Sim. . . Sim, estou muito bem. que voc me pegou de surpresa.

    Desculpe, no pretendia assust-la. Mas a expectativa do concerto tambm

    deve estar deixando-a nervosa, no ? J est pronta? Vou lev-la ao teatro.

    O que voc fez durante o dia? Abigail perguntou, ao sentar-se ao lado dele

    no carro.

    Estive trabalhando. A Minto Enterprises tem um escritrio aqui, em

    Vancouver. Havia muito trabalho acumulado depois destes ltimos dias.

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    Abigail sentiu-se um pouco culpada por ele ter negligenciado o trabalho por sua

    causa. Afinal, Keir no regressara a Toronto, nem andara com alguma

    namorada.

    Durante o concerto, o pblico foi cmplice da imensa alegria que se refletiu em

    sua msica. Enquanto durou a recepo e o jantar. Keir esteve todo o tempo ao

    lado dela. Mas, quando mais tarde acompanhou-a at a porta de seu quarto, a

    felicidade esfuziante de Abigail foi substituda por uma estranha incerteza.

    Era sua ltima noite em Vancouver. No dia seguinte teria que seguir para

    Calgary, a fim de cumprir outro compromisso. Esta noite Keir talvez quisesse. . .

    Ela tremia incontrolavelmente. Queria os beijos e carcias dele, mas sabia que o

    perderia para sempre se se entregasse inteiramente a ele.

    Keir destrancou a porta e a abriu. Abigail ficou firme, embora cada centmetro

    de seu corpo clamasse pelos braos dele.

    Acho que desta vez teremos que nos despedir, Keir ela falou, num tom de

    voz controlado. Vou deixar Vancouver amanh cedo.

    Ele olhou para dentro do quarto e depois para o rosto tenso de Abigail.

    Isso quer dizer que no est disposta a me deixar entrar? Ela meneou a

    cabea.

    No. Por favor, Keir, no. . . Havia agora desespero em sua voz, pois elano sabia ao certo se conseguiria resistir persuaso dele.

    Mas ele simplesmente calou-a, colocando delicadamente dois dedos em seus

    lbios.

    Ento terei que segui-la a Calgary, no mesmo? disse calmamente.

    Keir no estava brincando. Depois de Calgary, ele a seguiu tambm at

    Edmonton. Era como se tivesse toda a certeza do mundo na sua capitulao

    final, no se incomodando por isso de esperar. Abigail s vezes sentia medo,pois no estava nem um pouco confiante na prpria capacidade de mant-lo

    afastado.

    Imaginava que ele estivesse negligenciando seus negcios para segui-la por todo

    o Canad.

    Foi em Regina que essa inquietao se cristalizou. Quando se encontrou com

    Keir para o caf da manh, encontrou-o lendo um jornal com o semblante

    carregado. Ele estava to absorto que nem percebeu sua aproximao.

    O que houve? Os preos de suas aes caram? ela brincou ao sentar-se.

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    Keir levantou os olhos, um tanto desgostoso, e fez um movimento, como se

    pretendesse no dar explicao alguma. Ento pareceu mudar de ideia e lhe

    entregou- o jornal.

    Infelizmente chegamos s colunas de mexericos disse, com um sorriso

    constrangido.

    Os olhos de Abigail se arregalaram quando ela viu duas fotografias, uma sua e

    outra dele, embaixo das quais uma legenda perguntava: "Um novo romance

    para o empresrio Keir Minto?"

    Perplexa, ela leu a notcia de que o famoso empresrio Keir Minto, um dos

    melhores partidos do Canad, vinha seguindo devotadamente, por todo o pas,

    Abigail Paston, jovem pianista inglesa em turn. O artigo continuava sugerindo

    que, embora o sr. Minto fosse h muito um amante da msica, talvez houvesse

    muito mais do que apenas amor msica nessa devoo.

    "O sr. Minto tem comparecido a todos os concertos da presente turn da bela

    srta. Paston e quase no sai do lado dela. Viajam juntos e hospedam-se nos

    mesmos hotis."

    O artigo relacionava ainda uma srie de mulheres que teriam desfrutado da

    companhia de Keir anteriormente e insinuava que elas estavam relegadas ao

    esquecimento desde o advento da "encantadora srta. Paston" na vida do playboyempresrio Abigail corou at a raiz dos cabelos. Havia se esquecido de que Keir

    era uma figura famosa em seu pas, e que todos os seus atos certamente

    despertavam interesse e comentrios. Keir disse, num tom de voz entediado,

    mostrando descaso:

    No fique assim to surpresa. Voc j devia estar acostumada a ver o seu

    nome nos jornais.

    Isso verdade. Mas nas colunas da crtica especializada, e no desse jeito.Eles fazem supor que... Ela engasgou e empurrou o jornal para o lado.

    ... Que estamos tendo um caso Keir concluiu por ela. Eles no

    afirmaram isso textualmente.

    No, mas o que todo mundo vai pensar. Abigail olhou em volta da sala.

    Todos pareciam estar comendo despreocupadamente, mas ela sentia-se exposta,

    objeto de especulaes e risinhos disfarados. Mesmo se essas insinuaes

    fossem verdadeiras, eu no gostaria de ver a minha vida particular comentada

    nas mesas durante o caf da manh.

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    Calma, at os leitores deste farrapo de papel sabem que esses difamadores

    no tm o menor escrpulo em inventar coisas para vender jornais. No vale a

    pena se irritar com isso.

    Ele parecia realmente no estar incomodado, mas Abigail no estava disposta a

    aceitar assim aquelas especulaes.

    Voc no se importa que essa imprensa desonesta se meta em sua vida desse

    jeito?

    Ele deu de ombros.

    H muito aprendi a conviver com isso. O que parece que no o seu caso.

    Ser que ele a estava censurando? Estaria considerando-a pudica demais?

    Realmente. Acho que jamais me acostumaria a isso. Na verdade esse tipo de

    coisa s serve para melhorar a reputao de um homem.

    Ele a olhou irritado.

    Est bem, lamento ter contaminado sua reputao. Mas o que quer que eu

    faa? Um estardalhao? Que mande publicar um desmentido que s serviria

    para gerar mais fofocas?

    Uma garonete se aproximou para anotar os pedidos, e Abigail teve tempo para

    refletir. Keir tinha razo, claro. Um desmentido s serviria para tornar as

    coisas ainda piores. H uma maneira sensata de desmentir esse boato ela disse, depois que a

    garonete se afastou. Deixe de me acompanhar durante o resto da minha

    turn.

    No! ele respondeu com irritao. Abigail juntou as mos para conter o

    tremor.

    Keir, tenho estado preocupada, pois voc deve estar deixando de lado os seus

    negcios para me seguir desse jeito. No est vendo que s isso j motivo defofocas?

    No! Abigail, no vou permitir que um caluniador qualquer destrua sem

    mais nem menos o que existe entre ns!

    Mas o que haveria entre eles que pudesse ser destrudo? Talvez uma poderosa

    atrao sexual. Ele deixara bem claro que a queria, assim como deixara tambm

    claro que no lhe interessava qualquer tipo de compromisso.

    Ela empurrou seu prato, sem toc-lo, e sentou-se ereta na cadeira, assumindo

    um ar de dignidade.

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    Keir, restam dois concertos para eu completar a minha turn. Um amanh

    noite, em Winnipeg, e outro, o ltimo, em Toronto. Vou ter que subir ao palco e

    enfrentar aquela plateia. No acha que j duro saber que a minha competncia

    est sendo julgada a cada vez em que apareo em pblico? Para que somar a isso

    julgamentos sobre a minha moral?

    Keir olhou-a demoradamente.

    E voc acha que suficientemente forte para enfrentar tudo sozinha.

    Se voc no estiver l para confirmar os boatos, acho que sim.

    Keir deu de ombros.

    Bem, j que assim. . . Talvez seja bom eu ir ver como vo as coisas na

    fazenda.

    A sbita indiferena dele depois da veemente recusa em permitir que

    cont