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    ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 25, P. 41-52, JAN./JUN. DE 2009 41

    RESUMO

    OS ESTUDOS GEOGRFICOS REALIZADOS A PARTIR DA ANLISE DE TEXTOS LITERRIOS J CONSTITUEM UMA LINHA DE

    PESQUISA CONSOLIDADA NA GEOGRAFIA INTERNACIONAL. NO ENTANTO, TAL TEMA POUCO PRIVILEGIADO NA GEOGRAFIABRASILEIRA, A DESPEITO DA RIQUEZA ESPACIAL QUE APRESENTA A PRODUO LITERRIA. NA RELAO ENTRE GEOGRAFIA

    E LITERATURA, OS TEXTOS LITERRIOS APRESENTAM-SE COMO UM RICO MATERIAL A SER APRECIADO POR NS GEGRAFOS,

    POIS ELES EVOCAM A ALMA DOS LUGARES E O COTIDIANO DAS PESSOAS. NESSE SENTIDO QUE NOSSA PESQUISA

    CONSISTE EM ANALISAR E INTERPRETAR A REPRESENTAO DO ESPAO GEOGRFICO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

    DO FINAL DO SCULO XIX E INCIO DO SCULO XX NO DISCURSO ROMANESCO MACHADIANO. DESSA MANEIRA,

    RESGATAMOS ALGUMAS CONTRIBUIES S REFLEXES SOBRE AS RELAES ENTRE GEOGRAFIA E LITERATURA.

    ARGUMENTAMOS QUE OS TEXTOS DE MACHADO DE ASSIS POSSUEM UM AMPLO MOVIMENTO DE TRANSFORMAES NO

    ESPAO URBANO CARIOCA, DEIXANDO PARA TRS SUA PAISAGEM COLONIAL. A CIDADE DE FEIES COLONIAIS TORNAVA-

    SE AGITADA E MODERNA E VIA SEUS ESPAOS PBLICOS SEREM TOMADOS PELA MULTIDO, POR NOVOS RITMOS E

    PERSONAGENS. AO RECORRERMOS AO TEXTO LITERRIO PODEMOS PERCEBER QUE O ESPAO NA OBRA MACHADIANA SE

    APRESENTA MLTIPLO, ORA COMO ESPAO, ORA COMO LUGAR, POIS O ESCRITOR SE FIXAVA PRINCIPALMENTE NUM TRECHO

    DE RUA, NUMA PRAA, NUM CAMINHO, NA PRAIA OU NA CHCARA. DESSA FORMA ELE RETRATAVA EM SUA PRODUO

    LITERRIA FRAGMENTOS DE UMA CIDADE EM TRANSFORMAO. AS RUAS, PRAAS E MORROS APARECEM COMO ESPAOS

    DOTADOS DE VALOR E SENTIMENTOS, ONDE SO ARTICULADAS VIVNCIAS E EXPERINCIAS CARACTERIZANDO-OS COMO

    LUGAR, ENQUANTO A REA LITORNEA PODE SER CARACTERIZADA COMO SENDO UM ESPAO O QUE PASSOU POR UMA

    VALORIZAO SIMBLICA E ECONMICA, PRINCIPALMENTE, ATRAVS DO DISCURSO MDICO.

    PALAVRAS-CHAVE: ESPAO, LUGAR, CULTURA, LITERATURA, RIO DE JANEIRO.

    ESPAO, LUGAR E LITERATURA O OLHAR

    GEOGRFICO MACHADIANO SOBRE A CIDADE

    DO RIO DE JANEIRO

    FREDERICO ROZA BARCELLOS

    ratrio para que vrias temticas sejam exploradas

    pela cincia geogrfica, evidenciando o quanto

    esta pode contribuir para o desenvolvimento de

    estudos que abarcam a cultura e suas mais variadas

    formas de manifestao no espao. A diversidade

    INTRODUO ______________________________

    Aabordagem cultural possui uma longa tradi-

    o na pesquisa geogrfica, no que tange aos estu-

    dos sobre a dimenso cultural do espao. Nesse

    sentido, o Brasil apresenta-se como um rico labo-

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    cultural do Brasil enorme, portanto os gegrafos

    que se interessam pela abordagem cultural tm

    diante de si um imenso terreno para pesquisar,

    como aponta Claval (1999a). Como exemplo da

    gama de assuntos que podem ser analisados pelaGeografia atravs da perspectiva cultural, obser-

    vamos que os testemunhos literrios so cada vez

    mais abordados sistematicamente, assim como os

    testemunhos fornecidos por gravuras ou pinturas

    antigas, fotografias, filmes e religio.

    A Geografia, que hoje procura novas alternati-

    vas para formas de apreenso do espao, muito tem

    a ganhar atravs da incorporao crtica de discur-

    sos como o da literatura, os quais podem servir

    como recurso de renovao metodolgica para o

    ensino desta disciplina. Nesse sentido, Dimas

    (1994) aponta que o espao pode apresentar-se

    como componente principal da narrativa, sendo

    fundamental, quando no determinante, no desen-

    volvimento da ao. No entanto, a geografia bra-sileira tem se privado de participar deste debate, a

    despeito da riqueza espacial que apresenta sua pro-

    duo literria (DIMAS, 1994).

    A literatura ocupa um importante lugar na in-

    vestigao geogrfica desde o incio dos anos 70,

    coincidindo com o perodo de renovao nos es-

    tudos geogrficos focalizando a dimenso cultu-

    ral. Segundo Brosseau (1996), o estruturalismo

    permitiu que a literatura alcanasse um privilegia-

    do estatuto como domnio de reflexo, favorecen-

    do o contato entre diversas disciplinas que se de-

    senvolviam at ento de forma mais ou menos in-

    dependente, possibilitando assim numerosas tro-

    cas interdisciplinares. O estruturalismo permitiu

    dessa forma a multiplicao das reflexes sobre o

    discurso, sobre o texto e sobre diversos sistemas

    significantes. O interesse pela temtica geografia

    e literatura permitiu que vrias tendncias se tor-

    nassem matria de reflexo, tanto em relao cr-

    tica social, quanto em relao ao que est em jogo

    no discurso da representao do espao e dos lu-gares. Dentro deste contexto, a literatura moder-

    na deixou de ter como tema central, entre os ge-

    grafos, o meio ambiente e passou a dar uma mai-

    or relevncia ao lugar e seus significados e rela-

    o entre as pessoas e o lugar, como nos aponta

    Pocock (1981). Dessa forma, a literatura no so-

    mente reconstitui uma experincia, como tambm

    formula experincias.

    Nesse sentido, o presente texto tem por obje-

    tivo analisar e interpretar a representao do es-

    pao geogrfico da cidade do Rio de Janeiro do

    final do sculo XIX e inicio do sculo XX no dis-

    curso romanesco machadiano, levando-se em con-

    siderao os romancesMemrias Pstumas de Brs Cu-

    bas, Dom Casmurro e Quincas Borba. Antes, porm,consideramos necessria uma breve exposio de

    algumas contribuies tericas sobre a temtica

    espao e literatura, assim como a discusso sobre

    os conceitos de espao e lugar.

    O LUGARDALITERATURANAGEOGRAFIACULTURAL

    UMADISCUSSOTERICA ______________________

    Na Geografia, a abertura s pesquisas tendo

    como referencial a literatura ocorreu sobretudo na

    Geografia anglo-saxnica de inspirao humanis-

    ta. O desenvolvimento dos trabalhos em questo,

    longe de representar uma reflexo sobre os siste-

    mas de produo, sobre as estruturas semiticas

    ou simblicas, sobre a crtica ideolgica, partici-

    pa de uma viso fenomenolgica destinada a re-

    meter o sujeito, os sentidos, os valores aos estu-

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    dos em Geografia. Conforme nos aponta Brosseau

    (1996), a partir da dcada de 1970, a Geografia

    Humanista e a Geografia Crtica emergem como

    reao produo da Nova Geografia, sugerindo

    que o objeto de estudo geogrfico deveria dar umaimportncia maior ao lugar e relao que os in-

    divduos estabelecem com ele. Em relao lite-

    ratura, esta teria importncia para o estudo geo-

    grfico por transcrever as experincias concretas

    que o autor tem com os lugares, sendo vista assim

    como resultado de percepo da qual guardar o

    vestgio. O romance visto como o encontro

    entre o mundo objetivo e a subjetividade huma-

    na, isto quer dizer que o romance daria conta no

    apenas dos aspectos objetivos da realidade, mas tam-

    bm de sua subjetividade. No entanto, Brosseau

    contesta a perspectiva da fenomenologia, a qual

    trabalha com a idia de que o corpo e a linguagem

    seriam co fundadores da experincia. Segundo o

    autor, a linguagem com a qual um indivduo repre-senta uma experincia no exato momento em que

    ele a viveu atravs de seu corpo e sua linguagem

    diferente da linguagem mobilizada pelo romance,

    mesmo quando este reconstitui uma experincia

    igual. Neste sentido, observa-se uma tendncia a

    tomar o romance, em especial o realista, de forma

    utilitria em relao s experincias pessoais do au-

    tor com um dado lugar. Tais experincias so tidas

    como verdadeiras e desta forma a anlise literria

    retm-se no plano do imaginrio e negligencia o

    processo criativo do autor e do uso que este faz dos

    recursos da linguagem. Para o referido autor, tal

    abordagem considerada problemtica e empobre-

    cedora para os estudos geogrficos.

    Ainda durante a dcada 1970 surge uma outra

    proposta de anlise literria em Geografia, oriun-

    da da corrente denominada Geografia Crtica.

    Segundo esta linha de pesquisa, a literatura teria

    como um dos seus objetivos mostrar a realidade

    como esta deveria ser, apresentando uma funo

    libertadora que seria contrria ao monoplio darealidade estabelecida. A interpretao literria,

    segundo esta perspectiva, acredita na importncia

    de se relocar o texto ao contexto social e histri-

    co de sua produo. A literatura deve estar a servi-

    o da mudana e se opor ideologia dominante.

    Porm, Brosseau nos chama a ateno para o peri-

    go de transformar a literatura em movimento mili-

    tante e de condenar aquela no engajada como

    sendo uma m literatura.

    Sobre as correntes de anlise literria em Geo-

    grafia literatura como transcrio da experin-

    cia dos lugares e literatura como crtica da realida-

    de ou da ideologia dominante Marc Brosseau

    tece uma crtica interessante para o nosso debate.

    Todas as vises acima apresentadas tomam a litera-tura de uma maneira instrumental, atravs da qual

    sua importncia no estaria em sua estrutura, mas

    nas relaes que esta faz com a realidade, tendo,

    portanto, uma importncia alheia a si. Segundo o

    autor, esta caracterstica instrumental repousa so-

    bre motivos diferentes: para uns a literatura serve

    de fonte de informaes, para outros para relocar

    o homem no centro das preocupaes, ou ainda

    para criticar o status quo por uma melhor justia

    social (BROSSEAU, 1996, p. 50)1.

    Outra importante contribuio de Marc Bros-

    seau aos estudos geogrficos sobre textos literri-

    os diz respeito proposio do mtodo dialgi-

    co. O dilogo aparece como uma opo plausvel

    para a anlise do romance, sendo uma possibilida-

    de de comunicao entre Geografia e Literatura

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    enquanto campos autnomos do conhecimento.

    Diferentemente de uma interpretao do texto em

    sua totalidade, a proposta de Brosseau (1996) de

    uma compreenso dos espaos e dos lugares no

    texto, de forma no estandartizada, a partir domtodo do dialogo.

    De acordo com esta perspectiva, para que o

    dilogo seja estabelecido, o romance no deve ser

    tratado como um objeto, mas como um outro su-

    jeito, visto que um dilogo s pode ocorrer entre

    dois sujeitos. O romance, segundo Brosseau

    (1996), apresenta uma forma especfica: ele no

    um discurso cientfico, logo no diz a mesma coi-

    sa e nem apresenta a mesma forma que aquele. Por

    isso, ele no pode ser tratado como uma ferramenta,

    mas deve ser respeitado em sua especificidade.

    Assim, Brosseau argumenta que o mtodo dia-

    lgico procura evitar

    a crena na capacidade da cincia exprimir emsuas palavras aquilo que o romance diz (escreve).

    O dilogo somente uma outra estratgia que per-

    mite ao gegrafo entrar em contato com o romance,

    interrogar sua prpria relao com a linguagem

    e a escrita graas a um encontro com este outro sem

    buscar assimila-lo. Colocar o romance como su-

    jeito, como totalidade, no significa nada alm de

    dizer que ele nos impermevel, embora haja uma

    maneira prpria (e esta pode ser verdadeira para

    cada romance particular) de produzir sentido,

    uma coerncia de sentidos, que resiste aos mais

    sutis esforos do analista em o transformar em

    objeto (BROSSEAU, 1996, p. 60 61)2.

    Um outro ponto destacado por Brosseau o

    da importncia que a descrio apresenta para o

    estudo do espao romanesco. No entanto, pre-

    ciso ressaltar que, ao contrrio do carter mera-

    mente descritivo de uma Geografia Regional Cls-

    sica, a descrio estaria intimamente ligada ex-

    plicao. Segundo Brosseau (1996), a descriopode tornar-se o lugar onde a narrativa relana-

    da, recontando os eventos sobre os quais esta pas-

    saria em silncio.

    Por fim, a abordagem da histria literria e dos

    gneros traz a contribuio de Bakthin com o con-

    ceito de crontopo, que busca alcanar a a corre-

    lao essencial das relaes espao temporais3

    (BAKTHIN citado por BROSSEAU). Esta noo

    para Marc Brosseau (1996, p. 100) uma ferra-

    menta preciosa na tentativa de apreender os pro-

    blemas do espao tempo no conjunto do ro-

    mance e nos ensina que no possvel compreen-

    der um sem o outro4. Dessa forma, o recurso ao

    conceito de crontopo seve para que se defina

    mais precisamente o tipo de universo com o qualo dilogo ser estabelecido, quando do contato

    com o romance.

    Em uma outra corrente de anlise literria em

    Geografia, a literatura vista como uma forma de se

    representar o real, sentido, no qual os processos de

    estruturao do simblico esto presentes. Tanto

    Brosseau (1996) quanto Kneale (2003) comparti-

    lham dessa idia, pois para ambos no h condies

    de se estabelecer uma correspondncia exata entre

    a paisagem real e o romance, pois o romance uma

    representao do real. A representao, na concep-

    o de Henriques (1996, p. 51),

    uma verdade parcial porque sendo produzida

    necessariamente por um autor se encontra sem-pre afetada pelas prioridades que definem o seu

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    ponto de vista e pelo quadro contextual em que

    esse mesmo autor est inserido, isto significa

    dizer que as representaes partem no s do

    campo de referncia extratextual, ou seja, dos

    dados do mundo real, mas tambm de um campode referncia intertextual que no fundo diz res-

    peito ao contexto produzido por outros textos.

    O romance na verdade funciona como teste-

    munho de pessoas reais que ele pe em cena por

    meio de fico. Seguindo nesta mesma linha de

    raciocnio, Bastos (1998) afirma que a representa-

    o do real se d atravs de uma relao entre pro-

    duo e literatura, na qual h um processo dialti-

    co entre texto e a leitura, sendo difcil para o lei-

    tor elaborar significaes prximas s imaginadas

    pelo escritor. nesse momento que surgem algu-

    mas dificuldades de se realizar uma anlise geo-

    grfica atravs de um texto literrio, seja ele um

    poema, seja ele um romance, pois este representaao mesmo tempo,

    um espao privilegiado de expresso da temti-

    ca dos conflitos sociais e ideolgicos de uma

    dada cultura, por reunir toda uma gama de

    contradies inventadas pelo narrador a

    partir dos conflitos existentes no seu horizonte

    de experincias, vivencias e expectativas soci-

    ais. Bastos (1998, p. 57)

    A mesma preocupao relacionada represen-

    tao do real, observada em Short (1991), para

    quem os textos so produzidos com base na parti-

    cularidade e na imaginao individual dos autores

    cuja criatividade condensada em preocupaes

    sociais, com concesses a argumentos especficos

    e formas pessoais aos textos, os quais so subse-

    qentemente interpretados de acordo com o al-

    cance da criatividade dos leitores. Os textos lite-

    rrios, portanto, no podem ser reduzidos a uma

    mera incorporao de mitos e articulaes de ide-ologias, eles soam muito mais que isso, pois nos

    comunicamos atravs deles e entend-los enten-

    der as mensagens passadas entre os diferentes mem-

    bros da sociedade.

    Ao se analisar os textos literrios, preciso ter

    um certo cuidado, pois, segundo Short (1991), os

    mesmos contm uma dialtica do contexto social,

    expressa tanto no romance, quanto na poesia ou no

    cinema, alm de tambm apresentar um impulso cri-

    ativo individual do escritor. Isto quer dizer que a in-

    terpretao dos textos literrios deve ser realizada

    levando-se em considerao uma viso socioecon-

    mica que no seja pr-definida sobre um texto e que

    o mesmo no seja destitudo de amplo significado

    social. Assim o texto literrio no se torna um pro-duto neutro, j que tanto escritor quanto leitor con-

    sumiram o mesmo texto de diversas formas possveis,

    segundo suas prprias significaes e valores.

    Sobre as significaes e valores, Haesbaert

    (1997, p. 30), ressalta de forma expressiva a ten-

    tativa de superar a separao entre sensibilidade e

    razo, poesia e cincia, argumentando que seja

    atravs de um poema ou de um romance,

    cada cultura, cada grupo e s vezes at mesmo

    cada individuo preenche o seu espao no ape-

    nas com um conjunto de instrumentos e util it-

    rios, mas tambm de emoo e sensibilidade, pois

    amamos, sofremos e podemos, pelo menos na

    imaginao expressar todos os sentimentos e todosos espaos do mundo.

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    As mltiplas significaes so prprias do dis-

    curso simblico que caracteriza o poema. A esco-

    lha de um smbolo no pode privar-se de toda re-

    ferncia ao real, podemos associar essas reflexes

    Geografia e lembrar que muitos espaos expres-sam muito mais do que a manifestao concreta de

    seus prdios, estradas e montanhas. Neles h es-

    paos a partir dos quais se cria uma leitura simb-

    lica, que pode ser sagrada, potica ou simplesmente

    folclrica, capaz de fortalecer uma identidade co-

    letiva e tambm territorial, conforme aponta Ha-

    esbaert (1997). Podemos nos arriscar a dizer que

    o romance realista, mas especificamente a obra

    machadiana, oferece pistas referentes ao espao,

    permitindo-nos acompanhar a trajetria romanes-

    ca e dos personagens de forma a no prestar aten-

    o exclusiva ao. importante ressaltar que na

    apreenso do espao geogrfico, conforme argu-

    mentado por Bastos (1998), existe uma dimenso

    concreta produo do espao material e uma dimen-so simblica as representaes que se interagem.

    O espao representado segundo um imaginrio

    social em que no se deve negar a materialidade.

    Segundo Cosgrove (2000, p. 38), a imagi-

    nao que metamorfoseia a comunidade humana e

    o ambiente natural em uma significativa unidade

    de espao. O mesmo autor nos relata que a geo-

    grafia cultural lida, por definio, com grupos hu-

    manos, suas interrelaes e aes coletivas, trans-

    formando a natureza e fazendo da comunicao o

    alicerce da intersubjetividade, ou seja, dos valores

    e crenas compartilhados que se constituem na

    imaginao coletiva e definem a cultura no-ma-

    terial. Neste caso a literatura se enquadra perfeita-

    mente. A imaginao potica a que desperta

    maior interesse nos gegrafos culturais, no sentido

    em que gera novos sentidos, sendo a criatividade

    potica o elemento que produz culturas e as dife-

    rencia. Portanto, os gegrafos culturais interessa-

    dos na questo do significado do mundo tm se

    dedicado cada vez mais ao papel simblico da lin-guagem em nossas relaes com o mundo natural.

    A apreenso do espao geogrfico pela via do

    discurso literrio do romance busca uma imbrica-

    o entre o real e o imaginrio, entre o objetivo e

    o subjetivo, a qual nos fornece um entendimento

    do discurso literrio como forma de representa-

    o do espao real. Nesse sentido Cosgrove (2000,

    p. 50) afirma sobre o imaginrio que

    tanto o passado, quanto o futuro so espaos

    da imaginao, j que nenhum deles existe como

    um dado proveniente dos sentidos. O passado

    possui como dimenso simblica uma ideologia

    da imaginao, enquanto que o futuro tem como

    dimenso simblica a utopia, portanto ideolo-gia e utopia so elementos necessrios e comple-

    mentares do imaginrio social em qualquer cul-

    tura. A ideologia oferece mitos e smbolos fun-

    damentais, que aliceram as instituies e as

    aes coletivas atravs do ritual, enquanto que

    a utopia faz parte da imaginao social diri-

    gida ao futuro que desafia a tradio e busca

    a ruptura com o presente.

    Dentre as importantes contribuies realizadas

    por pesquisadores brasileiros para a anlise do con-

    tedo geogrfico em criaes romanescas pode-

    mos destacar o livro O mapa e a Trama (2002) do

    professor Carlos Augusto Monteiro, porm admi-

    tindo algumas ressalvas. Nesse trabalho o autor tem

    grande preocupao em descrever as paisagens

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    existentes nos vrios romances que ele utilizou em

    seus estudos, no havendo maior preocupao na

    fundamentao terica acerca da relao entre a

    Geografia e a Literatura. Na verdade Monteiro no

    realiza uma interpretao mais aprofundada dosromances que foram utilizados como material de

    anlise. Esta caracterstica est muito presente na

    leitura que ele faz da obra de Guimares Rosa, Cor-

    po de Baile. No melhor estilo lablacheano, ele des-

    creve com mincias o serto presente na obra de

    Guimares Rosa, sem nenhuma preocupao inter-

    pretativa do romance.

    Em uma outra perspectiva de anlise dos textos

    literrios, Moretti (2003) em seu Atlas do Romance

    Europeu 1800 1900 analisa o romance e suas rela-

    es internas, tornando visvel a ligao entre

    Geografia e Literatura. Segundo o autor, a geo-

    grafia literria pode se referir a duas coisas muito

    diferentes: o espao na literatura que ficcional e

    a literatura no espao que o espao histricoreal. A distino entre os dois espaos no afeta o

    mtodo de pesquisa, que o mesmo em toda par-

    te e se baseia no uso sistemtico de mapas. De

    mapas no como metforas, mas como ferramentas

    analticas que dissecam o texto de uma forma in-

    comum, trazendo luz relaes que de outro modo

    ficariam ocultas. Os mapas literrios nos permitem

    ver a natureza espacial das formas literrias (suas

    fronteiras e rotas favoritas) e tambm trazem luz

    a lgica interna da narrativa, ou seja, o domnio

    semitico em torno do qual um enredo se agluti-

    na e se organiza.

    A Geografia, segundo o autor, no um recipi-

    ente inerte, no uma caixa onde a histria cultu-

    ral ocorre, mas uma fora ativa que impregna o

    campo literrio e o conforma em profundidade. A

    relao entre Geografia e literatura pode se tornar

    explicita, pois podemos mape-la, ou seja, uma

    ligao que se torna visvel. Ao analisar os roman-

    ces, Moretti enfatiza a relao dos mesmos com o

    tempo, no deixando de sugerir que o componen-te espacial to notvel quanto o temporal.

    ESPAOELUGAR ___________________________

    A contribuio de Milton Santos atravs de

    sua vasta obra para a discusso do conceito de es-

    pao enorme. Em A Natureza do Espaoele discute

    o espao como sendo um conjunto indissocivel

    de sistemas de objetos e sistemas de aes, no

    considerados isoladamente, mas como o quadro

    nico no qual a histria se d. Segundo Santos

    (2002, p. 63), no comeo

    a natureza era selvagem, formada por objetos

    naturais, que ao longo da histria vo sendo

    substitudos por objetos fabricados, fazendo comque a natureza artificial tenda a funcionar como

    uma mquina. Atravs da presena desses obje-

    tos tcnicos estradas de rodagem, fbricas,

    fazendas, portos, cidades, o espao marcado

    por esses acrscimos, e lhe do um contedo ex-

    tremamente tcnico.

    Para Santos (2002, p. 104) adicionalmente,

    um sistema de valores que se transforma perma-

    nentemente. O espao uno e mlt iplo, por suas

    diversas parcelas, e atravs do seu uso, um

    conjunto de mercadorias, cujo valor individu-

    al funo do valor que a sociedade, em um

    dado momento, atribui a cada pedao de mat-ria, isto quer dizer que o espao a sociedade.

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    esta sociedade que anima as formas espaciais,

    atribuindo-lhes um contedo, uma vida. Uma casa

    vazia ou um terreno baldio, um lago, uma monta-

    nha so transformados em espaos a partir do mo-

    mento em que lhes so atribudos determinadosvalores. O espao a sntese, sempre provisria,

    entre o contedo social e as formas espaciais.

    Na geografia humanista o lugar passa a ser o

    conceito chave mais relevante. A contribuio

    de Tuan sobre a discusso dos conceitos de espa-

    o e lugar, levando-se em considerao a perspec-

    tiva da experincia inegvel. Em sua opinio,

    espao e lugar

    so termos familiares que indicam experincias

    em comum. O espao mais abstrato do que o

    lugar. O que comea como espao indiferenciado

    transforma-se em lugar medida que o conhece-

    mos melhor e o dotamos de valor. As idias de

    espao e lugar no podem ser definidas uma sema outra. A partir da segurana e estabilidade do

    lugar estamos cientes da amplido, da liberdade

    e da ameaa do espao, e vice-versa. Alm disso,

    se pensamos no espao como algo que permite

    movimento, ento lugar pausa; cada pausa no

    movimento torna possvel que localizao se trans-

    forme em lugar. (TUAN, 1983, p. 6)

    O lugar, para Tuan (1983, p. 14), uma con-

    creo de valor, embora no seja uma coisa valio-

    sa, que possa ser facilmente manipulada ou levada

    de um lado para o outro; um objeto no qual se

    pode morar, isto quer dizer que o lugar um mun-

    do de significado organizado. Nesse sentido, Fer-

    reira (2000) aponta que o lugar seria um centro

    de significaes insubstituvel para a fundao de

    nossa identidade como indivduos e como mem-

    bros de uma comunidade, associando-se, desta for-

    ma, ao conceito de lar. Esse essencialmente um

    conceito esttico, pois se vssemos o mundo como

    processo, em constante mudana, no seramoscapazes de desenvolver nenhum sentido de lugar.

    Tuan (1983, p. 40) acrescenta que os lugares,

    assim como os objetos, so ncleos de valor, e s

    podem ser totalmente apreendidos atravs de uma

    experincia total englobando relaes ntimas,

    prprias do residente, e relaes externas prpri-

    as do turista. O lugar torna-se realidade a partir

    da nossa familiaridade com o espao, no necessi-

    tando ser definido atravs de uma imagem preci-

    sa, limitada. Quando o espao nos inteiramente

    familiar, torna-se lugar.

    O LUGAREOESPAONAOBRAMACHADIANA ______

    Aps apresentarmos, em linhas gerais, algumas

    contribuies tericas sobre a temtica espao eliteratura, esta seo reservada anlise geogr-

    fica dos textos literrios de Machado de Assis.

    Neste percurso analtico, daremos nfase aos con-

    ceitos de espao e lugar para realizar a interpreta-

    o dos romances machadianos.

    A presena de ruas e praas do centro velho da

    cidade do Rio de Janeiro, assim como dos morros,

    nos romances de Machado de Assis, elucidativa

    de como esses espaos, a partir do momento que

    articulam vivncias e experincias, ao mesmo tem-

    po em que passam a ser dotados de valor e senti-

    mentos, tornam-se lugares na narrativa machadia-

    na. Espao urbano esse que sofreu inmeras inter-

    venes a cada uma das fases de crescimento da

    cidade e que teve como resultado a criao de ruas

    e praas que hoje fazem parte da paisagem da ci-

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    dade do Rio de Janeiro. A seguir so apresentados

    alguns fragmentos que mostram como o lugar est

    presente na obra machadiana.

    No trecho seguinte, de Memrias Pstumas de Brs

    Cubas, ntido o sentimento e a vivncia que o es-critor cria em relao ao seu espao de infncia,

    identificando dessa forma a representao do lugar.

    Nunca em minha infncia, nunca em toda mi-

    nha vida, achei um menino mais gracioso, in-

    ventivo e travesso. Era a flor, e no j da escola,

    seno de toda cidade. A me, viva com algu-

    ma coisa de seu, adorava o filho e trazia-o

    amimado, asseado, enfeitado, com um vistoso

    pajem atrs, um pajem que nos deixava gazear

    a escola, ir caar ninhos de pssaros, ou perse-

    guir lagartixas nos morros do Livramento e da

    Conceio, ou simplesmente arruar, toa, como

    dois peraltas sem emprego (p.46).

    A volta de Brs Cubas de Portugal um outro

    indcio do escritor da representao do espao

    como lugar na obra machadiana.

    Vim. No nego que, ao avistar a cidade natal,

    tive uma sensao nova. No era efeito da minha

    ptria poltica; era-o do lugar da infncia, a

    rua, a torre, o chafariz da esquina, a mulher de

    mantilha, o preto do ganho, as coisas e cenas da

    meninice, buriladas na memria (p.66).

    H um trecho do romance Dom Casmurro que

    mostra o personagem principal relembrando de

    momentos ocorridos antes da sua entrada para o

    seminrio. E so lembranas importantes, pois di-

    zem respeito a momentos em que ele viveu com

    Capitu na rua onde moravam. So memrias em

    que o lugar representado no romance.

    E se a comparao no vale, porque as chinelas

    so ainda uma parte da pessoa e tiveram o con-tato dos ps, aqui esto outras lembranas, como

    a pedra da rua, a porta da casa, um assobio

    particular, um prego de quitanda, como aquele

    das cocadas (...). (...) Justamente quando con-

    tei o prego das cocadas, fiquei to curtido de

    saudades que me lembrou faz-lo escrever por um

    amigo, mestre de msica, e grud-lo s pernas

    do captulo (p.83).

    importante ressaltar que lendo os textos ma-

    chadianos fica clara, a presena de um espao do-

    tado de valor e sentimento, caracterizando-o como

    sendo um lugar, segundo o conceito discutido por

    Tuan (1983). As ruas, praas e morros so espaos

    que se transformam em lugares, os quais esto re-presentados nos romances machadianos.

    A representao da rea litornea nos roman-

    ces de Machado de Assis uma caracterstica mar-

    cante da presena do espao nos textos machadi-

    anos. Tanto isso verdadeiro que um dos perso-

    nagens do romance Dom Casmurro morre no mar.

    No entanto, importante ressaltar que as reas

    litorneas nem sempre tiveram um papel de desta-

    que e prestgio perante a sociedade carioca como

    um lugar aprazvel e de prtica do lazer.

    O discurso que valoriza as reas litorneas

    praia e mar como locais de sade e lazer cons-

    titudo no mbito da comunidade mdica ao lon-

    go do sculo XIX. A valorizao das praias atravs

    do discurso mdico no apenas serviu para modi-

    ficar o seu modo de apreciao, mas tambm foi

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    importante, segundo Ferreira e Silva (2000), na

    valorizao econmica dos espaos litorneos e na

    criao de um vetor de ocupao das elites em di-

    reo a estes setores da cidade. O que na verdade

    observamos, uma valorizao simblica e materialdestes lugares que antes eram desprezados.

    Depois do que foi exposto acima podemos nos

    arriscar a dizer que a praia representada nos tex-

    tos machadianos como sendo um espao e no um

    lugar, pois segundo Santos (2002, p. 104) o es-

    pao um sistema de valores que se transforma

    permanentemente. E com as reas litorneas da

    cidade do Rio de Janeiro no foi diferente. Elas

    passaram a representar uma nova rea de ocupao

    residencial para os grupos mais abastados da soci-

    edade carioca. Eis alguns trechos que elucidam o

    que foi dito anteriormente.

    A nossa vida era mais ou menos plcida. Quan-

    do no estvamos com a famlia ou com osamigos, ou se no amos a algum espetculo ou

    sero particular, passvamos as noites nossa

    janela da Glria, mirando o mar e o cu, a

    sombra das montanhas e dos navios, ou a gente

    que passava na praia. s vezes, eu contava a

    Capitu a histria da cidade, outras dava-lhe

    notcias de astronomia (p.132).

    Ns no podamos ter os coraes agora mais

    perto. As nossas mulheres viviam na casa uma

    da outra, ns passvamos as noites c ou l

    conversando, jogando ou mirando o mar, os

    dois pequenos passavam dias, ora no Flamen-

    go, ora na Glria (p.147).

    Quanto s puras economias de dinheiro, direi

    um caso, e basta. Foi justamente por ocasio deuma lio de astronomia, praia da Glria.

    Sabes que alguma vez fiz cochilar um pouco.

    Uma noite perdeu-se em fitar o mar, com tal

    fora e concentrao, que me deu cimes (p.133).

    Escobar cumpriu o que disse; jantava conosco,

    e ia-se noite. Sobre tarde descamos praia ouamos ao Passeio Pblico, fazendo ele os seus

    clculos, eu os meus sonhos. Eu via o meu filho

    mdico, advogado, negociante, meti-o em vri-

    as universidades e bancos, e at aceitei a hip-

    tese de ser poeta (p.137).

    bem ntido, nos textos de Machado de Assis a

    presena da praia como um local de residncia de

    grupos mais abastados da sociedade carioca. A ocu-

    pao das reas litorneas na cidade do Rio de Janei-

    ro representada nos romances machadianos como

    sendo um espao em transformao, principalmente

    depois da valorizao econmica e simblica que essas

    reas sofreram atravs do discurso mdico, caracteri-

    zando dessa forma o espao como sendo uma snte-se, mesmo que provisria, entre o contedo social e

    as formas espaciais (SANTOS, 2002).

    CONSIDERAESFINAIS______________________

    Certamente este no o primeiro e nem o l-

    timo estudo sobre a interpretao dos textos ma-

    chadianos. Porm acreditamos contribuir com o

    debate na Geografia Cultural brasileira sobre as

    vrias possibilidades de se realizarem estudos ge-

    ogrficos que considerem a Literatura como im-

    portante forma de representao espacial.

    Podemos constatar que a representao espa-

    cial nos textos machadianos se apresenta de dife-

    rentes formas. As ruas, praas e morros aparecem

    nos romances como espaos dotados de valor e

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    sentimentos, onde so articuladas vivncias e ex-

    perincias, caracterizando-os como lugar, enquan-

    to a rea litornea pode ser caracterizada como

    sendo um espao, o qual passou por uma valoriza-

    o, principalmente, atravs do discurso mdico.A partir da no houve somente um novo modo

    de apreciao da praia, mas tambm uma valoriza-

    o econmica dos espaos litorneos com a cria-

    o de um vetor de ocupao das elites em dire-

    o a estes setores da cidade. Essa valorizao das

    reas litorneas trouxe a reboque toda uma re-

    percusso no processo de produo do espao, pois

    as tornaram do ponto de vista residencial em es-

    paos mais valorizados no final do sculo XIX e

    incio do sculo XX.

    importante ressaltar que Machado de Assis,

    assim como qualquer outro escritor, no tem a pre-

    ocupao em retratar fielmente aspectos da reali-

    dade. Porm quando lemos os textos machadia-

    nos temos a ntida impresso que o escritor nodeixa de representar caractersticas importantes do

    espao urbano de sua cidade natal. Surge dessa

    forma o Passeio Pblico, o morro do Livramento,

    as ruas do centro da cidade, com destaque para a

    rua do Ouvidor, a rea litornea, sendo as praias

    da Glria e do Flamengo e a enseada de Botafogo

    as mais representadas nos textos machadianos.

    A Geografia no aborda apenas a paisagem.

    H outras abordagens, por exemplo, aquela que

    enfatiza o espao e os lugares. Na perspectiva

    machadiana as praas, ruas, morros assumem, em

    alguns casos as caractersticas de lugares, que man-

    tm relaes com a trama, no se constituindo em

    meros palcos.

    Finalizamos o presente texto enfatizando que

    os textos literrios no s podem como devem ser

    utilizados como um rico material a ser interpreta-

    do sobre as vrias representaes do espao e que

    a pesquisa em tela constitui-se uma dentre as in-

    meras possibilidades de anlise geogrfica da obra

    de Machado de Assis.

    NOTAS __________________________________1Traduo do autor.2Traduo do autor.3Traduo do autor.4Traduo do autor.

    REFERNCIASBIBLIOGRFICAS ___________________

    ASSIS, Joaquim M. Machado de. Quincas Borba. So Paulo:Editora Martins Claret, 2004.

    ASSIS, Joaquim M. Machado de. Memrias Pstumas de BrsCubas. So Paulo: Abril Cultural, 1992.

    ASSIS, Joaquim M. Machado de.Dom Casmurro. So Paulo:Abril Cultural, 1981.

    BASTOS, A R. V. R. Espao e Literatura: Algumas ReflexesTericas.Espao e Cultura, UERJ, Rio de Janeiro, n 5, p. 55 66, 1998.

    BROSSEAU, M. Des Romains - gographes Essai. Paris:LHarmattan, 1996.

    CLAVAL, P. Reflexes sobre a Geografia Cultural no Brasil.

    Espao e Cultura, UERJ, Rio de Janeiro, n 8, pp. 7 29, 1999.COSGROVE, D. Mundo de Significados: Geografia Culturale Imaginao. In: CORRA, R. L & ROSENDAHL, Z. (orgs).Geografia Cultural: Um Sculo (2). Rio de Janeiro: EdUERJ,2000.

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    FERREIRA, L. F. Acepes Recentes do Conceito de Lugar esua Importncia para o Mundo Contemporneo. RevistaTerritrio, Rio de Janeiro, ano V, n 9, Jul/Dez de 2000.

    FERREIRA e SILVA, M. G. A Praia e o Imaginrio Social:Discurso Medico e Mudana de Significados na Cidade doRio de Janeiro. In: ROSENDAHL, Z. & CORRA, R. L.(orgs). Paisagens. Imaginrio e Espao. Rio de Janeiro: EdUERJ,

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    HENRIQUES, E. B. A Problemtica da Representao noPensamento Geogrfico Contemporneo. Culturas, Identidade eTerritrio, Inforgeo/Associao Portuguesa de Gegrafos, n11, 1996.

    KNEALE, J. Secondary Wordls readings novels as geogra-phical research. In: Cultural Geography in Practice. London:Arnold, 2003.

    MONTEIRO, C. A de F. O mapa e a trama: Ensaios sobre ocontedo geogrfico em criaes romanescas. Florianpolis: Editora

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    ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 25, P. 41-52, JAN./JUN. DE 200952

    POCOCK, D. C. D. Geography ad Literature. Progress inHuman Geography, n 12(1), pp. 87 102, 1988.

    POCOCK, D. C. D.Humanistic Geogarphy and Literature:Essays in the Experience of Place. Londres: Croon Holm, 1981.

    ABSTRACT

    THE GEOGRAPHIC STUDIES MADE FROM THE ANALYS IS OF LI TERARY TEXTS ALREADY ESTABLISH AN INVE ST IGATION LINE

    CONSOLIDATED IN INTERNATIONAL GEOGRAPHY. HOWEVER, THIS THEME IS LITTLE PRIVILEGED IN BRAZILIAN GEOGRAPHY,

    DESPITE THE AMAZING RICHNESS THAT THE LITERARY PRODUCTION PRESENTS. IN THE RELATIONSHIP BETWEEN GEOGRAPHY

    AND LITERARY, THE LITERARY TEXTS SHOW THEMSELVES AS A RICH MATERIAL TO BE APPRECIATED BY US GEOGRAPHERS,

    AS THEY EVOKE THE PLACES, SOUL AND PEOPLE DAILY LIVES. IN THIS DIRECTION, OUR RESEARCH CONSISTS IN THE

    ANALYSIS AND INTERPRETATION OF RIO DE JANEIRO CITY GEOGRAPHIC SPACE REPRESENTATION AT THE END OF THE 19

    CENTURY AND THE BEGINNING OF 20 CENTURY IN THE ROMANTIC MACHADIAN DISCOURSE. THUS, WE RESTORED SOMECONTRIBUTIONS TO THE REFLECTIONS ON THE RELATIONS BETWEEN GEOGRAPHY AND LITERATURE. WE INFERRED THAT

    MACHADO DE ASSIS TEXTS HAVE A GREAT MOVEMENT OF TRANSFORMATIONS IN THE CARIOCA URBAN AREA, LEAVING

    BEHIND ITS COLONIAL LANDSCAPE. THE CITY OF COLONIAL FEATURES STARTED TO BECOME EXCITING AND MODERN AND

    SAW ITS PUBLIC AREAS BEING TAKEN BY THE PEOPLE, NEW RHYTMS AND CHARACTERS. WHEN WE GO THROUGH THE

    LITERARY TEXT WE CAN OBSERVE THAT THE SPACE IS PRESENTED IN SEVERAL WAYS IN THE MACHADIAN WRITING,

    SOMETIMES AS AREA AND OTHERS AS PLACE, AS THE WRITER USED TO BASE IT ON A STREET, A PARK, A WAY, A BEACH

    OR A SMALL FARM. THEREFORE HE DESCRIBED IN HIS LITERARY WORK, PIECES OF AN EVOLVING CITY. THE STREETS,

    PARKS AND HILLS APPEAR AS VALUED AND SENTIMENTAL AREAS, WHERE THE E XPERIENCES THAT HAPPEN CHARACTERIZETHEM AS PLACES , WHILE THE COASTAL AREA CAN BE CHARACTERIZED AS A SPA CE WICH WENT THROUGH A GREAT

    ECONOMIC WORTH, MOSTLY THROUGH THE MEDICAL SPEECH.

    KEY WORDS: SPACE, PLACE, CULTURE, LITERATURE, RIO DE JANEIRO.

    SANTOS, M.A Natureza do Espao. So Paulo: Edusp, 2002.

    SHORT, J. Imagined Countries: Society, Culture and Environment.New York: Routledge, 1991.

    TUAN, Y. F.Espao e Lugar. So Paulo: DIFEL, 1983.