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2 Volume 27 Até que ponto as descobertas arqueológicas confirmam a Bíblia? O novo ateísmo A visão de um criacionista sobre o Sistema Solar Seja forte e corajoso E s p a n h o l F r a n c ê s I n g l ê s I t a l i a n o P o r t u g u ê s

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Até que ponto as descobertas arqueológicas confirmam a Bíblia?O novo ateísmoA visão de um criacionista sobre o Sistema SolarSeja forte e corajoso

E s p a n h o l • F r a n c ê s • I n g l ê s • I t a l i a n o • P o r t u g u ê s

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Até que ponto as descobertas arqueológicas confirmam a Bíblia?O objetivo da arqueologia não deve ser provar a Bíblia. Se permitirmos que a arqueologia alcance tal posição de autoridade, estaremos desconsiderando a autoridade que a Bíblia tem em si mesma, em favor de outra que nada tem a ver com o texto.Randall W. Younker

O novo ateísmo: Como viver sua fé em um mundo hostilMuitas vezes, o melhor testemunho em um mundo hostil, que nega a sua crença, é uma vida coerente com a fé que você professa.Raúl Esperante

A visão de um criacionista sobre o Sistema SolarA Bíblia revela um princípio vital das atividades do Criador. A sustentação de cada ato de Deus é um propósito abarcante, amoroso, decorrente da sabedoria infinita.George T. Javor

Seja forte e corajosoA confiança na Palavra inspirada, combinada ao conhecimento e à familiaridade com os princípios da geologia, pode dar origem a uma visão de como a história geológica deve diferir das interpretações geológicas convencionais.Leonard Brand

O toque da fé, a mão estendida do SalvadorQuando a humanidade está em contato com a divindade, um milagre acontece. Ao tocarmos o manto da justiça de Cristo, somos transformados à Sua semelhança. Esta é a história de uma mulher que conseguiu tocá-lo.John Wesley Taylor V

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SEÇÕES

EDITORIALA marca de um cristãoJohn Fowler

PERFILLeonard AzamfireiEntrevistado por Adrian Bocaneanu

PONTO DE VISTASinceridade é o suficiente?Paul Dybdahl

LIVROSUnderstanding Ellen White: The Life and Work of the Most Influential Voice in Adventist Historyed. Merlin D. BurtRevisado por Anna Galeniece

The Great Controversy and the End of Eviled. Gerhard PfandlRevisado por Aecio E. Cairus

PRIMEIRA PESSOASou uma missionária no campusAlexandra Browne

LOGOSA primeira pedraSoraya L. Homayouni

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ARTIGOS

DIVISÃO SUL-AFRICANA E DO OCEANO ÍNDICOP. O. Box 4583 Rietvalleirand 0174, ÁFRICA DO SULElla Kamwendo [email protected] Khumalo [email protected]

DIVISÃO AFRICANA CENTRO- OCIDENTAL22 Boîte Postale 1764, Abidjan 22, COSTA DO

MARFIMChiemela Ikonne [email protected]. John Enang [email protected]

DIVISÃO AFRICANA CENTRO- ORIENTALP.O. Box 14756, 00800-Westlands, Nairobi, QUÊNIAAndrew Mutero [email protected] Mwakalonge [email protected]

tist.org

DIVISÃO NORTE-ASIÁTICA DO PACÍFICOP.O. Box 43, Koyang Ilsan 411-600, COREIARichard Sabuin [email protected] Hyujg Kim [email protected]

DIVISÃO SUL-ASIÁTICA DO PACÍFICOP.O. Box 040, 4118 Silang, Cavite, FILIPINASLawrence Domingo [email protected] Yabut [email protected]

DIVISÃO EURO-ASIÁTICAKrasnoyarskaya Street 3, 107589 Moscou, FED.

RUSSAVladimir Tkachuk [email protected] Gennady [email protected]

DIVISÃO INTERAMERICANAP.O. Box 830518, Miami, FL 33283-0518, EUAGamaliel Florez [email protected]ín Carballo [email protected]

DIVISÃO INTEREUROPEIASchosshaldenstrasse 17, 3006 Berna, SUÍÇABarna Magyarosi [email protected] Sigg [email protected]

DIVISÃO NORTE-AMERICANA12501 Old Columbia Pike, Silver Spring, MD 20904-

6600, EUALarry Blackmer [email protected] James Black [email protected] Councell [email protected]

DIVISÃO DO PACÍFICO SULLocked Bag 2014, Wahroonga, N.S.W. 2076,

AUSTRÁLIAMalcom Coulson [email protected] Kross [email protected]

DIVISÃO SUL-AMERICANACaixa Postal 02600, Brasília, 70279-970 DF, BRASILEdgard Luz [email protected] Campitelli [email protected]

DIVISÃO SUL-ASIÁTICAP.O. Box 2, HCF Hosur, 635 110 Tamil Nadu, ÍNDIANageshwara Rao [email protected] Lyngdoh [email protected]

DIVISÃO TRANSEUROPEIA119 St. Peter’s St., St. Albans, Herts, AL13EY,

INGLATERRADaniel Duda [email protected] Tompkins [email protected]

REPRESENTANTES REGIONAIS

CONTEÚDO

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O cinema indiano, abaixo de Hollywood apenas no tamanho, frequentemente retrata um cristão de forma estereotipada: ele trabalha em uma garagem, fala pala-vrões, bebe e é fumante inveterado; veste roupas espalhafatosas, carrega uma gran-de cruz pendurada no pescoço, e dirige em alta velocidade com amigos bêbados que, ocasionalmente, fazem o trabalho de bons samaritanos.

O retrato não chega a ser elogioso, nem verdadeiro, mas levanta algumas ques-tões fundamentais: Como um cristão deve se portar? Em que os cristãos são dife-rentes da população em geral? Deveria haver alguma diferença?

Em outras palavras, qual é a marca de um cristão?Ao longo da história, os cristãos adotaram um sinal ou outro como a marca de

sua fé. Um dos primeiros sinais foi o símbolo de um peixe. A palavra grega para peixe, ICHTHUS, foi transformada em um acrônimo Iesous Christos Theou Huios Soter, que significa “Jesus Cristo, Filho de Deus, o Salvador”. O símbolo foi útil para que os primeiros cristãos pudessem se identificar uns aos outros. O sinal de um peixe numa porta ou na soleira era um refúgio seguro para o cristão que estava fugindo de um ataque de perseguição ou rejeição; o sinal era um símbolo de teste-munho espiritual e de solidariedade.

Quando o cristianismo passou a ser mais aceito, sinais mais claros e óbvios – como a cruz, uma Bíblia aberta, uma pomba ou tocha acesa – começaram a ser empregados para mostrar que o portador de tal símbolo era um cristão professo. A arquitetura e a arte, frequentemente, deram expressão à presença dos cristãos em uma comunidade.

Não há nada de particularmente errado ou certo nesses símbolos de fé. Mas, quando os símbolos permanecem no nível exterior, existe o perigo de distorções e manipulações. A profissão de fé sem o apoio de uma vida coerente não tem valor algum.

Há, porém, um sinal que todos os cristãos são aconselhados a manter como regra de fé e espera-se que possuam. Não é algo que possam usar em volta do pescoço ou carregar consigo. É uma marca que foi ordenada pelo próprio Cristo: “Um novo mandamento lhes dou: Amem-se uns aos outros. Como Eu os amei, vocês devem amar-se uns aos outros. Com isso todos saberão que vocês são Meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros” (João 13:34, 35).

Em uma cultura que trata os seres humanos como máquinas, numa sociedade que tem sua atenção mais voltada à televisão do que às crianças com fome, em uma era que gasta mais tempo e dinheiro na busca do prazer e da beleza que no cuidado e preocupação com o que realmente importa, o cristão é chamado a car-regar a marca do discipulado, o manto esplendoroso do amor verdadeiro. O amor em ação distingue um cristão entre todas as demais pessoas. A criança abusada à procura de uma identidade, os sem-teto em busca de um abrigo, o mendigo cego estendendo a mão em milhares de ruas ao redor do mundo, o condenado trans-gressor da lei que olha para o teto vazio de uma cela solitária, a alma pecadora à beira de um colapso – todos esses e muitos mais são objetos do amor e cuidado do cristão.

A marca do amor exige não só o ato de doar-se desinteressadamente aos outros,

A marca de um cristão Esta revista internacional de fé, pensamento e ação é publicada três vezes ao ano, em quatro edições paralelas (espanhol, francês, inglês e português), sob o patrocínio da Comissão de Apoio a Universitários e Profissionais Adventistas (Caupa), organismo da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia.

Volume 27, Número 2Copyright © 2015 pela Caupa. Todos os direitos reservados.

Diálogo afirma as crenças fundamentais da Igreja Adventista do Sétimo Dia e apoia a sua missão. Os pontos de vista publicados na revista, entretanto, representam o pensamento independente dos autores.

Equipe EditorialEditora-chefe: Lisa M. Beardsley-HardyEditor: John M. Fowler, John W. Taylor VAssistente Editorial: Susana SchulzEdições Internacionais: Susana Schulz Secretários editoriais internacionais: Susana Schulz (Espanhol) Monique Lemay (Francês) Roberto Iannò (Italiano) Karina Carnassale Deana (Português)Diagramador: Glen Milam

Correspondência EditorialDiálogo12501 Old Columbia PikeSilver Spring, MD 20904-6600; EUA.Telefone 301 680-5060Fax 301 622-9627E-mail [email protected]

Comissão (CAUPA)Presidente: Armando MirandaVice-Presidentes: Lisa M. Beardsley-Hardy, Gilbert Cangy, Gary R. CouncellSecretário: Jiwan S. MoonVogais: Mario Ceballos, Lyndelle Chiomenti, Ganoune Diop, Falvo Fowler, Hudson Kibuuka, Linda Koh, Kathleen Kuntaraf, Faith-Ann McGarrell, Derek Morris, Álvaro Ordoñez, Ronald Pickell, Eliann Reinhardt, Roy Ryan, Susana Schulz, John W. Taylor, Clinton Wahlen, Thomas Wetmore

Correspondência sobre circulação Deve ser dirigida ao Representante Regional da Caupa na região em que reside o leitor. Os nomes e endereços desses representantes encontram-se na p. 2.

Assinaturas US$13.00 por ano (três números, via aérea). Ver cupom na p. 6 para mais detalhes.

Website: http://dialogue.adventist.org

A DIÁLOGO recebe correspondências de leitores de 120 países ao redor do mundo.

EDITORIAL

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4 DIÁLOGO 27 • 2 2015

Escreva-nos!Recebemos seus comentários, críticas e perguntas, mas, por favor, limite suas cartas a 200 palavras. Escreva para:

DIALOGUE LETTERS12501 Old Columbia PikeSilver Spring MD 20904 - EUA.

FAX 301 622 9627E-MAIL [email protected]

As cartas selecionadas para publicação podem vir a ser editadas para maior clareza ou por necessidade de espaço.

mas também de buscar uma mudança estrutural na relação pessoa a pessoa. É aqui que três fatores se destacam:

Em primeiro lugar, o verdadeiro amor aceita a humanidade de todos. Dividir os seres humanos em várias categorias e distribuir os relacionamen-tos em um amplo espectro de adoração absoluta para uma absoluta rejeição não é humano nem cristão. Nenhuma pessoa é sem valor para o evangelho de Cristo. As boas-novas de Cristo nos lembram que o ser humano é uma unidade e, como pessoa, não deve ser tratada com base em quaisquer fato-res divisórios, independentemente da nacionalidade, cor, sexo, casta ou lín-gua, ou qualquer outra coisa. Pelo fato de uma pessoa ser um filho ou filha de Deus, o cristão deve amá-la indepen-dentemente de qualquer coisa.

Em segundo lugar, o amor exige uma ação amorosa. O novo manda-mento de Cristo apresenta o amor não como um protetor negativo contra o mal, mas como uma força positiva, uma força ousada, de ações justas; não como um espectador passivo diante do sofrimento humano, mas como uma força ativa no alívio desse sofrimento anônimo; não como um convite pie-doso para se isolar numa rejeição de si mesmo, mas como uma ordem pode-rosa para se identificar com as neces-sidades e aspirações dos outros. Para um cristão, o amor permanece como a principal motivação de todo ser e de toda ação.

Em terceiro lugar, o amor deve ser visível. Como uma marca do cristão, o amor deve ser visível não apenas na ação, mas também nos relacionamentos. Por exemplo, considere o simples ato de dizer, “Eu sinto muito.” O orgulho iria encontrar mil razões para não pronunciar essas palavras, mas o amor prefere cultivar o relacionamento a preservar o orgu-lho. Se a pessoa não aprendeu a dizer: “Sinto muito”, então não deu o passo básico inicial da vida cristã. O ato de buscar e oferecer o perdão é o ponto central na busca da excelência cristã.

Não foi o brado vindo da cruz que pavimentou o caminho do amor ao clamar: “Pai, perdoa-lhes...” (Lucas 23:34)?

Assim, a marca de um cristão não é o que ele usa, mas o que ele é. Amar a todo custo, amar em todos os momen-tos, amar em qualquer situação, amar em face de qualquer circunstância é a marca distintiva de quem segue Aquele que ordenou: “Que vos ameis uns aos outros” (João 13:34). Conforme diz a letra de um belo hino...

Vamos caminhar juntos,Vamos andar de mãos dadasE juntos vamos espalhar as novasDe que Deus está em nossa terra;E todos saberão que somos cristãos, Por nosso amor, por nosso amor;Sim, todos saberão que somos cristãos,Por nosso amor.

John M. Fowler, Editor

John M. Fowler, Ed. D. pela Universidade Andrews. Integra a equipe editorial de Diálogo. E-mail: [email protected]

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Até que ponto as descobertas arqueológicas confirmam a Bíblia?

É a Bíblia verdadeira?Por que essa pergunta continua a

assombrar a sociedade contemporânea? Uma coisa é ler e até mesmo apreciar as histórias da Bíblia; outra bem diferente é acreditar que realmente aconteceram. Se Deus verdadeiramente entrou na História através do nosso espaço-tempo contínuo – se os relatos bíblicos são verdadeiros e as afirmações que Bíblia faz são verdade (por exemplo, que Jesus, de fato, vai retornar à Terra como Juiz e Redentor) – isso também significaria que os humanos têm certas obrigações morais para com Deus e com os seus semelhantes!

A importância da história bíblica para a fé

O filósofo Ronald Nash1 e o teólogo Gerhard Maier,2 ambos evangélicos, reconhecem que a fé, e o relacionamen-to pessoal com Deus que ela inclui, tornam-se impossíveis sem a História. Isto ocorre porque (como argumentam eles) é em eventos históricos (passados e presentes) que encontramos Deus, que O conhecemos e desenvolvemos um relacionamento pessoal com Ele. Depois de apoiar essa afirmação com vários exemplos bíblicos, Maier comenta: “A fé só pode se desenvolver quando Deus, previamente – não só pensou, mas agiu. Ou seja, a fé surge como fé bíblica apenas no âmbito da revelação bíblica,

Randall W. Younker O objetivo da arqueologia não deve ser provar a Bíblia. Se permitirmos que a arqueologia alcance tal posição de autoridade, estaremos desconsiderando a autoridade que a Bíblia tem em si mesma, em favor de outra que nada tem a ver com o texto.

cuja ocorrência tenha se estendido para a História.”3

O estudioso evangélico Carl R.H. Henry ressalta que “Deus Se revela a Si mesmo..., dentro dessa história exter-na, em atos salvadores únicos.”4 Então, Gerhard Maier acrescenta que deve-mos insistir no fato de que os “atos históricos” pertencem inextricavelmen-te à revelação divina: “Deus é o fun-damento último da História. Deus Se revelou na História de tal forma que a Sua revelação poderia ser discernida mesmo em meio a uma raça humana caída. Quando falamos da natureza histórica da Bíblia, temos precisamente o cruzamento da eterna revelação divi-na ao mundo presente de espaço- tempo”(transitio revelationis).5

De forma significativa, Maier é bastante cuidadoso ao observar que a investigação histórica por si só não pode produzir fé, pois a fé exige um relacionamento pessoal com Deus, que nos encontra nos acontecimentos da História. Esse encontro com Deus não é um simples conhecimento em nível intelectual ou convicção de que Ele existe; muitos podem acreditar na exis-tência de Deus, mas não são crentes e não serão salvos.

Isso ocorre, em parte, porque os crentes são (ou estariam) relutantes em dizer que a História (ou a arqueologia) “prova” a fé. Por si só, ela não pode

provar. No entanto, a História desempe-nha um papel crucial, pois é impossível existir o conhecimento interpessoal genuíno separado do conhecimento histórico.

Como Nash destaca, “na mesma medida que o conhecimento da fé é análogo ao conhecimento interpessoal, é óbvio que um compromisso de fé exija conhecimento histórico prévio. A con-fiança é inseparável do conhecimento. Quando uma pessoa se torna amiga de alguém ou se apaixona por alguém, assume um compromisso que vai além do que ela conhece; mas, mesmo assim, o compromisso nunca é feito sem algum conhecimento prévio. A pessoa se com-promete por alguma razão e, embora possa haver muito que ela não conhece sobre essa pessoa, ela sabe o suficiente para acreditar e confiar, a fim de fazer um compromisso que vai além das evi-dências. Mas o compromisso ainda é baseado em algumas provas.”6

Além disso, o conhecimento cogni-tivo continua a ser importante, e até essencial, para o conhecimento interpes-soal; o conhecimento histórico continua a ser relevante mesmo depois que um compromisso pessoal é feito.7

O que a arqueologia não pode fazer e o que ela pode

A arqueologia, é claro, é uma forma científica de “ressuscitar” a História.

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Assim, a sua relevância em explorar a história bíblica parece óbvia. No entanto, existem algumas coisas que a arqueologia não pode ou não deve fazer. Por exemplo, a arqueologia não deve ser considerada uma autoridade final no que respeita à veracidade bíblica. Ou seja, o objetivo da arqueologia não deve ser provar a Bíblia. Se permitirmos que a arqueologia alcance tal posição de autoridade, estaremos desconsiderando a autoridade que a Bíblia tem em si mesma, em favor de outra que nada tem a ver com o texto. Além disso, como arqueólogo adventista e especialista em Velho Testamento, Lloyd Willis obser-va: “Tendo em vista que a arqueologia é de natureza interpretativa [isto é, sub-jetiva], aparentes contradições são ine-vitáveis, e o cristão pode, portanto, ser deixado em um dilema. A fé deve estar em Deus e nas Escrituras.”8 Existem algumas outras deficiências inerentes à arqueologia que também a tornam inadequada para servir como autorida-de absoluta. Ela geralmente não pode provar os detalhes dos acontecimen-

tos historicamente significativos nem pode verificar as dimensões teológicas de eventos bíblicos. Por essas e outras razões, a arqueologia não fornece uma base adequada para a fé.

Contribuições positivas da arqueologia

No entanto, mesmo diante dessas limitações, a arqueologia pode ajudar em uma série de situações positivas com relação à Bíblia. Por exemplo, ela pode servir como um teste para reconstruções de textos bíblicos feitos por críticos históricos, ou seja, a arqueologia pode “falsificar” teorias equivocadas sobre a Bíblia ou colocá-la sob uma luz mais positiva, e a arqueologia pode fornecer um ponto de vista diferente “contra o qual testar... uma interpretação [histórico-crítica] dos documentos.”9 Em segundo lugar, a arqueologia pode fornecer o ambiente contemporâneo e o contexto histórico, cultural, linguístico e religioso para a escrita de materiais bíblicos, bem como o que os aconteci-mentos relacionados a esses materiais

descrevem. Nesse sentido, às vezes pode prover esclarecimentos. Em terceiro lugar, ela pode, por vezes, oferecer evidências que corroboram com a exis-tência de pessoas, lugares e até eventos específicos mencionados nos escritos bíblicos.

As contribuições positivas da arque-ologia podem não ser essenciais para o crente, embora sejam edificantes para uma fé já estabelecida. No entanto, a arqueologia pode ajudar o incrédulo que é desafiado pelas alegações de que os eventos e os personagens da Bíblia são totalmente fictícios. Certamente, os dados arqueológicos não podem, por si mesmos, resultar em conversão, pois somente o Espírito Santo tem poder para fazer isso, mas, por meio dos dados arqueológicos obtidos, é possível conse-guir informações que o Espírito Santo irá usar para impressionar positivamente uma pessoa que está lutando contra a descrença.

Arqueologia, pessoas bíblicas e eventos

Talvez seja interessante e útil conhe-cer exemplos de contribuições positivas da arqueologia para melhor compreen-são da história bíblica. Desde quando se iniciaram as explorações modernas no antigo Oriente Próximo, a arque-ologia tem verificado continuamente a existência de pessoas mencionadas na Bíblia, bem como a ocorrência de eventos bíblicos. A primeira dessas des-cobertas que têm uma relação direta com a Bíblia foi feita em 1843, por Paul Emile Botta (1802-1870), um funcionário do consulado francês que era também antiquário. Ele estava esca-vando em Khorsabad, conhecido como Dur Sharrukin (Castelo de Sargão), no Iraque. Ali encontrou uma série de tabletes cuneiformes, além de inscri-ções em baixo-relevo. Quando as levou para a Europa, um estudioso por nome Longperrier conseguiu interpretar o nome Sar-gin em uma das inscrições, identificando esse nome com Sargão, rei da Assíria, mencionado em Isaías 20:1. Esse foi, de acordo com as informações

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que obtive, o primeiro personagem bíblico cuja existência foi confirmada de forma independente da Bíblia.

Em 1846, Edward Hincks, um cléri-go irlandês, conseguiu decifrar o nome do rei Nabucodonosor II e de seu pai em tijolos de barro que os viajantes trouxeram de volta da Mesopotâmia. Isso confirmou a existência desse per-sonagem que está registrado no livro de Daniel, bem como a sua reivindicação de ser o grande construtor da Babilônia.

Na mesma época, o arqueólogo britânico Austen Henry Layard esta-va escavando os montes gêmeos de Kuyunjik e Nebi Yunus (local tradicio-nal do túmulo de Jonas), que acabaram fazendo parte da Nínive bíblica.10 Entre os achados descobertos por Layard, cujo valor é grandemente significativo para a história bíblica, está o Obelisco Negro (1846), onde os estudiosos foram capazes de identificar os nomes de algumas pessoas mencionadas na Bíblia: Salmaneser III, a mesma pessoa mencionada em 2 Reis 17:3, e Jeú, filho da casa de Omri. Jeú, certamente, era o rei de Israel, conhecido pela forma agressiva de conduzir sua carruagem (2 Reis 9:20). Em 1853, Layard, com a ajuda de seus epigrafistas, afirmou que conseguiu encontrar por volta de cinquenta e cinco governadores, cidades e países mencionados, tanto no Antigo Testamento como nos textos assírios recém-descobertos.11

Embora muitas descobertas mais tenham sido feitas entre 1850 e 1990, outras mais recentes têm sido igual-mente emocionantes. Entre elas está o provável ossuário de Caifás, o sumo sacerdote que presidiu parte do julga-mento de Jesus; a descoberta do nome do Rei Davi em um epitáfio de pedra aramaico de Tel Dan; o nome de Baruque, o escriba de Jeremias (bem como a sua impressão digital); e o selo do rei Ezequias.

Configurações e contextos históricos, culturais, linguísticos e religiosos

A arqueologia tem proporcionado

grandes contribuições históricas, cultu-rais, linguísticas e religiosas relacionadas à queda de Laquis, relatada em 2 Reis 18. Não só temos o registro bíblico, mas também o acervo pictórico de Senaqueribe, que foi recuperado de seu palácio, bem como o próprio relato, por escrito, da batalha. Além disso, o local de Laquis foi escavado, trazendo à luz ainda mais detalhes dessa batalha. Tais descobertas nos têm informado sobre todos os tipos de detalhes relacionados a esse acontecimento bíblico.

Refutando as críticas contra a historicidade da Bíblia

A última área em que a arqueolo-gia pode dar sua contribuição é a que refuta os desafios que os críticos têm apresentado contra a veracidade histó-rica da Bíblia. Por exemplo, durante a última parte do século XIX, quando o método histórico-crítico estava se tor-nando amplamente aceito, um exemplo favorito, apresentado como ilustração da imprecisão histórica da Bíblia foi o caso das referências feitas em Daniel, a respeito de Belsazar como o último rei de Babilônia. Alguns estudiosos, como Ferdinand Hitzig, em seu comentário sobre Daniel,12 foi longe demais ao sugerir que Belsazar foi pura invenção da parte do escritor do livro de Daniel, no capítulo 5. No entanto, conforme foi bastante divulgado, no ano de 1854, foram encontrados alguns cilindros de argila na antiga cidade de Ur. Em um deles, está inscrita uma oração em nome do rei Nabonido e de seu filho Belsazar. Outros documentos foram descobertos posteriormente, indicando que o Rei Nabonido preferiu viver em Teima, no norte da Arábia, em vez de morar na capital da Babilônia. Aparentemente, ele deixou Belsazar como encarregado – na realidade, um corregente – o segun-do no reino. Essa posição atribuída a Belsazar explica por que ele ofereceu a Daniel a terceira posição mais alta no país, e não a segunda, que Belsazar já ocupava.

O ponto aqui, no entanto, não é mos-trar como a arqueologia tem comprova-

do a Bíblia. Na verdade, nenhum desses cilindros de Belsazar se refere aos fatí-dicos acontecimentos finais ocorridos no grande salão do palácio, descritos por Daniel, quando o rei foi “pesado na balança e achado em falta”. Nesse caso, a arqueologia é mais eficaz em refutar as alegações dos críticos de que não houve nenhum Belsazar, que em provar os eventos do relato bíblico como sendo verdadeiros. A evidência arqueológica de que houve de fato um tal indivíduo é gratificante para o crente, mas não é e não deve ser necessária para provar a historicidade da Bíblia.

Outra objeção dos críticos é a aparen-te presença de anacronismos na Bíblia. Por anacronismo, nós nos referimos a um evento ou fenômeno de um perí-odo posterior da História, que está sendo lido em um período anterior. Alguns bons exemplos disso são as referências feitas a camelos e tendas nas narrativas patriarcais (Gênesis 12:16). Argumentou-se que os camelos não foram domesticados até meados do primeiro milênio a.C., bem depois do suposto período patriarcal, no segundo milênio. Da mesma forma, foi alegado que a tenda, como forma de habitação (conforme ocorre na história de Abraão e toda a sua família) foi mais comum no primeiro milênio do que no segun-do. As referências às barracas e aos camelos eram, portanto, anacrônicas, e lançavam dúvidas sobre a confiabilidade histórica das narrativas contidas no livro de Gênesis.

Minha própria pesquisa sobre camelos domesticados mostrou que os críticos estavam errados. Por exemplo, durante uma excursão a Wadi Nasib, no Sinai, em julho de 1998, notei que o petróglifo de um camelo estava sendo conduzido por um homem, não muito longe de uma estela de Ammenemes III, e algumas inscrições proto-sinaíticas (em alfabeto primitivo). Com base na pátina das pinturas rupestres, das datas que acompanhavam as inscrições e ves-tígios arqueológicos nas proximidades, esse petróglifo de camelo data do final da Idade do Bronze, provavelmente

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não mais que 1500 a.C.13 Claramente, os estudiosos que negaram a presença de camelos domesticados no segundo milênio a.C. cometeram a falácia de argumentar a partir do silêncio. Essa abordagem não deve permitir que sejam lançadas dúvidas sobre a veracidade de qualquer documento histórico, muito menos das Escrituras.

ConclusãoAté agora, procuramos descrever a

relação da arqueologia com o estudo das Escrituras dentro de um contexto que aceita a Bíblia como sendo total-mente inspirada e a autorizada Palavra de Deus. Essa visão afirma que a Bíblia apresenta uma história verdadeira e pre-cisa do relacionamento de Deus com a humanidade, desde o tempo da Criação até os dias de hoje. Sendo que o Deus da Bíblia é a fonte da verdade e da jus-tiça, Ele nos convida a testá-Lo e a investigar Suas reivindicações. Isso pode ser feito por meio de várias dis-ciplinas, incluindo a arqueologia. As Escrituras nos lembram de que o Deus da Bíblia atravessou o nosso espaço--tempo contínuo, para entrar em nossa história. Ele fez isso por meio de Sua Palavra, por meio de Seu Filho e tam-bém dos acontecimentos ocorridos ao longo da História. Assim, através da História, podemos encontrar Deus atuando, e porque Ele está no comando da História, ela pode ser entendida da melhor forma quando o pesquisador mantém um relacionamento com Ele. Não pode haver, portanto, nenhuma investigação histórica genuína e objetiva que vá além do contato com Deus.

Além disso, a Bíblia é uma revelação de Deus. Ela nos informa que o que o Senhor nos revelou é verdade. Os arqueólogos que creem na Bíblia não usam esse campo do conhecimento para testar a autenticidade das reinvindica-ções das Escrituras – a arqueologia não se firma no julgamento das Escrituras. No entanto, pode ser utilizada de forma proveitosa para esclarecer e corrobo-rar com as declarações das Escrituras; pode ser usada para edificar os crentes

e ser usada para mostrar as deficiências das reconstruções históricas que estão em conflito com as reivindicações das Escrituras. Em última análise, seu obje-tivo deve ser levar a humanidade a uma compreensão que os faça estar mais perto de Deus e a uma relação salvadora com o Criador.

Randall W. Younker, PhD pela Universidade do Arizona, é professor de Antigo Testamento e Arqueologia Bíblica no Seminário Teológico Adventista da Universidade Andrews, Berrien Springs, Michigan, Estados Unidos, onde também é diretor do Instituto de Arqueologia e do Siegfried Horn Museum.

Este artigo foi transcrito do livro Always Prepared, (H. Rasi e N. Vyhmeister), com ligeiras adaptações. Impresso com permissão.

REFERÊNCIAS 1. Ronald Nash, Christian Faith and Historical

Understanding (Grand Rapids, Michigan: Zondervan, 1984).

2. Gerhard Maier, Biblical Hermeneutics, tr. R. W. Yarbrough (Wheaton, Illinois: Crossway, 1994).

3. Ibid. p. 219. 4. C. F. H. Henry, Revelation and Authority

(Waco, Texas: Word Books, 1976), p. 11. 5. Maier, 2p. 10. 6. Nash, p. 149. 7. Ibid. 8. Lloyd A. Willis, Archaeology in Adventist

Literature: 1937-1980 (Berrien Springs, Michigan: Andrews University Press, 1982), p. 560.

9. H. Darrell Lance, The Old Testament and the Archaeologist (Philadelphia: Fortress Press, 1981), p. 66.

10. Austen H. Layard, Discoveries in the Ruins of Nineveh and Babylon (Londres: John Murray, 1883).

11. P. R .S. Moorey, A Century of Biblical Archaeology (Louisville, Kentucky: Westminster John Knox Press, 1991), p. 11.

12. F. Hitzig, Das Buch Daniel (Leipzig: Weidmann, 1850), p. 75.

13. Randall W. Younker, “Late Bronze Age Camel Petroglyphs in the Wadi Nasib, Sinai”, Near East Archaeological Society Bulletin 42 (1977), p. 47-54.

Para leitura adicional:The Archaeological Study Bible (Grand

Rapids, Michigan: Zondervan, 2005).

James K. HofFmeier, Israel in Egypt: The Evidence for the Authenticity of the Exodus Tradition (New York: Oxford University Press, 1999).

Kenneth A. Kitchen, On the Reliability of the Old Testament (Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 2003).

Iain Provan, V. Philips Long, and Tremper Longman III, A Biblical History of Israel (Louisville, KY: Westminster John Knox, 2003).

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O novo ateísmo: Como viver sua fé em um mundo hostil

Muitas vezes, o melhor testemunho em um mundo hostil, que nega a sua crença, é uma vida coerente com a fé que você professa.

Raúl Esperante

Existe um Deus? “Não!”, dizem os ateus. A maioria dos ateus simplesmen-te nega a existência de Deus, sem inter-ferir na vida daqueles que acreditam nEle. Este tipo de ateísmo – conhecido como o Velho Ateísmo – tem persistido por milhares de anos e ainda permeia a nossa sociedade. É um movimento passivo, constituído de pessoas que, basicamente, demonstram o seu ateís-mo evitando qualquer forma de adesão religiosa ou de culto.

Nas últimas décadas, no entanto, um novo movimento que promove ativa-mente o ateísmo tem tomado forma. Esse movimento, conhecido como Novo Ateísmo, é muito mais ativo e agressivo. Seus líderes são professores e pesquisadores bem conceituados em universidades de prestígio. Entre os mais proeminentes estão Richard Dawkins, Daniel Dennett, Sam Harris, Christopher Hitchens, Jerry Coyne e outros, cuja especialidade acadêmica abrange uma ampla gama de disci-plinas, incluindo história, filosofia, biologia e psicologia. Alguns dos novos ateus são blogueiros ativos. Apesar de suas doutrinas radicais, os novos ateus ganharam grande popularidade por meio de palestras públicas e publicações best-sellers em vários idiomas. Qual é o objetivo desse novo movimento ateísta?

Novo ateísmo: O seu alvo principal

O principal objetivo do Novo Ateísmo é convencer as pessoas de que a religião e a fé são prejudiciais para a

sociedade porque envenenam a mente fazendo com que dependam de algo irreal, não verificável, anticientífico; suprimem o pensamento crítico e são responsáveis por grande parte da violência no mundo. Em oposição ao passivo e não invasivo Velho Ateísmo, o Novo Ateísmo é apaixonado em seus argumentos. Não só os novos ateus não acreditam em Deus, mas também são contra qualquer forma de religião ou crença. Por não serem apenas observa-dores neutros, eles trabalham ativamen-te no mundo acadêmico e nos meios públicos de comunicação tentando persuadir os estudantes e o público em geral de que crer em Deus é prejudicial para a sociedade. Na verdade, os novos ateus chegariam ao ponto de defender a ideia de que os governos devem ter um papel ativo na proibição do ensino reli-gioso e de sua prática, até mesmo nas casas. Eles se esforçam para erradicar a religião em todas as esferas da vida. Nas palavras de Gary Wolf, “os Novos Ateus [...] não condenam apenas a crença em Deus, mas o respeito a Deus. [...] A religião não é apenas errada, ela é nociva”.1

De acordo com os novos ateus, a religião é nociva não só porque gera violência, mas também porque impede o progresso científico. A ciência deve ser resgatada das amarras da religião (especialmente do cristianismo), porque o esforço científico exige um funda-mento materialista puro. Eles argumen-tam que a ciência pertence ao ateísmo porque tem por objetivo obter o conhe-

cimento baseado em fatos e ideias tes-táveis, e não em fantasias imaginárias, espíritos e superstições.

Diante de tais afirmações do Novo Ateísmo, precisamos nos perguntar: É o pensamento religioso contrário aos métodos da ciência? Deve a ciência ser materialista a fim de ser bem-sucedida? Os cientistas cristãos cometem erros em seu trabalho científico por causa de suas crenças religiosas? Podemos dizer que o ateísmo é em si mesmo mais científico?

A resposta a estas quatro perguntas é não! A ciência pode ser altamente bem-sucedida sem um ponto de vista materialista. Muitos dos grandes cien-tistas do mundo ocidental eram cristãos que não só acreditavam em Jesus, mas também na criação. Galileu, Blaise Pascal, Robert Boyle, Nicolas Steno, Isaac Newton e James C. Maxwell são apenas alguns que fazem parte de centenas de nomes do passado e do pre-sente que deram ou estão dando gran-des contribuições para a investigação científica, e sem rejeitar a crença em Deus. A ideia de que a ciência só pode ser levada a cabo dentro de uma visão materialista é uma imposição dos ateus, não uma realidade histórica; e a ideia de que a investigação científica conduz inevitavelmente ao ateísmo é também contrária. O pensamento crítico é uma habilidade inerente a todos os seres humanos, e não uma exclusividade dos ateus. A ciência pertence a todos nós, religiosos ou não, e não apenas aos ateus ou pesquisadores vinculados a

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uma visão de mundo materialista.O famoso ateu Richard Dawkins

diz que as pessoas que leem e creem nas Escrituras “sabem que estão cer-tas porque leram a verdade num livro sagrado e sabem, desde o início, que nada as afastará de sua crença [...]. O livro é a verdade e, se as provas parecem contradizê-lo, são as provas que devem ser rejeitadas, não o livro.”2 Dawkins está dizendo que aqueles que acreditam na verdade das Escrituras são de algu-ma forma cegos com relação a outras evidências, em especial à evidência científica que pode estar em contra-dição com “o livro”. Dawkins afirma estar em uma posição melhor para si mesmo: “Eu, como cientista, acredito [...] não por causa da leitura de um livro sagrado, mas porque estudei as evidências. Realmente, é uma questão muito diferente [...]. Como cientista, sou hostil à religião fundamentalista porque ela desvirtua o empreendimento científico. Ela nos ensina a não mudar de ideia e a não querer saber de coisas emocionantes que estão aí para serem aprendidas.”3

A alegação de Dawkins de que a reli-gião nos impede de saber sobre coisas emocionantes que estão disponíveis para serem aprendidas é simplesmente inaceitável. Aparentemente, ele nunca se encontrou com um bioquímico ou engenheiro, um geólogo ou médico cristão entusiasmado, e ele não deseja reconhecer a maneira como a ciência se desenvolveu, ao longo de muitos séculos, impulsionada por cientistas que foram cristãos comprometidos.

O cristianismo é anticientífico?É o cristianismo anticientífico, con-

forme Dawkins alega? Podemos dar três respostas a essa reivindicação. Em primeiro lugar, todos, incluindo cientis-tas e pessoas com convicções religiosas, trabalham dentro de um determinado padrão, definido por suas crenças. Esse padrão é conhecido como cosmovisão. Uma cosmovisão é um conjunto de pressupostos e parâmetros básicos que uma pessoa possui sobre as origens, a

natureza das coisas, das pessoas e do destino. As cosmovisões moldam o nosso pensamento, as nossas decisões e a nossa moral. Ninguém age fora de uma cosmovisão. Quando falamos sobre as ideologias relacionadas ao marxismo, ateísmo, feminismo, evo-lucionismo, criacionismo, islamismo, hinduísmo, judaísmo, adventismo, etc., estamos nos referindo às cosmovisões que essas áreas possuem. O naturalismo (materialismo) é a cosmovisão que afir-ma que não há nada além da matéria e da energia; não há Deus (ou deuses) e não há ações sobrenaturais, e, se a evi-dência indica o contrário, ela precisa ser reavaliada ou descartada, e não a con-clusão naturalista. Essa é uma escolha a priori, não uma conclusão baseada em evidências científicas. Nesse sentido, o naturalismo é mais limitante à ciência e à investigação científica porque exclui explicações que estão fora do alcance humano, por mais plausível que a expli-cação possa ser.

Por exemplo, nos últimos 20 anos, cada vez mais evidências da astrono-mia, da astrofísica e de diferentes cam-pos da biologia sugerem fortemente que muitas estruturas complexas no univer-so físico e biológico devem ter sido pro-jetadas. Mas um ateu não aceitará essa evidência como válida porque ela envol-ve a aceitação de um Ser sobrenatural. Não é uma opção para um ateu, pois não importa o que a evidência possa sugerir sobre a ideia de um Designer inteligente.

Outra resposta à alegação de que o cristianismo é anticientífico é que não há nenhum conflito real entre a ciência e a fé, quando ambas são praticadas de maneira que traga entendimento. Como dito anteriormente, milhares de cientistas no mundo acadêmico de hoje são cristãos praticantes, mostrando, assim, que a prática de ambas, pesquisa científica rigorosa e fé cristã, não são mutuamente exclusivas, mas de reforço. A ideia de conflito entre ciência e religião é uma invenção de pensadores do século 19, tais como Thomas H. Huxley, John W. Draper e outros que deliberadamen-

te a promoveram com o objetivo de derrubar o domínio cultural do cristia-nismo no Hemisfério Ocidental.4 Mas a verdade é que a aliança, não o conflito, caracterizou o relacionamento entre a fé e a ciência na maior parte da História. Isso é assim até hoje em alguns ambien-tes acadêmicos. Rodney Stark, um soci-ólogo da religião, argumenta que, “não só não há conflito inerente entre reli-gião e ciência, como também a teologia cristã foi fundamental para a ascensão da ciência.”5

A terceira resposta à alegação de que a religião (especialmente o cristianis-mo) é perigosa para a ciência é o fato de que a história da ciência mostra que a religião cristã incentiva o esforço científico. O sentimento de admiração pela criação de Deus leva os cientistas a estudarem a natureza em profundidade e a buscarem entendimento sobre o intrincado funcionamento dos planetas, organismos e moléculas. Muitos cientis-tas e historiadores agora acreditam que a ciência moderna não teria avançado até o seu nível atual, se não fosse o espí-rito de descoberta inerente ao cristia-nismo.6 Por quê? Porque o cristianismo apresenta um Deus racional, que está ativamente envolvido na Sua criação. A Sua criação é boa, muito boa mesmo (Gênesis 1:31) e, portanto, vale a pena estudá-la. Além disso, se “os céus decla-ram a glória de Deus e o firmamento proclama a obra das Suas mãos”, como canta o salmista no Salmo 19:1, então o estudo do Céu [no sentido espiritu-al], dos céus e da natureza, iluminará a nossa compreensão do próprio Deus, de Seu caráter, bondade e poder.

A convicção de que Deus é o Autor da criação e a crença na racionalidade de Deus levaram muitos cientistas em séculos passados – e ainda levam mui-tos no presente – à cuidadosa observa-ção e experimentação, a fim de compre-enderem a estrutura e o funcionamento do mundo criado. As descobertas na natureza levam os ateus a concluírem que o acaso, os longos períodos de tempo e a seleção natural são capazes de produzir qualquer coisa, ao passo

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que os cristãos podem concluir que a causa final de tudo é o Deus Criador. Não é que os ateus trabalham livres de qualquer contexto religioso; é somente porque eles têm um deus diferente para explicar a origem das coisas.

Lidando com ateusComo um estudante adventista deve

responder às alegações ateístas por parte dos professores e outros alunos? Aqui estão oito sugestões sobre como lidar com as perguntas e até mesmo com o desprezo demonstrado pelos ateus.

1. Não ridicularize. Simplesmente porque os ateus costumam ridicularizar o cristianismo e outras religiões, não significa que temos o direito de fazer o mesmo. Em 1 Pedro 3:15, 16, lemos: “Antes, santifiquem Cristo como Senhor em seu coração. Estejam sempre preparados para responder a qualquer pessoa que pedir a razão da esperança que há em vocês. Contudo, façam isso com mansidão e respeito, conservando boa consciência, de forma que os que falam maldosamente contra o bom pro-cedimento de vocês, porque estão em Cristo, fiquem envergonhados de suas calúnias” (italico nosso).

Embora devamos estar sempre pre-parados para explicar o que e por que cremos, devemos fazê-lo com respeito e bondade. Portanto, discuta as questões apresentadas com respeito. Enfatize o fato de que a evolução, o ateísmo, o materialismo e outras ideologias são apenas hipóteses, modelos ou paradig-mas que não foram comprovados e que outras explicações são possíveis. Em sua conversa, não seja dogmático, apo-logético nem ataque. Você não precisa responder com o mesmo espírito de seus atacantes.

2. Assim como o apóstolo Pedro nos exorta, devemos estar prontos para dar uma explicação bem-fun- damentada de nossas crenças. Quando formos questionados sobre o que cremos, ou se a nossa fé é questio-nada, devemos ser capazes de responder de forma coerente, usando argumen-tos razoáveis para explicar as nossas

crenças. Isso requer preparo e estudo cuidadoso das Escrituras. Forneça informações úteis e não apresente evi-dências fracas. Alguns que demonstram ser cristãos genuínos acreditam que a Bíblia possa ser provada como sendo verdadeira apontando a evidência supostamente irrefutável da alegada ocorrência de pegadas humanas, junta-mente com as pegadas de dinossauros7 na região onde estaria localizada a Arca de Noé, no Monte Ararat, etc.8 A pes-quisa mostrou que essas “provas” são falhas. Embora desejássemos ter tais provas de forma tangível, a realidade é que mesmo isso não iria, necessaria-mente, convencer as pessoas da verda-de. Jesus, o Filho de Deus, andou pela Terra fazendo milagres por três anos; muito poucos acreditaram nEle e, por fim, o mataram por realizar essas coi-sas. Então, ter evidência “científica” não é tão importante.

3. Tenha cuidado em como usa as provas. Evite conversas em que você apresenta uma contraevidência, a menos que seu depoimento seja sólido e possa ser sustentado. A evidência é, de fato, a interpretação feita dentro de um paradigma ou pressuposição. Quando os ateístas falarem sobre fatos, tente encontrar os pressupostos implícitos em suas afirmações. Não entre em pânico quando as reivindicações dos profes-sores ateus parecerem extremamente fortes. Muitas vezes, o que parece ser uma explicação é simplesmente uma especulação. Em suas respostas, não empregue a mesma retórica. Pense sempre logicamente quando tiver uma conversa sobre questões de fé e ciência, sobre o ateísmo, a evolução e as origens. Ao falar com ateus, peça que apresen-tem os seus argumentos com clareza. Muitas vezes, você vai achar que é fácil fazerem afirmações ousadas de incredu-lidade, mas, para eles, é difícil explicar por que não acreditam em Deus ou na Bíblia e, quando apresentam razões para a sua incredulidade, eles vão sofrer para sustentar seus argumentos dentro da lógica.

Pratique a técnica do debate utilizada

por Jesus: faça perguntas significativas. David Horner, um professor de filoso-fia e estudos bíblicos da Universidade Biola, na Califórnia, sugere três tipos de questões que são particularmente importantes ao discutir com os ateus: O que você quer dizer? Como você sabe disso? E daí? Com a primeira pergunta, você está pedindo que esclareçam as questões em debate; com a segunda, irá testar a verdade ou a racionalidade das declarações que eles fazem; e, com a terceira, você pede que forneçam a vali-dação e relevância dos argumentos que apresentam. Uma pergunta bastante útil que pode ser acrescentada é: Como o seu ateísmo melhoraria a sociedade (ou as famílias, ou as universidades, ou o mundo, etc.)?9 Pergunte a eles: Como o mundo poderia se tornar melhor sem a figura de um Deus soberano, que está no controle e nos mantém responsáveis por nossas ações?

4. Para se manter dentro da lógica, evite dizer que acredita em Deus porque crê na Bíblia. Esse argumento é irracional. Parece um raciocínio circu-lar (uma tautologia) que está associado a uma fé cega. Esse não é um conceito bíblico, de maneira nenhuma. Deus não espera que acreditemos sem provas e com o uso da nossa razão. Seus ami-gos e professores não cristãos não serão incentivados a acompanhá-lo à igreja ou em um estudo bíblico se acham que os cristãos não usam a razão. Além disso, não mantenha a atitude de que não tem disposição para considerar outras ideias ou de que você não tem nada de novo para aprender. Deixe a porta aberta a ideias e explicações que demonstrem que você pode aprender com os outros, caso contrário, vão pensar que você passou por uma lavagem cerebral.

5. Evite ter uma discussão sobre termos emocionais. Você vai parecer irracional, e as pessoas podem concluir que você não está usando o seu inte-lecto ou sendo educado, e que a Bíblia seria prejudicial porque iria impedi-los de pensar. Tanto quanto possível, pro-cure se expressar de maneira concisa e intelectual, quanto àquilo em que você

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acredita e por que acredita. Por exem-plo, poderá dizer que a crença em um Deus criador é mais razoável, tendo em vista a complexidade biológica, que não pode ser explicada pelas forças mate-rialistas (matéria e energia por si só, a seleção natural) ou o fino ajuste do Universo (o que torna o nosso mundo adequado para a vida) que aponta para um Designer Supremo, ou que os valo-res morais que regem a nossa sociedade não podem ter surgido como conse-quência da seleção natural aleatória, a partir da matéria e da energia. Use ilustrações. Chame a atenção para a necessidade de um Criador inteligente. Diga que, no mundo real, complexo e cercado de informações, a estrutura exige um designer, um arquiteto, um engenheiro, etc.

6. Você pode enfrentar ataques contra o cristianismo e contra a sua fé por causa de falhas das igrejas cristãs no passado ou no presente. São situações que incluem a persegui-ção a Galileu, as Cruzadas na Idade Média, os escândalos de abuso sexu-al envolvendo pastores e sacerdotes cristãos, e etc. As pessoas podem até mencionar textos bíblicos em apologia à escravidão, ao genocídio, ou ao ape-drejamento de pessoas adúlteras. Esses argumentos têm como objetivo desviar a mente do ponto principal. Qual deve ser a sua resposta? Além de explicar a correta compreensão desses fatos (o que demanda preparo e estudo de sua parte), é necessário salientar que esses argumentos não têm nada a ver com a existência de Deus. Eles são exemplos de erros cometidos por cristãos, assim como há exemplos de erros cometidos dentro da prática de uma boa medicina ou na contabilidade de uma empresa. As más ações não desqualificam os princípios da fé cristã, quanto a serem verdadeiros. Além disso, você pode per-guntar ainda: Como é que estes proble-mas dentro do Cristianismo mostram que Deus não existe? A qualquer argumento que os ateístas apresentarem, sempre peça que se aprofundem e sustentem suas afirmações; você vai ver que, na

maioria das vezes, as alegações que eles apresentam são dificilmente susten-táveis e não estão fundamentadas em razões sólidas.

7. Esteja pronto a admitir que você não tem uma resposta para cada pergunta ou argumento. Não se sinta pressionado ou obrigado a dar uma res-posta naquele momento. Solicite algum tempo para pensar. Depois, você pode estudar e orar para dar a melhor respos-ta possível. O fato de você precisar de algum tempo para pensar não necessa-riamente sinaliza fraqueza, mas sim, o contrário: você está indicando que leva o assunto a sério, que não é um fanáti-co cego, que respeita suficientemente o questionador e deseja usar a razão para continuar a conversa. Busque apoio na comunidade de fé. Trabalhe junto com pessoas em quem confia e que também acreditam em Deus. Elas podem ter encontrado os mesmos problemas e, talvez, possam ter chegado a uma boa resposta. Forme um grupo de estudo para estudar a Bíblia diligentemente, a fim de poderem responder às questões controversas.

8. Ao entrar em discussões com ateus, lembre-se de que eles são pes-soas, não ideias. Trate-os como Jesus os trataria. Ele veio “cheio de graça e de verdade” (João 1:14), e Sua verdade foi ensinada com graça, compaixão, “mansidão e respeito” (1 Pedro 3:15). Frequentemente, trabalho com outros pesquisadores e vários deles são ateus, agnósticos ou simplesmente não dão importância ao fato da existência ou não de Deus. Eu não tento evangelizá-los ou aponto seus erros. Realizo minha pesquisa e vivo a minha vida diária de tal maneira que vejam e saibam que podem confiar em mim como um cientista e um colega. No processo, eles veem que eu e outros de minha equipe de pesquisa somos diferentes dos demais pesquisadores porque nosso estilo de vida, linguagem e atitudes diferem dos pesquisadores seculares e ateus. A demonstração de um espírito semelhante ao de Cristo vai levá-los a se perguntarem por que somos diferentes.

O que dizem as Escrituras vem a seguir. Lembre-se das palavras de Jesus: “Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem, para que vocês venham a ser filhos de seu Pai que está nos Céus. Porque ele faz raiar o Seu Sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos” (Mateus 5:44, 45). Nesse contexto, não diga aos ateus que você vai orar por eles. A res-posta deles provavelmente venha a ser o oposto do que você pretende. Poderão considerá-lo arrogante e ofensivo, e tal-vez esteja levantando um muro de sepa-ração que impeça um diálogo futuro. Jesus não disse a Seus seguidores que ia orar com eles, mas que ia orar por eles. Se você orar com eles ou por eles é uma decisão que você tem que tomar de acordo com as circunstâncias, mas seja sábio e não crie tensões desnecessárias.

Qual é a sua posição?Em conclusão, qual é o seu funda-

mento? O seu fundamento é a ciência materialista e de raciocínio? Ou seu fundamento é um Deus amoroso, que deu a vida de Seu Filho para salvá-lo, apesar de suas imperfeições? Permita que os ateus vejam você praticar a fé que afirma professar. Muitas vezes, o melhor testemunho é a fé que não vem de palavras, mas de suas mãos ajuda-doras e de seu estilo de vida saudável. Frei Agostinho declarou: “Pregue o Evangelho em todos os momentos e, quando necessário, use as palavras.”

Devemos ter a confiança de que a igreja sobreviverá aos ataques dos ateus, assim como sobreviveu a semelhantes ataques ao longo da História. Jesus disse a Pedro que as portas do infer-no não prevalecerão contra a igreja (Mateus 16:18). Paulo declarou que nenhuma força, pessoa ou entidade de qualquer espécie, natural ou sobrena-tural, poderia nos separar do amor de Deus (Romanos 8:38, 39). Temos o Deus onipotente do nosso lado, e Ele vai fazer as coisas acontecerem quando as considerar adequadas. Enquanto isso,

Continua na página 15

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A visão de um criacionista sobre o Sistema SolarGeorge T. Javor A Bíblia revela um princípio vital das

atividades do Criador. A sustentação de cada ato de Deus é um propósito abarcante, amoroso, decorrente da sabedoria infinita.

A Terra faz parte do Sistema Solar, um complexo conjunto de corpos cósmicos. Viajando em órbitas quase circulares ao redor do Sol estão oito planetas, cinco planetas anões, e mais de 150 luas-satélites. Inúmeros asteroi-des e cometas também fazem parte do nosso “quintal” cósmico. Para além do Sistema Solar há um enorme espaço vazio, que se estende em todas as dire-ções por mais de 6,4 trilhões de km (4,37 anos-luz). A essa distância está o sistema planetário Alfa Centauri, o nosso vizinho mais próximo na Via Láctea.

Começando com o lançamento do Sputnik 1, em 1º de outubro de 1957, mais de 200 sondas espaciais foram enviadas para investigar a Lua, o Sol, Marte, Vênus, Mercúrio, Júpiter, Saturno e o Cometa Halley. A humani-dade pôs os pés na Lua, e laboratórios robóticos têm procurado por evidências da existência de vida em Marte.

Em 1990, o telescópio espacial Hubble foi colocado na órbita terres-tre baixa. Com o seu espelho de 2,4 metros, na quase total ausência de luz de fundo, ele continua a nos enviar imagens sem precedentes do espaço profundo, no espectro de luz visível. Esse instrumento também capta ima-gens de regiões próximas, em luz ultra-violeta e infravermelha. Os telescópios terrestres não podem obter esses dados, já que a nossa atmosfera bloqueia for-temente esses comprimentos de onda.

Dos oito planetas do Sistema Solar,

os quatro mais internos são menores e são compostos por rochas e metais. Os quatro planetas exteriores são “gigantes de gás”. Júpiter e Saturno contêm prin-cipalmente hidrogênio e hélio. Urano e Netuno são feitos de água congelada, amônia e metano.

Além da nossa Lua e das duas peque-nas luas em torno de Marte, não há outros corpos no sistema solar interior. Em contraste, existem mais de 150 luas de tamanhos variados que orbitam os gigantes gasosos.

Entre as órbitas de Marte e Júpiter está o “cinturão de asteroides”, povoado por um grande número de asteroides de formas irregulares. O tamanho desses asteroides vai desde o planeta anão, Ceres, com um diâmetro de 950 km, até partículas de poeira.

Imagens das superfícies da Lua e de Marte mostram apenas paisagens áridas e desoladas, cobertas por rochas. Fotografias da Terra, da Lua, Mercúrio e Marte, a partir da órbita de visualiza-ção da nave espacial, mostram numero-sas crateras de impacto.

Parece também não existir nenhum organismo vivo em qualquer um dos planetas e luas fora da Terra. A melhor chance da existência de vida extra-terrestre estava em Marte. Mas, em 1976, os dois laboratórios robóticos Viking, que pousaram no planeta ver-melho, determinaram que não só não há formas de vida lá, como também os espectrômetros de massa, com sua sensibilidade de 10 partes por bilhão,

não conseguiram encontrar quaisquer substâncias orgânicas no solo marciano. Mais recentemente, o laboratório móvel Curiosity [um robô do tamanho de um carro médio], movido a energia nucle-ar, que pousou em Marte em 2012, detectou vestígios de clorobenzeno (uma substância não biológica) em uma rocha e gás metano na atmosfera. Essas descobertas, no entanto, não alteraram o estado de Marte como sendo um pla-neta completamente estéril.

Problemas na teoria nebularDe acordo com a explicação dos

livros didáticos padrões, nosso Sistema Solar surgiu pelo colapso gravitacional de uma gigantesca nuvem de poeira e gás, há cerca de 4,6 bilhões de anos. No entanto, essa hipótese, que é uma versão moderna da teoria nebular, inicialmente proposta no século 18 por Emanuel Swedenburg (1734), Immanuel Kant (1755), e Pierre-Simon Laplace (1796), tem sérias dificuldades.

A nebulosa gasosa quente, que é a fonte do nosso Sistema Solar, suposta-mente, originou-se do “Big Bang”. Mas gases quentes se expandem, em vez de entrarem em colapso. A massa necessá-ria para se opor a tal expansão foi cal-culada como sendo de 100.000 vezes a massa do Sol – uma impossibilidade!

No entanto, se, de alguma forma, a nebulosa solar em rotatividade estivesse fria no momento de seu colapso, então, seu momento angular deveria ter sido transferido para o Sol, que tem 99,8%

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Mas o que dizer dos outros planetas do Sistema Solar? Não há vida neles, são tão estéreis que nos lembram do estado da Terra no primeiro dia da cria-ção: “E a Terra era sem forma e vazia” (Gênesis 1:2). Se é assim, foram os outros planetas criados “em vão”?

A semana da criação, descrita nos dois primeiros capítulos de Gênesis, parece marcar o surgimento, não só da Terra, do Sol e da Lua, mas de todo o Sistema Solar. Ele seria a residência de um novo tipo de seres criados, cuja dis-tinção era que eles seriam feitos à ima-gem de Deus (Gênesis 1:26). Quando Jesus disse que “o sábado foi feito por causa do homem” (Marcos 2:27), Ele deu a entender que o Sistema Solar foi criado para nós.

Os dois primeiros capítulos de Gênesis descrevem passo a passo a renovação da Terra estéril, sem vida, em uma bela morada edênica para Adão e Eva e seus descendentes. “Quando a Terra saiu das mãos de seu Criador, era extraordinariamente bela. Variada era a sua superfície, contendo montanhas, colinas e planícies entrecortadas por majestosos rios e formosos lagos; as colinas e montanhas, entretanto, não eram abruptas e escabrosas, tendo em grande quantidade tremendos despe-nhadeiros e medonhos abismos como hoje elas são; as arestas agudas e ásperas do pétreo arcabouço da Terra estavam sepultadas por sob o solo fértil, que por toda parte produzia um pujante cresci-mento de vegetação.”1

Essa transformação foi feita dian-te de uma emocionada audiência de seres criados em todo o Universo, que irrompeu em alegres exclamações de entusiasmo ao ver Deus em Sua ação criativa (Jó 38:7). Na verdade, uma percepção clara da ação criativa de Deus é a base da nossa sensação de bem-estar e felicidade, e essa foi uma importante razão pela qual Adão e Eva, sem haverem pecado, foram aconselha-dos a observar semanalmente o memo-rial da criação (Gênesis 2:3).

O Jardim do Éden era um modelo a ser copiado pelos filhos de Adão em

seu estado antes da queda.2 Em vez de cidades, o Senhor queria que a huma-nidade vivesse em jardins. Finalmente, cumprindo o mandato divino de “Sejam férteis e multipliquem-se” (Gênesis1:22), a humanidade teria ocu-pado todo o espaço disponível na Terra, e então o Senhor poderia ter convertido os planetas interiores do sistema solar, bem como algumas das luas dos gigan-tes gasosos, em lugares totalmente habi-táveis por humanos. Esse trabalho teria ocorrido aos olhos da humanidade, de modo que nós também poderíamos ter testemunhado as proezas criativas do Senhor.

O conteúdo de hidrogênio/hélio dos planetas Júpiter e Saturno sugerem que eles possam ser pequenos sóis não incandescentes. Ao se tornarem incan-descentes, poderiam vir a fornecer luz e calor para, talvez, seis das maiores luas que circundam os planetas exteriores do Sistema Solar.

A interrupção do plano original de Deus

A aparência estéril dos planetas inte-riores e a falta de incandescência de Júpiter e Saturno poderiam ser com-preendidas pelos criacionistas como a interrupção do plano original de Deus, o resultado da rebelião da humanidade.

A presença de asteroides, cometas, planetas anões, pequenas luas-satélites e crateras de impacto deveriam também preocupar os criacionistas. São esses as sobras de materiais da criação original do Sistema Solar, os quais para Deus não tem qualquer utilidade? Isso, no entanto, parece não condizer com o caráter de Deus. O Senhor não faz cál-culos incorretos ou desperdiça recursos.

O Criador, por exemplo, projetou o ecossistema da Terra de modo que cada substância orgânica seja naturalmente reciclada. O solo e os micro-organismos marinhos podem até corrigir vaza-mentos de poços petrolíferos. Grandes ciclos de carbono, nitrogênio e enxofre na natureza garantem a utilidade máxi-ma de cada átomo.

Os asteroides (e seus parentes mais

da massa do Sistema Solar. Na reali-dade, são os planetas que têm 98% do momento angular do Sistema Solar.

Em um sistema solar originário de uma nuvem de gás e poeira, homogê-nea e em rotação, seria de se esperar que cada planeta mantivesse o seu movimento de rotação no mesmo sen-tido. O Planeta Vênus, entretanto, gira em direção oposta (inversa) aos outros planetas. Além disso, seria de se esperar também que as composições e proprie-dades gerais dos planetas fossem pelo menos semelhantes. Ao contrário, cada planeta, tanto interior como exterior-mente, é único.

Mesmo diante de suas falhas demonstráveis, esta teoria nebular da origem do Sistema Solar de 200 anos, ainda é a preferida pelo mundo secular, em lugar do registro de 3.500 anos que transcreve as palavras do Criador: “Porque em seis dias fez o Senhor o céu e a Terra” (Êxodo 20:11).

Explicação alternativaHá, sem dúvida, milhões e milhões

de pessoas que continuam acreditando na veracidade do relato bíblico. Mas o que elas vão fazer com o quadro atual do Sistema Solar? Será que vão simplesmente ignorar a avalanche de novos dados das explorações espaciais nas últimas décadas? Ou será que a sua crença nas verdades apresentadas na Bíblia suscitarão explicações alternati-vas das realidades cósmicas?

A Bíblia revela um princípio vital das atividades do Criador. Sustentar cada ato de Deus é um propósito abarcante, amoroso, decorrente da sabedoria infi-nita.

Com relação à criação, o profeta Isaías escreve: “Pois assim diz o Senhor, que criou os céus, Ele é Deus; que moldou a Terra e a fez, Ele fundou-a; não a criou para estar vazia, mas a for-mou para ser habitada” (Isaías 45:18). Na verdade, a Terra faz parceria com milhões de diferentes tipos de organis-mos, tanto que pode não haver uma polegada quadrada sequer de superfície estéril em qualquer parte no globo!

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próximos, os cometas), os planetas anões, as pequenas luas e as crateras de impacto não parecem ter a assinatura do Criador. Não pode isso ser enten-dido como pertencente àquele reino sobre o qual Jesus falou no contexto de uma parábola: “Um inimigo fez isso” (Mateus 13:28)?

Mas quando e como tudo isso acon-teceu? A Bíblia não se refere a eventos cósmicos que poderiam ter gerado esses componentes do sistema solar, mas fala de uma “guerra no Céu” (Apocalipse 12:7), um conflito aberto entre Deus e Lúcifer. Essa guerra no Céu – que os adventistas chamam de “grande con-flito” – começou no Céu, entre Deus e Satanás, tendo como alvo a singula-ridade da relação de Deus com o Filho (“um em natureza, caráter, propósito – o único Ser que poderia penetrar em todos os conselhos e propósitos de Deus”)3 – e levou à expulsão de Satanás da presença de Deus. Lançados fora do Céu, Satanás e suas forças procuraram tornar a Terra e os seres humanos, começando com Adão e Eva, aliados em sua guerra e ataques sutis contra a excelência da criação de Deus e de Seus santos desígnios para com a raça humana, que é o objeto de Seu amor. Desde a primeira aparição de Satanás no Jardim do Éden (Gênesis 3:1-15; Apocalipse 12: 9), o maligno semeou as sementes das distorções cósmicas, da destruição, da injustiça, do pecado, e de tudo que se opõe ao caráter de Deus, de amor, santidade e justiça. Assim, quando Jesus viu todas as iniquidades e deturpações no Cosmos, estava certo em Sua proclamação inequívoca: “Um inimigo fez isso” (Mateus 13:28).

Tendo esse aspecto do grande confli-to em perspectiva, outras conclusões a respeito de nosso Sistema Solar podem também ser delineadas. Assim, é pos-sível que as modificações indesejáveis nele operadas possam ter ocorrido após o dilúvio. Durante esse catastrófico acontecimento global, Satanás foi força-do a permanecer na Terra e temia por sua sobrevivência.4 É possível que, em retaliação por seu martírio, as forças da

escuridão tenham destruído todo um planeta no Sistema Solar. O cinturão de asteroides atual seria o restante do planeta, com sua órbita aproximando-se à do antigo planeta. A maior parte dos fragmentos planetários teria sido puxada para dentro do Sol, pela gravi-tação, mas não antes de marcar cada planeta interior e a Lua com crateras. Fragmentos que voam longe do Sol também podem contribuir para o apa-recimento dos planetas anões, pequenas luas, e até cometas.

Há poucos anos, dois cientistas apre-sentaram um modelo computadorizado que sugeria a ideia de que houve um “Planeta V” entre as órbitas de Marte e Júpiter.5 Eles propuseram que a órbita do Planeta V era instável e que o plane-ta foi destruído quando se desviou para o Sol.

É bem provável que este Sistema Solar avariado seja drasticamente alte-rado quando o Senhor criar um novo Céu e uma nova Terra (Apocalipse 21:1). Como será o novo sistema solar? Todas as indicações são de que em breve teremos uma resposta para essa pergunta.

George T. Javor, PhD pela Universidade de Columbia, Nova Iorque, EUA, é professor emérito de bioquímica e microbiologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Loma Linda. Seu mais recente livro tem por título: A Scientist Celebrates Creation [Um Cientista Celebra a Criação]. E-mail: [email protected]

REFERÊNCIAS 1. Ellen G. White, Patriarcas e Profetas (Tatuí –

S. Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 1995), p. 44.

2. —, Educação (Tatuí – S. Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 1996), p. 22.

3. —, Patriarcas e Profetas, p. 34. 4. —, Ibid., p. 99. 5. J. Chambers e J. L. Lissauer, 33rd Lunar

and Planetary Science Conference, Houston, Texas, 11-15 de março de 2002.

devemos estar preparados para explicar aquilo em que nós acreditamos, saben-do que “ninguém pode lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo” (1 Coríntios 3:11 – ARA).

Raúl Esperante, PhD pela Universidade de Loma Linda, é cien-tista e pesquisador no Geoscience Research Institute, em Loma Linda, Califórnia, EUA. E-mail: [email protected]

REFERÊNCIAS 1. G. Wolf, The church of the non-believers

(2006). www.wired.com. 2. R. Dawkins, Deus, um Delírio (Boston,

Massachusetts: Houghton Mifflin, 2008), p. 290.

3. Ibid., p. 290. 4. C.A. Russel, Cross-Currents: Interactions

Between Science & Faith (Grand Rapids, Michigan: W.B. Eerdmans, 1985).

5. R. Stark, For the Glory of God: How Monotheism Led to Reformations, Science, Witch-Hunts, and the End of Slavery (Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 2004), p. 124.

6. Ibid. 7. Referência às pegadas de dinossauros e de

outros animais encontradas no leito do rio Paluxy, no Texas. Apesar das reivindicações de entusiastas criacionistas, uma investigação pormenorizada, feita por outros criacionistas, demonstrou que as alegadas pegadas huma-nas na área não são autênticas. Algumas das “pegadas” foram feitas pelo homem e outras foram o resultado da erosão natural por correntes de água. Para revisão, ver A.V. Chadwick, “Of dinosaurs and men”, Origins, 14(1987)1: p. 33-40. http://grisda.org/resour-ces/origins/origins-1980-1989/.

8. Para revisão, ver W.H. Shea, “Ark-shaped formation in the Tendurek Mountains of Eastern Turkey”, Origins, 8(1981) 2: p. 77-92. http://grisda.org/resources/origins/origins-1980-1989/.

9. Ver D.A. Horner, Mind Your Faith: A Student’s Guide to Thinking & Living Well (Downers Grove, Illinois: InterVarsity Press, 2011).

O novo ateísmoContinuação da página 12

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Seja forte e corajoso

Leonard Brand A confiança na Palavra inspirada, combinada ao conhecimento e à familiaridade com os princípios da geologia, pode dar origem a uma visão de como a história geológica deve diferir das interpretações geológicas convencionais.

Quando um desafio que nos deixa totalmente perplexos agiganta-se à nossa frente e Deus diz: “Não tenha medo, enfrente-o!”, como vamos responder? E se o desafio significa duvidar das con-clusões sobre a evolução ou a geologia, por exemplo, que são totalmente aceitas pela maioria dos cientistas, e que deve-mos buscar melhores interpretações das evidências? Será que temos a coragem de fazer isso, de buscar respostas consis-tentes com a Bíblia, quando a explicação da história da Terra, geralmente aceita, pode significar ser tolice procurar uma interpretação diferente? A coragem é admirável, mas também buscamos a honestidade intelectual e a mais alta qua-lidade de aprendizado. Alguns exemplos dos escritos sagrados e da ciência ilus-tram como tudo isso pode se ajustar.

Moisés havia completado seus 40 anos na liderança de Israel, e tarefa foi pas-sada para o seu assistente. Josué estava capacitado, após de ter sido assistente de Moisés por todos aqueles anos, mas agora, a responsabilidade estava sobre seus ombros, e Moisés não estava mais lá para apoiá-lo. Josué enfrentou a tarefa impossível de expulsar as nações fortes e bem arregimentadas de Canaã. A magnitude do desafio foi cultivada na consciência de Israel por meio do relató-rio dos dez espias: as cidades em Canaã eram “fortificadas e muito grandes”, e os seus moradores, que incluíam gigantes, segundo eles disseram, eram “mais fortes do que nós”; nós “parecíamos gafanho-tos” em comparação com os cananitas

(Números 13:28-33). Calebe e Josué viram as mesmas cidades e os mesmos guerreiros, mas eles os avaliaram no contexto de sua experiência com Deus, que suplantou os egípcios e abriu o Mar Vermelho. Por que deveriam eles recuar diante da tarefa que tinham à sua frente, tendo o mesmo Deus como seu Líder – o Deus que sabia o que estava por vir e lhes pediu para prosseguir? Calebe e Josué não ficaram lá, cheios de preocupação e ansiedade, mas encorajaram um movi-mento imediato rumo ao temível desco-nhecido – temível aos olhos humanos, mas não para o Deus que os conduziu.

Nos tempos atuais, a Palavra de Deus nos exorta a prosseguir enfrentando outros desafios impressionantes. Como poderemos alcançar um mundo de pessoas que se multiplicam a cada dia? Como vamos superar as culturas e as leis que visam a restringir a propagação do evangelho? Dos séculos 19 ao 21, um dos meios combatentes que enfrentamos é o tipo de ciência que crê piamente que entende a história da Terra e a evolução, e não deixa espaço para um Deus cria-dor – pelo menos não o Criador descrito na Bíblia. A ciência moderna afirma ter demonstrado mais de 500 milhões de anos de evolução, desde as complexas formas de vida que apareceram pela primeira vez na Terra. Como podemos rejeitar os fatos e insistir em que o livro de Gênesis tem a história correta?

Este mesmo Deus que deu a Israel as ordens de marcha também nos deu o livro de Gênesis, e o restante da Bíblia

que aceita Gênesis como a história literal. Não há aqui uma comparação válida com a escolha que Calebe e Josué tive-ram que enfrentar? Deus disse a Josué: “Seja forte e corajoso”, e Ele repetiu por quatro vezes, e uma vez com ênfase: “Seja forte e muito corajoso” (Josué 1). Não houve nenhuma demonstração de desespero: apenas seja forte e corajoso, e conquiste Canaã. Deus conhece a realidade dos fatos e o caminho para o futuro.

Ao lidarmos com a ciência moderna, temos realmente a confiança de que Deus sabe muito mais sobre geologia e evolução do que a Academia Nacional de Ciências (NAS)? Ou sentimos a neces-sidade de nos desculpar por parecermos teimosos e ingênuos em nossa afirmação de que decorreram apenas alguns milha-res de anos desde a criação?

Estudo dos fósseis das florestas de Yellowstone

Um dos primeiros episódios desse con-flito durante a minha carreira envolveu as florestas fósseis de Yellowstone, na área do Parque Nacional de Yellowstone, no Wyoming, Estados Unidos. Há sucessi-vas camadas de sedimentos vulcânicos (enxurradas de detritos), um acima do outro, contendo inúmeros troncos de árvores fossilizados, tanto em posições verticais como horizontais. Existem muitas dessas camadas; alguns cientistas contaram centenas delas, e algumas árvo-res tinham até mil anéis de crescimento anuais. A explicação geológica aceita, e a

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que certamente pareceu estar apoiada em evidências, foi a do crescimento de uma série de florestas, uma após a outra. Cada floresta cresceu, foi devastada por uma erupção vulcânica e foi sepultada por uma inundação de detritos vulcânicos, antes mesmo que a próxima floresta cres-cesse no topo dessa floresta soterrada. O crescimento e a morte de todas essas flo-restas teriam levado muito mais tempo do que o tempo determinado pela Bíblia, além do que, havia muitas outras forma-ções geológicas sob as florestas fósseis em Yellowstone.

Se alguém não tem uma boa razão para questionar essa interpretação, a des-crição acima é a maneira em que clara-mente as florestas apareceram. Contestar essa teoria pareceria tolice, a menos que alguém que tivesse observado a história de Yellowstone nos desse algum indício de que era necessário um estudo mais aprofundado. Eu não encontrei o nome Yellowstone na minha Bíblia, mas o período de tempo bíblico contesta a interpretação aceita para a existência dessas florestas fósseis. Tínhamos uma escolha: apenas nos preocupar e lamentar ao nos depararmos com o problema, ou começarmos a trabalhar com o mais pro-fundo, mais cuidadoso e cientificamente confiável estudo das florestas fósseis. Um grupo de cientistas do Instituto de Pesquisa em Geociência e a Universidade de Loma Linda adotaram a última opção. Sua pesquisa, publicada em jor-nais de geologia revisados por colegas, indicou que as árvores fósseis, eviden-temente, não cresceram onde elas estão soterradas, mas que elas cresceram em outro lugar e foram transportadas para a região de Yellowstone pela água. 1

Como poderiam os dados científicos ser interpretados de maneiras tão dife-rentes? Alguém pode perguntar: “Qual teoria teve uma atitude tendenciosa sobre suas conclusões: a dos cientistas convencionais ou a dos criacionistas?” A resposta não pode exigir que se aponte o dedo para quem quer que seja e alegar parcialidade. Isso pode ser ilustrado por meio de uma comparação. Meu tio foi levado ao médico para descobrir por que

ele tinha perdido quase toda a sua ener-gia; não conseguia pensar com clareza e estava quase inválido. O diagnóstico foi: Ele é um homem idoso, e a idade acaba cobrando seu preço. A filha desafiou esse diagnóstico dado de maneira tão fácil e rápida, porque conhecia algo que o médico não conhecia. Ela sabia que pou-cos meses antes seu pai era um homem saudável, forte, bastante lúcido, diretor de uma escola, e estava até construindo uma casa. Ela possuía informações específicas que indicavam a necessidade de um estu-do mais cuidadoso de sua condição. E eis o novo diagnóstico dado após outros exames: um tumor cerebral. Foi alguém tendencioso? É mais provável que não. Se, ao que parece, os eventos se passaram sem intercorrências, que foram eventos normais, podemos não ver razão para deduções e exames mais rigorosos.

Se a ciência baseia suas interpretações na crença de que a história da Terra levou centenas de milhões de anos, com a Terra funcionando muito bem como acontece hoje, é lógico pensar que as flo-restas de Yellowstone cresceram lá, uma após a outra. Isso é o que parece, pelo menos na superfície. Esse interminável período de tempo consegue explicar muitas coisas sem quaisquer processos extraordinários. É fácil imaginar a vida em evolução, ou estruturas geológicas complexas em desenvolvimento, através de processos comuns, ao longo de tanto tempo disponível. Essa visão da História não nos desafia a cavar mais fundo para estudar as árvores fósseis e os sedimentos com mais cuidado. Podemos até mesmo sugerir que tanta dependência do acaso e um tempo tão remoto (muitos milhões de anos) estão protegendo as grandes áreas de estudo da geologia e da história biológica de uma reflexão mais rigorosa.

A busca por informações mais acuradas sobre as florestas fósseis de Yellowstone exigiu que se corresse um certo risco; os resultados previstos pela crença bíblica do grupo de Loma Linda não eram garantidos. Sua pesquisa poderia ter confirmado a teoria de que as florestas cresceram lá, uma após a outra, mas não foi isso que aconteceu.

Pesquisadores diligentes trabalharam confiantes de que Deus nos deu o discer-nimento para a verdadeira compreensão da História e que podemos confiar nesse discernimento assim como Josué pôde confiar nas instruções recebidas para desafiar os gigantes de Canaã. Em ambos os casos, a confiança que demons-traram foi recompensada.

O senso comum reconhece que uma raça de guerreiros gigantes derrota um exército desorganizado de andarilhos, que a idade avançada traz fraqueza e confusão, e que as florestas cresçam e acabem sendo destruídas e soterradas. É dessa maneira que as coisas acontecem. Assim é a vida. Para a maioria das pes-soas interessadas nas florestas, provavel-mente seria uma tolice ir em busca de uma explicação diferente... a menos que tivéssemos razão para confiar em uma fonte que diz o contrário. Se alguém nos dá o mapa de um tesouro enterrado, nós vamos procurar o tesouro? Poderemos também achar que a caça ao tesouro vai ser uma perda de tempo, a não ser que existam razões específicas para confiar na fonte que nos deu o mapa.

Duas opiniões diferentesAo estudarmos a história da Terra e

da vida em si, há duas opiniões radical-mente diferentes do “mapa”; diferentes da mesma forma em que as opiniões expressas pelos espiões israelitas se diferi-ram, e pela mesma razão. É a Bíblia uma coleção de lendas humanas, como algu-mas pessoas acreditam, ou os escritores humanos foram verdadeiramente inspi-rados por Deus, que criou o Universo? Conhecemos Jesus tão bem que sabemos que podemos confiar na inspiração de Sua Palavra?

Josué e seu amigo Calebe conheciam seu Deus e tinham uma visão ousada: eles acreditavam firmemente que Deus faria tudo o que Ele prometeu. Assim, eles agiram de acordo com a visão. Calebe até mesmo perguntou especifi-camente sobre a cidade cheia de gigan-tes, sabendo que, na força do Senhor, ele seria capaz de expulsá-los. Hoje, ao estudarmos a história da Terra, também

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podemos ter uma visão ousada: podemos ter a certeza de que Deus realmente fez o que Ele disse que faria. Ele criou tudo conforme Ele mesmo disse nas Escrituras que faria, e o dilúvio global aconteceu assim como Deus disse que iria aconte-cer.

A confiança na Palavra inspirada, combinada ao conhecimento e à fami-liaridade com os princípios da geologia, podem dar uma visão de como a história geológica deve diferir das interpretações geológicas convencionais. No exemplo de Yellowstone, essa visão não dava de antemão a ideia exata de qual seria a explicação, mas a quantidade de tempo necessária para o crescimento de todas aquelas séries de florestas apontavam para outra explicação que valeu a pena buscar. Lembro-me das perguntas inoportunas sobre como responder ao desafio das florestas fósseis, bem como a insistência, por parte de alguns, de que as florestas demonstravam a falta de con-fiabilidade no relato bíblico da História. Mas ninguém ficou ansioso ou preocu-pado. A resposta veio através da confian-ça na Bíblia e no Deus da Bíblia, e em como seria empregada essa confiança ao prosseguirmos com novas pesquisas. O nosso desafio foi um pouco diferente do que o de Josué. Ele necessitou da intervenção direta do poder divino para vencer os gigantes. Para os pesquisadores de Yellowstone, a comprovação já estava lá, nas rochas. O poder divino veio na forma de discernimento bíblico e de con-fiança no Espírito Santo que os levou a abrir seus olhos para verem o que estava lá; para fazerem perguntas mais perspi-cazes; para verem o que os outros não tinham visto ou não tinham entendido, porque não correspondia ao que eles esta-vam esperando.

Este tipo de discernimento divi-namente dirigido não vem de forma passiva. Apenas esperar por respostas que algum dia virão não trará sucesso para o empreendimento. A ousada confiança de Calebe nas promessas de Deus o levou a pedir como herança a cidade dos gigan-tes. Então ele entrou em ação e invadiu a cidade, conforme Deus havia instruído.

Os pesquisadores de Yellowstone enten-deram o desafio e entraram em ação – gastaram anos em diligente pesquisa para obterem uma explicação melhor, o que gradualmente tomou forma a partir da evidência da acumulação.

Cada um de nós tem a sua própria área de educação e experiência, e, portan-to, temos diferentes tipos de oportunida-des para honrar a Deus em nossa vida. Para alguns de nós que trabalhamos em áreas que nos colocam no meio de ques-tões que desafiam a fé, temos a opção de aceitar o que a nossa cultura intelectual nos diz, ou permitir que uma cosmovisão bíblica abra o nosso entendimento para vermos as coisas da melhor maneira. Para outros que não estão em um campo tão desafiador, essa discussão ainda pode ser relevante quando consideramos aceitá-la a partir das opções culturais que estão diante de nós, ou no que deveríamos acreditar com base nas ideias conflitantes que ouvimos ou lemos.

A pesquisa da floresta fóssil de Yellowstone é apenas um exemplo de uma série de pesquisas de sucesso, decor-rentes da fé na cosmovisão bíblica. Todos os casos de cientistas que assumiram essa abordagem resultaram em crescimento positivo para a compreensão que temos da história geológica e biológica, a partir do ponto de vista bíblico, juntamente com publicações em revistas de pesquisas que fornecem indicações sobre a credibi-lidade do trabalho. 2

Nós ainda não sabemos como res-ponder a todas as nossas perguntas sobre a história geológica e à datação radiométrica. Não observamos essa parte da história e, por isso, muitas respostas ainda estão atualmente fora do nosso alcance. Nossa pesquisa traz maior com-preensão, mas o tempo de uma vida é um espaço muito curto para responder a todas as perguntas sobre tais fenômenos tão complexos. Quando temos um longo caminho a percorrer, não temos que pro-curar ver todos os marcos importantes de uma só vez para saber que estamos no caminho certo. Se conhecemos e confiamos nAquele que fez o mapa, e vemos os marcos importantes nessa fase

da viagem, podemos ter total confiança de que Deus, que soube conquistar os gigantes em Canaã, também sabe como e quando dar as respostas para os desa-fios científicos que temos. Nossa fé não é baseada na ciência, mas, nesta era de avanço da ciência, Deus, às vezes, por confiarmos em Sua liderança, desvenda a nós descobertas científicas que fortale-cem a nossa fé. 3

Leonard Brand, PhD pela Universidade de Cornell, é profes-sor e presidente do Departamento de Terra e Ciências Biológicas da Universidade Loma Linda, Califórnia, EUA.

REFERÊNCIAS 1 A. Chadwick e T. Yamamoto, “A paleoeco-

logical analysis of the petrified trees in the Specimen Creek area of Yellowstone National Park, Montana, USA”, Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology 45 (1984): p. 39-48; H.G. Coffin, “Orientation of trees in the Yellowstone petrified forests”, Journal of Paleontology 50 (1976): p. 539-543; _____, “The organic levels of the Yellowstone petrified forests”, Origins 6 (1979): p. 71-82 (também em grisda.org); _____, “The Yellowstone petrified forests”, Spectrum 9(4) (1979): p. 42-53; _____, “Erect floating stumps in Spirit Lake, Washington”, Geology 11 (1983): p. 298-299; _____, “Erect floating stumps in Spirit Lake, Washington; reply”, Geology 11 (1983): p. 734; _____, “Sonar and scuba survey of a submerged allochthonous ‘forest’ in Spirit Lake, Washington”, Palaios 2 (1987): p. 178-180; _____, “O enigma das árvores petrificadas”, Diálogo 4(1) (1992): p. 11-13, 30, 31.

2 Resumido em L. Brand e A Chadwick, Faith, Reason and Earth History, 3rd ed. (Berrien Springs, Michigan: Andrews University Press); L. Brand, “Variations in salamander trackways resulting from substrate differences,” Journal of Paleontology 70 (1996): 1004–1010; ———, “Lacustrine deposition in the Bridger Formation: Lake Gosiute extended!” The Mountain Geologist 44 (2007): p. 69–77; ——— e T. Tang, “Fossil vertebrate footprints in the Coconino Sandstone (Permian) of northern Arizona: evidence for underwater origin”, Geology 19 (1991): 1201–1204; ______, R. Esperante, A. Chadwick, O. Poma, M. Alomia, “Fossil whale preservation implies high diatom accumulation rate in the Miocene-Pliocene Pisco Formation of Peru”, Geology 32 (2004): p. 165–168; R. Esperante, L. Brand, K. Nick, O. Poma, e M. Urbina, “Exceptional occurrence of fossil baleen in shallow marine sediments of the Neogene Pisco

Continua na página 35

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O toque da fé, a mão estendida do SalvadorJohn Wesley Taylor V Quando a humanidade está em contato

com a divindade, um milagre acontece. Ao tocarmos o manto da justiça de Cristo, somos transformados à Sua semelhança. Esta é a história de uma mulher que conseguiu tocá-lo.

Eu me sentia sem esperança. Miserável, aterrorizada, sozinha. Era imunda – pária, excluída, uma intocá-vel.

Nem sempre havia sido assim. A vida tinha começado de maneira maravi-lhosa, com grandes expectativas. Nasci em uma família nobre de Cafarnaum, era amada e mimada. Casei-me com um homem próspero, vivia cercada por riquezas. Uma mulher com muitos recursos, respeitada pela comunidade. Parecia ser tudo o que alguém podia desejar.

Entretanto, com o passar dos anos, não vieram os filhos. E eu me pergun-tava por que tinha que ser assim. Então aconteceu… lentamente, e no começo era quase imperceptível. Pensei que talvez fosse uma irregularidade no ciclo mensal. Mas persistiu e se intensificou. Fiquei apavorada.

Você entende, é claro, que uma mulher com um fluxo de sangue é considerada impura, além de tudo o que isso implica. Se ela se assenta em uma cadeira ou se deita em uma cama, o local se torna impuro. Se ela toca em um recipiente de madeira, ele deve ser lavado; em um vaso de barro, tem que ser quebrado. Na verdade, se ela tocar alguém ou em algo, a pessoa ou o obje-to imediatamente se torna impuro.

A pior parte era que, como mulher impura, eu não tinha permissão para aparecer em público. Não podia

conviver em sociedade. Não podia sequer entrar no templo para adorar a Deus. Eu era uma excluída – para sem-pre imunda, para sempre intocável. Por algum tempo, mantive ainda a espe-rança de que talvez pudesse haver um remédio para a cura. Afinal, o Talmud prescrevia onze remédios para doenças como a minha. Então me foram dadas as cinzas de um ovo de avestruz, que eu usava envoltas em um pano de linho, no verão e, no inverno, em um pano de algodão. Quando isso não funcionou, deram-me grãos de cevada encontrados no esterco de uma jumenta branca. Tudo em vão.

Os livros rabínicos sugeriam outros remédios para a hemorragia feminina. Assim, de acordo com as instruções neles apresentadas, cavaram sete valas onde queimaram estacas de vinhas de quatro anos de idade. Depois eu tomei na minha mão um copo de vinho e me sentei em cima da primeira vala. A seguir, recebi a ordem: “Levanta-te do teu fluxo!” – e fui levada à segunda vala, e assim por diante até à última. Foi tudo inútil.

Meu marido era paciente, mas, depois de meses de espera, ele me disse que cada um tinha que seguir o seu caminho. Na despedida, porém, ele gentilmente me deu uma soma consi-derável para meu conforto e sustento pessoal. Mas que valor tem o dinheiro para um pária da sociedade que dele

nada pode usufruir? Então decidi que iria gastar o dinheiro para encontrar uma resposta. Em algum lugar devia haver um meio de cura, devia haver algum remédio para esse mal.

Visitei um médico após outro. Tomei inúmeros medicamentos: sulfato de alumínio, açafrão, goma de Alexandria, cebolas persas, cominho, e tantos outros. Mas não melhorei. Na verdade, o meu estado de saúde piorou. Comecei a me sentir fraca. Fiquei pálida. Perdi peso. Meus dias e noites se encheram de dor. Logo não passava de uma frágil casquinha em relação ao que eu era antes.

Ainda assim, tinha a certeza de que devia haver um meio para a cura, em algum lugar. Toda a vez que eu ouvia falar de outro remédio, de outro médi-co milagroso, corria para eles. Sofri muito nas mãos de vários médicos. Foram anos e anos. Mas tudo em vão.

Finalmente, um dia, acordei sem um centavo e sem esperança. Tinha gastado todas as minhas economias. Acabei caindo na mais abjeta pobreza e não tinha obtido nada, absolutamente nada.

De repente, acabei me conscientizan-do de minha situação e um pensamen-to tomou conta de mim: meu caso era incurável, irremediavelmente incurável. Não só isso, eu estava sozinha – rejei-tada pela comunidade, condenada ao ostracismo por minha família, excluída, intocável. Havia apenas mais um acon-

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tecimento em meu futuro: a morte, e não estava muito longe. Resignei-me então ao inevitável. Eu me afastei da vida.

A procuraPassei meus dias no pequeno casebre

onde vivia, ao lado da estrada que con-duz a Cafarnaum. Os dias pareciam não ter fim. As noites eram passadas em claro, pois vivia dilacerada pela dor.

Então, um dia, ouvi parte de uma conversa que vinha da estrada. Algo sobre um Homem que curava as pesso-as e suas curas milagrosas. Há alguns anos, eu o teria perseguido incansavel-mente. Agora não tinha meio algum. Não tinha nada para oferecer.

Conforme os dias iam passando, porém, continuei a ouvir mais e mais sobre o tal Curador, pelas pessoas que por ali passavam. Soube que Ele tinha curado o servo do centurião com ape-nas uma palavra e restaurado a sogra de Pedro, o pescador, com somente um toque. Em uma única noite, havia curado muitos que estavam doentes e até mesmo endemoninhados, tudo ali em Cafarnaum. Se ao menos eu tives-se conhecido esse Homem doze anos antes, quando começou esse flagelo que tomou conta de mim, antes de se tornar incurável, talvez eu também tivesse sido curada.

Então, um dia, ouvi uma notí-cia ainda mais surpreendente. Esse Homem, Jesus, tinha curado um lepro-so. Um leproso! Um homem incurável, um homem intocável. Esse Jesus esten-deu a mão, tocou-o, e ele foi curado! Era surpreendente!

A esperança começou a tomar conta do meu coração novamente. Talvez, se eu pudesse encontrá-Lo, se pudesse Lhe explicar minha condição, se pudesse Lhe contar sobre todos os remédios com os quais tinha tentado obter a cura, talvez Ele pudesse me ajudar.

Pensei em cada detalhe e, num dia pela manhã, acordei decidida a encontrá-Lo. Aquele dia tinha ama-nhecido brilhante e claro, em contraste com a terrível tempestade que caiu

durante a madrugada. Logo as pessoas começaram a passar pela minha casa em direção à praia. Parecia que aquele Jesus estava vindo para pregar ao povo, e todos queriam estar lá. Juntei-me aos retardatários, afinal, alguém na minha condição não devia se misturar com a multidão.

Lentamente, dolorosamente, cami-nhei até à margem do lago. Não foi difícil descobrir onde Ele estava: pude vê-Lo em pé, em um barco de pesca, afastado da margem. Era o barco no qual, alguns disseram, Ele tinha domi-nado a tempestade no lago, na noite anterior. Outros afirmavam claramente que Ele tinha acalmado a tempestade miraculosamente.

Embora eu estivesse um pouco afas-tada do povo que ali se aglomerava, podia ver Jesus de vez em quando. E podia ouvir Sua voz. Ele falava muito suavemente, com muita bondade, mas também com grande autoridade. Parecia que eu estava ouvindo a voz do próprio Deus.

Ao cair a noite, a multidão começou a se dissipar de volta para Cafarnaum. As pessoas estavam dizendo que Jesus tinha aceitado um convite para comer na casa de Levi Mateus, o cobrador de impostos. Também havia rumores de que Jesus havia chamado Mateus para ser Seu discípulo e que ele tinha deixa-do seu posto para segui-Lo.

Caminhei junto com a multidão, esperando que de alguma forma pudes-se me aproximar de Jesus. Que pudesse falar com Ele quando a multidão se dispersasse.

Não foi isso o que aconteceu. À medida que nos aproximávamos de Cafarnaum, parecia que todos os que ficaram na cidade acabaram vindo ao encontro de Jesus. Quando Ele entrou na casa de Mateus, a multidão cercou a casa, encheu todo o pátio e bloqueou a rua estreita por onde passaram. Voltei então para um beco próximo, de onde podia vê-Lo mais despercebida.

De repente, um homem correu rua abaixo gritando para a multidão: “Abram caminho! Abram caminho!”

Eu o reconheci imediatamente. Era Jairo, chefe da sinagoga. Ele parecia muito perturbado! Fiquei imaginan-do qual seria o problema, mas logo entendi. “Abram caminho!”, gritou ele, “Minha filha está morrendo!”

Sua filha, sua única filha. Ela era uma criança tão linda. Devia estar agora com uns doze anos de idade. Sim, claro. Ela nasceu justamente naquele ano fatídico em que minha doença começou.

Se ao menos eu tivesse alguém para chamar o Mestre e pedir que Ele viesse até mim. Se ao menos eu pudesse falar com Ele. Se apenas…

O toqueNa mesma hora, houve uma agitação

por causa de Jairo e Jesus que aparece-ram à porta da casa de Mateus e come-çaram abrir caminho por entre o povo. Era quase impossível passarem por ali, pois a multidão os pressionava.

De repente, percebi que Jesus ia pas-sar bem perto de mim, a caminho da casa de Jairo. Meu coração começou a bater descontroladamente. Essa era a minha chance! Podia ser a minha única oportunidade. Eu precisava me aproxi-mar dEle. Eu precisava!…

Rapidamente, fiz um plano em minha mente. Não era possível, é claro, conversar com Jesus, pelo menos naquela circunstância; mas eu pode-ria dificultar Sua saída. Talvez, se eu pudesse ao menos tocá-Lo… Talvez... talvez pudesse ser curada.

Não, não apenas talvez... eu tinha certeza. Eu sabia que seria curada!

Quando a multidão começou a se afastar para acompanhá-Lo, tentei me infiltrar pelas beiradas. Estava escure-cendo, e por certo ninguém me notaria. Ao tentar caminhar pelo meio do povo, logo descobri que era simplesmente impossível. A multidão se amontoava, e eu estava muito fraca, fraca demais para pressionar e conseguir passar.

Então notei que Jesus parecia estar vindo na minha direção. Ele estava andando do mesmo lado da rua em que eu me encontrava. Talvez houvesse uma

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chance, afinal.Por um momento, perdi Jesus de

vista. Parecia uma eternidade. Apesar do fato de Jairo continuar pedindo: “Abram caminho! Abram caminho!”, a multidão parecia estar quase parada. Então, de repente, em meio a todas aquelas pessoas, eu vi Jesus novamente. Ele estava há poucos passos de distân-cia, mas quase já passando por mim.

Ainda não sei por que fiz aquilo, porém, de repente, eu me vi no chão, rastejando em meio à poeira, sujando minhas mãos e joelhos, espremendo-me através da floresta de pernas, entre ves-tes e sandálias. Eu não me importava mais com o que as pessoas viessem a pensar ou dizer.

Naquele momento, olhei para cima e vi o manto, o Seu manto. Estendi a mão em Sua direção e apenas toquei a orla de Suas vestes. Quando meus dedos tocaram Suas vestes, senti uma onda de emoção eletrizante através do meu corpo. Minha fraqueza desapa-receu, minhas dores foram embora! Imediatamente eu soube que já estava bem, que tinha sido curada!

A testemunhaRapidamente, recuei para dentro

da multidão. Ah, como eu gostaria de poder agradecer-Lhe. Como eu gostaria poder retribuir-Lhe.

Mas talvez Ele ficasse descontente se soubesse do que eu tinha feito. Talvez Ele me reprovasse por ter me aventu-rado em um lugar público, na minha condição. Talvez eu tivesse sido presun-çosa... Então, ouvi a Sua voz novamen-te, uma voz tão gentil, tão amorosa!… O que Ele estava perguntando?

“Quem Me tocou?”Eu tinha quase certeza de que Ele

não se referia a mim. Ele ainda não tinha me visto. Logo depois, ouvi a voz de Pedro – eu reconheceria a sua voz em qualquer lugar! Pedro sempre tinha algo a dizer.

“Mestre, por que Tu perguntas: ‘Quem Me tocou?’ Ora, todos estão Te tocando, Te empurrando, esbarrando e Te pressionando. E ainda assim Tu per-

guntas: ‘Quem Me tocou?’”“Mas alguém tocou em Mim, Pedro.

Eu sei que poder curativo saiu de Mim.”

Então Ele sabia!Imediatamente, todos os que estavam

ali mais próximos começaram a negar que haviam tocado em Jesus. Então, através de uma brecha no meio da mul-tidão, eu O vi. Ele estava olhando para mim com amor.

Eu sabia que não podia me esconder. Eu sabia que não queria me esconder. Tremendo, caminhei até Ele. Caí a Seus pés. De repente, eu me vi cho-rando. Através das minhas lágrimas, contei-Lhe toda a história – a dor, a solidão, o desespero. Contei- Lhe o que eu tinha feito, que tinha tocado o Seu manto e, a partir daquele momento, estava curada.

Limpei minhas lágrimas e olhei para o Seu rosto. Não havia sinal algum de contrariedade, nenhum traço de desagrado. Transparecia apenas amor, maravilhoso amor. Ele sorriu e me disse baixinho:

“Minha filha, não tenha medo, a tua fé te salvou. Vai em paz.”

Oh, que alegria... que liberdade... que paz! Como eu amo Jesus!

Recapitulando...Esta é a história, a história da mulher

que sofria de uma doença terrível por doze anos. O que ela significa? Qual a sua relevância para nós?

Reflexões sobre a doença da mulher

O problema do pecado, assim como a doença, é persistente, debilitante e degra-dante. É persistente porque as raízes do pecado são profundas em toda a natu-reza humana caída. Quanto mais tenta-mos erradicá-las, mais elas se alastram. É debilitante porque o pecado enfra-quece a nossa vida espiritual. Ele nos deixa fracos, debilitados e ressequidos espiritualmente. Também é degradante porque o pecado distorce a imagem de Deus em nós. Ele nos incapacita para a sociedade de seres humanos e celestiais.

A autocura e a justiça própria são ine-ficazes contra o pecado. É simplesmente impossível salvar-se a si mesmo. Toda a nossa justiça própria é como trapos de imundícia (Isaías 64:6). Mesmo o melhor que podemos fazer é lamenta-velmente insuficiente. O pecado requer um remédio sobrenatural.

Buscar a cura para o pecado dos seres humanos não só é inútil, mas também perigoso. Quando procuramos “especia-listas”, em vez de buscarmos o Salvador, quando gastamos nosso tempo com “autoridades”, em vez de nos atermos à Palavra da vida, nossa situação só piora. Na melhor das hipóteses, eles nos darão um diagnóstico preciso: é incurável.

Reflexões sobre o que a mulher procurava

A fé se exprime por meio da ação. A fé não é meramente uma crença; ela envolve a ação. É a busca de Deus, a busca por Deus. E a fé aumenta à medida que ela é exercida. Quando a mulher deixou avivar a centelha de esperança que possuía, essa centelha, repentinamente, explodiu em chamas. Quanto mais pensava em Jesus, quanto mais ela se aproximava de Jesus, mais convencida ficava de que Ele podia e ia curá-la. Portanto, não espere até que sua fé seja forte o suficiente para iniciar essa jornada. Comece a viagem em direção a Deus, e sua fé crescerá forte.

Devemos ir a Jesus assim como esta-mos. Não precisamos “limpar nossas ações” antes de nos aproximarmos de Deus. Na verdade, não podemos nos purificar separados de Deus. O fato é que Deus ama os pecadores (Lucas 5:32; Romanos 5:8). Ele tem prazer em salvar os pecadores. Então, vá a Ele, mesmo se sentindo inútil e miserável. Essa é simplesmente uma evidência de que você precisa desesperadamente do Salvador.

A cura não vem dos relatos sobre Jesus, mas do encontro com Jesus. Não basta apenas saber sobre Jesus; você deve conhecer Jesus pessoalmente. Ter a convicção de que Jesus pode salvar é essencial, mas insuficiente. A salvação

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só é encontrada por meio de um rela-cionamento pessoal com Jesus.

Reflexões a respeito do toque da mulher

Somos salvos pela graça, por meio da fé. Observe que a mulher foi curada pela graça, por meio da fé em Cristo. Ambas, fé e graça, são vitais. A fé, no entanto, foi apenas o meio para ela se aproximar do poder da cura. Não foi a causa, mas a condição para ser curada. A fé não estava nas vestes de Jesus, mas na virtude, no poder dAquele que cura. É Cristo que cura. É Jesus que salva!

Cristo pode curar o incurável. Observe os três aspectos da cura. Primeiro, a mulher ficou sã. A salvação é uma questão que envolve tudo; ela afeta todo o ser. É viver uma nova vida (2 Coríntios 5:17; Ezequiel 16:6). Em segundo lugar, quando a mulher foi curada, a doença a deixou instantane-amente. Jesus fez pela mulher em um momento o que muitos médicos não tinham feito em doze longos anos. Embora possamos estar espiritualmente fracos, se nos achegarmos a Ele, com fé, Ele responderá sem hesitação, e perdão e cura espirituais serão nossos imedia-tamente. Em terceiro lugar, a mulher ficou curada a partir daquele momento. Ou seja, a partir daquele instante, ela não mais teve que se preocupar com o mal que sofria. A salvação é tão eficaz que o pecado deixa de ter domínio sobre nós (Romanos 6:14). Em ver-dade, Jesus é perfeitamente capaz de salvar (Hebreus 7:25; Judas 24).

Estar em contato com Jesus é experi-mentar a salvação. Quando a humani-dade está em contato com a divindade, o milagre acontece. Ao tocarmos o o manto da justiça de Cristo, somos transformados à Sua semelhança. Muitos tocaram Cristo naquele dia, no entanto, não foram mudados. O que fez a diferença? Para muitos, o toque não passou de simples curiosidade. Para outros, foi apenas um toque casual, devido às circunstâncias. Mas, para a mulher, foi o toque da fé, da total confiança. E Cristo pode distinguir a

diferença. Ele pode falar dessa diferença quando você O toca? Veja, a salvação não é um mero parecer favorável à verdade do evangelho. Não é mera-mente uma oração formal, uma leitura ritual da Palavra. Não é acreditar em Cristo simplesmente como o Salvador do mundo. Mais que isso, é a fé que estende a mão e recebe Cristo como seu Salvador pessoal.

Reflexões sobre o testemunho da mulher

A fé deve encontrar expressão. Não era suficiente para a mulher obter a cura. Cristo também queria que a mulher experimentasse maior bênção como testemunha Sua. Não é suficiente para nós experimentarmos a salvação em segredo. Devemos compartilhar o evan-gelho, as boas-novas da graça de Deus com aqueles que nos rodeiam. Temos que ser testemunhas vivas do amor e do poder de Deus.

A testemunha edifica a fé. A decla-ração de fé da mulher fortaleceu a fé de Jairo. Ela o encorajou a acreditar ainda mais firmemente que Jesus era capaz de atender a sua própria petição e curar sua filha. Como indivíduos, temos uma poderosa influência sobre os que nos rodeiam. Podemos obstruir o acesso ao Salvador, como fez a multi-dão descuidada, ou podemos fortalecer a fé daqueles com quem entramos em contato através do nosso testemunho pessoal.

A salvação traz amor, alegria, liberda-de e paz. Jesus disse: “Filha, não tenha medo, a sua fé a curou. Vá em paz.” Filha é um termo carinhoso, de afeto. Transmite a ideia de que alguém é um filho de Deus, uma parte da família de Deus, valorizada e amada. “Não tenha medo.” O perfeito amor lança fora o medo. E quando o medo é banido, a alegria é o resultado natural, espon-tâneo. Você não tem que viver com medo e temor. “O Senhor é a alegria da minha salvação! De quem então terei medo?” (Habacuque 3:18, Salmo 27:1). “A sua fé a salvou.” Integralidade, solidez. Libertação da doença, liberta-

ção do pecado. “Vá em paz.” A paz é o resultado da fé, da confiança em Jesus, do perdão por meio do Seu sangue, da salvação nEle. Paz, paz perfeita. “Paz que excede todo o entendimento” (Filipenses 4:7).

ConclusãoA mulher buscou Jesus, estendeu

a mão para Jesus. Tocou Jesus, não apenas por acidente, mas por fé. Jesus, almejando, convidando, aproxima-Se. Ele a salva no extremo da sua dor.

Você acredita no poder de Jesus para salvar a todos os que a Ele vão? Você tem fé que Ele pode e vai salvá-lo tam-bém? Você já estendeu a mão para Suas mãos que estão sempre estendidas?

Você se mantém em contato com Jesus?

John Wesley Taylor V, PhD pela Universidade Andrews; EdD, pela Universidade da Virginia, é diretor associado do Departamento de Educação da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia e um dos editores da Diálogo. E-mail: [email protected]

REFERÊNCIASA narração na primeira pessoa baseia-se em Mateus 9:20-22; Marcos 5:25-34; e Lucas 8:43-48. O contexto histórico deriva-se de Levítico 15; Shabbat 110 a-b; A Commentary on the New Testament, por John Lightfoot (1602-1675); Manners and Customs of Bible Lands, por Fred H. Wight (Chicago, Illinois: Moody Press, 1953); Windows on the World of Jesus, por Bruce J. Malina (Louisville, Kentucky: Westminster/John Knox Press, 1993); Jesus through Middle Eastern Eyes: Cultural Studies in the Gospels, por Kenneth E. Bailey (Downers Grove, Illinois: InterVarsity Press, 2008); Women’s Lives in Biblical Times, por Jennie R. Ebeling (Londres: T&T Clark International, 2010); The Essential Companion to Life in Bible Times: Key Insights for Reading God’s Word, por Moisés Silva (Grand Rapids, Michigan: Zondervan, 2011); e The World Jesus Knew: Beliefs and Customs from the Time of Jesus, por Anne Punton (Oxford: Monarch Books, 2010), entre outros.

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PERFIL

Leonard AzamfireiDiálogo com o primeiro presidente adventista de uma universidade médica pública na RomêniaEntrevistado por Adrian Bocaneanu

Leonard Azamfirei nasceu e cres-ceu num lar adventista, no nordeste da Romênia. Depois de se tornar enfermeiro, decidiu estudar medicina e graduou-se pela Universidade de Medicina e Farmácia de Targu Mures, na Romênia, vindo a especializar-se mais tarde em Anestesiologia e Terapia Intensiva. Em 1995, terminou o douto-rado na mesma universidade e iniciou logo depois sua carreira como docen-te, juntamente com prática médica, num hospital especializado em cuida-dos intensivos.

Em 2012, aos 45 anos, o Dr. Azamfirei foi eleito presidente de sua alma mater, tornando-se o primeiro adventista a liderar uma universidade pública na Romênia. A universidade é uma das seis escolas de medicina de renome no país e tem cerca de 6.000 alunos matriculados em cursos de graduação e pós-graduação. Durante sua gestão, a universidade se tornou pioneira no programa de Mestrado em Nutrição na Romênia. O Dr. Azamfirei publicou mais de 200 estudos e artigos em revistas médicas, tanto romenas como internacionais, além de ser o autor ou coautor de 13 livros. Atua também como membro corresponden-te da Academia Romena de Ciências Médicas.

É casado com Gabriela, que é gra-duada em Economia e trabalha como gerente-geral do consultório particular

do Dr. Azamfirei. O filho do casal, Razvan, é estudante de medicina na Universidade de Yale. O casal é ativo na igreja adventista local, onde o Dr. Azamfirei atua como ancião e prega regularmente.

n Dr. Azamfirei, vamos começar com algo que diz respeito ao seu background.

Eu fui abençoado por ter nascido em uma família adventista do sétimo dia, onde a vida espiritual era alimentada, e não regida tanto por regras, mas por amor. Meus pais eram pessoas muito simples, e minhas primeiras lembranças são de um lar onde Deus era o centro, Sua Palavra foi honrada, e a adoração a Ele estava em primeiro lugar. Em tudo o que eu pensava ou fazia, era incenti-vado a raciocinar e a exercer o poder da escolha, de tal forma que não me enver-gonhasse do que viesse a fazer.

Cedo na vida, aprendemos a impor-tância da vida espiritual, e a igreja local desempenhou um papel significativo no desenvolvimento da minha fé e comunhão. Frequentemente, meus pais me diziam: “Sua vida espiritual é tão importante, se não mais importante do que a sua educação, profissão, suas ambições e objetivos na vida.” Como família, participávamos regularmente dos cultos e de outras atividades espi-rituais, tanto no lar como na igreja. Nunca fui forçado a pensar de uma determinada maneira ou a participar

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de qualquer atividade, mas era sempre orientado a manter o foco correto na jornada que tinha pela frente. Saí de casa para a universidade quando tinha 19 anos, a idade em que um jovem enfrenta questões relacionadas à reli-gião, opções existenciais e escolhas de vida. Com base na educação que recebi de meus pais no lar, fiz as escolhas certas que determinaram o restante da minha vida.

n O que o levou a escolher medicina?Por ter crescido como adventista em

um país regido pelo comunismo, cedo na vida eu achei que as profissões rela-cionadas à área da saúde proporciona-vam um cenário perfeito para a minha vocação cristã: ser uma pessoa bondosa e estar envolvido em um ministério que refletisse o amor de Jesus por aqueles que têm necessidades físicas e espiritu-ais. O Novo Testamento fala de cura como parte central do ministério de Jesus na Terra. Por meio da cura, Ele refletia a vontade de Deus e o amor para com todo o Seu povo. E eu queria fazer parte desse ministério de cura.

De início, entrei em uma escola de enfermagem. Isso ajudou a me cons-cientizar a respeito de algumas de minhas percepções jovens, românticas e idealistas sobre o trabalho na área médica. Então, meu desejo de aprender mais, para descobrir algo novo, le- vou-me ao passo seguinte: ir para a universidade e fazer medicina. Alguns amigos mais velhos que eu na igreja também me influenciaram nessa busca para me tornar um médico.

n Por que o senhor escolheu anestesio-logia como sua especialidade, sendo um campo que exige grande perícia e que muitas vezes está no limiar entre a vida e a morte?

Na Romênia, a anestesiologia e a terapia intensiva constituem uma única especialidade, e eu senti que elas se encaixavam em meu temperamento. Esse é um campo que combina desa-fios e amplos conhecimentos em quase todas as áreas médicas: mecanismos

fisiológicos, estado de alerta em situa-ções de emergências graves, consciência da tecnologia médica de ponta e a oportunidade de intervir frequentemen-te em procedimentos invasivos de salva-mento. A alegria de ver uma vida sendo salva em circunstâncias desalentadoras não há palavras que possam descre-ver. Ainda fico muito emocionado ao encontrar ex-pacientes cuja vida se cru-zou com a minha de forma positiva em momentos críticos. Também conheço a aproximação da morte e a tristeza de ver batalhas perdidas. Em tais ocasiões, a fé faz uma enorme diferença.

n O senhor vê alguma ligação ou influência entre a experiência da lide-rança na igreja e o fato de ser chamado para assumir maiores responsabilidades na universidade?

Estamos falando aqui de duas tare-fas de liderança distintas; as pessoas, os métodos, as tarefas, os resultados esperados são diferentes nas duas áreas. A minha fé é uma grande fonte de orientação e energia. Antes de começar o meu dia de trabalho, dedico algum tempo para recarregar minhas bate-rias espirituais. Quando começo o dia buscando a orientação e força de Deus para realizar o meu trabalho, sinto-me rejuvenescido. Realizo minhas tarefas profissionais e de atendimento aos doentes na certeza da graça de Deus e com muita energia. Por ter crescido em um lar adventista, aprendi a impor-tância de desenvolver uma base sólida em assuntos espirituais, o valor da oração, o valor do desenvolvimento das relações interpessoais significativas, o valor da tomada de decisão e a priorizar valores. A igreja sempre desempenhou um papel importante para arraigar a minha fé e valores por meio de ações e atitudes centradas em Deus e tendo a Bíblia como referência. Com essa base e experiência, consigo lidar melhor com a alegria e a dor, com os desafios e oportunidades que encontro na vida profissional.

Outro fator se destaca ao comparar as responsabilidades de liderança na

igreja e na universidade. Há uma dife-rença muito significativa entre a entida-de igreja e um sistema secular. Na igre-ja, as decisões são facilmente assumidas pela comunidade de fiéis, e nós temos uma responsabilidade compartilhada (em tudo o que possível!). No ambiente secular e na universidade, temos um processo estruturado mais rigoroso na tomada de decisões, com uma respon-sabilidade clara para cada decisão, com as obrigações envolvidas quando fica provado que a decisão foi equivocada.

n O senhor encontra oportunidades no trabalho para expressar sua fé? Que tipo de reações obtém de seus colegas?

Estou convencido de que a minha nomeação como presidente da uni-versidade foi fortemente influenciada pela minha postura como um cristão praticante. Nunca minimizei minha religião; na verdade, muitas vezes tenho declarado publicamente que minha filiação religiosa representa uma van-tagem. Isso levou muitos dos meus colegas a procurar informações sobre a Igreja Adventista do Sétimo Dia e a dialogar comigo sobre as minhas prio-ridades de fé e identidade espiritual. Alguns tentaram unir seus esforços para usar a minha religião contra mim, mas, na verdade, isso acabou gerando melhor compreensão, mais apoio e simpatia.

n Como presidente da universidade, o senhor está exposto a influências e neces-sidades conflitantes? Quando enfrenta esses casos, como consegue tomar decisões verdadeiramente corretas, sendo quem é?

Um cargo público como o que ocupo envolve um elevado risco de críticas e ataques maldosos, muitas vezes pro-venientes de grupos cujos interesses acham-se ameaçados por instruções ou ações que procedem do meu gabinete. Provavelmente, a tarefa mais desagradá-vel para um líder é dizer “não”, quando já existe uma afinidade humana, pres-sões administrativas e políticas, ou até mesmo quando a sua própria vontade seria dizer “sim”. Muitas pessoas com

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quem trabalho aceitam uma conversa aberta, o uso da razão, e então o rela-cionamento é salvaguardado. Mas tam-bém experimento frustrações, perda, amargura e relações quebradas. Nesses casos, tento me reconciliar com as pes-soas que ficaram sentidas comigo; pro-curo a sua ajuda, envolvo-as em algum projeto e, assim, as ajudo a avançar em sua carreira profissional. Alguns ficam surpresos. Outros têm respondido muito bem; com os outros, porém, ainda tenho que trabalhar mais um pouco. Aprendi com a igreja, com base na minha própria experiência e nos erros que cometi, que é muito arriscado julgar alguém que você conhece apenas em parte. A nossa tendência é seguir a letra da lei, sem nos apercebermos de que as pessoas podem ser prejudicadas. O segredo está no que a Bíblia nos ensina: caminharmos a segunda milha e nunca revidarmos.

n Como administrador, que tipo de estrutura relacional o senhor construiu com os alunos, funcionários e professores?

Primeiro, deixe-me dizer algo sobre o que aprendi como líder na minha igreja e, a seguir, me tornar então o presidente de uma grande universidade. As igrejas e universidades estão entre as mais antigas instituições da sociedade. Ambas existem para conservar e trans-mitir valores. Ambas estão envolvidas no desenvolvimento da pessoa humana, em formar e moldar caracteres, e na construção do futuro de seus parti-cipantes. Acima de tudo, ambas são comunidades humanas, e não estrutu-ras físicas. Um cristão, quando ocupa uma posição de liderança na universi-dade, tem a grande vantagem de saber que Deus está sempre no controle, influenciando nosso pensamento e nos dando paz e tranquilidade quando decisões difíceis devem ser tomadas. Algumas de nossas posições específicas, em especial a observância do sábado, certamente contribuirão para uma experiência de liderança mais efetiva.

Agora voltemos à sua pergunta. No contexto de uma grande universidade,

os alunos são um importante bloco de construção. Embora a administração e o planejamento consumam muito do meu tempo, procuro me manter ao máximo em contato com os alunos. Leio as suas postagens no Facebook e ouço atentamente as suas opiniões. Dou minhas aulas regularmente e sou rigoroso na avaliação de seus trabalhos. Eu sei que os alunos apreciam e pre-ferem um professor que é exigente e justo, em vez de um que está mais inte-ressado em conseguir popularidade.

Juntamente com os meus colegas, quero manter um relacionamento amis-toso com os alunos e um campus aca-demicamente desafiador. Na verdade, temos uma universidade atraente e pro-gressista, que atrai estudantes de todas as partes do país e de muitos outros países também. Os alunos vêm não só por causa dos nossos custos mais bai-xos, mas por causa da educação de alta qualidade que proporcionamos. Nossos estudantes estrangeiros promovem uma dimensão desafiadora para a experi-ência educacional, e o intercâmbio deles com colegas e membros do corpo docente fazem com que todos nós nos tornemos mais sábios e mais ricos inte-lectualmente.

Quando a administração trabalha para construir um corpo estudantil coeso e comprometido com a excelên-cia educacional, o idealismo do aluno, muitas vezes, sobe a um nível surpre-endente de maturidade. Os alunos que escolheram profissões médicas compro-metem-se com realizações ilimitadas, resultantes da doação de si mesmos. Eles são muito queridos para mim. Na verdade, nós existimos por causa deles!

Falando sobre os colegas, o núme-ro de meus “amigos” explodiu muito rápido, tornando necessário delinear mais claramente como eu deveria me relacionar com cada um para obter o máximo resultado em minhas relações interpessoais e no crescimento profissio-nal de todo o corpo docente. Procuro sempre manter o diálogo com cada um deles. O desafio mais sério que tenho enfrentado nessa área é saber distinguir

entre pensamento objetivo e a opinião subjetiva.

n Sob sua liderança, essa universidade desenvolveu um programa de graduação em Nutrição e Dietética e um programa de mestrado em Nutrição Clínica e Comunitária, inéditos na Romênia. O senhor tem algo a comentar sobre isso?

Quando eu sonhei com esse pro-grama, pensei em como seria maravi-lhoso se pudéssemos obter um acordo institucional com a Universidade de Loma Linda (LLU), que não é apenas uma instituição médica adventista de vanguarda, mas é também líder em ciência nutricional e uma das melhores universidades do mundo no ensino e cuidado com a saúde. Nossas tentativas para obter tal acordo, no entanto, não chegaram a se concretizar. Mas, inspi-rados no programa da LLU e em suas perspectivas curriculares em dietética e nutrição, adaptamos um curso de graduação em Nutrição e Dietética e um curso de mestrado em Nutrição Clínica e Comunitária (público) que iria satisfazer as necessidades da Romênia. Recebemos muitos conselhos e ajuda de membros do corpo docente da LLU, particularmente do Prof. Bert Connell. Eles vieram nos visitar várias vezes, por conta própria, de acordo com suas possibilidades, e nos ajudaram na concepção do programa, na elaboração do currículo, nos detalhes dos estágios, e ainda deram aulas de verão e cursos intensivos. Outra abertura adventista que foi proporcionada: para os estágios, os alunos utilizam as instalações do Centro de Estilo de Vida Adventista em Herghelia, nos arredores de Targu Mures. Eles se familiarizam com a herança adventista no campo da nutri-ção e são orientados e motivados pelo amor, pelo serviço baseado na fé e no ethos da profissão médica.

n Sua vida profissional e seu compro-misso com a fé não podem passar des-percebidos entre seus colegas adventistas

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PONTO DE VISTA

Sinceridade é o suficiente?Paul Dybdahl

No mundo atual, não há dúvida sobre a importância de acreditarmos em dou-trinas específicas. As pessoas procuram pelo que é bom para elas, pelo que “as fazem se sentir bem”. Sendo assim, os valores pessoais são todos diferentes.

A época e o local de nosso nascimento têm efeitos profundos sobre os valores que vamos adotar e apreciar. Em algu-mas culturas, a hospitalidade e a lealdade são valores fundamentais. Em outras, a coragem e a pureza podem ser mais admiradas. E ainda, em um ambiente diferente, qualidades como o dever, a perseverança ou o patriotismo podem ser bem mais apreciadas.

O valor da sinceridadeDo meu ponto de vista, como professor

em uma universidade cristã, parece que um dos valores que está ganhando popu-laridade, tanto local como globalmente, é a sinceridade. De acordo com o dicioná-rio, aquele que é sincero é “marcado pela autenticidade” e “ausência de hipocrisia”.1 Entre os jovens com os quais trabalho, há um crescente consenso de que pes-soas atenciosas e amorosas não devem se envolver em debates inúteis sobre as diferentes crenças e pontos de vista da verdade. “Afinal de contas, uma vez que nós nunca vamos concordar, por que nos aborrecermos?” – muitos diriam. “O que realmente importa é que somos sinceros e honestos sobre o que acreditamos.”

Recentemente, essa perspectiva foi reforçada pelos alunos de duas classes em que leciono religião. Quando solicitados a especificar as qualidades que Deus mais desejaria ver em nós, os estudantes universitários, de forma esmagadora, disseram que Deus valorizava a nossa sinceridade mais do que a pureza ou a ortodoxia. Mas está realmente correta essa opinião?

Concordo ser confortadora a ideia de que o que alguém acredita ou a pureza de sua vida não importam, contanto que a pessoa seja sincera. Tal visão soa como vinda de uma mente aberta, inclusiva e sensível (valores que estão ganhando popularidade atualmente). Também é verdade que alguém até mesmo pode se voltar para a Bíblia para demonstrar o valor da sinceridade.

No 1º livro de Crônicas, Davi pede a seu filho Salomão que “reconheça o Deus de seu pai, e sirva-O de todo o coração” (28:9).2 Os primeiros crentes em Jesus são descritos como tendo reu-niões e comendo juntos “com alegria e sinceridade de coração” (Atos 2:46). Na primeira carta a Timóteo, a sinceridade é um dos requisitos necessários para os líderes da igreja (3:8). Finalmente, em Tiago, a sabedoria do Céu é descrita como “imparcial e sincera” (3:17). Além dessas referências explícitas, a Bíblia está repleta de histórias que demonstram o valor da sinceridade e devoção diante de

Deus. Uma das maiores críticas de Jesus aos líderes religiosos de Seus dias foi que eles eram hipócritas e lhes faltava since-ridade (ver Mateus 23:13, 15, 23, 25, 27, 28).

Está claro, então, que a sinceridade é de fato uma qualidade admirável que Deus deseja para todos nós. Também é verdade que a nossa salvação não depen-de de nossa aceitação mental de todas as crenças corretas. Deus pode salvar pes-soas sinceras que podem ser ignorantes ou dar apenas um consentimento mental para todas as crenças corretas. Deus pode salvar pessoas sinceras que podem ser ignorantes ou estarem confusas quanto ao que é certo e verdadeiro. Mas isso sig-nifica que o que uma pessoa acredita não importa, contanto que ela seja sincera? É razoável elevar de tal maneira a sinceri-dade, a ponto de concluirmos que aquilo em que nós acreditamos não importa, contanto que sejamos sinceros?

A partir dessa minha perspectiva, tal elevação da qualidade da sinceridade frequentemente ignora dois aspectos a ela relacionados. Antes de mais nada, ser ver-dadeiramente sincero é muito mais difícil do que pode parecer à primeira vista. O apelo à sinceridade, quando colocado em lugar da crença correta, é uma ação que não deixa de ter uma certa ambiguidade em relação à confiança pacífica. E então, em vez de tornar as coisas mais simples ou mais fáceis, o apelo à sinceridade tor-

A sinceridade deve estar ligada a alguma coisa para que tenha significado. É impossível ser sincero sem ser sincero sobre algo, e isso significa que a sinceridade e a crença não podem andar separadas.

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na-se um padrão tão incrivelmente alto, que passa a ser um problema para nós.

O nosso coração é enganosoDe acordo com Jeremias 17:9, “o cora-

ção é mais enganoso que qualquer coisa e sua doença é incurável. Quem é capaz de compreendê-lo?” Se o coração humano, pecador, é tão enganoso, talvez o nosso afastamento dos debates sobre “as cren-ças” e “a verdade” não seja seguro para a própria segurança da sinceridade. Mesmo que a sinceridade seja tudo o que impor-ta, como poderemos saber se somos ou não totalmente sinceros? É uma espécie de virtude evasiva, difícil de possuir e até mesmo de definir plena e coerentemente.

Quantas vezes chegamos a pensar que estávamos sendo sinceros com relação a alguma coisa, apenas para mais tarde perceber que nos havíamos enganado a nós mesmos e que os nossos motivos não eram tão puros como tínhamos acredi-tado a princípio! Por exemplo, é comum ver que os casamentos começam com duas pessoas que sentem honestamente ter encontrado sua alma gêmea. Elas, de bom grado, fazem votos de fidelidade e amor uma à outra e prometem dedica-ção mútua para o resto da vida. Estão sendo sinceras. No entanto, se fôssemos visitar esses casais alguns anos depois, veríamos que alguns desses casamentos já haviam terminado. Uma conversa mais longa traria a confissão de muitos de que, ao fazerem uma retrospectiva, reco-nheceriam que se casaram, pelo menos em parte, para agradar os pais, aliviar a solidão, satisfazer o seu desejo de intimi-dade física, evitar problemas em casa, ou talvez até para aproveitar a melhoria da segurança financeira. Se alguém tivesse sugerido isso a eles por ocasião do casa-mento, teriam negado veementemente – e com toda a sinceridade – que essa era a razão. Suas motivações estavam presentes ainda no subconsciente, por isso, naquele momento, não poderiam mesmo ver que a sua decisão e seus votos não eram sin-ceros. De forma bastante clara, podemos perceber que nossos julgamentos huma-nos sobre a sinceridade não são muito confiáveis.

É possível a sinceridade se sustentar sozinha?

“Será que aquilo em que eu acredito realmente importa, contanto que eu este-ja sendo sincero?” Essa é uma pergunta que também pode surgir a partir do pressuposto de que a sinceridade é uma qualidade que se sustenta sozinha e que pode existir além da crença. Na verdade, de qualquer forma, esse não é o caso.

A sinceridade pressupõe a crença em alguma coisa ou a respeito de algo. Essa realidade é demonstrada em várias passa-gens bíblicas que usam a palavra sincera. O apóstolo Paulo, escrevendo aos crentes de Corinto, confessa: “O que receio […] é que a mente de vocês seja corrompida e se desvie da sua sincera e pura devoção a Cristo” (2 Coríntios 11:3).3 Observe que a sinceridade tem um objeto: Cristo. Em 2 Timóteo 1:5, também é usada a palavra “sincera” [conforme aparece na Nova Tradução na Linguagem de Hoje, e como “não fingida”, na Nova Versão Internacional, utilizada pela Diálogo]. Em 1 Pedro 1:22, aparece como “amor fraternal e sincero!”

Assim, para aquele que diz: “Eu sou uma pessoasincera!”, devemos, com razão, perguntar: “Sincera sobre o quê?” Ela poderá ser sincera na crença de que a sinceridade não importa. Alguns podem até ser sinceros em sua crença de que não são sinceros! Se isso soa confuso, esse é o ponto. A sinceridade deve estar ligada a alguma coisa para que tenha signifi-cado. É impossível ser sincero sem ser sincero sobre algo, e isso significa que a sinceridade e a crença não podem andar separadas.

A importância da crençaIsto leva ao que eu penso ser o pro-

blema mais gritante com relação à afir-mação de que não importa no que se acredita, desde que a pessoa seja sincera. O problema é simplesmente este: As cren-ças não importam porque aquilo em que nós acreditamos orienta o nosso comporta-mento. A ligação entre crença e compor-tamento – e a importância dessa ligação – pode ser ilustrada por um número de exemplos quase ilimitado.

Em 26 de abril de 1986, o rea-tor nuclear de Chernobyl, na União Soviética, lançou uma onda de radiação que matou mais de 4.000 pessoas e incapacitou mais de 70.000. A causa do desastre não foi a falta de sinceridade por parte dos especialistas nucleares sovié-ticos. Ao contrário, eles estavam exata-mente testando um dos quatro reatores de Chernobyl e acreditavam honestamen-te, sinceramente, que seriam capazes de controlar a taxa de fissão [ruptura]. Eles estavam errados! Ocorreu uma reação em cadeia, de forma descontrolada, e o reator explodiu. Os especialistas não eram pessoas más. Eles não estavam tentando envenenar o ambiente ou matar suas famílias e as pessoas que viviam nas proximidades. Eles eram sinceros. No entanto, sua sinceridade não os protegeu das consequências drásticas de sua crença equivocada de que oito hastes de bo- ro-carboneto seriam suficientes para con-trolar a reação nuclear em cadeia.4

Aqueles que estão mais familiarizados com a história médica sabem que até o primeiro semestre de 1800, médi-cos bem-intencionados examinavam e tratavam regularmente seus pacientes,

Para leitura adicional:Pete Briscoe, Belief Matters (Eugene,

Oregon: Harvest House, 2009).Timothy Keller, “here can’t be just one

true religion”, in The Reason for God (Nova Yorque: Dutton, 2008), 3-21.

James W. Sire, Why Should Anyone Believe Anything at All? (Downers Grove, Illinois: Inter Varsity, 1994).

John R.W. Stott, Your Mind Matters (Downers Grove, Illinois: InterVarsity, 1972).

Ellen G. White, “O Deus que Eu Conheço”, em Caminho a Cristo, 3ª ed. Enc. Tatuí, S.Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2003, p. 85-91.

Continua na página 31

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LIVROS

O livro Understanding Ellen White: The Life and Work of the Most Influential Voice in Adventist History [Entendendo Ellen White: A Vida e a Obra da Mais Influente Voz na História Adventista] é uma descrição, mas também uma apreciação do ministério profético de Ellen G. White, cofundadora da Igreja Adventista do Sétimo Dia. A contracapa traz uma declaração que resume, de forma bastante atrativa, a essência de todo o texto, afirmando que o amor de Deus, em Cristo, e o foco na Escritura foram os dois fios de ouro que teceram a experiência de vida da Sra. White. Esses dois tópicos permitem que os leitores no século 21 encontrem por si mesmos a conexão e inter-relação entre a necessidade do estudo pessoal da Bíblia e a importância do Espírito de Profecia para inspirar uma experi-ência nova e vibrante com Deus.

Merlin Burt, o editor do livro, aborda a tarefa com con-siderável experiência na área. Ele trabalha no Centro White desde 1993. Atualmente, é o diretor do Centro de Pesquisa Adventista da Universidade Andrews, no Michigan, diretor da filial do White Estate e professor de História da Igreja, tam-bém na Universidade Andrews. Burt reuniu magistralmente o trabalho de 15 autores diferentes, orientando os leitores através de uma ampla variedade de tópicos, pois, nesta era multicul-tural e de uso da internet, os membros da igreja mundial são confrontados com várias questões relacionadas ao Espírito de Profecia, em geral, e mais particularmente no que se refere a Ellen White.

A primeira parte do livro cativa a atenção dos leitores, uma vez que os orienta a partir de uma compreensão geral da pro-fecia e da inspiração nas Escrituras, ao dom de profecia mani-festado no ministério de Ellen White e sua autoridade, e às implicações para a vida da igreja. Esses capítulos fundamentais permitem que seus escritos sejam vistos como totalmente inspi-rados, embora devam ser vistos apenas da maneira em que ela viu: como a luz menor que conduz à luz maior, que é a Bíblia. Os capítulos introdutórios do livro também contêm os princí-pios básicos da hermenêutica (interpretativos) que governam os escritos de Ellen White que não podem ser ignorados durante a leitura de suas obras.

Os capítulos intermediários consideram os aspectos humanos dos profetas de Deus e a relação entre o desenvolvimento das doutrinas adventistas e Ellen White. Ser um profeta não sig-

Understanding Ellen White: The Life and Work of the Most Influential Voice in Adventist History Ed. Merlin D. Burt (Nampa, Idaho: Pacific Press, 2015; 253 páginas; brochure)

Revisado por Anna Galeniece

nifica que a pessoa não cometa pecados; significa, no entanto, que a pessoa, fraca como possa ser, torna-se um instrumento de Deus para testemunhar da Sua vontade como e quando Ele aprover para cumprir Seus propósitos. Na verdade, o leitor apre-ciará saber como Deus usou Ellen White como Sua porta-voz para falar em Seu nome, após dar-lhe mensagens específicas por meio de visões e sonhos.

No entanto, a mensageira e o trabalho que realizou durante toda a sua vida não foram isentos de crítica. Portanto, os capí-tulos apologéticos no livro apresentam uma defesa sólida contra as acusações feitas por seus detratores, como D.M. Canright, em sua época, e por outros críticos que continuam a divulgar suas opiniões negativas sobre o seu ministério.

O livro também chama a atenção para a compreensão pro-gressiva de White com relação a certas verdades doutrinárias (como a da “porta fechada”) e a várias questões sobre a saúde. Além disso, a contribuição de White para um melhor estilo de vida – especificamente o vegetarianismo – é claramente apre-sentado em sua progressão histórica, tornando assim o convite ao vegetarianismo uma experiência construída sobre o funda-mento da ética e da saúde, evitando os extremos da dieta.

O livro conclui com um esboço cronológico do Centro White, bem como o seu propósito e função em nossos dias. O Centro White enfatiza também a necessidade de uma utiliza-ção adequada da hermenêutica para compreender corretamente as mensagens dadas por Deus, à luz de várias ideias contempo-râneas que se infiltram na igreja. Neste capítulo, o leitor tam-bém poderá descobrir fortes argumentos, a partir de exemplos bíblicos, para mostrar que a “informação básica das visões de Ellen White [...] não podem ser submetidas ao raciocínio de mentes humanas falíveis” (p. 239). O último capítulo discute a pergunta: “Por que eu deveria ler Ellen White?”– E fornece respostas que estão se cumprindo.

Embora o livro seja um compêndio de 17 capítulos, escritos por diferentes autores, o tema, a linguagem e a estrutura do livro são coesos e de fácil leitura. Eu recomendo este livro como uma excelente ferramenta para que deseja conhecer melhor e compreender o ministério de Ellen G. White. Tanto os novos crentes, como os admiradores de longa data do dom de pro-fecia, que a Igreja Adventista declara possuir, vão achar que o livro é um excelente guia para a compreensão desse dom e os seus desafios. No final, o livro vai ser, verdadeiramente, um encontro que lembrará o leitor de uma promessa feita há muito tempo: “Tenham fé no Senhor, o seu Deus, e vocês serão sus-tentados; tenham fé nos profetas do Senhor, e terão a vitória” (2 Crônicas 20:20).

Anna Galeniece, DMin pela Universidade Andrews, é diretora da filial do Centro White na Universidade Adventista da África, Nairobi, Kenya, onde também lecio-na Teologia Aplicada e dá cursos sobre a vida e obras de E. G. White. E-mail: [email protected]

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O livro The Great Controversy and the End of Evil [O Grande Conflito e o Fim do Mal] traz um apanhado de textos que foram colecionados em homenagem a Ángel Manuel Rodríguez, jubilado recentemente, por sua atuação como diretor do Instituto de Pesquisa Bíblica da Associação Geral. Cada um dos 27 capítulos é de autoria de um escritor diferente. Gerhard Pfandl, diretor associado do Instituto de Pesquisa Bíblica, coordenou e editou o projeto.

Conforme expresso na legenda, a obra é fruto da compila-ção de estudos bíblicos e teológicos sobre um tema de inte-resse primordial, tanto para teólogos como para os estudiosos da Bíblia na igreja. O interesse no assunto decorre do fato de que o tema do grande conflito tem sido objeto de refle-xão por parte de autores cristãos durante séculos, e – o mais importante para os adventistas – tem sido a premissa geral de muitos dos escritos de Ellen G. White. Graças às suas percepções e às de autores adventistas que a sucederam, essa reflexão teológica pode bem vir a ser a grande contribuição do adventismo para o pensamento cristão em geral.

A vantagem de publicar volumes comemorativos em torno de um tema específico como este é que o tema geral é explo-rado a partir de uma ampla gama de perspectivas – neste caso, por colegas eruditos de Ángel Manuel Rodríguez, um fato que garante a sua total qualidade. Outras coisas são mais difíceis de alcançar, apesar da supervisão cuidadosa e organi-zação bem estruturada.

Muitos dos estudos são ensaios bíblicos com tratamentos exegéticos de determinadas passagens ou livros da Bíblia. Alguns desses estudos, embora relacionados com o objeto geral deste Apanhado de Textos, também nos conduzem em outras direções intrigantes. Os casos em questão são as novas tendências ao ateísmo moderno e à teodiceia (cap. 9), ou os surpreendentes resultados de uma comparação de livros dife-rentes, tais como Malaquias e Ester (cap. 7). Vários capítulos lidam com o livro de Jó e suas revelações sobre Satanás e/ou a ressurreição dos justos (especialmente os capítulos 2, 3, 4 e 21).

Assim como a perspectiva e ângulo de abordagem ao tema variam, o mesmo acontece também com o método de pes-quisa. Em alguns casos, é utilizado o método clássico, com cuidadosa revisão e avaliação de posições sobre um determi-

nado assunto, feito por meio de pesquisa bibliográfica, como o significado de pecado ou da purificação pelas ofertas, registrados em Levítico 4 e 5 (cap. 12), enquanto, em outros casos, o método é mais reflexivo e introspectivo, como na experiência pessoal da expiação, que se apresenta como um microcosmo do grande conflito cósmico (cap. 18).

Tendo em vista que os adventistas se sentirão grandemente atraídos por esse volume, devido à importância do tema nos escritos de Ellen G. White, vale a pena observar que seus escritores eruditos frequentemente pressupõem conhecimento e concordância com a narrativa de Ellen G. White sobre a origem do mal. Por exemplo, Daniel Bediako vê o termo “também” na frase “e Satanás também veio com eles” (Jó 1:6 NVI), como sugerindo “que ele já havia se rebelado contra o Senhor”. Embora o volume se baseie no conhecimento do conceito de Ellen G. White sobre o grande conflito, poucos capítulos tratam especificamente sobre isso. Como exceções dignas de menção, temos o capítulo 27, na descrição de Ellen White sobre os últimos dias e o fim do mal, e uma refutação da acusação de plágio por sua concepção do grande conflito, no capítulo 10.

Em alguns casos, os autores tentam fornecer ao leitor recursos apologéticos que podem ser utilizados não só para discussões sobre o grande conflito e a origem do mal, mas em outros contextos exegéticos, como por exemplo, quando argumentos linguísticos são revistos, os quais favorecem o significado da frase “e o Verbo era Deus”, em João 1:1 (cap. 16), ou a validade da tradução da palavra “virgem” para a mãe de Emanuel, em Isaías 7:13, 14 (cap 14).

O volume será bastante útil em várias áreas. Bibliotecas públicas e particulares vão se beneficiar com os estudos não só sobre o tema referido no título, mas também sobre muitos outros assuntos teológicos e exegéticos. O Índice Escriturístico (p. 297 a 309) se provará ser de grande utilida-de para aqueles que desejam tirar proveito de um conteúdo tão diversificado.

O volume irá beneficiar tanto os pesquisadores como os leitores dedicados ao pensamento reflexivo, que desejam aprofundar seus conhecimentos sobre o difícil tema da ori-gem do mal em um universo perfeito. Será também um material de leitura excelente para os adventistas em geral nas tardes de sábado.

Aecio E. Cairus, PhD pela Universidade Andrews, é professor de Teologia jubilado. Lecionou na Universidad Adventista del Plata, na Argentina; no Adventist International Institute of Advanced Studies (AIIAS), nas Filipinas, e trabalhou na Casa Editora Sudamericana, tam-bém na Argentina. E-mail: [email protected]

The Great Controversy and the End of Eviled. Gerhard Pfandl (Silver Spring, Maryland: Biblical Research Institute, Review and Herald Pub. Assn., 2015; 312 pages, hardcover)

Revisado por Aecio E. Cairus

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PRIMEIRA PESSOA

Ao entrar na universidade, não tinha a expectativa de ser uma missionária no campus. Fui determinada a estudar muito, manter-me firme na fé, servir à igreja da qual era membro e, talvez, par-ticipar de uma boa conversa aqui e ali. No entanto, através do Departamento Missionário da minha igreja e pelo meu envolvimento na União Cristã*, meus olhos se abriram para coisas que nunca pensei que fossem possíveis.

De início, devo fazer esta confissão: a afirmação feita pelo apóstolo Paulo aos Efésios tornou-se o desafio que assumi para me manter firme e alicerçada na minha jornada de fé: “Ora, Àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo o que pedimos ou pensa-mos, de acordo com o seu poder que atua em nós, a Ele seja a glória na igreja e em Cristo Jesus” (Efésios 3:20, 21).

O texto é uma lembrança perpétua a respeito da origem e contexto do que é a força espiritual: Deus e Sua missão. Paulo nos lembra que Deus não pode ser limitado pelas linhas divisórias do que nós pensamos que é possível. Na verdade, Sua capacidade vai muito além da nossa imaginação. E esse poder imensurável funciona dentro e através de nós.

O primeiro estudo da Bíblia que fiz foi com o Tom, um colega de curso. No início do estudo bíblico semanal, reali-zado na União, fui desafiada e movida por aquilo que estavam investigando. O estudo do grupo sobre Lucas me recolo-cou no foco tão intensamente que senti a necessidade de passar essa boa notícia a outros. Como o estudo tinha por obje-tivo ser compartilhado, e eu estava con-vencida de que realmente não poderia ser tão difícil, enviei um e-mail para o Tom. Ele não respondeu de imediato, mas, mais tarde, após uma de nossas aulas, ele se aproximou de mim e disse que gos-

taria de fazer o estudo. Fiquei surpresa. Eu ainda não tinha falado muito sobre minha fé com o Tom. Ele sabia que eu era adventista, mas nada mais que isso; e, no entanto, ali estava ele concordando em estudar a Bíblia comigo!

Muitas vezes imaginamos, ou, melhor dizendo, presumimos que as pessoas não estão interessadas no cristianismo. Mas a experiência me ensinou que é preciso nada mais do que um convite para despertar o interesse em alguém, a fim de juntar-se a nós em um estudo bíblico. Alguns dias mais tarde, na lanchonete do Student Union, Tom e eu estudamos o relato de Jesus e o homem paralítico, e conversamos sobre a verdadeira raiz do descontentamento humano, bem como a afirmação de Cristo em perdoar o pecado e as implicações para a Sua iden-tidade. Eu não conseguia acreditar que estávamos sentados em um lugar públi-co, falando sobre o pecado e o que Jesus poderia fazer em resposta a isso. Parecia inacreditável! Desde então, esse passou a ser o meu jeito de testemunhar.

Outro amigo que conheci era cris-tão. Ao longo de mais ou menos um ano, tivemos muitas conversas sobre os pontos mais delicados de nossas teolo-gias divergentes, enquanto insistíamos em demonstrar um ao outro o nosso amor por Jesus. Ele nunca tinha ouvi-do falar dos adventistas antes e achava que pareciam bastante estranhos. Uma noite, acabamos falando sobre o tema do inferno e, por fim, ele concluiu que deví-amos fazer um estudo bíblico sobre isso juntos. Eu me preparei para esse estudo como nunca antes. Estudei muito, tinha várias anotações, as quais li cuidado-samente, mas nosso estudo foi terrível. Começamos por Apocalipse e acabou bastante confuso.

Um pouco envergonhada, comecei a

orar. Queria desesperadamente conti-nuar os estudos, mas, após ter ido tão mal, não tinha coragem para convidá-lo novamente. Mesmo assim, continuava pedindo ao Senhor que meu amigo ini-ciasse outro debate. Cerca de uma sema-na e meia depois, recebi uma mensagem perguntando se eu gostaria de ir à igreja com ele no domingo à noite para ouvir o tema de uma série sobre o Apocalipse, quando o pastor estaria falando a respei-to do inferno. Deus havia respondido à minha oração, e concordei em ir.

Naquela noite, fomos para a igreja que ele frequentava; depois de ouvirmos o sermão, nós nos assentamos para discutir, e outras pessoas colocaram suas cadeiras em torno de nós. Lemos alguns textos, e ele, com muita humildade, afirmou que realmente não conseguia ver base para o eterno tormento na Bíblia. Fiquei extre-mamente surpresa – não podia acreditar no que estava ouvindo e nem conseguia conter a minha emoção. Ele ainda não se converteu à fé adventista, mas creio que Deus estava trabalhando em seu coração, e nossos estudos continuaram por muito tempo depois que nos formamos.

Sei que ainda necessito progredir muito – tropeço, cometo erros e apren-do ao longo do caminho – os anos que passei na universidade abriram-me os olhos para o fato de que Deus tem prazer em me usar para alcançar meus amigos, a despeito das minhas fraquezas. O Senhor não precisa de especialistas em evangelismo, mas simplesmente de servos que a Ele se rendam e estejam dispostos a ser usados por Ele. Nunca poderia imaginar que iria dialogar com meus amigos em uma ceia – ou seja, que nos assentaríamos para uma refeição e dis-cutiríamos temas bíblicos, cristianismo, a fé praticada por alguém, ou a própria falta de fé. Por várias vezes, esses encon-

Sou uma missionária no campusAlexandra Browne

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tros sociais levaram-me a organizar uma semana inteira de reuniões evangelísticas para estudantes internacionais ou para a minha universidade e a comunidade de contatos que desejavam ler a Bíblia comigo! Antes de ir para a universidade, nenhuma dessas coisas parecia possível.

Meus olhos foram abertos na univer-sidade, e eu sei que posso ser uma teste-munha em situações inesperadas. Deus fez infinitamente mais do que qualquer coisa que eu jamais poderia ter pedido ou imaginado. Eu me tornei uma mis-sionária no campus. Pude perceber então como o ministério no campus pode ser espiritualmente gratificante!

Alexandra Browne fez Estudos Clássicos na Universidade de Durham, no Reino Unido, e se for-mou em 2014. Ela está atualmente trabalhando para o governo local, em Chelmsford, Inglaterra, e anseia ver uma geração de estudantes que alcancem seus campi universitários seculares para Cristo. E-mail: [email protected]

(*) A União Cristã é uma organização não denomi-nacional que tem por objetivo reunir alunos cristãos com um propósito definido no campus. Um desses objetivos é atuar como uma extensão missionária da igreja local e dar a cada aluno a oportunidade de ouvir e responder aos apelos do evangelho.

cento. A febre puerperal (uma infecção no útero logo após o parto) matava pra-ticamente uma em cada cinco mães em alguns hospitais.5

Quantos de nós, hoje, iríamos querer que um desses cirurgiões nos operasse? Quantos de nós diríamos: “Bem, desde que os médicos sejam sinceros, eu não ligo para o que eles acreditam sobre a transmissão de infecções ou até mesmo sobre a anatomia humana. O que eles creem não importa!” Será que podemos dizer que não nos importa se os pilotos acreditam ou não no controlador de trá-fego aéreo, contanto que, sinceramente, queiram me levar de volta para casa? E acerca de um professor ou um pregador? Nós certamente queremos que eles sejam sinceros, mas também queremos algo mais.

Em todas as áreas da vida diária, espe-ramos que as pessoas estejam cientes do conhecimento que está disponível para elas. Queremos que estejam informadas para que possam, em seguida, ser capazes de agir em conformidade com cada caso específico. Em síntese, esperamos que elas saibam e acreditem no que é razoá-vel, e, em seguida, sinceramente, vivam em harmonia com essas crenças. Fazer o contrário é irresponsabilidade – e mesmo tolice.

O mesmo é também verdade na esfera da religião e da fé. O missiologista K. P. Yohannon conta a história de um comerciante que desembarcou em uma das ilhas do Pacífico Sul pela primeira vez. Esse comerciante começou a con-versar com o chefe da ilha e, ao notar uma Bíblia na casa do chefe, percebeu que os missionários já haviam visitado aquele local. O comerciante zombou do chefe dizendo: “Que vergonha!... Você deu ouvidos a essas coisas tolas ditas pelos missionários!” O chefe enfrentou o comerciante e disse: “– Você vê aquela grande pedra branca, lá? Aquela é uma pedra, onde apenas há alguns anos era usada para esmagar a cabeça de nossas vítimas para tirarmos o seu cérebro. Você vê aquele grande forno próximo dali? Aquele é o forno onde há poucos anos era usado para assar o corpo de

cada uma das nossas vítimas antes de nós as devorarmos. Se não tivéssemos escutado o que você chama de absurdo, desses missionários, asseguro-lhe que a sua cabeça já teria sido esmagada naquela pedra e o seu corpo seria assado naquele forno.”6

O que fez a diferença para o chefe? Suponho que nós concordaríamos que houve uma mudança positiva na vida do chefe, mas essa mudança não envolveu uma mudança da hipocrisia para a since-ridade. Ele pode ter esmagado crânios e preparado cérebros com grande sinceri-dade! Mas a diferença veio quando suas crenças mudaram e essas novas crenças levaram a uma mudança profunda e positiva em seu comportamento.

Não é preciso procurar muito para encontrarmos hoje pessoas que são fer-vorosas e sinceramente dedicadas a uma ideologia religiosa. Sua sinceridade é admirável, mas as suas crenças podem levá-las a atos desastrosos, como atar cin-tas explosivas em seu corpo e em seguida detonar esses explosivos no meio de uma multidão desavisada. O próprio Senhor Jesus advertiu-nos contra a paixão religio-sa cega, quando disse aos Seus discípulos que “de fato, virá o tempo quando quem os matar pensará que está prestando culto a Deus” (João 16: 2). Sinceridade certamente não é o suficiente. O que nós acreditamos é que é significativo. É importante para nós, é importante para os outros e é importante para Deus.

Em toda a Bíblia, vemos Deus ins-truindo cuidadosamente Seus seguidores sobre a melhor maneira de viver. Como disse o salmista: “Jamais me esquecerei dos Teus preceitos, pois é por meio deles que preservas a minha vida” e “A Tua palavra é lâmpada que ilumina os meus passos e luz que clareia o meu caminho” (Salmo 119:93, 105). Às vezes, pode não ser fácil entender as orientações dadas por Deus. Os crentes nem sempre concordam em todos os pontos da dou-trina, mas espera-se que examinem as Escrituras com oração e humildade para que possam ficar como aquele que “não

um após outro, sem lavar as mãos. Eles usavam instrumentos que não tinham sido esterilizados e o mesmo avental cirúrgico durante todo o dia, apesar do acúmulo de sangue e pus oriundos de procedimentos anteriores. Esses médicos eram sinceros em seu desejo de ajudar os pacientes, mas não entendiam como as infecções eram transmitidas. Não era de estranhar então que infecções mortais se espalhassem descontroladamente entre aqueles que eram submetidos a uma cirurgia. As amputações tinham uma taxa de mortalidade entre 40 a 45 por

Sinceridade ...Continuação da página 27

Continua na página 35

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LOGOS

A primeira pedraSoraya L. Homayouni

O desejo de levá-la à morte é revela-do ao amanhecer. Amanhecer, do grego orthros. Uma palavra frequentemente traduzida para o português como “de manhã bem cedo”, ou “de madrugada” (João 8:2)1, também uma representação vaga de quão perto do final da noite essa história inesperadamente acontece. Orthros não é nenhuma luz genérica. É quando se ouve o trinar do primeiro pássaro; é o momento divisório preciso em que a luz aparece se contrapondo à escuridão; é o nascimento “do primeiro raio de luz do amanhecer.”2

Assim que aquele raio começa a desa-fiar a completa escuridão da noite ante-rior, Jesus deixa o Monte das Oliveiras, deixando também para trás as árvores que tinham sido o Seu refúgio durante a noite, e Se encaminha para o templo (João 8:1, 2).

É quando Ele está assentado num dos terraços do templo, à luz ainda anêmica da manhã, falando de pérolas perdidas e filhos desgarrados, que aqueles que se opõem aos Seus atos e aos Seus ensinos trazem diante dEle uma mulher. Olhar para ela é pedir que os olhos acreditem no impossível. Ela é colocada no meio

dos Seus ouvintes, atraindo para si todos os olhares. O seu crime é propa-gado para toda a multidão. Ele alcança as fendas mais ocultas do pátio do tem-plo, morada solitária das aranhas e das sombras. As palavras a açoitam. Não há nenhuma tentativa para amenizar seus golpes. Ninguém da multidão se sente tocado pela agonia cruel que a atinge ao ouvirem seu mais mortal segredo exposto. Como ocorre frequentemente com aqueles que são julgados culpados, seus direitos à dignidade são anula-dos, juntamente com o sentimento de humanidade de seus acusadores.

Ali, em pé, cabeça baixa, tremendo, sua beleza instiga a multidão a exter-miná-la. Muitos desses homens, não muito tempo antes, estiveram ávidos por seu corpo. Agora estão sedentos por seu sangue. Ela fora pega no próprio ato. A lei diz que deve ser apedrejada. Como Jesus irá julgá-la?

Jesus parece não ouvir o que eles Lhe perguntam. Na verdade, Ele ouve cada palavra. Ele deve ter Se levantado quando a mulher foi conduzida e colo-cada diante dEle, como uma cabra a ser sacrificada. Por enquanto, Ele apenas

Se inclina – kupto, no grego – em dire-ção ao chão. Para baixo, mas também significa “para frente”, que pode derivar de kuma, uma palavra que pode sig-nificar “inclinar-se (com jovialidade), ou seja, se debruça, se curva; como um vagalhão (que se precipita ou derruba): – uma onda”.3 O vagalhão sugere um impulso firme e decidido para frente, uma força inevitável que não pode ser interrompida, assim como o coração de Jesus se agita e se inflama dentro dEle, diante das acusações que fazem, e transborda numa ira velada, gravada com Seu dedo no pó da terra.

Quando Seus acusadores não recebe-ram nenhuma resposta imediata vinda da parte dEle, continuaram instigando Jesus para que tomasse uma posição... até que Ele fica literalmente em pé, demonstrando que estava pronto a dar Seu veredito, tendo as mãos ainda sujas de terra. Ele então decreta: “Se algum de vocês estiver sem pecado, seja o pri-meiro a atirar pedra nela” (João 8:7).

O nítido contrasteNesse momento constrangedor do

julgamento, observe o forte contraste

Somente um Ser sem pecado poderia atirar a primeira pedra. Jesus é o único que possui essa qualificação. No entanto, onde está a Sua pedra? Suas mãos estão vazias e cobertas de pó. Seu coração está cheio de amor e graça. Suas mãos estão sempre estendidas para perdoar e abraçar.

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que há entre as mãos sujas de Jesus e as mãos exteriormente imaculadas dos acusadores. Em uma das mãos, cada acusador carrega a morte. O registro bíblico não diz explicitamente se eles seguravam pedras. As palavras de Jesus a respeito das condições para jogá-las, no entanto, implicam na existência das pedras em suas mãos, esperando apenas o momento para serem atiradas numa saraivada em forma de julgamen-to. Com a outra mão, cada acusador está livre para apontar o dedo para a mulher. A morte em uma das mãos. A condenação na outra.

Jesus não é tolo. É claramente uma armadilha. Esses homens não estão realmente interessados na culpa dessa mulher ou em levá-la a julgamento. Ela nada mais é que um instrumento, um meio para armarem uma cilada para que Jesus diga alguma coisa contra a lei e possa ser usada contra Ele. O fato contra ela é claro, o veredito é certo. Se ela for morta no processo utilizado para neutralizar a ameaça que Jesus representa para os sacerdotes, qual o problema? Essa mulher sabe dos riscos que corria ao desrespeitar a lei. Ela merece o que está pela frente. Se Jesus nada dissesse para libertá-la, Ele estaria colocando a lei em descrédito, com o risco de Sua própria vida. Jesus perce-beu isso. Aquelas pedras nunca foram trazidas para a mulher. Elas foram tra-zidas para Ele. Se Ele confirmar o que diz a lei – que requer a vida da mulher – então o sangue dela estaria em Suas mãos. Se Ele a libertar, desafiando a lei, eles O matam.

A tensão é violenta. Pesa sobre ela fortemente, como se as pedras que eles seguram a estivessem esmagando, lan-çadas todas de uma só vez. Jesus olha para Suas mãos sujas – sujas depois de ter escrito no pó da terra. Os acu-sadores da mulher foram de tal forma surpreendidos na celebração antecipada da vitória que teriam ao destruí-Lo, que mal olham para o que Ele estava escrevendo no pó da terra. Agora Jesus Se inclina novamente – Se curva como uma onda implacável – para o chão, e

escreve ao mundo.Escreve o quê?João não diz claramente. Mas como

acontece com as pedras, o conteúdo de Sua escrita, revelado no pó da terra, é sugerido pelo que acontece a seguir: “Os que ouviram foram saindo, um de cada vez, começando pelos mais velhos.” (João 8: 9). A palavra “ouvir” – akouo – tem, principalmente, um sen-tido auditivo, mas também envolve o significado “de entender”.4 O que esses homens entenderam, ao ouvir o ruído da escrita no pó da terra, para senti-rem que estavam condenados e saírem dali de repente? Antes desse versículo, João revela a resposta: “Inclinou-Se novamente e continuou escrevendo no chão”, e, “os que [akouo] ouviram” o som de Seu dedo escrevendo no chão leram as palavras e as entenderam. Como consequência, os acusadores dela – sua consciência os acusou – “foram saindo um a um”.

Correndo para salvar a própria vida

A palavra grega exerchomai, traduzida por “sair”, na versão New King James [e “foram saindo”, na Nova Versão Internacional], também pode ser inter-pretada de maneira mais impressiva como “escapar”,5 que pode significar fazer uma retirada apressada, correr para salvar a vida, como se estivesse em grande perigo. E de que perigo estavam os acusadores fugindo? Era da escuri-dão do coração de cada acusador que ali está revelada no pó da terra. Jesus havia escrito ao mundo os pecados dos acusadores da mulher para que todos pudessem ler, da mesma maneira que a haviam exposto perante o mundo. No entanto, nesse momento, Ele não fala dos pecados deles em voz alta, como falaram dos pecados dela. Nem os escreve permanentemente nas pedras que estão em suas mãos. Em vez disso, Ele os escreve no pó da terra, que é pas-sageiro. Em meio à traição que fizeram, brilha esse ato de misericórdia, prova do Seu desejo de salvar os acusado-res, assim como Ele salva aquela que

eles acusaram. “Jesus ficou só, com a mulher em pé diante dEle” (João 8:9). Entre Jesus e a mulher, estavam a seus pés os pecados de seus acusadores, já quase totalmente apagados pelo vento.

Chega então o momento em que ela deve morrer. Ela treme. As palavras de Jesus aos seus acusadores definem claramente o único meio pelo qual ela poderia morrer. Somente um Ser sem pecado deveria atirar a primeira pedra. Jesus é o único que possui tal qualificação. No entanto, onde está a Sua pedra? Suas mãos estão vazias e cobertas de pó. Pó, que é o elemento mais comum na Terra. No entanto, de acordo com o paradoxo do relato da Criação (Gênesis 2:7), foi o material escolhido, a partir do qual o ser huma-no foi esculpido para depois receber o sopro divino.

Que estranha contradição: seres humanos como pó vivo, pó que possui consciência, pó que recebeu o sopro de vida divino. É como se esse material tivesse por objetivo sempre nos lembrar: somos o mais humilde de todos os seres vivos na Terra. Somente o sopro divino pôde elevar a escultura feita do pó à imagem divina (Gênesis 1:26, 27). Que direito, então, o pó vivente tem de ati-rar pedras?

Do pejorativo para uma promessa

Isso levanta uma questão vital: por que Deus, o Onipotente, rebaixou Sua glória – colocando-a no pó, por assim dizer – ao utilizar esse material que é o mais elementar, sobre o qual ia moldar a imagem divina? Se Ele queria usar o pó como substância primária da nossa criação, poderia ter utilizado a poeira das estrelas – um componente mais elevado, mais perto do Céu, como que para lembrar à humanidade a sua inseparável ligação com Deus. Ou Ele poderia ter usado diamantes. Ou pedras. Não teria sido qualquer uma dessas matérias-primas mais dignas de um ser criado à imagem de Deus? Diamantes, embora cintilantes, bri-lhantes, não são moldáveis. A poeira

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ela. Declarou Jesus: ‘Eu também não a condeno; agora vá e abandone sua vida de pecado’” (João 8:11).

A palavra “vá”, do grego poreuomai, pode significar, em sentido figurado, “ir e morrer.”6 Ela também significa “viver”.7 Dietrich Bonhoeffer assim escreve de forma memorável: “Quando Cristo chama um homem, deseja que ele venha e morra.”8 A morte é uma necessidade espiritual.

Para que ocorra o nascimento de uma nova vida, é necessário que a velha vida morra – a fim de que haja um rompimento radical com o passado a que uma vez estivemos presos. Caso contrário, será impossível “jornadear, ou caminhar”9 tendo uma vida restau-rada. Então, “vá”, e, consequentemente, “morra”, é um convite para que “vá” e “viva”.

A graça faz com que seja possível responder a esse convite impossível. A graça – favor divino imerecido, o dom não suplicado nem merecidamente ganho da misericórdia e do perdão. A graça é a antítese do julgamento e da condenação. Bonhoeffer acrescenta ainda: “Enquanto o julgamento nos torna cegos, o amor ilumina a nossa visão. Ao julgar os outros ficamos cegos para o nosso próprio mal e também para a graça que é designada tanto aos outros como a nós também.”10

Novamente ele diz: “Temos de apren-der a considerar as pessoas menos à luz do que elas fazem ou deixam de fazer, e mais à luz do que elas sofrem.”11

Considere como o único Ser sem pecado Se recusou a destruir a vida de uma mulher pega com um homem que não era seu marido. Atente para a Sua compaixão por ela, por estar sofrendo e ferida em Sua presença pura. Quanto mais nós, que perdemos o senso da justiça, não deveríamos largar as pedras que seguramos em nossas mãos, prontas para punir os outros? Não deveríamos, muito mais, usar essas mãos para erguer os outros do pó, onde a dor e os golpes da vida ali os colocaram? Não deveríamos nós, muito mais, reconhecer claramente e cultivar

das estrelas tem origens tão distantes e elevadas como os céus, e de lá elas caem. Somente o pó da terra – comum, insignificante – quando é erguido pelo sopro divino que o desperta para a vida – revela a humildade necessária para a transcendência.

Deus escolheu a pedra para a Sua lei para mostrar que ela é eterna. O mesmo dedo que momentos antes traçou os pecados de cada coração no mesmo pó em que uma vez foi mol-dado, escreveu essa lei. Uma lei, que antes foi esculpida na pedra no alto de uma montanha. A lei que os acusadores usaram para condenar a mulher. A lei escrita sobre o mesmo material que eles tinham em suas mãos para acabar com a vida dela. Sendo a rocha mais dura do que o pó, o pó deve ceder à rocha e ao seu terrível veredito. Cabeça baixa, a mulher cruza os braços em volta de seu corpo empalidecido e aguarda o gélido beijo das pedras. O beijo da morte.

Não vendo mais ninguém, a não ser a mulher, “Jesus pôs-Se em pé e per-guntou-lhe: ‘Mulher, onde estão eles? Ninguém a condenou?’”(João 8:10)?

Mulher. Até agora, ela permanece sem nome. Quando seus acusadores se referem a ela como “esta mulher” que foi “surpreendida em adultério” (João 8:4), essa é uma tentativa para dimi-nuí-la, para desumanizá-la, definindo-a apenas por seu passado, uma trama calculada para não permitir que o cora-ção da multidão se movesse e sentisse por ela qualquer simpatia. Usada desta forma, é uma palavra que significava a desgraça dela e ressaltava a sua ver-gonha. Na boca de Jesus, a palavra se transforma. Deixa de ser pejorativa para transformar-se em uma promessa. A palavra reveste-se então do mais pro-fundo sentimento de emoção e respeito, reveladas na pergunta que Ele lhe faz: “Ninguém a condenou?” (João 8:10).

Ainda não se atrevendo a manter qualquer esperança, plenamente cons-ciente de sua culpa diante da lei, ela fala por meio de um momento de silêncio que tem o peso das pedras espalhadas a seus pés. “‘Ninguém, Senhor›, disse

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sem reservas o espírito dAquele que “é tardio em censurar, pronto a perceber o arrependimento, pronto a perdoar, a animar, a pôr o que se extraviou na vereda da santidade e a nela firmar-lhe os pés”?12

Soraya Homayouni, mestre de Belas-Artes em Poesia pelo Warren Wilson MFA Program for Writers, atua como editora associada das Lições da Escola Sabatina para Adultos na Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia. E-mail: [email protected]

REFERÊNCIAS 1. Todas as passagens bíblicas foram extraídas da

Nova Versão Internacional. 2. Mounce Greek Dictionary: 3722. 3. Strong’s Greek Dictionary: 2955; 2949. 4. Strong’s: 191. 5. Strong’s: 1831. 6. Strong’s: 4198. 7. bid. 8. Dietrich Bonhoeffer, The Cost of

Discipleship, www.goodreads.com/author/quotes/29333.Dietrich_ Bonhoeffer.

9. Strong’s: 4198. 10. Bonhoeffer. 11. Ibid. 12. Ellen G. White, O Desejado de Todas

as Nações (Tatuí – SP: Casa Publicadora Brasileira, 1990), p. 462.

e estudantes. O senhor é o primeiro adventista a ser escolhido como presidente de uma universidade médica pública na Romênia. É possível que o desejo de servir a Deus de maneira tão incomum influencie a mente de outros também. Como os jovens profissionais adventistas podem se preparar para atender a um convite como esse, caso venham a ter essa oportunidade?

Não a procure. Faça o seu melhor onde você está. Eu acho que não há receitas definidas para o sucesso ou para a promoção na carreira. O desen-

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volvimento – pessoal, intelectual, pro-fissional ou espiritual – é uma longa jornada que requer o máximo preparo e paciência. Cada oportunidade que se apresenta ao longo do caminho tem que ser agarrada e cuidadosamente cultivada. Em cada estágio, tente fazer o seu melhor para que as pessoas o res-peitem e em momentos críticos o reco-nheçam como um líder. A igreja precisa de líderes em todas as áreas, e os líderes precisam da igreja para mantê-los cor-retamente focados. Se você perceber que está em um beco sem saída, dê um passo para trás. Se estiver consciente de algum erro, não persista nele, mesmo que seja difícil admitir. Muitas vezes, nós só vemos o que esperamos ver. O sucesso em termos humanos não pode ser um alvo em si mesmo. Os custos inevitáveis e os riscos de um caminho como esse são justificados apenas por mudanças positivas reais, por proble-mas reais resolvidos desta forma.

O verdadeiro sucesso não é nem uma conquista imediata, nem um resultado obtido por acaso. A principal causa de nossos limites é o nosso medo de sonhar, a nossa relutância em confiar nAquele que “conhece o fim desde o princípio”, que espera que executemos a nossa pequena parte e permitamos que Ele tome todo o projeto em Suas mãos até a sua conclusão, às vezes de formas inesperadas. Embora possamos ter as nossas preocupações e medos, devemos viver nossos sonhos.

Adrian Bocaneanu trabalhou muitos anos como pastor e administrador da igreja na Romênia. É também o âncora do programa The Starting Point, no Hope Channel local, trans-mitido no país. E-mail: [email protected]

E-mail do Dr. Leonard Azamfirei: [email protected]

tem do que se envergonhar e que maneja corretamente a Palavra da verdade” (2 Timóteo 2:15). A luta para compreender-mos corretamente as orientações de Deus vale a pena. Quanto mais entendemos a vontade de Deus para nós, melhor vive-remos.

A vida de fé e sinceridadeEm 1 Pedro 1:21, 22, a importância

da crença, da obediência e da sincerida-de formam juntas uma bela unidade. O apóstolo Pedro escreve aos irmãos da igreja lembrando que, por meio de Cristo, “vocês creem em Deus”. Pedro, então, continua: “Agora que vocês purifi-caram a sua vida pela obediência à verda-de, visando ao amor fraternal e sincero, amem sinceramente uns aos outros e de todo o coração.”

Eu creio que Pedro faria o mesmo apelo a nós hoje. Possa a nossa crença em Deus nos levar à obediência, que será então expressa por meio do amor sincero e profundo de uns pelos outros. Se vivêssemos assim, seríamos pessoas mais felizes, seríamos pessoas melhores. O mundo seria um lugar mais feliz, um lugar melhor também.

Paul Dybdahl, PhD pela Universidade Andrews, é profes-sor da Faculdade de Teologia na Universidade de Walla Walla, EUA

Este artigo foi ligeiramente adaptado do livro Always Prepared (H. Rasi e N. Vyhmeister). Impresso com permissão.

REFERÊNCIAS 1. Merriam-Webster Online, s.v. “Sincere”, http://

www.merriam-webster.com/dictionary/since-re.

2. Todas as citações da Escritura foram extraídas da Nova Versão Internacional.

3. Em todos os casos, os itálicos foram utilizados como ênfase.

4. Judith Newman, “20 of the Greatest Blunders in Science in the Last 20 Years, “Discover”,

Outubro , 2000, acessado em 9 de abril de 2010, http://discovermagazine.com/2000/oct/featblunders.

5. “Antisepsis”, Discoveries in Medicine, http://www.discoveriesinmedicine.com/A-An/Antisepsis.html.

6. K. Yohannan, Revolution in World Missions (Carrollton, Texas: GFA Books, 2003), p. 111, 112.

Sinceridade ...Continuação da página 31

Formation, Southern Peru”, Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology 257 (2008): p. 344-360; R. Esperante, L. Brand, A. Chadwick, e O. Poma, “Taphonomy and paleoenvironmen-tal conditions of deposition of fossil whales in the diatomaceous sediments of the Miocene/Pliocene Pisco Formation, southern Peru – a new lagerstätte”, Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology, 417 (2015): p. 337-370; J.H. Whitmore e R. Strom, “Sand injectites at the base of the Coconino Sandstone, Grand Canyon, Arizona (USA)”, Sedimentary Geology 230 (Outubro 2010), p. 1-2: 46-59. DOI: 10.1016/j.sedgeo.2010.06.022.

3 L. Brand e R. Davidson, Choose You This Day: Why It Matters What You Believe About Creation (Nampa, Idaho: Pacific Press, 2013); L. Brand and A. Chadwick, Faith, Reason and Earth History, 3rd ed.; S. Meyer, Signature in the Cell (Nova Yorque: HarperOne, 2009); _____, Darwin’s Doubt (Nova Yorque: HarperCollins Publishing, 2013); Ellen G. White, Educação (Mountain View, California: Pacific Press Pub. Assn., (1952), 134; ____, Fundamentos da Educação Cristã (Nashville, Tennessee: Southern Pub. Assn., 1923), p.186.

Seja forte ...Continuação da página 18

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