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ESPAÇO SOCIALISTA Organização Marxista Revolucionária N° 91 Julho de 2016 Contribuição: R$ 2,00 É PRECISO ENFRENTAR OS ATAQUES DE TEMER. É POSSÍVEL VENCER! BALANÇO DO II ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO EDUCAÇÃO USINA BELO MONTE: A DESTRUIÇÃO DA NATUREZA E DA VIDA HUMANA MEIO AMBIENTE MATERIALISMO DIALÉTICO FORMAÇÃO - SÉRGIO LESSA A RESISTÊNCIA DOS TRABALHADORES FRANCESES CONTRA A REFORMA TRABALHISTA INTERNACIONAL DEFENDER OS NOSSOS DIREITOS! CONJUNTURA

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ESPAÇO SOCIALISTAOrganização Marxista RevolucionáriaN° 91 Julho de 2016

Contribuição: R$ 2,00

É PRECISO ENFRENTAR OS ATAQUES DE TEMER. ÉPOSSÍVEL VENCER!

BALANÇO DO II ENCONTRO NACIONAL DE

EDUCAÇÃO

EDUCAÇÃO

USINA BELO MONTE: A DESTRUIÇÃO DA

NATUREZA E DA VIDA HUMANA

MEIO AMBIENTE

MATERIALISMO DIALÉTICO

FORMAÇÃO - SÉRGIO LESSA

A RESISTÊNCIA DOS TRABALHADORES

FRANCESES CONTRA A REFORMA TRABALHISTA

INTERNACIONAL

DEFENDER OS NOSSOS

DIREITOS!

CONJUNTURA

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É PRECISO ENFRENTAR OS ATAQUES DE TEMER.É POSSÍVEL VENCER!

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GOVERNO TEMER: CONSERVADOR EANTI-TRABALHADOR

O governo Temer é uma tentativada burguesia de aprofundar as medidasde austeridade contra os trabalhadores.Para isso formou o seu ministério comtodos os partidos que – pelo menos noultimo período- estavam na oposição.PMDB, DEM, PSDB...a lista é grande.Busca assim construir uma basegovernista no congresso com númerosuficiente de parlamentares para aprovaras várias medidas exigidas pelo capital.

Na composição do ministério, omercado financeiro continua controlandoa política econômica, com HenriqueMeirelles (ex- presidente do Banco deBoston) à frente do ministério da fazendae Ilan Goldfajn no Banco Central (ligadoao Banco Itau). O secretário de políticaeconômica é Carlos Hamilton, adepto detaxas de juros altas e que antes de comporo novo governo estava no frigorífico JBS.No ministério da Previdência estáMarcelo Caetano, de ideias liberais edefensor de reformas na previdência. Amelhor imagem para a equipe econômicaé a de uma raposa tomando conta dogalinheiro.

Para completar, a agenda políticadesse governo está marcada pelaretomada e continuidade de projetosiniciados no governo Dilma: reforma daprevidência, ampliação das terceirizações,redução de gastos públicos para garantiro pagamento da dívida pública ereformas em leis trabalhistas. Esses sãoos componentes que caracterizam ogoverno como de continuidade e decaráter conservador e anti-trabalhador.Portanto, um governo que dedicaremostodas as nossas forças para combater.

AS VÁRIAS MEDIDAS CONTRA OSTRABALHADORES

- TERCEIRIZAÇÃO

Em uma reunião na FIESP, o homemforte do governo, Eliseu Padilha,defendeu publicamente a aprovação doprojeto que permite a terceirização detodos os setores das empresas, nãosomente das “atividades-meio” como éatualmente, áreas de manutenção,limpeza, segurança, mas também das“atividades-fim”. Claro que foi aplaudido

de pé pelos empresários,ávidos por explorar ainda maisos trabalhadores.

- L IMITANDO OS GASTOSPÚBLICOS

Se ano após ano, osgovernos vêm reduzindo asverbas para os serviçospúblicos, a partir da aprovaçãoda PEC 241/2016 (Proposta deEmenda Constitucional, ondeos gastos públicos não poderão estaracima da inflação do ano anterior) ascoisas podem ficar ainda piores.

O alcance dessa PEC é bastanteamplo. Gastos com saúde, educação eoutros serviços públicos, benefíciosprevidenciários (inclusive aaposentadoria), programas com moradia,etc, sofrerão restrições e ocorrerá aproibição da realização de concursospúblicos.

Hoje o governo federal é obrigadoa destinar no mínimo 18% do arrecadadopara a educação. Os estados e municípiosdevem aplicar 25%. Para a saúde, omínimo é o gasto no ano anterior mais avariação do PIB. Já nos estados 12% enos municípios 15%.

Mesmo com essa obrigatoriedade,a educação e a saúde públicas já estãoum caos, a tendência é que a situação seagrave.

O discurso do governo é oequilíbrio das contas públicas - condiçãopara o mercado financeiro continuar“confiante”- ou seja, o governo estágarantindo aos banqueiros que vai pagarfielmente a dívida pública. A regra é amesma: retirar dos que precisam dosserviços públicos para passar para osbanqueiros, agiotas e especuladores.

Nunca é demais lembrar (edemonstrar a continuidade da mesmapolítica econômica) que Dilma já tinhatomado medida semelhante, com aapresentação da “Reforma Fiscal”.

- REFORMA DA PREVIDÊNCIAAtualmente para o regime CLT a

exigência é que o trabalhador tenhacontribuído por 35 anos (homem) e 30anos (mulher). Mesmo sem impor umaidade mínima, ainda no governo FHCfoi criado o fator previdenciário como

forma de obrigar o trabalhador outrabalhadora a adiar a aposentadoria porconta da redução salarial. Frisa-se queLula e Dilma vetaram projetos de lei queacabariam com esse fator.

Pelo fator previdenciário o valor areceber fica deendendo da idade e daexpectativa de vida medida pelo IBGE.Na maioria dos casos há reduçãosignificativa do salário. Ou seja, mesmojá tendo contribuído o tempo necessárioos trabalhadores são “empurrados” atrabalhar por mais tempo e se aposentarcom salário integral. Caso se opte pelaaposentadoria quando completar o tempode contribuição o pagamento éproporcional.

A regra 85/95: quando a soma daidade e do tempo de serviço somam 85anos para mulher e 95 anos para homem.Exemplo: uma trabalhadora que jácontribuiu por 30 anos, para ter saláriointegral, teria que ter 55 anos de idade,somando os 85. Se começar a trabalharcom 15 anos (como é a maioria doscasos), significa que vai contribuir por40 anos. Para os homens a soma tempode contribuição e idade deve ser 95.

As coisas podem piorar ainda mais(o que não quer dizer que devemosaceitar as medidas em vigor).

Apesar de ainda não anunciadooficialmente, o governo Temer já disseque dará sequência à reforma daprevidência. A proposta é impor umaidade mínima para homens e mulherespoderem se aposentar. Cogita-se 65 anospara homens e 60 anos para mulheres.

E há também a proposta de ser amesma idade para homens e mulheres.

A exigência de menor idade paramulheres se aposentarem está ligada aofato de que historicamente as mulheres

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trabalham muito mais do que os homens.Além de vender sua força de trabalhopara empresas com salários menores,ainda há o trabalho doméstico e o cuidardos filhos e dos doentes da família, quesempre recaem sobre as costas dasmulheres.

- A MENTIRA DO DÉFICIT DA PREVIDÊNCIA

E A CHANTAGEM AOS TRABALHADORES

Os governos, os ditos técnicos eespecialistas (sempre ligados ainstituições financeiras), e os políticos,para tentar justificar a reforma perante apopulação, dizem que a previdênciaapresenta prejuízo todos os anos e porisso as aposentadorias no futuro estarãoameaçadas. E todos os dias a imprensaentrevista esses políticos e especialistas,sem ouvir o lado dos trabalhadores. Amentira se mantém.

Segundo a ANFIP (AssociaçãoNacional dos Auditores Fiscais daReceita Federal do Brasil), ao contráriodesse discurso, a Seguridade Social(formada pela Previdência Social,Assistência Social e Saúde) no ano de2014 apresentou R$ 53,9 bilhões de sobrano caixa. Em 2015 o superávit foi dequase 30 bilhões de reais, dinheirosuficiente para outros tantos programassociais ou o aumento dos benefíciosprevidenciários.

Não é de hoje a tentativa de fazermais uma reforma na previdência sociale, até o momento, os trabalhadores têmconseguido resistir. A continuidade dessaresistência é uma das lutas maisimportantes que se colocam no próximoperíodo, pois ela significará mais umataque a um direito conquistado commuita luta.

- A CPMF... MAIS IMPOSTO PARA OSTRABALHADORES

Inicialmente a CPMF (contribuiçãoprovisória sobre movimentação financeira)além de provisória era destinada à saúde.A maioria das pessoas apoiaram.

De provisória passou a serpermanente. E o governo, contando comesses recursos, reduziu as verbasdestinadas à saúde. Ou seja, aumentou oimposto mas o orçamento destinado àsaúde continuou o mesmo.

Agora, o Governo Temer estádefendendo o seu retorno. Mais uma veztemos que destacar que foi o governoDilma quem ressuscitou a ideia.

Se aprovada, em toda movimentação

financeira (cheque, saque, etc) haverácobrança de um “imposto”. Como asempresas repassam seus custos para osprodutos, na prática quem vai pagar esse“imposto” somos nós, trabalhadores.

ALIVIANDO PARA OS EMPRESÁRIOSEssas são só algumas das

pretensões do governo Temer. O capitalexige muito mais. E para que estegoverno tenha apoio do capital, vai terque ceder cada vez mais.

Todas essas medidas contra ostrabalhadores têm como objetivo“equilibrar” as finanças não para acabarcom o desemprego, melhorar a saúde ea educação, mas para permitir que osempresários continuem usufruindodesses recursos. Os investimentos paramelhorar a infraestrutura e depoisprivatizar, o incentivo à educaçãoprivada, o pagamento da dívida pública,os empréstimos para as grandes empresas,entre tantas outras, são formas defavorecer os capitalistas.

É assim porque na sociedadecapitalista o Estado e si existe exatamentepara favorecer os capitalistas. Esse é oseu verdadeiro caráter: manter adominação de classe, tirando dostrabalhadores para dar aos empresários.

O FORA TEMER E O “VOLTA,DILMA”

Com as medidas de retirada dedireitos, o conservadorismo e o “maisdo mesmo” com os partidos da basegovernista e ministros envolvidos nosescândalos da lava jato (até mesmo Temerfoi citado nas delações), pode-se dizerque o desgaste do governo Temer émuito grande, na mesma proporção dodesgaste do governo Dilma. A tendênciaé que o desgaste siga adiante, já que maismedidas “amargas” estão por vir.

Diante dessa situação, vários setoresdo movimento social – principalmenteos que têm influência do PT- têmorganizado mobilizações pelo ForaTemer. A última, dia 10 de junho, reuniualguns milhares. Em São Paulo a estrelafoi Lula, que se orgulha do fato de osbanqueiros “nunca terem lucrado tanto”.

Nós não estamos participandodessas mobilizações por pelo menos trêsrazões.

A primeira é o fato de elas teremem seu conteúdo o Volta, Dilma. E nãocabe a nós revolucionários etrabalhadores a defesa de um governoque articulou os principais ataques aosdireitos trabalhistas nos últimos anos;

A segunda razão é a ausênciacompleta das reivindicações históricas daclasse trabalhadora, como o nãopagamento da divida, contra a reformada previdência, entre outras. Aquitambém são óbvios os motivos, pois avolta de Dilma ao governo representariaa continuidade aos ataques que Dilmainiciou. Optam por não assustar oempresariado diante de uma possívelvolta do PT.

Por fim, mas não menos importante,o Fora Temer faz parecer que o problemados trabalhadores é esse ou aquelegoverno, como se com a saída de Temertodos os problemas estariam resolvidos,fomentando ilusões de que troca degovernos resolverá os problemas dostrabalhadores.

E também se o Governo Temersair, qual governo ocupará o seulugar?Dilma e o PT? Eleições? Algumdesses deputados?

AVANÇAR NA LUTA. LEVANTAR ABANDEIRA DA GREVE GERAL!Para nós o mais importante agora é

a luta obstinada em defesa dos direitosdos trabalhadores. Devemos nosentrincheirar junto à classe trabalhadorano combate à redução e/ou retirada deseus direitos já previstos pelo governoanterior e que serão aplicadas por estegoverno.

Assim, podemos impulsionar osdemais trabalhadores a enfrentar osmandatários do capital e todos osinstrumentos “democráticos”(Parlamentos, escolas e universidadespúblicas) e de Exceção do seu Estado (Justiça, Forças Armadas, polícias), comotambém aqueles que estão a seu serviçona sociedade (grandes meios de

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comunicação, entidades de classepatronais, Igrejas, entidades privadas deensino), assim como os paramilitares(mílicias, corpos de segurança privados eorganizações fascistóides, sejam da ultra-direita, sejam do crime organizado ).

A defesa de reivindicaçõesessenciais para a vida cotidiana dostrabalhadores, explorados e oprimidossão palavras de ordem transicionaisnecessárias para construir a ponte paraa estratégia da revolução socialista.

Enfim, não podemos alimentar ailusão de que há uma saída nos marcosda institucionalidade burguesa, das suaseleições bianuais e seus esporádicosplebiscitos.

Por isso o Fora Temer não nos serve.Em seu lugar reivindicamos a construçãopara a etapa de uma Greve Geral nacional,pautada na defesa dos direitos dostrabalhadores, incluindo o não pagamentodas dívidas públicas, a estatização dosistema financeiro e do comércio exterior,a reforma agrária sem indenizações contrao latifúndio e o agronegócio e a utilizaçãodos recursos para oferta de serviçospúblicos de qualidade.

As ocupações das escolas (SãoPaulo, Rio de janeiro, Ceará e Rio Grande

do Sul), do Ministério da Culturae Ministério da Saúde sãofenômenos, ainda que ultra-embrionários de organizações porfora do Estado burguês e quemostram que a Greve Geral estácolocada para a etapa. O própriochamado da CSP-Conlutas de umdia de Greve geral no Rio deJaneiro para o dia 06 de julho,aponta essa possibilidade, além decolocar a perspectiva de um ato nacionala ser realizado no Rio, no período dasOlimpíadas.

Porém, entendemos que todo esteperíodo de lutas acirradas e daconstrução de uma greve geral deve serapenas um momento na construção deuma revolução de orientação socialista,único meio capaz de superar todas asdesumanidades impostas pelaexploração/alienação do trabalho.

A NECESSIDADE DE UM PODERDIFERENTE...

A nosso ver, os revolucionáriosdevem sempre procurar construirarticulações entre as lutas imediatas e aluta pela revolução socialista.

A ausência da classe trabalhadora

Da década de 1970 até cinco de maiode 2016 estabeleceu-se um intervalo demais de quarenta anos, marcados entre osurgimento da ideia de exploração dopotencial energético do rio Xingu e ainauguração da hidrelétrica de Belo Monte,que fica localizada nas proximidades dacidade de Altamira, no norte do Pará.

Nesse período os conflitos,impactos e cifras acerca doempreendimento são gigantescos, talcomo a obra:

Ambiental : destruição dafloresta associada à construção da usina(o volume de floresta desmatadaencheria 40 mil piscinas olímpicas);inundação de uma área equivalente a um

terço de São Paulo (afetandodiretamente 440 espécies de aves, 259de mamíferos e com risco de extinçãode seis espécies de peixes) e seca dedeterminados locais (o canalconstruído diminuirá ao longo de 100km a vazão do rio), impactandodiretamente na fauna e flora; aumento

da retirada ilegal de madeira nasimediações da construção;

Social: êxodo migratório quelevou milhares de pessoas nos últimosanos a se mudarem para a região embusca de empregos; exploração doexército de trabalhadores da obra edemissões para os que se organizaramem greves exigindo melhores condiçõesde trabalho (que não tiveram “apenas”seus direitos desrespeitados, mastambém sua segurança, cujos acidentesna obra deixaram trabalhadores feridose mortos); precarização dos serviçospúblicos já deficientes devido aoaumento populacional; aumento dehomicídios, acidentes de trânsito, taxas

de reprovação e evasão escolar; remoçãoe realocação de milhares de famílias(cujas casas construídas em locais cominfraestrutura e saneamento básico nãoforam entregues);

Econômico: com custos acimade 30 bilhões, a empresa responsável porBelo Monte não tem conseguidoencontrar comprador para 900 megawattspelo preço exigido pelo banco que afinanciou, o BNDES, por ser um valoracima do mercado. Os prejuízos tendema aumentar uma vez que no período deseca, que dura seis meses, Belo Montenão poderá operar plenamente, gerandoem média 4.428 megawatts, ao invés de11.233 megawatts apresentado no projetooriginal;

Questão indígena: afetandodiretamente em torno de 24 gruposétnicos diferentes, pois a obra modificouprofundamente o espaço geográfico, comodesestruturou todo o sistema culturalindígena, através do chamado “planoassistencial”: verbas destinadas para o

BELO MONTE: INUNDAÇÃO CAPITALISTA SOBRE POVOS,TERRAS E ECOSSISTEMA

“A todo inimigo da fauna, da floraAquele que promove a poluição

Aos donos do dinheiro, a quem nos devoraAos ratos e gatunos de toda nação

Sim, vai pra toda essa gente ruimMeu desprezo, e será sempre assim”.

Alceu Valença

como sujeito é um dos problemas daatual situação política, abrindo espaçopara o governo e os empresáriosseguirem avançando contra os nossosdireitos e conquistas.

Achamos fundamental, a partirdestas lutas, ir construindo formas deorganização que juntem trabalhadores,ativistas e correntes políticas.

É neste sentido que semprereafirmamos a necessidade daconstrução de um encontro nacional deativistas para construir um programa eformas de organização para enfrentar asmedidas que o governo Temer tenta nosfazer engolir. É importante que esseencontro seja precedido de encontros debases, como forma de criar maiscondições para os trabalhadores de baseparticiparem.

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“empoderamento” desses povos que desequilibrou toda aestrutura da vida na aldeia, uma vez que as lideranças indígenasnão sabiam como lidar com o dinheiro recebido adquirindobens inúteis. Como consequências, podemos citar a interrupçãoda produção de alimentos, que deu lugar à compra de alimentosindustrializados levando a altos índices de desnutrição, o fimda medicina tradicional, o aumento do alcoolismo e aintensificação dos conflitos entre índios, ribeirinhos e grileiros.

Com a justificativa da necessidade de se evitar uma crisee produzir energia para assegurar o desenvolvimentoeconômico e social do Brasil, Belo Monte foi implantadasob a resistência de povos indígenas, movimentos sociais eambientalistas. A evidência de que a energia de Belo Montenão tem como prioridade o benefício da população está clarauma vez que a maior parte de sua produção será destinadapara atender as demandas das indústrias de alumínio.

As recentes denúncias dos esquemas de propina –existentes entre as empreiteiras responsáveis pela construçãoda usina, o PT e o PMDB por meio de doações para ascampanhas eleitorais de 2010, 2012 e 2014 – expõe a lógicaque rege o sistema capitalista: privatizam-se os lucros e socializam-se os prejuízos.

A obtenção de energia por meio de hidrelétricas, além deter custos extremamente elevados, alteram profundamente osecossistemas e, no caso de Belo Monte, ferem mais uma vez odireito de povos indígenas que historicamente foram dominados,explorados, assassinados e retirados de sua terra.

Defendemos o uso de fontes renováveis e sustentáveiscomo energia eólica, solar ou de biomassa cujas capacidadesenergéticas se mostram muito mais eficientes se comparadascom usinas hidrelétricas, principalmente em períodos de seca,quando essas diminuem sua capacidade de produção.

Sabemos que os prejuízos da destruição dos povosindígenas e da crise ecológica causarão percas incalculáveis econsequências devastadoras. Acreditamos que se faz urgentea discussão e entendimento da questão ambiental e a articulaçãoda classe trabalhadora na luta contra o etnocídio (1) indígena ea destruição ambiental, uma vez que os desastres provocadospor Belo Monte, tendem a se repetir com o rio Tapajós, ondetramita um projeto de construção de um complexo hidrelétrico.

Pelos direitos dos povos indígenas, pela preservação dabiodiversidade e pela classe trabalhadora tão explorada quantoos recursos naturais e tão agredida como os povos indígenas.

Nota:(1) Destruição da civilização ou cultura de uma etnia por outrogrupo étnico.

MATERIALISMO DIALÉTICONo Jornal nº 84, tocamos no tema do

materialismo histórico. Argumentamos,então, que a concepção materialista demundo apenas pode se tornar superior àsconcepções idealistas nas novascondições históricas trazidas pelaRevolução Industrial (1776-1830) e aRevolução Francesa (1789-1815).

Antes dessas duas revoluções, associedades de classe eram o meio maisadequado para o rápido desenvolvimentodas forças produtivas e, por isso, as classesdominantes apareciam na vida cotidianacomo as “verdadeiras” classes produtoras.

Nas sociedades de classe, são elas,de fato (e não os trabalhadores) queorganizam a produção, o Estado, a

ideologia e o conjunto da vida social.Como, nas sociedades de classe, temos aseparação do trabalho intelectual (isto é,aquele que organiza a produção e asociedade como um todo) do trabalhomanual (aquele que converte a naturezaem toda a riqueza social) isso gerava – eainda gera – a ilusão de que seriam asconcepções e valores da classe dominantea base da vida material e, portanto, seria aideia que organizaria a matéria. Na relaçãoentre ideia e matéria, a primeira seriapredominante. Esta a origem histórica dosgrandes sistemas filosóficos idealistas,desde os gregos até Kant e Hegel.

Além de idealistas, estes grandessistemas tinham, ainda, uma segunda

característica importante: eram dualistas.Como a ideia não poderia vir da matéria,a ideia deveria ou ter sido criada por Deus(Agostinho, Tomás de Aquino) ou dadaaos humanos pela natureza (os gregos,os pensadores do Período Moderno,etc.). Haveria, portanto, duas esferasdistintas: a ideia, o espírito, de um ladoe, de outro, a matéria. E, na relação entreas duas esferas, a ideia determinaria amatéria, a consciência determinaria aexistência: o Mundo das Ideias em Platão,o Logos em Aristóteles, Deus dosmedievais, o Espírito de Hegel, etc. –em que pesem as enormes e importantesdiferenças entre esses pensadores.

Verdade que há, quanto ao dualismo,

SÉRGIO LESSA

Desmata minas, a amazônia, mato grossoInfecta solo, rio, ar, lençol freático

Consome, mais do que qualquer outro negócioUm quatrilhão de litros d’água, o que é dramático

Por tanto mal, do qual vocês não se redimemPor tal excesso que só leva à escassez

Por essa seca, essa crise, esse crimeNão há maiores responsáveis que vocês

Eu vejo o campo de vocês ficar infértilNum tempo um tanto longe ainda, mas não muito

E eu vejo a terra de vocês restar estérilNum tempo cada vez mais perto, e lhes pergunto

O que será que os seus filhos acharão deVocês diante de um legado tão nefasto

Vocês que fazem das fazendas hoje um grandeDeserto verde só de soja, cana ou pasto?

[...]Que a mim não faria falta se vocês morressem

Esse sistema, que nos causa tanto traumaTalvez enfim a terra assim encontrasse calma

Chico César

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uma importantíssima exceção. No século17, na Holanda de Rembrandt, HugoGrotius, Vermeer e Erasmo de Roterdã,Espinosa elaborou um sistema bastantepeculiar que, embora idealista, não eradualista. Sua ideia básica era a seguinte:apenas pode haver uma única substânciano universo. Pois, se houvesse mais deuma substância, uma teria que ser a causada outra e, como o que é causa de algonão pode ser também causado por estemesmo algo, deveria haver infinitassubstâncias com infinitas causas: Deusnão poderia ser a causa única de tudo oque existe. Portanto, raciocina ele, apenaspode existir uma única substância, Deus,que, por isso, coincide com tudo o queexiste, com toda a natureza. Para ele, porisso, não haveria duas substâncias, matériae espírito, mas apenas uma: “Deus que éa natureza”. Espinosa é idealista, contudo,não é dualista. Exceto esse casoimportante, todas as ontologias(concepções de mundo) idealistas eramtambém dualistas.

Vimos, também no Jornal EspaçoSocialista nº 84, que o materialismomarxiano rompe com esse dualismo eabre a possibilidade de uma formasuperior, mais desenvolvida, deconhecimento de tudo o que existe, douniverso ao ser humano.

Pela descoberta do trabalho como aatividade humana que, ao distinguir osseres humanos da natureza, é fundantede toda a nossa história, Marx e Engelspuderam argumentar como, do serinorgânico, se desenvolveu a vida ecomo, dessa, surgiu o mundo doshomens. Puderam demonstrar que emcada passagem temos um salto dequalidade, um salto ontológico diriamLukács e Mészáros, no qual a mesmamatéria anteriormente existente seorganiza em formas superiores, compropriedades e qualidadesessencialmente novas.

A vida é uma forma superior damatéria inorgânica e, o ser humano, umaforma superior da matéria orgânica. Asideias, os pensamentos, os sentimentos,os projetos idealizados, a subjetividadede cada indivíduo nada mais são queformas superiores de organização damatéria: daqui o materialismo de Marx ede Engels. Tudo o que existe é matériano seu movimento de evolução histórica,como já argumentamos no Jornal nº 84.

Essa concepção materialista e

unitária, que supera as concepçõesidealistas e dualistas anteriores, é tambéme ao mesmo tempo uma redescoberta dadialética. Por isso, com razão, muitasvezes o pensamento de Marx e Engelsé denominado de “concepção materialistadialética”. Todavia – e voltaremos a issomais abaixo – não raras vezes, desde ostempos de Kautsky e Lenin até os nossosdias, o materialismo histórico e omaterialismo dialético são tratados comoduas coisas distintas. Os conhecidosmanuais stalinistas são ricos de exemplossemelhantes. Neles, a dialética éapresentada como se fosse as leis dalógica do bem pensar, algo mais próximode Aristóteles e Bacon do que de Marx.

O materialismo seria da história e adialética seria apenas um modo corretode pensar, como se fosse uma “lógica”do pensamento, um método cujaaplicação garante a verdade. Veremosque essa separação entre a dialética(restrita ao pensamento) e o materialismo(restrito à realidade) é completamentedistinta do que Marx e Engelsdescobriram.

DIALÉTICA E MATÉRIAVoltemos ao princípio do princípio:

com a expansão do universo temos aformação da matéria inorgânica tal comoa conhecemos composta por elétrons,prótons e nêutrons, átomos, moléculas,etc. Essa expansão deu também origema todas as propriedades da matériainorgânica. Surgem assim os inúmerosprocessos da química e da física quecompõem a história da matériainorgânica.

Nessa evolução da matériainorgânica já se manifesta a sua dialética.Evolui do simples ao complexo porprocessos químicos e físicos que,sempre, resultam em algo distinto ao seuponto de partida. A molécula de água éo resultado da reação química quecombina dois átomos de hidrogênio a umde oxigênio, o ácido sulfúrico ao reagir

com o ferro resulta em sulfato deferro e libera hidrogênio, e assimsucessivamente.

Esta evolução do simples aocomplexo também é resultante de umsegundo movimento dialético damatéria: ao se combinarem em umatotalidade (isto é, em um todoarticulado no qual cada parte serelaciona com todas as outras partes)a interação entre os elementos

termina por dar origem a algumasqualidades da matéria, que não existiamantes dessa interação. Tanto o ácidosulfúrico quanto o ferro, tanto a ohidrogênio quanto o oxigênio dos nossosexemplos possuem qualidades quesequer se aproximam das da água ou dasdo sulfato de ferro. Esse segundomovimento dialético é expresso dizendo-se que a “totalidade é mais do que a soma,é a síntese das partes em totalidade”. Atotalidade do hidrogênio em interaçãocom o oxigênio possui as qualidades daágua que são distintas das qualidadesdesses gases isoladamente e assim pordiante.

Esse movimento real, objetivo – queindepende da consciência e da ação dosseres humanos para existir – faz parteda dialética da matéria inorgânica. Adialética inorgânica corresponde aomovimento real da matéria inorgânica. E,se quisermos ref letir em nossaconsciência esse movimento precisamospensar dialeticamente, isto é, reproduzirna consciência o movimento da matériareal, que existe independentemente danossa subjetividade. Veja, precisamospensar dialeticamente porque omovimento da matéria inorgânica é adialética do inorgânico.

Algo similar ocorre com a matériaorgânica. Uma determinada combinaçãodos átomos e moléculas produzidos pelodesenvolvimento da matéria inorgânicagera uma totalidade que produz uma novaqualidade, uma nova propriedade.Diferente das reações químicas e físicasque produzem sempre algo distinto doseu ponto de partida, agora temos areprodução biológica que produz sempreo mesmo ser (manga, da mangueira quedá mangas etc.). A reprodução do mesmorequer processos que não existiam antes:na produção de energia no interior dosseres vivos, etc. surgem moléculas quenão existiam antes (RNA, DNA etc.), oplaneta Terra se cobriu de seres vivos

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em poucos bilhões de anos e a seleçãonatural passa a ser a lei mais geral dareprodução da vida.

Vejamos isso com mais vagar.A matéria viva possui dois

movimentos da matéria que não existiamno ser inorgânico. O primeiro movimentoé a passagem do ser inorgânico à vida,isto é, o arranjo, em uma nova totalidade,capaz de reprodução biológica, dosprocessos inorgânicos e dos elementosinorgânicos surgidos pela evolução douniverso. Essa passagem corresponde aosurgimento de uma nova essência: frenteà essência da matéria inorgânica sedesenvolve a essência da reproduçãobiológica. A vida não pode ser reduzidaà matéria inorgânica (mesmo que, comovimos, seja formada pelos átomos emoléculas de origem inorgânica). Osurgimento de uma nova essência édenominado “salto de qualidade”(Engels) ou “salto ontológico” (Lukács),como já mencionamos.

Além do salto ontológico, aevolução da vida possui ainda outracaracterística que não é encontrada namatéria inorgânica. Em larga medida, aeficiência maior ou menor das diferentesformas de vida em realizar a suareprodução biológica determina suasobrevivência na concorrência com osoutros seres vivos: os menos eficientesvão sendo substituídos pelos maiseficientes em um processo denominadopor Darwin de seleção natural.

A seleção natural ao lado do saltoontológico, que é o nascimento e a mortedos organismos, são dois movimentosque a matéria orgânica possui denovidade em comparação com o serinorgânico. Ou, para colocar em outraspalavras, a dialética da matéria inorgânica,além vários de processos químicos efísicos que se originaram da evoluçãodo inorgânico, possui ainda dois

movimentos inéditos: o salto ontológicodo inanimado à vida (o nascimento e amorte) e a seleção natural.

Obviamente, o fato de a vida surgirdo desenvolvimento da matériainanimada faz com que várias daspropriedades desta última estejampresentes na vida. Também nos seresvivos temos reações de oxirredução,também neles a reação de ácido e baseresulta em sal+água e assim por diante;também o fato de a totalidade ser asíntese (e não a soma) dos seus elementosé uma característica presente noinorgânico e na vida. E, além disso, deque tal como a matéria inanimada,também a vida possui a tendência deevoluir de formas mais simples a formasmais complexas.

Há, portanto, uma continuidadeentre a dialética do inorgânico e adialética da vida. Essa continuidade serealiza através de um salto ontológico –ou um salto de qualidade, o que sepreferir – não é um paradoxo já que avida apenas pode surgir por meio de umsalto ontológico que é resultante dodesenvolvimento da matéria inorgânica.

Dialeticamente (ou seja, nomovimento da própria matéria)continuidade e ruptura (salto ontológico)se articulam como partes de um mesmoprocesso histórico, qual seja, a evoluçãoda matéria inorgânica em uma matériaorgânica.

Em outras palavras, a vida não podeser reduzida à matéria inorgânica e, nãomenos verdadeiro, não pode existir semter permanentemente por sua base amatéria inanimada. A dialética da vida nãoé redutível à dialética do inorgânico,ainda que não possa existir sem ter porbase o inorgânico.

Uma vez mais: quando se trata dereproduzir na consciência as qualidadesda vida precisamos reproduzir em nossasideias a dialética da vida, a gênese e aevolução da vida. Precisamos pensardialeticamente porque a dialética é omovimento da matéria. Ao fim e ao cabo,porque a existência determina aconsciência.

DIALÉTICA E HISTÓRIA DAHUMANIDADE

A gênese da humanidade tem lugarquando um grupo de primatas adquire acapacidade de trabalho. Discutimosalguns aspectos importantes dosurgimento do trabalho nos Jornais

Espaço Socialista nº 83 e nº 84 e, porisso, seremos agora bastante breves.

Todo ser vivo precisa transformaro ambiente no imprescindível à suareprodução biológica, o mesmo ocorrecom os seres humanos. A diferença entrenós e todos os outros seres vivos é aforma pela qual realizamos essatransformação: pelo trabalho. Através dotrabalho, ao transformarmos a naturezatambém transformamos nossa substânciasocial e, deste modo, evoluímos dasociedade primitiva ao capitalismo denossos dias.

A passagem da evolução da vida,determinada pela seleção natural, para ahistória da humanidade é, também, um saltoontológico ou um salto de qualidade.Agora, o movimento da matéria social édeterminado pela reprodução social (quepassa do modo de produção primitivo aomodo de produção capitalista, pelamediação dos modos de produção asiático,escravista e feudal). A história humana é ocomplexo processo de reprodução socialque sintetiza (lembre-se: a totalidade é asíntese, não a soma, dos seus componentes)os atos humanos singulares nas tendênciashistóricas mais universais.

Ou seja, com o surgimento dahumanidade temos, uma vez mais, osurgimento de uma nova essência: o queirá determinar a evolução humana nãomais será a passagem para formassuperiores da matéria inorgânica, mas apassagem de uma forma de trabalho aoutra mais eficiente, mais eficaz ao retirarda natureza aquilo que necessitamos.

Do trabalho de coleta, passamos aotrabalho proletário dos nossos dias, pelasmediações todas da história (escravismo,feudalismo, etc.). A história deixa de sera evolução biológica do gênero Homo epassa a ser a sucessão dos modos deprodução da sociedade primitiva aosnossos dias, bem como dos indivíduosque os compuseram. Temos uma novaessência: da reprodução biológica,passamos à reprodução social.

Essa essência que se expressa nareprodução social possui trêscaracterísticas fundamentais (o fato deserem fundamentais não significa que seapresentem de forma linear, nãocontraditória) que se desdobram ao longode toda a história da humanidade.

A primeira corresponde a que,quanto mais desenvolvemos nossascapacidades, nossas forças produtivas,

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menos peso desempenham os fatoresnaturais na evolução das sociedades. Ofato de termos por base um animalbiológico (o Homo sapiens), de areprodução biológica permanecer umacondição indispensável para areprodução social, implica que os fatoresnaturais não podem ser eliminados denossa história, podem apenas perder aimportância que possuíam no passado.Essa primeira característica édenominada por Marx e Lukács de“afastamento das barreiras naturais”.Afastamento, e não eliminação, pelo fatode que a natureza permanece uma eternabase para qualquer reprodução social.

A segunda característica é odesenvolvimento de relações sociais queabarcam uma parcela cada vez maior dahumanidade. De um ponto de partidaformado por pequenos bandos, queviviam isolados um do outro; partindode um início em que o sucedido em umcontinente nada tinha a ver com o quetinha lugar em outro, chegamos a umponto da história em que a humanidadese unificou em uma única história. Desdeo surgimento do mercado mundial, comas Grandes Navegações (1450-1650), atéa “mundialização do capital” dos nossosdias, afirmou-se – com avanços e recuos,com contradições – a tendência àarticulação de toda a humanidade em umúnico processo histórico. Hoje, nenhumdos grandes problemas da humanidade,do patriarcalismo ao desemprego, dadestruição do planeta à crise estruturaldo capital, pode ser enfrentado local ounacionalmente.

A terceira característica importanteé que tanto o afastamento das barreirasnaturais e tanto o desenvolvimento dasforças produtivas quanto a unificação dahumanidade em uma única históriarequerem e possibilitam que os indivíduosdesenvolvam cada vez mais as suaspersonalidades. Quanto mais diferenciadasas ações, as atitudes que o indivíduoprecisa tomar no dia a dia, quanto maiscomplexas as escolhas que precisa fazerao longo de sua vida, quanto mais oindivíduo precisa desenvolver suassensibilidades, suas capacidades parapensar e avaliar o mundo em que vivetanto mais precisa desenvolver suapersonalidade enquanto ser humano.

A história dos indivíduos vaiincorporando cada vez mais tanto oafastamento das barreiras naturais quanto

possibilidades enecessidades que brotam datotalidade da humanidade.As possibilidades e asnecessidades dodesenvolvimento dosindivíduos não param decrescer desde o períodoprimitivo até os nossos dias– em que pesem todas asalienações ao longo dahistória e mesmo quelevemos em conta que é essa umatendência plena de contradições edesigualdades.

A consciência dos indivíduos, dasclasses sociais e da humanidade vai seaproximando cada vez mais do que omundo objetivamente é: a forma superiorde organização da matéria que é o sersocial possibilita, pela primeira vez, quese tenha consciência do que o universoé de fato.

Contudo, de modo semelhante aoque vimos na relação entre a vida e amatéria inorgânica, também na relação doser social com a natureza temos duasrelações básicas: a sociedade não podeser reduzida à natureza e, contudo, háelementos de continuidade que asarticulam. Por exemplo, sem areprodução biológica dos indivíduos nãohá reprodução social possível, sem osprocessos químicos e físicos não háhumanidade, etc., etc.

Veja: as leis da dialética são asistematização em teoria (um reflexo naconsciência) das leis mais gerais dodesenvolvimento histórico – tanto danatureza quanto da humanidade. Dessasistematização se desenvolve a concepçãode mundo dialética de Marx e de Engels:nada existe que não seja histórico e tudoo que existe é matéria. A dialética (as leismais gerais da história) e o materialismo(nada existe que não seja resultante dodesenvolvimento da matéria) são“determinações da existência” (Marx) deum único e mesmo mundo objetivo e,por isso, ao serem sistematizadas em teoriaarticulam-se de modo inseparável naconcepção revolucionária de Marx eEngels. Aqui, contudo, se iniciam umasérie de graves problemas.

A DIALÉTICA CONTRA A HISTÓRIAAdmitindo-se muitas e importantes

exceções, não é uma falsidade afirmarque, ao longo do século 20, boa parte(senão a maior parte) das teorias marxistas

foi abandonando essa concepçãomaterialista-dialética original.

Há várias razões históricas para essefato, desde o fato de as revoluções doséculo 20 não terem tido a possiblidadehistórica de abrirem a transição aosocialismo e ao comunismo, até o fatonão menos expressivo de o capitalismoter propiciado o desenvolvimento daaristocracia operária e o aumento dopeso social dos assalariados nãoproletários, ampliando significativamentea base social para as concepçõesreformistas de todos os naipes.

É importante realçar esse aspecto:trata-se de um fenômeno ideológico eteórico tão generalizado, que envolveuuma quantidade tão variada de situaçõeshistóricas e de indivíduos – e por tantasdécadas – que o abandono da concepçãooriginária de Marx e Engels não podeser reduzido a fenômenos nacionais oua uma ou outra individualidade.

Essencialmente (portanto, deixandode lado fatores importantes, ainda quenão tão essenciais) porque para sedefender como socialista ou comocomunista a antiga URSS (ou mudandoo que deve ser mudado, defender hojecomo socialista a China, ou Vietnam oumesmo Cuba) implicava no passado, eimplica hoje, duas consequências. Aprimeira: revisar na essência o que Marxe Engels concebiam como socialismo ecomunismo. Deveria ser recusada comoutópica a concepção originária, segundoa qual o socialismo seria a transição aocomunismo e que esse seria umasociedade sem classes, sem Estado, semfamília monogâmica e sem a exploraçãodo homem pelo homem.

A segunda: é que é preciso velar ofato de que na ex-URSS (bem como naChina, Cuba ou Vietnam do presente) aeconomia se baseava e se baseia naexploração do trabalho e que, por isso,era uma economia fundada na

“A CONSCIÊNCIA DOS INDIVÍDUOS, DAS

CLASSES SOCIAIS E DA HUMANIDADE VAI

SE APROXIMANDO CADA VEZ MAIS DO QUE

O MUNDO OBJETIVAMENTE É: A FORMA

SUPERIOR DE ORGANIZAÇÃO DA MATÉRIA QUE

É O SER SOCIAL POSSIBILITA, PELA PRIMEIRA

VEZ, QUE SE TENHA CONSCIÊNCIA DO QUE

O UNIVERSO É DE FATO”

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propriedade privada. Era preciso velarque, por isso, tratava-se de umasociedade de classe, ainda que um poucodiferente das sociedades burguesasporque as “personificações do capital”eram os burocratas e, não, osproprietários privados típicos da ordemdo capital. Por fim, era preciso esconderque tanto lá quanto nos países capitalistastípicos a mercadoria (com seufetichismo) era a relação social maisuniversal.

Foi por essa evolução que surgiu o“marxismo vulgar”, aquele “marxismo”que se converteu em instrumento depropaganda política (no sentidopejorativo) ao invés de cumprir a funçãoe compreender o mundo para auxiliar atransformá-lo. Claro que esse marxismonada tem a ver com o pensamento deMarx e Engels e, a seguir, de RosaLuxemburgo, Lenin e Mészáros. Suavariante mais significativa é o stalinismo.Por essa via, a dialética vai sendotransformada. Deixa de ser o movimentoda matéria, o desenvolvimento darealidade objetiva (que o pensamento

deve se esforçar por refletir)e vai se convertendo em“regras lógicas” a partir daqual seria possível “deduzir”a história, ao invés deinvestiga-la.

É assim que em muitosmanuais de marxismo dosnossos dias o materialismodialético e o materialismohistórico são dissociados. Oprimeiro é uma “lógica do bempensar”; o segundo, a história

deduzida por meio dessas leis lógicas.Estuda-se, assim, a dialética apartada dahistória, como se fosse um conjunto deregras lógicas; a história, por sua vez,estuda-se como se fosse a encarnação emprocessos particulares das leis lógicasuniversais. História e dialética estão, nessaconcepção, definitivamente apartadas e,por esse meio, a dialética passa a serfundante da história.

Nada mais falso e mais distante daconcepção dialética e materialista de Marxe Engels. Para eles não há materialismohistórico versus materialismo dialético,antes, o materialismo histórico é dialéticoe, o materialismo dialético, histórico. Adialética é a sistematização do movimentoda matéria natural e da material social. Ahistória é o movimento dialético da matérianatural e social. Não há, para Marx eEngels, dois materialismos (o histórico eo dialético), mas apenas uma concepçãomaterialista-dialética de mundo.

Há aqui uma enorme questão que,agora, apenas poderemos mencionar, masprometemos voltar a ela em um próximotexto: o problema do método dialético.

Muito brevemente, o stalinismo e omarxismo vulgar (bem como muitospensadores idealistas) concebem que ométodo seria o critério de verdade. Istoé, seguindo corretamente o método tidopor correto, a verdade seria umaconsequência natural da investigação.Para Marx e Engels (e para Lukács eMészáros) isso é absolutamente falso.

O método não é critério de verdade,mas apenas a sistematização do que, nopassado, se revelou adequado notratamento do desconhecido. Um métodoincorreto pode levar a resultadosverdadeiros na ciência e na filosofia e, ooposto com frequência também temlugar. Isso, contudo, deve ficar para umpróximo artigo: como o marxismo vulgarconverteu o método em algo quesubstitui a investigação do mundo reale, por isso, serve para velar a realidadee, não, para desvela-la.

TEXTOS RECOMENDADOS:De Engels, Do socialismo utópico ao

científico e de Marx, A miséria da filosofia sãotextos clássicos sobre essa questão. Sobre aconversão do marxismo em órgão depropaganda conferir, de Fernando Claudin,o capítulo “A crise teórica”, de seu livro Acrise do movimento comunista (ExpressãoPopular). Como exemplo de manuais domarxismo vulgar, conferir Os fundamentaisde filosofia , de G. Politzer e de StalinMaterialismo histórico e materialismo dialético.Por fim, para uma típica distorção dahistória pelo stalinismo, conferir Históriado PC(b) da URSS, um texto de 1938reeditado no Brasil pelo PCR. Sobre aquestão do método, ver de Ivo Tonet Ométodo científico (Instituto Lukács).

Entre os dias 16 e 18 de junhoocorreu em Brasília, na UnB, o IIEncontro Nacional de Educação. Trata-se de uma iniciativa importante diantede um processo continuo de destruiçãoe privatização da Educação Pública, queassume patamares cada vez maiores.

“A destruição da Educação Pública évisível em todos os níveis. O quadro deprecarização já vinha com os governos Lula eDilma/PT e agora se agrava com as medidasde Temer e seus asseclas, que com o apoio amplode um Congresso corrupto e reacionário, aprovama cada dia cortes de verbas e PEC’s que só

pioram ainda mais as condições de trabalho e deensino. Exemplo disso é a Desvinculação dasReceitas da União (DRU) que permitirá aogoverno gastar até 30% das receitas da Educaçãoe Saúde com o pagamento de juros e amortizaçõesaos agiotas da “Dívida Pública”.

No aprofundamento do ProjetoEducacional do Capital lidamos também comos revezes ideológicos que ferem diretamente ocaráter público e laico da Educação, além dasmínimas liberdades de ensino-aprendizagem. Éo caso da “Nova Base Nacional CurricularComum”, do “Projeto Escola sem Partido” edo avanço da terceirização e da privatização

com a entrada cada vez maior de OS’s e ONG’s,o “Novo Marco Legal da Ciência” nas escolase universidades públicas.

Com isso, também ampliam-se osmovimentos de resistência por parte de estudantese professores de todo o país, tanto por meio degreves quanto com ocupações, trancamentos devias etc. As ocupações de escolas pelos secundaristasem vários estados e as lutas nas universidades sãobons exemplos”. (Veja Manifesto ao II ENEna página do Espaço Socialista).

Em que pese termos uma participaçãomenor, se compararmos com o I ENEem 2014, estiveram presentes em Brasília,

II ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO: NECESSIDADES,POSSIBILIDADES E LIMITES

“AS LEIS DA DIALÉTICA SÃO A

SISTEMATIZAÇÃO EM TEORIA (UM REFLEXO

NA CONSCIÊNCIA) DAS LEIS MAIS GERAIS

DO DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO – TANTO

DA NATUREZA QUANTO DA HUMANIDADE.DESSA SISTEMATIZAÇÃO SE DESENVOLVE ACONCEPÇÃO DE MUNDO DIALÉTICA DE MARX

E DE ENGELS: NADA EXISTE QUE NÃO SEJA

HISTÓRICO E TUDO O QUE EXISTE É MATÉRIA”

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cerca de quase 2000 professores,estudantes, funcionários (sendo de escolasde ensino fundamental e médio, deinstitutos técnicos e universidadespúblicas) e ativistas de movimentossociais de todo o país desde Acre, Roraimae Pará aos estados das regiões Centro-Oeste, Nordeste, Sudeste e Sul.

E surgiram propostas que visavamencarar a ofensiva sobre a EducaçãoPública, das creches às universidades,para avançarmos nas demandasnecessárias. No entanto, prevaleceu maisuma vez a política do “consenso” compequenos avanços.

O II ENE REPETIU OS MESMOSERROS DE 2014

Já em 2014, problematizamos o fatode a organização do I ENE não permitirque as diferentes contribuições e/ouelaborações fossem expostas para oconjunto dos participantes em plenário.O debate somente ocorreu nos Gruposde Trabalho (GTs) onde se expressavamas diferenças, pois as maiores correntesdo PSOL e o PSTU hegemonizaram odebate.

Também defendemos em 2014 queo ENE fosse deliberativo. Mas, foiimposto o método do “Consenso” que,na prática, é apenas das grandes correntes.O Plenário sequer pôde debater e decidira dinâmica do Encontro, prevalecendo oacordo entre as maiores correntes e nãoa vontade dos participantes. E mesmo nosGTs foram destacados “especialistas”para discorrer sobre temas. Nossacontribuição teve que se dar através denossos materiais e de intervençõescustosas em alguns grupos para uma partedos participantes presentes nesses GTs.

Em 2016, isso ocorreu de novo. Asfalas abertas ao plenário principal foramsorteadas e de apenas 2 minutos após aexplanação dos “especialistas”. Assim,mais uma vez esse potencial foisubutilizado.

Entendemos dessa forma que, assimcomo no I ENE, ficamos apenas noplano das constatações e, pouca coisaavançou nos encaminhamentos das açõespráticas e concretas.

Isso significa que não tivemosdeliberações no sentido da Unificaçãodas Lutas da Educação Pública que seampliam a cada ano em número equantidade e ficamos apenas no planodo consenso. Portanto, não avançamos

com propostas práticas para as regiões,estados e municípios. Ao final, tivemosa leitura de uma Declaração Política “quesistematizou, de maneira unitária e consensual,as propostas e bandeiras debatidas durante oencontro nacional e os encontros preparatórios”.(Leia Declaração publicada no dia 23junho na página da CSP Conlutas).

Em alguns momentos durante o IIENE ouvimos que o consenso permitiriaavançar na organização e na luta dosdefensores da Educação pública. Oconsenso é importante no sentido doentendimento e da compreensão dosataques pelos agentes do capital e seusgovernos, institutos e ONGs à Educaçãopública, mas é insuficiente. A nosso ver,necessita envolver comprometimentocom alguma ação prática.

Foi interessante, nesse sentido, emerece ser reconhecido o fato deaparecer nos GTs uma proposta de açãoprática como a Greve Nacional daEducação, inclusive, com algumasentidades já tendo aprovado em seusfóruns, como o SEPE/RJ. Também ficoumuito presente, embora com elevadograu de dispersão, a disposição de lutade vários ativistas. Por essas razõesafirmamos que foi subutilizado opotencial de organização da lutaapresentada nesse ENE.

Mas foi aprovado: “(...) A realizaçãode um Dia Nacional de Lutas em Defesa daEducação Pública e Gratuita em 11 de agosto,dia do estudante. Reafirma posição contrária àterceirização, ao Projeto de Lei Complementar(PLP) 257/2016, à Contrarreforma daPrevidência, e ao presidente interino MichelTemer, chamando a construção de uma greve daeducação, e também de uma greve geral contra oajuste fiscal e o PLP 257/16. Também éreafirmado o repúdio ao PNE 2014-2024, decaráter privatista (...)”.

 (...) O II ENE ressalta a importânciada manutenção da organização e dos debates demaneira unitária, em nível municipal, estaduale nacional, com vistas a seguir construindo umprojeto classista e democrático de educação rumoà terceira edição do encontro, em 2018. Paratal, o “Comitê Nacional da Campanha pelos10% do PIB para Educação Pública, Já!” mudade nome, passando a ser Coordenação Nacionaldas Entidades em Defesa da Educação Públicae Gratuita (...)”

AS POSSIBILIDADES QUE PERDEMOSCOM O II ENE

Não somos os maiores e melhoresmilitantes e ativistas. Mas, para nós, assim

como em 2014, perdemos muitaspossibilidades no II ENE. Entendemosque o objetivo central deveria ser aorganização da luta contra os ataques dosgovernos e do empresariado, a partir damobilização e organização de base. Semisso, nenhuma saída dos trabalhadores ede seus filhos se efetivará.

Por isso, defendemos que desafiocentral seria tirar ações unitárias e bemdefinidas. Em razão disso apresentamoso nosso Manifesto com as seguintespropostas: Unificar as Lutas Educacionais com

uma Campanha em Defesa da EducaçãoPública. Por uma Greve Nacional daEducação! Pelo fim da ingerência de empresas,

bancos com suas ONGs, institutos efundações na Educação pública! Pelo fim do currículo imposto, da

meritocracia, das avaliações externas edas metas empresariais no ensinopúblico! Autonomia didático-pedagógica

frente ao estado burguês! Currículoelaborado conjuntamente porprofessores, estudantes e pais! Pelaautonomia universitária! Defendemos os professores e sua

valorização, repudiamos todo ensinomilitar, conservador e reacionário! Pelacontratação constante e não-precária denovos professores! Impulsionar Grêmios Livres, CA’s,

DA’s, DCE’s e comissões de estudantes,professores e pais, com independênciafrente aos governos, patrões e entidadescooptadas para discutir e organizar a lutacontra a falta de recursos e pela melhoriada infraestrutura, contra a implementaçãodos programas governamentais deprivatização do ensino, contra oautoritarismo das direções escolares e oaumento da repressão com grades ecâmeras dentro das escolas! Por eleições diretas para cargos de

direção nas instituições de ensino, comvoto universal da comunidade escolar/acadêmica e com mandatos revogáveis!Por eleições paritárias e diretas parareitores e todos os cargos de direção dasuniversidades.

Seguiremos em unidade e na defesada Educação pública, bem como naconstrução de uma alternativa real e deluta que expresse os interesses da classetrabalhadora.

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Tradução: “projeto de novo código do trabalho”

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FRANÇA: DIAS E NOITES COMO RESISTÊNCIA E LUTA

CONTRA AS REFORMAS TRABALHISTASNo último dia 23 de junho,

trabalhadores franceses haviam marcadouma grande manifestação contra asreformas trabalhistas propostas pelogoverno do Partido Socialista de FrançoisHollande. Exatamente no momento emque ocorre a Eurocopa e Paris ainda vivesob Estado de Emergência desde oatentado de novembro do ano passado.

O governo proibiu a manifestação anão ser que fosse estática, ficasse parada.Como a proposta foi recusada pelosmanifestantes, o governo voltou atrás eliberou, mas determinou que houvessedistância de um dos epicentros demanifestações, que é a Praça da Bastilhaou Praça da Revolução. Ainda assim arepressão foi muito intensa com pelomenos cem prisões.

Essa manifestação foi a mais recentede dezenas que já ocorreram desde odia 9 março, quando mais de 500 milpessoas saíram às ruas, primeiroprotagonizadas pelos estudantes e depoispor setores importantes do proletariadoindustrial francês que se incorporaramcom greves, barricadas nas ruas,enfrentamento com a polícia e atéalgumas ocupações.

OS ATAQUES JÁ VÊM DE ANTESEmbora haja uma grande variedade

de leis específicas para muitas categoriasde trabalhadores, em geral os contratosde trabalho se dividem entre os contratospor tempo indeterminado e os contratospor tempo determinado.

No primeiro, o trabalhador só podeser dispensado se a empresa justificarque mediante uma situação financeiramuito adversa precisaria demitir, o quegarante uma significativa estabilidade parao trabalhador. E a indenização prevista

inibe as empresas de realizaremdemissões.

Já o contrato por tempo determinado,em tese, poderia ser utilizado em casoscomo de gravidez, doenças e em situaçõesespecíficas nas quais haja uma demandaextraordinária como na época de natal ouserviços de obras.

Entretanto, os empresários nãorespeitam a lei e muitos trabalhadorespassaram a ter contratos por tempodeterminado, ou seja, renovamconstantemente contratos para evitar aestabilidade para o trabalhador/a.

Entre 1985 e 2010, os contratos portempo determinado aumentaram 400%.Segundo o site “operamundi”, 87% dosnovos contratos são por tempodeterminado, ou seja, precarizados. Asreformas que Hollande tenta imporcertamente intensificariam a precarizaçãojá existente.

Em 1995, já havia tido a tentativa deReforma da Previdência. Em 2006, oprimeiro-ministro do OS, Villepin,propôs a criação do contrato do primeiroemprego para jovens de até 26 anos como qual durante dois anos de experiênciaos jovens poderiam ser demitidos semjusta causa. Em 2010, Sarkozy conseguiualterar de 60 anos para 62 anos a idademínima para aposentadoria.

AS MEDIDAS DE HOLLANDENo dia 10 de maio, o presidente

François Hollande assinou o decreto quepermite mudanças de leis trabalhistas naFrança.

A intenção de mudar a lei tinha sidoanunciada em novembro de 2015, peloministério do trabalho. Inicialmente comoum projeto de lei (Lei Khomri, ministrado trabalho), que deveria ser votado peloparlamento, mas a partir das massivasmobilizações e temendo que oparlamento recuasse pela pressão dasruas, Hollande resolveu editar o decreto.

As medidas são um profundo ataquecontra a classe trabalhadora na França,pois flexibilizam a jornada de trabalhodiária (podendo ir para até 12 horas) econsequentemente aumentam a jornada

semanal para até 60 horas. Alémdisso, diminuem as indenizaçõesnos casos de demissão “porquestões econômicas”,

limitando as tabelas e o valor pago aostrabalhadores quando da interrupção docontrato de trabalho. Também permitereduzir o percentual pago nas horasextras, passando de 50 % para 10% doque é pago na jornada regular.

Ainda possibilita a flexibilização paraa contratação de força de trabalhojuvenil.

O governo alega que essa medidanão alteram os direitos trabalhistas emâmbito nacional. De fato, o decreto emsi não altera diretamente, mas mexe emuma cláusula que unifica os direitostrabalhistas em nível nacional. A partirda edição do decreto, os acordosrealizados entre a empresa e os sindicatostêm prevalência sobre os AcordosColetivos e sobre as leis trabalhistas.

AS MENTIRAS DE HOLLANDEO argumento para a mudança é uma

tal rigidez que os contratos de trabalhoimporiam aos empresários, culpando osdireitos dos trabalhadores pela crise.Essas reformas, sob a justificativa depromover a competitividade da economiaé uma das exigências da União Europeia,que já foram realizadas em outros paísescomo Itália, Espanha e Inglaterra.

Por trás dessas medidas está oobjetivo de estabelecer um mesmopadrão – para menos – de direitos emtodos os países da União Europeia,aumentando a competitividade dos paísesque compõem o bloco europeu nomercado mundial.

No caso da França deve-se agregarque o país se encontra em situaçãodelicada, com crescimento econômicoinsignificante e desemprego de 10%, queatinge principalmente 24% da juventude.

Então, não há nenhumapreocupação de Hollande com o povoe com os trabalhadores, pois essa medidana verdade vai facilitar as demissões equando houver contratação vai ser empiores condições.

Sabemos muito bem que essasmedidas não criam mais emprego, apenaspermitem às empresas se adequarem àscrises e garantir a sua lucratividade. É amesma lógica de sempre do capitalismo:jogar sobre as costas dos trabalhadoresas consequências da crise que o própriocapitalismo criou.

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Essas medidas são parte de uma tendência geral docapitalismo mundial de também retirar direitos dos trabalhadoresdos países centrais.

A BASE PASSANDO POR CIMA DAS DIREÇÕESAo depender das direções sindicais tradicionais o projeto

do governo já teria sido aprovado sem problemas. Foi a partirda organização dos estudantes universitários que a resistênciacomeçou. E depois o movimento operário se incorporou.

Assembleias de base nas universidades, reunião nacionalde estudantes com chamados pelas redes sociais e atividadesde agitação foram dando força para o chamado do 09 de março,inclusive com sindicatos e comissões de base de váriascategorias votando pela incorporação aos atos. Resultado: meiomilhão de pessoas foram às ruas. Estudantes e trabalhadores.

O tamanho da mobilização obrigou as direções semoverem. Embora a central sindical CFDT (ConfederaçãoFrancesa Democrática do Trabalho, com mais filiados econtrolada pelo Partido Socialista) apoie as reformas, as demaistiveram que se opor e se incorporar na luta contra o decreto.

Em 31 de março, impulsionada pelas centrais sindicais CGT,FO e Solidaires ocorreu uma greve geral com grande adesão.Nesse dia, Nuit debout (noite desperta), manifestantes semantiveram nas praças, ação que se disseminou por diversascidades francesas, com a população se reunindo para discutirnovas possibilidades de organização e luta frente às desilusõescom a política institucional.

Os atos seguiram e em 14 de junho novamente ocorreuuma manifestação gigantesca, com 1 milhão de pessoas nasruas, contra as reformas. Além da relevância do movimentoestudantil, vários setores cruciais do movimento operáriofizeram greves como das refinarias, energia nuclear, aeroviáriose dos transportes públicos, principalmente ferroviários.

TODO APOIO E SOLIDARIEDADE À JUVENTUDE E À CLASSE

TRABALHADORA FRANCESANuma comparação entre as lutas na França e no Brasil

logo percebemos semelhanças. Primeiro, o ambiente de intensarepressão policial. Milhares de policiais mobilizados, repressãocom bombas, jato d’agua, prisões, etc. Tudo isso amparado naMedida de Emergência, em vigência desde novembro do anopassado e prorrogada por três vezes por ocasião dos atentadosem Paris.

Segundo, as medidas que os franceses lutam contra são asmesmas que estão na lista das medidas que Temer quer aplicar:precarização do trabalho, fim de direitos trabalhistas conquistadoscom muita luta e o negociado valendo mais do que o legislado.Lá e cá, é o capital nos atacando para se livrar da crise.

Por isso que dizemos que é uma tendência mundial docapitalismo. É a disposição de Hollande e Temer de serviremaos seus amos, que são os capitalistas.

Assim, a

PARTIDO SOCIALISTAFRANCÊS: SOCIALISTA, SÓ

NOME...Quem não conhece a políticafrancesa, logo estranha comoum partido que se dizsocialista adota medidas defazer inveja aos partidosconservadores. Primeiro, o PSfrancês nunca foirevolucionário. Esteve, nomáximo, na área de influênciasocial-democrata.

É importante destacar quehá muito não figura nem entreos que se declaram comosocial-democrata, entendidocomo um partido com umprograma de reforma docapitalismo. O último programacom esse conteúdo foi de1983, o “chamado programacomum” que serviu de basepara a eleição de Mitterand.

Na ocasião defendiam anacionalização de 30 bancose 5 grandes grupos industriais,aumento do salário mínimo ede subsídios familiares, entreoutras medidas sociais. Hojeuma candidatura com esseprograma seria consideradoradical.

Mas essas promessas nãoresistiram nem um ano. Apósganhar a eleição, Miterrand se

rendeu à política de integraçãomonetária europeia (queresultaria na Zona do Euro).Para isso deveria abrir mão dequalquer programa querepresentasse algumaconcessão para a classetrabalhadora.

A partir daí o mergulhona política liberal e neoliberalfoi sem fim e agora secaracteriza como um partidodos mais eficientes em aplicaros planos de austeridade,invadir militarmente países eapoiar invasões realizadas porpaíses como Estados Unidose Inglaterra. Qualquersemelhança com o PT não émera coincidência...

Lá como aqui burocratase políticos oportunistas seapropriam de palavras comosocialista, trabalhadores ecomunistas para iludir econseguir aplicar os pioresplanos contra os trabalhadores.Na verdade, precisam serdesmascarados e denunciados,pois a direita tenta se aproveitardisso para relacionar essaspráticas à esquerda.

Os objetivos socialistas ecomunistas nada têm a vercom a prática e os objetivosdesses falsários.

vitória dos trabalhadores franceses tanto vai nos fortalecerquanto deixar o governo Temer e a burguesia receosos, ouseja, a vitória dos franceses é a da classe trabalhadora brasileiratambém.

Os trabalhadores franceses mostram o caminho. A luta é aúnica forma de barrar o avanço dos ataques do capital. Aradicalização e a persistência dos trabalhadores franceses naluta contra a reforma trabalhista devem servir de exemplo paraa nossa classe em todo o mundo. Toda solidariedade à luta dostrabalhadores franceses!

Avançar em organização e luta para enfrentar os ataquesda patronal e seus governos por todo o globo, sigamos oexemplo da classe trabalhadora da França!

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