Especial BR-319 - 19 de outubro de 2015

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BR-319 [email protected] 3090-1041 1 MANAUS, DOMINGO, 18 DE OUTUBRO DE 2015 Especial Como uma provocação aos órgãos ambientais e de infraestrutura, empresas de transporte rodoviário de passageiros retomaram o serviço intermunicipal e interestadual, na estrada federal mesmo com as condições precária de tráfego por conta de mais de duas décadas de abandono. Ao assumir o investimento de risco, as empresas reascenderam a esperança nos moradores da região que vivem em estado de isolamento, bem como o debate entre aqueles que defendem a conservação da floresta Amazônica e os que defendem a reabertura da estrada a favor do desenvolvimento econômico e social do Amazonas. O caminho para libertação DIEGO JANATÃ EXPEDIENTE Edição/Reportagem Emerson Quaresma Fotografias Diego Janatã Diagramação Mario Henrique Silva Revisão João Alves Tratamento de Imagens Kleuton Silva ESPECIAL 01.indd 1 17/10/2015 00:11:58

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Especial BR-319 - Caderno especial BR-319 do jornal Amazonas EM TEMPO

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Page 1: Especial BR-319 - 19 de outubro de 2015

[email protected]

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MANAUS, DOMINGO, 18 DE OUTUBRO DE 2015

Especial

Como uma provocação aos órgãos ambientais e de infraestrutura, empresas de transporte rodoviário de passageiros retomaram o serviço intermunicipal e interestadual, na estrada federal mesmo com as condições precária de tráfego por conta de mais de duas décadas de abandono. Ao assumir o investimento de risco, as empresas reascenderam a esperança nos moradores da região que vivem em estado de isolamento, bem como o debate entre aqueles que defendem a conservação da fl oresta Amazônica e os que defendem a reabertura da estrada a favor do desenvolvimento econômico e social do Amazonas.

O caminho paralibertação

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EXPEDIENTE

Edição/ReportagemEmerson Quaresma

Fotografi asDiego Janatã

DiagramaçãoMario Henrique Silva

RevisãoJoão Alves

Tratamento de ImagensKleuton Silva

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MANAUS, DOMINGO, 18 DE OUTUBRO DE 2015Especial Especial BR-3192

Rota para o sul do AMé retomada por empresas

Após 21 anos sem rotas na BR-319, a Aruanã e a Eucatur retomaram o serviço de Manaus para Humaitá e Porto Velho

Foi como a chegada de uma grande personali-dade, que, com brilho nos olhos, os moradores

de municípios e comunidades cortadas pela BR-319 rece-beram os primeiros ônibus da rota inaugural do transporte de passageiros intermunicipal, nos trechos Manaus/Humaitá e Manaus/Lábrea, retomada no último dia 10 de outubro.

O serviço não acontecia na região há mais de 20 anos, dado as condições precárias da rodovia federal, que vive uma eterna novela novela de promessas, obras e embargos por danos ambientais, desde 2002. Ainda assim, a empresa Aruanã Transporte assumiu o investimento de risco e voltou a operar na estrada com per-missão da Agência Reguladora dos Serviços Concedidos do Estado do Amazonas (Arsam).

Quando perdeu totalmente as condições de tráfego, em

1994, segundo o sócio pro-prietário da Aruanã, Eduardo Machado, a empresa abando-nou deixou a região. “Havia ato-leiros demais que não davam condições de trafegabilidade”, lembra. Segundo ele, em 2002, iniciaram as obras na estrada para asfaltar até o quilômetro 170. “Nessa época, começa-mos a nos preparar e em 2003 começamos a operar até o município do Careiro Castanho, com ônibus zero quilômetro, no trecho da estrada totalmente pavimentado”, conta.

Depois da recuperação até o 170, a novela da rodovia começou por conta do trecho entre os quilômetros 250 e 655,7, mais conhecido como “meião”. Com uma autorização do Instituto de Proteção Am-biental do Amazonas (Ipaam), o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), em 2014, abriu trechos da estrada, que permitiu à em-

presa o investimento de risco, segundo Machado.

Mas, a rota estrada que tem 877 quilômetros de extensão (de Manaus a Porto Velho (Ron-

dônia), não deverá se sustentar o ano todo, por conta dos riscos de deslizamento e atoleiro no período de chuva. “As constru-toras garantem que teremos trafegabilidade no inverno, mas, nós acreditamos que vamos operar até o início de

dezembro. A partir daí vai fi car muito difícil para o passagei-ro, por conta do desgaste. Se a previsão se confi rmar, nós vamos parar em dezembro, para voltar entre abril e maio do ano que vem”, afi rma.

Machado diz que o inves-timento para a operação na BR-319 foi de, aproximada-mente, R$ 5 milhões. Segundo ele, a frota tem oito ônibus novos com ar-condicionado, água mineral e banheiro. “Os ônibus que estão operando na linha são o que tem de melhor no Brasil. Fizemos isso porque temos esperança de que a rodovia terá a sua plena re-cuperação”, salienta.

Antes da viagem inaugural pelos 670 quilômetros até Hu-maitá, segundo o empresário, a Aruanã fez uma viagem teste para avaliar o desgaste dos pas-sageiros e os riscos da estrada. “Sem chuva ela é excelente para qualquer tipo de veículo. Mas,

agora com o período de chuva ela fi ca lisa e por isso o cuidado deve ser redobrado. Durante o teste verifi camos que não tinha muitos riscos e partir daí decidimos liberar o ônibus com passageiros”, explica.

Porto VelhoDepois do anúncio de reto-

mada da operação da Aruanã, na BR-319, a Empresa União Cascavel de Transporte e Turismo (Eucatur) anunciou operação entre Porto Velho e Manaus. O gerente da empre-sa em Porto Velho, Maximino Bedim, explica que as viagens que partem da capital de Rondônia, serão realizadas nos dias de domingo, terça-feira e quinta-feira. Já as saídas de Manaus serão nos dias de terça, quinta e sába-do, com saída da rodoviária programada para às 5h30, e parada programada na rodoviária de Humaitá.

SERVIÇO

ROTA: Manaus/Humaitá/LábreaDIAS: Segunda, Quarta e SextaSAÍDAS: 5h e às 13h (Rodoviária de Manaus)PASSAGEM: Humaitá R$ 179 e Lábrea R$ 240CONEXÕES: Pauini, Ma-nicoré e Porto Velho

ROTA: Manaus/Porto VelhoDIAS: Domingo, Terça e QuintaSAÍDAS: 5h30 (Rodoviá-ria de Manaus)PASSAGEM: R$ 210

ARUANÃTRANSPORTE

EUCATUR

AUTORIZAÇÃO

A Aruanã Transporte aguarda autorização da Agência Nacional de Transportes Ter-restres (ANTT) para operar Manaus/Porto Velho, o que, segundo Machado, pode sair nos próximos dias

O risco do investimento com o serviço interesta-

dual e intermunicipal está nas condições da rodovia

Durante a noite os cuidados no transporte

são redobrados por conta dos desvios e

pontes quebradasO diretor presidente da

Agência Reguladora dos Serviços Públicos Concedi-dos do Amazonas (Arsam), Fábio Alho, afi rma que auto-rizou o serviço à Aruanã, por considerar que a BR-319 tem condições de trafegabilidade e pela demanda existente de usuários na região. “Sem-pre pleiteamos o interesse das empresas para operar na rodovia, mas somente agora com a recuperação de alguns trechos a estrada se tornou viável”, diz.

De acordo com Alho, hoje o serviço de transporte in-termunicipal no Amazonas serve a, aproximadamente, 30 mil usuários, sem fe-riados prolongados. Com a retomada da BR-319, ele estima que um crescimento de 10% a 20% do volume

de passageiros nas via-gens terrestres por ônibus entre os municípios.

ANTTSegundo a Agência Nacio-

nal de Transportes Terrestres (ANTT), hoje, além da Eucatur, outras duas empresas têm permissão para atender o mercado Manaus/Porto Velho pela BR-319. São elas: Trans-porte Coletivos Serra Azul Ltda, do Estado do Paraná e Transporte Coletivo Brasil Ltda, do Estado de Goiás.

Conforme a ANTT, apenas uma empresa manifestou interesse, neste ano, sobre o trecho Manaus e Porto Ve-lho. A agência não informou o nome da empresa, mas disse que, fi nalizado o pra-zo para protocolo da docu-mentação para solicitação

de Termo de Autorização (TAR) e Licença Operacional (LOP), em 27/10/2015, a ANTT dará início a fase de análise dos pleitos.

“Desde que a empresa atenda aos requisitos es-tabelecidos pela Resolução 4.770/2015, a ANTT es-tima que a empresa terá autorização para operar o mercado solicitado, ainda no primeiro semestre de 2016”, diz a agência.

Sobre as denúncias de po-pulares que dão conta de que há muitos meios transportes irregulares operando na ro-dovia, a ANTT informa ape-nas que possui 71 postos de fi scalização espalhados pelo Brasil, vinculados a oito uni-dades regionais que colocam em prática o plano anual de fi scalização da Agência.

Trafegabilidade permitiu a concessão

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MANAUS, DOMINGO, 18 DE OUTUBRO DE 2015 Especial Especial BR-319 3

A esperança aos olhosdos amazonensesMoradores de vilas e comunidades da longa rodovia federal se mostram esperançosos com a retomada das rotas, na BR-319, e acreditam que agora ela será recuperada de verdade

Ao olhar os dois ônibus da Aruanã, que inaugu-raram a retomada da rota na BR-319, para

o sul do Amazonas, com os letreiros Manaus/Humaitá e Manaus/Lábrea, os morado-res da região não escondiam a felicidade. Depois que os ônibus deixaram a balsa e es-tacionaram no porto do Careiro da Várzea (a 25 quilômetros de Manaus), o vendedor da água mineral Francisco do Nasci-mento, 37, disse que eles pa-receriam “naves espaciais” e que, com a rota, o movimento vai melhorar. “É uma esperan-ça para todos nós que essa estrada volte a funcionar de verdade”, comenta.

Na rodoviária improvisada, no município do Careiro Cas-tanho (quilômetro 100 da BR-319), o comerciante Antônio Graças Nascimento da Silva, 65, cobrou a sensibilização por parte das autoridades sobre o que ele classifi cou como “cau-sa da BR-319”. “É necessá-rio que os órgãos ambientais entendam que a rodovia não está sendo construída, ela está

sendo restaurada”, observou. “E nós sonhávamos com a pos-sibilidade de conhecer Porto Velho, principalmente a pon-te do Rio Madeira, na divisa do Amazonas com Rondônia [inaugurada em 2014]”, diz.

Para ele, a rodovia federal que foi inaugurada nos anos 1970 não é para ser construída, mas, sim, para ter o seu leito restaurado. “O desmatamento das laterais é com o Ibama, que deve fi scalizar e punir quem deve ser punido. A estrada já existia e por isso não precisa desmatar nada para recuperar o leito do BR”, explica.

O tesoureiro da Associação de Taxi de Fretamento do Carei-ro Castanho, Raimundo Lima, 36, avalia a retomada das rotas de ônibus, com transporte de passageiros para o sul do Es-tado, como o carro-chefe para a recuperação da BR-319 e o desenvolvimento dos muni-cípios cortados pela rodovia. “Hoje, a nossa torcida é que os ônibus venham mesmo para o Castanho e sigam para Hu-maitá e Porto Velho. Assim eles puxarão a nossa cobrança para

que a estrada seja recuperada e siga com a devida manuten-ção”, salienta.

A associação que também oferece o serviço de transporte de passageiros para Humaitá (R$ 300, por passageiro) e Lá-brea (R$ 350), segundo Lima, pede que seja construída uma

rodoviária na sede do Careiro Castanho, para receber as rotas das empresas de transporte que passarão a operar o tre-cho da rodovia. “Uma rodovia movimentará mais a cidade e nos ajudará a gerar mais renda para os micro e pequenos em-

presários da região”, observa.O manobrista da balsa que

opera o serviço de travessia dos veículos no Igapó Açu (quilô-metro 240 da BR-319), Orimar Batista de Assunção, 21, tam-bém não escondeu a admiração de ver os ônibus subirem na balsa, para a travessia que para eles custa R$ 30 para veículos grandes e R$ 20 para carros de passeio e picapes. Com o funcionamento de 24 horas por dia, ele estima que aproxima-damente, cem veículos usam o serviço da balsa, por dia. “Com esses ônibus agora vai melho-rar o nosso ganho na balsa e na comunidade”, aponta.

E a comunidade do Igapó Açu, que tem condições naturais de viver também de turismo por conta do rio, dos peixes e dos bo-tos que vivem naquelas águas, já começou a sentir que terá uma renda melhorada com a reativação da rota. Sônia Olivei-ra Moraes, 27, que é cozinheira do Restaurante e Pousada Beira Rio, viu com a chegada dos ônibus, por volta das 13h, que vai ter que melhorar o serviço para dar conta da alimentação

dos passageiros, na hora do al-moço, e também no preparo de alimentação extra para o jantar em marmitas, a ser consumido durante o longo percurso.

“Se os ônibus continuarem a chegar entre 12h e 13h, nós teremos mais pessoas para atender com a venda de almoço e bebidas. Aqui nós temos o básico, com comidas regionais, como o peixe tucunaré. E temos também a pausada para quem quiser passar a noite antes de voltar para a estrada. Se os ônibus vingarem mesmo, nós teremos condições de melhorar tudo”, avalia Sônia.

Depois de muita estrada, já no território de Humaitá, na comu-nidade Realidade (quilômetro 555 da BR-319), o comercian-te capixaba Mário Sérgio, 40, encara a retomada das rotadas na rodovia como uma vitória. “É o anúncio de uma vida melhor para as pessoas do sul do Ama-zonas e também para Manaus, porque a capital poderá receber frutas e verduras mais frescas que chegam a Porto Velho, do Sul do país, e terão como chegar mais rápida por lá”, comenta.

Em Realidade, comunida-de do quilômetro 555, em

Humaitá, moradores torcem para que as rotas funcionem

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A nossa torcida é que os ônibus venham mes-mo para para a BR-319 e sigam para Humaitá e Porto Velho. Assim eles puxarão a nossa cobrança para que a estrada seja recuperada

Raimundo Lima, taxista do Careiro Castanho

No Igapó Açú, quilôme-tro 240, o manobrista da balsa avalia que as rotas

ajudarão a melhorar a vida na localidade

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MANAUS, DOMINGO, 18 DE OUTUBRO DE 2015 Especial Especial BR-319 5MANAUS, DOMINGO, 18 DE OUTUBRO DE 2015Especial Especial BR-3194

Deixamos o municípiode Humaitá

14H30

Nos deparamos com um carro de passeio atolado

KM 445 � 6H50

Parada no município do Careiro Castanho

para almoçar

KM 100 � 14H30

Parada em acampamento de obra para evitar os

riscos da estrada molhada

KM 450 � 20H30

O ônibus com a comitiva dos jornalistas atolou

10H30

Aportamos no porto da Ceasa, em Manaus

18H20

Voltamos à comunidade Realidade

LINHA DO TEMPO � RETORNO

KM 555 � 16H20

Mais um carro atolado

KM 325 � 10H20

Chegamos de volta aoporto do município do

Careiro da Várzea

KM 0 � 16H40

Retomamos viagem após dez horas de parada por

conta de chuva

6H30

5H

Saímos darodoviáriade Manaus

KM 100 � 10H

Parada na sede doCareiro Castanho

KM 370 � 19H10

Ônibus engatou a traseira num buraco de desvio

7H

Começamos a travessia sobre a balsa pelos rios

Negro e Solimões

KM 230

Parada para conferircondições de uma ponte quebrada e seu desvio

KM 670 � 3H

Chegamos à rodoviáriade Humaitá

6H

Chegamos ao portoda Ceasa

LINHA DO TEMPO � IDA

KM 170

Alcançamos o fi nal da estrada com asfalto

KM 555 � 1H30

Alcançamos a comunidade Realidade, em Humaitá

KM 0 � 7H50

Chegamos ao porto da Andrade Gutierrez, no

Careiro da Várzea

KM 240 � 13H10

Travessia na balsa doIgapó Acú e parada

para o almoço

Travessia na balsa dacomunidade Igapó Açú

KM 240 � 11H40

Caminho de riscos,

aventura e oportunidade

Ao longo da BR-319, o cenário é de abandono, mas, mesmo com reabertura da rodovia sem pavimentação, nela já se percebe os contrates de preservação e desmatamento, bem como a busca das pessoas por novos rumos

Entre as principais preo-cupações dos ambien-talistas em relação à BR-319, está o risco

de grilagem de terras e o desmatamento desenfreado na extensão da rodovia, que atravessa o maior trecho de fl oresta preservada na Ama-zônia. Durante o percurso percorrido na viagem inau-gural da Araunã, viu-se por longos intervalos, às margens da estrada, muitos focos de queimadas típicas de limpeza para a agricultura, principal-mente no trecho depois da sede do Careiro Castanho e no território de Borba (a 151 quilômetros de Manaus).

Outra mostra do possível descontrole na ausência de políticas públicas efetivas de proteção da fl oresta é que na estrada se presenciou um grande fl uxo de caminhões, na região de Humaitá, com carga de toras de árvores. Moradores da comunidade

Realidade, que preferiram resguardar seus nomes, de-nunciaram que a maioria é fruto da extração ilegal de madeira e que os órgãos am-bientais não conseguem fazer o efeito controle.

Segundo o titular da Se-cretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), Antonio Stroski, a região que com-preende o Careiro da Várzea e o Careiro Castanho está entre os maiores focos de calor da Região Metropolitana de Manaus (RMM) registrados pelo Serviço de Meteorolo-gia do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam/Sipam).

Stroski, essa constatação incluiu os municípios na rota do Plano de Ações Emergen-ciais de Prevenção e Controle de Queimadas e Incêndios Florestais, do governo do Amazonas, lançado no dia 13 de outubro, quando o gover-nador do Estado, José Melo, também decretou situação

de emergência em Manaus e mais 11 municípios.

“É uma área que vamos ata-car com educação ambiental. Muitas pessoas já têm aten-ção de que o uso do fogo de forma deliberada é um crime ambiental. Quem faz uso do fogo para atividade produti-va é geralmente, o pequeno produtor, e faz uso do instru-mento porque é uma questão de baixo custo e demanda menor mão de obra, que de-põe contra o licenciamento da BR-319. Mas, nós vamos incentivar o abandono dessa prática”, afi rma.

Na região da BR-319 co-nhecida como “meião”, de-pois do município do Ca-reiro Castanho, para evitar as queimadas e a extração ilegal de madeira, o titular da Sema aponta que nela foram criadas sete unidades de conservação estaduais e duas federais. Todas estão às margens da rodovia, num tre-

cho de mais 400 quilômetros.Na altura do quilômetro

250, Stroski diz que lá exis-te, por exemplo, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Igapó Açú de um lado e do outro o Parque Estadual do Matupiri (unidade de proteção integral). Entre as federais, próximo a Humaitá, ele aponta o Parque Nacional Nascente Lago Jari e a Reserva Extrati-vista Lago da Capanã Grande.

Para que elas funcionem, Stroski avalia a necessidade dos conselhos gestores que, segundo ele, já foram criados nas unidades de conservação estaduais, bem como do plano de gestão e da fi scalização para ajudar no controle das unidades. “É necessário tam-bém recurso para desenvolver atividades nas comunidades de forma que elas sejam in-tegradas ao plano e tenham atividades econômicas que ajudem no controle ambien-tal”, observa.

De acordo com a asses-soria do Instituto Brasi-leiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis do Amazo-nas (Ibama-AM), sobre as queimadas observadas na viagem, o órgão possui instalações de brigadas capacitadas em preven-ção e combate a incêndios florestais em municípios prioritários (aqueles, por monitoramento estatísti-co, que possuem elevado grau de risco) localizados no sul do Amazonas.

O Ibama, no entanto, observa que cabe dife-renciar o incêndio de queimadas para respon-sabilizar os órgãos. De acordo com a assessoria, os incêndios florestais de grande intensidade, du-

ração e extensão são de responsabilidade do Iba-ma. O instituto lembra que, nessas condições, o último registrado neste ano ocorreu no Parque Nacional dos Campos Amazônicos, localiza-do entre os municípios de Barcelos, Manicoré e Novo Aripuanã, no Ama-zonas, Colniza no Mato Grosso e Machadinho d’Oeste em Rondônia.

Sobre a atuação do Iba-ma quanto ao desmata-mento, de janeiro até o momento, o órgão diz que registrou 140 autos de infração referentes a des-matamento consumados com utilização de fogo. Desses autos, com valor total na ordem de R$ 150,6 milhões em multas.

Com 29 anos de experi-ência nas estradas do Brasil como a BR-153 (Transbra-siliana), a BR-316 (Belém-PA/Maceió-AL) e a BR-230 (Transamazônica), o moto-rista da Aruanã Transpor-tes Clodoaldo Couto, 56, comandou a sua primeira viagem pela BR-319, na rota inaugural. Ele concluiu que ela “é muito boa” de tráfego em relação à Transamazô-nica, por exemplo.

“A Transamazônica é mui-to mais difícil que a BR-319, porque é muito acidentada, com muitas ladeiras e no inverno a gente até parava porque não dava para rodar. E nessa minha primeira vez na BR-319 deu para perce-ber que ela é muito boa. Bas-ta só recuperar os trechos sem asfalto e conservá-la”,

observa o motorista.Apesar dos elogios à BR-

319, ao dizer que com pa-ciência é possível fazer os trechos Manaus/Humaitá e Humaitá/Lábrea com tran-quilidade, Clodoaldo, que tra-balhou no Estado de Goiás por 17 anos e em Manaus, 12 pela Eucatur, diz que a ro-dovia, nas atuais condições, não permite que ele cumpra o tempo estimado de 15 horas, até Humaitá. Na sua primeira viagem, o percurso foi feito em 22 horas.

Segundo ele, o que pre-judica o percurso são os desvios das mais de cem pontes de madeira quebra-das ou com risco de desmo-ronamento, que existem ao logo da BR. “Nós temos que reduzir muito a velo-cidade”, pondera.

Atenção a municípios prioritários Melhor que a Transamazônica

Emblemática por atra-vessar grande parte do território da Amazônia, a BR-319 provoca aventurei-ros a cometer loucuras em busca de sentir a magia da rodovia. Um deles é o curitibano Rodrigo Pereira, 23. Encontrado no Igapó Açu, o andarilho conta que estava há três dias na es-trada entre caminhadas e caronas e sobrevivia dos mantimentos que preparou e guardou na mochila e tam-bém dos peixes que pescava nos igarapés encontrados às margens da estrada.

Ele, que serviu o Exército Brasileiro em Manaus aos

18 anos, voltou à capital amazonense em fevereiro deste ano para participa-ra da Legião Estrangeira Francesa. Nesse meio tem-po ele decidiu descer a ro-dovia, até Porto Velho (RO), sem gastar nada. Segundo Rodrigo, ele caminhava en-tre 40 e 45 quilômetros por dia, registrando pontos im-portantes da estrada com fotografi as. Em três dias ele diz ter andado uma faixa de 110 a 120 quilômetros e quase 130 de carona.

“No caminho encontrei muitos bichos mortos na estrada e bastante quei-madas”, observa. Para o

andarilho, o maior desafi o da BR-319 foi o calor do Amazonas. E constatou que no dia a dia da rodovia amazonense, “as pessoas mais humildes são sempre as mais acolhedoras”.

Durante o percurso de volta da empresa Aruanã, outro curitibano foi encon-trado na BR-319, mas neste caso, no rumo de Manaus, a procura de emprego. Ri-cardo Freitas, 33, e sua esposa Caroline Mota, 31, que é amazonense, subiram o país do Paraná ao Amazo-nas por estrada num carro de passeio, modelo Renault Clio. Quatro dias depois, em

Humaitá, eles encontraram Wesley Lopes da Silva, 25, para subir a rodovia federal.

Com o carro sobrecarrega-do das roupas do casal, TV e outros utensílios da mudan-ça, eles foram encontrados pela primeira vez com o carro atolado no barro molhado, nas imediações do quilôme-tro 445. Mais adiante, no quilômetro 325, novamen-te eles foram encontrados num atoleiro. “Está muito ruim de trabalho lá no Pa-raná, por isso decidimos vir para Manaus para conseguir um trampo na construção civil ou em qualquer outra coisa”, diz Ricardo.

Calor e atoleiros são os maiores desafi os

Após a chuva, muitos trechos se tornaram inviáveis para o tráfego com segurança, pela BR-319, de veículos não tracionados

Na região de Humaitá, inúme-

ros caminhões carregados de

toras de madei-ra, supostamente

de extração ile-gal, foram vistos

pela equipe

Rodrigo Pereira, andarilho parana-ense, encarou a estrada, a pé, por longo um longo percurso. Ele enfrentou o calor, a fumaça e pre-senciou animais mortos na estrada

Família do Es-tado do Paraná subiu o país por

estradas e se arriscou na BR-319, entre ato-leiros e poeira,

à procura de em-prego na capital

amazonense

Ao longo da rodovia foram

encontradas muitas queima-das, típicas de

limpeza para agricultura, mas que perderam o controle e avan-çaram por áreas

protegidas

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MANAUS, DOMINGO, 18 DE OUTUBRO DE 2015 Especial Especial BR-319 5MANAUS, DOMINGO, 18 DE OUTUBRO DE 2015Especial Especial BR-3194

Deixamos o municípiode Humaitá

14H30

Nos deparamos com um carro de passeio atolado

KM 445 � 6H50

Parada no município do Careiro Castanho

para almoçar

KM 100 � 14H30

Parada em acampamento de obra para evitar os

riscos da estrada molhada

KM 450 � 20H30

O ônibus com a comitiva dos jornalistas atolou

10H30

Aportamos no porto da Ceasa, em Manaus

18H20

Voltamos à comunidade Realidade

LINHA DO TEMPO � RETORNO

KM 555 � 16H20

Mais um carro atolado

KM 325 � 10H20

Chegamos de volta aoporto do município do

Careiro da Várzea

KM 0 � 16H40

Retomamos viagem após dez horas de parada por

conta de chuva

6H30

5H

Saímos darodoviáriade Manaus

KM 100 � 10H

Parada na sede doCareiro Castanho

KM 370 � 19H10

Ônibus engatou a traseira num buraco de desvio

7H

Começamos a travessia sobre a balsa pelos rios

Negro e Solimões

KM 230

Parada para conferircondições de uma ponte quebrada e seu desvio

KM 670 � 3H

Chegamos à rodoviáriade Humaitá

6H

Chegamos ao portoda Ceasa

LINHA DO TEMPO � IDA

KM 170

Alcançamos o fi nal da estrada com asfalto

KM 555 � 1H30

Alcançamos a comunidade Realidade, em Humaitá

KM 0 � 7H50

Chegamos ao porto da Andrade Gutierrez, no

Careiro da Várzea

KM 240 � 13H10

Travessia na balsa doIgapó Acú e parada

para o almoço

Travessia na balsa dacomunidade Igapó Açú

KM 240 � 11H40

Caminho de riscos,

aventura e oportunidade

Ao longo da BR-319, o cenário é de abandono, mas, mesmo com reabertura da rodovia sem pavimentação, nela já se percebe os contrates de preservação e desmatamento, bem como a busca das pessoas por novos rumos

Entre as principais preo-cupações dos ambien-talistas em relação à BR-319, está o risco

de grilagem de terras e o desmatamento desenfreado na extensão da rodovia, que atravessa o maior trecho de fl oresta preservada na Ama-zônia. Durante o percurso percorrido na viagem inau-gural da Araunã, viu-se por longos intervalos, às margens da estrada, muitos focos de queimadas típicas de limpeza para a agricultura, principal-mente no trecho depois da sede do Careiro Castanho e no território de Borba (a 151 quilômetros de Manaus).

Outra mostra do possível descontrole na ausência de políticas públicas efetivas de proteção da fl oresta é que na estrada se presenciou um grande fl uxo de caminhões, na região de Humaitá, com carga de toras de árvores. Moradores da comunidade

Realidade, que preferiram resguardar seus nomes, de-nunciaram que a maioria é fruto da extração ilegal de madeira e que os órgãos am-bientais não conseguem fazer o efeito controle.

Segundo o titular da Se-cretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), Antonio Stroski, a região que com-preende o Careiro da Várzea e o Careiro Castanho está entre os maiores focos de calor da Região Metropolitana de Manaus (RMM) registrados pelo Serviço de Meteorolo-gia do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam/Sipam).

Stroski, essa constatação incluiu os municípios na rota do Plano de Ações Emergen-ciais de Prevenção e Controle de Queimadas e Incêndios Florestais, do governo do Amazonas, lançado no dia 13 de outubro, quando o gover-nador do Estado, José Melo, também decretou situação

de emergência em Manaus e mais 11 municípios.

“É uma área que vamos ata-car com educação ambiental. Muitas pessoas já têm aten-ção de que o uso do fogo de forma deliberada é um crime ambiental. Quem faz uso do fogo para atividade produti-va é geralmente, o pequeno produtor, e faz uso do instru-mento porque é uma questão de baixo custo e demanda menor mão de obra, que de-põe contra o licenciamento da BR-319. Mas, nós vamos incentivar o abandono dessa prática”, afi rma.

Na região da BR-319 co-nhecida como “meião”, de-pois do município do Ca-reiro Castanho, para evitar as queimadas e a extração ilegal de madeira, o titular da Sema aponta que nela foram criadas sete unidades de conservação estaduais e duas federais. Todas estão às margens da rodovia, num tre-

cho de mais 400 quilômetros.Na altura do quilômetro

250, Stroski diz que lá exis-te, por exemplo, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Igapó Açú de um lado e do outro o Parque Estadual do Matupiri (unidade de proteção integral). Entre as federais, próximo a Humaitá, ele aponta o Parque Nacional Nascente Lago Jari e a Reserva Extrati-vista Lago da Capanã Grande.

Para que elas funcionem, Stroski avalia a necessidade dos conselhos gestores que, segundo ele, já foram criados nas unidades de conservação estaduais, bem como do plano de gestão e da fi scalização para ajudar no controle das unidades. “É necessário tam-bém recurso para desenvolver atividades nas comunidades de forma que elas sejam in-tegradas ao plano e tenham atividades econômicas que ajudem no controle ambien-tal”, observa.

De acordo com a asses-soria do Instituto Brasi-leiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis do Amazo-nas (Ibama-AM), sobre as queimadas observadas na viagem, o órgão possui instalações de brigadas capacitadas em preven-ção e combate a incêndios florestais em municípios prioritários (aqueles, por monitoramento estatísti-co, que possuem elevado grau de risco) localizados no sul do Amazonas.

O Ibama, no entanto, observa que cabe dife-renciar o incêndio de queimadas para respon-sabilizar os órgãos. De acordo com a assessoria, os incêndios florestais de grande intensidade, du-

ração e extensão são de responsabilidade do Iba-ma. O instituto lembra que, nessas condições, o último registrado neste ano ocorreu no Parque Nacional dos Campos Amazônicos, localiza-do entre os municípios de Barcelos, Manicoré e Novo Aripuanã, no Ama-zonas, Colniza no Mato Grosso e Machadinho d’Oeste em Rondônia.

Sobre a atuação do Iba-ma quanto ao desmata-mento, de janeiro até o momento, o órgão diz que registrou 140 autos de infração referentes a des-matamento consumados com utilização de fogo. Desses autos, com valor total na ordem de R$ 150,6 milhões em multas.

Com 29 anos de experi-ência nas estradas do Brasil como a BR-153 (Transbra-siliana), a BR-316 (Belém-PA/Maceió-AL) e a BR-230 (Transamazônica), o moto-rista da Aruanã Transpor-tes Clodoaldo Couto, 56, comandou a sua primeira viagem pela BR-319, na rota inaugural. Ele concluiu que ela “é muito boa” de tráfego em relação à Transamazô-nica, por exemplo.

“A Transamazônica é mui-to mais difícil que a BR-319, porque é muito acidentada, com muitas ladeiras e no inverno a gente até parava porque não dava para rodar. E nessa minha primeira vez na BR-319 deu para perce-ber que ela é muito boa. Bas-ta só recuperar os trechos sem asfalto e conservá-la”,

observa o motorista.Apesar dos elogios à BR-

319, ao dizer que com pa-ciência é possível fazer os trechos Manaus/Humaitá e Humaitá/Lábrea com tran-quilidade, Clodoaldo, que tra-balhou no Estado de Goiás por 17 anos e em Manaus, 12 pela Eucatur, diz que a ro-dovia, nas atuais condições, não permite que ele cumpra o tempo estimado de 15 horas, até Humaitá. Na sua primeira viagem, o percurso foi feito em 22 horas.

Segundo ele, o que pre-judica o percurso são os desvios das mais de cem pontes de madeira quebra-das ou com risco de desmo-ronamento, que existem ao logo da BR. “Nós temos que reduzir muito a velo-cidade”, pondera.

Atenção a municípios prioritários Melhor que a Transamazônica

Emblemática por atra-vessar grande parte do território da Amazônia, a BR-319 provoca aventurei-ros a cometer loucuras em busca de sentir a magia da rodovia. Um deles é o curitibano Rodrigo Pereira, 23. Encontrado no Igapó Açu, o andarilho conta que estava há três dias na es-trada entre caminhadas e caronas e sobrevivia dos mantimentos que preparou e guardou na mochila e tam-bém dos peixes que pescava nos igarapés encontrados às margens da estrada.

Ele, que serviu o Exército Brasileiro em Manaus aos

18 anos, voltou à capital amazonense em fevereiro deste ano para participa-ra da Legião Estrangeira Francesa. Nesse meio tem-po ele decidiu descer a ro-dovia, até Porto Velho (RO), sem gastar nada. Segundo Rodrigo, ele caminhava en-tre 40 e 45 quilômetros por dia, registrando pontos im-portantes da estrada com fotografi as. Em três dias ele diz ter andado uma faixa de 110 a 120 quilômetros e quase 130 de carona.

“No caminho encontrei muitos bichos mortos na estrada e bastante quei-madas”, observa. Para o

andarilho, o maior desafi o da BR-319 foi o calor do Amazonas. E constatou que no dia a dia da rodovia amazonense, “as pessoas mais humildes são sempre as mais acolhedoras”.

Durante o percurso de volta da empresa Aruanã, outro curitibano foi encon-trado na BR-319, mas neste caso, no rumo de Manaus, a procura de emprego. Ri-cardo Freitas, 33, e sua esposa Caroline Mota, 31, que é amazonense, subiram o país do Paraná ao Amazo-nas por estrada num carro de passeio, modelo Renault Clio. Quatro dias depois, em

Humaitá, eles encontraram Wesley Lopes da Silva, 25, para subir a rodovia federal.

Com o carro sobrecarrega-do das roupas do casal, TV e outros utensílios da mudan-ça, eles foram encontrados pela primeira vez com o carro atolado no barro molhado, nas imediações do quilôme-tro 445. Mais adiante, no quilômetro 325, novamen-te eles foram encontrados num atoleiro. “Está muito ruim de trabalho lá no Pa-raná, por isso decidimos vir para Manaus para conseguir um trampo na construção civil ou em qualquer outra coisa”, diz Ricardo.

Calor e atoleiros são os maiores desafi os

Após a chuva, muitos trechos se tornaram inviáveis para o tráfego com segurança, pela BR-319, de veículos não tracionados

Na região de Humaitá, inúme-

ros caminhões carregados de

toras de madei-ra, supostamente

de extração ile-gal, foram vistos

pela equipe

Rodrigo Pereira, andarilho parana-ense, encarou a estrada, a pé, por longo um longo percurso. Ele enfrentou o calor, a fumaça e pre-senciou animais mortos na estrada

Família do Es-tado do Paraná subiu o país por

estradas e se arriscou na BR-319, entre ato-leiros e poeira,

à procura de em-prego na capital

amazonense

Ao longo da rodovia foram

encontradas muitas queima-das, típicas de

limpeza para agricultura, mas que perderam o controle e avan-çaram por áreas

protegidas

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MANAUS, DOMINGO, 18 DE OUTUBRO DE 2015Especial Especial BR-3196

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MANAUS, DOMINGO, 18 DE OUTUBRO DE 2015 Especial Especial BR-319 7

A BR-319 fi cou intrafe-gável por muitos anos, a partir do fi nal dos anos 1980, e viu a

mata avançar até quase fechá-la nos anos 1990, por muitos trechos ao longo do intervalo mais conhecido como “meião”. Depois de muitas discussões iniciadas nos anos 2000, a ro-dovia começou a receber obras de pavimentação, em 2002, no trecho entre Careiro da Várzea e Careiro Castanho com a construção de três pontes, e na região entre Porto Velho e Humaitá, em 2012, até o quilômetro 640. Com recursos do governo federal, as obras sempre estiveram diante po-lêmicas no campo político, econômico e ambiental.

Há duas semanas, o Instituto Brasileiro do Meio Ambien-te e dos Recursos Naturais Renováveis do Amazonas (Ibama-AM) embargou as obras realizadas no “meião” pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Trans-portes (Dnit), nos lotes que compreendem o trecho entre os quilômetros 250 e 655,7. O órgão afi rma ter consta-tado irregularidades graves e danos ambientais causados pelas empresas contratadas, o que resultou na emissão de auto de infração com valor

na ordem de R$ 7,5 milhões.Durante a viagem de ida e

de volta da comitiva na rota inaugural, foi observado a presença de maquinários na estrada, realizando obra de restauração. No quilômetro 96 da rodovia, o fi scal do Dnit, Elim Cruz, disse que as obras continuavam porque as empresas não haviam sido notifi cadas pelo órgão am-biental. Ele explicou que em operação na estrada havia apenas duas empresas, res-ponsáveis por dois lotes.

De acordo com assessoria do Ibama, a decisão foi baseada em relatório concluído no mês de agosto pela Superintendên-cia do Ibama no Amazonas, que apontou a execução de obras sem licença ambiental adequada. Ela constatou ainda as seguintes irregularidades: supressão de Área de Pre-servação Permanente (APP), estocagem de madeira sem licença, destinação irregular de efl uentes, utilização de mate-rial de jazidas, intervenções em corpos hídricos, alargamento de pista, construção de bueiros, desvio de ponte danifi cada e alojamentos para trabalhado-res sem condições mínimas de segurança e salubridade.

Atualmente, a BR-319, se-gundo o Ibama, possui três tre-

chos em obras. Para o trecho central, de 405,7 km, o órgão ambiental emitiu em 2007 um Termo de Referência por meio do qual solicitou Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (Eia/Rima). Dois anos depois, em 2009, com a devolução do Eia/Rima, uma terceira versão dos estudos foi elaborada pelo Dnit. Mas, conforme o Ibama, o documento não alcançou os subsídios mínimos para garan-tir a viabilidade ambiental das obras na rodovia.

O Ibama lembrou que no ano passado, o Dnit conseguiu, junto ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipa-am), uma licença ambiental para realizar a manutenção e recuperação da rodovia. Con-tudo, o órgão federal consta-tou obras de implantação e pavimentação em vistoria do Núcleo de Licenciamento Am-biental do Ibama no Amazonas.

Nesse rumo, o instituto emitiu auto de infração e termo de embargo, cujas cópias foram encaminhadas aos Ministérios Públicos Federal (MPF) e Minis-tério Público do Trabalho (MPT). O órgão garantiu que a sua equipe de fi scalização seguirá com monitoramento sobre a BR-319 a fi m de resguardar o cumprimento da decisão.

Empresas contratradas para obras de restauro, no tre-cho conhecido como “meião”, cometeram crime ambiental FO

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Há um Ibama no meio do caminho do DnitÓrgão fi scalizador federal embargou obras do departamento do Ministério dos Transportes que, segundo

relatório, causaram graves danos ambientais, inclusive em área de preservação permanente

Na última quinta-feira (15), o Dnit emitiu a or-dem para que as obras na BR-319 fossem parali-sadas. Procurado pelo EM TEMPO, o superintendente regional do Dnit no Estado do Amazonas, José Fábio Porto Galvão, não atendeu as chamadas feitas ao seu celular, de número 98192-XXXX, por quatro dias des-ta semana, para dizer quais caminhos o órgão tomaria diante do embargo da Su-perintendência do Ibama do Amazonas.

Em entrevista a uma rádio local, Fábio disse que a partir de 2005, o Dnit começou a tentar recuperar a rodovia. “De forma que hoje a nossa fi nalidade é manter a tra-fegabilidade para integrar os três Estados, Amazonas, Rondônia e Acre. E todos os serviços que estamos executando são serviços de manutenção”, afi rma. “O problema da 319 não é problema técnico. O Dnit nunca se eximiu de investir nos estudos ambientais nos últimos 10 anos”, concluiu.

Com recursos do Progra-ma de Aceleração do Cres-cimento (PAC) na ordem de R$ 38,6 milhões, as obras de conservação e manutenção do Dnit na BR-319 come-çaram na metade do ano passado. O departamento começou as obras a partir de uma Licença Ambiental Única, expedida pelo Insti-tuto e Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), no dia 15 de agosto de 2014, com validade de um ano. Procurada pelo EM TEMPO, a assessoria do órgão esta-dual informou que licenças ambientais para rodovia são de responsabilidade exclusiva do Ibama.

O superintendente lem-brou que a BR-319 foi im-plantada em sua total ex-tensão na década de 1970, durante o governo militar, diante do slogan “Integrar para não entregar”. Segun-do ele, a rodovia operou por, aproximadamente, por 15 anos e nos anos 1990 não recebeu mais investimento para manutenção da sua trafegabilidade.

‘Problema na 319 não é técnico’

Obras come-çaram no ano passado pelo Programa de Aceleração do Crescimento, do governo federal

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MANAUS, DOMINGO, 18 DE OUTUBRO DE 2015Especial Especial BR-3198

Tivemos nas últimas semanas uma série de programas – para celebrar a Semana do Amazonas e da Pátria, no início de setembro – e debater essa esfi nge chamada BR-319. Entre o que se tem noticiado nos meios de comunicação do Amazonas, com profi ssionalismo e talento, restaram algumas constatações: uma delas é o descaso federal, habitual e his-tórico, com infraestrutura regional. Sem infraestrutura não dá para gerar riqueza. E sem riqueza é mais difícil proteger o bem natural.

A outra é a certeza de que muitos inimigos do Amazonas estão aqui no Amazonas. Algumas indagações, portanto, já podem ser esclarecidas, vários preconceitos esvaziados e, aci-ma de tudo, com as reportagens, se escancarara a hipocrisia do discurso político e do messianismo ambiental. Muito falatório e pouco conhecimento e compromisso com a região.

Na última proibição do Ibama, fi ca clara a confusão entre construção e recuperação da rodovia, o que reafi r-ma a distância e o descaso do olhar federal. A rigor, não há mais qualquer entrave objetivo para a recuperação – ninguém falou nem propôs constru-

ção – da estrada, pois o traçado

existe, a pavi-mentação foi feita e os re-cursos estão ou estiveram disponíveis.

Na verdade, eles foram confiscados da ZFM e dariam para

e q u a c i o n a r e s t e

e outros gargalos de infraestrutura, como o balizamento e drenagem da hidrovia do Madeira, a distribuição da energia, e comunicação de dados e voz. Lembremos que mais de 50% da riqueza produzida pela ZFM vai para o governo federal.

A estrada, senhores burocratas, já foi construída, mas foi abandonada por quem deveria cuidá-la. E foi até, impunemente, bombardeada por seus oponentes, para inviabilizar sua recu-peração, sabe-se muito bem o porquê.

Ela é uma via extremamente neces-sária para a economia da região e para permitir o direito constitucional de ir e vir do cidadão do Amazonas. O que se deu foi o descaso, a negligência e a má-fé, de sua manutenção e con-servação. Um descaso que acontece com outros segmentos e aspectos da infraestrutura local, alvo preferen-cial do abandono, em alguns casos, oportunista, e até delituoso, posto que incluiu a destruição objetiva do patrimônio público.

Tomara que o Ministério Público, ou a Polícia Federal, tenha assistido às reportagens e ouvido o depoimento das pessoas e visto as imagens da destruição criminosa com uso de ex-plosivos de trechos da rodovia para comprometer seu tráfego e assim resguardar outros interesses.

Em lugar do proibicionismo, ou deixar essa denúncia sem apuração, por que não rever as implicações, os prejuízos e as complicações desses vetos intem-pestivos – danosos à competitividade e sobrevivência do modelo ZFM – e que se somam a tantos outros, que alegam, por exemplo, o alarmismo faccioso da destruição do Encontro das Águas para impedir a modernização portuária das demandas do polo industrial da ZFM, ou condenam o ordenamento da indústria de estaleiros, com a constru-ção do Polo Naval, em nome de um formalismo estéril e falacioso? Ou é melhor deixar as indústrias espalha-das caoticamente na orla fl uvial de Manaus? Com transparência e à luz do interesse público, é hora de sentar para conversar e avançar, em nome do bom senso e da justiça, urgen-temente e colaborativamente, em favor do Amazonas.

Uma simulação de desmatamento e emissões de gases de efeito estufa no período 2007-2050 foi executada para a Área sob Limitação Adminis-trativa Provisória (Alap) ao longo da rota da rodovia BR-319 (Manaus/Porto Velho). Uma área de 153.995 quilômetros quadrados do Estado do Amazonas. O governo federal, por meio do Ministério dos Trans-portes, anunciou a sua intenção de reconstruir e pavimentar a rodovia, que estava abandonada desde 1988.

A Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sus-tentável (SDS), do Governo do Esta-do, e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) anunciaram planos e criaram uma série de áreas protegidas den-tro da ALAP. Na época do anúncio das obras, fi zemos simulação que compara cenários com e sem as reservas de proteção propostas. A reconstrução e a pavimentação da rodovia são presumidas a serem fi nalizadas em 2011, com a abertura de estradas laterais associadas em datas especifi cadas ao longo do período 2014-2024.

A simulação de desmatamento aco-pla os programas computacionais Dinamica e Vensim, e incorpora uma série de inovações para permitir que o total de desmatamento responda à melhoria do acesso por estradas, baseado em uma parametrização da relação entre desmatamento e ex-pansão viária, observada em imagens de satélite de uma área no noroeste de Rondônia, adjacente à Alap.

A biomassa fl orestal na Alap foi calculada a partir de 306 parcelas de um hectare dos levantamen-tos do Projeto RADAMBRASIL, em 13 tipos fl orestais identifi cados, e incorpora uma série de melhorias recentes na metodologia para a ob-tenção da estimativa. Estimativas das emissões incluem adições para o efeito de liberações de gases-traço de queimadas e de decom-posição, e deduções para carbono sequestrado pelo recrescimento da vegetação na paisagem de equilí-brio que substitui a fl oresta.

As estimativas de emissões estão restritas à biomassa (fi -

tomassa). O carbono do solo foi excluído. Em um cenário “business-as-usual” para a Alap com apenas as reservas que existiam até 2007, a simulação indicava que 5,1 milhões de hectares desmatados até 2050 (33% da Alap), com uma liberação consequente de 0,95 Gt (giga tone-ladas, correspondente a um bilhão de toneladas) de carbono equivalente ao carbono de CO2 (CO2-equivalente).

Em um “cenário de conservação” com as reservas de proteção existen-tes hoje, o desmatamento alcança 3,4 milhões de hectares até 2050 (22% da Alap), liberando 0,64 Gt de carbono CO2-equivalente. O efeito das reservas produz uma redução de desmatamento de 1,6 milhões de hectares e de 0,31 Gt de carbo-no CO2-equivalente em emissões de gases de efeito estufa. Como exemplifi cação do valor potencial desta redução, se o carbono fosse avaliado a US$ 10 por tonelada, esta redução em emissões equivaleria a US$ 3,1 bilhões.

Como em qualquer simulação, es-tes resultados dependem de uma série de presunções relativas ao comportamento do desmatamento. Neste caso, largamente infl uenciado pelas áreas de pequenos agricultores nas quais nosso modelo foi cali-brado. Futuras melhorias para melhor re-presentar os papéis dos grandes a t o r e s (legais e ilegais), podem resul-tar em desma-tamento mais rá-pido nas áreas des-protegidas.

Os inimigos estão aqui Expansão viária e desmatamento

Wilson Périco Philip Fearnside

A estrada, senhores burocratas, já foi constru-ída, mas foi abandonada por quem deveria cuidá-la. E foi até, impunemente, bombardeada por seus opo-nentes, para inviabilizar sua recupera-ção, sabe-se muito bem o porquê”

Em um ‘cená-rio de conser-vação’ com as reservas de proteção existentes hoje, o des-matamento alcança 3,4 milhões de hectares até 2050 (22% da Alap), li-berando 0,64 Gigas tonela-das de carbo-no CO2-equi-valente”

Os dois lados da BR

PhilipFearnside

Cientista do Instituto Nacional de

Pesquisas da Amazônia

A conexão com Porto Velho e de lá para o Sul do Brasil agora é possível. Mas há muito a melhorar na imensidão da estrada, para que ela possa se consolidar como mais uma via de escoamento para a indústria, bem como para o agronegócio

Por conta dos anos que foi esquecida pelo governo federal quanto a sua manu-tenção, muito desse longo trecho da Amazônia foi preservado. O desafi o agora é conciliar o desenvolvimento social e econômico com a preservação da fl oresta

Wilson Périco

Presidente do Centro das Indús-trias do Estado do Amazonas (Cieam)

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