ESPECIAL FUNERÁRIAS - 2013

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ESPECIAL FUNERÁRIAS 31 JANEIRO 2013 2 O hábito de fotografar os mortos com família e amigos antes do funeral Relatos de situações em Portugal e em algumas zonas de origem de imigrantes de Leste De um modo geral as pessoas gostam de recordar os seus mortos, sejam familiares ou amigos, como eles eram em vida, mas guardar os últimos momentos da presença dos falecidos ao cimo da terra, é uma tradição que ainda vai subsistindo. Há relatos de casos em Portugal embora longe do Ribatejo e de países de origem de imigrantes que trabalham no nosso país. E m Abril de 1989, na Chamusca, no decorrer do primeiro encontro “Atitudes Perante a Morte”, o professor universi- tário de Antropologia do Instituto Supe- rior de Ciências do Trabalho e da Empre- sa (ISCTE), Brian Juan O’Neill, referiu a certa altura da sua comunicação “Morte Social e Linhas de Família numa aldeia nortenha, 1870-1990” que no decurso do seu trabalho de campo, tinha sido “em- purrado” para começar a fotografar mor- tos em urna aberta, em velórios, missas de corpo presente e enterros, o que fez durante algum tempo. O relato feito pelo antropólogo está re- gistado no livro”Atitudes Perante a Morte” (Livraria Minerva - Coimbra 1991) onde o coordenador do encontro, professor Antó- nio Matias Coelho reuniu cinco diferen- tes abordagens da Morte apresentadas no encontro. Diz ele que o pedido para que fotografasse os mortos lhe foi justificado com o desejo de os familiares dos falecidos desejarem ficar com a memória do paren- te “nos seus últimos momentos”. Não existe relato de situação seme-

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ESPECIAL FUNERÁRIAS 31 JANEIRO 20132

O hábito de fotografar os mortos com família e amigos antes do funeralRelatos de situações em Portugal e em algumas zonas de origem de imigrantes de Leste

De um modo geral as pessoas gostam de recordar os seus mortos, sejam familiares ou amigos, como eles eram em vida, mas guardar os últimos momentos da presença dos falecidos ao cimo da terra, é uma tradição que ainda vai subsistindo. Há relatos de casos em Portugal embora longe do Ribatejo e de países de origem de imigrantes que trabalham no nosso país.

Em Abril de 1989, na Chamusca, no decorrer do primeiro encontro “Atitudes Perante a Morte”, o professor universi-tário de Antropologia do Instituto Supe-rior de Ciências do Trabalho e da Empre-sa (ISCTE), Brian Juan O’Neill, referiu a certa altura da sua comunicação “Morte Social e Linhas de Família numa aldeia nortenha, 1870-1990” que no decurso do seu trabalho de campo, tinha sido “em-purrado” para começar a fotografar mor-tos em urna aberta, em velórios, missas de corpo presente e enterros, o que fez durante algum tempo.

O relato feito pelo antropólogo está re-gistado no livro”Atitudes Perante a Morte” (Livraria Minerva - Coimbra 1991) onde o coordenador do encontro, professor Antó-nio Matias Coelho reuniu cinco diferen-tes abordagens da Morte apresentadas no encontro. Diz ele que o pedido para que fotografasse os mortos lhe foi justificado com o desejo de os familiares dos falecidos desejarem ficar com a memória do paren-te “nos seus últimos momentos”.

Não existe relato de situação seme-

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lhante no Ribatejo mas O MIRANTE des-cobriu, junto de imigrantes provenientes da Ucrânia, que a tradição de fotografar os mortos com a família, vizinhos e ami-gos ainda existe em algumas regiões da-quele país. Com essa informação contac-támos algumas casas de fotografia da área de abrangência do jornal para saber se alguma vez tinham sido solicitados para fotografar imigrantes ucranianos faleci-dos em Portugal mas as respostas foram todas negativas.

Tal facto também poderá ser explicado pela vulgarização das máquinas digitais, que permitem que tal trabalho seja feita por um amador, sem custos. Num traba-lho jornalístico sobre um imigrante rome-no que morreu afogado na praia fluvial de Valada, no Cartaxo, foi dito ao jornalista que a família tinha pedido para o morto ser fotografado na urna antes do corpo ser enviado para o seu país natal. O pedido, que seria satisfeito por um amigo do fale-cido, acabaria por não ser satisfeito devi-do à decomposição que o corpo sofreu por ter faltado a luz durante dois dias na casa mortuária onde estava a câmara frigorífica.

Em Portugal é normal serem feitas re-portagens de funerais de pessoas ilustres, nomeadamente de políticos ou artistas. O MIRANTE fez algumas mas os jornalis-tas destacados para as mesmas fizeram o trabalho constrangidos e em certos casos sentiram que a sua presença apenas era aceite porque o falecido era figura públi-ca. De um modo geral a intromissão em momentos de dor é encarada com alguma hostilidade e fotografar ou filmar o defun-to é um sinal de falta de respeito. Tal não acontece, no entanto, em grandes funerais nacionais e há registos fotográficos e em vídeo de mortos famosos como Salazar, Amália Rodrigues, Álvaro Cunhal e outros.

A fotografia que ilustra este artigo, foi cedida por uma família ucraniana da al-deia de Kobaky na região de Ivano-Franki-vsky, que é porta de entrada para a zona

montanhosa dos Cárpatos. Faz parte de um álbum relativo ao funeral de um se-nhor falecido em Maio de 1991. Actual-mente o ritual de fotografar os falecidos com a família, amigos e vizinhos, antes e durante o funeral mantem-se, nomea-damente nas vilas e aldeias rurais, embo-ra já surjam algumas excepções, ditadas muitas vezes pelas próprias pessoas em vida, como tivemos ocasião de constatar numa conversa com um dos habitantes da aldeia de Kobaky, que tem duas filhas a trabalhar em Portugal, que já comunicou à família a sua recusa em ser fotografado depois de morto.

Nas aldeias e vilas da região pré-carpá-tica e nos Cárpatos, os mortos continuam a ser velados nas suas casas onde permane-cem durante três dias. O fotógrafo é cha-mado para o funeral que ocorre ao terceiro dia. Faz fotografias da família, em pose, junto ao defunto e fotografias da família, vizinhos e amigos também em pose junto ao caixão aberto. A seguir faz fotografias tipo reportagem durante a cerimónia re-ligiosa que ocorre na altura antes da saída para o cemitério. Muitas das fotografias são feitas no exterior, em frente à casa, quando a sala onde está o morto não é suficiente para albergar todas as pessoas ou por questões relacionadas com aspec-tos técnicos como a luminosidade. Para além do álbum que fica na posse da famí-lia, as pessoas podem encomendar foto-grafias para si, como se faz normalmente nos casamentos.

Tal como em Portugal, também noutros países, como a Ucrânia que aqui serve de exemplo, o acto de fotografar os mortos, está confinado a determinadas regiões. O MIRANTE contactou cerca de uma dezena de imigrantes, através de contactos dispo-nibilizados pelo ACIDI (Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural), para saber se nas suas regiões de origem existia tal tradição e nenhuma das respos-tas foi positiva.

A minha vida dava um bom obituário

É normal ouvir pessoas dizerem coi-sas como “a minha vida dava um livro” ou, modernamente, “a minha vida da-va um filme”. Que eu me lembre nunca ouvi dizer a ninguém que a sua vida da-va um belo obituário. E na verdade há muitos cidadãos anónimos cujas vidas davam melhores obituários que os fei-tos para certos defuntos ilustres.

Quando era mais novo intrigava-me o interesse dos velhos pelas páginas de necrologia dos jornais. Agora sou eu que lamento que a maioria dos jornais não tenha mais páginas de necrologia e, principalmente, que não tenha obi-tuários. Daqueles obituários relativos a pessoas famosas, escritos no mais fino estilo literário, por quem sabe da escrita de obituários, mas também obituários de pessoas simples que viveram hones-tamente as suas vidas, estudaram, tra-balharam, tiveram filhos, netos, amo-res, desamores...enfim, tiveram vidas vividas com gostos e desgostos longe das câmaras de televisão ou das pági-nas dos jornais.

Na minha cidade paro muitas vezes para ler os anúncios de falecimentos que os agentes funerários colam em locais próprios. Infelizmente a cidade cresceu e cada agente tem os seus locais o que me impede de estar a par de todos os fu-nerais e missas do sétimo dia. Também consulto alguns sites de agências mas a informação é escassa. Sei que há famí-lias que não mostram interesse em dar a conhecer o falecimento dos seus mem-bros. Outras não têm cabeça para pen-sar nisso no meio do desgosto. É pena.

A informação sobre as mortes que ocorrem numa determinada cidade ou

região são úteis. Já se têm gerado mui-tos mal entendidos por causa da falta dessas notícias. Se eu morrer como pos-so avisar os meus amigos do que se pas-sou? E como sabem os meus familiares a quem devem anunciar o meu faleci-mento se no meu telemóvel há mais de trezentos contactos? Mas se algum dos meus melhores amigos ou familiar mais chegado faltar ao meu enterro por falta de conhecimento da minha morte, isso vai ser comentado.

Mas do que eu queria falar mesmo era dos obituários. Informação sobre o falecido. Um homem por mais reca-tado que seja tem sempre algo de seu que deve ser partilhado. Que não pode morrer com ele ou ficar apenas com a família. Há pessoas que conheço há anos mas das quais sei pouco ou nada. A vida é uma correria e não há muito tempo para conversas sobre as nossas vidas. É pena mas é mesmo assim. É a tirania da vida moderna. Se alguma dessas pesso-as com quem me cruzo e cumprimento com deferência desaparece é justo que, pelo menos nessa altura, eu possa ficar a saber um pouco mais sobre ela. Ao fim de tantos anos uma vida não se deveria riscar assim do mapa sem deixar rasto. Pensem nisto aqueles que me estão a ler. Aceitem a sugestão dos agentes fu-nerários e noticiem o falecimento dos vossos mais próximos. Há mais pessoas que vão sentir a sua falta para além de vocês, acreditem. E há mais pessoas a achar que se a vida deles não deu o tal livro ou o tal filme, merece, pelo me-nos, um obituário.

Rui Ricardo

Muitas das fotografias são feitas no exterior, em frente à casa, quando a sala onde está o morto não é suficiente para albergar todas as pessoas ou por questões relacionadas com aspectos técnicos como a luminosidade. Para além do álbum que fica na posse da família, as pessoas podem encomendar fotografias para si, como se faz normalmente nos casamentos

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Subsídio por morte fixado em mil e duzentos eurosAlteração já foi publicada em Diário da República Medida justificada com a actual situação financeira do país que “obriga à adequação do sistema de Segurança Social de forma a garantir que determinadas prestações (…) continuem a ser garantidas a cidadãos mais carenciados, sem colocar em causa a sustentabilidade financeira da Segurança Social”.

O subsídio por morte passa a ter o valor fixo de cerca de 1.200 euros, bem co-mo o reembolso das despesas de funeral, segundo o decreto-lei publicado sexta-fei-ra passada no Diário da República e que altera os regimes jurídicos de protecção social. As alterações aos regimes jurídicos de protecção social no desemprego, morte, dependência, rendimento social de inser-ção, complemento solidário para idosos e complemento por cônjuge a cargo, do sistema de Segurança Social, tinham sido aprovadas em Conselho de Ministros em Dezembro do ano passado.

No decreto-lei está definido que, “no âmbito das prestações por morte, o mon-tante do subsídio passa a ter um valor fi-xo correspondente a três vezes o valor do Indexante dos Apoios Sociais (IAS) e o re-embolso das despesas de funeral passa a ter o limite máximo correspondente tam-bém a três IAS”. Significa isso que tanto o subsídio por morte passa a ter o valor fixo de 1.257,66 euros, como o reembolso das despesas de funeral não ultrapassará esse valor.

No documento está também definido que “na falta de comprovativo do paga-mento das despesas de funeral por parte

dos titulares do direito ao subsídio de mor-te, este só é pago àqueles findo o prazo de requerimento do reembolso das despesas de funeral”. Estas alterações aplicam-se às situações de óbitos ocorridas depois da data da entrada em vigor, ou seja, o pri-meiro dia útil do mês subsequente ao da sua publicação, que é dia 1 de Fevereiro.

Por outro lado, no que diz respeito ao complemento por dependência de primeiro grau, “passa apenas a estar salvaguardado para os pensionistas de menores recursos, bem como o complemento por cônjuge a cargo”, uma vez que, por estar indexado à pensão social, teve um aumento de 4,2% no biénio 2012-2013. Sendo assim, só podem ter acesso a este complemento os pensio-nistas que não recebam uma pensão supe-rior a 600 euros, “considerando-se para este efeito a soma de todas as pensões recebidas pelo pensionista com a mesma natureza”.

Em relação ao complemento por côn-juge a cargo, o decreto-lei que define es-te fica dependente do valor das pensões recebidas pelo pensionista, que não pode ser superior a 600 euros. Em relação a es-te complemento é tido em conta o total de pensões com a mesma natureza que o pensionista recebe, considerando-se, por um lado, as pensões atribuídas por morte e, por outro, todas as outras pensões. “As pensões por incapacidade permanente pa-ra o trabalho e por morte, decorrentes de

acidente de trabalho ou doença profissio-nal, bem como outras pensões de natureza indemnizatória não relevam para os efei-tos”, lê-se no decreto-lei.

Tanto em relação ao complemento por dependência do primeiro grau, como em relação ao complemento por cônjuge a cargo, as alterações vão obrigar ao “recal-culo ou reavaliação das condições de atri-buição das prestações, consoante o caso”.

Estas alterações são justificadas com a actual situação financeira do país, que “obriga à adequação do sistema de Segu-rança Social de forma a garantir que deter-

minadas prestações (…) continuem a ser garantidas a cidadãos mais carenciados, sem colocar em causa a sustentabilidade financeira da Segurança Social”.

foto arquivo O MIRANTE

no que diz respeito ao complemento por dependência de primeiro grau, “passa apenas a estar salvaguardado para os pensionistas de menores recursos, bem como o complemento por cônjuge a cargo”, uma vez que, por estar indexado à pensão social, teve um aumento de 4,2% no biénio 2012-2013. Sendo assim, só podem ter acesso a este complemento os pensionistas que não recebam uma pensão superior a 600 euros, “considerando-se para este efeito a soma de todas as pensões recebidas pelo pensionista com a mesma natureza”