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57 56 Reportagem Maria Clara Vieira Fotos Helder Tavares / Editora Globo Em setembro de 2015 foram reportados às autoridades os primeiros casos daquilo que se tornou um dos maiores dramas da saúde infantil no Brasil nos últimos tempos: a microcefalia ligada ao vírus zika. Muitas das crianças afetadas já estão completando 1 ano de vida. Conheça histórias comoventes de mães e seus bebês, entenda o que se sabe sobre a epidemia até agora, o que permanece em dúvida e o que esperar para o futuro Daniele dos Santos, de Pernambuco, com o filho Juan Pedro, 9 meses ESPECIAL MICROCEFALIA: UM ANO DE EPIDEMIA

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Reportagem Maria Clara VieiraFotos Helder Tavares / Editora Globo

Em setembro de 2015 foram reportados às autoridades os primeiros casos daquilo que se tornou um dos maiores dramas da saúde infantil no Brasil nos últimos tempos: a microcefalia ligada ao vírus zika. Muitas das crianças afetadas já estão completando 1 ano de vida. Conheça histórias comoventes de mães e seus bebês, entenda o que se sabe sobre a epidemia até agora, o que permanece em dúvida e o que esperar para o futuro

Daniele dos Santos, de Pernambuco, com o filho Juan Pedro, 9 meses

ESPECIAL

MICROCEFALIA:UM ANODE EPIDEMIA

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No primeiro semestre de 2015, um vírus pouco conhecido circulava pelo Brasil dentro de mosquitos. Milhares de mu-lheres grávidas foram infectadas sem nem desconfiar de que a vida se torna-ria uma caixinha de surpresas dali a al-guns meses, com a chegada de bebês especiais. Ninguém previu o que estava prestes a acontecer – nem poderia. Nun-ca, em todo o mundo, havia acontecido algo nas mesmas proporções.

“Em meados de setembro, fui chama-da para ver o caso de um menino que nasceu com microcefalia, a cabecinha pequena”, lembra a neuropediatra Ana van der Linden, do Instituto de Medici-na Integral Professor Fernando Figuei-ra, em Recife (PE). “Cinco dias depois, tinha outro bebê com a mesma situação. Passados mais cinco dias, surgiram se-te novos pacientes. Aquilo não era pos-sível. Saía completamente das estatísti-cas.” Segundo a médica, o comum era encontrar uma criança com microcefa-lia a cada dois ou três meses. “Em dez dias, vi nove bebês. Tinha que haver al-guma patologia desencadeando aquilo”, recorda ela. Enquanto pedia exames aos pequenos pacientes, Ana conversou com sua filha, Vanessa, que também é neu-ropediatra em outro hospital de Reci-

fe. Ela disse que tinha percebido a mes-ma coisa: algo novo estava acontecendo. Juntas, mãe e filha tomaram a iniciati-va de notificar a Secretaria de Saúde de Pernambuco. Foi assim que começou o maior drama da saúde infantil brasilei-ra nos últimos tempos.

A questão era tão preocupante que logo se organizou uma reunião com representantes do Ministério da Saú-de e da Organização Pan-Americana da Saúde – e a doutora Ana estava lá pa-ra relatar o que havia visto. Não demo-rou para que especialistas ligassem os fatos: poucos meses antes de os bebês nascerem com a malformação, havia ocorrido uma epidemia de zika, doen-ça nova no país, transmitida pela pi-cada do Aedes aegypti, o mosquito que carrega o vírus. A infecção causa man-chas na pele, coceira, febre baixa e do-res que somem em poucos dias. Só não se sabia até então que, durante a gravi-dez, a doença poderia prejudicar o feto.

Em outubro, no estado da Paraíba, ou-tra médica estava intrigada com a situ-ação. A especialista em medicina fetal e doutora em saúde da mulher, Adriana Melo, do Instituto de Pesquisa Prof. Joa-quim Amorim Neto, procurava respos-tas para duas pacientes grávidas. “Notei

algo estranho no ultrassom morfológico delas. Era diferente de tudo o que eu já ti-nha visto. Acho que muitos médicos pe-lo Brasil estavam observando o mesmo em ultrassons, mas não tinham se fala-do ainda”, relembra Adriana. “Quando chegou o alerta da Secretaria de Saúde de Pernambuco sobre os casos de lá, e a possível relação com o zika, logo pen-sei em analisar o líquido amniótico das gestantes para tentar descobrir a causa do problema. É muito angustiante dizer para a mãe que o bebê está doente e que não tem o que fazer”, conta.

No início do mês de novembro, Adria-na coletou o líquido das duas grávidas e enviou para análise. Em ambos foram encontrados vestígios do vírus zika. A descoberta se tornou um artigo cientí-fico assinado pela médica e mais 17 pes-quisadores brasileiros. Eles foram os primeiros do mundo a comprovar que havia realmente uma associação entre zika e microcefalia.

EM TODO O PAÍSO nascimento de crianças com malfor-mação no cérebro se espalhou com ra-pidez por todo o território nacional e os números continuam crescendo. O bole-tim epidemiológico do fim do mês pas-sado, divulgado pelo Ministério da Saú-de, calcula que há mais de 1.835 casos de microcefalia confirmados desde outubro de 2015. Cerca de 15% deles foram cau-sados por outras infecções congênitas (como sífilis, toxoplasmose ou rubéola, por exemplo), mas a grande maioria se deve mesmo ao zika. Outros 3 mil casos ainda permanecem em investigação. Em fevereiro de 2016, a Organização Mun-dial da Saúde (OMS) decretou emergên-cia sanitária mundial pela associação do vírus zika com a microcefalia. O estado de Pernambuco continua liderando o ranking – são quase 400 casos. Só pelas mãos da neuropediatra Ana van der Lin-den, já passaram em torno de 200 bebês.

“O zika começou no Nordeste e foi se alastrando pelo país. Ele seguiu o curso epidêmico normal de quando uma doen-

Marco Aurélio Palazzi Sáfadi, membro da Sociedade Brasileira de Dengue e Arboviroses. “Por mais de 60 anos, es-se vírus só foi relatado em casos espo-rádicos na Ásia e na África. No Brasil, ele se espalhou muito rápido, porque en-controu condições de propagação. A hi-pótese é que tenha chegado ao país em 2014, com turistas da Copa do Mundo ou ainda com atletas de pequenas ilhas do Pacífico que vieram para o Mundial de Canoagem. Mas é difícil dizer ao cer-to, com o mundo globalizado de hoje”, esclarece Sáfadi. Em 2007 e 2013, acon-teceram surtos de zika em ilhotas do oceano Pacífico. Alguns casos de mal-formação neurológica em bebês foram registrados na ocasião, mas, como a po-pulação é muito pequena e o número de casos era baixo, não pareceu alarmante. Atualmente, a OMS afirma que o vírus circula em 70 países – e todos do conti-nente americano estão inclusos na lista. Com o aumento de casos, mais cientis-tas passaram a estudar a doença.

Está provado que, além da picada do mosquito, o vírus também é transmiti-do por transfusão de sangue e por via sexual. Se o homem está infectado, ele pode passar o zika à companheira por meio do esperma. É importantíssimo saber disso para se proteger: ao ter re-lação sexual durante toda a gestação, o uso da camisinha é fundamental para evitar a infecção. E a recomendação é válida mesmo quando ele não apresen-ta sinais da doença. Estima-se que em 80% dos casos de contaminação, a pes-soa não tenha nenhum sintoma.

Algumas mulheres, assustadas com a epidemia, tomaram medidas extremas e saíram do país para engravidar com se-gurança. Não é preciso tanto. Apesar do número alarmante de bebês prejudicados pelo vírus, as futuras mães não precisam se desesperar – basta saber se proteger e minimizar os riscos de contaminação (leia quadro no fim da reportagem). “Estu-dos feitos nas ilhas do Pacífico mostram que, entre as mulheres que contraíram o zika na gravidez, apenas uma minoria, cerca de 1%, terá bebê com algum pro-

blema. Ainda não possuímos números para o Brasil, mas imaginamos que esse dado seja válido aqui também”, diz a neu-rologista Ana Carolina Coan, da Acade-mia Brasileira de Neurologia.

“Cerca de 90% dos bebês afetados têm condições socioeconômicas mais baixas. A falta de água encanada leva as pessoas a estocarem galões em ca-sa, o que pode se tornar criadouro do mosquito. Não ter saneamento básico também é um problema, porque o es-goto a céu aberto e o acúmulo de lixo atraem o inseto. Mas não se trata de uma doença apenas de famílias de bai-xa renda. Ela afeta quem mais se ex-põe à contaminação”, explica a médi-ca Maria Ângela Rocha, chefe de infectologia pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (PE). A seguir, conheça a história de dez be-bês vítimas da epidemia nesse primei-ro ano. As mães contam os desafios que vêm enfrentando e as perspecti-vas para o futuro.

Trata-se de uma desproporção crânio-facial, em que a cabeça da criança tem o tamanho menor do que se espera para a idade. Leva a limitações físicas e atraso no desenvolvimento, de acordo com o grau de comprometimento cerebral. Alguns pacientes apresentam convulsões e maior risco de contrair infecções graves. Não há tratamento específico. A criança precisa de terapia ocupacional, fonoaudiólogo e fisioterapia para se desenvolver da melhor forma possível. É considerada rara: acomete apenas em 0,1% dos nascidos vivos no mundo. As causas mais comuns são infecções congênitas (durante a gestação), como sífilis, toxoplasmose, rubéola e citomegalovírus. Agora, o zika passa a integrar essa lista. O uso de substâncias químicas também pode causar a malformação.

O QUE É MICROCEFALIA?

No site Assista ao vídeo complementar à matéria, com as mães entrevistadas.

Se o bebê nasce a termo com perímetro cefálico inferior a:

31, 5 cm

A MEDIDA DA MICROCEFALIA

31, 9 cm

ESPECIAL

ça chega a um novo local: houve um pi-co no ano passado, muita gente infecta-da, e agora o número está decrescendo. Conforme a população entra em contato com o vírus, vai ficando imune”, explica Lindomar Pena, pesquisador do Depar-tamento de Virologia e Terapia experi-mental da Fiocruz (PE).

O zika foi catalogado por cientistas pela primeira vez 1947, em Uganda, pa-ís africano. O que existe lá, porém, in-fecta apenas macacos, e não atinge os humanos. “O vírus vai mudando. A li-nhagem que circula no Brasil é a asiá-tica”, explica o infectologista pediátrico

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“A gravidez do Pedro foi planejada. Eu já era mãe do Cassimiro, 6 anos, e queria ter outro filho. Fiz o pré-natal em Monteiro (PB), onde vivemos. No quarto mês de gestação, tive zika. Apareceram muitas manchinhas pelo corpo, deu febre baixa e um pouco de dor nas articulações, mas passou em três dias. Só no oitavo mês descobrimos a microcefalia, em um ultrassom de rotina. Aí me encaminharam para Recife (PE), onde eu poderia ser atendida por especialistas. O Pedro nasceu lá, de parto normal, no tempo certinho, com 38 semanas. Ele estava bem, mas precisou passar 15 dias internado para realizar todos os exames, como tomografia e ressonância magnética. Agora ele faz terapias e é acompanhado por médicos em Recife três vezes por semana. Nós continuamos morando na Paraíba. São quase 350 quilômetros de distância e cinco horas de viagem. Dependo do carro da prefeitura da minha cidade para nos levar. Nós dois dormimos na casa de minha cunhada, em Recife, e no fim de semana voltamos de ônibus para Monteiro. A gente mora na zona rural. O meu marido trabalha cuidando dos animais e cultivando alimentos como feijão e tomate, mas a renda não é fixa. Eu era vendedora de verduras e, no momento, não consigo mais trabalhar. Nosso maior desafio é a questão do transporte para o tratamento e o custo dos medicamentos do bebê. Ele precisa de três remédios caros para controlar as crises convulsivas, e não estamos conseguindo de graça. Gastamos quase R$ 600 por mês só em remédio. Procurei a Defensoria Pública e entrei com uma ação. Essas coisas de Justiça demoram um pouco. Meu filho tinha muitas convulsões, mas, agora, está mais controlado. Depois dos medicamentos, ele ficou bem melhor.”

350 KM DE AMOR

BEBÊ: PEDRO NASCIMENTO: 9/10/2015CIDADE: MONTEIRO (PB)

Laurineide Bezerra Santos, 29 anos, agricultora02

“A prova do poder de Deus é minha filha Graziella. Durante a gestação, os médicos diziam que ela não viveria além do terceiro mês após o parto. Agora está aqui, crescendo saudável, apesar dos pesares. Descobri que minha bebê teria um problema com seis meses de gravidez, quando fui ao hospital com sintomas de zika. Primeiro acharam que tinha hidrocefalia, depois viram que era microcefalia. Vivo com o pai dela há quatro anos. Ele entrou em depressão quando soube. Não conversava, não comia, parou de trabalhar. Eu passei a fazer o pré-natal sozinha, sem ele. Tinha consulta toda semana e, a cada vez, os médicos diziam algo pior. Chegaram a falar que ela ia nascer com as pernas tortas, que não teria os dedos nem os olhos – e eu não contava mais nada ao meu marido. Já tinha até agendado a laqueadura para depois do parto, mas o médico me falou para não fazer, porque minha filha não ia sobreviver. Saí chorando da consulta. O medo era grande. Tive que fazer uma cesárea às pressas, antes de completar oito meses. Eu esperava pelo pior. Só me acalmei quando meu marido disse: ‘Amor, nossa filha é linda’. Minha pressão começou a baixar. Foi uma gritaria na sala de parto. Eu consegui ver a Graziella. Olhei as mãozinhas e os pezinhos, procurando todos os defeitos que me falaram, mas ela era perfeita. Atualmente preciso levá-la a semana toda a hospitais para fazer estimulação e fisioterapia. Por isso, estou um pouco em falta com minha filha mais velha, Flávia, 11 anos. Ela está morando com minha mãe, para não ficar sozinha o dia todo em casa. Às vezes, Flávia me liga e cobra: ‘Mãe, você só está dando amor a uma filha’. Eu converso muito, explico que a bebê precisa de cuidados especiais. Digo assim: ‘Estou lutando para que sua irmã tenha a mesma vida que você tem, para que ela ande, fale, enxergue, escute e conheça as pessoas’.”

BEBÊ: GRAZIELLA NASCIMENTO: 25/10/2015CIDADE: RECIFE (PE)

Inabela Souza da Silva Tavares, 31 anos, vendedora

A BEBÊ QUE SOBREVIVEU

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ESPECIAL

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“Eu digo que é coisa de Deus: era vontade dele que a Maria Eduarda fosse minha filha. Lutei contra a leucemia durante cinco anos. Minha cura veio no dia 15 de novembro de 2015, quando o exame mostrou que eu estava livre da doença. Exatamente uma semana depois, a Duda nasceu. Ela é filha biológica do meu irmão, mas ele e a esposa não tinham condições de criar e não queriam ficar com a bebê. Já tinham encontrado uma senhora disposta a adotá-la. Só que, quando ela chegou na maternidade para buscar a Duda e viu a cabecinha pequena, não quis mais adotar. Durante a gestação, ninguém sabia da microcefalia. Descobriram apenas depois do parto. A Duda ia para o conselho tutelar porque os pais não tinham como cuidar. Então me manifestei. Disse que queria ficar com ela. Assim que saiu da maternidade, foi direto para a minha casa. Eu não pensei se seria difícil ou não. Apenas tomei a decisão por amor. Tenho a guarda provisória e estou esperando a definitiva. Os pais biológicos moram perto de mim, mas não têm relação nenhuma com a criança, não perguntam nada. Eu lembro de ter visto minha cunhada toda vermelha, com febre e dor nos ossos no terceiro mês de gravidez. O exame mostrou que foi zika mesmo que causou. Os médicos disseram que a visão da minha filha foi muito prejudicada. Pelo menos agora ela está abrindo os olhinhos. Antes não fazia isso. Ela também teve perda total da audição. Nós vamos testar um aparelho e, se ele não ajudar, terá que fazer uma cirurgia para colocar um implante. A Duda também estava com dificuldade para ingerir os líquidos, então precisou usar uma sonda provisória e, em breve, terá que fazer uma cirurgia para colocar a definitiva. Os meus dois filhos biológicos, já adultos, são loucos por ela e a chamam de maninha. Moro com a Duda, meu filho e sua esposa. Eles me ajudam. Minha nora participa muito. Eu continuo trabalhando três vezes por semana: dois dias faço faxina e um dia lavo roupas para fora. Tudo mudou para melhor com a chegada dela. Agora dou mais valor à vida.”

CORAÇÃO DE MÃE

BEBÊ: MARIA EDUARDA NASCIMENTO: 22/11/2015CIDADE: OLINDA (PE)

Mirian Pereira, 41 anos, lavadeira e faxineira03

“Eu tenho cinco filhos. O caçula, David Miguel, nasceu com microcefalia. Eu me preparei e segui tudo certinho para a chegada dele: tomei vacinas, fiz os exames e o pré-natal. Mas, no terceiro mês de gravidez, passei mal durante uma semana. Sentia dores pelo corpo e tive febre. Era zika, mas até então eu não sabia. No ultrassom da 35ª semana, o médico avisou que meu bebê tinha um problema no cérebro. Eu chorava dia e noite, pesquisava sobre microcefalia na internet e pedia forças a Deus. Foi muito difícil para mim. Meu filho nasceu com 39 semanas, de parto normal, mas teve que ficar internado durante 21 dias porque precisava fazer exames e não conseguia pegar o peito. O pai do David foi embora quando ele estava com 5 meses. Ele nos ajuda quando pode e, às vezes, faz uma visita. Tive que parar de trabalhar para poder acompanhar o tratamento do bebê – ele faz sessões de hidroterapia, fonoaudiologia, fisioterapia e terapia ocupacional. Vivo hoje na casa dos meus pais com os meus outros filhos, Lidianny Helida, 16 anos, Raianny Sabrina, 14, Willianny Victória, 10, e José Jhonnathan, 6. O David toma remédio diariamente para controlar as convulsões. Ele só dorme em cima de mim, porque precisa sentir que tem alguém por perto. Desejo que o meu filho um dia consiga alcançar tudo o que sonhar e que tenha saúde, porque amor ele já tem, e muito.”

BEBÊ: DAVID MIGUEL NASCIMENTO: 26/7/2015CIDADE: RECIFE (PE)

CINCO FILHOS E UM SONHO

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Danielle Cândida da Costa, 33 anos, vendedora

ESPECIAL

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“Sou mãe da Alana, 4 anos, e pretendia ter mais filhos no futuro. Mas minha segunda gravidez acabou acontecendo sem querer, não foi planejada. Tudo correu bem durante a gestação. Quando eu estava com 37 semanas, senti as dores e fui para o hospital. O Luiz Felipe nasceu por parto normal em um sábado. Saí da maternidade na segunda-feira e ninguém me avisou que ele tinha microcefalia. Só descobri no quarto dia de vida, porque fui a um posto de saúde e a médica me informou. Foi um choque a forma como ela disse, mas eu aceitei. O exame deu positivo para zika. Não tive nenhum sintoma durante a gravidez e os médicos não notaram nada errado com o bebê nos ultrassons. Aqui em casa moramos eu, minha mãe, meu pai, meus dois filhos e meu marido, que trabalha como auxiliar de padeiro. Só consegui o benefício social de R$ 880 para o meu filho porque saí do emprego. Se continuasse trabalhando, não teríamos direito. Além da micro, o Luiz Felipe tem paralisia cerebral e sofre espasmos. Estou tendo que comprar os medicamentos, porque o governo não está fornecendo o que ele precisa. Ele tem suas limitações, mas acredito que vai dar tudo certo, porque está recebendo o acompanhamento.”

DIAS DEPOIS

BEBÊ: LUIZ FELIPE NASCIMENTO: 24/10/2015CIDADE: RECIFE (PE)

Raphaella Oliveira de Santos, 21 anos, auxiliar de serviços gerais

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“Acredito que o João Lucas seja um dos primeiros bebês afetados pela microcefalia do vírus zika. Ele nasceu na Maternidade da Encruzilhada, em Recife (PE), no mês de agosto do ano passado. Sua irmã gêmea é saudável, não tem a malformação. Eu adotei o João quando ele tinha três meses de vida. Tenho a guarda, sou a responsável por ele agora. A mãe biológica é conhecida minha, morava aqui perto, mas não tinha condições de cuidar dele: ela tem mais 11 filhos, não trabalha, o marido também está desempregado e o conselho tutelar já estava em cima da família por questões com os filhos mais velhos. A zika veio no sétimo mês de gestação e o João nasceu com 27 cm de perímetro cefálico. A mãe biológica cobria a cabecinha dele com uma touca e não falava o que ele tinha. Eu dizia: ‘Por que está escondendo? Aceite seu filho, não precisa ter vergonha’. Eu ia à casa deles para levar comida e ajudar como podia. Quando eu chegava, o bebê estava todo sujinho. Ele chorava dia e noite, não parava. Nos dias em que não ia visitá-los, ela mandava uma das crianças mais velhas trazer o João para eu cuidar. Um dia ele adoeceu, levei para o médico e receitaram um antibiótico por dez dias. Cuidei dele direto durante esse período, para poder dar a medicação direitinho. O conselho tutelar percebeu o que estava acontecendo. Os conselheiros visitaram minha casa, viram que aqui é organizado e acharam que ele ficaria melhor vivendo comigo. O juiz me deu a guarda, mas não tirou o direito de os pais biológicos visitarem a criança. Os dois vêm quase todas as noites ver como João está – a gêmea vive com eles. Um mês antes de completar 1 ano, o meu filho começou a ter convulsões, que até então não havia apresentado. Eu vivo com o salário mínimo do meu marido e com o que ganho vendendo doces na minha barraquinha, mas agora quase não consigo mais fazer isso, porque passo os dias fora, levando o bebê às terapias e aos médicos. Além do João, tenho um filho biológico de 19 anos com deficiência mental e cuido de um primo de 35 anos que também tem problemas neurológicos. Eu digo que o meu coração é grande.”

TRÊS VEZES ESPECIAL

BEBÊ: JOÃO LUCAS NASCIMENTO: 20/8/2015CIDADE: PAULISTA (PE)

Valéria Gomes Ribeiro, 45 anos, vendedora

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ESPECIAL

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“Eu escolhi chamar minha bebê de Valentina Vitória porque, quando fui dar à luz, os médicos diziam que ela teria que ir para a UTI e receber oxigênio. Mas ela nasceu muito bem, não precisou de nada disso. Eu achei minha bebê uma vitoriosa e quis dar um nome forte. Ela é minha quinta filha. Também tenho o Matheus, 17 anos, o Breno, 13, a Maria Eduarda, 8, e a Ana Julia, 3. A Valentina tem microcefalia e a Ana Julia tem macrocefalia [condição em que a cabeça da criança é maior do que o esperado para a idade e pode levar a atraso do desenvolvimento] e uma síndrome rara que os médicos ainda não sabem qual é, mas ela anda, fala e vai à escola normalmente. Minha caçula, além da malformação do cérebro, nasceu com pé torto congênito e tem convulsões. Os médicos receitaram remédios para controlar, mas não têm na farmácia popular. Ela enxerga e ouve bem. Até levanta as mãozinhas e perninhas quando escuta música. Recentemente, minha filha precisou fazer uma cirurgia para colocar uma sonda provisória na barriga, porque engasgava muito mamando. Agora só se alimenta assim. Estamos aguardando uma nova operação para colocar o tipo certo de sonda que ela precisa. Os meus exames deram negativo para as doenças que causam microcefalia. O teste com o cordão umbilical da Valentina não apontou o zika. Mas os médicos explicaram que o vírus pode ter sumido, então não descartam a possibilidade. Eu tive todos os sintomas durante a gestação: pintinhas no corpo, febre, tontura, dor de cabeça. Hoje, vivemos com o benefício social que consegui em nome dela. O pai foi embora. Os médicos disseram que podemos melhorar o desenvolvimento físico fazendo exercícios de fisioterapia em casa também. Todos os irmãos ajudam. Eles amam muito a Valentina.”

BEBÊ: VALENTINA VITÓRIA NASCIMENTO: 16/12/2015CIDADE: DUQUE DE CAXIAS (RJ)

MICRO E MACRO

Fabiane Lopes, 32 anos, dona de casa

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“Tudo começou em junho de 2015, quando nós fomos à Bahia visitar a família do meu marido, Robson. Lá estava tendo surto de zika. Nós dois pegamos. Eu fiquei 15 dias passando mal. Já estava grávida de dois meses, mas não sabia. Descobri a gestação quando procurei o hospital por conta da febre. Fiz o pré-natal direitinho em Teresópolis (RJ), onde vivemos. Só no quinto mês, o ultrassom mostrou a microcefalia do nosso filho. A partir de então, me mandaram continuar acompanhando a gravidez no Rio de Janeiro. Foi lá que ele nasceu, por parto normal induzido, na data prevista pelos médicos. Aqui na nossa cidade, o meu filho passa com pediatra de rotina, faz fisioterapia pelo SUS e terapia craniosacral com uma terapeuta que conheceu nossa história e quis ajudar. Nós vamos ao Rio de Janeiro de duas a quatro vezes por semana, porque lá ele tem outras consultas, com fonoaudióloga e neuropediatra. Saímos às 5 horas da manhã e só voltamos às 5 da tarde. O meu marido deixou o emprego para poder me acompanhar no tratamento do bebê. Ele pegou dois bicos para compensar e eu estou começando a vender bolos e trufas. Nós moramos com duas filhas do Robson e um filho meu do primeiro casamento. O Pedro está bem. Ele ri, brinca, consegue se expressar, dorme bem à noite. Nós não faltamos em nenhuma consulta do Pedro. Os médicos disseram que, apesar da dificuldade de nos deslocarmos até o Rio de Janeiro, ele está se desenvolvendo cada vez mais. Falaram que estamos de parabéns. É gratificante quando elogiam a gente e dizem que estamos cuidando bem do nosso bebê. Eu fico feliz.”

FAMÍLIA UNIDA

Raquel Silva Andrade, 23 anos, doceira

BEBÊ: PEDRO EMANUEL NASCIMENTO: 12/2/2016CIDADE: TERESÓPOLIS (RJ)08

ESPECIAL

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“Os meus dois filhos são totalmente dependentes de mim. A mais velha, Karine, tem 12 anos e o pai não registrou. O caçula, Juan Pedro, nasceu com microcefalia. Eu vivia com o pai dele, mas, como o bebê chorava muito, ele não aguentou e foi embora de casa. Nos primeiros meses, meu filho só ficava quietinho no banho ou dormindo. Na gestação, tudo estava tranquilo até o quinto mês, quando, em um ultrassom, desconfiaram que ele tinha hidrocefalia. Senti um choque. No sétimo mês, descobriram que, na realidade, era microcefalia. Foi uma angústia. Precisei ter parto normal induzido e o Juan nasceu com 26 cm de perímetro cefálico, duas semanas antes do previsto. Estamos nos virando. Eu pago aluguel, não posso sair do emprego. Sou recepcionista e trabalho dia sim, dia não. Saio de casa às 7 horas e volto depois das 21 horas. Minha mãe ajuda: ela trabalha com serviços gerais das 22 horas às 6 horas e vem correndo para passar o dia com ele. Minha filha também colabora. Dormimos pouco. Se não consigo acompanhá-lo nas terapias, minha mãe leva. Mas, as consultas médicas, só agendo nos dias em que não trabalho. O pescocinho ainda não está firme, mas ele começou a esticar os braços para tentar pegar coisas. Pena que no último mês passou a ter crises convulsivas. O pai do Juan tem nos visitado, parece que está aceitando um pouco melhor o bebê. O exame comprovou que tive zika, mas os sintomas foram fracos: passei só um dia com febre e algumas manchas no corpo. Achei que fosse apenas uma alergia. Eu tinha vontade de ser mãe novamente, fazia planos... Sonhava vê-lo jogar futebol no campo aqui perto de casa. Ele faz todas as terapias, então espero que possa ter uma vida normal. O meu pequeno é um guerreiro.”

BEBÊ: JUAN PEDRO NASCIMENTO: 4/12/2015CIDADE: RECIFE (PE)

PAI QUE SE VAI, MÃE QUE FICA “Eu e meu marido estamos juntos há dez anos. A gente teve duas filhas, a Camilla, 10 anos, e a Maria Clara, 8. Depois de quase oito

anos que meu esposo tinha feito vasectomia, engravidei, mas nem desconfiava. Só descobri quando comecei a sentir um mal-estar que não tinha explicação. Achei que era gastrite, porque já tive no passado. Fiz todos os exames e não dava nada de errado, mas aquela queimação não melhorava. Eu imaginava tudo, até uma doença grave, menos gravidez. Como fazia uns meses que a menstruação estava atrasada, marquei ginecologista. Fizemos o teste e deu positivo. Estava com quatro meses e a barriga nem aparecia. Foi uma surpresa. Minhas filhas ficaram muito felizes. No começo, a notícia abalou um pouco o meu marido, porque a gente não esperava. Mas quando fiz o ultrassom e descobrimos que era um menino, a alegria foi geral. Durante a gestação, eu tive febre, manchas pelo corpo e muita coceira. O teste para dengue deu negativo na época, então os médicos trataram como uma alergia. Hoje sabemos que foi o zika. Só descobri a microcefalia do Matheus pouco tempo antes do parto. Quando nasceu, era um bebê muito pequeno e chorava tanto... Agora está calmo e nem precisa de medicações. O meu marido está desempregado e consegue bicos às vezes. Eu tive que sair do emprego de zeladora e minha rotina passou a ser levá-lo a médicos e terapias de segunda a sexta. A gente se adaptou à chegada dele. Lidar com o desconhecido é difícil, mas estamos aprendendo muito com nosso filho.“

BEBÊ: MATHEUSNASCIMENTO: 21/10/2015CIDADE: RECIFE (PE)

Hilda Venâncio da Silva, 38 anos, zeladora

Daniele Ferreira dos Santos, 29 anos, recepcionista

SURPRESA APÓS A VASECTOMIA

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Os bebês nascidos com microcefalia em decorrência da infecção pelo zi-ka têm direito de receber um benefício social mensal no valor de um sa-lário mínimo (R$ 880), de acordo com a lei 13.301, de junho de 2016 –

mas tal regra só vale para famílias que tenham renda per capita inferior a R$ 220. Esse dinheiro faz diferença na vida das crianças, uma vez que a maioria das mães precisa parar de trabalhar para poder levar o bebê a todos os tratamentos neces-sários para seu desenvolvimento – e tudo isso traz custos. No entanto, o benefício previsto nessa lei é temporário: só é recebido até a criança completar 3 anos de vi-da. Depois, para continuar recebendo auxílio do governo, é preciso entrar nova-mente com pedido de Benefício de Prestação Continuada (BPC) previsto a pesso-as com diferentes tipos de deficiência física (de acordo com a lei 8.742, de 1993).

A LUTA POR MEDICAMENTOSNo Brasil, existe a Política Nacional de Medicamentos, que garante o forneci-mento de remédios considerados básicos nas farmácias populares, como anti-bióticos e anti-inflamatórios. Mas entre as mães de bebês com microcefalia, é comum ouvir relatos de que não estão conseguindo gratuitamente os medica-mentos que seus filhos precisam – especialmente os mais caros, para controlar crises convulsivas. Caso a criança necessite de um remédio que está em falta na farmácia popular ou ainda se ela precisa de algum fármaco excepcional, que não esteja incluso na Relação Nacional de Medicamentos, é possível recorrer à Jus-tiça. O paciente (ou seu responsável) pode contratar um advogado particular ou procurar a Defensoria Pública para pedir no Judiciário os medicamentos de que necessita. “Assim que o juiz avalia o caso e expede uma ordem judicial, o gestor público é obrigado a cumpri-la para atender o cidadão. O tempo desse processo varia em cada município e de acordo com a urgência do tratamento”, esclarece Sandra Franco, advogada especialista em direito médico e saúde.

SOBRE CUSTOS E DIREITOS

A Organização Mundial da Saúde (OMS), juntamente com especialistas do Brasil, Argentina, Colômbia e Estados Unidos, está reunindo e averiguando dados para investigar em detalhes os efeitos que a infecção do zika tem sobre os bebês. O objetivo é compreender e caracterizar a chamada Síndrome Congênita do Zika, isto é, elencar todas as características que costumam estar presentes nessas crianças. Muito se fala da microcefalia, porque é um dos aspectos mais marcantes. No entanto, os bebês afetados geralmente apresentam um conjunto de outros problemas, como epilepsia, malformação de membros, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, deficiência auditiva e visual, entre outros. Com isso, o intuito é melhorar o atendimento médico prestado em todo o país e ajudar os profissionais de saúde na identificação da síndrome. Segundo a OMS, existe a previsão de divulgar uma versão preliminar do documento no mês de outubro.

Fonte dos dados: Ministério da Saúde; Márcio de Vasconcelos, neurologista da Sociedade Brasileira de Pediatria.

UMA NOVA SÍNDROME?

COMO MINIMIZAR O RISCO DE INFECÇÃO PELO ZIKA

Utilizar camisinha nas relações sexuais

Combater criadouros do mosquito

Usar repelente próprio para gestante

Instalar telas em janelas e mosquiteiro na cama

Evitar áreas com grande quantidade de inseto

Não acumular lixo nem deixar água parada em casa

Usar calças e mangas longas de cor clara, mesmo no calor

A EXPERIÊNCIA DE QUEM TEM FILHOS GRANDES COM MICROCEFALIA

D urante um ano de epidemia, muita coisa mudou nas famí-lias afetadas, mas também na

ciência. Nos últimos 45 anos, apenas 200 artigos científicos haviam sido publicados sobre o zika – um número muito baixo. Pouco se conhecia a res-peito do vírus. Após o ápice do proble-ma, foram mais de mil estudos produzi-dos em todo o mundo só em 2016, o que revela uma intensa busca por respostas.

Por que só no Brasil o zika causou problemas dessa magnitude até ago-ra? Existe algum fator associado ao ví-rus que pode contribuir para o eleva-do número de casos por aqui? Haverá algum remédio capaz de combater a ação do zika no útero materno? Quan-to tempo fica imune a pessoa que já foi infectada? Essas e outras pergun-tas continuam sem respostas.

E o que esperar no próximo verão? Será que presenciaremos a mesma si-tuação do ano anterior? Os especia-listas acreditam que, muito provavel-mente, esta será mais uma doença endêmica no Brasil. “Talvez tenhamos que conviver com o zika assim como já acontece com a dengue. Como in-fectologistas, estamos preocupados e atentos a qualquer aumento. Tem mui-ta gente que já está protegida porque criou anticorpos, mas é preciso espe-rar para ter certeza”, pondera a infec-tologista Maria Ângela Rocha.

AVANÇOS Conforme as pesquisas caminham, a população ganha novas perspectivas. No Instituto Butantan (SP), estão em desenvolvimento duas vacinas contra o zika. “Uma delas, em estágio mais avançado, tem o vírus inativado. Que-

E O FUTURO?Descobertas da ciência, o que permanece em aberto e a vida que segue

remos começar a testar em humanos a partir de 2017”, afirma Alexander Pre-cioso, diretor da divisão de ensaios clí-nicos da instituição.

Na Fiocruz de Recife, cientistas buscam alguma substância que atue como um antiviral contra o zika. “Es-tamos testando uma série de molécu-las. O caminho é longo, mas abre a possibilidade de identificar uma tera-pia para quem está infectado. Já detec-tamos uma substância capaz de blo-quear o zika em laboratório. Agora, precisamos testar em camundongos”, anuncia o pesquisador Lindomar Pe-na. O nome da molécula, no entanto, ainda é segredo.

Alguns estudiosos tentam desco-brir se o zika age mesmo sozinho ou se existem outros fatores que contribuem para a malformação dos bebês. “Pen-sávamos que a Colômbia teria muitos casos, mas não estão ocorrendo tan-tos, enquanto no Rio de Janeiro o nú-mero é crescente. Achamos que pode ter algo mais, mas não sabemos ainda o que é”, relata a especialista em me-dicina fetal Adriana Melo. O que se-ria, afinal, esse outro fator? Ninguém sabe responder por enquanto. Mas a ideia não é descartada nem mesmo pe-lo Ministério da Saúde: “Desde o ano passado, reiteramos que podem ter ou-tras condições relacionadas à infec-ção”, afirmou em entrevista à CRES-CER Wanderson Kleber de Oliveira, coordenador geral de vigilância e res-posta às emergências em saúde públi-ca do Ministério da Saúde. São muitas dúvidas e bastante trabalho adiante. Se é preciso se apegar a algo para se-guir em frente, que seja nessa certe-za: o futuro há de ser sempre melhor.

A notícia de tantas crianças com malformação cerebral comove a muitos, inevitavelmente. Mas as famílias dos bebês afetados se apoiam em forças que sequer imaginavam ter para retomar a vida e seguir driblando as dificuldades, superando as limitações. Mães que já têm filhos grandes com microcefalia mostram que o futuro pode ser melhor do que se imagina. “Minha filha teve uma infância feliz. A educação infantil foi um período ótimo. Ela só se frustrou na época de alfabetização, porque não conseguia acompanhar. Com 14 anos, encontrei uma escola para pessoas com deficiência intelectual. Eles fazem um trabalho bonito. Ela adorou, chegou em casa dizendo que já tinha feito amigos”, conta a pedagoga Verônica Diniz Toroca, 41 anos, mãe de Bianca, 19, que tem microcefalia (a causa não foi descoberta até hoje). “A Bibi precisa de ajuda para se vestir, por exemplo, mas é esperta e doce. Ela interage com as pessoas, assiste TV, anda, fala. Está uma moça”, conta a mãe.Guilherme, 8 anos, é filho da doceira Hellen Cristina Alves, 33, e também tem microcefalia. “Fui a neurologistas renomados e não descobriram a causa. A minha prioridade é ele. O meu filho não anda e não fala, mas é muito carinhoso. Ele abraça, beija, conhece as pessoas e gosta muito de viver, de ir à escola. Faz fono e físio para ajudar no desenvolvimento. No início, ficávamos ansiosos para ele atingir certas conquistas, mas, agora, vemos que o importante é ele estar bem”, afirma Hellen.

No site Entenda o que mudou na reprodução assistida depois da epidemia de zika.

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