Esperança · Esperança n n anern e “Migram as sementes nas asas dos ventos, migram as plantas...

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Esperança Ano l - nº 1 - janeiro/junho de 2009 Scalabrinianas acompanham os migrantes no corte de cana Como JESUS é para mim, eu sou para o migrante Uma história de amor!

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EsperançaAno l - nº 1 - janeiro/junho de 2009

“Migram as sementes nas asas

dos ventos, migram as plantas de

continente a continente, levadas

pelas correntes das águas, migram

os pássaros e os animais e, mais que

todos, migra o homem, ora em

forma coletiva, ora em forma isolada,

mas sempre instrumento daquela

Providência que preside e guia os

destinos humanos, também através

de catástrofes, para a meta, que é o

aperfeiçoamento do homem sobre a

terra e a glória de Deus nos céus”.

(Scalabrini 1879)

Scalabrinianas acompanham os migrantes

no corte de cana

Como JeSuS é para mim,eu sou para o migrante

uma história de amor!

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Presença das Irmãs Missionárias Scalabrinianas

no mundo

Brasil

honduras

colômbia

angola

suiça equador

PreSença ProvínCiaaPareCida

Bélgica

Colômbia

Brasil

equador

Honduras

república dominicana

portugal

paraguaicanadá

espanha

alemanha

argentina

moçambique

indonésiaBolívia

índia

estados unidoscosta rica

méxico

bélgica

AlbâniA

congoáfrica do sul

filipinas

itália

frança

Como Jesus é para mim, eu sou para o migrante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2Scalabrinianas acompanham os migrantes no corte de cana . . . . . . . . . 4

Deus é a nossa fonte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

O Mestre itinerante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

São Paulo: migrante e Apóstolo das gentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

Nas Sendas do Cristo Peregrino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

O sonho de Juliana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

Construtores da paz! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

Quando o amor se torna ato . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

Educação: compromisso com a vida humana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

Uma história de amor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

Você sabia? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

Sumário

decifrando as escrituras

igreja

formação

entrevista

juventude

história de vida

educação

orfanato

curiosidade

espiritualidade

ação missionáriacapa: ir. elizangela chaves dias e criança migrante

revista esperança

Publicação semestral das irmãs Missionárias de

São Carlos Borromeo, Scalabrinianas —

Província nossa Senhora aparecida Março de 2009

diretora ir. neusa de fátima mariano, mscs

Superiora Provincial

Coordenação Geral ir. sandra maria pinheiro, mscs Conselheira e Secretária Provincial

direção de redação ir. elizangela chaves dias, mscs

ir. maria lélis da silva, mscs ir. rosa maria martins silva, mscs.

Colaboradoras ir. assunta Bridi, mscs; ir. cristina de souza

santos, mscs; ir. erta lemos, mscs; ir. gláucia maria dos santos, mscs; ir. inês facioli, mscs; ir. lídia cardoso de andrade, mscs; ir. neuza Botelho dos santos, mscs; ir. renilda teixeira

pereira, mscs; ir. sônia delforno, mscs.

Jornalista responsável ir. maria lélis da silva, mscs

revisão Geral ir. sandra maria pinheiro, mscs

Fotografias autores dos artigos — arquivo fotográfico

da província nossa senhora aparecida

Projeto Gráfico e diagramação viviane Bueno jeronimo

impressão e acabamanto edições loyola

rua 1822, nº 347 04216-000, são paulo, sp

t 55 11 2914 1922 f 55 11 2063 4275

Tiragem 1000 exemplares

Contato província nossa senhora aparecida

praça nami jafet, 96 04205-050 - ipiranga são paulo - sp - Brasil

tel (11) 2066 2900 www.mscs.org.br

e-mail: [email protected]

MGDF

BH

ESSPPR

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Tenho a grande alegria de apresentar-lhes a primeira edição da revista “Esperança”, uma publicação da Província Nossa Senhora Aparecida que visa proporcionar às Irmãs Missionárias Scalabrinianas, às Formandas, Leigos Scalabrinianos, colaboradores, amigos e público em geral, a riqueza da missão que recebemos da Igreja e realizamos com alegria e disposição através do serviço evangélico e missionário aos migrantes, preferencialmente os mais pobres e necessitados (NC 97).

A esperança nos faz caminhar! Em meio às realidades do tempo presente, Deus nos alimenta, con-sola e fortifica com a esperança. As dificuldades não apagam a esperança, mas ao contrário, fazem com que esta desperte com uma força admirável e nos empurre para frente, mostrando-nos sempre novas possibilidades. A esperança nos protege contra o desânimo, dá alento em todo esmorecimen-to; dilata o coração na expectativa da bem-aventurança eterna. “Nela temos como que uma âncora da nossa vida segura e firme” (Hb 6,19). A esperança é também a característica do migrante, do cami-nheiro, do peregrino. Ela pressupõe acolhida ao outro, é geradora de vida e de realidade. A esperança é a aceitação livre e espontânea do futuro e de seus riscos com uma confiança interior que infunde alegria. E viver segundo a esperança significa estar com o coração no futuro.

Portanto, é com grande esperança que colocamos em suas mãos esta revista. Ao lê-la vocês terão a oportunidade de conhecer melhor alguns aspectos significativos da espiritualidade, vida, ação mis-sionária, dinamismo e desafios do carisma Scalabriniano, vivenciados pelas Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo - Scalabrinianas, que vivendo a experiên-cia de “ser migrante com os migrantes”, dão testemunho de vida consagrada e de serviço evangélico e missionário aos migrantes e refugiados.

Os artigos, relatos, entrevistas e testemunhos contidos nes-te número da revista visam descortinar e aprofundar elementos da identidade da Irmã Missionária de São Carlos Borromeo, Scalabrinianas e o nosso jeito pró-prio de exercer o apostolado missionário no mundo da mobilidade humana, dando assim maior visibilidade ao carisma scalabriniano. É mais uma janela que se abre!

Esta edição também quer ser uma demonstração de tudo aquilo que Deus realiza no campo das migrações através das Irmãs Missionárias Scalabrinianas a favor dos migrantes e refugiados. Desejo de cora-ção que toda riqueza presente neste número, nos motive ainda mais a amar e servir Jesus Cristo no migrante, sendo presença solidária no mundo da mobilidade humana e “impulso contínuo àquela es-perança que, apontando um futuro além do mundo presente, solici-ta deste a transformação na caridade e o cumprimento escatológico (EMCC 18), possibilitando-nos reforçar e sustentar nossos passos no peregrinar para Deus.

Ir. Neusa de Fátima Mariano, mscsSuperiora Provincial

Caros Leitores

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“... Mais que tudo, migram os homens...”. A Igreja que é mãe e mestra nos ensina a percorrer seu caminho: o ser humano. Este foi feito à imagem e semelhança de Deus (Gn 1,27) com vocação ao diálogo, à comunhão e interação com Ele para aprender Dele mesmo como ser amável e solidário com o outro que está a caminho. Deus mesmo nos capacita (Mc 3,15) pela ação do Es-pírito Santo que nos configura com Jesus Cristo, o pe-regrino do Pai, a sermos sensíveis à dor, ao abandono, à rejeição e à segregação dos diferentes, dos migrantes. E coloca em nós um desejo profundo de criar e de ser ponte entre pessoas, povos e nações.

O mundo da mobilidade humanaOs fluxos migratórios mais significativos vão em di-

reção ao norte do mundo, isto é, dos países empobreci-dos aos países desenvolvidos. São os latinos, filipinos, indianos e africanos que compõem a maior parte dos mais de duzentos milhões de pessoas que vivem fora de sua terra natal. Vivem de esperança, superando a dor da saudade, do carinho dos familiares, do cheiro de sua terra, dos amigos, dos costumes, do jeito de praticar a religião. Vivem num mundo diferente... Sentem-se ignorados, re-jeitados, desrespeitados, desprezados, explorados. Um sem sentido... O mi-grante é capaz de tudo

para conseguir um “pedaço melhor de vida” em qual-quer parte do mundo, superando toda dificuldade, quantas vezes forem necessárias. Enfrenta a polícia migratória, a travessia da fronteira, do rio, do deserto, do mar, do engano, da exploração, dos maus tratos e segue seu caminho na esperança de encontrar mais vida para si e para sua família.

O reboliço das centenas de pessoas mais ou menos amontoadas na estação ferroviária de Milão na Itália que esperavam o momento da partida para as Améri-cas em busca de melhores condições de vida, foi um lugar privilegiado de reflexão, oração e entendimento de que os migrantes precisavam de uma atenção pas-toral diferenciada para que sua situação fosse diferen-te. A estação de Milão foi um grande sinal dos tempos para o Apóstolo dos Migrantes. E você já enxerga os migrantes? Já escuta seu clamor? Já pensa no que você pode fazer para diminuir-lhes o sofrimento?

Quando o povo sofre e clama a Deus, ele o ouve e vem em seu auxílio (Ex 3,17). Quem tem familiaridade com Deus aprende a ouvir e sair ao encontro daque-

le que está mais necessitado de ajuda. Perceber que aquele que está fora de sua terra natal sofre mais do que aquele que vive onde nasceu e sair ao seu encontro para acolhê-lo e dar-lhe condições para se sentir em casa, é sinal de que tem sensibili-dade missionária scalabriniana.

Como JESUS é para mim, eu sou para o migrante

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A experiência de Dom João Batista Scalabrini na esta-ção de Milão foi o momento da epifa-nia do Carisma de Serviço E van gélico e Missionário aos Mi-grantes quando ele se perguntou: Que posso fazer para minimizar os sofrimentos destes emigrantes? Padre José Marchetti fez a mesma expe-riência quando viu partir, de uma só vez, dois terços de seus paroquianos, deixou tudo e foi acompanhá-los. Madre Assunta Marchetti também fez a mesma experiência quando ouvindo as palavras de Padre Marchetti que narrava a situação de carência e aban-dono das crianças imigrantes em terras brasileiras, decidiu em seu coração e partiu para assisti-los com amor e reverência.

A força redentora do Serviço Evangélico e Missionário aos MigrantesFilhas de Scalabrini, Marchetti e Assunta, as Irmãs

Missionárias de São Carlos Borromeo – Scalabrinia-nas, sensíveis às vulnerabilidades das pessoas mi-grantes se dedicam ao cuidado material e espiritual de crianças em situação de risco, de doentes em hos-pitais e casas de repouso e de anciãos abandonados. Empenham-se com pro fissionalismo na catequese e na educação cristã de crianças, adolescentes e jovens, com especial atenção à formação do cidadão univer-sal que sabe ver, respeitar e valorizar as diferenças cul-turais e religiosas.

Grande parte das Irmãs da Congregação e parti-cularmente da Província Nossa Senhora Aparecida, presente em quatro países: Brasil, Equador, Colômbia e Honduras se dedica à ação pastoral em favor dos

migrantes em Centros de Acolhida, Promoção e Capa-citação, em paróquias, dioce-ses, arquidioceses, conferên-cias episcopais, no Conselho Episcopal Latinoamericano e no Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migran-tes e Itinerantes. Servindo, instruindo, organizando,

orientando, acompanhando e trabalhando em rede.O conhecimento de Jesus Cristo, pela graça de Deus,

capacita os olhos e o coração de quem ouve o clamor do povo migrante, para reconhecê-lo e servi-lo na pessoa migrante (Mt 25,35) sem se importar com as causas de sua vulnerabilidade (temporários, fronteiriços, vítimas do tráfico, caminhoneiros, itinerantes, refugiados, emi-grantes, imigrantes, “meio ambiente”). Amá-lo e servi-lo nas gentes do mar (marinos, armadores, pescadores artesanais e de alto mar, mercantes, portuários). Vê-lo e acompanhá-lo nas pessoas que por direito saem de seus países para conhecer novas culturas, novas paisa-gens, adquirir novos conhecimentos, bem como aque-les que trabalham para que isso seja possível.

“Sai da tua terra e vai aonde te mostrarei” (Gn 12,1)Assim diz o Senhor a todos aqueles que o querem ser-

vir na pessoa em situação de mobilidade. Seja, a exem-plo de Marchetti e Assunta, migrante com os migran-tes, colaborando na transformação de suas vidas. Seja acolhedor, alegre, esperançoso pela graça que lhe con-fere a morte e a ressurreição de Jesus Cristo por amor à humanidade. E rezemos com ele: “Que todos sejam um, ó Pai, como nós somos um” (Jo 10,30). E com São Paulo proclamemos com a nossa vida: “O muro que nos separava foi destruído” (Ef 2,14). Agora é a vez do amor, da comunhão, da esperança e da alegria.

ação missionária

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No ano de 2008 completamos 25 anos de presença missionária das Irmãs Scalabrinianas na região cana-vieira de Ribeirão Preto – SP, tendo como referência a diocese de Jaboticabal, a partir das cidades de Do-brada, Santa Ernestina e, atualmente, em Guariba. Missão esta, compartilhada com os Missionários Sca-labrinianos desde 1985.

Durante esta trajetória junto aos migrantes tempo-rários da safra da cana, somaram-se ao nosso trabalho, inúmeros agentes pastorais, colaboradores, pesquisa-dores, sindicalistas, produtores de documentários, meios de comunicação e órgãos públicos municipais, estaduais e federais. Sensibilizados com o contexto das migrações temporárias rurais, em suas causas e conseqüências eles contribuíram de maneira signifi-cativa na divulgação e promoção de medidas de pro-teção aos trabalhadores canavieiros referentes às con-dições de trabalho, saúde e moradia, tornando visíveis os impactos humanos, sociais e ambientais no pro-

cesso de conso-lidação do setor sucroalcooleiro.

A rede de in-tercâmbio pas-toral entre igre-jas de origem e

de destino dos migrantes foi sendo ampliada à medi-da que os novos fluxos migratórios entraram em cena. Inicialmente eram os mineiros, baianos e pernambu-canos; a partir do ano 2000 os maranhenses, piauien-ses, paraibanos, cearenses, alagoanos. Novas dioceses e atividades pastorais foram incluídas na programação: Missões nas dioceses de Coroatá, no Maranhão, e São Raimundo Nonato – no Piauí; realização do I e II En-contro das Igrejas de Origem e Destino dos Migrantes e a criação do site da Pastoral do Migrante, o qual fa-voreceu o incremento de informações e um intercâm-bio mais intenso com um público bem diversificado.

Cenários e protagonistasCom a expansão do monocultivo, a área de plan-

tação de cana-de-açúcar cresceu de 4,5 milhões para cerca de 7 milhões de hectares nos últimos dois anos. (Dados da Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB). Com o uso do álcool na matriz energética, o Brasil está se transformando num “mar de cana”. Atu-almente, o setor sucroalcooleiro produz 18 bilhões de litros de etanol por ano. Apesar do aumento da me-canização, que ocorre em cerca de 40% das lavouras, a mão-de-obra migrante continua sendo utilizada pelas usinas que já não contam com trabalhadores locais para o serviço do corte de cana. Estima-se que 80% dos cortadores de cana são provenientes da migração.

No período da safra, abril a novembro de 2008, atra-vés de visitas realizadas pela Pastoral do Migrante em cerca de 1657 moradias coletivas de trabalhadores

Impulsionadas pela vida e missão de Jesus Cristo percor-rem caminhos de aproximação e acolhida aos migrantes. “Era migrante e você me acolheu.” (Mt 25,35)

Scalabrinianas acompanham os migrantes no corte de cana

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migrantes, em 26 cidades no interior de São Paulo, e de acordo com levantamento realizado, tivemos um contato com aproximadamente 52 mil migrantes.

Partir a sós ou com a família? Eis o drama que en-volve os migrantes: antes, durante e após a decisão de migrar. Migram para viver! “De tudo o pobre tem precisão: carinho, amor, casa, comida, trabalho, salá-rio, festa e acima de tudo, Deus como protetor”. Suas vidas transitam entre privações, riscos, surpresas, aprendizados, sofrimentos e submissões. Seus sonhos e esperanças são arremessados além das fronteiras. Abraçam as oportunidades laborais que surgem pe-los caminhos na firme decisão de estarem incluídos no mercado de trabalho, usufruir de algum tipo de ascensão social e ampliar seus horizontes de vida a partir das dificuldades inerentes que ocorrem nas partidas, nas adaptações e nos retornos. Ao interpre-tar o mundo através de novas janelas de sua história, o migrante tende a se apropriar de seu papel de pro-tagonista, assumindo diferentes facetas de sua vida, que conjugadas no coletivo, desdobram-se em ações transformadoras nem sempre mensuráveis e visíveis.

Vidas heróicas: nas estradas e no eito“Muitos deixam suas terras pensando em vida melhor,

mas na podada da cana derrama muito suor. Ficar na cana é ruim, voltar pra terra é pior.” (Pedro Costa)

As viagens dos locais de origem aos locais de destino são feitas em ônibus clandestinos, o que por um lado fa-cilita o transporte de seus pertences e um entrosamento mais familiar durante o percurso. Em algumas circuns-tâncias são vítimas de assaltos, ficando desprovidos de seus próprios documentos, sem dinheiro e sem malas; outros enfrentam horas na estrada até que o ônibus seja consertado. São de três a quatro dias na estrada. Que fazer? “Deixar a esperança correr, partir e chegar para colher”.

No eito da cana há uma mistura

de trabalho, exploração e sofrer. “Em 10 minutos o trabalhador derruba 400 quilos de cana, desfere 131 golpes de podão, faz 138 flexões de coluna, num ciclo médio de 5,6 segundos cada ação. O trabalho é feito em temperaturas acima de 27ºC com muita fuligem no ar. Ao final do dia o trabalhador terá ingerido mais de 7,8 litros de água, em média, desferido 3.792 golpes de podão e feito 3.994 flexões com rotação da coluna. A carga cardiovascular é alta, acima de 40%, e em mo-mentos de pico os batimentos cardíacos chegam a 200 por minuto”. (Fonte: CEREST E UNIMEP, 2007).

Prolongando a vida do carisma scalabriniano“A realidade das migrações não deve nunca ser vista só

como um problema, mas também e, sobretudo, como um grande recurso para o caminho da humanidade”. (DA 413)

O serviço evangélico e missionário junto aos mi-grantes temporários rurais é um prolongamento do carisma scalabriniano na Igreja e na sociedade, que há mais de um século vem testemunhando o legado deixado pelo Beato João Batista Scalabrini que dizia: “Onde está o povo que sofre e trabalha, aí deve estar também a Igreja”.

Nossa presença junto aos migrantes com pequenos gestos de proximidade, acolhida, escuta e ajuda soli-dária, embora possua um caráter temporário, torna-se referência mútua pelos caminhos da vida. As ativi-dades de cunho religioso e pastoral lhes propiciam a vivência comunitária da fé e uma interação saudável e benéfica. As ações de caráter empenhativo na defe-sa e promoção de seus direitos ao trabalho decente, transporte seguro e moradia digna; o combate a todo tipo de exploração; o respeito e valorização de suas

diferenças estão criando novos espaços de esperanças para o povo migrante.

O apoio permanente das Congregações Scalabrinianas, da diocese de Jaboticabal, do Serviço Pastoral dos Migrantes, da en-tidade Misereor e dos próprios migrantes e suas comunidades tem favorecido nossa inserção e luta por esta causa, porque “Nós fazemos e Deus termina”.

ação missionária

Esperança | 1º semestre de 2009 5

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Espiritualidade é uma dimensão da vida humana que trata, antes de tudo, da presença atuante do Espí-rito na vida do cristão/ã, pondo-o/a em contato com Deus. Ela nasce do encontro entre a comunicação que Deus faz de Sua própria vida e da acolhida ativa por parte de quem recebe esta comunicação.

Na reflexão sobre a Vida Religiosa Consagrada an-terior ao Concílio Vaticano II, o pano de fundo era o exercício da assim chamada “virtude da religião”, através da qual se prestava a homenagem interna e ex-ternamente a Deus, como o princípio e o fim da vida cristã e religiosa. Todas as demais virtudes estavam nela compreendidas.

Com o Concílio Vaticano II, a Vida Religiosa passa a ser vista como expressão do mistério da própria Igreja (...), situada não apenas na sua estrutura externa, mas no seu profundo Mistério e na sua Missão.

A mesma Igreja pede a todos os Institutos religiosos “uma atualização que compreende, ao mesmo tempo, contínuo retorno às fontes de toda vida cristã e à inspi-ração primitiva e original dos Institutos e, a adaptação dos mesmos às novas condições dos tempos” (PC, 2).

Em outras palavras, a Igreja pede que se explicite o

CARISMA, a ÍNDOLE e a ESPIRITUALIDADE própria, que está na origem de cada família religiosa para avaliar sua fidelidade e ao mesmo tempo procurar atuali-zar estes valores, sem perder seu dinamismo vital, de acordo com as exigências dos novos tempos.

O critério para a leitura, confronto e reformulação é dado pela mesma Igreja: “Tal renovação, deve ser pro-movida sob o impulso do Espírito Santo” (PC, 2). Mas, não aleatoriamente, senão seguindo alguns princípios propostos no mesmo documento e que podemos re-sumir em: Seguimento a Jesus Cristo, conhecimento do espírito e intenções específicas dos Fundadores/as, as sãs Tradições, que são o patrimônio do Instituto.

Redescoberta dos elementos fundantesComo, a partir do código de direito canônico de

1917, as Congregações Religiosas de vida apostóli-ca haviam sido tomadas na sua generalidade, tendo como fim geral “a santificação dos seus membros” e, como fim específico, a “atividade apostólica”, muitos elementos da especificidade dos Institutos ficaram subentendidos e pouco considerados, sobretudo o as-pecto do CARISMA e da ESPIRITUALIDADE.

…”deixa-vos sempre guiar pelo espírito”…(Gl 5,13)

DEUS é a nossa fonte

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Carisma Scalabriniano

A experiência espiritual vivenciada pelo beato João Batista Scalabrini diante do fenômeno da Migração o predispôs à abertura da ação do Espírito que o agra-ciou com o dom da compaixão1 pelos migrantes. Este dom o moveu a dar respostas pastorais, promover po-líticas migratórias mais adequadas e, buscar colabora-dores para atuar pastoralmente nesta área.

Todos os que se sentiram atraídos a colaborar nesta causa eram também movidos pelo mesmo Espírito de Deus que os congregava na Missão, fazendo-os parti-cipantes do mesmo dom “CARISMA”. Assim, foram

se somando os sacerdotes, os leigos, as religiosas e, mais tarde, as leigas consa-gradas, comungando todos e todas do mesmo ideal.

É o Espírito Santo quem suscita os diferentes grupos, os irmana no mesmo dom,

criando comunhão entre os membros e complemen-tação nas atividades pastorais.

Portanto, a decisão de colocar-se a serviço evangé-lico e pastoral das pessoas em Mobilidade Humana não é apenas uma decisão pessoal, mas uma decisão que brota impulsionada pelo mesmo Espírito de Deus que age no interior das pessoas, e quer a complemen-tação, dentro da especificidade de cada grupo.

Um estudo mais aprofundado sobre o carisma requer esforço para esclarecer alguns elementos e um discerni-mento para verificar as novas formas das expressões que o mesmo assume no hoje da história, pois só pode ser reconhecido, na forma como é vivido hoje pelos mem-bros que compõem a família religiosa que ele originou.

Espiritualidade “scalabriniana”

Embora nossas primeiras Irmãs não tenham deixado textos escritos sobre a Espiritualidade vivida por elas, percebemos que tinham profunda vida de união com Deus e que a oração que alimentava esta vida era tam-bém o princípio inspirador fundamental da intensa vida de doação e serviço aos migrantes mais pobres e necessi-tados, e fonte de comunhão profunda entre elas.

Cristo, o esposo e companheiro nas peregrinações apostólicas, conferia-lhes, além da vida sobrenatural, a capacidade de agir sobrenaturalmente. A vida da graça (pela participação nos sacramentos), o “espírito de fé viva haurido diariamente no Sagrado Coração de Jesus” (Constituição das Servas dos Órfãos e Abando-nados no exterior, São Paulo, SP, 1895, p. 1), a caridade expressa na mansidão, afabilidade e paciência que as caracterizava, juntamente com os dons conferidos pelo Espírito Santo a cada uma, constituem o aspec-to operativo desta vida, transformando suas ações em “oferta agradável a Deus”.

É esta experiência de profunda união com o misté-rio Trinitário, por Cristo, no Espírito, que proporcio-na o conteúdo concreto do que hoje denominamos espiritualidade scalabriniana.

Conseqüências para nossa vidaTodos que fazemos parte desta família religiosa

(sacerdotes, religiosas, leigas consagradas, leigos/as scalabrinianos/as), buscamos conhecer, compreender e cooperar com a ação do Espírito. Desta forma, vamos conso-lidando os traços co-muns desta vida no e segundo o Espírito para sermos conti-nuadoras/es desta obra do Senhor na história, pois a espi-ritualidade é fonte para nossa renova-ção pessoal, força para a nossa missão e atualização da vida e missão da nossa instituição na Igreja, hoje.

1 O termo compaixão pode ser traduzido como a capacidade de ver e sentir com os olhos e sentimentos de Deus, as dores e os

sofrimentos dos migrantes. Esta experiência move as entranhas do discípulo/a de Jesus a buscar soluções que reconstruam a vida das

pessoas envolvidas no mundo da Mobilidade Humana.

espiritualidade

A Igreja pede que se explicite o

CARISMA, a ÍNDOLE e a ESPIRITUALIDADE

própria.

Esperança | 1º semestre de 2009 7

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Uma leitura apurada dos evangelhos sinóticos re-vela a pessoa de Jesus Cristo com características de migrante, ou seja, sempre a caminho. “E Jesus cami-nhava pela Palestina rumo a Jerusalém”: esta é uma das imagens que os evangelhos sinóticos nos apre-sentam com freqüência da pessoa de Jesus. A partir desta imagem podemos entender, desde o ponto de vista sociológico, o porquê Jesus nos é apresentado como um mes-tre itinerante.

O caminhar é parte da vida pú-blica de Jesus. O evangelista Mar-cos o apresenta dizendo: “Depois que João foi preso, Jesus se diri-giu para a Galiléia” (1,14). Neste quadro encontra-se o relato do chamado dos discípulos, os quais “caminharam até Cafarnaum... e Jesus entrando na sinagoga pôs-se a ensinar” (1,21); “caminhou para um lugar deserto” (1,35). A notícia redacional é resumida assim: “E caminhou por toda a Galiléia, ensinando nas Sinagogas e expulsando os demônios” (1,39).

Enfim, Marcos apresenta Jesus sempre em caminho, passando pela Judéia e tendo como destino final Je-rusalém: “E partindo de lá passou pelo território da Judéia do outro lado do Jordão” (10,1); “e estavam em viajem para subir até Jerusalém” (10,32); “Quando se aproximavam de Jerusalém” (11,1); “entrou em Jeru-salém” (11,11). Deste modo se cumpre a peregrinação

de Jesus enquanto homem, que foi imolado na cruz para salvação de muitos (14,24), e testemunhando a sua filiação divina: “verdadeiramen-te este Homem era Filho de Deus” (15,24).

Todos os evangelistas apresentam, de certa forma, a figura de Cristo como estrangeiro ou peregrino (mi-grante). Um Jesus que caminha e convida a segui-Lo. No entanto, po-

demos dizer que entre os sinóticos, é Lucas aquele que se destaca pela forma particular como trata este tema. Do início ao fim, em seu evangelho, Jesus se caracteri-za pela itinerância. Sua vida está cheia de sinais e sig-nificados de estraneidade: o nascimento acontece em

O Mestre itinerante

Todos os evangelistas apresentam,

de certa forma, a figura de Cristo

como estrangeiro ou peregrino (migrante). Um

Jesus que caminha e convida a segui-Lo.

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Belém, cidade que não é nem de Maria nem de José, e não tem lugar para eles; situação esta que levou Jesus a nascer em condição de estrangeiro. No outro extre-mo, nos deparamos com Jesus condenado à morte na cruz, suplício dos romanos que era reservado somen-te aos escravos e estrangeiros. Sendo assim, do ponto de vista dos israelitas e dos romanos, Jesus morre na condição de um criminoso estrangeiro.

A pessoa de Jesus nos coloca de frente ao mistério da presença de Deus que se manifesta no estrangeiro. A viagem de Jesus rumo a Je-rusalém constitui, no Evan-gelho de Lucas, o quadro central (9,51-19,28), ritmado pelo refrão: “com decisão caminhou rumo Jerusalém” (9,51); “e andava pelas ci-dades e vilas ensinando en-quanto estava a caminho de Jerusalém” (13,22); “...sempre em caminho para Je-rusalém” (17,11); “Jesus ia à frente no caminho que sobe para Jerusalém” (19, 28). Percebe-se claramente que a “Cidade Santa” é o destino de Jesus. Ele mesmo respon-de às ameaças de Herodes: “É necessário que hoje, amanhã e depois de amanhã eu cami-nhe pela minha estrada, porque não é admissível que um profeta mora fora de Jerusalém” (13,33).

Na perspectiva da Revelação e à luz da migração, o ponto culminante se encontra no evangelho segun-do Mateus, onde Jesus não só aparece como pere-grino e estrangeiro, mas Ele mesmo se identifica em pessoa com o migrante, indicando a acolhida como critério de salvação: “Eu era migrante e me acolhes-tes... toda vez que fizerdes isso a um dos meus pe-quenos é a mim que o fazes” (25,35). Jesus não só foi ou identificou-se com o migrante, mas Ele mesmo deu atenção particular a essas pessoas. Percorrendo as páginas das Sagradas Escrituras, encontramos

tantos exemplos do amor particular de Jesus pelos migrantes, manifestado singularmente no gesto da acolhida e solidariedade.

O mandamento do amor ao próximo não é uma novidade do Novo Testamento, mas já era uma inci-dência no Antigo Testamento. Reivindicando o amor ao próximo como o mais importante depois do amor a Deus, Jesus não faz uma afirmação inovadora, mas assume e reforça o que já estava prescrito pela Lei: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 18,19).

O mais interessante é que o Levítico ao falar do próxi-mo se refere justamente ao estrangeiro, ao forasteiro, ao migrante. Jesus levou à plenitude este mandamen-to, dando-nos Ele mesmo o exemplo da acolhida e do di-álogo com o diferente, o que podemos constatar na pará-bola do bom samaritano, no encontro com a Samaritana, na cura dos dez leprosos dos quais somente o estrangeiro voltou para agradecer; e tan-tos outros.

Através do mandamento do amor ao estrangeiro, a Bí-blia não pensa somente na-queles que estão longe, mas

ao ‘próximo’, aquele que se encontra em minha fren-te, junto comigo, do meu lado. O amor que essa apon-ta é o amor de alteridade, que não exclui, mas ama o outro enquanto Outro, nas suas diferenças. Na Bíblia a nudez do rosto é a condição mesma do amor, sendo assim, é possível amar somente onde o rosto é visível: “quem não ama o próprio irmão a quem vê, não pode amar a Deus a quem não vê” (I Jo 4,19-21).

Ainda poderíamos nos perguntar: (...) quem é o pró-ximo ao qual amando, se ama também a Deus? Para-doxalmente, nas escrituras hebraicas somente uma vez se fala do amor ao próximo (no livro do Levítico) ao qual Jesus retorna explicitamente, por mais de trinta

decifrando as escrituras

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vezes, quando prescreve o man-damento do amor ao estrangei-ro. Deste modo, segundo alguns exegetas, a verdadeira formulação do mandamento do amor, seria o amor ao último, pois o ‘próximo’ e o ‘estrangeiro’ na Bíblia coin-cidem, incidindo em caracterís-ticas de um no outro. Para a Bí-blia, ‘cada estrangeiro é próximo’ e ‘cada próximo é estrangeiro’, porque para esta pessoa, a outra é contemporaneamente próxima em semelhança, e estranha, ou seja diferente do eu, a respeito daquilo que cada pessoa é na sua singularidade, sempre um estranho, sempre um estrangeiro.

Diante deste apelo e do modo de ser de Jesus, pe-regrino e estrangeiro no mundo, toda a Igreja como discípula e missionária recebe a missão de amar, aco-

lher e atender o migrante na sua diversidade. E respondendo a um carisma peculiar na Igreja, as Ir-mãs Missionárias Scalabrinianas procuram realizar sua própria missão de ser e estar no mundo, sendo “migrante com os migran-tes”, pois, só assim é possível dizer como o Bem-aventurado Scalabri-ni “no migrante eu vejo o Senhor”. Para a Missionária Scalabriniana o migrante é o lugar teológico, ou

seja, o caminho de encontro com Deus. Sendo assim, a imagem do Cristo peregrino, migrante por excelência, é motivo fundacional do carisma e da espiritualidade scalabriniana na Igreja. É também fundamento para a ação concreta do serviço evangélico e missionário aos irmãos e irmãs que se encontram dispersos pelo mundo em mobilidade.

E respondendo a um carisma peculiar

na Igreja, as Irmãs Missionárias Scalabrinianas

procuram realizar suaprópria missão de ser

e estar no mundo, sendo “migrante com os

migrantes”, pois, só assim é possível dizer como

o Bem-aventuradoScalabrini “no migrante

eu vejo o Senhor”.

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igreja

“São Paulo: migrante e Apóstolo das gentes”

Tendo proclamado 2009 como o Ano Jubilar por ocasião do 2º milênio do nascimento de São Paulo Apóstolo, o Papa Bento XVI escolheu como tema de sua Mensagem para o 95º Dia Mundial do Migrante e Refugiado, falar sobre a vida do Apóstolo, como “migrante e apóstolo de todos os povos”.

Segundo Bento XVI, sendo migrante por vocação, Paulo através de sua pregação e de sua obra de me-diação entre as diversas culturas e o Evangelho, se torna um ponto de referência para aqueles que estão comprometidos com o movimento migratório con-temporâneo.

A mensagem se baseia naqueles elementos sobre os quais estavam fundamentadas a vida e a missão de Paulo, as quais é de grande valia trazer à reflexão:

Origem e vocação: Filho de judeus que emigra-ram para Tarso da Cilícia, ele foi educado na língua e cultura hebraica e helenista, valorizando o con-texto cultural Romano. O caminho de Damasco foi o seu lugar de encontro com Cristo (Cf. Gl 1,13-16) e, sem renegar suas tradições, dedicou-se à sua nova missão com entusiasmo e coragem, dócil ao mandato do Senhor: “Hei de enviar-te aos pagãos, lá ao longe”

(At 22,21). Para ele, Jesus tornou-se a razão de ser e o motivo inspirador do compromisso apostólico ao serviço do Evangelho.

Missão: Nas suas viagens apostólicas, São Paulo se preocupou em proclamar o evangelho, primeiro aos seus compatriotas, os judeus da diáspora. Se eles o re-jeitavam, dirigia-se aos pagãos, fazendo-se autêntico “missionário dos migrantes”, ele mesmo, migrante e embaixador de Jesus Cristo, convidava todas as pesso-as a se tornarem, no Filho de Deus, “novas criaturas” (II Cor 5,17).

Guiado pelo Espírito Santo, prodigalizou-se sem reservas para que fosse anunciado a todos, sem dis-tinção de nacionalidade e de cultura, o Evangelho que é “poder de Deus para a Salvação de todos os fiéis (Rm 1,16). Singrou os mares do Oriente Próximo, percor-reu as estradas da Europa até Roma. A sua vida e sua pregação foram orientadas para fazer com que todos conhecessem e amassem Jesus, porque nele todos os povos são chamados a tornar-se um só povo.

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Missão da Igreja hoje: Segundo o Papa Bento XVI em sua mensagem, vivemos numa era globalizada na qual a missão da Igreja e de todo batizado, como Paulo, é a de dirigir-se, com toda solicitude pastoral ao diversifi-cado universo dos migrantes: estudantes fora da pró-pria sede, imigrados, refugiados, prófugos e desloca-dos; bem como àqueles que são vítimas da escravidão moderna, como por exemplo, o tráfico de seres huma-nos. A Igreja é chamada a propor a Mensagem de Sal-

vação com a mesma atitude do Apóstolo das nações, le-vando em consideração as diversas situações sociais e culturais, e das particu-lares dificuldades de cada

um, em con-s e q ü ê n c i a da condição

de migrante e itinerante. “O

exemplo de

Paulo seja para nós estímulo para nos fa-zermos solidá-rios com estes nossos irmãos e irmãs e para promovermos, em toda parte do mundo, com todos os meios, a con-vivência pacífica entre diferentes etnias, culturas e re-ligiões”. Esta é a convocatória do Papa Bento XVI para todos os cristãos católicos.

Uma Igreja aberta a todos: É perceptível nos Atos dos Apóstolos e nas cartas de Paulo, uma Igreja não exclusiva, mas aberta a todos, formada por crentes sem distinção de cultura e raça, uma vez que cada um dos batizados é membro vivo do único Corpo de Cristo. Portanto, essa dimensão do acolhimento recíproco não é possível sem a disponibilidade da escuta e da recepção da Palavra pregada e praticada (Tt 1,6). Quanto mais a comunidade estiver unida a Cristo, mais os fiéis se sentirão “irmãos”, filhos e dom do mesmo Pai (cf. Rm 8,14-16). Este tesouro de fraternidade nos torna “solícitos na hospitali-dade” (Rm12,13), e filhos primogênitos do ágape (cf. Tm 3,2; 5;10; Tt 1,8; Fm 17).

Benção Apostólica: O Papa Bento encerra sua men-sagem concedendo uma benção especial àqueles que dedicam suas vidas e missão a serviço do migrante e refugiado, dizendo: “é no amor que está condensa-do toda a mensagem evangélica e os autênticos dis-cípulos de Cristo serão reconhecidos pelo seu amor mútuo e pelo seu acolhimento para com todos, e que o Apóstolo Paulo e, especialmente, Maria, Mãe do acolhimento, nos alcance esta dádiva”. O Papa Bento XVI conclui sua mensagem invocando a proteção di-vina sobre quantos estão comprometidos com a pro-moção dos irmãos migrantes e, de modo mais geral, com o vasto mundo da emigração, garantindo-lhes as suas orações e concedendo-lhes afetuosamente

sua benção apostólica.

Se eles o rejeitavam, dirigia-se aos pagãos, fazendo-se autêntico

“missionário dos migrantes”, ele mesmo, migrante e embaixador

de Jesus Cristo.

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formação

O poeta usa a metáfora da “casa” para mostrar a rea lidade daquelas pessoas que caminham pelo mun-do movidas pela esperança e utopia de encontrar uma casa e trabalho digno, um lugar seguro para viver com suas famílias. “É casa ou refúgio?” Pergunta o au-tor referindo-se à grande “Casa do Mundo”, e segue perguntando: Por que fugir de casa se a casa é o lugar onde ser gente? - Por que “não há lugar” se a Terra é nossa?

Bem sabemos que a “casa” é o lugar onde aprende-mos inúmeras lições de vida. Com ou sem palavras, nos gestos, símbolos e atitudes vamos assimilando um novo jeito de ser e estar no mundo. Sem dúvida tudo isso regado com atenção, cuidado e carinho das pessoas que nos acompanham. A identidade da pessoa humana é moldada na relação com o outro, o “alter”, o outro nos revela quem somos. Realmente a “casa” é o lugar onde aprendemos a ser gente. Porém, lamentavelmente muita gente não pode permanecer na “casa” de sua terra natal porque têm que migrar, por não encontrar

É casa ou é refúgio esta Casa do Mundo?Por que fugir de casa

se a casa é o lugar onde ser gente?Por que “não há lugar”

se a Terra é nossa?Por que “não há trabalho” se é nosso o dom da vida?

Por que não há justiça se Deus ainda é Deus?Por que não há amor

se Ele é o AmorE nós, de todas as raças, somos na instância

Última, genética divina?(Pedro Casaldáliga)

Nas Sendas do CriStO Peregrino...

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aí o necessário para viver. O autor se faz ouvir de novo com suas insisten-tes per guntas: Por que “não há traba-lho?”, por que “não há justiça?”, por que “não há amor?” Veja, os elementos que ele traz são elemen-tos funda mentais para a exis tência humana. Ninguém

pode viver bem prescindindo de tais elementos.

O Bem-aventurado Scalabrini ao narrar sua experiência do encontro com os migrantes na estação de Mi-lão, revela que ao vê-los naquela si-tuação tão deplorável “... uma onda de pensamentos tristes invadiu seu coração”, ele viu naqueles homens, mulheres e crianças alquebrados pelo sofrimento “a imagem de Cris-to e, nas suas vicissitudes, um desa-fio à fé e à caridade dos cristãos e, particularmente, dos missionários/as, solicitados a sanar os males das migrações em suas causas e conse-qüências, e a descobrir o desígnio de Deus, presente nas migrações, mesmo se causadas por injustiças.

Podemos pensar neste belo símbolo da “casa”, tam-bém como espaço do cultivo da vida, de formação e da aprendizagem. Etapa imprescindível na vida de qualquer pessoa que se sente escolhida por Deus para uma determinada vocação na Igreja. O chamado, po-rém vem de Deus, a iniciativa é sempre Dele. Ele se revela diretamente à pessoa interessada como vemos na vocação dos patriarcas, profetas, de Maria e dos Apóstolos: “não fostes vós que me escolhestes, mas eu vos escolhi e designei para irdes e produzirdes frutos e para que o vosso fruto permaneça” (Jo 15,16). Mas

para que se estabeleça um diálogo vocacional, não bas-ta somente o chamado de Deus, é necessário também que o interlocutor exercite-se na escuta atenta da sua voz, particularmente na meditação de sua Palavra e da oração (1Sm 3,4-9).

Jesus ao iniciar sua missão, não quis ficar sozinho, mas elegeu os 12 apóstolos e antes de ser enviados à missão, foram formados com cuidado e desvelo. Num primeiro momento, Jesus os chama para estar com Ele, viver em sua companhia, em comunhão com o Mestre para assim aprender da sua vida, palavras e exemplos. Trata-se de uma escola itinerante, porém muito eficaz.

Neste contexto se insere a vocação da Irmã Missio-nária Scalabriniana, chamada pelo Senhor para consagrar sua vida a Ele, no serviço evangélico e missioná-rio aos migrantes, aqueles que “não puderam permanecer em casa”, por isso se puseram em caminho pelas longas estradas que cruzam as fron-teiras dos estados, países e continen-tes. Com sua resposta ao chamado de Cristo ela aceita ser “migrante com os migrantes”, numa migração voluntária, mas comprometida com a causa daqueles que alimentam o sonho de fazer do mundo uma grande “Casa”, onde reina a paz, o amor e a solidariedade.

E assim, caminhando nas sendas do Cristo Pere-

Mas para que se estabeleça um diálogo vocacional, não basta somente o chamado de Deus, é necessário

também que o interlocutor exercite-se

na escuta atenta da sua voz,

particularmente na meditação de sua

Palavra e da oração.

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Cuida, Abraão, os três que vem à tua tenda, descalços, caminhantes,são Três!Cuida Belém: a mãe e o feto à esperaque batem à tua porta,são a mãe do Senhor e o Senhor mesmo!

Cuida, cuidemos todos: é sempre o próprioDeus quem andaem migração por nosso mundo inóspito.(Pedro Casaldáliga)

grino, a missionária aprende a discernir na vida coti-diana os sinais da presença de Deus. Torna-se sensível aos apelos da migração e capaz de acolher o diferente, o diverso. É consciente que a vocação é um processo, uma história de amor e dinamismo que tem sua ori-gem no relacionamento com Deus Trindade. A expe-riência do seu amor faz crescer progressivamente no seu coração o sentimento de gratidão ao Senhor que nos amou primeiro e, por sua vez, nos capacita cada dia mais para amar.

Terminarei com mais uma estrofe do poema de Ca-sadáliga, onde ele enfatiza a importância do cuidado e a solidariedade, que pode ser um grande apelo de Deus para aqueles/as que buscam estar com Jesus e aprender Dele o seu modo de ser e de amar:

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Todo ser humano sonha Ter

CASA… CArrO…

DiNhEirO NO bOLSO…

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Este era o barco dos meus sonhos…

Mas depois que meu Senhor passouoptei pelos sonhos que Ele tem para mim.

E fui com Ele… E você?

CENtrO VOCACiONAL SãO CArLOSRua Vereador Oswaldo Elache, 71

Aparecida - São PauloTel: (012) 3105 1008

e-mail: [email protected]

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O sonho de Juliana é ser missionária. E o seu qual é?

É isso mesmo. Em 1988 a mãe de Juliana realizou seu so-nho que era trazer à vida uma menina que fosse a sua cara. E em 07 de abril nasceu uma linda garota que foi chamada Juliana. Na sua infância, como toda criança cheia de energia fez os pais rirem e, quem sabe, chorarem. Na adolescência, Juliana começou a descobrir o mundo, como todo jovem. Pensou em se casar e, como sua mãe, ter filhos que fossem a sua cara, mas nunca imaginou que um dia, alguém a sedu-zisse tanto: Jesus. Lá em Guariba, morando numa realidade onde vivem tantos migrantes, cortadores de cana provenien-tes de todas as partes do Brasil, Juliana entendeu que poderia ser uma jovem feliz ajudando aquelas pessoas a realizarem os seus sonhos. Não hesitou: “serei missionária para os mi-grantes! A minha felicidade está em servir!”.

Do noviciado, onde Juliana faz as últimas etapas de sua formação para a vida religiosa scalabriniana, ela concedeu a seguinte entrevista para a revista “Esperança’:

Esperança: Como nasceu em você, o desejo de ser reli-giosa missionária?Juliana: Quando eu ainda estava junto da minha família, surgiu dentro de mim um grande desejo de conhecer a vida religiosa consagrada, fiz então dois anos e meio

de acompanhamento vocacional. O que mais me ajudou neste período foram os trabalhos pastorais que tive a oportunidade de realizar. Participei do TLC (Treinamento de Liderança

Cristã), que é um movimento para jovens, e também participei da catequese e da

pastoral dos migrantes.

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relacionada à experiência que você teve em meio aos migrantes de Guariba, interior de São Paulo, onde você nasceu. Você confirma isso?

Juliana: Eu nasci e cresci no meio da realidade migra-tória, mas tive um contato maior com os migrantes no período de discernimento vocacional, pois tive a opor-tunidade de realizar visitas nas pensões e alojamentos, também conheci um pouco mais do trabalho realiza-do na pastoral migratória nesta localidade, tendo na ocasião, uma maior proximidade com as Irmãs Scala-brinianas. Tenho certeza que foi através desta experi-ência que fiz com os migrantes e com as Irmãs, que fui impulsionada a dar um passo na minha caminhada vocacional. Com os migrantes eu pude fazer a mesma experiência que fez nosso fundador Beato João Batista Scalabrini “No rosto do Migrante, eu vejo o Senhor”.

Esperança: Você é a única filha mulher. Como rea-giram seus familiares quando você saiu de casa para ingressar na congregação?

Juliana: Assim como todos os pais, no começo ficaram preocupados, pois era a saída da única filha mulher, mas aos poucos eles foram aceitando e me ajudando a fazer essa caminhada. Hoje, eles me apóiam muito e eu sou muito agradecida por eles estarem felizes com minha escolha e me acompanharem com suas orações e presença.

Esperança: Que mensagem você deixa para os jovens leitores da Revista “Esperança”?

Juliana: Não tenham medo, estejam sempre abertos e confiantes na presença do Divino Mestre. Depois acre-ditem, se vocês se sentirem chamados, o próprio Cristo

sempre estará com vocês e contará com a colaboração de cada um para a constru-ção do seu Reino. Coloquem-se diante de Jesus Cristo. Ele, com certeza, conta com vocês para servir a Deus na pessoa do migrante mais pobre e abandonado, em atitude de permanente acolhida.

Esperança: Toda jovem sonha ter uma profissão, se casar, ter filhos para assegurar a descendên-

cia e, às vezes, realizar o sonho dos pais. Por que você fez a escolha pela vida religiosa?

Juliana: O que me atraiu e ainda continua me atraindo à vida consagrada, é o seguimento radical da pessoa de Jesus Cristo. É por Jesus, e pelo seu Reino que busco viver com amor a minha vocação. É claro, dentro do carisma Scalabriniano, porque desde o primeiro mo-mento percebi a liberdade e a alegria em poder doar e também porque fiz a experiência do Cristo Peregrino junto aos irmãos em mobilidade.

Esperança: Qual o seu sonho para o futuro?

Juliana: Posso dizer que o meu sonho já vem sendo realizado, que é ser uma Missionária Scalabriniana. Estou dando mais um passo na minha caminhada vocacional, neste ano de 2009, como noviça, mas o meu grande desejo, tanto para mim e para a Congre-gação é o de estar sempre disposta para continuar respondendo com muito amor a todos os apelos da-queles que encontrarei em mobilidade, mesmo dian-te de tantos desafios.

Esperança: O que chama sua atenção na missão e tra-balho das Irmãs Missionárias de São Carlos Borro-meo, Scalabrinianas?

Juliana: O que mais me chamou atenção e o que me leva a admirar a missão das Irmãs Scalabrinianas é o gesto de acolhida que elas têm para com os migrantes, para com o diferente, a alegria de ser consagrada e de servir; a disponibilidade em ir ao encontro e o grande amor ao próximo. Estas foram características que eu pude presenciar e encontrar nas Irmãs Scalabrinianas, e que me leva a seguir Jesus Cristo Peregrino.

Esperança: A sua escolha vocacional parece estar

entrevista

Não tenham medo,

estejam sempre

abertos e confiantes

na presença do

Divino Mestre.

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As migrações por motivo de trabalho assumem no-vos significados à luz da globalização, da economia e do mercado de trabalho, multiplicando cada vez mais as ocasiões de mobilidade transfronteiriça das pessoas e, principalmente, dos jovens.

Hoje, estima-se que 1,5 bilhões de pessoas no mundo têm idade entre 12 e 24 anos e 1,3 bilhões estão nos países em desenvolvimento, dos quais cerca de 30% opta pela migração como solução para os seus pro-blemas. Portanto, os jovens que migram representam uma grande parcela dos migrantes internacionais do mundo inteiro e, por isso, deveriam participar nas de-finições que dizem respeito às políticas da migração, justamente por serem eles os protagonistas de uma concepção da história da mobilidade do mundo atual.

O jovem se vê obrigado a migrar dos seus locais de origem para as cidades, onde exis-tem melhores oportunidades por di-versas causas que vão desde o desem-prego, a pobreza, a discriminação, as circunstâncias políticas, as guerras, os estudos e também pelo desejo de uma vida melhor.

A situação se torna bem mais delicada quando se trata das jovens. Estima-se que, nos países de trân-sito e de destino, milhares das jovens migrantes são objetos de abusos físicos, psicológicos, chantagem moral e até abusos de todos os gêneros. Tanto os jovens quanto as jovens migrantes acabam na rua abandonados a si próprios, muitas vezes vítimas da violência familiar, da pobreza, do desemprego, da violência sexual, da exploração e da violação dos di-reitos fundamentais.

Existem também os jovens que deixam o seu país para estudar no exterior e estes são considerados uma categoria “especial” de migrantes. Eles são apro-ximadamente dois milhões e sua mobilidade repre-senta um desafio ao amor e à solidariedade. É um desafio que nasce, além de outros fatores, também

pelos problemas e dificuldades que enfrentam por encontrarem-se distantes da própria família e deparar-se com hábitos, ritmos de vida, idioma diferente e as exigên-cias de uma nova adaptação. Mas, por outro lado, esta categoria “es-

Os jovens que migram representam uma

grande parcela dos migrantes internacionais

do mundo inteiro.

Juventude e migração

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Page 23: Esperança · Esperança n n anern e “Migram as sementes nas asas dos ventos, migram as plantas de continente a continente, levadas pelas correntes das águas, migram os pássaros

pecial” de migrantes trás consigo os grandes recursos da juventude: elasticidade, perseverança, entu-siasmo, capacidade de enfrentar os problemas, abertura ao dinamis-mo inter-cultural e ao diálogo. To-davia quando retornam ao seu país de origem, podem contribuir para o desenvolvimento dos seus pró-prios países, para o melhoramento das condições de vida humana e pessoal dos seus compatriotas e juntos podem cons-truir uma sociedade mais justa e fraterna, sendo pro-tagonistas de um mundo onde reine a compreensão e a solidariedade, a justiça e a paz.

Os desafios da integração Muitas vezes na vida familiar existem circunstâncias

que repercutem negativamente na vida do jovem mi-grante: a mudança ou a perda dos tradicionais papeis familiares, o respeito ao país de origem, que compor-ta a reconstrução de um novo equilíbrio; o desencon-tro entre pais e filhos devido a uma aculturação mais rápida para os jovens, os quais se encontram conse-

quentemente a desempenhar um difícil papel de mediadores cultu-rais ao interno da família, a preca-riedade econômica que constringe a uma acomodação em habitações precárias, o acesso limitado ao trabalho, o abandono escolar em busca de trabalho, a sensibilidade aos problemas da chamada “difi-culdade da dupla pertença”, como também, a dificuldade de inserção

na escola local, por problemas de idioma, diferença de sistemas educacionais entre os países de origem e de destino.

Solicitude da IgrejaA Igreja na sua materna preocupação para com to-

dos os homens e mulheres busca acolhê-los e servi-los em Jesus Cristo, aliviando o peso dos seus sofrimen-tos e das humilhações que geralmente estes experi-mentam. “Como Cristo nos acolheu”, também nós devemos estender-lhes a mão, acolhendo-os. O jovem quando chega num país novo ele vem para receber, mas também para dar, quando partilha a sua cultura.

juventude

Esta categoria “especial” de migrantes trás

consigo os grandesrecursos da juventude:

elasticidade, perseverança,entusiasmo, capacidade

de enfrentar os problemas,abertura ao dinamismo

inter-cultural e ao diálogo.

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Segundo o Papa Bento XVI, os jovens que deixam o seu país por motivo da globalização, dificuldades po-líticas, ou outros, precisam de maiores iniciativas de acolhida e de formação, a fim de tornar possível para eles a convivência no país de acolhimento, prevendo também programas especiais de educação e apoio familiar, evitando assim que caiam como vítimas de exploração, de violência física, eco-nômica ou sexual. Por isso, é neces-sário e sumamente importante ado-tar políticas públicas de juventude que contemplem:l a promoção e a garantia do di-

reito de cidadania;l a valorização da diversidade cultural juvenil;l investimento em políticas de ampliação das opor-

tunidades de trabalho para os jovens migrantes e o controle rígido das condições de trabalho: salubrida-de, segurança, condições materiais e legais, adequação e respeito à diversidade (gênero, cultura, etc.);l a educação e formação profissional adequadas às

demandas do mercado de trabalho;l a real integração, sobretudo nas áreas de educa-

ção, trabalho, cultura, esporte e lazer. É necessário também valorizar as competências e

os títulos profissionais dos trabalhadores, principal-mente dos jovens migrantes, aos quais geralmente são confiadas tarefas não correspondentes às qualifi-cações que possuem.

Os cristãos somos convidados a acolher os jovens mi-grantes, a tratá-los com respeito e dignidade humana e ajudar os países a criar uma legislação internacional clara e rigorosa referente à migração. Os Agentes pas-torais nas comunidades eclesiais, juntamente com as ONGs são chamados a atuarem no acompanhamen-to destes jovens. Esta presença os ajudará a realizar os seus potenciais e a desenvolver as atividades que lhes favoreçam o crescimento e maturidade, pois a evangeli-zação e a promoção humana estão ligadas entre si.

A Irmã Missionária Scalabriniana com o seu espíri-to de dedicação, abertura e acolhida empenha-se a fim de criar no ambiente onde se encontra - escola, hos-pital, paróquia, diocese, conferencia episcopal, etc... - um clima de respeito recíproco e de diálogo com base nos princípios e valores universais que são comuns a todas as culturas.

O compromisso de todos certamente contribuirá para ajudar os/as jovens migrantes a enfrentar o desafio de integração e a oferecer-lhes a possibilidade de adquirir tudo o que pode beneficiar a sua formação humana, religiosa, cultural e profissional. Os jovens são abertos ao dinamismo da in-terculturalidade, projetada para a novidade e, por isso, têm mais condições do que os adultos para o

encontro com os outros e para abrir-se ao pluralismo cultural e ao próprio ambiente. Eles poderão tornar-se sujeitos ativos e verdadeiros protagonistas e mediado-res culturais no lugar onde se encontram.

… Vítimas da violência familiar, da pobreza,

do desemprego, da violência sexual,

da exploração e da violação dos direitos

fundamentais.

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história de vida

… seu coração é imenso e

os seus ouvidos também.

Ele sabe o que faz! Que seja como Ele quiser”. E essas palavras não são vazias. Elas vêm carregadas pelo testemunho de bondade, de paciência, de escuta e de oração vividos por Irmã Romilda.

Sua pedagogia é a do viver para falar, talvez mais escutar que falar. É a pedagogia do expressar em atos o que vive. Sua apologia é a do dar a vida na alegria, na serenidade, no serviço prestado à comunidade quando nos seus 86 anos de idade ainda se dispõe a varrer um chão, a secar uma louça, a enxugar “literal-mente” com todo carinho uma lágrima, a beijar a mão da sua irmã menor – gesto esse, para mim de grande humildade, de reverência original, por ser sabedora de que no outro, mora Deus. Irmã Romilda com seu

Quando o amor se torna ato

É interessante! Irmã Romilda Cappellini é aque-le tipo de mulher consagrada que parece ter com-preendido o sentido do existir humano autêntico e, existir ainda mais, como alguém que se compro-meteu com seu Senhor, a dar mais porque recebeu mais, premissa evangélica expressa por Jesus: “A quem muito foi dado, muito será cobrado”.

Viver ao lado de Irmã Romilda é um dádiva: seu coração é imenso e seus ouvidos também. Ao ou-vir a chamada de alguém por seu nome, ela como que abre, antes mesmo de elevar o olhar a quem a chama, as portas do seu coração, como que reverenciando ou-trem. Seu jeito de ser, me lembra as pa-lavras de Bertelli que no seu livro “Mís-tica e compaixão” faz referência àquela pessoa que “descobriu a dimensão do su-blime em Deus, nos seres humanos e na criação, por isso, cuida, venera, ou seja, é compassiva”.

Talvez o leitor possa se perguntar como isso se dá no concreto da vida de Irmã Romilda. Isso é percep-tível em suas palavras de sabedoria, dirigidas às suas co-irmãs para as quais ela dá uma atenção especial de acordo com a história e a realidade de cada uma, ou seja, se molda à realidade histórica da outra como se para cada uma, ela tivesse um ouvido e um coração

particular. “Tudo aceite por amor de Jesus. Ele sabe o que faz!”, ou “vou indo como Deus é servido”. “Seja feita a vontade de Deus.

Esperança | 1º semestre de 2009 2323

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Do Colégio São José, em Santo André – SP, onde atualmente reside Irmã Romilda, ela respondeu a se-guinte entrevista para a revista “Esperança”:

Esperança: Qual a sua origem?

Ir. Romilda: Eu nasci em São Paulo, em 1922, no bairro da Mooca, mas sou filha de italianos. Meu pai se cha-mava Guido Cappellini e minha mãe Romilda Cres-cente Cappellini.

Esperança: Há uns anos atrás as Irmãs trocavam de nome. A senhora trocou de nome?

Ir. Romilda: Sim. O meu nome de batismo é Maria Vic-torina e o religioso é Romilda Cappellini.

Esperança: A religiosa faz votos de pobreza, castida-de e obediência tornando-se assim Irmã. Quando fez sua profissão?

Ir. Romilda: Fiz a minha primeira profissão em 15 de agosto de 1940, e a profissão perpétua, em 13 de ja-neiro de 1945, ambas na cidade de Aparecida - São Paulo. Os 50 anos de vida religiosa celebrei aqui em Santo André.

Esperança: Os religiosos, além de fazer trabalhos internos, tem uma vida de oração cotidiana e também se prepa-ram profissionalmente para enfrentar os desafios da missão junto ao povo de Deus. Como a senhora se preparou pro-fissionalmente para a missão em sua Congregação?

exemplo nos ensina como diz Casaldáliga “a subir a Deus e descer aos humanos num vai e vem incansável de contemplação e ação, de gratuidade e serviço”.

Nos exercícios de oração silenciosa na capela in-terna da comunidade, ela aprende com Jesus a espiritua lidade da libertação, aquela que liberta as pessoas das amarras que as impedem de ter um es-pírito livre para viver a autenticidade da vida. Esta espiritualidade se expressa em seu ser quando afir-ma: “tapa na cara dói, dói muito, mas não revidar nos torna grandes vencedores, pessoas imensas, pois a gente cresce no amor. Na hora do sofrimento o me-lhor é ir a Jesus e dizer-lhe: Senhor, não compreen-do bem. Resolve para mim?” Enquanto escrevo me emociono com a grandeza da alma dessa mulher, e me recordo das palavras do grande místico Thomas Merton: “amar os inimigos não significa compac-tuar ingênua e cegamente com a violência por eles praticada”, mas a postura do “não revidar”, acredito, que é um modo de ser que se alcança quando cons-tantemente se coloca o coração no coração de Jesus para se contaminar do amor inteligente e pacífico que é Ele mesmo.

Assim, Irmã Romilda tem vivido a sua vida. Na adolescência, junto à sua família, quando freqüente-mente buscava em Jesus Eucarístico a razão de viver, na Congregação e na Província, através dos mais variados serviços prestados na gratuidade, sempre buscando SERVIR e AMAR. Seu apostolado hoje é exerci-do no amor, na oração diária, no respei-to, na acolhida, na escuta às migrantes mais próximas: suas co-irmãs.

“… tapa na cara dói, dói muito, mas

não revidar, nos torna grandes

vencedores, pessoas imensas,

pois a gente cresce no amor”.

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Ir. Romilda: Em São Paulo, no Colégio das Irmãs Agos-tinianas me licenciei em letras clássicas, e em Ituiuta-ba, MG, me formei em pedagogia.

Esperança: Que trabalhos realizou na sua Congrega-ção como missionária?

Ir. Romilda: Trabalhei em várias frentes de missão. Atuei no nosso Colégio Santa Teresa e fui professora também no Colégio São José dos padres Estigmati-nos. Era por volta de 1951. Em 1956 fui professora e diretora pedagógica do Colégio São Carlos em Ca-xias do Sul - RS, e por dois triênios fui eleita Supe-riora Provincial da Província Imaculada Conceição, também em Caxias do Sul, sendo o primeiro triênio de 1957 a 1960, e o segundo triênio de 1960 a 1963. No ano de 1963 retornei a Ituiutaba - MG onde fui professora, bibliotecária e Superiora local até o ano de 1977. Em 1978 fui eleita Superiora Provincial da Província Nossa Senhora Aparecida, em São Paulo, por 2 triênios (1978-1980 e 1981-1983). De 1984 até o ano de 2002, fui Superiora no Colégio são José, em Santo André – SP, entre outras atividades missioná-rias que tenho assumido até agora. Todas essas ex-periências foram um grande momento de formação para mim. Como crescemos quando nos dispomos a ajudar e a servir!

Esperança: Muitas vezes pensamos em autoridade, ligada ao poder atribuído a alguém. A senhora assu-miu alguns cargos na Congregação como Superiora nas comunidades, Superiora Provincial por várias vezes, Diretora de colégios, etc. Como viveu ou o que significou em sua vida ser autoridade?

Ir. Romilda: Quando eu assu-mi esses cargos, pensei: “que-ro só e unicamente servir”. Eu os assumi naquele tempo, e hoje, é algo que, para mim, passou. Nem me lembro que um dia os tive. Hoje, com meus 86 anos, me preocupo só em servir, em ajudar na-quilo que posso, como tam-

bém fiz naquele então.

Esperança: A morte é uma realidade difícil de ser aceita pelo ser humano. Há pessoas que enfrentam esse momento com muita paz de espírito e outras sentem muita dificuldade de fazer e assumir este processo. A que se deve essa diferença, e como a se-nhora a encara?

Ir. Romilda: Acredito que, a forma como me coloco frente à morte no fim da vida está muito relacionado à maneira como vivo. A aceitação da morte começa a partir do meu modo de encarar a vida, desapega-da, entregue nas mãos de Deus. É exercício do dia-a-dia. Aceitação da morte não é um ato que se dá no momento em que ela chega. É caminho que se faz. E quem sou eu para dizer a Deus que não quero ir? Que estupidez dizer a Deus que não quero ir! Ele é o Senhor da minha vida e estou nas mãos Dele. A nossa postura deve ser aquela de caminhar na vida como sabedores de que não somos daqui, para que na hora da nossa morte possamos dizer com mais facilidade: ‘Senhor estou em suas mãos. Seja feita a sua vontade!’.

“… a enxugar ‘literalmente’

com todo carinho uma

lágrima, a beijar a mão da sua irmã

menor”.

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Você já reparou como o termo “Educação” facilmente nos transporta para o conjunto sala de aula, professor e aluno? Talvez tenha sido esta idéia que emergiu na sua imaginação ao se deparar com este tema aqui nestas pá-ginas. Pode ser ainda, que o leitor esteja se questionan-do: Onde está o erro em relacionar a Educação a este tripé tão comum? O convite aqui é: que tal irmos mais além procurando ultrapassar as nossas fronteiras?

É preciso definir com clareza a concepção que te-mos sobre Educação. Talvez o grande equívoco esteja em querermos reduzir este vasto horizonte a um pe-queno espaço chamado sala de aula ou escola. Educação é bem mais do que isto. Estamos falando de uma proposta que perpassa tudo dentro de um contexto de vida. Estamos falando da visão de uma educação scalabriniana no seu jeito pró-prio de ser.

Uma das grandes preocupações que sempre acompanhou a Congregação das Irmãs Missionárias Scalabrinianas foi e continua sendo a educação. Neste senti-do, buscou-se de variadas formas dentro

da sua trajetória, uma educação que promovesse o ser humano em todas as suas dimensões tornando-o aquilo que desde sempre ele foi chamado a ser: um ser integrado. Quando o objetivo está fixado é bem mais fácil para se traçar um caminho, pois se sabe aonde se quer chegar. Neste caso, temos o ser humano como centro e a idéia de favorecer-lhe todo o bem necessário para viver da melhor forma. E qual é a melhor forma? Favorecer-lhe a vida e vida em abundância.

Assim pensando, o que podemos falar de uma edu-cação scalabriniana? Podemos dizer que é uma edu-

cação universal, por se interligar aos aspectos sociais, político e religioso. O seu objetivo é a preparação e integração do ser humano à sociedade. O apelo de Deus através do fenômeno da migração no coração do Bem Aventurado João Batista Scalabrini, fundador das Mis-sionárias Scalabrinianas, levou-o de for-ma angustiante a pensar no futuro dos filhos da migração a partir do seguinte questionamento: qual a sorte que os es-pera? No que irão tornar-se? Daí surge

Educação: compromisso com a vida humana

Estamos falando de uma proposta

que perpassa tudo dentro de

um contexto de vida.

Estamos falandoda visão de

uma educação scalabriniana no seu jeito

próprio de ser.26

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educação

essa grande preocupa-ção com uma educa-ção que acompanhasse o ser humano dando possibilidades de viver com dignidade.

A educação é a pro-moção da vida, mas não queremos frases bonitas. E sabemos que educação se faz a par-tir da teoria aplicada na prática. Dizer que a educação Scalabriniana visa a formação integral do ser humano implica em algumas atitudes concretas. Antes de tudo é afirmar que ela se preocupa com o in-telecto, mas também com os sentimentos, com os va-lores que requer bem-estar social, moral e espiritual. Que se preocupa afetivamente e efetivamente com a vida mais vulnerável e ameaçada. Talvez a pergunta do leitor neste momento seja: Como se dá tudo isso de fato?

Podemos responder dizendo que é tirando as crian-ças e adolescentes da rua, dando-lhes as condições necessárias para se tornarem pessoas cidadãs, e sujei-tos de sua própria história; é ser ponte pondo fim às divisões do preconceito e intolerância racial, cultural e religiosa; é formar naqueles e naquelas que conosco estão a caminho um coração universal, cidadãos e ci-dadãs comprometidos com a vida, acolhendo e valo-rizando as diferenças como possibilidade de alargar o seu espaço e a sua visão de mundo. É valorizar e promover a cultura. Esse jeito de ver a Educação não se centra no fazer pelo outro, mas em ajudar o outro a descobrir-se pleno de valor e de capacidade para ser agente transformador da sua própria história.

Esta concepção não se trata de algo inventado para atingir os padrões da sociedade atual. Mas é o jeito Scalabriniano de ser que emerge das suas raízes. Olhando a pessoa do Padre José Marchetti, Co-funda-dor das Missionárias Scalabrinianas, o encontramos a mais de um século pelos caminhos recolhendo crian-ças abandonadas, dando-lhes moradia e meios profis-

sionalizantes que pudessem preve-nir a prostituição, as drogas e o cri-me, assegurando-lhes um futuro promissor.

Dizer que uma boa Educação é a base de uma so-ciedade bem edifi-cada é dizer o que acabamos de des-

crever nestas linhas. Como pensar em uma sociedade mais humana, se por primeiro não possibilitamos às nossas crianças, adolescentes e jovens espaços que fa-voreçam o seu crescimento e desenvolvimento como seres humanos dignos de viver em plenitude? Educa-ção tem a ver com transformação. É neste contexto que ela vai além da sala de aula e das paredes de uma escola e de forma ousada abraça uma causa, que é pro-mover a vida. É formar mentalidades para o bem. É educar para a vida onde quer que esteja e em meio a qualquer situação.

Educar no jeito de ser scalabriniano é ter a ousadia de ser e fazer acontecer para que o mundo seja a casa de todos. Afinal, educação não é repetição. Educação é fazer a diferença!

Esperança | 1º semestre de 2009 27

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São mais de cem anos de existência e uma trajetória marcada por desafios, conquistas e, principalmente, pela fé de seus fundadores. Contar a história do atual “Abrigo Madre Assunta Marchetti” é falar sobre o Or-fanato Cristóvão Colombo, de seu fundador, o Padre José Marchetti, da missão das primeiras Irmãs Scala-brinanas, e do próprio bairro da Vila Prudente, onde está localizado, em São Paulo.

A história começa na Itália, que em 1894 vivia o auge da imigração, com milhões de pessoas abandonando o país. O recém-ordenado Padre Marchetti, membro da Pia Sociedade dos Missionários de São Carlos, cuja fina-lidade era prestar assistência religio-sa aos italianos que haviam deixado a pátria, em uma de suas viagens ao Brasil, acompanhando os migrantes, viveu uma situação tocante. A bor-do do navio “Maranhão”, o religioso presencia o desespero de uma mãe agonizante com um filho pequeno no colo. Ele concede a ela a extrema-unção, mas não sem antes prometer que cuidaria do menino.

Uma história de amor

E, como esse, foram inúmeros outros casos. A lon-ga travessia Gênova-Santos, em condições precárias, somada às epidemias de tifo e febre amarela que se alastravam, deixaram muitas crianças desamparadas. Foi então que Padre Marchetti decidiu fundar um orfanato voltado ao amparo e educação dos filhos de imigrantes italianos, que acabou acolhendo tam-bém órfãos de todas as raças e procedências como, por exemplo, filhos de ex-escravos das fazendas e ca-fezais paulistas.

Nascia assim, em 1895, o Orfanato Cristóvão Colombo, no bairro do Ipiranga. Paralelamente,

iniciava-se a construção da seção feminina do Orfanato num gran-de terreno da Vila Prudente. Mas a morte do Padre Marchetti, em 1896, vítima de tifo, aos 27 anos de idade, fez com que a obra fosse interrompida e retomada somente nove anos depois, quando final-mente foi inaugurado o Orfanato naquela que ficou conhecida como a Rua do Orfanato.

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orfanato

MAdRE ASSuntADentre as religiosas que vieram

ao Brasil colaborar com padre Mar-chetti estavam sua mãe e sua irmã, Madre Assunta Marchetti que, a pedido do irmão, passou a integrar também o grupo dos Missionários de São Carlos. Em São Paulo, ela imediatamente assumiu o trabalho junto aos órfãos e fez dele seu obje-tivo de vida. “O meu maior desejo é morrer entre os órfãozinhos”, ma-nifestava a religiosa.

Para as crianças, ela era a “mãe”, a costureira, a en-fermeira, a cozinheira. Para as Irmãs, das quais foi Su-periora e Madre Geral, Assunta era o exemplo, o sábio conselho, a mão que acolhia e amparava, a compa-nheira de missão. Ela acreditava que a obra em favor dos órfãos e imigrantes era um “querer de Deus”, que não podia ser abalado pelo “querer dos homens”. Por isso, mesmo diante das dificuldades e das graves cri-ses, o grupo das Irmãs Missionárias Scalabrinianas se firmou na Igreja e no mundo como uma congregação

feminina que presta um serviço evan-gélico e pastoral aos migrantes mais pobres e abandonados de todas as ra-ças, etnias e crenças, em 27 países.

Madre Assunta faleceu em 1948, mas seu legado permanece. Deste então e até hoje, muitas Irmãs Sca-labrinianas continuam doando suas vidas, não medindo esforços nem sacrifícios para levar vida e vida em abundância a todas as crianças que são acolhidas no abrigo. Atualmen-te, a instituição, da Vila Prudente é

chamada “Abrigo Casa Madre Assunta”, e atende 60 crianças, meninos e meninas entre 0 e 18 anos de ida-de, algumas em regime semiaberto. Como não pode-ria deixar de ser, a casa se adequou ao contexto atual e, hoje, não só abriga órfãos, mas também crianças em situação de vulnerabilidade social, procedentes de famílias desestruturadas, marginalizadas, filhos de mães solteiras ou pais desempregados, que vivem abaixo da linha da pobreza e onde os laços familiares são tênues ou, até mesmo, inexistentes.

Para as crianças, ela era uma “mãe”,

a costureira, a enfermeira, a cozinheira. Para as irmãs,

Assunta era o exemplo, o sábio conselho, a mão que acolhia

e amparava a companheira

de missão.

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nOSSO ObjEtIVOPromover a criança como sujeito de direitos e de-

veres, oferecendo condições para que essas crianças, vítimas da migração e da vulnerabilidade social e familiar, recebam uma educação integral, humana e religiosa que lhes garanta e assegure, enquanto seres humanos em desenvolvimento, o crescimento bioló-gico, afetivo, espiritual, psíquico e cultural, através de educação escolar básica, atividades culturais, esporti-vas e artísticas. Para isto, atuamos em parceria com as famílias e a colaboração interinstitucional, para a salvaguarda e o fortalecimento dos laços familiares e sociais, e o exercício da cidadania.

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PROGRAMAS dESEnVOlVIdOSA “Casa Madre Assunta Marchetti” Oferece às crian-

ças que nela vivem:

Um Lar: como espaço de hospedagem, acolhida, calor e ternura de uma família, através da presen-ça e ação educadora das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo – Scalabrinianas junto às crianças internas.

Instrução Escolar: acesso e participação à Educa-ção Infantil, Ensino Fundamental, e Ensino Médio de qualidade, como direito básico de toda criança.

Reforço Escolar: como acompanhamento especia-lizado e personalizado às crianças, para ajudá-las na compreensão dos conteúdos do ensino regular e em seu desenvolvimento intelectual.

Oficina de Música, Dança, Judô e Teatro: para formar as crianças na dimensão cultural, artística e psico-afetiva, trabalhando suas potencialidades e dons naturais.

Introdução à Profissionalização: para desenvol-ver habilidades e aptidões que permitam o futuro in-gresso ao mercado de trabalho, através da confecção de artesanato, pinturas em tecido, bordado, informá-tica e idiomas.

Educação Cristã: para introduzir nas crianças a vi-vência da fé e princípios cristãos através da catequese, preparação aos sacramentos iniciais, celebrações, etc...

Assistência Sanitária: para garantir a saúde das crianças, prevenir e curar doenças infantis, controle da vacinação obrigatória e orientar sobre noções e práticas básicas de higiene e saúde.

Esporte e Lazer: para favorecer o desenvolvimento integral das crianças na dimensão física e psico-afeti-va, através do esporte, lazer e recreação saudável.

Formação para as Famílias: para instruir e orien-tar os responsáveis sobre métodos de educação que favoreça e facilite no ambiente familiar o sano desen-volvimento de seus filhos(as).

COMO COlAbORAR?

O abrigo possui alguns mantenedores, mas infelizmente, os recursos não são suficientes para suprir todas as necessidades da casa. As doações, ajudas voluntárias e festas promovidas para a arrecadação de fundos caracterizam uma alternativa imprescindível para a sobrevivência do projeto. Sua ajuda concreta à nossa missão pode transformar a vida de uma criança órfã e em situação de exclusão. Você pode ser um amigo(a) da criança do abrigo “Casa Madre As-sunta Marchetti”, garantindo assim a continui-dade de nossas ações e o aumento progressivo do número de crianças beneficiadas.

FAlE COM A GEntE:

Casa Madre Assunta MarchettiDiretora: Ir. Lídia Cardoso de AndradeRua do Orfanato, 883 – Vila Prudente03131-010 – São Paulo – SP – Brasiltel: (11) 2061.4843Fax: (11) 2063.1269

e-mail: [email protected]: www.mscs.org.br

Para doações:Banco Itaú – Agencia 0199Conta corrente número 62832-2

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Que assim como um país é organizado poli-ticamente com um presidente e governadores, também uma congregação religiosa é organizada tendo como presidente a Superiora Geral, e gover-nadora de uma província a Superiora Provincial?

Que uma instituição para ser denominada de vida religiosa consagrada, seus membros devem fazer os votos de Pobreza, Castidade e Obediência perante o povo de Deus, viver em comunidade e priorizar a vida de oração, exercendo uma missão específica na Igreja?

Que as Irmãs Missionárias de São Carlos Borro-meo - Scalabrinianas, recebeu este nome porque o Fundador colocou a Congregação sobre a pro-teção de São Carlos Borromeo, grande santo da Igreja, comprometido com os pobres, que viveu entre 1538 – 1584?

Que as Irmãs são chamadas Scalabrinianas em homenagem ao seu fundador, o Beato João Batis-ta Scalabrini, bispo da diocese de Piacenza- Itália, o qual manifestou grande amor e preocupação com a situação da emigração italiana no final do século XIX?

Que a missão das Irmãs Scalabrinianas teve início nos orfanatos, localizados no bairro do Ipiranga e da Vila Prudente, em São Paulo - SP, fundados por Padre José Marchetti com a colabo-ração de sua irmã de sangue Madre Assunta Mar-chetti, os quais deixaram a Itália para dar suas vidas a serviço dos imigrantes italianos?

Você sabia?

Que para ser reconhecida como instituição uma Congregação religiosa precisa da aprovação da Igreja Católica?

Que as Irmãs Missionárias de São Carlos Bor-romeo - Scalabrinianas tem como missão servir e acompanhar os migrantes mais pobres e ne-cessitados, entre estes os refugiados, os circen-ses, os ciganos, caminhoneiros, os marinheiros, os trabalhadores da aviação civil, e enfim todas as pessoas que vivem em mobilidade por diver-sos motivos?

Que a Congregação conta com 780 Irmãs, dis-tribuídas em 6 províncias, 160 comunidades pre-sentes em 27 países, nos continentes da América, Europa, África e Ásia?

Que toda congregação religiosa católica é uma instituição composta por pessoas que se sentem chamadas a dar a sua vida a serviço do reino de Deus, numa missão específica?

Que a Superiora Geral das Irmãs MSCS reside em Roma, onde está localizada a sede geral da Congregação?

Que cada província está sob a proteção de um determinado santo e que as Irmãs que atuam nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Espírito San-to, Paraná, Bahia, no Brasil, e nos países da Co-lômbia, Equador, Honduras e Bélgica, pertencem à província Nossa Senhora Aparecida, cuja sede está localizada no bairro do Ipiranga- São Paulo?

curiosidade

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Presença das Irmãs Missionárias Scalabrinianas

no mundo

Brasil

honduras

colômbia

angola

suiça equador

PreSença ProvínCiaaPareCida

Bélgica

Colômbia

Brasil

equador

Honduras

república dominicana

portugal

paraguaicanadá

espanha

alemanha

argentina

moçambique

indonésiaBolívia

índia

estados unidoscosta rica

méxico

bélgica

AlbâniA

congoáfrica do sul

filipinas

itália

frança

Como Jesus é para mim, eu sou para o migrante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2Scalabrinianas acompanham os migrantes no corte de cana . . . . . . . . . 4

Deus é a nossa fonte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

O Mestre itinerante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

São Paulo: migrante e Apóstolo das gentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

Nas Sendas do Cristo Peregrino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

O sonho de Juliana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

Construtores da paz! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

Quando o amor se torna ato . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

Educação: compromisso com a vida humana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

Uma história de amor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

Você sabia? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

Sumário

decifrando as escrituras

igreja

formação

entrevista

juventude

história de vida

educação

orfanato

curiosidade

espiritualidade

ação missionáriacapa: ir. elizangela chaves dias e criança migrante

revista esperança

Publicação semestral das irmãs Missionárias de

São Carlos Borromeo, Scalabrinianas —

Província nossa Senhora aparecida Março de 2009

diretora ir. neusa de fátima mariano, mscs

Superiora Provincial

Coordenação Geral ir. sandra maria pinheiro, mscs Conselheira e Secretária Provincial

direção de redação ir. elizangela chaves dias, mscs

ir. maria lélis da silva, mscs ir. rosa maria martins silva, mscs.

Colaboradoras ir. assunta Bridi, mscs; ir. cristina de souza

santos, mscs; ir. erta lemos, mscs; ir. gláucia maria dos santos, mscs; ir. inês facioli, mscs; ir. lídia cardoso de andrade, mscs; ir. neuza Botelho dos santos, mscs; ir. renilda teixeira

pereira, mscs; ir. sônia delforno, mscs.

Jornalista responsável ir. maria lélis da silva, mscs

revisão Geral ir. sandra maria pinheiro, mscs

Fotografias autores dos artigos — arquivo fotográfico

da província nossa senhora aparecida

Projeto Gráfico e diagramação viviane Bueno jeronimo

impressão e acabamanto edições loyola

rua 1822, nº 347 04216-000, são paulo, sp

t 55 11 2914 1922 f 55 11 2063 4275

Tiragem 1000 exemplares

Contato província nossa senhora aparecida

praça nami jafet, 96 04205-050 - ipiranga são paulo - sp - Brasil

tel (11) 2066 2900 www.mscs.org.br

e-mail: [email protected]

MGDF

BH

ESSPPR

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EsperançaAno l - nº 1 - janeiro/junho de 2009

“Migram as sementes nas asas

dos ventos, migram as plantas de

continente a continente, levadas

pelas correntes das águas, migram

os pássaros e os animais e, mais que

todos, migra o homem, ora em

forma coletiva, ora em forma isolada,

mas sempre instrumento daquela

Providência que preside e guia os

destinos humanos, também através

de catástrofes, para a meta, que é o

aperfeiçoamento do homem sobre a

terra e a glória de Deus nos céus”.

(Scalabrini 1879)

Scalabrinianas acompanham os migrantes

no corte de cana

Como JeSuS é para mim,eu sou para o migrante

uma história de amor!