(Espiritismo) André Luiz - Nosso Lar (Chico Xavier)(1)

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Francisco Cndido Xavier

Nosso Lar(1o livro da Srie Andr Luiz)

Ditado pelo Esprito

Andr Luiz

FEDERAO ESPRITA BRASILEIRADEPARTAMENTO EDITORIAL Rua Souza Valente, 17 20941-040 - Rio - RJ - Brasil

http://www.febnet.org.br/

Francisco Cndido Xavier - Nosso Lar - pelo Esprito Andr Luiz

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Srie Andr Luiz01 - Nosso Lar 02 - Os Mensageiros 03 - Missionrios da Luz 04 - Obreiros da Vida Eterna 05 - No Mundo Maior 06 - Agenda Crist 07 - Libertao 08 - Entre a Terra e o Cu 09 - Nos Domnios da Mediunidade 10 - Ao e Reao 11 - Evoluo em Dois Mundos 12 - Mecanismos da Mediunidade 13 - Conduta Esprita 14 - Sexo e Destino 15 - Desobsesso 16 - E a Vida Continua...

Quando o servidor est pronto, o servio aparece.

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ndiceNovo amigo ..................................................................................... 5 Mensagem de Andr Luiz ............................................................... 8 1 Nas Zonas Inferiores ................................................................. 10 2 Clarncio.................................................................................... 13 3 A Orao Coletiva ..................................................................... 17 4 O Mdico Espiritual .................................................................. 22 5 Recebendo Assistncia .............................................................. 26 6 Precioso Aviso........................................................................... 31 7 Explicaes de Lsias ................................................................ 35 8 Organizao de Servios........................................................... 39 9 Problema de Alimentao ......................................................... 43 10 No Bosque das guas ............................................................. 47 11 Notcias do Plano .................................................................... 51 12 O Umbral ................................................................................. 55 13 No Gabinete do Ministro......................................................... 60 14 Elucidaes de Clarncio ........................................................ 65 15 A Visita Materna ..................................................................... 70 16 Confidncias............................................................................ 74 17 Em Casa de Lsias ................................................................... 79 18 Amor, Alimento das Almas .................................................... 83 19 A Jovem Desencarnada ........................................................... 87 20 Noes de Lar.......................................................................... 92 21 Continuando a palestra ............................................................ 96 22 O Bnus-Hora........................................................................ 100 23 Saber Ouvir............................................................................ 105 24 O Impressionante Apelo........................................................ 109 25 Generoso Alvitre ................................................................... 113

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26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50

Novas Perspectivas................................................................ 117 O Trabalho, Enfim................................................................. 122 Em Servio ............................................................................ 128 A Viso de Francisco ............................................................ 133 Herana e Eutansia .............................................................. 138 Vampiro ................................................................................. 143 Notcias de Veneranda .......................................................... 149 Curiosas Observaes ........................................................... 154 Os Recm-Chegados do Umbral........................................... 159 Encontro Singular.................................................................. 164 O Sonho ................................................................................. 169 A Preleo da Ministra.......................................................... 174 O Caso Tobias ....................................................................... 180 Ouvindo a Senhora Laura ..................................................... 187 Quem Semeia Colher........................................................... 192 Convocados Luta ................................................................ 197 A Palavra do Governador...................................................... 203 Em Conversao .................................................................... 208 As Trevas ............................................................................... 213 No Campo da Msica ............................................................ 218 Sacrifcio de Mulher.............................................................. 224 A Volta de Laura ................................................................... 229 Culto Familiar........................................................................ 234 Regressando Casa ............................................................... 240 Cidado de Nosso Lar........................................................ 245

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Novo amigoOs prefcios, em geral, apresentam autores, exaltando-lhes o mrito e comentando-lhes a personalidade. Aqui, porm, a situao diferente. Embalde os companheiros encarnados procurariam o mdico Andr Luiz nos catlogos da conveno. Por vezes, o anonimato filho do legtimo entendimento e do verdadeiro amor. Para redimirmos o passado escabroso, modificam-se tabelas da nomenclatura usual na reencarnao. Funciona o esquecimento temporrio como bno da Divina Misericrdia. Andr precisou, igualmente, cerrar a cortina sobre si mesmo. por isso que no podemos apresentar o mdico terrestre e autor humano, mas sim o novo amigo e irmo na eternidade. Por trazer valiosas impresses aos companheiros do mundo, necessitou despojar-se de todas as convenes, inclusive a do prprio nome, para no ferir coraes amados, envolvidos ainda nos velhos mantos da iluso. Os que colhem as espigas maduras, no devem ofender os que plantam a distncia, nem perturbar a lavoura verde, ainda em flor. Reconhecemos que este livro no nico. Outras entidades j comentaram as condies da vida, alm-tmulo... Entretanto, de h muito desejamos trazer ao nosso crculo e spiritual algum que possa transmitir a outrem o valor da experincia prpria, com todos os detalhes possveis legtima compreenso da ordem que preside o esforo dos desencarnados laboriosos e bem-intencionados, nas esferas invisveis ao olhar humano, embora intimamente ligadas ao planeta. Certamente que numerosos amigos sorriro ao contacto de determinadas passagens das narrativas. O inabitual, entretanto,

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causa surpresa em todos os tempos. Quem no sorriria, na Terra, anos atrs, quando se lhe falasse da aviao, da eletricidade, da radiofonia? A surpresa, a perplexidade e a dvida so de todos os aprendizes que ainda no passaram pela lio. mais que natural, justssimo. No comentaramos, desse modo, qualquer impresso alheia. Todo leitor precisa analisar o que l. Reportamo-nos, pois, to-somente ao objetivo essencial do trabalho. O Espiritismo ganha expresso numrica. Milhares de criaturas interessam-se pelos seus trabalhos, modalidades, experincias. Nesse campo imenso de novidades, todavia, no deve o homem descurar de si mesmo. No basta investigar fenmenos, aderir verbalmente, melhorar a estatstica, doutrinar conscincias alheias, fazer proselitismo e conquistar favores da opinio, por mais respeitvel que seja, no plano fsico. indispensvel cogitar do conhecimento de nossos infinitos potenciais, aplicando-os, por nossa vez, nos servios do bem. O homem terrestre no um deserdado. filho de Deus, em trabalho construtivo, envergando a roupagem da carne; aluno de escola benemrita, onde precisa aprender a elevar-se. A luta humana a sua oportunidade, a sua ferramenta, o seu livro. O intercmbio com o invisvel um movimento sagrado, em funo restauradora do Cristianismo puro; que ningum, todavia, se descuide das necessidades prprias, no lugar que ocupa pela vontade do Senhor. Andr Luiz vem contar a voc, leitor amigo, que a maior surpresa da morte carnal a de nos colocar face a face com a prpria conscincia, onde edificamos o cu, estacionamos no purgatrio ou nos precipitamos no abismo infernal; vem lembrar que a Terra

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oficina sagrada e que ningum a menosprezar, sem conhecer o preo do terrvel engano a que submeteu o prprio corao. Guarde a experincia dele no livro d'alma. Ela diz bem alto que no basta criatura apegar-se existncia humana, mas precisa saber aproveit-la dignamente; que os passos do cristo, em qualquer escola religiosa, devem dirigir-se verdadeiramente ao Cristo, e que, em nosso campo doutrinrio, precisamos, em verdade, do Espiritismo e do Espiritualismo, mas, muito mais, de Espiritualidade. Emmanuel Pedro Leopoldo, 3 de outubro de 1943.

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Mensagem de Andr LuizA vida no cessa. A vida fonte eterna e a morte jogo escuro das iluses. O grande rio tem seu trajeto, antes do mar imenso. Copiandolhe a expresso, a alma percorre igualmente caminhos variados e etapas diversas, tambm recebe afluentes de conhecimentos, aqui e ali, avoluma-se em expresso e purifica-se em qualidade, antes de encontrar o Oceano Eterno da Sabedoria. Cerrar os olhos carnais constitui operao demasiadamente simples. Permutar a roupagem fsica no decide o problema fundamental da iluminao, como a troca de vestidos nada tem que ver com as solues profundas do destino e do ser. Oh! caminhos das almas, misteriosos caminhos do corao! mister percorrer-vos, antes de tentar a suprema equao da Vida Eterna! indispensvel viver o vosso drama, conhecer-vos detalhe a detalhe, no longo processo do aperfeioamento espiritual!... Seria extremamente infantil a crena de que o simples "baixar do pano" resolvesse transcendentes questes do Infinito. Uma existncia um ato. Um corpo - uma veste. Um sculo - um dia. Um servio - uma experincia. Um triunfo - uma aquisio. Uma morte - um sopro renovador. Quantas existncias, quantos corpos, quantos sculos, quantos servios, quantos triunfos, quantas mortes necessitamos ainda?

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E o letrado em filosofia religiosa fala de deliberaes finais e posies definitivas! Ai! por toda parte, os cultos em doutrina e os analfabetos do esprito! preciso muito esforo do homem para ingressar na academia do Evangelho do Cristo, ingresso que se verifica, quase sempre, de estranha maneira - ele s, na companhia do Mestre, efetuando o curso difcil, recebendo lies sem ctedras visveis e ouvindo vastas dissertaes sem palavras articuladas. Muito longa, portanto, nossa jornada laboriosa. Nosso esforo pobre quer traduzir apenas uma idia dessa verdade fundamental. Grato, pois, meus amigos! Manifestamo-nos, junto a vs outros, no anonimato que obedece caridade fraternal. A existncia humana apresenta grande maioria de vasos frgeis, que no podem conter ainda toda a verdade. Alis, no nos interessaria, agora, seno a experincia profunda, com os seus valores coletivos. No atormentaremos algum com a idia da eternidade. Que os vasos se fortaleam, em primeiro lugar. Forneceremos, somente, algumas ligeiras notcias ao esprito sequioso dos nossos irmos na senda de realizao espiritual, e que compreendem conosco que "o esprito sopra onde quer". E, agora, amigos, que meus agradecimentos se calem no papel, recolhendo-se ao grande silncio da simpatia e da gratido. Atrao e reconhecimento, amor e jbilo moram na alma. Crede que guardarei semelhantes valores comigo, a vosso respeito, no santurio do corao. Que o Senhor nos abenoe. ANDR LUIZ

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1 Nas Zonas InferioresEu guardava a impresso de haver perdido a idia de tempo. A noo de espao esvara-se-me de h muito. Estava convicto de no mais pertencer ao nmero dos encarnados no mundo e, no entanto, meus pulmes respiravam a longos haustos. Desde quando me tornara joguete de foras irresistveis? Impossvel esclarecer. Sentia-me, na verdade, amargurado duende nas grades escuras do horror. Cabelos eriados, corao aos saltos, medo terrvel senhoreando-me, muita vez gritei como louco, implorei piedade e clamei contra o doloroso desnimo que me subjugava o esprito; mas, quando o silncio implacvel no me absorvia a voz estentrica, lamentos mais comovedores que os meus respondiam-me aos clamores. Outras vezes gargalhadas sinistras rasgavam a quietude ambiente. Algum companheiro desconhecido estaria, a meu ver, prisioneiro da loucura. Formas diablicas, rostos alvares, expresses animalescas surgiam, de quando em quando, agravando-me o assombro. A paisagem, quando no totalmente escura, parecia banhada de luz alvacenta, como que amortalhada em neblina espessa, que os raios de Sol aquecessem de muito longe. E a estranha viagem prosseguia... Com que fim? Quem o p oderia dizer? Apenas sabia que fugia sempre... O medo me impelia de roldo. Onde o lar, a esposa, os filhos? Perdera toda a noo de rumo. O receio do ignoto e o pavor da treva absorviam-me todas as faculdades de raciocnio, logo que me desprendera dos ltimos laos fsicos, em pleno sepulcro!

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Atormentava-me a conscincia: preferiria a ausncia total da razo, o no-ser. De incio, as lgrimas lavavam-me incessantemente o rosto e apenas, em minutos raros, felicitava-me a bno do sono. Interrompia-se, porm, bruscamente, a sensao de alvio. Seres monstruosos acordavam-me, irnicos; era imprescindvel fugir deles. Reconhecia, agora, a esfera diferente a erguer-se da poalha do mundo e, todavia, era tarde. Pensamentos angustiosos atritavamme o crebro. Mal delineava projetos de soluo, incidentes numerosos impeliam-me a consideraes estonteantes. Em momento algum, o problema religioso surgiu to profundo a meus olhos. Os princpios puramente filosficos, polticos e cientficos, figuravam-se-me agora extremamente secundrios para a vida humana. Significavam, a meu ver, valioso patrimnio nos planos da Terra, mas urgia reconhecer que a humanidade no se constitui de geraes transitrias e sim de Espritos eternos, a caminho de gloriosa destinao. Verificava que alguma coisa permanece acima de toda cogitao meramente intelectual. Esse algo a f, manifestao divina ao homem. Semelhante anlise surgia, contudo, tardiamente. De fato, conhecia as letras do Velho Testamento e muita vez folheara o Evangelho; entretanto, era foroso reconhecer que nunca procurara as letras sagradas com a luz do corao. Identificava-as atravs da crtica de escritores menos afeitos ao sentimento e conscincia, ou em pleno desacordo com as verdades essenciais. Noutras ocasies, interpretava-as com o sacerdcio organizado, sem sair jamais do crculo de contradies, onde estacionara voluntariamente. Em verdade, no fora um criminoso, no meu prprio conceito. A filosofia do imediatismo, porm, absorvera-me. A existncia terrestre, que a morte transformara, no fora assinalada de lances diferentes da craveira comum.

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Filho de pais talvez excessivamente generosos, conquistara meus ttulos universitrios sem maior sacrifcio, compartilhara os vcios da mocidade do meu tempo, organizara o lar, conseguira filhos, perseguira situaes estveis que garantissem a tranqilidade econmica do meu grupo familiar, mas, examinando atentamente a mim mesmo, algo me fazia experimentar a noo de tempo perdido, com a silenciosa acusao da conscincia. Habitara a Terra, gozara-lhe os bens, colhera as bnos da vida, mas no lhe retribura ceitil do dbito enorme. Tivera pais, cuja generosidade e sacrifcios por mim nunca avaliei; esposa e filhos que prendera, ferozmente, nas teias rijas do egosmo destruidor. Possura um lar que fechei a todos os que palmilhavam o deserto da angstia. Deliciara-me com os jbilos da famlia, esquecido de estender essa bno divina imensa famlia humana, surdo a comezinhos deveres de fraternidade. Enfim, como a flor de estufa, no suportava agora o clima das realidades eternas. No desenvolvera os germes divinos que o Senhor da Vida colocara em minh'alma. Sufocara-os, criminosamente, no desejo incontido de bem estar. No adestrara rgos para a vida nova. Era justo, pois, que a despertasse maneira de aleijado que, restitudo ao rio infinito da eternidade, no pudesse acompanhar seno compulsoriamente a carreira incessante das guas; ou como mendigo infeliz, que, exausto em pleno deserto, perambula merc de impetuosos tufes. Oh! amigos da Terra! quantos de vs podereis evitar o caminho da amargura com o preparo dos campos interiores do corao? Acendei vossas luzes antes de atravessar a grande sombra. Buscai a verdade, antes que a verdade vos surpreenda. Suai agora para no chorardes depois.

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2 Clarncio"Suicida! Suicida! Criminoso! Infame!" - gritos assim, cercavam-me de todos os lados. Onde os sicrios de corao empedernido? Por vezes, enxergava-os de relance, escorregadios na treva espessa e, quando meu desespero atingia o auge, atacava-os, mobilizando extremas energias. Em vo, porm, esmurrava o ar nos paroxismos da clera. Gargalhadas sarcsticas feriam-me os ouvidos, enquanto os vultos negros desapareciam na sombra. Para quem apelar? Torturava-me a fome, a sede me escaldava. Comezinhos fenmenos da experincia material patenteavamse-me aos olhos. Crescera-me a barba, a roupa comeava a romper-se com os esforos da resistncia, na regio desconhecida. A circunstncia mais dolorosa, no entanto, no o terrvel abandono a que me sentia votado, mas o assdio incessante de foras perversas que me assomavam nos caminhos ermos e obscuros. Irritavam-me, aniquilavam-me a possibilidade de concatenar idias. Desejava ponderar maduramente a situao, esquadrinhar razes e estabelecer novas diretrizes ao pensamento, mas aquelas vozes, aqueles lamentos misturados de acusaes nominais, desnorteavam-me irremediavelmente. - Que buscas, infeliz! Aonde vais, suicida? Tais objurgatrias, incessantemente repetidas, perturbavamme o corao. Infeliz, sim; mas, suicida? - nunca! Essas increpaes, a meu ver, no eram procedentes. Eu havia deixado o corpo fsico a contragosto. Recordava meu porfiado duelo com a morte. Ainda julgava ouvir os ltimos pareceres mdicos, enunciados na Casa de Sade; lembrava a assistncia desvelada que tivera, os curativos dolorosos que experimentara nos dias longos que se seguiram delicada operao dos intestinos. Sentia, no curso

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dessas reminiscncias, o contacto do termmetro, o pique desagradvel da agulha de injees e, por fim, a ltima cena que precedera o grande sono: minha esposa ainda jovem e os trs filhos contemplando-me, no terror da eterna separao. Depois... o despertar na paisagem mida e escura e a grande caminhada que parecia sem-fim. Por que a pecha de suicdio, quando fora compelido a abandonar a casa, a famlia e o doce convvio dos meus? O homem mais forte conhecer limites resistncia emocional. Firme e resoluto a princpio, comecei por entregar-me a longos perodos de desnimo e, onge de prosseguir na fortaleza moral, por ignorar l o prprio fim, senti que as lgrimas longamente represadas visitavam-me com mais freqncia, extravasando do corao. A quem recorrer? Por maior que fosse a cultura intelectual trazida do mundo, no poderia alterar, agora, a realidade da vida. Meus conhecimentos, ante o infinito, semelhavam-se a pequenas bolhas de sabo levadas ao vento impetuoso que transforma as paisagens. Eu era alguma coisa que o tufo da verdade carreava para muito longe. Entretanto, a situao no modificava a outra realidade do meu ser essencial. Perguntando a mim mesmo se no enlouquecera, encontrava a conscincia vigilante, esclarecendome que continuava a ser eu mesmo, com o sentimento e a cultura colhidos na experincia material. Persistiam as necessidades fisiolgicas, sem modificao. Castigava-me a fome todas as fibras e, nada obstante, o abatimento progressivo no me fazia cair definitivamente em absoluta exausto. De quando em quando, deparavam-se-me verduras que me pareciam a grestes, em torno de humildes filetes d'gua a que me atirava sequioso. Devorava as folhas desconhecidas, colava os lbios nascente turva, enquanto mo permitiam as foras irresistveis, a impelirem-me para a frente. Muita vez suguei a lama da estrada, recordei o antigo po de cada dia, vertendo copioso pranto. No raro, era imprescindvel

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ocultar-me das enormes manadas de seres animalescos, que passavam em bando, quais feras insaciveis. Eram quadros de estarrecer! acentuava-se o desalento. Foi quando comecei a recordar que deveria existir um Autor da Vida, fosse onde fosse. Essa idia confortou-me. Eu, que detestara as religies no mundo, experimentava agora a necessidade de conforto mstico. Mdico extremamente arraigado ao negativismo da minha gerao, impunhase-me atitude renovadora. Tornava-se imprescindvel confessar a falncia do amor-prprio, a que me consagrara orgulhoso. E, quando as energias me faltaram de todo, quando me senti absolutamente colado ao lodo da Terra, sem foras para reerguerme, pedi ao Supremo Autor da Natureza me estendesse mos paternais, em to amargurosa emergncia. Quanto tempo durou a rogativa? Quantas horas consagrei splica, de mos-postas, imitando a criana aflita? Apenas sei que a chuva das lgrimas me lavou o rosto; que todos os meus sentimentos se concentraram na prece dolorosa. Estaria, ento, completamente esquecido? No era, igualmente, filho de Deus, embora no cogitasse de conhecer-lhe a atividade sublime quando engolfado nas vaidades da experincia humana? Por que no me perdoaria o Eterno Pai, quando providenciava ninho s aves inconscientes e protegia, bondoso, a flor tenra dos campos agrestes? Ah! preciso haver sofrido muito, para entender todas as misteriosas belezas da orao; necessrio haver conhecido o remorso, a humilhao, a extrema desventura, para tomar com eficcia o sublime elixir de esperana. Foi nesse instante que as neblinas espessas se dissiparam e algum surgiu, emissrio dos Cus. Um velhinho simptico me sorriu paternalmente. Inclinou-se, fixou nos meus os grandes olhos lcidos, e falou: - Coragem, meu filho! O Senhor no te desampara. Amargurado pranto banhava-me a alma toda. Emocionado, quis traduzir meu jbilo, comentar a consolao que me chegava,

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mas, reunindo todas as foras que me restavam, pude apenas inquirir: - Quem sois, generoso emissrio de Deus? O inesperado benfeitor sorriu bondoso e respondeu: - Chama-me Clarncio, sou apenas teu irmo. E, percebendo o meu esgotamento, acrescentou: - Agora, permanece calmo e silencioso. preciso descansar para reaver energias. Em seguida, chamou dois companheiros que guardavam atitude de servos desvelados e ordenou: - Prestemos ao nosso amigo os socorros de emergncia. Alvo lenol foi estendido ali mesmo, guisa de maca improvisada, aprestando-se ambos os cooperadores a transportarem-me, generosamente. Quando me alavam, cuidadosos, Clarncio meditou um instante e esclareceu, como quem recorda inadivel obrigao: - Vamos sem demora. Preciso atingir "Nosso Lar" com a presteza possvel.

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3 A Orao ColetivaEmbora transportado maneira de ferido comum, lobriguei o quadro confortante que se desdobrava minha vista. Clarncio, que se apoiava num cajado de substncia luminosa, deteve-se frente de grande porta encravada em altos muros, cobertos de trepadeiras floridas e graciosas. Tateando um ponto da muralha, fez-se longa abertura, atravs da qual penetramos, silenciosos. Branda claridade inundava ali todas as coisas. Ao longe, gracioso foco de luz dava a idia de um pr do sol em tardes primaveris. A medida que avanvamos, conseguia identificar preciosas construes, situadas em extensos jardins. Ao sinal de Clarncio, os condutores depuseram, devagarinho, a maca improvisada. A meus olhos surgiu, ento, a porta acolhedora de alvo edifcio, feio de grande hospital terreno. Dois jovens, envergando tnicas de nveo linho, acorreram pressurosos ao chamado de meu benfeitor, e quando me acomodavam num leito de emergncia, para me conduzirem cuidadosamente ao interior, ouvi o generoso ancio recomendar, carinhoso: - Guardem nosso tutelado no pavilho da direita. Esperam agora por mim. Amanh cedo voltarei a v-lo. Enderecei-lhe um olhar de gratido, ao mesmo tempo que era conduzido a confortvel aposento de amplas propores, ricamente mobilado, onde me ofereceram leito acolhedor. Envolvendo os dois enfermeiros na vibrao do meu reconhecimento, esforcei-me por lhes dirigir a palavra, conseguindo dizer por fim:

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- Amigos, por quem sois, explicai-me em que novo mundo me encontro... De que estrela me vem, agora, esta luz confortadora e brilhante? Um deles afagou-me a fronte, como se fora conhecido pessoal de longo tempo e acentuou: - Estamos nas esferas espirituais vizinhas da Terra, e o Sol que nos ilumina neste momento o mesmo que nos vivificava o corpo fsico. Aqui, entretanto, nossa percepo visual muito mais rica. A estrela que o Senhor acendeu para os nossos trabalhos terrestres mais preciosa e bela do que a supomos quando no crculo carnal. Nosso Sol a divina matriz da vida e a claridade que irradia provm do Autor da Criao. Meu ego, como que absorvido em onda de infinito respeito, fixou a luz branda que invadia o quarto, atravs das janelas, e perdi-me no curso de profundas cogitaes. Recordei, ento, que nunca fixara o Sol, nos dias terrestres, meditando na imensurvel bondade dAquele que no-lo concede para o caminho eterno da vida. Semelhava-me assim ao cego venturoso, que abre os olhos para a Natureza sublime, depois de longos sculos de escurido. A essa altura, serviram-me caldo reconfortante, seguido de gua muito fresca, que me pareceu portadora de fluidos divinos. Aquela reduzida poro de lquido reanimava-me inesperadamente. No saberia dizer que espcie de sopa era aquela; se alimentao sedativa, se remdio salutar. Novas energias amparavam-me a alma, profundas comoes vibravam-me no esprito. Minha maior emoo, todavia, reservava-se para instantes depois. Mal no sara da consoladora surpresa, divina melodia penetrou quarto a dentro, parecendo suave colmia de sons a caminho das esferas superiores. Aquelas notas de maravilhosa harmonia

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atravessavam-me o corao. Ante meu olhar indagador, o enfermeiro, que permanecia ao lado, esclareceu, bondoso: chegado o crepsculo em "Nosso Lar". Em todos os ncleos desta colnia de trabalho, consagrada ao Cristo, h ligao direta com as preces da Governadoria. E enquanto a msica embalsamava o ambiente, despediu-se, atencioso: - Agora, fique em paz. Voltarei logo aps a orao. Empolgou-me ansiedade sbita. - No poderei acompanhar-vos? - perguntei, suplicante. - Est ainda fraco - esclareceu, gentil -, todavia, caso sinta-se disposto... Aquela melodia renovava-me as energias profundas. Levantei-me vencendo dificuldades e agarrei-me ao brao fraternal que se me estendia. Seguindo vacilante, cheguei a enorme salo, onde numerosa assemblia meditava em silncio, profundamente recolhida. Da abbada cheia de claridade brilhante, pendiam delicadas e flreas guirlandas, que vinham do teto base, formando radiosos smbolos de Espiritualidade Superior. Ningum parecia dar conta da minha presena, ao passo que mal dissimulava eu a surpresa inexcedvel. Todos os circunstantes, atentos, pareciam aguardar alguma coisa. Contendo a custo numerosas indagaes que me esfervilhavam na mente, notei que ao fundo, em tela gigantesca, desenhava-se prodigioso quadro de luz quase ferica. Obedecendo a processos adiantados de televiso, surgiu o cenrio de templo maravilhoso. Sentado em lugar de destaque, um ancio coroado de luz fixava o Alto, em atitude de prece, envergando alva tnica de irradiaes resplandecentes. Em plano inferior, setenta e duas figuras pareciam acompanh-lo em respeitoso silncio. Altamente surpreendido, reparei Clarncio participando da assemblia, entre os que cercavam o velhinho refulgente.

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Apertei o brao do enfermeiro amigo e, compreendendo ele que minhas perguntas no se fariam esperar, esclareceu em voz baixa, que mais se assemelhava a leve sopro: - Conserve-se tranqilo. Todas as residncias e instituies de "Nosso Lar" esto orando com o Governador, atravs da audio e viso a distncia. Louvemos o Corao Invisvel do Cu. Mal terminara a explicao, as setenta e duas figuras comearam a cantar harmonioso hino, repleto de indefinvel beleza. A fisionomia de Clarncio, no crculo dos venerveis companheiros, figurou-se-me tocada de mais intensa luz. O cntico celeste constitua-se de notas angelicais, de sublimado reconhecimento. Pairavam no recinto misteriosas vibraes de paz e de alegria e, quando as notas argentinas fizeram delicioso staccato, desenhou-se ao longe, em plano elevado, um corao maravilhosamente azul1 , com estrias douradas. Cariciosa msica, em seguida, respondia aos louvores, procedente talvez de esferas distantes. Foi a que abundante chuva de flores azuis se derramou sobre ns; mas, se fixvamos os miostis celestiais, no conseguamos det-los nas mos. As corolas minsculas desfaziam-se de leve, ao tocar-nos a fronte, experimentando eu, por minha vez, singular renovao de energias ao contacto das ptalas fludicas que me balsamizavam o corao. Terminada a sublime orao, regressei ao aposento de enfermo, amparado pelo amigo que me atendia de perto. Entretanto, no era mais o doente grave de horas antes. A primeira prece coletiva, em "Nosso Lar", operara em mim completa transformao. Conforto inesperado envolvia-me a alma. Pela primeira vez, depois de anos consecutivos de sofrimento, o pobre corao,

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Imagem simblica formada pelas vibraes mentais dos habitantes da colnia. - (Nota do Autor espiritual)

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saudoso e atormentado, maneira de clice muito tempo vazio, enchera-se de novo das gotas generosas do licor da esperana.

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4 O Mdico EspiritualNo dia imediato, aps reparador e profundo repouso, experimentei a bno radiosa do Sol amigo, qual suave mensagem ao corao. Claridade reconfortante atravessava ampla janela, inundando o recinto de cariciosa luz. Sentia-me outro. Energias novas tocavam-me o ntimo. Tinha a impresso de sorver a alegria da vida, a longos haustos. Na alma, apenas um ponto sombrio - a saudade do lar, o apego famlia que ficara distante. Numerosas interrogaes pairavam-me na mente, mas to grande era a sensao de alvio que eu sossegava o esprito, longe de qualquer interpelao. Quis levantar-me, gozar o espetculo da Natureza cheia de brisas e de luz, mas no o consegui e conclu que, sem a cooperao magntica do enfermeiro, tornava-se-me impossvel deixar o leito. No voltara a mim das surpresas consecutivas, quando se abriu a porta e vi entrar Clarncio acompanhado por simptico desconhecido. Cumprimentaram-me, atenciosos, desejando-me paz. Meu benfeitor da vspera indagou do meu estado geral. Acorreu o enfermeiro, prestando informaes. Sorridente, o velhinho amigo apresentou-me o companheiro. Tratava- se, disse, do irmo Henrique de Luna, do Servio de Assistncia Mdica da colnia espiritual. Trajado de branco, traos fisionmicos irradiando enorme simpatia, Henrique auscultou-me demoradamente, sorriu e explicou: - de lamentar que tenha vindo pelo suicdio. Enquanto Clarncio permanecia sereno, senti que singular assomo de revolta me borbulhava no ntimo.

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Suicdio? Recordei as acusaes dos seres perversos das sombras. No obstante o cabedal de gratido que comeava a acumular, no calei a incriminao. - Creio haja engano - asseverei, melindrado -, meu regresso do mundo no teve essa causa. Lutei mais de quarenta dias, na Casa de Sade, tentando vencer a morte. Sofri duas operaes graves, devido a ocluso intestinal... - Sim - esclareceu o mdico, demonstrando a mesma serenidade superior -, mas a ocluso radicava-se em causas profundas. Talvez o amigo no tenha ponderado bastante. O organismo espiritual apresenta em si mesmo a histria completa das aes praticadas no mundo. E inclinando-se, atencioso, indicava determinados pontos do meu corpo: - Vejamos a zona intestinal - exclamou. - A ocluso derivava de elementos cancerosos, e estes, por sua vez, de algumas leviandades do meu estimado irmo, no campo da sfilis. A molstia talvez no assumisse caractersticas to graves, se o seu procedimento mental no planeta estivesse enquadrado nos princpios da fraternidade e da temperana. Entretanto, seu modo especial de conviver, muita vez exasperado e sombrio, captava destruidoras vibraes naqueles que o ouviam. Nunca imaginou que a clera fosse manancial de foras negativas para ns mesmos? A ausncia de autodomnio, a inadvertncia no trato com os semelhantes, aos quais muitas vezes ofendeu sem refletir, conduziam-no freqentemente esfera dos seres doentes e inferiores. Tal circunstncia agravou, de muito, o seu estado fsico. Depois de longa pausa, em que me examinava atentamente, continuou:

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- J observou, meu amigo, que seu fgado foi maltratado pela sua prpria ao; que os rins foram esquecidos, com terrvel menosprezo s ddivas sagradas? Singular desapontamento invadira-me o corao. Parecendo desconhecer a angstia que me oprimia, continuava o mdico, esclarecendo: - Os rgos do corpo somtico possuem incalculveis reservas, segundo os desgnios do Senhor. O meu amigo, no entanto, iludiu excelentes oportunidades, esperdiando patrimnios preciosos da experincia fsica. A longa tarefa, que lhe foi confiada pelos Maiores da Espiritualidade Superior, foi reduzida a meras tentativas de trabalho que no se consumou. Todo o aparelho gstrico foi destrudo custa de excessos de alimentao e bebidas alcolicas, aparentemente sem importncia. Devorou-lhe a sfilis energias essenciais. Como v, o suicdio incontestvel. Meditei nos problemas dos caminhos humanos, refletindo nas oportunidades perdidas. Na vida humana, conseguia ajustar numerosas mscaras ao rosto, talhando-as conforme as situaes. Alis, no poderia supor, noutro tempo, que me seriam pedidas contas de episdios simples, que costumava considerar como fatos sem maior significao. Conceituara, at ali, os erros humanos, segundo os preceitos da criminologia. Todo acontecimento insignificante, estranho aos cdigos, entraria na relao de fenmenos naturais. Deparava-se-me, porm, agora, outro sistema de verificao das faltas cometidas. No me defrontavam tribunais de tortura, nem me surpreendiam abismos infernais; contudo, benfeitores sorridentes comentavam-me as fraquezas como quem cuida de uma criana desorientada, longe das vistas paternas. Aquele interesse espontneo, no entanto, feria-me a vaidade de homem. Talvez que, visitado por figuras diablicas a me torturarem, de tridente nas mos, encontrasse foras para tornar a derrota m enos amarga. Todavia, a bondade exuberante de Clarncio, a inflexo

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de ternura do mdico, a calma fraternal do enfermeiro, penetravam-me fundo o esprito. No me dilacerava o desejo de reao; doa-me a vergonha. E chorei. Rosto entre as mos, qual menino contrariado e infeliz, pus-me a soluar com a dor que me parecia irremedivel. No havia como discordar. Henrique de Luna falava com sobejas razes. Por fim, abafando os impulsos vaidosos, reconheci a extenso de minhas leviandades de outros tempos. A falsa noo da dignidade pessoal cedia terreno justia. Perante minha viso espiritual s existia, agora, uma realidade torturante: era verdadeiramente um suicida, perdera o ensejo precioso da experincia humana, no passava de nufrago a quem se recolhia por caridade. Foi ento que o generoso Clarncio, sentando-se no leito, a meu lado, afagou-me paternalmente os cabelos e falou comovido: - Oh! meu filho, no te lastimes tanto. Busquei-te atendendo intercesso dos que te amam, dos planos mais altos. Tuas l grimas atingem seus coraes. No desejas ser grato, mantendo-te tranqilo no exame das prprias faltas? Na verdade, tua posio a do suicida inconsciente; mas necessrio reconhecer que centenas de criaturas se ausentam diariamente da Terra, nas mesmas condies. Acalma-te, pois. Aproveita os tesouros do arrependimento, guarda a bno do remorso, embora tardio, sem esquecer que a aflio no resolve problemas. Confia no Senhor e em nossa dedicao fraternal. Sossega a alma perturbada, porque muitos de ns outros j perambulamos igualmente nos teus caminhos. Ante a generosidade que transbordava dessas palavras, mergulhei a cabea em seu colo paternal e chorei longamente.

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5 Recebendo Assistncia- voc o tutelado de Clarncio? A pergunta vinha de um jovem de singular e doce expresso. Grande bolsa pendente da mo, como quem conduzia apetrechos de assistncia, endereava-me ele sorriso acolhedor. Ao meu sinal afirmativo, mostrou-se vontade e, maneiras fraternas, acentuou: - Sou Lsias, seu irmo. Meu diretor, o assistente Henrique de Luna, designou-me para servi-lo, enquanto precisar tratamento. - enfermeiro? - indaguei. - Sou visitador dos servios de sade. Nessa qualidade, no s coopero na enfermagem, como tambm assinalo necessidades de socorro, ou providncias que se refiram a enfermos recmchegados. Notando-me a surpresa, explicou: - Nas minhas condies h numerosos servidores em "Nosso Lar". O amigo ingressou agora na colnia e, naturalmente, ignora a amplitude dos nossos trabalhos. Para fazer uma idia, basta lembrar que apenas aqui, na seo em que se encontra, existem mais de mil doentes espirituais, e note que este um dos menores edifcios do nosso parque hospitalar. - Tudo isso maravilhoso! - exclamei. Adivinhando que minhas observaes iam descambar para o elogio espontneo, Lsias levantou-se da poltrona a que se recolhera e comeou a auscultar-me, atento, impedindo-me o agradecimento verbal.

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- A zona dos seus intestinos apresenta leses srias com vestgios muito exatos do cncer; a regio do fgado revela dilaceraes; a dos rins demonstra caractersticos de esgotamento prematuro. Sorrindo, bondoso, acrescentou: - Sabe o irmo o que significa isso? - Sim - repliquei, o mdico esclareceu ontem, explicando que devo esses distrbios a mim mesmo... Reconhecendo o acanhamento da confisso reticenciosa, apressou-se a consolar: - Na turma de oitenta enfermos a que devo assistncia diria, cinqenta e sete se encontram nas suas condies. E talvez ignore que existem, por aqui, os mutilados. J pensou nisso? Sabe que o homem imprevidente, que gastou os olhos no mal, aqui comparece de rbitas vazias? Que o malfeitor, interessado em utilizar o dom da locomoo fcil nos atos criminosos, experimenta a desolao da paralisia, quando no recolhido absolutamente sem pernas? Que os pobres obsidiados nas aberraes sexuais costumam chegar em extrema loucura? Identificando-me a perplexidade natural, prosseguiu: - "Nosso Lar" no estncia de espritos propriamente vitoriosos, se conferirmos ao termo sua razovel acepo. Somos felizes, porque temos trabalho; e a alegria habita cada recanto da colnia, porque o Senhor no nos retirou o po abenoado do servio. Aproveitando a pausa mais longa, exclamei sensibilizado: - Continue, meu amigo, esclarea-me. Sinto-me aliviado e tranqilo. No ser esta regio um departamento celestial dos eleitos? Lsias sorriu e explicou:

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- Recordemos o antigo ensinamento que se refere a muitos chamados e poucos escolhidos na Terra. E vagueando o olhar no horizonte longnquo, como a fixar experincias de si mesmo no painel das recordaes mais ntimas, acentuou: - As religies, no planeta, convocam as criaturas ao banquete celestial. Em s conscincia, ningum que se tenha aproximado, um dia, da noo de Deus, pode alegar ignorncia nesse particular. Incontvel o nmero dos chamados, meu amigo; mas, onde os que atendem ao chamado? Com raras excees, a massa humana prefere aceder a outro gnero de convites. Gasta-se a possibilidade nos desvios do bem, agrava-se o capricho de cada um, elimina-se o corpo fsico a golpes de irreflexo. Resultado: milhares de criaturas retiram-se diariamente da esfera da carne em doloroso estado de incompreenso. Multides sem conta erram em todas as direes nos crculos imediatos crosta planetria, constitudas de loucos, doentes e ignorantes. Notando-me a admirao, interrogou: - Acreditaria, porventura, que a morte do corpo nos conduziria a planos de milagres? Somos compelidos a trabalho spero, a servios pesados e no basta isso. Se temos dbitos no planeta, por mais alto que ascendamos, imprescindvel voltar, para retificar, lavando o rosto no suor do mundo, desatando algemas de dio e substituindo-as por laos sagrados de amor. No seria justo impor a outrem a tarefa de mondar o campo que semeamos de espinhos, com as prprias mos. Abanando a cabea, acrescentava: - Caso dos muitos chamados, meu caro. O Senhor no esquece homem algum; todavia, rarssimos homens o recordam. Acabrunhado com a lembrana dos prprios erros, diante de to grandes noes de responsabilidade individual, objetei:

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- Como fui perverso! Contudo, antes que me alongasse noutras exclamaes, o visitador colocou a destra carinhosa em meus lbios, murmurando: - Cale-se! meditemos no trabalho a fazer. No arrependimento verdadeiro preciso saber falar, para construir de novo. Em seguida, aplicou-me passes magnticos, atenciosamente. Fazendo os curativos na zona intestinal, esclareceu: - No observa o t atamento especializado da zona cancerosa? r Pois note bem: toda medicina honesta servio de amor, atividade de socorro justo; mas o trabalho de cura peculiar a cada esprito. Meu irmo ser tratado carinhosamente, sentir-se- forte como nos tempos mais belos da sua juventude terrena, trabalhar muito e, creio, ser um dos melhores colaboradores em "Nosso Lar"; entretanto, a causa dos seus males persistir em si mesmo, at que se desfaa dos germes de perverso da sade divina, que agregou ao seu corpo sutil pelo descuido moral e pelo desejo de gozar mais que os outros. A carne terrestre, onde abusamos, tambm o campo bendito onde conseguimos realizar frutuosos labores de cura radical, quando permanecemos atentos ao dever justo. Meditei os conceitos, ponderei a bondade divina e, na exaltao da sensibilidade, chorei copiosamente. Lsias, contudo, terminou o tratamento do dia, com serenidade, e falou: - Quando as lgrimas no se originam da revolta, sempre constituem remdio depurador. Chore, meu amigo. Desabafe o corao. E abenoemos aquelas benemritas organizaes microscpicas que so as clulas de carne na Terra. To humildes e to preciosas, to detestadas e to sublimes pelo esprito de servio. Sem elas, que nos oferecem templo retificao, quantos milnios gastaramos na ignorncia?

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Assim falando, afagou-me carinhosamente a fronte abatida e despediu-se com um sculo de amor.

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6 Precioso AvisoNo dia imediato, aps a orao do crepsculo, Clarncio me procurou em companhia do atencioso visitador. Fisionomia a irradiar generosidade, perguntou, abraandome: - Como vai? Melhorzinho? Esbocei o gesto do enfermo que se v acariciado na Terra, amolecendo as fibras emotivas. No mundo, s vezes, o carinho fraterno mal interpretado. Obedecendo ao velho vcio, comecei a explicar-me, enquanto os dois benfeitores se sentavam comodamente a meu lado: - No posso negar que esteja melhor; entretanto, sofro intensamente. Muitas dores na zona intestinal, estranhas sensaes de angstia no corao. Nunca supus fosse capaz de tamanha resistncia, meu amigo. Ah! como tem sido pesada a minha cruz!... Agora que posso concatenar idias, creio que a dor me aniquilou todas as foras disponveis... Clarncio ouvia, atencioso, demonstrando grande interesse pelas minhas lamentaes, sem o menor gesto que denunciasse o propsito de intervir no assunto. Encorajado com essa atitude, continuei: - Alm do mais, meus sofrimentos morais so enormes e inexprimveis. Amainada a tormenta exterior com os socorros recebidos, volto agora s tempestades ntimas. Que ter sido feito de minha esposa, de meus filhos? Teria o meu primognito conseguido progredir, segundo meu velho ideal? E as filhinhas? Minha desventurada Zlia muitas vezes afirmou que morreria de saudades, se um dia eu lhe faltasse. Admirvel esposa! Ainda lhe sinto

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as lgrimas dos momentos derradeiros. No sei desde quando vivo o pesadelo da distncia... Continuadas dilaceraes roubaram-me a noo do tempo. Onde estar minha pobre companheira? Chorando junto s cinzas do meu corpo, ou nalgum recanto escuro das regies da morte? Oh! minha dor muito amarga! Que terrvel destino o do homem penhorado no devotamento famlia! Creio que raras criaturas tero padecido tanto quanto eu!... No planeta, vicissitudes, desenganos, doenas, incompreenses e amarguras, abafando escassas notas de alegria; depois, os sofrimentos da morte do corpo... Em seguida, martirizaes no alm-tmulo! Que ser, ento, a vida? Sucessivo desenrolar de misrias e lgrimas? No haver recurso semeadura da paz? Por mais que deseje firmar-me no otimismo, sinto que a noo de infelicidade me bloqueia o esprito, como terrvel crcere do corao. Que desventurado destino, generoso benfeitor!. Chegado a essa altura, o vendaval da queixa me conduzira o barco mental ao oceano largo das lgrimas. Clarncio, contudo, levantou-se sereno e falou sem afetao: - Meu amigo, deseja voc, de fato, a cura espiritual? Ao meu gesto afirmativo, continuou: - Aprenda, ento, a no falar excessivamente de si mesmo, nem comente a prpria dor. Lamentao denota enfermidade mental e enfermidade de curso laborioso e tratamento difcil. indispensvel criar pensamentos novos e disciplinar os lbios. Somente conseguiremos equilbrio, abrindo o corao ao Sol da Divindade. Classificar o esforo necessrio de imposio esmagadora, enxergar padecimentos onde h luta edificante, si identificar indesejvel cegueira d'alma. Quanto mais utilize o verbo por dilatar consideraes dolorosas, no crculo da personalidade, mais duros se tornaro os laos que o prendem a lembranas mesquinhas. O mesmo Pai que vela por sua pessoa, oferecendo-lhe teto generoso, nesta casa, atender aos seus parentes terrestres. Deve-

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mos ter nosso agrupamento familiar como sagrada construo, mas sem esquecer que nossas famlias so sees da Famlia universal, sob a Direo Divina. Estaremos a seu lado para resolver dificuldades presentes e estruturar projetos de futuro, mas no dispomos do tempo para voltar a zonas estreis de lamentao. Alm disso, temos, nesta colnia, o compromisso de aceitar o trabalho mais spero como bno de realizao, considerando que a Providncia desborda amor, enquanto ns vivemos onerados de dvidas. Se deseja permanecer nesta c de assistncia, aprenasa da a pensar com justeza. Nesse nterim, secara-se-me o pranto e, chamado a brios pelo generoso instrutor, assumi diversa atitude, embora envergonhado da minha fraqueza. - No disputava voc, na carne - prosseguiu Clarncio, bondoso -, as vantagens naturais, decorrentes das boas situaes? No estimava a obteno de recursos lcitos, ansioso de estender benefcios aos entes amados? No se interessava pelas remuneraes justas, pelas expresses de conforto, com possibilidades de atender famlia? Aqui, o programa no diferente. Apenas divergem os detalhes. Nos crculos carnais, a conveno e a garantia monetria; aqui, o trabalho e as aquisies definitivas do esprito imortal. Dor, para ns, significa possibilidade de enriquecer a alma; a luta constitui caminho para a divina realizao. Compreendeu a diferena? As almas dbeis, ante o servio, deitam-se para se queixarem aos que passam; as fortes, porm, recebem o servio como patrimnio sagrado, na movimentao do qual se preparam, a caminho da perfeio. Ningum lhe condena a saudade justa, nem pretende estancar sua fonte de sentimentos sublimes. Acresce notar, todavia, que o pranto da desesperao no edifica o bem. Se ama, em verdade, a famlia terrena, preciso bom nimo para l e h ser til.

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Fez-se longa pausa. A palavra de Clarncio levantara-me para elucubraes mais sadias. Enquanto meditava a sabedoria da valiosa advertncia, meu benfeitor, qual o pai que esquece a leviandade dos filhos para recomear serenamente a lio, tornou a perguntar com um belo sorriso: - Ento, como passa? Melhor? Contente por me sentir desculpado, maneira da criana que deseja aprender, respondi, confortado: - Vou bem melhor, para melhor compreender a Vontade Divina.

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7 Explicaes de LsiasRepetiram-se as visitas peridicas de Clarncio e a ateno diria de Lsias. medida que procurava habituar-me aos deveres novos, sensaes de desafogo me aliviavam o corao. Diminuram as dores e os impedimentos de locomoo fcil. Notava, porm, que, a recordaes mais fortes dos fenmenos fsicos, me voltavam a angstia, o receio do desconhecido, a mgoa da inadaptao. Apesar de tudo, encontrava mais segurana dentro de mim. Deleitava-me, agora, contemplando os horizontes vastos, debruado s janelas espaosas. Impressionavam-me, sobretudo, os aspectos da Natureza. Quase tudo, melhorada cpia da Terra. Cores mais harmnicas, substncias mais delicadas. Forrava-se o solo de vegetao. Grandes rvores, pomares fartos e jardins deliciosos. Desenhavam-se montes coroados de luz, em continuidade plancie onde a colnia repousava. Todos os departamentos apareciam cultivados com esmero. A pequena distncia, alteavamse graciosos edifcios. Alinhavam-se a espaos regulares, exibindo formas diversas. Nenhum sem flores entrada, destacando-se algumas casinhas encantadoras, cercadas por muros de hera, onde rosas diferentes desabrochavam, aqui e ali, adornando o verde de cambiantes variados. Aves de plumagens policromas cruzavam os ares e, de quando em quando, pousavam agrupadas nas torres muito alvas, a se erguerem retilneas, lembrando lrios gigantescos, rumo ao cu. Das janelas largas, observava, curioso, o movimento do parque. Extremamente surpreendido, identificava animais domsticos, entre as rvores frondosas, enfileiradas ao fundo.

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Nas minhas lutas introspectivas, perdia-me em indagaes de toda sorte. No conseguia atinar com a multiplicidade de formas anlogas s do planeta, considerando a circunstncia de me encontrar numa esfera propriamente espiritual. Lsias, o companheiro amvel de todos os dias, no regateava explicaes. A morte do corpo no conduz o homem a situaes miraculosas, dizia. Todo processo evolutivo implica gradao. H regies mltiplas para os desencarnados, como existem planos inmeros e surpreendentes para as criaturas envolvidas de carne terrestre. Almas e sentimentos, formas e coisas, obedecem a princpios de desenvolvimento natural e hierarquia justa. Preocupava-me, todavia, permanecer ali, num parque de sade, havia muitas semanas, sem a visita sequer de um conhecido do mundo. Afinal, no fora eu a nica pessoa do meu crculo a decifrar o enigma da sepultura. Meus pais me haviam antecipado na grande jornada. Amigos vrios, noutro tempo, me haviam precedido. Por que, ento, no apareciam naquele quarto de enfermidade espiritual, para conforto do meu corao dolorido? Bastariam alguns momentos de consolao. Um dia, no pude conter-me e perguntei ao solcito visitador: - Meu caro Lsias, acha possvel, aqui, o encontro com aqueles que nos antecederam na morte do corpo fsico? - Como no? Pensa que est esquecido?... - Sim. Por que no me visitam? Na Terra, sempre contei com a abnegao maternal. Minha me, entretanto, at agora no deu sinal de vida. Meu pai, igualmente, fez a grande viagem; trs anos antes do meu trespasse. - Pois note - esclareceu Lsias -, sua me o tem ajudado dia e noite, desde a crise que antecipou sua vinda. Quando se acamou para abandonar o casulo terrestre, duplicou-se o interesse mater-

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nal a seu respeito. Talvez no saiba ainda que sua permanncia nas esferas inferiores durou mais de oito anos consecutivos. Ela jamais desanimou. Intercedeu, muitas vezes, em "Nosso Lar", a seu favor. Rogou os bons ofcios de Clarncio, que comeou a visit-lo freqentemente, at que o mdico da Terra, vaidoso, se afastasse um tanto, a fim de surgir o filho dos Cus. Compreendeu? Eu tinha os olhos midos. Ignorava o nmero de anos que me distanciavam da gleba terrestre. Desejei conhecer os processos de proteo imperceptvel, mas no consegui. Minhas cordas vocais estavam entorpecidas, com o n de lgrimas represadas no corao. - No dia em que voc orou com tanta alma - prosseguiu o enfermeiro visitador -, quando compreendeu que tudo no Universo pertence ao Pai Sublime, seu pranto era diferente. No sabe que h chuvas que destroem e chuvas que criam? Lgrimas h tambm, assim. lgico que o Senhor no espera por nossas rogativas para nos amar; no entanto, indispensvel nos colocarmos em determinada posio receptiva, a fim de compreender-lhe a infinita bondade. Um espelho enfuscado no reflete a luz. Desse modo, o Pai no precisa de nossas penitncias, mas convenhamos que as penitncias prestam timos servios a ns mesmos. Entendeu? Clarncio no teve dificuldade em localiz-lo, atendendo aos apelos de sua carinhosa genitora da Terra; voc, porm, demorou muito a encontrar Clarncio. E quando sua mezinha soube que o filho havia rasgado os vus escuros com o auxlio da orao, chorou de alegria, segundo me contaram... - E onde est minha me? - exclamei, por fim. Se me permitido, quero v-la, abra-la, ajoelhar-me a seus ps! - No vive em "Nosso Lar" - esclareceu Lsias -, habita esferas mais altas, onde trabalha no somente por voc. Observando meu desapontamento, acrescentou, fraterno:

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- Vir v-lo, por certo, antes mesmo do que pensamos. Quando algum deseja algo ardentemente, j se encontra a caminho da realizao. Tem voc, nesse particular, a lio do prprio caso. Anos a fio rolou, como pluma, albergando o medo, as tristezas e desiluses; mas, quando mentalizou firmemente a necessidade de receber o auxlio divino, dilatou o padro vibratrio da mente e alcanou viso e socorro. Olhos brilhantes, encorajado pelo esclarecimento recebido, exclamei, resoluto: - Desejarei, ento, com todas as minhas foras... ela vir... ela vir... Lsias sorriu com inteligncia e, como quem previne, generoso, afirmou ao despedir-se: - Convm no esquecer, contudo, que a realizao nobre exige trs requisitos fundamentais, a saber: primeiro, desejar; segundo, saber desejar; e, terceiro, merecer, ou, por outros termos, vontade ativa, trabalho persistente e merecimento justo. O visitador ganhou a porta de sada, sorridente, enquanto eu me detinha silencioso, a meditar no extenso programa formulado em to poucas palavras.

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8 Organizao de ServiosDecorridas algumas semanas de tratamento ativo, sa, pela primeira vez, em companhia de Lsias. Impressionou-me o espetculo das ruas. Vastas avenidas, enfeitadas de rvores frondosas. Ar puro, atmosfera de profunda tranqilidade espiritual. No havia, porm, qualquer sinal de inrcia ou de ociosidade, porque as vias pblicas estavam repletas. Entidades numerosas iam e vinham. Algumas pareciam situar a mente em lugares distantes, mas outras me dirigiam olhares acolhedores. Incumbia-se o companheiro de orientar-me em face das surpresas que surgiam ininterruptas. Percebendo-me as ntimas conjeturas, esclareceu solcito: - Estamos no local do Ministrio do Auxlio. Tudo o que v emos, edifcios, casas residenciais, representa instituies e abrigos adequados tarefa de nossa jurisdio. Orientadores, operrios e outros serviais da misso residem aqui. Nesta zona, atende-se a doentes, ouvem-se rogativas, selecionam-se preces, preparam-se reencarnaes terrenas, organizam-se turmas de socorro aos habitantes do Umbral, ou aos que choram na Terra, estudam-se solues para todos os processos que se prendem ao sofrimento. - H, ento, em "Nosso Lar", um Ministrio do Auxlio? perguntei. - Como no? Nossos servios so distribudos numa organizao que se aperfeioa dia a dia, sob a orientao dos que nos presidem os destinos. Fixando em mim os olhos lcidos, prosseguiu: - No tem visto, nos atos da prece, nosso Governador Espiritual cercado de setenta e dois colaboradores? Pois so os Minis-

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tros de "Nosso Lar". A colnia, que essencialmente de trabalho e realizao, divide-se em seis Ministrios, orientados, cada qual, por doze Ministros. Temos os Ministrios da Regenerao, do Auxlio, da Comunicao, do Esclarecimento, da Elevao e da Unio Divina. Os quatro primeiros nos aproximam das esferas terrestres, os dois ltimos nos ligam ao plano superior, visto que a nossa cidade espiritual zona de transio. Os servios mais grosseiros localizam-se no Ministrio da Regenerao, os mais sublimes no da Unio Divina. Clarncio, o nosso chefe amigo, um dos Ministros do Auxlio. Valendo-me da pausa natural, exclamei, comovido: - Oh! nunca imaginei a possibilidade de organizaes to completas, depois da morte do corpo fsico!... - Sim - esclareceu Lsias -, o vu da iluso muito denso nos crculos carnais. O homem vulgar ignora que toda manifestao de ordem, no mundo, procede do plano superior. A natureza agreste transforma-se em jardim, quando orientada pela mente do homem, e o pensamento humano, selvagem na criatura primitiva, transforma-se em potencial criador, quando inspirado pelas mentes que funcionam nas esferas mais altas. Nenhuma organizao til se materializa na crosta terrena, sem que seus raios iniciais partam de cima. - Mas "Nosso Lar" ter igualmente uma histria, como as grandes cidades planetrias? - Sem dvida. Os planos vizinhos da esfera terrquea possuem, igualmente, natureza especfica. "Nosso Lar" antiga fundao de portugueses distintos, desencarnados no Brasil, no sculo XVI. A princpio, enorme e exaustiva foi a luta, segundo consta em nossos arquivos no Ministrio do Esclarecimento. H substncias speras nas zonas invisveis Terra, tal como nas regies que se caracterizam pela matria grosseira. Aqui tambm existem enormes extenses de potencial inferior, como h, no planeta,

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grandes tratos de natureza rude e incivilizada. Os trabalhos primordiais foram desanimadores, mesmo para os espritos fortes. Onde se congregam hoje vibraes delicadas e nobres, edifcios de fino lavor, misturavam-se as notas primitivas dos silvcolas do pas e as construes infantis de suas mentes rudimentares. Os fundadores no desanimaram, porm. Prosseguiram na obra, copiando o esforo dos europeus que chegavam esfera material, apenas com a diferena de que, por l, se empregava a violncia, a guerra, a escravido, e, aqui, o servio perseverante, a solidariedade fraterna, o amor espiritual. A essa altura, atingramos uma praa de maravilhosos contornos, ostentando extensos jardins. No centro da praa, erguia-se um palcio de magnificente beleza, encabeado de torres soberanas, que se perdiam no cu. - Os fundadores da colnia comearam o esforo, partindo daqui, onde se localiza a Governadoria - disse o visitador. Apontando o palcio, continuou: - Temos, nesta praa, o ponto de convergncia dos seis ministrios a que me referi. Todos comeam da Governadoria, estendendo-se em forma triangular. E, respeitoso, comentou: - Ali vive o nosso abnegado orientador. Nos trabalhos administrativos, utiliza ele a colaborao de trs mil funcionrios; entretanto, ele o trabalhador mais infatigvel e mais fiel que todos ns reunidos. Os Ministros costumam excursionar noutras esferas, renovando energias e valorizando conhecimentos; ns outros gozamos entretenimentos habituais, mas o Governador nunca dispe de tempo para isso. Faz questo que descansemos, obriga-nos a frias peridicas, ao passo que, ele mesmo, quase nunca repousa, mesmo no que concerne s horas de sono. Pareceme que a glria dele o servio perene. Basta lembrar que estou

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aqui h quarenta anos e, com exceo das assemblias referentes s preces coletivas, raramente o tenho visto em festividades pblicas. Seu pensamento, porm, abrange todos os crculos de servio, sua assistncia carinhosa a tudo e a todos atinge. Depois de longa pausa, o enfermeiro amigo acentuou: - No faz muito, comemorou-se o 114 aniversrio da sua magnnima direo. Calara-se Lsias, evidenciando comovida reverncia, enquanto eu a seu lado contemplava, respeitoso e embevecido, as torres maravilhosas que pareciam cindir o firmamento...

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9 Problema de AlimentaoEnlevado na viso dos jardins prodigiosos, pedi ao dedicado enfermeiro para descansar alguns minutos num banco prximo. Lsias anuiu de bom grado. Agradvel sensao de paz me felicitava o esprito. Caprichosos repuxos de gua colorida ziguezagueavam no ar, formando figuras encantadoras. - Quem observa esta colmia imensa de servio - ponderei - induzido a examinar numerosos problemas. E o abastecimento? No tenho notcia de um Ministrio da Economia... - Antigamente - explicou o paciente interlocutor - os servios dessa natureza assumiam feio mais destacada. Deliberou, porm, o atual Governador atenuar todas as expresses de vida que nos recordassem os fenmenos puramente materiais. As atividades de abastecimento ficaram, assim, reduzidas a simples servio de distribuio, sob o controle direto da Governadoria. Alis, a providncia constitui medida das mais benficas. Rezam os anais que a colnia, h um sculo, lutava com extremas dificuldades para adaptar os habitantes s leis da simplicidade. Muitos recmchegados ao "Nosso Lar" duplicavam exigncias. Queriam mesas lautas, bebidas excitantes, dilatando velhos vcios terrenos. Apenas o Ministrio da Unio Divina ficou imune de tais abusos, pelas caractersticas que lhe so prprias; no entanto, os demais viviam sobrecarregados de angustiosos problemas dessa ordem. O Governador atual, todavia, no poupou esforos. To logo assumiu obrigaes administrativas, adotou providncias justas. Antigos missionrios, daqui, puseram-me ao corrente de curiosos acontecimentos. Disseram-me que, a pedido da Governadoria, vieram duzentos instrutores de uma esfera muito elevada, a fim de

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espalharem novos conhecimentos, relativos cincia da respirao e da absoro de princpios vitais da atmosfera. Realizaram-se assemblias numerosas. Alguns colaboradores tcnicos de "Nosso Lar" manifestavam-se contrrios, alegando que a cidade de transio e que no seria justo, nem possvel, desambientar imediatamente os homens desencarnados, mediante exigncias desse teor, sem grave perigo para suas organizaes espirituais. O Governador, contudo, no desanimou. Prosseguiram as reunies, providncias e atividades, durante trinta anos consecutivos. Algumas entidades eminentes chegaram a formular protestos de carter pblico, reclamando. Por mais de dez vezes, o Ministrio do Auxlio esteve superlotado de enfermos, onde se confessavam vtimas do novo sistema de alimentao deficiente. Nesses perodos, os opositores da reduo multiplicavam acusaes. O Governador, porm, jamais castigou algum. Convocava os adversrios da medida a palcio e expunha-lhes, paternalmente, os projetos e finalidades do regime; destacava a superioridade dos mtodos de espiritualizao, facilitava aos mais rebeldes inimigos do novo processo variadas excurses de estudo, em planos mais elevados que o nosso, ganhando, assim, maior nmero de adeptos. Ante pausa mais longa, reclamei, interessado: - Continue, por favor, meu caro Lsias. Como terminou a luta edificante? - Depois de vinte e um anos de p erseverantes demonstraes, por parte da Governadoria, aderiu o Ministrio da Elevao, passando a abastecer-se apenas do indispensvel. O mesmo no aconteceu com o Ministrio do Esclarecimento, que demorou muito a assumir compromisso, em vista dos numerosos espritos dedicados s cincias matemticas, que ali trabalham. Eram eles os mais teimosos adversrios. Mecanizados nos processos de protenas e carboidratos, imprescindveis aos veculos fsicos, no cediam terreno nas concepes correspondentes daqui. Semanal-

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mente, enviavam ao Governador longas observaes e advertncias, repletas de anlises e numeraes, atingindo, por vezes, a imprudncia. O velho governante, contudo, nunca agiu por si s. Requisitou assistncia de nobres mentores, que nos orientam atravs do Ministrio da Unio Divina, e jamais deixou o menor boletim de esclarecimento sem exame minucioso. Enquanto argumentavam os cientistas e a Governadoria contemporizava, formaram-se perigosos distrbios no antigo Departamento de Regenerao, hoje transformado em Ministrio. Encorajados pela rebeldia dos cooperadores do Esclarecimento, os espritos menos elevados que ali se recolhiam entregaram-se a condenveis manifestaes. Tudo isso provocou enormes cises nos rgos coletivos de "Nosso Lar", dando ensejo a perigoso assalto das multides obscuras do Umbral, que tentaram invadir a cidade, aproveitando brechas nos servios de Regenerao, onde grande nmero de colaboradores entretinha certo intercmbio clandestino, em virtude dos vcios de alimentao. Dado o alarme, o Governador no se perturbou. Terrveis ameaas pairavam sobre todos. Ele, porm, solicitou audincia ao Ministrio da Unio Divina e, depois de ouvir o nosso mais alto Conselho, mandou fechar provisoriamente o Ministrio da Comunicao, determinou funcionassem todos os calabouos da Regenerao, para isolamento dos recalcitrantes, advertiu o Ministrio do Esclarecimento, cujas impertinncias suportou mais de trinta anos consecutivos, proibiu temporariamente os auxlios s regies inferiores e, pela primeira vez na sua administrao, mandou ligar as baterias eltricas das muralhas da cidade, para emisso de dardos magnticos a servio da defesa comum. No houve combate, nem ofensiva da colnia, mas resistncia resoluta. Por mais de seis meses, os servios de alimentao, em "Nosso Lar", foram reduzidos inalao de princpios vitais da atmosfera, atravs da respirao, e gua misturada a elementos solares, eltricos e magnticos. A colnia ficou, ento, sabendo o que vem a ser a indignao do esprito manso e justo.

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Findo o perodo mais agudo, a Governadoria estava vitoriosa. O prprio Ministrio do Esclarecimento reconheceu o erro e cooperou nos trabalhos de reajustamento. Houve, nesse comenos, regozijo pblico e dizem que, em meio da alegria geral, o Governador chorou sensibilizado, declarando que a compreenso geral constitua o verdadeiro prmio ao seu corao. A cidade voltou ao movimento normal. O antigo Departamento da Regenerao foi convertido em Ministrio. Desde ento, s existe maior suprimento de substncias alimentcias que lembram a Terra, nos Ministrios da Regenerao e do Auxlio, onde h sempre grande nmero de necessitados. Nos demais h somente o indispensvel, isto , todo o servio de alimentao obedece a inexcedvel sobriedade. Presentemente, todos reconhecem que a suposta impertinncia do Governador representou medida de elevado alcance para nossa libertao espiritual. Reduziu-se a expresso fsica e surgiu maravilhoso coeficiente de espiritualidade. Lsias silenciou e eu me entreguei a profundos pensamentos sobre a grande lio.

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10 No Bosque das guasDado o meu interesse crescente pelos processos de alimentao, Lsias convidou: - Vamos ao grande reservatrio da colnia. L observar coisas interessantes. Ver que a gua quase tudo em nossa estncia de transio. Curiosssimo, acompanhei o enfermeiro sem vacilar. Chegados a extenso ngulo da praa, o generoso amigo acrescentou: - Esperemos o aerbus.2 Mal me refazia da surpresa, quando surgiu grande carro, suspenso do solo a uma altura de cinco metros mais ou menos e repleto de passageiros. Ao descer at ns, maneira de um elevador terrestre, examinei-o com ateno. No era mquina conhecida na Terra. Constituda de material muito flexvel, tinha enorme comprimento, parecendo ligada a fios invisveis, em virtude do grande nmero de antenas na tolda. Mais tarde, confirmei minhas suposies, visitando as grandes oficinas do Servio de Trnsito e Transporte. Lsias no me deu tempo a indagaes. Aboletados convenientemente no recinto confortvel, seguimos Silenciosos. Experimentava a timidez natural do homem desambientado, entre desconhecidos. A velocidade era tanta que no permitia fixar os detalhes das construes escalonadas no extenso percurso. A distncia no era pequena, porque s depois de quarenta minutos, incluindo

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Carro areo, que seria na Terra um grande funicular.

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ligeiras paradas de trs em trs quilmetros, me convidou Lsias a descer, sorridente e calmo. Deslumbrou-me o panorama de belezas sublimes. O bosque, em florao maravilhosa, embalsamava o vento fresco de inebriante perfume. Tudo em prodgio de cores e luzes cariciosas. Entre margens bordadas de grama viosa, toda esmaltada de azulneas flores, deslizava um rio de grandes propores. A corrente rolava tranqila, mas to cristalina que parecia tonalizada em matiz celeste, em vista dos reflexos do firmamento. Estradas largas cortavam a verdura da paisagem. Plantadas a espaos regulares, rvores frondosas ofereciam sombra amiga, maneira de pousos deliciosos, na claridade do Sol confortador. Bancos de caprichosos formatos convidavam ao descanso. Notando o meu deslumbramento, Lsias explicou: - Estamos no Bosque das guas. Temos aqui uma das mais belas regies de "Nosso Lar". Trata-se de um dos locais prediletos para as excurses dos amantes, que aqui vm tecer as mais lindas promessas de amor e fidelidade, para as experincias da Terra. A observao ensejava consideraes muito interessantes, mas Lsias no me deu azo a perguntas nesse particular. Indicando um edifcio de enormes propores, esclareceu: - Ali o grande reservatrio da colnia. Todo o volume do Rio Azul, que temos vista, absorvido em caixas imensas de distribuio. As guas que servem a todas as atividades da colnia partem daqui. Em seguida, renem-se novamente, abaixo dos servios da Regenerao, e voltam a constituir o rio, que prossegue o curso normal, rumo ao grande oceano de substncias invisveis para a Terra. Percebendo-me a indagao ntima, acrescentou: - Com efeito, a gua aqui tem outra densidade. Muito mais tnue, pura, quase fludica.

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Notando as magnficas construes que me fronteavam, interroguei: - A que Ministrio est afeto o servio de distribuio? - Imagine - elucidou L sias - que este um dos raros servios materiais do Ministrio da Unio Divina! - Que diz? - perguntei, ignorando como conciliar uma e outra coisa. O visitador sorriu e obtemperou prazenteiro: - Na Terra quase ningum cogita seriamente de conhecer a importncia da gua. Em "Nosso Lar", contudo, outros so os conhecimentos. Nos crculos religiosos do planeta, ensinam que o Senhor criou as guas. Ora, lgico que todo servio criado precisa de energias e braos para ser convenientemente mantido. Nesta cidade espiritual, aprendemos a agradecer ao Pai e aos seus divinos colaboradores semelhante ddiva. Conhecendo-a mais intimamente, sabemos que a gua veculo dos mais poderosos para os fluidos de qualquer natureza. Aqui, ela empregada sobretudo como alimento e remdio. H reparties no Ministrio do Auxlio absolutamente consagradas manipulao de gua pura, com certos princpios suscetveis de serem captados na luz do Sol e no magnetismo espiritual. Na maioria das regies da extensa colnia, o sistema de alimentao tem a suas bases. Acontece, porm, que s os Ministros da Unio Divina so detentores do maior padro de Espiritualidade Superior, entre ns, cabendo-lhes a magnetizao geral das guas do Rio Azul, a fim de que sirvam a todos os habitantes de "Nosso Lar", com a pureza imprescindvel. Fazem eles o servio inicial de limpeza e os institutos realizam trabalhos especficos, no suprimento de substncias alimentares e curativas. Quando os diversos fios da corrente se renem de novo, no ponto longnquo, oposto a este bosque, ausenta-se o rio de nossa zona, conduzindo em seu seio nossas qualidades espirituais.

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Eu estava embevecido com as explicaes. - No planeta - objetei -, jamais recebi elucidaes desta natureza. - O homem desatento, h muitos sculos - tornou Lsias -; o mar equilibra-lhe a moradia planetria, o elemento aquoso fornece-lhe o corpo fsico, a chuva d-lhe o po, o rio organiza-lhe a cidade, a presena da gua oferece-lhe a bno do lar e do servio; entretanto, ele sempre se julga o absoluto dominador do mundo, esquecendo que filho do Altssimo, antes de qualquer considerao. Vir tempo, contudo, em que copiar nossos servios, encarecendo a importncia dessa ddiva do Senhor. Compreender, ento, que a gua, como fluido criador, absorve, em cada lar, as caractersticas mentais de seus moradores. A gua, no mundo, meu amigo, no somente carreia os resduos dos corpos, mas tambm as expresses de nossa vida mental. Ser nociva nas mos perversas, til nas mos generosas e, quando em movimento, sua corrente no s espalhar bno de vida, mas constituir igualmente um veculo da Providncia Divina, absorvendo amarguras, dios e ansiedades dos homens, lavando-lhes a casa material e purificando-lhes a atmosfera ntima. Calou-se o interlocutor em atitude reverente, enquanto meus olhos fixavam a corrente tranqila a despertar-me sublimes pensamentos.

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11 Notcias do PlanoDesejaria meu generoso companheiro facultar-me observaes diferentes, nos diversos bairros da colnia, mas obrigaes imperiosas chamavam-no ao posto. - Ter voc ocasio de conhecer as diversas regies dos nossos servios - exclamou bondosamente - pois, conforme v, os Ministrios do "Nosso Lar" so enormes clulas de trabalho ativo. Nem mesmo alguns dias de estudo oferecem ensejo viso detalhada de um s deles. No lhe faltar oportunidade, porm. Ainda que me no seja possvel acompanh-lo, Clarncio tem poderes para obter-lhe ingresso fcil em qualquer dependncia. Voltamos ao ponto de passagem do aerbus, que no se fez esperar. Agora, sentia-me quase vontade. A presena de muitos passageiros no me constrangia. A experincia anterior fizera-me benefcios enormes. Esfervilhava-me o crebro de teis indagaes. Interessado em resolv-las, aproveitei o minuto para valerme do companheiro, quando possvel. - Lsias, amigo - perguntei -, poder informar-me se todas as colnias espirituais so idnticas a esta? Os mesmos processos, as mesmas caractersticas? - De modo algum. Se nas esferas materiais, cada regio e c ada estabelecimento revelam traos peculiares, imagine a multiplicidade de condies em nossos planos. Aqui, tal como na Terra, as criaturas se identificam pelas fontes comuns de origem e pela grandeza dos fins que devem atingir; mas importa considerar que cada colnia, como cada entidade, permanece em degraus diferentes na grande ascenso. Todas as experincias de grupo diversifi-

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cam-se entre si e "Nosso Lar" constitui uma experincia coletiva dessa natureza. Segundo nossos arquivos, muitas vezes os que nos antecederam buscaram inspirao nos trabalhos de abnegados trabalhadores de outras esferas; em compensao, outros agrupamentos buscam o nosso concurso para outras colnias em formao. Cada organizao, todavia, apresenta particularidades essenciais. Observando que o intervalo se fazia mais longo, interroguei: - Partiu daqui a interessante formao de Ministrios? - Sim, os missionrios da criao de "Nosso Lar" visitaram os servios de "Alvorada Nova", uma das colnias espirituais mais importantes que nos circunvizinham e ali encontraram a diviso por departamentos. Adotaram o processo, mas substituram a palavra departamento por Ministrio, com exceo dos servios regeneradores, que, somente com o Governador atual, conseguiram elevao. Assim procederam, considerando que a organizao em Ministrios mais expressiva, como definio de espiritualidade. - Muito bem! - acrescentei. - E no tudo - prosseguiu o enfermeiro, atencioso -, a instituio eminentemente rigorosa, no que concerne ordem e hierarquia. Nenhuma condio de destaque concedida aqui a ttulo de favor. Somente quatro entidades conseguiram ingressar, com responsabilidade definida, no curso de dez anos, no Ministrio da Unio Divina. Em geral, todos ns, decorrido longo estgio de servio e aprendizado, voltamos a reencarnar, para atividades de aperfeioamento. Enquanto eu ouvia essas informaes, justamente curioso, Lsias continuava: - Quando os recm-chegados das zonas inferiores do Umbral se revelam aptos a receber cooperao fraterna, demoram no

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Ministrio do Auxlio; quando, porm, se mostram refratrios, so encaminhados ao Ministrio da Regenerao. Se revelam proveito, com o correr do tempo so admitidos aos trabalhos de Auxlio, Comunicao e Esclarecimento, a fim de se prepararem, com eficincia, para futuras tarefas planetrias. Somente alguns conseguem atividade prolongada no Ministrio da Elevao e rarssimos, em cada dez anos, os que alcanam intimidade nos trabalhos da Unio Divina. E no suponha que os testemunhos sejam vagas expresses de atividade idealista. J no estamos na esfera do globo, onde o desencarnado promovido compulsoriamente a fantasma. Vivemos em crculo de demonstraes ativas. As tarefas de Auxlio so laboriosas e complicadas, os deveres no Ministrio da Regenerao constituem testemunhos pesadssimos, os trabalhos na Comunicao exigem alta noo da responsabilidade individual, os campos do Esclarecimento requisitam grande capacidade de trabalho e valores intelectuais profundos, o Ministrio da Elevao pede renncia e iluminao, as atividades da Unio Divina requerem conhecimento justo e sincera aplicao do amor universal. A Governadoria, por sua vez, sede movimentada de todos os assuntos administrativos, numerosos servios de controle direto, como, por exemplo, o de alimentao, distribuio de energias eltricas, trnsito, transporte e outros. Aqui, em verdade, a lei do descanso rigorosamente observada, para que determinados servidores no fiquem mais sobrecarregados que outros; mas a lei do trabalho tambm rigorosamente cumprida. No que concerne ao repouso, a nica exceo o prprio Governador, que nunca aproveita o que lhe toca, nesse terreno. - Mas, nunca se ausenta ele do palcio? - interroguei. - Somente nas ocasies que o bem pblico o exige. A no ser em obedincia a esse imperativo, o Governador vai semanalmente ao Ministrio da Regenerao, que representa a zona de "Nosso Lar" onde h maior nmero de perturbaes, dada a sintonia de

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muitos dos seus abrigados com os irmos do Umbral. Numerosas multides de espritos desviados ali se encontram recolhidas. Aproveita ele, pois, as tardes de domingo, depois de orar com a cidade no Grande Templo da Governadoria, para cooperar com os Ministros da Regenerao, atendendo-lhes os difceis problemas de trabalho. Nesse mister, priva-se, s vezes, de alegrias sagradas, amparando a desorientados e sofredores. Deixara-nos o aerbus nas vizinhanas do hospital, onde me aguardava o aposento confortador. Em plena via pblica, ouviam-se, tal qual observara sada, belas melodias atravessando o ar. Notando-me a expresso indagadora, Lsias explicou fraternalmente: - Essas msicas procedem das oficinas onde trabalham os h abitantes de "Nosso Lar". Aps consecutivas observaes, reconheceu a Governadoria que a msica intensifica o rendimento do servio, em todos os setores de esforo construtivo. Desde ento, ningum trabalha em "Nosso Lar", sem esse estimulo de alegria. Nesse nterim, porm, chegramos Portaria. Atencioso enfermeiro adiantou-se e notificou: - Irmo Lsias, chamam-no ao pavilho da direita para servio urgente. O companheiro afastou-se, calmo, enquanto eu me recolhia ao aposento particular, repleto de indagaes ntimas.

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12 O UmbralAps receber to valiosas elucidaes, aguava-se-me o desejo de intensificar a aquisio de conhecimentos relativos a diversos problemas que a palavra de Lsias sugeria. As referncias a espritos do Umbral mordiam-me a curiosidade. A ausncia de preparao religiosa, no mundo, d motivo a dolorosas perturbaes. Que seria o Umbral? Conhecia, apenas, a idia do inferno e do purgatrio, atravs dos sermes ouvidos nas cerimnias catlico-romanas a que assistira, obedecendo a preceitos protocolares. Desse Umbral, porm, nunca tivera notcias. Ao primeiro encontro com o generoso visitador, minhas perguntas no se fizeram esperar. Lsias ouviu-me, atencioso, e replicou: - Ora, ora, pois voc andou detido por l tanto tempo e no conhece a regio? Recordei os sofrimentos passados, experimentando arrepios de horror. - O Umbral - continuou ele, solcito - comea na crosta terrestre. a zona obscura de quantos no mundo no se resolveram a atravessar as portas dos deveres sagrados, a fim de cumpri-los, demorando-se no vale da indeciso ou no pntano dos erros numerosos. Quando o esprito reencarna, promete cumprir o programa de servios do Pai; entretanto, ao recapitular experincias no planeta, muito difcil faz-lo, para s procurar o que lhe satisfaa ao egosmo. Assim que mantidos so o mesmo dio aos adversrios e a mesma paixo pelos amigos. Mas, nem o dio justia, nem a paixo amor. Tudo o que excede, sem aproveitamento, prejudica a economia da vida. Pois bem: todas as multides de desequilibrados permanecem nas regies nevoentas, que

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se seguem aos fluidos carnais. O dever cumprido uma porta que atravessamos no Infinito, rumo ao continente sagrado da unio com o Senhor. natural, portanto, que o homem esquivo obrigao justa, tenha essa bno indefinidamente adiada. Notando-me a dificuldade para apreender todo o contedo do ensinamento, com vistas minha quase total ignorncia dos princpios espirituais, Lsias procurou tornar a lio mais clara: - Imagine que cada um de ns, renascendo no planeta, somos portadores de um fato sujo, para lavar no tanque da vida humana. Essa roupa imunda o corpo causal, tecido por nossas mos, nas experincias anteriores. Compartilhando, de novo, as bnos da oportunidade terrestre, esquecemos, porm, o objetivo essencial, e, ao invs de nos purificarmos pelo esforo da lavagem, manchamo-nos ainda mais, contraindo novos laos e encarcerandonos a ns mesmos em verdadeira escravido. Ora, se ao voltarmos ao mundo procurvamos um meio de fugir sujidade, pelo desacordo de nossa situao com o meio elevado, como regressar a esse mesmo ambiente luminoso, em piores condies? O Umbral funciona, portanto, como regio destinada a esgotamento de resduos mentais; uma espcie de zona purgatorial, onde se queima a prestaes o material deteriorado das iluses que a criatura adquiriu por atacado, menosprezando o sublime ensejo de uma existncia terrena. A imagem no podia ser mais clara, mais convincente. No havia como disfarar minha justa admirao. Compreendendo o efeito benfico que me traziam aqueles esclarecimentos, Lsias continuou: - O Umbral regio de profundo interesse para quem esteja na Terra. Concentra-se, a, tudo o que no tem finalidade para a vida superior. E note voc que a Providncia Divina agiu sabiamente, permitindo se criasse tal departamento em torno do planeta. H legies compactas de almas irresolutas e ignorantes, que

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no so suficientemente perversas para serem enviadas a colnias de reparao mais dolorosa, nem bastante nobres para serem conduzidas a planos de elevao. Representam fileiras de habitantes do Umbral, companheiros imediatos dos homens encarnados, separados deles apenas por leis vibratrias. No de estranhar, portanto, que semelhantes lugares se caracterizem por grandes perturbaes. L vivem, agrupam-se, os revoltados de toda espcie. Formam, igualmente, ncleos invisveis de notvel poder, pela concentrao das tendncias e desejos gerais. Muita gente da Terra no recorda que se desespera quando o carteiro no vem, quando o comboio no aparece? Pois o Umbral est repleto de desesperados. Por no encontrarem o Senhor disposio dos seus caprichos, aps a morte do corpo fsico, e, sentindo que a coroa da vida eterna a glria intransfervel dos que trabalham com o Pai, essas criaturas se revelam e demoram em mesquinhas edificaes. "Nosso Lar" tem uma sociedade espiritual, mas esses ncleos possuem infelizes, malfeitores e vagabundos de vrias categorias. zona de verdugos e vtimas, de exploradores e explorados. Valendo-me da pausa, que se fizera espontnea, exclamei, impressionado: - Como explicar? Ento no h por l defesa, organizao? Sorriu o interlocutor, esclarecendo: - Organizao atributo dos espritos organizados. Que quer voc? A zona inferior a que nos referimos qual a casa onde no h po: todos gritam e ningum tem razo. O viajante distrado perde o comboio, o agricultor que no semeou no pode colher. Uma certeza, porm, posso dar-lhe: - no obstante as sombras e angstias do Umbral, nunca faltou l a proteo divina. Cada esprito l permanece o tempo que se faa necessrio.

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Para isso, meu amigo, permitiu o Senhor se erigissem muitas colnias como esta, consagradas ao trabalho e ao socorro espiritual. - Creio, ento - observei -, que essa esfera se mistura quase com a esfera dos homens. - Sim - confirmou o dedicado amigo -, e nessa zona que se estendem os fios invisveis que ligam as mentes humanas entre si. O plano est repleto de desencarnados e de formas-pensamento dos encarnados, porque, em verdade, todo esprito, esteja onde estiver, um ncleo irradiante de foras que criam, transformam ou destroem, exteriorizadas em vibraes que a cincia terrestre presentemente no pode compreender. Quem pensa, est fazendo alguma coisa alhures. E pelo pensamento que os homens encontram no Umbral os companheiros que afinam com as tendncias de cada um. Toda alma um m poderoso. H uma extensa h umanidade invisvel, que se segue humanidade visvel. As misses mais laboriosas do Ministrio do Auxlio so constitudas por abnegados servidores, no Umbral, porque se a tarefa dos bombeiros nas grandes cidades terrenas difcil, pelas labaredas e ondas de fumo que os defrontam, os missionrios do Umbral encontram fluidos pesadssimos emitidos, sem cessar, por milhares de mentes desequilibradas, na prtica do mal, ou terrivelmente flageladas nos sofrimentos retificadores. necessrio muita coragem e muita renncia para ajudar a quem nada compreende do auxlio que se lhe oferece. Interrompera-se Lsias. Sumamente impressionado, exclamei: - Ah! como desejo trabalhar junto dessas legies de infelizes, levando-lhes o po espiritual do esclarecimento! O enfermeiro amigo fixou-me bondosamente e, depois de meditar em silncio, por largos instantes, acentuou, ao despedirse:

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- Ser que voc se sente com o preparo indispensvel a semelhante servio?

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13 No Gabinete do MinistroCom as melhoras crescentes, surgia a necessidade de movimentao e trabalho. Decorrido tanto tempo, esgotados anos difceis de luta, volvia-me o interesse pelos afazeres que enchem o dia til de todo homem normal, no mundo. Incontestvel que havia perdido excelentes oportunidades na Terra; que muitas falhas me assinalavam o caminho. Agora, porm, recordava os quinze anos de clnica, sentindo um certo "vazio" no corao. Identificava-me a mim mesmo, como vigoroso agricultor em pleno campo, de mos atadas e impossibilitado de atacar o trabalho. Cercado de enfermos, no podia aproximar-me, como n outr