Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

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Espiritismo e Consciência de Krishna - Parte 1 Escrito por Edinete Mello Seg, 19 de Março de 2012 16:03 Um estudo comparativo da transmigração da alma. Espiritismo e Consciência de Krishna: Um Estudo Comparativo em Transmigração da Alma, Posição dos Espíritos (Bhutas), Epistemologia e Objeto de Culto por Thiago Costa Braga (Bhagavan Dasa Adhikari Bhakti-sastri) PARTE 1 de 4

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Espiritismo e Consciência de Krishna: Um Estudo Comparativo em Transmigração da Alma, Posição dos Espíritos (Bhutas), Epistemologia e Objeto de Culto por Thiago Costa Braga (Bhagavan Dasa Adhikari Bhakti-sastri)

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Espiritismo e Consciência de Krishna - Parte 1 Escrito por Edinete Mello    Seg, 19 de Março de 2012 16:03

Um estudo comparativo da transmigração da alma. 

Espiritismo e Consciência de Krishna:

Um Estudo Comparativo em Transmigração da Alma,

Posição dos Espíritos (Bhutas), Epistemologia e Objeto de

Culto

 

por Thiago Costa Braga

(Bhagavan Dasa Adhikari Bhakti-sastri)

 

PARTE 1 de 4

 

Lembro-me como se fosse hoje. Em minhas mãos, aquele livro que comprei sob

a propaganda de que desdobraria os temas da palestra que eu havia acabado de ouvir

com grande interesse. Na capa da obra, ao fundo, o topo de vários templos no que

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parecia ser o amanhecer ou o entardecer. Quando cheguei em casa, deitei em minha

cama ainda com a roupa do corpo e li novamente na capa o título do livro, o qual me

dizia muito, pois era o que eu vivia. Seu título: Em Busca da Verdade. Seu autor: A.C.

Bhaktivedanta Swami Prabhupada, fundador da Sociedade Internacional para a

Consciência de Krishna.

 

Devorei cada página como se estivesse com muita fome. Tanto aprendi que

mentalmente agradecia a Deus por aquele livro. Fui introduzido a temas como a

impossibilidade de ser obediente a Deus sem uma descrição clara de Seus desejos e

ordens, a necessidade fundamental de conhecermos em detalhes a personalidade de

Deus para podermos amá-lO, a compreensão derradeira da ordenação do universo com

base nos três modos da natureza material, a inutilidade de tentar ser honesto sem ter o

conhecimento de que Deus é o proprietário de tudo e vários outros temas que, tamanha

sua profundidade, sequer sabia de sua existência, menos ainda que haveria alguém

capaz de apresentá-los de maneira tão acessível como o autor que agora eu lia.

 

Nem tudo me foi alegria ao término da leitura, no entanto. Em meu coração,

além do contínuo agradecimento a Deus, estava o desejo de divulgar esse livro tanto

quanto eu pudesse, a tantos amigos quanto eu tivesse. Porém, uma única página desta

obra me desmotivava. Pensei então em comprar vários desse livro e presenteá-lo a

amigos sem essa página que me incomodava, porém veriam que uma folha havia sido

arrancada. Uma segunda ideia: Fotocopiá-lo tirando essa página e apagando os números

das páginas, de modo que ninguém saberia do excerto. Por fim, não tomei nenhuma de

minhas medidas cogitadas, pois minha ocupação em distribuir esse conhecimento teria

de aguardar um pouco mais meu amadurecimento.

 

A referida passagem, enfim, era esta: “Como espíritos puros, todas as almas são

iguais, inclusive nos animais”*. (p. 34) Ai de mim, como dizem os poetas. Por que a

vida não pode ser mais fácil? Por que um autor que julguei conhecer tudo perfeitamente

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tinha essa “mácula” de tamanho contrassenso de afirmar que a alma que anima os

animais e os homens é a mesma, com o agravante que descobri mais tarde, de que é a

mesma alma também que pode passar inclusive por corpos vegetais?

 

*PRABHUPADA, A.C. Bhaktivedanta Svami. Perguntas Perfeitas Respostas Perfeitas. São Paulo: BBT, 2012, p. 34. Perguntas Perfeitas Respostas Perfeitas é o novo título que em português que se deu ao então Em Busca da Verdade, esta edição agora com tradução literal do título original da obra, Perfect Questions Perfect Answers.

 

Minha dificuldade se dava por minha formação espírita, a qual, embora me

tenha conduzido a buscar a reunião que assisti sobre a consciência de Krishna, em

virtude de utilizar termos da mesma, como karma e chakra*, tinha diferentes

concepções acerca destes conceitos e outros, e, como foi o espiritismo a religião que me

convenceu da existência de Deus, livre-arbítrio, transmigração da alma e outros tópicos,

era-me difícil lidar com os conflitos entre ela e meu novo achado da consciência de

Krishna.

 

*Karma e chakra não são, a rigor, conceitos doutrinários do espiritismo. Seu uso entre os espíritas é considerado fruto de hibridismo com religiões orientais. Tais termos não se encontram na obra kardeciana, sendo encontrados apenas em obras subsidiárias.

 

Hoje, passados oito anos desde este meu primeiro contato com a consciência de

Krishna, graduei-me em Bhakti-sastri* após residência no Seminário de Filosofia e

Teologia Hare Krishna de Campina Grande e traduzi para a ISKCON mais de dez

livros, cem artigos e outros materiais, além de ter-me dado a leituras diversas sobre o

assunto da consciência de Krishna. Esse acúmulo de conhecimento de minha parte tanto

da doutrina espírita quanto da consciência de Krishna faz-me sentir obrigado a produzir

este material de estudo comparado, para o benefício tanto dos espíritas quanto dos

adeptos da consciência de Krishna. Para os primeiros, uma oportunidade de diálogo

inter-religioso não muito explorada. Embora os espíritas promovam sua religião em

conflito com religiões que duvidam do contato com os espíritos; a consciência de

Krishna é um desafio inteiramente novo, dado que acredita plenamente nesta

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comunicação, mas a tem como irrelevante para investigações acerca de Deus, da alma e

da matéria inerte. Aos adeptos da consciência de Krishna, este tenta esclarecer algumas

das zonas de conflito entre as duas religiões para fortalecimento da fé de tais adeptos

com argumentos científicos, lógicos e teológicos. As zonas de conflito a serem

analisadas são reencarnação em oposição a metempsicose, conhecimento descendente

em oposição a conhecimento ascendente, equivalência de espíritos de luz e almas

espirituais semipiedosas identificadas com o corpo, e culto a tais indivíduos e adoração

exclusiva a Deus.

 

*Título obtido pelo sucesso em uma prova internacional a que se submetem os membros do Movimento Hare Krishna e outros interessados após estudo básico de sânscrito e estudo profundo das obras O Bhagavad-gita Como Ele É, Isopanisad, Néctar da Devoção (Bhakti-rasamrta-sindhu) e Néctar da Instrução (Upadesamrta).

 

Transmigração da Alma: Reencarnação e Metempsicose

 

Ambas as religiões em análise têm como princípio básico que a alma espiritual

indestrutível tem a faculdade de transmigrar para um corpo novo ante a destruição do

corpo em que se encontrava anteriormente. Em O Livro dos Espíritos*, encontramos:

“Chamamos alma ao ser imaterial e individual que em nós reside e sobrevive ao corpo”

(Introdução, p. 15), “A alma passa então por muitas existências corporais? ‘Sim, todos

contamos muitas existências’” (2.4.166b), e, em seguida, afirma-se que “vivemo-las em

diferentes mundos” (2.4.172).

 

*KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1995

 

Todos estes três pontos são comuns à consciência de Krishna, como

evidenciamos por estes versos introdutórios do Bhagavad-gita*. No atinente à

continuidade da alma após a morte do corpo: “Para a alma, em tempo algum existe

nascimento ou morte. Ela não passou a existir, não passa a existir e nem passará a

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existir. Ela é não nascida, eterna, sempre existente e primordial. Ela não morre quando

o corpo morre”. (2.20) No atinente às múltiplas existências: “Assim como alguém veste

roupas novas, abandonando as antigas, a alma aceita novos corpos materiais,

abandonando os velhos e inúteis” (2.22), e também “Assim como, neste corpo, a alma

corporificada seguidamente passa da infância à juventude e à velhice; do mesmo modo,

chegando a morte, a alma passa para outro corpo. Uma pessoa ponderada não fica

confusa com tal mudança”. (2.13) No atinente à existência em diferentes planetas:

“Aqueles situados no modo da bondade gradualmente elevam-se aos planetas

superiores; aqueles no modo da paixão vivem nos planetas terrestres; e aqueles no

abominável modo da ignorância descem para os mundos infernais”. (14.18)

 

*Todas as citações do Bhagavad-gita aqui contidas são as traduções de O Bhagavad-gita Como Ele É, disponível gratuitamente e em português em vedabase.com/pt-br/bg.

 

Os pontos de conflito entre o espiritismo e a consciência de Krishna, como

analisaremos aqui, estão no fato de que o espiritismo advoga, ou parece advogar, que a

alma que ocupa os corpos humanos jamais habitou corpos animais ou então que, uma

vez que tenha deixado os corpos animais em sua evolução a partir de sua criação por

Deus “simples e ignorantes” (Livro dos Espíritos 2.1.115), jamais poderia retornar a um

corpo animal dado que isto contradiz a lei do progresso, lei esta que dá título ao

capítulo sexto da obra O Livro dos Espíritos. Tal ensinamento é chamado

“reencarnação”, em oposição a “metempsicose”, cuja transmigração de uma mesma

categoria de alma – categoria única, distinta apenas de Deus e da matéria inerte – se dá

por todos os corpos.

 

Nesta passagem de O Livro dos Espíritos, nega-se a transmigração de uma

mesma espécie de alma por corpos humanos e animais, atribuindo a eles “almas

diferentes”:

 

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Pois que os animais possuem uma inteligência que lhes faculta certa liberdade de ação, haverá neles algum princípio independente da matéria?

 

“Há e que sobrevive ao corpo”.

 

Será esse princípio uma alma semelhante à do homem?

 

“É também uma alma, se quiserdes, dependendo isto do sentido que se der a esta palavra. É, porém, inferior à do homem. Há entre a alma dos animais e a do homem distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus”. (2.11.597 e 597a)

 

A alma animal, ainda segundo a mesma obra (2.11.601), evolui por diferentes

corpos animais, tal como a alma humana:

 

Os animais estão sujeitos, como o homem, a uma lei progressiva?

 

“Sim; e daí vem que nos mundos superiores, onde os homens são mais adiantados, os animais também o são, dispondo de meios mais amplos de comunicação. São sempre, porém, inferiores ao homem e se lhe acham submetidos, tendo neles o homem servidores inteligentes.”

 

A consciência de Krishna, baseada nos Vedas, declara, no entanto, que existe

uma só alma que habita por diferentes corpos, passando por todas as formas inferiores

até atingir a forma humana. No Brahma Vaivarta Purana, por exemplo, figura os

seguintes versos: “Atinge-se a forma humana de vida após a transmigração por milhões

de espécies ao longo do processo gradual de evolução, e essa vida humana é arruinada

pelos tolos orgulhosos que não se refugiam nos pés de lótus de Govinda [Deus]”*. O

Padma Purana descreve esse número de formas antecedentes à forma humana pelas

quais passa a alma: “Em todo o universo, existem 900.000 espécies aquáticas;

2.000.000 de entidades vivas imóveis, como árvores e plantas; 1.100.000 espécies de

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insetos e répteis, e 1.000.000 de espécies voadoras. No que diz respeito aos animais

terrestres, existem em número de 3.000.000, e as espécies humanas existem em número

de 400.000”**.

 

*VedaBase: 25. Song, Prayer and Verse Books / Srila Prabhupada Slokas / Selected Verses From the Puranas / Brahma Vaivarta Purana. info.vedabase.com. O verso original diz: asitim caturas caiva laksams tan jiva-jatisu/ bhramadbhih purusaih prapyam manusyam janma-paryayat/ tad apy abhalatam jatah tesam atmabhimaninam/ varakanam anasritya govinda-carana-dvayam.

 

**VedaBase: 25. Song, Prayer and Verse Books / Srila Prabhupada Slokas / Selected Verses From the Puranas / Padma Purana. O verso original diz: jalaja nava-laksani sthavara laksa-vimsati/ krmayo rudra-sankhyakah paksinam dasa-laksanam/ trimsal-laksani pasavah catur-laksani manusah.

 

No Srimad-Bhagavatam* (3.29.28-32), encontramos uma descrição ainda mais

detalhada, a qual nos informa que o tato é o primeiro sentido que se experimenta, o qual

se desenvolve ao se ter um corpo de árvore. Em seguida, experimenta-se paladar ao se

obter um corpo de peixe. Após o corpo de peixe, pode-se obter um corpo como de

abelha e desenvolver olfato. A audição então se faz presente rudimentarmente em um

corpo de cobra, e, mais adiante, pode-se ter um corpo que tem todos os sentidos e ainda

é capaz de distinguir formas, como os corpos de algumas aves e, por fim, de

quadrupedes. Finalmente, tem-se o corpo humano. Os seres humanos ainda são

divididos entre diferentes níveis de estruturação social e rendição a Deus, partindo dos

seres humanos incivilizados e indo até “o devoto puro de Deus, que Lhe presta serviço

devocional sem nenhuma expectativa”.

 

*As citações do Srimad-Bhagavatam são traduções minhas da tradução inglesa de Srila Prabhupada, disponível em vedabase.com/en/sb.

 

O leitor mais arguto deve ter atentado que, na ocasião em que eu disse que o

espiritismo advoga que a alma que ocupa os corpos humanos jamais habitou corpos

animais ou então que, uma vez que tenha deixado os corpos animais em sua evolução a

partir de sua criação, jamais poderia retornar a um corpo animal, eu intercalei o

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seguimento “ou parece advogar”. A explicação para isto é que, como veremos em

discussões acerca de epistemologia, a revelação dos espíritos não é um sistema fechado

e concluído como o da consciência de Krishna, isto porque seus reveladores são

investigadores no modelo de investigação científico-filosófico, isto é, baseado

respectivamente na percepção dos sentidos e da mente, motivo pelo qual certamente

terão conflitos entre si como têm os cientistas e filósofos encarnados. Assim é que um

mesmo espírito pode ter diferentes opiniões em diferentes momentos ou variados

espíritos terem diferentes opiniões contemporâneas, e encontramos no Livro dos

Espíritos (p. 303) que isso de fato se dá com a dicotomia reencarnação e metempsicose

e acerca da relação entre os homens e os animais:

 

O ponto inicial do espírito é uma dessas questões que se prendem à origem das coisas e de que Deus guarda o segredo. Dado não é ao homem conhecê-las de modo absoluto, nada mais lhe sendo possível a tal respeito do que fazer suposições, criar sistemas mais ou menos prováveis. Os próprios espíritos longe estão de tudo saberem e, acerca do que não sabem, também podem ter opiniões pessoais mais ou menos sensatas. É assim, por exemplo, que nem todos pensam da mesma forma quanto às relações existentes entre o homem e os animais. Segundo uns, o espírito não chega ao período humano senão depois de se haver elaborado e individualizado nos diversos graus dos seres inferiores da Criação*. Segundo outros, o espírito do homem teria pertencido sempre à raça humana, sem passar pela fieira animal. O primeiro desses sistemas apresenta a vantagem de assinar um alvo ao futuro dos animais, que formariam então os primeiros elos da cadeia dos seres pensantes. O segundo é mais conforme à dignidade do homem. (grifo nosso)

 

*Emmanuel, por exemplo, em várias psicografias de Chico Xavier, defende esta primeira teoria contra a opinião daqueles que compuseram O Livro dos Espíritos: “O animal caminha para a condição do homem tanto quanto o homem evolui no encalço do anjo”. (Alvorada do Reino, Na Senda da Ascensão) Em sua obra Emmanuel: Dissertações Mediúnicas sobre Importantes Questões que Preocupam a Humanidade, encontramos:

 

“Como o objetivo desta palestra é o estudo dos animais, nossos irmãos inferiores, sinto-me à vontade para declarar que todos nós já nos debatemos no seu acanhado círculo evolutivo. São eles os nossos parentes próximos, apesar da teimosia de quantos persistem em o não reconhecer. Considera-se, às vezes, como afronta ao gênero humano a aceitação dessas verdades. E pergunta-se como poderíamos admitir um princípio espiritual nas arremetidas furiosas das feras indomesticadas, ou como poderíamos crer na existência de um rio de luz divina na serpente venenosa ou na astúcia traiçoeira dos carnívoros. Semelhantes inquirições, contudo, são filhas de entendimento pouco atilado”. (XAVIER, Chico. FEB. p. 119)

 

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Interessante notar que o espiritismo diz que sua validade está em não haver contradição entre os espíritos: “Uma só garantia séria existe para o ensino dos espíritos: a concordância que haja entre as revelações que eles façam espontaneamente, servindo-se de grande número de médiuns estranhos uns aos outros e em vários lugares”. (O Evangelho Segundo o Espiritismo, p. 31)

 

Assim, não há uma base sólida acerca do posicionamento dos espíritos em

relação a se a alma anima primeiramente corpos animais ou começa já em corpos

humanos, logo não há um posicionamento absoluto acerca de se a alma animal progride

unicamente por corpos animais ou se é a mesma sorte de alma que anima agora corpos

humanos. Contudo, como a obra O Livro dos Espíritos mostra predileção pela teoria de

que existem dois tipos de almas, humanas e animais, ou mais precisamente, três, uma

também apenas a animar vegetais*, tomaremos isso como o fundamento espírita e o

iremos expor aos ensinos conscientes de Krishna.

 

A primeira dificuldade para sustentar a teoria espírita de que os animais sempre

serão animais e sempre foram animais é que ela é contraditória com o senso de justiça

vinculado a que alguém sofre por mau uso de seu livre-arbítrio e que alguém tem

conforto por bom uso de seu livre-arbítrio, o que é aceito por ambas as religiões em

estudo. No entanto, como os animais não têm livre-arbítrio (Livro dos Espíritos

2.11.599), o que ambas as religiões concordam, Deus Se torna injusto na teoria espírita,

pois todo o sofrimento excruciante pelo qual passam, por exemplo, as vacas, porcos,

galinhas e outros animais em fazendas-fábricas e abatedouros* é um sofrimento

desmerecido, não decorrente de nenhuma escolha ruim, tampouco há justiça ou

justificativa em uma vaca viver livremente e outra não. Deste modo, Deus torna-Se

alguém horrendo que criou almas animais apenas para animarem corpos animais

inferiores e irem progredindo por corpos animais superiores sempre sofrendo as dores

do nascimento, da morte, da velhice e da doença mesmo não tendo feito nenhuma má

escolha ou ato contrário à vontade de Deus. Tais almas animais são submetidas a um

processo automático (idem. 2.11.602) de evolução por diferentes corpos – reitero,

dolorosíssimo – e evoluem sem nenhum mérito para chegarem ao estágio máximo

delas, estágio máximo este no qual não conhecem Deus (idem. 2.11.603)**.

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*Aqueles que não estão inteirados deste “avanço” da civilização podem se inteirar do mesmo assistindo ao documentário Terráqueos [Earthlings] ou similares. O referido documentário está disponível neste weblink: terraqueos.org. Outros documentários similares se encontram na mesma página.

 

**Desenvolvi, a princípio, estar argumentação sob o norteamento de Santo Anselmo, que diz que o conceito perfeito de Deus é, entre outras coisas, de um ser absolutamente justo e infinitamente bom, e que o conceito em que se tenha uma justiça e uma bondade insuperáveis é o conceito verdadeiro. Semelhante argumentação que apresento, no entanto, parece também estar inteiramente em A Gênese (3.12), onde se diz: “Se os animais são dotados apenas de instinto, não tem solução o destino deles e nenhuma compensação os seus sofrimentos, o que não estaria de acordo nem com a justiça, nem com a bondade de Deus”.

 

A única maneira de se conciliar existir sofrimento no mundo e Deus ser

onipotente e bom é a exigência do amor ser precedido por livre-arbítrio, haja vista que

um amor forçado não é amor, dado que amar exige a espontaneidade de ter o direito de

não amar. Agora, se os animais jamais conhecerão Deus para amá-lO e não têm livre-

arbítrio, por que os criar e os submeter a uma evolução dolorosa e sem sentido até o

estágio de perfeição em que não conhecem seu criador? Certamente é absurdo atribuir a

Deus tamanho capricho, em virtude do que o Livro dos Espíritos só pode dizer sobre

isso as palavras com que encerra o capítulo nono da parte segunda: “Quanto às relações

misteriosas que existem entre o homem e os animais, isso, repetimos, está nos segredos

de Deus”.

 

O conhecimento da consciência de Krishna, no entanto, mantém Deus como

justo ao colocar que os animais sofrem porque as almas que habitam tais animais que

estão sofrendo com nascimento, morte, doenças e velhice fizeram mau uso de seu livre

arbítrio, isto é, não procederam de acordo com a vontade de Deus, quando possuíam

corpos humanos ou no ato de se desconectarem de Deus. Assim é que um açougueiro

ou aqueles que comem carne terão de nascer, pelas reações de seus pecados, em corpos

de animais que serão brutalmente criados e abatidos. Os corpos animais para as almas

também têm um propósito muito amável, que é que uma alma em condição pecaminosa

pode dar vazão a suas tendências pecaminosas sem criar novo mau karma. Deste modo,

alguém afeito a dormir excessivamente pode ter um corpo de urso; alguém afeito a

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comer carne, um corpo de tigre; alguém afeito à promiscuidade, um corpo de macaco e

assim por diante. Caso se fizesse tais atos no corpo humano, incorreria em grandes

reações pecaminosas. Porém, com a oportunidade de fazer tais coisas em corpos

animais, o indivíduo dá vazão a seus pecados e pode, quando Deus considerar

apropriado, habitar novamente um corpo humano já esgotado desse hábito. Assim é que

o Garuda Purana (2.46.9-10) afirma sobre as almas pecaminosas que estão deixando os

planetas infernais: “Quando as torturas expiatórias e restringentes cessam, as entidades

vivas nascem novamente na forma humana ou em uma forma animal com os traços

característicos de seus pecados”. Por traços característicos dos pecados, entende-se uma

pessoa incestuosa nascer cão ou alguém que não discrimina o que comer e o que não

comer nascer como porco.

 

Com a metempsicose, a justiça de Deus é preservada, pois o sofrimento da alma

no corpo animal tem um porquê imediato, isto é, suas ações passadas, e tem um

propósito futuro: uma vez que atinja a perfeição em um dos 400.000 tipos de corpos

humanos que propiciam o livre-arbítrio de poder render-se a Deus, conhecerá Deus e se

relacionará com Ele em serviço devocional e bem-aventurança eterna.

 

Embora o espiritismo diga, como citado anteriormente, que talvez as almas que

hoje habitam os corpos humanos tenham sim habitado corpos animais, o espiritismo em

momento algum assume que a alma possa involuir, o que eles acreditam acontecer na

metempsicose. Isto é um erro, no entanto; ao menos na metempsicose mais antiga que

se conhece – a metempsicose consciente de Krishna. No Bhagavad-gita (2.40), Krishna

diz: “Neste caminho [o caminho da gradual rendição a Deus] não há perda nem

diminuição, e um pequeno esforço neste caminho pode proteger a pessoa do mais

perigoso tipo de medo”. Em outras palavras, como explica Prabhupada em seu

comentário, qualquer avanço que uma alma tenha feito em se render a Deus está

eternamente no crédito dela, e ela sempre continuará daquele ponto, e Krishna diz que,

desde que ela continue fazendo o mínimo progresso (pequeno esforço) ela estará livre

do mais perigoso tipo de medo (cair em uma forma sub-humana). Aqui pode parecer

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haver uma contradição: Não há perda nem diminuição, ou involução, mas, se ela parar

de progredir, cairá em corpos animais. Isso não é uma contradição assim como os

espíritas aceitam que alguém que foi doutor em Letras pode, caso aja pecaminosamente,

nascer como alguém cego, surdo, mudo e paralítico. Tal aparente involução, isto é,

alguém antes pesquisador acadêmico sequer ter sentidos e consciência o bastante para

interagir ou se movimentar, é um estado temporário de “inferioridade” à vida passada, o

qual, quando superado e terminado, terá sido um grande aprendizado para o doutor, que

poderá então continuar seu progresso novamente em um corpo com inteligência, mas

temeroso de pecar e reconsiderando se o mero conhecimento acadêmico realmente

constitui progresso.

 

Assim é que, quando alguém cai em um corpo animal após ter tido um corpo

humano, ao deixar o corpo animal – ou os vários corpos animais, a depender de seus

atos –, retoma sua vida com livre-arbítrio do ponto de rendição a Deus em que estava, e

sua experiência em determinado corpo animal serve-lhe de lição ou de esgotamento de

alguma tendência animalesca que tinha mesmo no corpo humano.

 

A história do rei Bharata, por exemplo, relatada no Quinto Canto do Srimad-

Bhagavatam – para o qual já fornecemos um weblink – relata a história de um rei que

renunciou seu reino quando mais velho e se recolheu para a floresta para se dedicar a

práticas espirituais. Contudo, porque negligenciou sua vida espiritual tendo-se atraído

por um veadinho na floresta, adquiriu um corpo de veado na vida seguinte. No corpo de

veado, intuitivamente rumou para a casa de grandes devotos de Deus e lá ficou até

morrer. Uma vez de volta ao corpo humano, na vida seguinte, ele retomou sua vida

espiritual com muito mais seriedade e cuidado. Assim, é evidente que, embora tenha

adquirido um corpo sub-humano após ter tido um corpo humano, não houve involução

da consciência, mas uma experiência chocante tal qual alguém que alguma vez

enxergou porém teve um nascimento cego. Assim, negar a metempsicose porque a

mesma pressupõe a involução da consciência é ignorância de todos os sistemas de

metempsicose*, visto que a metempsicose dos Vedas, escrituras estas que formam a

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base do movimento Hare Krishna, conciliam perfeitamente a transmigração por

diferentes corpos sem aceitar a involução da consciência. Tal aparente “involução”

pode ser comparada a alguém que estava caminhando para frente e, ao se deparar com

um buraco à sua frente, recua um pouco para saltá-lo. Tal recuo não é um retrocesso em

seu caminhar para frente, mas parte de seu progresso.

 

*Parece que o espírito que se posiciona contra a metempsicose se informou insuficientemente, apenas em fontes semelhantes àquelas consultadas por Jung, que também possuía conhecimento incompleto da metempsicose: “O conceito de renascimento é multifacetado. Em primeiro lugar destaco a metempsicose, a transmigração da alma. Trata-se da ideia de uma vida que se estende no tempo, passando por vários corpos, ou da sequência de uma vida interrompida por diversas reencarnações. O budismo especialmente centrado nessa doutrina – o próprio Buda vivenciou uma longa série de renascimentos – não tem certeza se a continuidade da personalidade é assegurada ou não; em outras palavras, pode tratar-se apenas de uma continuidade do karma. Os discípulos perguntaram ao mestre, quando ele ainda era vivo, acerca desta questão, mas Buda nunca deu uma resposta definitiva sobre a existência ou não da continuidade da personalidade”. (JUNG, Carl Gustav. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 119). Quando tal afirmação de Jung, que não conseguiu estender-se para a psicose mais antiga que se conhece, a metempsicose védica ou pré-budista, foi apresentada a Srila Prabhupada, este comentou:

 

“Srila Prabhupada: Uma personalidade está sempre presente, e mudanças corpóreas não mudam isso. A pessoa, entretanto, identifica-se de acordo com o seu corpo. Quando, por exemplo, a alma está dentro do corpo de um cachorro, ela pensa de acordo com aquela construção corpórea particular. Ela pensa: “Sou um cachorro, e tenho minhas atividades particulares”. Na sociedade humana, a mesma concepção está presente. Por exemplo, quando alguém nasce na América, ele pensa: “Sou americano, e tenho meu dever”. De acordo com o corpo, a personalidade se manifesta, mas, em todos os casos, a personalidade está presente. Discípulo: Mas essa personalidade é contínua? Srila Prabhupada: Certamente a personalidade é contínua. À morte, a alma passa para outro corpo grosseiro juntamente com suas identificações mentais e intelectuais. O sujeito obtém diferentes tipos de corpos, mas a pessoa é a mesma”. (Beyond Illusion and Doubt. Cap. 15. vedabase.com/en/bid/15)

 

Então, porque o espiritismo não possui uma resposta clara sobre se a alma que

atualmente ocupa corpos humanos já ocupou corpos animais, e porque seu argumento

de que a metempsicose não pode ser real porque implica a involução da consciência é

produto de ignorância da metempsicose consciente de Krishna, temos aqui, acredito,

bastante espaço para reflexão.

 

Algo muito interessante é que Krishna deixou-nos já uma fórmula no Bhagavad-

gita, cinco mil anos atrás, que nos informa que a opinião de quem reside onde residem

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aqueles que conversaram com Allan Kardec é, em geral, de que existem diferentes tipos

de almas. Tal fórmula é dada no Bhagavad-gita (18.20-22):

 

Você deve compreender que está no modo da bondade aquele conhecimento com o qual se percebe uma só natureza espiritual indivisa em todas as entidades vivas, embora elas se apresentem sob inúmeras formas. O conhecimento com o qual se vê que em cada corpo diferente há um tipo diferente de entidade viva, você deve entender que está no modo da paixão. E o conhecimento pelo qual alguém se apega a um tipo específico de trabalho como se fosse tudo o que existe, sem conhecimento da verdade, e que é muito escasso, diz-se que está no modo da ignorância.

 

O universo, segundo os Vedas, é regido por três cordas, ou modos da natureza

material, os quais se chamam bondade, paixão e ignorância. Assim, classifica-se tudo

nos três modos, como alimentação, caridade etc. Pode-se ler sobre os mesmos nos

capítulos 14, 17 e 18 do Bhagavad-gita. Aqui Krishna está dizendo que, quando alguém

está no modo da ignorância, esse alguém quer apenas trabalhar, sendo indiferente a

discussões se a alma existe ou não existe, se ela é a mesma tramitando por diferentes

corpos ou se cada tipo de corpo comporta um tipo de alma. Em seguida, superiores são

as pessoas controladas pelo modo da paixão, as quais já aceitam a existência da alma,

embora, por seus sentidos imperfeitos e por seu desejo de explorar os outros, digam que

a alma da mulher, do índio, do negro ou dos animais é inferior. Por fim, existem

aqueles no modo da bondade, o melhor de todos, os quais percebem que é a mesma

alma que aparece em diferentes corpos, assim como a mesma luz branca às vezes

parece azul, vermelha ou amarela a depender da cor do invólucro que recebe.

 

Assim, as escrituras conscientes de Krishna dizem que onde residem aqueles

que conversaram com Allan Kardec é uma morada no modo da paixão (Srimad-

Bhagavatam 4.29.28, significado), a qual se chama, em sânscrito, Antariksa, daí a

opinião deles. A tese espírita ser prevista milênios antes do surgimento do espiritismo e

ainda propor uma tese superior é certamente algo que deve promover buscadores

sinceros a considerarem se não há livros na Terra mais avançados do que os cinco livros

codificados por Kardec e similares. A leitura do Bhagavad-gita Como Ele É, na

Page 15: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

companhia daqueles que já o estudam há mais tempo, é um começo recomendável.

Acerca da localização das colônias espíritas e sua identificação com o modo da paixão,

falaremos mais adiante, na seção denominada “Uma análise da posição dos espíritos

segundo a consciência de Krishna”.

 

Ainda nos argumentos na dicotomia reencarnação e metempsicose, além dos

argumentos da questão do sofrimento a quem nunca teve livre-arbítrio para fazer algo

que merecesse sofrimento e de que Krishna previu esse argumento para aqueles que

habitam Antariksa, há o argumento moral, possivelmente o mais forte, de que perceber

outras entidades vivas como ontologicamente inferiores é a inconsciência fundamental

para se explorar o outro. Só me é possível explorar o negro, a mulher, o judeu ou o

índio, por exemplo, depois que eu me convencer de que são menos importantes para

Deus ou inferiores a mim, pois, se são iguais a mim, dou o direito de que façam comigo

o mesmo que faço com eles, e se são tão importantes para Deus quanto eu sou, Deus me

punirá de alguma forma. Assim, vê-se rotineiramente que, conquanto os espíritas se

apiedem de seres humanos em sofrimento, são promotores do sofrimento dos animais

em seus hábitos alimentares, de vestes etc., hábitos estes tendo em vista o gozo dos

sentidos. No Movimento Hare Krishna, todo membro faz o voto vitalício de não comer

carne, peixe ou ovos, e as verduras e outros alimentos também são ingeridos apenas

após serem consagrados a Deus. Assim, é visível a superioridade moral e caridosa

naqueles possuidores da visão de que a alma que anima os animais e plantas não é por

natureza inferior ou sem o propósito de um dia alcançar Deus, mas uma alma tal como

nós que agora estamos em corpos humanos*.

 

*Esta questão de que o fundamento para não explorarmos os animais ou humanos de diferentes categorias se encontra na necessidade de os vermos como indivíduos na mesma categoria que nós, uma categoria única abaixo de Deus, fica evidente caso contrastemos, por exemplo, espíritos que acreditam que os animais possuem almas constitucionalmente inferiores e aqueles que pensam diferente. Vemos, por exemplo, que os reveladores do Livro dos Espíritos, partidários da ideia de que a alma em um corpo animal é distinta, e eternamente distinta, da alma em um corpo humano, não promovem o vegetarianismo e o consequente bem-estar dos animais: “Dada a vossa constituição física, a carne alimenta a carne, do contrário o homem perece. A lei de conservação lhe prescreve, como um dever, que mantenha suas forças e sua saúde, para cumprir a lei do trabalho. Ele, pois, tem que se alimentar conforme o reclame a sua organização” (O Livro dos Espíritos 3.5.723). O já mencionado espírito Emmanuel, partidário da ideia de que as almas que ocupam corpos animais e humanos são as mesmas, defende o vegetarianismo: “A ingestão das vísceras dos animais é um erro de enormes consequências, do qual derivaram numerosos

Page 16: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

vícios da nutrição humana. É de lastimar semelhante situação, mesmo porque, se o estado de materialidade da criatura exige a cooperação de determinadas vitaminas, esses valores nutritivos podem ser encontrados nos produtos de origem vegetal, sem nenhuma necessidade dos matadouros e frigoríficos... Consolemo-nos com a visão do porvir, sendo justo trabalharmos, dedicadamente, pelo advento dos tempos novos em que os homens terrestres poderão dispensar da alimentação os despojos sangrentos de seus irmãos inferiores”. (O Consolador, questão 129) Assim fica aparente que, por trás do empenho em categorizar o outro como ontologicamente inferior, está o desejo e o ato degradado de explorá-lo.

 

Deste modo, apresentado o sistema de metempsicose do Movimento Hare Krishna, que remonta mais de 50 séculos na história registrada, sistema este que não nega a evolução permanente da consciência e que a evolução da alma pelos animais é progressiva, a metempsicose passa a ser verdadeira segundo estes dizeres da página 303 do Livro dos Espíritos: “Seria verdadeira a metempsicose se indicasse a progressão da alma, passando de um estado a outro superior, onde adquirisse desenvolvimentos que lhe transformassem a natureza”.

 

Espiritismo e Consciência de Krishna - Parte 2

Escrito por Edinete Mello    Sáb, 07 de Abril de 2012 12:19

Um estudo comparativo da transmigração da alma.

Espiritismo e Consciência de Krishna:

Um Estudo Comparativo em Transmigração da Alma,

Posição dos Espíritos (Bhutas), Epistemologia e Objeto de Culto

 

por Thiago Costa Braga

(Bhagavan Dasa Adhikari Bhakti-sastri)

Page 17: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

 

PARTE 2 de 4

 

Uma análise da posição dos espíritos segundo o espiritismo

 

Em O Evangelho Segundo o Espiritismo*, o espiritismo promove-se como sucessor de Jesus em ensinamentos, valendo-se das passagens bíblicas que se referem ao “Espírito de verdade”, a saber, João 14:17, 15:26 e 16:13: “O Espírito de verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita convosco, e estará em vós. Mas, quando vier o Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de enviar, aquele Espírito de verdade, que procede do Pai, ele testificará de mim. Mas, quando vier aquele, o Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará o que há de vir”**.

 

*KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Brasília: FEB, 1996

 

**bibliahabil.com.br

 

Podemos identificar quatro atributos (mais do que isso tornaria este muito longo) para análise do Espírito de Verdade segundo os referidos versos bíblicos: O Espírito de Verdade procede do Pai; não ensinará algo diferente do que Jesus disse; guiará as pessoas em toda a verdade; e não falará de si mesmo, mas antes do que houver ouvido.

 

O Consolador é identificado nas obras canônicas do espiritismo como o próprio espiritismo, como em A Gênese* (1.42): “O espiritismo realiza todas as promessas do Cristo a respeito do Consolador anunciado”, e o Espírito de Verdade é aquele que inspira (1.39) e preside (1.40) essa doutrina. Em termos práticos, podem-se analisar os quatro atributos no espiritismo como uma análise paralela do Espírito de Verdade, pois, uma vez que o espiritismo, o Consolador, é “inspirado” e “presidido” pelo Espírito de

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Verdade, não pode haver diferença ou contradição doutrinária entre os dois.

 

*KARDEC, Allan. A Gênese. Brasília: FEB, 1995

 

Então, um estudo esmerado do espiritismo mostra os quatros atributos que selecionamos acima? Analisemos cada um.

 

O Espírito de Verdade “procede do Pai” significa que ele já esteve com o Pai, isto é, já O viu e O conhece, o que é possível segundo o Livro dos Espíritos (1.1.11): “Será dado um dia ao homem compreender o mistério da Divindade? ‘Quando não mais tiver o espírito obscurecido pela matéria. Quando, pela sua perfeição, se houver aproximado de Deus, ele O verá e compreenderá’”. Assim, o Espírito de Verdade, que procede do Pai, deve ser alguém que viu Deus e O conhece, o que nenhum espírito que se comunicou conosco disse ter feito. Dizer que “vem do Pai” significa que os espíritos são partes de Deus e criados por Ele, daí “virem do Pai”, seria algo sem sentido, pois os espíritos em estado encarnado também veem do pai, de modo que “vir do Pai” não pode ser uma questão ontológica.

 

O Espírito de Verdade não ensinará algo diferente do que Jesus ensinou. No velho testamento, aceito por Jesus, visto que não veio negar a lei, mas cumpri-la (Mateus 5:17), encontramos: “Entre ti não se achará quem faça passar pelo fogo a seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro. Nem encantador, nem quem consulte a um espírito adivinhador, nem mágico, nem quem consulte os mortos. Pois todo aquele que faz tal coisa é abominação ao SENHOR; e por estas abominações o SENHOR teu Deus os lança fora de diante de ti”. (Deuteronômio 18:10-14)

 

Jesus também ensinou que o mandamento maior é Amar a Deus, e o segundo mandamento é amar o próximo: “Mestre, qual é o grande mandamento na lei? E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mateus 22:36-39). O capítulo do Evangelho Segundo o Espiritismo que trata deste assunto, curiosamente, traz o título do segundo mandamento mais importante, Amar o Próximo como a Si Mesmo.

Page 19: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

Embora seja citada toda a passagem bíblica que aqui citei, quando os espíritos a comentam, eles não dizem absolutamente nada sobre o primeiro mandamento, que Jesus disse ser o mais importante, mas comentam apenas o segundo. Seu comentário completo a estes dois mandamentos é este:

 

“Amar o próximo como a si mesmo: fazer pelos outros o que quereríamos que os outros fizessem por nós” é a expressão mais completa da caridade, porque resume todos os deveres do homem para com o próximo. Não podemos encontrar guia mais seguro, a tal respeito, que tomar para padrão, do que devemos fazer aos outros aquilo que para nós desejamos. Com que direito exigiríamos dos nossos semelhantes melhor proceder, mais indulgência, mais benevolência e devotamento para conosco, do que os temos para com eles? A prática dessas máximas tende à destruição do egoísmo. Quando as adotarem para regra de conduta e para base de suas instituições, os homens compreenderão a verdadeira fraternidade e farão que entre eles reinem a paz e a justiça. Não mais haverá ódios, nem dissensões, mas, tão-somente, união, concórdia e benevolência mútua. (Evangelho Segundo o Espiritismo 11.4)

 

            Assim, fica claro que o espiritismo estabelece a comunicação com os mortos, tida pelo velho testamento como “abominação ao Senhor”, e coloca o segundo mandamento de Jesus como o primeiro, alteração esta facilmente assimilável à primeira constatação de não conhecerem Deus, prerrogativa para amá-lO. A adoração a Deus é irrelevante em uma religião cuja lei de ação e reação é soberana, haja vista que um ateu caridoso tem o mesmo destino de um teísta caridoso que louva a Deus em oração e cânticos. Deus é mero dador das reações, quer boas, quer ruins, o que O torna mecânico ou impessoal e, logo, irrelevante*.

 

*As primeiras perguntas de Allan Kardec são sobre Deus, e as respostas são descrições meramente mecânicas: “Que é Deus? ‘Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas’. Onde se pode encontrar a prova da existência de Deus? ‘Num axioma que aplicais às vossas ciências. Não há efeito sem causa. Procurai a causa de tudo o que não é obra do homem e a vossa razão responderá’”. (Livro dos Espíritos 1.1.1 e 4)

Page 20: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

 

O Espírito de Verdade também guiará as pessoas em toda a verdade. Contudo, se os espíritos não conhecem tudo, como já citamos – “Os próprios espíritos longe estão de tudo saberem e, acerca do que não sabem, também podem ter opiniões pessoais* mais ou menos sensatas” (Livro dos Espíritos p. 303) – como poderão ensinar tudo? O Espírito de Verdade tem mesmo de ser alguém que vem do Pai, pois apenas semelhante pessoa pode tudo saber, ou então ser o próprio Pai, como defendem os Católicos, que afirmam o Espírito de Verdade ser o Espírito Santo, termo este equivalente na consciência de Krishna a Paramatma**.

 

*Não haveria problema algum nessa divisão de opiniões caso o espiritismo se reduzisse à posição de pesquisa científica e filosófica, como por vezes faz. Contudo, ao se atribuir valor divino, como ter vindo do Pai e só dizer o que ouve, a existência de diversas opiniões lança-lhe descrédito. Os mestres do Movimento Hare Krishna também atribuem a si o valor divino de só dizerem o que ouviram de Deus – como registradas Suas palavras pelo avatara Vyasadeva no Bhagavad-gita – porém, em coerência, jamais se vê que tenham opiniões diferentes, pois todos respondem as perguntas pelo que ouviram do Bhagavad-gita; no caso da transmigração da alma, que a alma que habita corpos humanos atualmente pode e passa por corpos animais. Sobre isso, Srila Prabhupada comenta:

 

“Mediante avanço especulativo, ninguém é capaz de chegar à plataforma real de conhecimento. No presente momento, muitíssimos filósofos, cientistas, estão tentando avançar em conhecimento através da especulação: ‘Eu acho’, ‘Na minha opinião’, ‘Talvez’ e assim por diante. Isso continua. Grandessíssimos filósofos, cientistas, eles dão sua opinião. Todos estão achando. ‘Eu acho...’. E isso está sendo apoiado. Conhecimento tornou-se sinônimo de poder pensar de qualquer maneira, e, no momento atual, isso está sendo aceito”. (palestra em 19 de abril de 1974, Hyderabad)

 

Sobre o guru, ou mestre, fidedigno, diz:

 

“O guru [mestre] é um. Embora centenas e milhares de acaryas [mestres exemplares] tenham ido e vindo, a mensagem é a mesma. Portanto, o guru não pode ser dois. O verdadeiro guru não falará algo diferente. Alguns gurus dizem: ‘Na minha opinião, você deve ser assim’, e alguns gurus dirão: ‘Na minha opinião, faça assim’ –

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eles não são gurus; são todos velhacos. O guru não tem opinião pessoal. O guru tem apenas uma opinião: a opinião que foi expressa por Krishna [Deus]”. (Palestra em 22 de agosto de 1973, Londres)

 

**Palestra de Srila Prabhupada em Londres sobre o Bhagavad-gita 1.15, em 15 de julho de 1973

 

Outro atributo do Espírito de Verdade é que “não falará de si mesmo, mas antes do que houver ouvido”. Este é o atributo essencial de um mestre espiritual segundo a consciência de Krishna, que ele tem de ter ouvido de uma autoridade, que ouviu de outra autoridade e assim por diante até que a primeira autoridade tenha sido alguém que ouviu do próprio Deus, como descrito no já citado Livro dos Espíritos 1.1.11. Para maior credibilidade, é importante também que essa ordem de Deus que é transmitida adiante também possa ser uma fonte primária para quem a recebe, isto é, deve-se poder consultar tanto o mestre que traz o conhecimento acerca de Deus como Deus diretamente na obra que registra as palavras de Deus, ou, caso contrário, a relação com o mestre será de mera fé em alguém cuja autenticidade não se pode determinar. Vemos que os espíritos, no entanto, não têm essa posição de que receberam instruções superiores e assim por diante até alguém que está em contato com Deus, supostamente o Espírito de Verdade, senão que têm opiniões e investigam o universo, Deus etc. através de suas experiências. Por exemplo, o estudo da origem do Universo e dos mundos se dá pela disciplina da Ciência, e não por revelação de uma autoridade infalível:

 

A história da origem de quase todos os povos antigos se confunde com a da religião deles, donde o terem sido religiosos os seus primeiros livros. E como todas as religiões se ligam ao princípio das coisas, que é também o da Humanidade, elas deram, sobre a formação e o arranjo do Universo, explicações em concordância com o estado dos conhecimentos da época e de seus fundadores. Daí resultou que os primeiros livros sagrados foram ao mesmo tempo os primeiros livros de ciência, como foram, durante largo período, o código único das leis civis.

 

Nas eras primitivas, sendo necessariamente muito imperfeitos os meios de observação, muito eivadas de erros grosseiros haviam de ser as primeiras teorias sobre o sistema do mundo. Mas, ainda

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quando esses meios fossem tão completos quanto o são hoje, os homens não teriam sabido utilizá-los. Aliás, tais meios não podiam ser senão fruto do desenvolvimento da inteligência e do consequente conhecimento das leis da Natureza. À medida que o homem se foi adiantando no conhecimento dessas leis, também foi penetrando os mistérios da criação e retificando as ideias que formara acerca da origem das coisas.

 

Impotente se mostrou ele para resolver o problema da criação, até ao momento em que a Ciência lhe forneceu para isso a chave. Teve de esperar que a Astronomia lhe abrisse as portas do espaço infinito e lhe permitisse mergulhar aí o olhar; que, pelo poder do cálculo, possível se lhe tornasse determinar com rigorosa exatidão o movimento, a posição, o volume, a natureza e o papel dos corpos celestes; que a Física lhe revelasse as leis da gravitação, do calor, da luz e da eletricidade; que a Química lhe mostrasse as transformações da matéria e a Mineralogia os materiais que formam a superfície do globo; que a Geologia lhe ensinasse a ler, nas camadas terrestres, a formação gradual desse mesmo globo. À Botânica, à Zoologia, à Paleontologia, à Antropologia coube iniciá-lo na filiação e sucessão dos seres organizados. Com a Arqueologia pode ele acompanhar os traços que a Humanidade deixou através das idades. Numa palavra, completando-se umas às outras, todas as ciências houveram de contribuir com o que era indispensável para o conhecimento da história do mundo. Em falta dessas contribuições, teve o homem como guia as suas primeiras hipóteses.

 

Por isso, antes que ele entrasse na posse daqueles elementos de apreciação, todos os comentadores da Gênese, cuja razão esbarrava em impossibilidades materiais, giravam dentro de um círculo, sem conseguirem dele sair. Só o lograram, quando a Ciência abriu caminho, fendendo o velho edifício das crenças. Tudo então mudou de aspecto. Uma vez achado o fio condutor, as dificuldades prontamente se aplanaram. Em vez de uma Gênese imaginária, surgiu uma Gênese positiva e, de certo modo, experimental. O campo do Universo se distendeu ao infinito. Acompanhou-se a formação gradual da Terra e dos astros, segundo leis eternas e imutáveis, que demonstram muito melhor

Page 23: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

a grandeza e a sabedoria de Deus, do que uma criação miraculosa, tirada repentinamente do nada, qual mutação à vista, por efeito de súbita ideia da Divindade, após uma eternidade de inação.

 

Pois que é impossível se conceba a Gênese sem os dados que a Ciência fornece, pode dizer-se com inteira verdade que: a Ciência é chamada a constituir a verdadeira Gênese, segundo a lei da Natureza. (A Gênese 4.1-3)

 

É claro que, assim como os atuais cientistas acreditam que, embora todos os cientistas antes deles estivessem errados, eles agora não o estarão pelo aprimoramento de suas ferramentas; serão muitos aqueles, na mentalidade cientificista da contemporaneidade, a acreditarem que as ferramentas dos espíritos desencarnados serão suficientes para esse exame. Em todo caso, não é possível atribuir a tais espíritos o caráter de “falam o que ouvem”.

 

Assim, parece evidente que o espiritismo não tem todos ou nenhum dos atributos que se espera no que Jesus descreveu como Espírito de Verdade e Consolador, fazendo parecer, destarte, que o uso bíblico é apenas um artifício de autopromoção com a atitude de aproveitar de um corpo textual bem estruturado e famoso para isso, tal qual fez Gandhi em relação ao Bhagavad-gita. Contudo, façamos outra reflexão. Se o espiritismo veio para adicionar aos ensinamentos de Jesus a explicação de como as pessoas sofrem por reações a atos de vida passada*, o que não podia ser explicado 2.000 anos atrás onde Jesus pregou, o que podemos esperar dos ensinamentos da Índia, onde se falou o Bhagavad-gita 5.000 anos atrás, no qual se fala claramente de tudo o que o espiritismo fala apenas hoje? No Bhagavad-gita, temos instruções claras sobre caridade, reencarnação, amor a Deus e assim por diante. Se 5.000 anos atrás, 3.000 anos antes de Jesus poder falar limitadamente, e quase 5.000 anos antes do espiritismo poder falar o que fala hoje, o povo da Índia estava pronto para esse conhecimento, o que será que podemos aprender com a Índia hoje, especialmente em uma sucessão ininterrupta de mestres e discípulos desde o Bhagavad-gita 5.000 anos atrás, sucessão esta representada, entre outros, por Prabhupada, o fundador do Movimento Hare Krishna?

 

*“[O espiritismo] vem, finalmente, trazer a consolação suprema aos deserdados da Terra e a todos os que sofrem, atribuindo causa justa e fim útil a todas as dores”.

Page 24: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

(Evangelho Segundo o Espiritismo 6.4)

 

Sobre caridade, entre outros versos, Krishna, ou Deus, diz no Bhagavad-gita (17.20-22, 18.22,68):

 

A caridade dada por dever, sem expectativa de recompensa, no local e hora apropriados e dada a alguém digno, está no modo da bondade. Mas a caridade executada com expectativa de alguma recompensa, ou com desejo de resultados fruitivos, ou com má vontade, diz-se que é caridade no modo da paixão. E a caridade executada em lugar impuro, em hora imprópria e feita a pessoas indignas ou sem a devida atenção e respeito diz-se que está no modo da ignorância. Os atos de sacrifício, caridade e penitência não devem ser abandonados, mas sim executados. Na verdade, sacrifício, caridade e penitência purificam até as grandes almas. Para aquele que explica aos devotos este segredo supremo, o serviço devocional puro está garantido, e, no final, ele voltará a Mim. Não há neste mundo servo que Me seja mais querido do que ele, tampouco jamais haverá alguém mais querido.

 

Sobre reencarnação, diz (22.12-17, 20-25 e 28-30):

 

Nunca houve um tempo em que Eu não existisse, nem você, nem todos esses reis, e, no futuro, nenhum de nós deixará de existir. Assim como a alma encarnada passa seguidamente, neste corpo, da infância à juventude e à velhice, da mesma maneira, a alma passa para outro corpo após a morte. Uma pessoa sóbria não se confunde com tal mudança. Ó filho de Kunti, o aparecimento temporário da felicidade e da aflição, e o seu desaparecimento no devido tempo, são como o aparecimento e o desaparecimento das estações de inverno e verão. Eles surgem da percepção sensorial, ó descendente de Bharata, e precisa-se aprender a tolerá-los sem se perturbar. Ó melhor entre os homens [Arjuna], quem não se deixa perturbar pela felicidade ou aflição e permanece estável em ambas as circunstâncias, está certamente qualificado para a liberação. Aqueles que são videntes da verdade concluíram que

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não há continuidade para o inexistente [o corpo material] e que não há interrupção para o existente [a alma]. Eles concluíram isto estudando a natureza de ambos. Saiba que aquilo que penetra o corpo inteiro é indestrutível. Ninguém é capaz de destruir a alma imperecível. Para a alma, em tempo algum existe nascimento ou morte. Ela não passou a existir, não passa a existir e nem passará a existir. Ela é não nascida, eterna, sempre existente e primordial. Ela não morre quando o corpo morre. Assim como alguém veste roupas novas, abandonando as antigas, a alma aceita novos corpos materiais, abandonando os velhos e inúteis. A alma nunca pode ser cortada em pedaços por arma alguma, nem pode ser queimada pelo fogo, ou umedecida pela água ou definhada pelo vento. Esta alma individual é inquebrável e indissolúvel, e não pode ser queimada nem seca. Ela é permanente, está presente em toda a parte, é imutável, imóvel e eternamente a mesma. Diz-se que a alma é invisível, inconcebível e imutável. Sabendo disto, você não deve se afligir por causa do corpo. Todos os seres criados são imanifestos no seu começo, manifestos no seu estado intermediário, e de novo imanifestos quando aniquilados. Então, qual a necessidade de lamentação? Alguns consideram a alma como surpreendente, outros descrevem-na como surpreendente, e alguns ouvem dizer que ela é surpreendente, enquanto outros, mesmo após ouvir sobre ela, não podem absolutamente compreendê-la. Ó descendente de Bharata, aquele que mora no corpo nunca pode ser morto. Portanto, você não precisa afligir-se por nenhum ser vivo.

 

Sobre o amor a Deus, diferentemente do espiritismo, a consciência de Krishna sabe conciliá-la com a lei do karma, sem retirar o panorama de misericórdia e a importância do louvor exclusivo a Deus. Na consciência de Krishna, não se alcança Deus através do acúmulo de bom karma, senão que este conduz a alma apenas a dimensões superiores de conforto, conhecimento e bondade. Contudo, a lei do karma é a resposta de Deus às almas que não quiseram morar no reino dEle, onde Ele controla tudo. Assim, rebeldes do controle de Deus, Deus cria-lhes o mundo material – que inclui a morada dos espíritos –, onde elas mesmas são as controladoras e Ele nada faz, isto é, os atos das almas condicionadas determinam sua ventura ou desventura, não Deus. Querer chegar a Deus pelo acúmulo de bom karma é manter a mentalidade de ser o controlador e autossuficiente: “Sou alguém que pode sair do mundo material por meu próprio esforço e mérito”. Quando alguém se rende a Deus, ele se livra tanto do bom karma quanto do mau karma, tornando-se akarma*, isto é, tornando-se alguém que não terá mais nenhuma existência promovida por seus próprios atos, mas existirá no reino de

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Deus, onde Deus é o controlador direto. Estas e outras instruções estão no Bhagavad-gita claramente.

 

*“Aquele ocupado em serviço devocional se livra tanto das boas quanto das más reações, mesmo nesta vida. Esforça-te, portanto, pelo yoga, que é a arte de todo trabalho”. (Bhagavad-gita 2.50)

 

Em resumo, pode-se ver o espiritismo como uma revelação inválida porquanto não sustenta os atributos que diz ter, lembrando, proceder do Pai; não ensinar algo diferente do que Jesus disse; guiar as pessoas em toda verdade; e não falar de si mesmo, mas antes do que houver ouvido.

 

Neste ponto, algumas perguntas interessantes podem estar visitando a inteligência do leitor. Por exemplo, o Bhagavad-gita não descreve com toda a lucidez de detalhes as colônias e planetas superiores, como faz o espiritismo. Isto não faria do espiritismo superior? O Bhagavad-gita possui uma justificativa para não fazer semelhante descrição. Os Vedas o fizeram profusamente, e a crítica de Krishna, no Bhagavad-gita (2.27), é esta: “Os homens de pouco conhecimento estão muitíssimo apegados às palavras floridas dos Vedas, que recomendam várias atividades fruitivas àqueles que desejam elevar-se aos planetas celestiais, com o consequente bom nascimento, poder e assim por diante. Por estarem ávidos por gozo dos sentidos e vida opulenta, eles dizem que isto é tudo o que existe”. E completa, em Bhagavad-gita 8.16, dizendo que mesmo a morada de Brahma, a morada mais elevada que existe, em seis camadas superiores à residência dos espíritos, ou bhutas, é miserável. Assim, ouvir as descrições de tais lugares apenas aumenta o nosso desejo de tentarmos ser felizes longe de Deus: “Aqui está ruim, mas lá, apesar de Deus não residir lá pessoalmente, vai ser bom”. Contudo, na opinião de Krishna, lá também é ruim, até a residência de Brahma, sendo bom apenas onde Ele mora em Seu aspecto pessoal*, morada esta chamada Vaikuntha. Krishna chama as descrições de tais lugares de “linguagem florida” porque aqueles que os descrevem não os descrevem de modo justo, senão que descrevem impressionados em ter um local onde têm mais conforto do que tinham na superfície da Terra ou em outros lugares.

 

*“Transcendentalistas doutos, os quais conhecem a Verdade Absoluta, chamam essa substância não dual de Brahman [a refulgência de luz que emana do aspecto pessoal de Deus], Paramatma [Deus como a testemunha e o mestre espiritual residente no

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coração do corpo sutil] ou Bhagavan [Deus em Si, em Seu aspecto pessoal com o qual interage sobretudo com as almas liberadas de todo condicionamento grosseiro e sutil]”. (Srimad-Bhagavatam 1.2.11)

 

No filme Nosso Lar, por exemplo, encontramos:

 

“Aos poucos, tudo começava a fazer sentido. Nosso Lar era a vida real, e a Terra apenas uma passagem”. (36:00) Se o espírito progride por várias moradas, por que o Nosso Lar não é tratado apenas como passagem, tal como se chamou de passageira a Terra? Em outra cena, André Luiz diz: “Eu ainda era o mesmo homem, preso aos meus próprios erros, ao meu egoísmo, ao meu passado”. (36:40) Diante disso, não é possível ter os moradores de tal local como autoridades, o que dizer de autoridades livres de todo erro, embora eles se vejam assim, com na cena em 1:04:00, onde uma servidora da colônia Nosso Lar leva para André Luiz o registro de orações feitas a ele, gravadas em uma espécie de pen drive, e diz que ali não há erros:

 

- Nossa, demorei a achar. Faz tempo não é? Só tem dois arquivos.

- Como assim?

- O registro de duas pessoas.

- Só duas? Você colocou meu nome correto? “André Luiz”.

- Não há erros aqui, senhor.

 

Como pode não haver erros em um local onde trabalha pessoas presas em seus próprios erros, egoísmo e passado? Se ela teve dificuldade em encontrar – como aponta com os dizeres “Nossa, demorei a achar” – as duas pessoas que oraram a André Luiz, como pode não haver possibilidade de erros ou de não encontrar? Isto é o que define linguagem florida: Descrever um local temporário, com sofrimento e pessoas imperfeitas como sendo “Nosso Lar, a vida real, um local onde não há erros, etc.”; é precisamente o que Krishna diz ser produto de pessoas que estão ávidas por conforto e gozo dos sentidos.

Page 28: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

 

O Bhagavad-gita e as escrituras que o sucedem, no entanto, após condenarem semelhante audição ou leitura, descrevem com minúcias o mundo onde Deus reside com as almas puras e toda a interação que se dá entre os mesmos. Destacamos a obra Krishna, a Suprema Personalidade de Deus, de Srila Prabhupada, a leitura da qual se recomenda após a leitura de O Bhagavad-gita Como Ele É, do mesmo autor.

 

 

 

Fonte: Amigos de Krishna

Espiritismo e Consciência de Krishna - Parte 3 Escrito por Edinete Mello    Sáb, 07 de Abril de 2012 12:28

Um estudo comparativo da transmigração da alma.

Espiritismo e Consciência de Krishna:

Um Estudo Comparativo em Transmigração da Alma,

Posição dos Espíritos (Bhutas), Epistemologia e Objeto de Culto

 

Page 29: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

         por Thiago Costa Braga

(Bhagavan Dasa Adhikari Bhakti-sastri)

 

PARTE 3 de 4

 

Uma análise da posição dos espíritos segundo a consciência de Krishna

 

Antes de colocarmos a posição dos espíritos na consciência de Krishna,

esclareçamos questões conceituais. A consciência de Krishna chama de espiritual aquilo

que é eterno, pleno de conhecimento e pleno de bem-aventurança, de modo que jamais

chamará a colônia Nosso Lar, por exemplo, de espiritual, haja vista que, segundo a obra

homônima, foi fundada no século XVI, é a residência de pessoas egoístas que precisam

renascer etc. e é um local onde há variados sofrimentos. Temporariedade: “‘Nosso Lar’

é antiga fundação de portugueses distintos, desencarnados no Brasil, no século XVI”.

(p. 48) Ignorância: “Notando-me a dificuldade para apreender todo o conteúdo do

ensinamento, com vistas à minha quase total ignorância dos princípios espirituais,

Lísias procurou tornar a lição mais clara”. (p. 66) Tristeza: “Notando que a senhora

Laura entristecera subitamente ao recordar o marido, modifiquei o rumo da palestra” (p.

116).

 

*XAVIER, Francisco Cândido. Nosso Lar. Brasília: FEB, 1996.

 

Assim, as colônias também são chamadas de materiais por nós. A morada de

Deus, Krishna, sim é chamada espiritual, haja vista que não possui data de fundação

nem se a deixa uma vez que se a tenha alcançado, todos lá possuem conhecimento

perfeito acerca de tudo simplesmente por lá estarem e desconhecem qualquer espécie de

sofrimento. Residência eterna para os que a alcançam: “Essa Minha morada suprema

Page 30: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

não é iluminada pelo Sol ou pela Lua, nem pelo fogo ou pela eletricidade. Aqueles que

a alcançam jamais retornam a este mundo material”. (Bhagavad-gita 15.6) A morada

em si: “Quando todo este mundo é aniquilado, aquela região [a morada de Deus]

permanece inalterada. Aquilo que os vedantistas descrevem como imanifesto e

infalível, aquilo que é conhecido como o destino supremo, aquele lugar do qual jamais

se retorna após alcançá-lo – essa é Minha morada suprema”. (idem. 8.20-21)

 

Aqueles que se comunicam com os médiuns não são chamados de espíritos, pois

eles não estão na morada espiritual de Deus, de modo que seus corpos têm que ser

feitos da mesma substância da morada deles. Aqueles que moram na morada de Deus,

que é eterna, plena de conhecimento e de bem-aventurança, têm um corpo dessa

natureza, chamado em sânscrito de siddha-deha, ao passo que aqueles que residem na

parte sutil do mundo material possuem corpos sutis materiais. Para se entrar no reino de

Deus, é preciso abandonar também o corpo sutil, o que se chama liberação, ou moksha.

Caso se abandone o corpo sutil sem o desejo de servir Deus, mas apenas por se atingir

um estágio de não possuir nenhum desejo egoísta, a alma, sem nenhum corpo, funde-se

na refulgência do corpo de Deus (Brahman). Caso abandone o corpo sutil, tendo

atingido a perfeição de não ter nenhum desejo egoísta, mas possuindo o desejo de servir

Deus, recebe um corpo da mesma natureza do corpo de Deus, lembrando, um corpo

eterno, pleno de conhecimento e de bem-aventurança.

 

Aqueles chamados pelo espiritismo de espíritos de luz e espíritos de pouca luz

são chamados ambos de bhutas, que significa “apegados ao passado”. Quando errantes,

ficam nesta condição:

 

Aqueles que são muito pecaminosos e apegados à sua família, casa, vila ou país não recebem um corpo grosseiro feitos dos elementos materiais, senão que permanecem em um corpo sutil, composto de mente, ego e inteligência. Aqueles que vivem em tais corpos sutis são chamados de fantasmas (ghosts*). Essa posição fantasmagórica é muito dolorosa, porque um fantasma tem o corpo sutil e quer desfrutar da vida material, mas, porque ele não tem um corpo material grosseiro, tudo o que ele pode fazer é criar perturbações** devido à falta de satisfação material. (Srimad-

Page 31: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

Bhagavatam 4.18.18, significado)

 

*A palavra que Prabhupada usa em inglês é ghost, a qual parece ser cognato com a palavra sânscrita guha. Guha significa literalmente tanto “conhecido por poucos” como “residente no coração". A palavra que atualmente traduz ghost nos livros de Prabhupada em português, no entanto, é bastante infeliz, porque a raiz de fantasma é fantasia, isto é, algo que não existe fatualmente. Por ora, utilizaremos “fantasma”, embora um termo mais apropriado em português esteja em debate pelos responsáveis pelas traduções em português das obras de Prabhupada e outras.

 

**Algumas de tais perturbações são descritas no Garuda Purana (2.9.57-62): “Falar-te-ei agora acerca dos tormentos ocasionados pelos fantasmas contra as pessoas na Terra. Quando uma mulher menstrua em vez de engravidar, não havendo crescimento da família apesar de vida sexual saudável, isso é influência de fantasmas. Também é influência de fantasmas quando alguém morre jovem, perde repentinamente seu emprego, é objeto de insultos, quando há repentino incêndio em uma casa, vê-se que em uma casa há constante desunião e brigas, falsos elogios, sofrimento devido à ganância, e doenças que suscitam vergonha. Quando o dinheiro investido da maneira correta não rende, mas se perde, isso se deve à perseguição de um fantasma. Quando safras se perdem mesmo após chuva apropriada, quando atividades comerciais fracassam, quando a esposa ou o esposo se mostra irritado, isso se deve à influência de fantasmas”.

 

Quando se enfartam de causar perturbações, caso tenham algum mérito piedoso,

podem ir para Antariksa, ou podem ir diretamente para lá caso sejam semipiedosos,

como descreve o Srimad-Bhagavatam (5.24.5): “Abaixo de Vidyadhara-loka,

Caranaloka e Siddhaloka, no céu conhecido como Antariksa, estão os locais de desfrute

dos yaksas, raksasas, pisacas, bhutas e assim por diante”. Estes são diferentes nomes

para designar aqueles que não têm corpos grosseiros. O mais comum é bhuta. Parece-

me seguro dizer que essa morada descrita como Antariksa é a mesma descrita pelos

espíritas, tanto por ser a morada paradisíaca dos bhutas, aqueles apegados à família e

com algum envolvimento mais ou menos recente com pecados, e por sua descrição

espacial mais adiante no mesmo verso: “Antariksa se estende até onde o vento sopra e

as nuvens flutuam no céu. Acima de Antariksa, não há mais ar”, o que coincide com a

maior parte das descrições espíritas.

 

Assim, a condição de não ter um corpo grosseiro é tida como algo negativo, e

embora tenham uma morada confortável destinada para eles, essa morada continua

sendo a morada de pessoas identificadas com o corpo, apegadas à família, sujeitas aos

defeitos das almas condicionadas – a saber, a tendência a enganar os outros, a enganar a

si mesmos, possuir sentidos imperfeitos e cometer erros*. Logo não é uma posição

Page 32: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

desejável estar com eles, tampouco suas instruções devem ser tidas como de pessoas

abalizadas nos entendimentos acerca de Deus e de Sua vontade. O conhecimento

consciente de Krishna então divide as moradas acima de Antariksa, todas também

materiais na definição consciente de Krishna, em seis agrupamentos: Bhuvarloka,

Svargaloka, Maharloka, Janaloka, Tapoloka e Satyaloka.

 

*Cf. Sri Caitanya-caritamrta Adi-lila 7.107 e 2.86. (vedabase.com/en/cc)

 

Há aqui, no entanto, duas divergências entre a consciência de Krishna e o

espiritismo. Primeiramente, não se chega a essas moradas apenas com o corpo sutil,

corpo de bhuta, no sentido de que das colônias, ou de Antariksa, evolui-se mais e se

continua sutilizando o corpo até as moradas superiores. Tais moradas possuem corpos

grosseiros refinadíssimos para seus residentes, os quais lhe dão mais oportunidades do

que possui o corpo sutil sozinho*. Em Satyaloka reside Brahma, que é a entidade viva

mais poderosa e pura do mundo material, o qual preside todos os planetas, e Brahma

possui um corpo grosseiro. Outra divergência é que nenhum dos moradores destes

planetas, para não falar dos residentes de Antariksa, com seu peculiar apego aos laços

familiares, pode estabelecer o caminho religioso para os terrestres ou qualquer outra

pessoa. Isso é declarado no Srimad-Bhagavatam (6.3.19): “Os verdadeiros princípios

religiosos são enunciados pela Suprema Personalidade de Deus. Embora

completamente situados no modo da bondade, nem mesmo grandes sábios que ocupam

os planetas mais elevados podem determinar os princípios religiosos verdadeiros,

tampouco o podem os devas [residentes de Svargaloka] ou os líderes de Siddhaloka [um

planeta da esfera Bhuvarloka], isso para não falar dos asuras [literalmente, pessoas sem

(a-) luz (sura)], dos seres humanos comuns, os Vidyadharas e Caranas [outros

residentes de outros dois planetas de Bhuvarloka]”.

 

*Uma vez que não obter um corpo grosseiro é prerrogativa dos pecadores, não é possível aceitar que Brahma, por exemplo, a entidade que preside a morada material [material na acepção daqueles conscientes de Krishna] mais elevada não tenha um corpo grosseiro dado que, apenas para residir em seu planeta, para não falar de ter o seu cargo, exige-se que, ao longo de 100 vidas, o indivíduo aspirante não se desvie de nenhum dever prescrito (Brhad-bhagavatamrta 1.2.49, dig-darsini). Além disso, vê-se que personalidades como Indra, de Svargaloka; Hanuman, de Bhuvarloka, e Manu e outros interagem com os seres humanos sem qualquer dificuldade ou necessidade de um médium ou algo similar. Em 28 de dezembro de 1972, em Bombaim, transcorreu a seguinte

Page 33: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

conversa entre Prabhupada e seus discípulos:

 

“Devota: Na Lua, há corpos de uma natureza mais sutil de modo que, se fôssemos lá, não seríamos capazes de vê-los? Prabhupada: Não. Você pode vê-los. Eles têm corpo material. Devota: Poderíamos vê-lo com nossos olhos? Prabhupada: Sim. Por que não? Na água, por exemplo, os corpos dos aquáticos são diferentes, mas você pode vê-los. Por que não? Se não fosse visível, como você está vendo a Lua? Se você está vendo a Lua, então não é invisível. A Lua é uma morada celestial [Svargaloka]; os semideuses [devas] vivem lá. Temos essas informações. Eles também são inteligentes: ‘Essas pessoas [os astronautas] estão vindo do planeta terrestre desautorizadamente. Então, divirjamo-los para a porção desértica’. Se a Lua é celestial, seus habitantes são mais inteligentes do que vocês; logo, se vocês têm uma máquina para chegar lá, eles têm uma máquina para divergi-los. ‘Esses sujeitos infames estão vindo aqui sem nenhuma licença de imigração. Que eles sejam divergidos para a porção desértica e, desapontados, irão embora’. Devoto: Há terra nos corpos deles ou seus corpos são feitos de ar? Prabhupada: Não. Estes corpos têm cinco elementos: terra, ar, água, fogo e éter. O corpo sutil: mente, inteligência e ego. Em algum planeta, a porção de terra pode ser maior ou a porção de fogo ou a porção de éter, mas são todos corpos materiais; não são corpos espirituais. O corpo espiritual está dentro. A qualquer lugar que você vá dentro do universo, você obtém o corpo material, e, segundo o corpo, a duração de vida é diferente”.

 

Assim fica evidente que ter apenas o corpo sutil é desprivilegio, não sintoma de estado de consciência superior. Segundo citado anteriormente, a não obtenção de um corpo grosseiro decorre de apego familiar, ou do passado de modo geral, e acúmulo de pecados, e não de sintoma de “evolução da consciência”.

 

Enquanto as escrituras descrevem os residentes de Antariksa como bhutas,

“pecadores apegados à família imediata ou estendida”, as escrituras descrevem os

residentes de planetas superiores, por exemplo, como indivíduos com o seguinte mérito:

“Vosso mundo [Brahmaloka] pode ser auferido somente por pessoas santas que

observam sem nenhum pecado seus deveres sociais prescritos, livres de orgulho e

outros vícios, ao longo de cem vidas”. (Brhad-bhagavatamrta 1.2.49, dig-darsini) Se

mesmo tais pessoas muito superiores não podem estabelecer códigos de religião,

certamente não o podem os bhutas.

 

Neste ponto talvez já tenha surgido um questionamento muito interessante no

leitor. “Você, um membro da Sociedade Internacional para a consciência de Krishna,

está negando a autoridade dos espíritos, ou bhutas, bem como de personalidades mais

elevadas do que eles em dimensões superiores, mas, acaso, você também não é alguém

falível, tanto você quanto Srila Prabhupada? O verso supracitado do Srimad-

Bhagavatam diz que os devas, siddhas etc. não podem estabelecer os princípios

religiosos, mas também menciona que não o podem os ‘seres humanos comuns’”.

Page 34: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

 

Certamente Prabhupada, como apenas uma centelha de Deus, e não Deus em

pessoa, é falível. Contudo, diferentemente dos bhutas, ou espíritos, ele assume sua

condição de não poder chegar a algum conhecimento perfeito através de seus sentidos e

deduções, isto é, através de ciência e filosofia. Algumas vezes, acredita-se que os

espíritos que ditam estão em contato com outro espírito mais elevado que está em

contato com outro espírito mais elevado e assim por diante até alguém perfeito em

contato com Deus. Contudo, analisando as obras, sabemos que não é isso o que

acontece. Em A Gênese (17.32), por exemplo, encontramos a ideia de que o espiritismo

se tornará a religião mundial de todos por meio da razão e da ciência:

 

Entretanto, a unidade se fará em religião, como já tende a fazer-se socialmente, politicamente, comercialmente, pela queda das barreiras que separam os povos, pela assimilação dos costumes, dos usos, da linguagem. Os povos do mundo inteiro já confraternizam, como os das províncias de um mesmo império. Pressente-se essa unidade e todos a desejam. Ela se fará pela força das coisas, porque há de tornar-se uma necessidade, para que se estreitem os laços da fraternidade entre as nações; far-se-á pelo desenvolvimento da razão humana, que se tornará apta a compreender a puerilidade de todas as dissidências; pelo progresso das ciências, a demonstrar cada dia mais os erros materiais sobre que tais dissidências assentam e a destacar pouco a pouco das suas fiadas as pedras estragadas. Demolindo nas religiões o que é obra dos homens e fruto de sua ignorância das leis da Natureza, a Ciência não poderá destruir, malgrado a opinião de alguns, o que é obra de Deus e eterna verdade. Afastando os acessórios, ela prepara as vias para a unidade.

 

Interessante notar a analogia de que haverá uma só religião pela força da ciência

e da razão humana assim como os povos estão se unindo social e politicamente.

Algumas décadas após esses dizeres, irrompeu-se a primeira guerra mundial, e algumas

décadas mais à frente, com a ciência e a dita razão em seu auge, a segunda guerra

mundial, na qual se conseguiu matar muito mais do que na primeira. Hoje a

globalização comercial se mostra um evento que tornou o mundo um grande

supermercado de futilidades e artigos degradantes – com a grandiosa internet tendo

como dois terços de seu conteúdo pornografia – e o sucesso em reproduzir a

alimentação e o entretenimento americanos é o parâmetro de se um país é desenvolvido

ou não. Se o espírito for tão feliz em sua previsão do espiritismo como a religião que

unirá todos os religiosos do mundo quanto foi feliz em dizer que o mundo caminhava

Page 35: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

para uma união social, política e comercial, então certamente a ciência e a razão não são

meios para se conhecer os desígnios de Deus e unificar as crenças. A razão e a ciência

da pós-modernidade mostram como algo percebido com os sentidos, a mente e a

inteligência sempre será subjetivo e, logo, jamais unificador, mas produtor das mais

diferentes teorias, todas necessariamente falhas.

 

Que os espíritos usam de seus sentidos e inteligência falíveis para suas

conclusões já foi exposto em suas conclusões permeadas de dúvidas, e que se valem de

ciência e especulação é algo que expressam com frequência e vaidade, sobretudo em A

Gênese. É interessante notar que Allan Kardec se opõe à razão e à percepção direta

como meios válidos, mas falhou em perceber que, embora os espíritos tenham melhores

recursos – supostamente – para poderem perceber a reencarnação como fato, têm

recursos insuficientes para dizerem tudo o que dizem, como falar sobre Deus ou a

origem e o propósito do Universo.

 

O homem que julga infalível a sua razão está bem perto do erro. Mesmo aqueles, cujas ideias são as mais falsas, se apoiam na sua própria razão e é por isso que rejeitam tudo o que lhes parece impossível. Os que outrora repeliram as admiráveis descobertas de que a Humanidade se honra, todos endereçavam seus apelos a esse juiz, para repeli-las. O que se chama razão não é muitas vezes senão orgulho disfarçado e quem quer que se considere infalível apresenta-se como igual a Deus. Dirigimo-nos, pois, aos ponderados, que duvidam do que não viram, mas que, julgando do futuro pelo passado, não creem que o homem haja chegado ao apogeu nem que a Natureza lhe tenha facultado ler a última página do seu livro. (Livro dos Espíritos, p. 30)

 

Soube muito bem Allan Kardec determinar os percalços da razão e da vaidade,

mas não os soube identificar nesses mesmos homens esses defeitos depois de mortos –

algo bastante próprio para alguém deslumbrado ante o conhecimento da reencarnação, o

que jamais aconteceria se fosse nascido na Índia e estudioso da consciência de Krishna.

Neste caso, poderia analisar tudo sem deslumbramento, haja vista a popularidade do

conhecimento das existências múltiplas – mero pressuposto.

Page 36: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

 

Sobre a questão epistemológica, os Vedas dizem que a ciência e a filosofia, ou o

conhecimento ascendente, sempre será imperfeito, em especial no que diz respeito a

Deus, uma vez que Deus é inalcançável pelos esforços das almas em corpos materiais*,

o que inclui os bhutas, em virtude dos já mencionados quatro defeitos das almas

condicionadas. No entanto, os Vedas falam de uma terceira epistemologia, chamada

sabda-pramana, ou o conhecimento revelado – revelado necessariamente por Deus, é

claro. Assim é que, embora Prabhupada e eu sejamos seres humanos comuns,

superamos toda a nossa condição precária ao não expressarmos nenhuma opinião

reunida de pesquisas, reflexões pessoais ou revelações de pessoas falíveis. Srila

Prabhupada diz:

 

*“Adoro Govinda, o Senhor primordial, aquele além da concepção material, aquele cuja ponta dos dedos dos pés de lótus é tudo o que abordam os yogis que aspiram ao transcendente e recorrem a pranayama exercitando a respiração, ou o que abordam os jnanis que tentam encontrar o Brahman não-diferenciado por meio do processo de eliminação do mundano, alongando-se nisso por milhares de milhões de anos”. (Brahma-samhita 5.34)

 

Porque eles são todos infames e néscios, o que eles [aqueles que adotam o método científico como epistemologia] podem descobrir? Eles simplesmente teorizam com base em sua necedade – isto é tudo. Esse é o afazer deles. Não há fatos. E aqueles que são infames acreditam neles – isto é tudo. Então, não somos semelhantes sujeitos, porque o nosso conhecimento é recebido a partir do maior cientista, Krishna [Deus]. Eu, pessoalmente, posso ser um patife, mas, porque sigo o maior cientista, minha proposição é científica.

 

Prabhupada aceita que ele, pessoalmente, possa ser um “patife”, mas,

diferentemente dos espíritos reveladores, ele não dá vazão à sua “patifaria” ao tentar

produzir algum conhecimento por suas reflexões e observações, senão que aceita

Krishna, Deus, o cientista supremo e infalível, e repete apenas o que Ele diz. Eu, do

mesmo modo, repito o que Prabhupada diz.

 

O Movimento Hare Krishna, no entanto, não é uma religião de algum “velhinho

indiano” que recebeu uma revelação magnífica de Deus e passou a liderar as pessoas. A

Page 37: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

revelação de Deus, ou do cientista supremo, a que se refere Prabhupada está

inteiramente registrada no Bhagavad-gita e outras obras similares, às quais todos têm

acesso direto para constatar como Prabhupada e seus seguidores estão ensinando e

fazendo apenas o que Deus falou. Por que aceitar que esse livro é infalível e realmente

revelado por Deus? Quanto a isso, Krishna diz que a religião se dá por experiência

direta (Bhagavad-gita 9.2), ou seja, cada leitor deste terá de tirar sua conclusão após ler

o Bhagavad-gita como o próprio Gita diz que ele deve ser lido: Na companhia dos

devotos de Deus e com os esclarecimentos de um devoto de Deus entendido. Não tenho

interesse no “eu acredito que seja realmente revelada”, tampouco podemos agrupar o

Bhagavad-gita em “todas as outras obras ditas reveladas que li sei que não eram”, pois

seria um preconceito.

 

Em resumo, analisando as obras canônicas do espiritismo, encontramos que

parece que os espíritos não são quem dizem ser, e, segundo a consciência de Krishna,

apenas Deus pode revelar a religião à humanidade, e quem quiser ensinar às pessoas o

caminho da religião deverá conhecê-lo diretamente com Deus ou, mais possivelmente,

com alguém que esteja em uma sucessão que comece com o próprio Deus e não

subordine a revelação de Deus ao que se pode entender com os sentidos e a mente,

independente de quão refinado seja o corpo que reveste a alma pura. As almas que

atualmente se encontram no estado de bhutas não possuem nenhuma qualificação

especial que lhes permita esclarecer outros acerca de vedanta, a conclusão de todo

conhecimento, salvo caso digam apenas o que Deus falou ou o que disse alguém que

ouviu diretamente de Deus. Não se vê isso nos reveladores do espiritismo.

 

No Srimad-Bhagavatam e, mais sinteticamente, na introdução do Bhagavad-gita

Como Ele É, de Srila Prabhupada, encontramos como o conhecimento perfeito da

consciência de Krishna chegou à Terra, tendo sido ensinado por Deus a Brahma, que o

ensinou a Narada, que, com seu corpo especial, veio à Terra e o ensinou a Vyasadeva,

que o escreveu sobretudo no Srimad-Bhagavatam, cuja introdução é o Bhagavad-gita*.

Page 38: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

 

*Embora o Bhagavad-gita e o Srimad-Bhagavatam abordem os mesmos temas, o Srimad-Bhagavatam é considerado superior porque seus ouvintes eram sábios autocontrolados e santos, com tempo disponível para desdobramento de muitos assuntos, ao passo que o Bhagavad-gita foi falado a um guerreiro pouco tempo antes do começo de uma guerra.

 

Entre os espíritas às vezes se acredita que desencarnados piedosos são em geral

superiores a piedosos encarnados. Contudo, isso pode ser mera crença, pois, afinal, não

era Jesus, encarnado, mais elevado do que todos os Espíritos*? Assim, não há

fundamento para dizer que os mestres encarnados que seguem a sucessão discipular que

começa com o próprio Krishna, Deus, sejam inferiores por terem misericordiosamente

vindo a este mundo. Além disso, há a vantagem de que não é possível ser alguém

passando por outrem, como frequentemente acontece em psicografias. Insisto no ponto

anterior. Se os cristãos apenas agora estão prontos para a temática da reencarnação, por

que um buscador sincero não beberia do Bhagavad-gita e do Srimad-Bhagavatam,

falado a um povo que, 3.000 anos antes do nascimento de Jesus, já estava pronto para

esse conhecimento, analisado a fundo, bem como prontos para tópicos jamais

explorados pelos espíritas, como as dinâmicas da vida junto a Deus, a Personalidade de

Deus, os três modos da natureza material, uma descrição completa do Universo de uma

perspectiva revelada, desde o planeta mais baixo ao mais elevado?

 

*À pergunta de se Jesus seria médium, isto é, alguém cujas palavras e obras decorrem de inspiração de Espíritos, é dada a seguinte resposta, que atesta que a visão espírita é que alguém encarnado pode ser superior a todos os Espíritos e unicamente prestar-lhes serviço, sem receber deles nenhum: “Não, porquanto o médium é um intermediário, um instrumento de que se servem os Espíritos desencarnados, e o Cristo não precisava de assistência, pois que era ele quem assistia os outros. Agia por si mesmo, em virtude do seu poder pessoal... Que Espírito, ao demais, ousaria insuflar-lhe seus próprios pensamentos e encarregá-lo de os transmitir? Se algum influxo estranho recebia, esse só de Deus lhe poderia vir. Segundo definição dada por um Espírito, ele era médium de Deus”. ( A Gênese 15.2)

 

Caso alguém insista que a consciência de Krishna não descreve as colônias e

outras residências materiais tão bem quanto o espiritismo, julgo válido citar este verso

do Bhagavad-gita (8.6): “Qualquer que seja o estado de existência de que alguém se

lembre ao deixar o corpo, ó filho de Kunti, esse mesmo estado ele alcançará

impreterivelmente”. Deste modo, caso Krishna Se detivesse a descrever a fundo

Page 39: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

moradas que não são o verdadeiro lar eterno das almas, nem um local onde elas

finalmente encontrarão o néctar pelo qual sempre ansiaram, de ter uma existência

contínua, plena de conhecimento e plena de bem-aventurança junto a Deus, Ele estaria

encaminhando as almas para uma nova situação material pós-morte. Ele diz: “Aqueles

que adoram os semideuses nascerão entre os semideuses, aqueles que adoram os

ancestrais irão ter com os ancestrais, aqueles que adoram espíritos [bhutani] nascerão

entre tais seres, e aqueles que Me adoram viverão coMigo”.

 

Quanto à inferioridade de nascer entre os bhutas, Krishna sequer se detém em

fazê-lo, senão que o faz apenas em relação aos semideuses, pois, sendo muito mais

elevados e residentes de planetas muito superiores*, dizer que ir ter com eles após a

morte não é uma atitude inteligente basta para que entendamos que o destino junto aos

bhutas é igualmente ruim. “Homens de pouca inteligência adoram os semideuses, e

seus frutos são limitados e temporários. Aqueles que adoram os semideuses vão para os

planetas dos semideuses, mas Meus devotos acabam alcançando Meu planeta

supremo”. (Bhagavad-gita 7.23) Planeta este sobre o qual já citamos ser um planeta do

qual jamais se retornará após ter sido alcançado e ser um planeta livre de qualquer

sofrimento e permissor de contato direto com Deus.

 

*”Abaixo de Vidyadhara-loka, Caranaloka e Siddhaloka, no céu conhecido como Antariksa, estão os locais de desfrute dos Yaksas, Raksasas, Pisacas, Bhutas e assim por diante”. (Srimad-Bhagavatam 5.24.5) (grifo nosso)

 

Que não se pode morar eternamente nos planetas dos semideuses, para não falar

da dimensão dos bhutas, é confirmado por este verso, também do Bhagavad-gita:

“Após desfrutarem desse imenso prazer celestial dos sentidos e terem esgotado os

resultados de suas atividades piedosas, eles regressam a este planeta mortal” (9.21).

Aqui é preciso mais um esclarecimento aos espíritas, que, ao confundirem a evolução

da consciência em rendição a Deus com o acúmulo de bom karma, acreditam que o

acúmulo de bom karma jamais se perde. É verdade que o progresso da consciência

jamais se perde, mas esse nada tem a ver com onde se reside – não era Jesus superior a

todos os atuais desencarnados residentes das melhores colônias? –, daí que o bom

Page 40: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

karma, o grande fator a determinar onde se reside, ser algo que se esvai, como

explicado por Krishna neste verso. Krishna conclui Seu parecer sobre aqueles que

buscam comprar residência em tais moradas temporárias, portanto, dizendo que são

“homens de pouca inteligência”. (7.23)

 

Como apenas a residência de Deus, ou Krishna, pode nos satisfazer, e onde quer

que esteja a nossa consciência na hora da morte, para lá iremos, Krishna recomenda:

“Ocupa tua mente em pensar sempre em Mim, torna-te Meu devoto, oferece-Me

reverências e Me adora. Estando absorto por completo em Mim, com certeza virás a

Mim”. (9.34) É o mesmo mandamento maior, como ensinado por Jesus, “Amarás o

Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu

pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento”, o qual os espíritas

caprichosamente colocam em segundo plano, absorvem seu pensamento, seu coração e

sua alma em bhutas, superestimam a morada celestial dos mesmos e consideram que

chegarão a Deus acumulando méritos cármicos, comprando Deus assim como se

compra uma morada material.

 

Esse caminho de ascensão pelo bom karma é chamado em sânscrito de karma-

kandha, sobre o qual Bhaktivinoda, um mestre da sucessão discipular a que pertence a

Sociedade Internacional para a consciência de Krishna, comenta: “Não é possível

utilizar a causa de uma doença para curar essa mesma doença. O processo karma-

kandha é a causa da doença material das entidades vivas. Tal processo jamais produzirá

o fruto de destruir a existência material das entidades vivas”. (Sri Manah-Siksa,

capítulo 10) A causa da doença das entidades vivas não estarem mais morando com

Deus, de onde vieram, é que desejaram ser independentes dEle, para o que Ele lhes deu

a lei do karma, uma lei automática, ou seja, que não depende de Sua presença ou

intervenção pessoal. As entidades vivas quererem se elevar por meio de seus atos e

pelas instruções de outras almas falíveis, e não se rendendo a Deus, é apenas um

sintoma de que preservam sua doença de quererem ser independentes do controle de

Page 41: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

Deus.

Fonte: Amigos de Krishna

Espiritismo e Consciência de Krishna - Parte 4

Escrito por Edinete Mello    Dom, 08 de Abril de 2012 00:00

Um estudo comparativo da transmigração da alma.

Espiritismo e Consciência de Krishna:

Um Estudo Comparativo em Transmigração da Alma,

Posição dos Espíritos (Bhutas), Epistemologia e Objeto de Culto

 

por Thiago Costa Braga

(Bhagavan Dasa Adhikari Bhakti-sastri)

 

PARTE 4 de 4

 

Este ensaio completo encontra-se disponível para visualização online clicando aqui.

Page 42: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

O mesmo se encontra disponível em pdf clicando aqui.

 

Objeto de Culto

 

Alguém talvez diga: “Mas os seguidores de karma-kandha também adoram a

Deus”. No concernente a isso, Bhaktivinoda comenta: “Karma não é nada senão

atividades egoístas. Os karmis [seguidores do caminho karma-kandha] não buscam

exclusivamente a misericórdia de Krishna. Embora respeitem Krishna, seu propósito

principal é obter alguma sorte de felicidade”. (Sajjana Tosani 11.11)

 

Certamente os seguidores de karma-kandha nunca buscam exclusivamente a

misericórdia de Krishna, ou Deus, mas é possível inclusive que indivíduos desenvolvam

até mesmo o pensamento ateísta conhecido como karma-mimamsa, o qual, já

mencionado antes, diz que, se alguém adora Deus, mas não age piedosamente, ele é

castigado pela lei do karma, ao passo que alguém que não adora a Deus, mas age

piedosamente, é elevado pela lei do karma. Diante desta fórmula, adorar ou não a Deus

se torna irrelevante, logo a existência ou inexistência de Deus também se torna

irrelevante. Seria este o pensamento que conduziu os espíritos a promoverem o “fazer

ao próximo o que desejaria para si” acima do “adorar a Deus de toda sua alma”?

 

Neste ponto, o amigo leitor talvez tenha três possíveis questionamentos, os quais

responderemos antes de chegarmos às considerações finais. “O espiritismo, ao menos,

não aprimorou o conhecimento católico? Não é injusto categorizar os trabalhadores das

colônias com os obsessores ambos sob o mesmo título de bhutas? Krishna diz que

aqueles que adoram os bhutas vão ter com os bhutas, mas os espíritas não adoram os

bhutas”.

Page 43: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

 

O espiritismo teria aprimorado o catolicismo caso houvesse apenas adicionado a

lei do karma a este e houvesse mantido a salvação por misericórdia de Deus por render-

se inteiramente a Ele. Contudo, deslumbrados com a lei do karma, ofuscaram a

adoração a Deus por esta. Além do mais, se o progresso se faz por conduta moral, e não

por inteligência, de que adianta os espíritas terem mais conhecimento do que os

católicos, supostamente, mas não terem projetos de caridade ou princípios morais

superiores aos primeiros? Embora desconhecedores da lei do karma, os católicos nem

se dão à prática proibida no velho testamento, de interrogar os mortos, nem querem

alcançar Deus por seus próprios méritos, salvo o mérito de se renderem. Onde está o

aprimoramento do espiritismo, então, que não soube conciliar lei do karma e rendição a

Deus?

 

Krishna exemplifica de maneira simples que aqueles que adoram os bhutas irão

ter com os bhutas, mas disse mais amplamente também que onde quer que esteja nosso

estado de consciência, para lá iremos. Assim, aqueles que se absorvem em pensar e

servir bhutas que tomam corpos para beber e fumar irão ter com tais bhutas, ao passo

que aqueles que pensam e servem os bhutas que residem em Antariksa, irão para

Antariksa. Há diferentes nomenclaturas sim em sânscrito para designar diferentes

bhutas. Pode-se chamar alguns de yaksas, traduzidos no Srimad-Bhagavatam da BBT, a

editora do Movimento Hare Krishna, como “superprotetores” (3.10.28) e “espíritos

semipiedosos” (10.85.41), e outros de raksasas, “aqueles contra quem temos de nos

proteger”. Contudo, dentro da dicotomia ir para Deus ou ir para os bhutas; diante de

Deus, tanto os bhutas de mais luz quanto os de menos luz são apenas bhutas: Quem

compararia o prazer de estar com eles com o prazer de estar com Deus?

 

Quanto ao espiritismo não adorar bhutas, teremos de analisar qual acepção da

palavra adorar comportaria essa negação. A etimologia de adorar, “oferecer ouro”,

certamente é algo mais peculiar a escolas de herança africana; contudo, se entendermos

adorar como ensinam a Bíblia e o Bhagavad-gita, respectivamente “Amarás o Senhor

Page 44: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

teu Deus de todo o teu pensamento” e “Ocupa tua mente em pensar sempre em Mim”,

os espíritas sim adoram os bhutas, conferindo-lhes parte do pensamento que Deus exige

inteiramente para Si.

 

Considerações Finais

 

Enfim, aqueles adeptos da consciência de Krishna não devem se confundir nem

se dar a sincretismos ou duplas pertenças com o espiritismo, haja vista que a

consciência de Krishna explica-o inteiramente e vai além. Alguém consciente de

Krishna deve estar convicto desta declaração de modo a não desejar elevação a moradas

superiores dentro do mundo material:

 

O nascimento como um ser humano é o melhor de todos.

Mesmo o nascimento entre os semideuses nos planetas celestiais

não é tão glorioso quanto o nascimento como um ser humano na

Terra. Qual é a utilidade da posição de um semideus? Nos

planetas celestiais, devido a profusos confortos materiais, não

há possibilidade de associação com os devotos. (Srimad-

Bhagavatam 5.13.21)

 

Assim, é aqui na Terra, na companhia dos devotos que adoram exclusivamente

Deus em completo esclarecimento pelas escrituras reveladas por Deus, companhia esta

facilitada pela Sociedade Internacional para a consciência de Krishna, que nos

valeremos dos meios para, no momento da morte, estarmos inteiramente absortos em

Deus para com Ele irmos estar. Assim como alguém que acumula mau karma é

obrigado a sofrer, aquele que acumula bom karma é obrigado a experimentar felicidade,

saúde e bem-estar aqui neste mundo material, o que o faz achar que é feliz e que pode

obter felicidade por seu próprio esforço, mesmo desconectado de Deus – certamente

Page 45: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

necedade.

 

            Não há dúvidas que obter o estado de consciência de Krishna é difícil*, porém

devemos dar o nosso melhor certos de que, onde o nosso melhor não chegue, chega a

misericórdia de Krishna**. É válido lembrar que caso, neste esforço de estarmos

absortos em Krishna, ou Deus, no momento de nossa morte, não sejamos bem-

sucedidos, Krishna diz que não há perda, porque Ele próprio nos coloca nos planetas

superiores, para terminarmos nossos desejos de tentarmos ser felizes mesmo morando

em um local onde Ele não está pessoalmente presente, e, após essa residência, faz o

arranjo para que nasçamos novamente na Terra em uma família que facilitará nossas

práticas religiosas da consciência de Krishna*** quer provendo-nos as necessidades

materiais sem que precisemos trabalhar arduamente, quer dando-nos diretamente o

conhecimento espiritual.

 

*“Dentre muitos milhares de homens, talvez haja um que se esforce por obter a

perfeição, e, dentre aqueles que alcançaram a perfeição, é difícil encontrar um que Me

conheça de verdade”. (Bhagavad-gita 7.3) Certamente quase todas as pessoas se

tornarão bhutas no momento da morte com a formação que se possui atualmente no

mundo, salvo as pessoas deveras religiosas. Quase todos se tornarem bhutas à hora da

morte, quer errantes (com muito pecado), quer residentes de Antariksa (semipiedosos),

certamente reforçará a convicção dos residentes de Antariksa de que esse é o estado

normal que se alcança à hora da morte, e aqueles que acreditavam diferente, que

acreditavam que se pode alcançar a morada de Deus a partir desta vida na Terra; por

não terem a conduta capaz de lhes dar esse resultado de ir ter com Deus, serão

doutrinados a acreditarem que tal evento de tornar-se fantasma é normal, e não produto

de iniquidade. Vejamos como são praticamente universais na atualidade as condições

que tornam alguém bhuta à hora da morte, segundo o Garuda Purana (2.22.68-74):

 

“Se um homem come alimento oferecido por um homem caído e morre com

Page 46: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

esse alimento dentro de seu estômago antes de ter sido digerido, ele se torna fantasma.

Um sacerdote que preside o sacrifício de uma pessoa indigna e negligencia aquele de

um sacrificante digno, e um homem que vive na companhia de pessoas desprezíveis,

ambos se tornam fantasmas. Aquele que se dá à companhia de bêbados e tem relação

com uma mulher viciada em vinho ou que come carne sem qualquer culpa torna-se um

fantasma. Aquele que rouba a propriedade de um brahmana [intelectual religioso] ou de

um templo ou de seu preceptor se torna fantasma. Aquele que abandona sua mãe, sua

irmã, sua esposa, sua filha ou sua cunhada, apesar de serem inocentes, torna-se um

fantasma. Todos estes certamente se tornam fantasmas: Um homem que toma posse de

algo ilegitimamente, um homem traiçoeiro para com seus amigos, alguém que se atrai

pela mulher de outrem, um homem infiel e um canalha mentiroso. Um homem que

odeia seus irmãos, o assassino de um brahmana, aqueles que matam vacas, alguém

viciado em bebidas alcoólicas, alguém que deprava a cama de seu preceptor, alguém

que negligencia ritos tradicionais, alguém afeito a contar mentiras, aqueles que roubam

dinheiro e indivíduos que roubam terra – todos estes tornam-se fantasmas”.

 

Quem, senão Srila Prabhupada e outros propagadores da consciência de

Krishna, ensina a evitação de tudo isto, desde o não consumo de carne e a não

alimentação em estabelecimentos mundanos até a castidade e a abstinência de todo

intoxicante, quer lícito, quer ilícito nas diferentes constituições dos diferentes países do

mundo? E ainda, quem, senão a consciência de Krishna, fornece gosto superior

suficiente nas práticas espirituais para que tais atos não sejam meramente reprimidos?

 

**“Embora ocupado em todas as espécies de atividades, Meu devoto puro, sob

Minha proteção, alcança, por Minha graça, a morada eterna e imperecível”. (Bhagavad-

gita 18.56)

 

***“Após muitos e muitos anos de gozo nos planetas habitados por entidades

vivas piedosas, o yogi [aquele que está tentando se reconectar com Deus] malogrado

Page 47: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

nasce em uma família de pessoas virtuosas ou em uma família aristocrata e rica. Ou [se

fracassa após longa prática] ele nasce numa família de transcendentalistas que com

certeza têm muita sabedoria. É claro que semelhante nascimento é raro neste mundo”.

(Bhagavad-gita 6.41-42)

 

Os irmãos adeptos do espiritismo, por sua vez, valendo-se de sua qualidade de

aceitar ouvir de autoridades e de aceitar a possibilidade de sempre progredir estão

convidados a conhecerem a fundo a consciência de Krishna, e, quer com a ajuda da

consciência de Krishna, quer por outro recurso que achem sensato, analisar se não há na

Terra ensinamentos superiores aos trabalhos psicografados dentro da doutrina espírita.

O que há de se perder?

 

Sobre o Autor

 

Bhagavan Dasa Adhikari (Thiago Costa Braga) é mestrando em Letras pela

PUC-Minas e graduando em Filosofia pela UFJF. Possui a titulação internacional

Bhakti-sastri, adquirida após residência no Seminário de Filosofia e Teologia Hare

Krishna de Campina Grande, onde foi iniciado por Sua Santidade Dhanvantari Swami.

Ministra palestras regulares sobre a consciência de Krishna desde 2005. Já traduziu

mais de 10 livros e mais de 100 artigos sobre filosofia e teologia gaudiya-vaishnava e

atualmente é chefe do departamento de tradução e revisão da BBT Brasil, a maior

editora no Ocidente de livros sobre o pensamento indiano.

 

Contato

 

Aqueles interessados em conversar com o autor acerca da temática deste podem

Page 48: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

se corresponder pelo e-mail [email protected]. Pede-se a cortesia da leitura prévia

das obras O Bhagavad-gita Como Ele É (vedabase.com/pt-br/bg) e Krsna, a Suprema

Personalidade de Deus

(www.sankirtana.com.br/livros-revistas/srila-prabhupada/krishna-volume-1-e-2.html).

 

Fonte: Amigos de Krishna

Espiritismo e Consciência de Krishna - Parte 5

Escrito por Edinete Mello    Dom, 15 de Abril de 2012 20:47

Um estudo comparativo sobre  a transmigração da alma.

Espiritismo e Consciência de Krishna:

Um Estudo Comparativo em Transmigração da Alma,

Posição dos Espíritos (Bhutas), Epistemologia e Objeto de Culto

 

por Thiago Costa Braga

(Bhagavan Dasa Adhikari Bhakti-sastri)

 

Perguntas e Respostas

Page 49: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

 

As perguntas aqui apresentadas são paráfrases de questões apresentadas por

diferentes leitores e respondidas pelo autor do artigo.

 

O artigo completo, juntamente com esta seção de perguntas e respostas, pode ser

acessado online clicando aqui e obtido em formato pdf clicando aqui. (links corrigidos e

em funcionamento)

 

PERGUNTAS DE ADEPTOS DO ESPIRITISMO

 

1. Será que o senhor comparar reencarnação e metempsicose não é sinal de que o

senhor tem pouca convicção pessoal no que diz acreditar, a metempsicose?

 

Quanto a compararmos nossa crença com o que não acreditamos, o espiritismo

faz bastante isso, sobretudo com o catolicismo. O senhor deve estar ciente disso, mas

cito apenas duas passagens que exemplifiquem. O espiritismo não acredita nem no diabo

nem em milagres, e assim fala dessas crenças católicas:

 

"Cumpre também colocar entre as causas da loucura o pavor, sendo que o do

diabo já desequilibrou mais de um cérebro. Quantas vítimas não têm feito os que abalam

imaginações fracas com esse quadro, que cada vez mais pavoroso se esforçam por

tornar, mediante horríveis pormenores? O diabo, dizem, só mete medo a crianças, é um

freio para fazê-las ajuizadas. Sim, é do mesmo modo que o papão e o lobisomem".

(Livro dos Espíritos, Introdução 15)

Page 50: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

 

"O que, para a Igreja, dá valor aos milagres é, precisamente, a origem

sobrenatural deles e a impossibilidade de serem explicados. Ela se firmou tão bem sobre

esse ponto que assimilarem-se os milagres aos fenômenos da Natureza constitui para ela

uma heresia, um atentado contra a fé, tanto assim que excomungou e até queimou muita

gente por não ter querido crer em certos milagres. Daí vem a Igreja distinguir os bons

milagres, que procedem de Deus, dos maus milagres, que procedem de Satanás. Mas,

como diferençá-los? Seja satânico ou divino um milagre, haverá sempre uma derrogação

de leis emanadas unicamente de Deus. Se um indivíduo é curado por suposto milagre,

quer seja Deus quem o opere, quer Satanás, não deixará por isso de ter havido a cura.

Forçoso se torna fazer pobríssima ideia da inteligência humana para se pretender que

semelhantes doutrinas possam ser aceitas nos dias de hoje". (A Gênese 13.16)

 

Assim, o contraste pode ser falta de convicção pessoal, como o senhor colocou.

No meu caso específico, acho que não é o caso. Acho que é mesmo como fazem os

espíritas com a igreja católica: comparação com fim de argumentação lógica para quem

tiver interesse nessa modalidade de estudo comparado. O senhor deve ter notado no meu

texto, no entanto, que não uso tratamentos como nos livros espíritas, que chamam uma

crença central do catolicismo de "bicho papão", uma invenção que "só mete medo a

crianças", e sua crença em milagres de uma tentativa de "fazer pobríssima ideia da

inteligência".

 

2. Deus é castigador? É um castigo de Deus alguém que come carne nascer como

tigre?

 

O senhor perguntou se seria um castigo alguém nascer como tigre. A resposta

depende do entendimento que o senhor tenha da palavra castigo. Se castigo é uma

maldade, então não. Não é possível entender que Deus faça alguma maldade com as

Page 51: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

almas, pois, no conceito védico de Deus, como Ele próprio Se apresenta no Bhagavad-

gita (5.29), Deus é “o melhor amigo de todas as entidades vivas”. Se castigo é entendido

no valor verdadeiro da palavra, que é “tornar casto”, quer dizer, "tornar puro", então sim:

é um castigo. A alma se torna mais casta ou pura ao esgotar uma tendência animalesca

em corpos animais em vez de o fazer em corpos humanos, e, uma vez em corpos

humanos, pode prosseguir em seu empenho de render-se exclusivamente a Deus. Mesmo

em termos de saúde é algo melhor para ela, pois o consumo de carne no corpo humano

acarreta, além de reações pecaminosas sutis, várias doenças imediatas, como câncer, ao

passo que o corpo de tigre é uma máquina bastante poderosa para digerir esse tipo de

alimento.

 

Em relação à alma vir em condições materialmente inferiores, encontramos

vários espíritos cogitando isso. Em Exilados de Capela, encontramos que os residentes

dessa morada superior foram enviados de volta para a Terra, não por castigo, mas porque

chegaram àquele planeta e não tiveram a condição moral de ficar nele, tal como uma

alma que chega a um corpo humano porém é “exilada” dele por não corresponder ao que

se espera de um humano civilizado. Isso é um castigo? Não, tais pessoas apenas não

mantiveram a consciência que as levou para aquele estado, assim como alguém que foi

aprovado no vestibular de Medicina pode ser jubilado do curso por excesso de faltas ou

sucessivas reprovações. Quando um ser humano desenvolve todos os sentidos

plenamente, não é possível que nasça surdo, mudo e tetraplégico? Isto é um castigo de

Deus? Não, é um castigo do próprio homem não ter usado o corpo humano

apropriadamente. Assim, por analogia a isso e contando que os espíritos “longe estão de

tudo saberem”, por que não considerar a possibilidade da opinião védica estar certa?

Esta é a reflexão que proponho.

 

3. Se o Tigre tem espírito, ele não poderia se alimentar de algum outro alimento,

sem ter de fazer tantas crueldades? Por que tantas maldades e crueldades?

 

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Salvo engano, entendo que o argumento do senhor é que onde está o espírito não

há maldades e crueldades; logo, maldades e crueldades estarem presentes em animais

selvagens, como o tigre, é um indício da não presença do espírito, é isso? Se crueldades

e maldades são indício de ausência do espírito, então o que dizer de Hitler, muito mais

cruel do que milhares de tigres? O que dizer do prolongado sofrimento aos animais que

os homens promovem nas fazendas fábricas, muito mais cruel do que a morte rápida que

promove o tigre às suas presas? O homem moderno é muito mais cruel do que o tigre. O

tigre, por exemplo, jamais promove o aborto de seus filhos, ao passo que o homem é

responsável por 126.000 abortos por dia. O tigre mata o que ele vai comer, ao passo que

o homem mata seus próprios filhos apenas para, segundo a maioria dos abortistas

entrevistados, "ter mais dinheiro" e "não atrapalhar minha carreira". Não haver maldade

e crueldade, portanto, não é distinção entre o homem e o tigre em favor do homem, mas

em favor do tigre. O tigre é muito menos cruel do que o homem; e não estamos falando

de tribos canibais, mas dos países mais desenvolvidos, haja vista que o total de aborto do

mundo se concentra 78 por cento nos países de primeiro mundo e 22 por cento nos

países de terceiro mundo. Vamos comparar o índice de estupro entre os humanos e entre

os animais? Armas de destruição em massa? Escravidão? O já mencionado

antisemitismo? O homem é muito mais cruel e maldoso do que o instintivo tigre. Assim

como não negamos a presença do espírito nos escravistas, antisemitas, abortistas,

estrupadores etc., esse argumento de que o tigre não pode ter um espírito porque se

alimenta de carne não faz sentido, ao meu entender.

 

4. Em relação a Emmanuel ensinar algo diferente do que os primeiros espíritos

ensinaram, os espíritos do pentateuco espírita, pode ser entendido como algo análogo a

Jesus não ter ensinado tudo, mas deixado para esclarecimento posterior. Assim,

Emmanuel dá mais um passo na revelação espírita.

 

Jesus pode não ter ensinado tudo, mas tampouco ensinou algo errado, senão que

apenas ensinou algo que precisa de esclarecimento para entendermos como é certo. Se o

começo do espiritismo ensinou que “o espírito da ostra não se torna sucessivamente o do

Page 53: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

peixe" ( O Livro dos Espíritos 2.11.613), e Emmanuel e outros espíritos mais atuais estão

certos em dizer que se tornam sucessivamente sim, então o espiritismo ensinou algo

errado, e não algo certo porém velado, como fez Jesus, pois não é possível interpretar os

dizeres sublinhados como uma parábola que quer dizer o contrário do que claramente

dizem. Assim, todo ensino espírita é duvidoso, ao meu entender, tanto por contradições

como pelos espíritos dizerem o que observam, e não o que ouvem de uma fonte infalível,

como disse Jesus que faria o seu sucessor Espírito de Verdade: "Não falará de si, mas do

que houver ouvido". Se todos os espíritos ouvissem de uma mesma autoridade infalível,

supostamente o Espírito de Verdade, então não haveria opiniões diferentes.

 

No meu entendimento, não haveria problema caso o espiritismo mudasse de

opinião caso fosse apenas ciência e filosofia, mas, como se atribui valor infalível ao se

dizer "vindo do Pai", “ensinará todas as coisas” e os outros atributos analisados no

artigo, essas contradições e revisões dos textos primários do espiritismo lançam-lhe

descrédito, a meu ver.

 

5. Por que irmãos devotados ao amor a Deus, entendidos no espiritismo como

espíritos de luz, não são igualmente estimados na consciência de Krsna, mas tratados

pelo pejorativo termo bhuta?

 

A etimologia da palavra que designa aqueles que têm apenas o corpo sutil vem da

raiz bheu/bhu, que é o verbo ser do sânscrito, que aparece em várias línguas, como

irlandês (bha), inglês (be), letão (but) e persa (budan). Bhuta é ser no passado, daí a

tradução de bhuta como “ligados ao passado". Tais pessoas são assim entendidas porque,

mesmo após a morte, preservam as impressões que tinham durante a vida – forma, nome,

identificação familiar etc. – o que, para os Vedas, é uma condição anormal. O normal é

que a alma, ao ter um corpo humano, deve desenvolver inteiramente sua consciência de

Krsna, o que tem por consequência que ela vai para o Reino de Deus, onde obtém sua

forma eterna, seu nome eterno, não tem nenhuma identificação familiar material etc. e de

Page 54: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

onde nunca mais renasce (Bhagavad-gita 8.16). Aqueles que são mal sucedidos em

desenvolver amor puro por Deus, mas morrem após terem feito bom progresso no

caminho, nascem, isto é, obtêm um corpo grosseiro, nos planetas superiores, chamados

svarga (Bhagavad-gita 6.41), e de lá nascem na Terra, e não de antariksa, as colônias,

que são inferiores a svarga.

 

Aqueles que antes de novamente nascerem ficam apenas no corpo sutil são tidos

como pessoas que fizeram pouco desenvolvimento no amor a Deus, ao menos no amor a

Deus entendido não como sentimento, mas como observação de Suas leis. As leis que

foram quebradas para a pessoa ficar apenas no corpo sutil são estas, segundo o Garuda

Purana: “Se um homem come alimento oferecido por um homem caído e morre com

esse alimento dentro de seu estômago antes de ter sido digerido, ele se torna fantasma.

Um sacerdote que preside o sacrifício de uma pessoa indigna e negligencia aquele de um

sacrificante digno, e um homem que vive na companhia de pessoas desprezíveis, ambos

se tornam fantasmas. Aquele que se dá à companhia de bêbados e tem relação com uma

mulher viciada em vinho ou que come carne sem qualquer culpa torna-se um fantasma.

Aquele que rouba a propriedade de um brahmana [intelectual religioso] ou de um

templo ou de seu preceptor se torna fantasma. Aquele que abandona sua mãe, sua irmã,

sua esposa, sua filha ou sua cunhada, apesar de serem inocentes, torna-se um fantasma.

Todos estes certamente se tornam fantasmas: Um homem que toma posse de algo

ilegitimamente, um homem traiçoeiro para com seus amigos, alguém que se atrai pela

mulher de outrem, um homem infiel e um canalha mentiroso. Um homem que odeia seus

irmãos, o assassino de um brahmana, aqueles que matam vacas, alguém viciado em

bebidas alcoólicas, alguém que deprava a cama de seu preceptor, alguém que

negligencia ritos tradicionais, alguém afeito a contar mentiras, aqueles que roubam

dinheiro e indivíduos que roubam terra – todos estes tornam-se fantasmas”.

 

Assim, pode-se entender muitos espíritos como amantes de Deus no sentido

sentimental, mas todos eles, segundo o Garuda Purana, infringiram alguma das leis de

Deus acima relatadas. Com efeito, quantas pessoas, enquanto encarnadas, conhecemos

Page 55: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

que seguem todas estas regras? Assim, é tão frequente a quebra dessas leis de Deus que

praticamente todos ficam em corpos sutis após a morte, daí o espiritismo entender que é

uma condição normal. Segundo os Vedas, os espíritos, ou aqueles que têm apenas o

corpo sutil, podem ser classificados entre ímpios e semipiedosos, porém, até onde

estudo, nunca encontrei a descrição de um espírito santo (sadhu). São ímpios porque, por

má conduta, não receberam a oportunidade de nascer novamente, quer na Terra, quer em

planetas superiores, e são semipiedosos porque, apesar de terem tido alguma má

conduta, são bem-intencionados, tementes a Deus, esperançosos em Jesus etc. Contudo,

segundo os Vedas, se alguém é verdadeiramente santo, ele vai para o Reino de Deus ou,

se quase santo, nasce em planetas superiores para esgotar seus desejos por conforto,

saúde etc. e então termina sua purificação na Terra.

 

O espiritismo preza mais a distinção entre bhutas de luz e bhutas de pouca luz,

no meu entender, porque entende que os bhutas de luz, até onde entendo o espiritismo,

são os indivíduos mais esclarecidos que os humanos têm para contato e, logo, para

esclarecimento. Na consciência de Krsna, diferentemente, entende-se que Deus veio à

Terra como Vyasadeva e deixou todo o conhecimento conclusivo, logo qualquer um que

se proponha rever os Vedas será mal visto, o que em geral fazem os espíritos.

 

Por exemplo:

 

Sobre a metempsicose, dogma que percorre todas as tradições ortodoxas da Índia,

encontramos:

 

Entre a metempsicose dos antigos e a moderna doutrina da

reencarnação, há, como também se sabe, profunda diferença,

assinalada pelo fato de os Espíritos rejeitarem, de maneira

absoluta, a transmigração da alma do homem para os animais e

Page 56: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

reciprocamente. Ensinando o dogma da pluralidade das

existências corporais, os Espíritos renovam uma doutrina que

teve origem nas primeiras idades do mundo e que se conservou

no íntimo de muitas pessoas, até aos nossos dias. Simplesmente,

eles a apresentam de um ponto de vista mais racional, mais

acorde com as leis progressivas da Natureza e mais de

conformidade com a sabedoria do Criador, despindo-a de todos

os acessórios da superstição. (Livro dos Espíritos 5.222)

 

Sobre astrologia, encontramos:

 

Donde vem a expressão: Nascer sob uma boa estrela? “Antiga

superstição, que prendia às estrelas os destinos dos homens.

Alegoria que algumas pessoas fazem a tolice de tomar ao pé da

letra.” (Livro dos Espíritos 3.10.867)

 

Sobre a cosmologia védica, que divide as moradas celestiais em sete (antariksa,

bhuvarloka, svargaloka, maharloka, janaloka, tapoloka, satyaloka), e coloca a morada

de Deus para além delas, na transcendência, encontramos:

 

Segundo a opinião mais comum, havia sete céus e daí a

expressão – estar no sétimo céu – para exprimir perfeita

felicidade. As diferentes doutrinas relativamente ao paraíso

repousam todas no duplo erro de considerar a Terra centro do

Universo, e limitada à região dos astros. É além desse limite

imaginário que todas têm colocado a residência afortunada e a

morada do Todo-Poderoso. Singular anomalia que coloca o

Autor de todas as coisas, Aquele que as governa a todas, nos

Page 57: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

confins da criação, em vez de no centro, donde o seu pensamento

poderia, irradiante, abranger tudo! A Ciência, com a lógica

inexorável da observação e dos fatos, levou o seu archote às

profundezas do Espaço e mostrou a nulidade de todas essas

teorias. (O Céu e o Inferno 3.1-2)

 

Sobre os deuses, ou devas, encontramos:

 

A mitologia dos antigos se fundava inteiramente em ideias

espíritas, com a única diferença de que consideravam os

Espíritos como divindades. Representavam esses deuses ou esses

Espíritos com atribuições especiais. Assim, uns eram

encarregados dos ventos, outros do raio, outros de presidir ao

fenômeno da vegetação, etc. Semelhante crença é totalmente

destituída de fundamento? “Tão pouco destituída é de

fundamento, que ainda está muito aquém da verdade”. (Livro dos

Espíritos 2.9.537)

 

Assim, não me parece possível a alguém que tenha os Vedas como revelados por

Deus aceitar que ao menos estes espíritos que foram aceitos por Kardec como de luz,

tendo passado pelo CUEE (Controle Universal do Ensino dos Espíritos) aplicado por

Kardec, sejam-no, ao menos não no nível que o Evangelho Segundo o Espiritismo

coloca: “Ensinarão tudo”, “veem do Pai” (6.3), “concluirão o que Moisés e Jesus

começaram” (1.9). Contudo, se um Espírito se submete à autoridade dos Vedas e

encaminha alguém ao estudo dos mesmos tal como os próprios Vedas ensinam, então

esse espírito deve ser prezado como um vartma-pradarshaka-guru autêntico, isto é, o

guru que mostra o caminho correto, em virtude do que ofereço meus respeitos aos

espíritos que a encaminham seus interrogadores para o estudo da consciência de Krsna.

Page 58: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

 

Parece-me que o valor que Jesus deu às escrituras submete todos à infalível

autoridade escritural, e não o contrário, isto é, que os espíritos podem dizer o que nas

escrituras é certo e o que não é, segundo suas experiências sensoriais e mentais.

 

No novo testamento, por exemplo, encontramos: “À lei [de Moisés] e ao

testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, é porque não há luz neles".

(Isaías 8.20)

 

Contudo, os espíritos no espiritismo se libertam da revelação mosaica, aceita por

Jesus, e colocam-na como humana:

 

“Em face dos progressos da Física e da Astronomia, é insustentável semelhante

doutrina. Entretanto, Moisés atribui ao próprio Deus aquelas palavras. Ora, visto que

elas exprimem um fato notoriamente falso, uma de duas: ou Deus se enganou em a

narrativa que fez da sua obra, ou essa narrativa não é de origem divina. Não sendo

admissível a primeira hipótese, forçoso é concluir que Moisés apenas exprimiu suas

próprias ideias”. (A Gênese 12.10)

 

Assim, o espiritismo coloca Moisés como duplamente ruim: Ruim por ter

inventado algo insustentável, e, o que acho ainda pior, ter atribuído sua história

inventada a Deus. O espiritismo faz o mesmo com a revelação védica.

 

Outra hipótese que tenho de por que o espiritismo trabalha mais com a dicotomia

espírito bom e espírito de pouca luz do que o vaisnavismo é que o leque de indivíduos

Page 59: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

com os quais o primeiro trabalha é menor do que na consciência de Krsna. A consciência

de Krsna hierarquiza as entidades vivas até Brahma, que é a entidade viva mais elevada

dentro do mundo material, e entendemos que podemos ter contato com Brahma pelas

obras que são atribuídas a ele, como o Brahma-samhita. Assim, se temos acesso a

Brahma, a entidade viva mais elevada, para esclarecimentos doutrinários, bem como a

Deus, os residentes da parte sutil de nosso planeta não são nada além de “impiedosos” e

“semipiedosos”. O espiritismo, em contrapartida, tende a duvidar, até onde entendo, que

Deus tenha feito realmente alguma revelação pessoalmente, e tampouco que uma alma

tão elevada como Brahma possa vir à Terra tão simplesmente e falar um conhecimento

perfeito, daí o espiritismo, em seu primórdio lidando com encarnados que não sabiam

nem que existe vida após a morte, terem os espíritos como autoridades dignas de

reverências.

 

Outra hipótese que tenho para os espíritas prezarem mais os bhutas de luz, ou

yaksas semipiedosos, do que os vaisnavas é que o espiritismo tende a acreditar que os

anjos da Bíblia e os deuses (devas) dos Vedas são espíritos de luz, o que os vaisnavas

não aceitam. Para os vaisnavas, os anjos, entendidos como análogos aos gandharvas da

literatura védica, e os devas, dirigentes de vários departamentos do universo, são

indivíduos que residem em outros planetas e têm corpo grosseiro próprio, corpo

grosseiro este que lhes permite se comunicarem sem a necessidade de um médium,

necessidade esta própria daqueles que têm apenas o corpo sutil, isto é, uma

instrumentária incompleta. Assim, a grandiosa personalidade que falou com Maria que

ela teria um filho, por exemplo, não é entendida por nós como alguém que só tem o

corpo sutil, um espírito, mas alguém que possui um corpo grosseiro com poderes

especiais para vir à Terra e ficar invisível e inaudível ou não à sua vontade. O mesmo

para os devas.

 

Outra hipótese para por que a tradição védica tende a atribuir impiedade, ou, no

máximo, semipiedade, a todos aqueles que têm apenas o corpo sutil, é o fato de que, no

tempo em que os Vedas foram escritos, segundo eles próprios e aparentemente pela

Page 60: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

longevidade que a Bíblia atribui a pessoas antigas (vivendo quase 1000 anos), os

humanos no passado eram mais avançados e esclarecidos espiritualmente. Assim, os

humanos, orientados pelos Vedas, aprendiam em vida que não eram o corpo, que existe a

reencarnação, que Deus é assim e assado, que devemos nos desapegar do que é

temporário à hora da morte etc. Então, se alguém morre em tal condição que está

identificado com seu estado material passado ou tem algum dos desvios morais

enumerados acima, no Garuda Purana, ela é vista como caída por assumir a posição de

bhuta. Na atualidade, os homens mais bondosos que conhecemos no mínimo comem

alguma carne, comem alimento preparado sem consciência espiritual entre outras coisas

que deixam a pessoa apenas no corpo sutil na hora da morte. Assim, quando alguém,

apenas no corpo sutil, conhece pelo menos a reencarnação, o que não exige nenhuma

piedade, mas apenas a observação, se comunica com os encarnados ignorantes dos

Vedas e praticamente de qualquer conhecimento, tal pessoa parece uma autoridade

ilustre, sobretudo se, junto do conceito de reencarnação, traz consigo alguma integridade

herdada dos ensinamentos morais de Jesus, para colocá-la na posição semipiedosa de ter

comido pouca carne, por exemplo na semana santa, ter bebido apenas socialmente, ter

tentado perdoar de vez enquanto etc. Vale apontar, no entanto, que os ensinamentos

morais de Jesus foram todos comunicados por Jesus encarnado, e não é mérito de

espíritos. Ao contrário, haver espíritos piedosos o bastante para estruturarem o

espiritismo é mérito do mestre encarnado Jesus – o que a senhora certamente sabe.

Assim, se somarmos os ensinamentos de Jesus com os de Vyasadeva, parece mesmo que

os encarnados ensinam mais do que os desencarnados, o que adiciona ao conceito védico

de que nascer na Terra é melhor do que estar em sua dimensão sutil em um corpo apenas

sutil.

 

Bem. A pergunta da senhora é muito difícil: Por que os Vedas não estimam os

espíritos, isto é, as entidades vivas que estão apenas no corpo sutil. Minhas hipóteses

para isso, em resumo, são estas: (1) O Espiritismo parece aceitar a possibilidade de

espíritos serem superiores às escrituras (mosaicas e védicas), podendo dizer qual parte

delas é fidedigna e qual não é e revelar coisas novas, logo são indivíduos de grande

interesse para os encarnados. O vaisnavismo, em contrapartida, tem as escrituras como

perfeitas e revelas por Deus, logo todos, mesmo o espírito mais elevado, tem de se

Page 61: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

submeter a elas, daí preferirmos ler as escrituras a ouvi-los, sobretudo caso sejam

espíritos, como os do pentateuco espírita, que criticam os ensinamentos védicos sob

vários adjetivos pejorativos, como apontado acima. (2) No espiritismo, analisam-se os

indivíduos com os quais podemos ter contato entre espíritos de luz e de pouca luz, e,

obviamente, preza-se os espíritos de luz como guias, os quais são entendidos como os

anjos, arcanjos, deuses etc. em tradições variadas. No vaisnavismo, entretanto, anjos,

arcanjos e deuses não são espíritos, isto é, não são residentes do plano sutil, mas de

planetas superiores e indivíduos que não podem ser incorporados, pois têm corpo

grosseiro próprio. Assim, o vaisnavismo, ao considerar possível a comunicação com

indivíduos entendidos como superiores aos espíritos de luz, e a comunicação até mesmo

direta com Deus através das escrituras que são entendidas como as exatas palavras dEle

próprio, mostra desinteresse nos contatos mediúnicos.

 

6. Há muitos casos provados cientificamente de que tratamentos com espíritos

curam pessoas de doenças, e os romances espíritas estão cheios de relatos de pessoas que

foram promovidas para as superiores colônias à hora da morte por terem seguido as

instruções dos espíritos.

 

Krsna não diz que é mentira que o refúgio em tais indivíduos pode trazer

resultados como saúde e promoção a planetas superiores; na verdade, diz até mesmo que

tais indivíduos – semideuses, espíritos de luz etc. – dão resultados muito rapidamente

(Bhagavad-gita 4.12). A crítica de Krsna é que tais personalidades, diferentemente dEle,

dão coisas limitadas e temporárias (Bhagavad-gita 7.23); por exemplo, são limitadas as

respostas dos espíritos de luz, pois dão respostas incompletas, imperfeitas e

contraditórias, pois “longe estão de tudo saberem”, como coloca o Livro dos Espíritos, e

promovem seus discípulos a moradas onde não se pode permanecer eternamente feliz.

 

7. Por que os Hare Krsnas não podem seguir os ensinamentos do Bhagavad-gita,

e os cristãos, os ensinamentos da Bíblia? A Bíblia traz várias descrições de

Page 62: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

comunicações mediúnicas, como os anjos em Gênese 16.7-10 e o anjo que anuncia a

Maria que terá um filho e deverá chamá-lo Jesus.

 

Prabhupada aceita Jesus como um mestre inteiramente qualificado para guiar as

pessoas, e certamente julgo bem encaminhados aqueles que o seguem. Contudo, tenho

minhas dúvidas quanto a se todos os espíritas são fundamentalmente cristãos. Um

espírita que conheci recentemente, empolgadíssimo com a leitura de Exilados de Capela,

me dizia que os egípcios foi uma das civilizações mais avançadas que já esteve na Terra.

Fiquei me perguntando como alguém pode ser cristão e, ao mesmo tempo, considerar

que os egípcios sejam avançados espiritualmente. Segundo a religião de Jesus, o

judaísmo, cuja escritura Jesus aceitava como revelada por Deus, até onde entendo, os

egípcios eram tão degradados que Deus os puniu pessoalmente. Os egípcios foram um

povo politeísta, idólatra e construíram grandes edificações para tal idolatria politeísta

com o sangue de 400 anos de escravidão aos hebreus, cujo objeto de culto Jesus aceitou

como o Pai, o Deus único e supremo. Prabhupada não ensina que seja necessário seguir

os Vedas para seguir Deus, mas disse que se pode seguir sim seguir o cristianismo e o

judaísmo. Um de meus questionamentos é precisamente este: O espiritismo é realmente

o que Jesus idealizou para a continuação de seus ensinos na Terra ou o espiritismo não

se encaixa no que Jesus chamou de Espírito de Verdade e Consolador?

 

A senhora apresentou exemplos bíblicos falando de aparição de anjos, mas esse

conceito, até onde entendo, não se confunde com "mortos" e "espíritos" na Bíblia.

Encontro na Bíblia que há casos em que pessoas são possuídas por espíritos, mas nunca

por anjos. Podemos ver também que o anjo aparece para Maria e fala com ela, mas

Maria nunca viu ninguém mais, de modo que não é possível aceitá-la como médium

vidente e auditiva. Se fosse médium vidente e auditiva, veria e ouviria espíritos

frequentemente, e não apenas o anjo. Prabhupada explica que anjos são indivíduos

chamados gandharvas, e os gandharvas podem aparecer para quem quiserem quando

quiserem pelos poderes místicos que têm, siddhis, e não dependentes de que quem os

veja seja médium vidente e menos ainda "entrando" em um corpo alheio para que se

Page 63: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

psicografem ou ouçam sua mensagem.

 

8. O espiritismo não adora os espíritos.

 

No final do Gita, Krsna diz que devemos abandonar tudo (sarva-dharma

parityajya) e buscar unicamente (eka) a Ele como refúgio (saranam). Essa rendição, ou

sarana, é entendida como variadas práticas: Contar que Deus nos levará para Seu reino

na hora da morte, tê-lO como aquele que nos esclarece em momentos de dúvidas e assim

por diante. Assim, se alguém, à hora da morte, fica na expectativa de que um semideus o

levará para o seu planeta, ou que um espírito de luz o levará para uma colônia, isso pode

ser entendido como adoração a semideuses ou a espíritos de luz, nesta definição de

adoração. Se, quando alguém quer entender algo, busca por um filósofo, cientista, doutor

em direito – encarnado ou desencarnado –, em vez de buscar pela revelação de Deus,

isso é entendido como adoração a tais indivíduos: a busca deles por refúgio doutrinário.

Certamente os espíritas não adoram espíritos no sentido etimológico de “adorar”, isto é,

“oferecer ouro”, e um espírita que busque o refúgio de espíritos de luz por acreditar

plenamente que eles são dotados de poder por Deus para dar refúgio, e a morada deles e

as instruções deles são, respectivamente, a máxima morada que Deus reservou para

alguém que morrerá agora na Terra e a revelação máxima à humanidade, então não

posso dizer que são espíritas que não adoram a Deus, mas apenas discordar de que o

máximo que Deus permite à humanidade, a partir do estado encarnado da Terra, seja o

alcance dessas moradas e dessas revelações. Entendo que só poderia ser justo dizer que

algum espírita adora os espíritos caso esse espírita acreditasse que a revelação de Moisés

é perfeita, que é possível, a partir da Terra, alcançar a morada perfeita de Deus, onde

Deus mora pessoalmente, e ainda assim preferir as revelações dos espíritos e ainda assim

querer ir para a morada deles.

 

9. Os espíritos e a Bíblia ensinam que nossa evolução é gradual, em virtude do

Page 64: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

que é impossível ir da Terra para onde Deus mora pessoalmente.

 

Os espíritos certamente ensinam que a evolução é gradual, pois, pela experiência

deles, não chegaram ao Reino de Deus após a morte. Na Bíblia, entretanto, é

fundamentável a possibilidade de irmos da Terra para o Reino de Deus, assim como é

fundamentável pelos Vedas. Na Bíblia (João 8.29), encontramos que quem enviou Jesus

para a Terra foi o Pai, Deus: “Aquele que me enviou está comigo. O Pai não me tem

deixado só, porque eu faço sempre o que Lhe agrada”. Assim, não é aceitável dizer que

Jesus foi enviado por outrem senão diretamente por Deus. Em João (7.33), encontramos:

“Disse-lhes, pois, Jesus: Ainda um pouco de tempo estou convosco, e depois vou para

aquele que me enviou”. Assim, pela autoridade da Bíblia, Jesus não voltará para

nenhuma morada, sutilíssima ou grosseira, mas para aquele que o enviou, o qual – já

colocamos com a citação de João (8.29) – é Deus, o Pai. Por fim, em Lucas (23.43),

encontramos que Jesus se dirige ao ladrão que estava ao seu lado, também sendo

crucificado, com estas palavras: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no

Paraíso”. Não é possível deturpar esse “Paraíso” dizendo que é outro lugar senão onde

Deus mora, pois, relembrando, Jesus disse que, quando fosse embora da Terra, iria para

aquele que o enviou, e “hoje” não permite nenhuma interpretação para fundamentar

“evolução gradual”.

 

PERGUNTAS DE PESSOAS SEM VÍNCULOS RELIGIOSOS

 

10. É fácil entender que alguém que fica no corpo sutil, ou em condição de

fantasma, na casa onde viveu é alguém bhuta, “ligado ao passado”. Contudo, os espíritos

que ficam vagando ou fazendo travessuras pela Terra também carregam consigo essa

marca de serem ligados ao passado?

 

A etimologia da palavra que designa aqueles que têm apenas o corpo sutil é

Page 65: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

bhuta. Bhu vem da raiz bheu/bhu, que é o verbo ser do sânscrito, que aparece em várias

línguas, como irlandês (bha), inglês (be), letão (but) e persa (budan). Bhuta é ser no

passado, daí a tradução de bhuta como “ligados ao passado”.

 

Krsna diz que onde quer que esteja nosso estado de consciência na hora da morte,

para lá iremos (Bhagavad-gita 8.6). Assim, o devoto não tem nenhuma absorção em seu

passado no sentido de se identificar com “este é o meu corpo, esta é a minha família, esta

é a minha casa, este é o meu país, este é o meu planeta, esta é a minha vida” etc. O

devoto pensa: “Eu não sou este corpo, e o senso de posse a esta família, casa, país e

planeta tem ligação apenas com este corpo, e minha vida não é estar aqui, mas estar no

mundo espiritual com Krsna”. Assim, quando o devoto morre, ele não se torna bhuta,

isto é, alguém que fica no corpo sutil com a mesma mentalidade que tinha em vida –

“este é o planeta onde moro, este sou eu, este é o meu nome” – senão que ele está pronto

para o futuro que construiu segundo as instruções de Krsna: “Deixei de ser o Thiago de

Alcântara, brasileiro, branco, o que nunca fui, e agora sou o que sou eternamente: uma

gopi aos pés de Krsna”, ou “deixei de ser a Joana e agora sou um vaqueirinho amigo de

Krsna, o que eu havia me esquecido”. O devoto também não ficará vagando pelo “seu”

planeta atormentando as pessoas, pois já abandonou a ideia de que ele é deste planeta,

senão que estará colhendo no mundo espiritual os frutos de sua consciência de Krsna, a

consciência de que ele não é deste mundo.

 

Assim, embora menos evidente do que alguém que fica em sua casa após a

morte, alguém que está no corpo sutil errando por vários lugares “fazendo travessuras”

também exibe o sintoma de apego ao passado por carregar consigo o mesmo nome que

tinha antes, em geral a mesma forma, residir no mesmo planeta e, sobretudo, ter o desejo

de interagir com os mesmos objetos materiais.

 

O devoto está pronto para o futuro, isto é, pronto para deixar seu corpo material

porque mesmo enquanto no corpo material se treinou a interagir com objetos espirituais:

Page 66: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

os nomes de Deus, as escrituras reveladas, como o Bhagavad-gita e o Srimad-

Bhagavatam, os templos, as almas liberadas, como Prabhupada, e assim por diante.

Aqueles que se tornam bhutas, entretanto, embora estejam sendo punidos na forma de

não ter um corpo grosseiro, ainda estão mentalmente com a impressão passada de que

precisam e querem interagir com os objetos materiais. “Precisam” porque sentem fome –

segundo o Garuda Purana, eles sentem tanta fome que quando os antepassados

oferecem alimento santificado (prasada) para a purificação deles, eles veem muito

rapidamente –, e “querem” porque gostam de bebidas alcoólicas e outras atividades

desconectadas da manutenção do corpo grosseiro.

 

Prabhupada explica assim o que é fantasma: “O fantasma também é um

indivíduo. Contudo, porque os fantasmas não obtêm este corpo material, eles são

invisíveis. Eles criam perturbações por falta deste corpo. Aqueles que têm experiência de

algum fantasma em alguma casa, o fantasma está lá, ele é uma alma individual, mas,

porque ele não tem esta cobertura material, isso é uma punição. Para a pessoa mais

pecaminosa, essa é a punição, que ele não obtém este corpo, embora ele queira este

corpo, porque, para o desfrute, queremos este corpo. O corpo é a combinação dos

sentidos, o instrumento. Se quero tocar você, preciso da mão, e, através desta mão,

sentirei o prazer de tocá-lo. Assim, o fantasma quer tocar, mas ele não tem o

instrumento. Isso é fantasma... Enquanto estivermos contaminados materialmente,

precisamos deste corpo material para desfrutarmos dos sentidos. E, no mundo espiritual,

obtemos nosso corpo espiritual”. (12/12/76, Hyderabad, Bhagavad-gita 2.12)

 

Assim, acho que podemos entender que o fantasma é apegado à sua passada

atividade de interagir com os objetos materiais do planeta grosseiro onde viveu. O

devoto, por outro lado, como coloquei, é apegado ao desfrute de objetos espirituais, e,

quando sua consciência se absorve por inteiro nesses objetos – Deus na forma de Seu

nome, Deus na forma de Sua escritura – ele deixa de bom grado seu passado de ter um

corpo grosseiro para interagir com o gozo material e obtém seu corpo espiritual para

Page 67: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

interagir com Deus.

 

Sobre eles ficarem, como o senhor disse, “vagando e fazendo travessuras pela

Terra”, eles os fazem, como também explicam os espíritas, para poderem interagir com

os objetos materiais através daqueles que têm corpos materiais, o que os espíritas

chamam de obsessão e nós de “graha-grasto” ou “preta-dosa”. Assim, quando vagam

pelos bares, bordéis, churrascarias e cassinos, eles mantêm as pessoas nesses locais e

hábitos para poderem interagir com tais coisas através dessas pessoas que têm corpos

materiais. Prabhupada explica:

 

Prabhupada: ...Algumas vezes, o fantasma ataca um homem.

Porque ele não tem corpo material, ele quer agir através do corpo

de outrem... Devoto: Srila Prabhupada, a alma, o fantasma, entre

no corpo de outra pessoa? A alma está ocupando um corpo, e o

fantasma, como outra alma, entra verdadeiramente naquele

corpo? Há duas almas em um corpo? Prabhupada: Não

exatamente entra, mas ele pega o corpo. Mas porque o fantasma

não tem corpo grosseiro – ele tem seu corpo sutil: mente,

inteligência e ego –, você não o pode ver, como ele atacou aquele

corpo. Você não pode ver o corpo da mente, da inteligência.

Você sabe que eu tenho minha mente; eu sei que você tem sua

mente. Mas você não vê a minha mente; eu não vejo sua mente.

Assim, o fantasma está dentro do corpo sutil: mente, inteligência

e ego. Então, com esse corpo sutil, ele ataca o homem, mas você

não pode ver. Ele não entra nele. Quem está dentro é a alma

dentro do corpo. (12 de maio de 1975)

 

Em conclusão, os espíritos que vagueiam fazendo travessuras querem interagir

com os hábitos pecaminosos que tinham no passado, porém, não o podendo fazer por

Page 68: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

não terem um corpo grosseiro, fazem suas “travessuras” pela Terra através de pessoas

que estão usando seus corpos nessas mesmas atividades pecaminosas. Esta classe de

bhutas errantes talvez não esteja apegada à sua família ou casa, mas estão apegados ao

hábito que desenvolveram no passado, enquanto vivos, de gozar da interação com

objetos materiais.

 

11. Na lógica de não fazer ao outro o que não gostaria que fosse feito a você, não

seria prudente o senhor não sugerir que os espíritas devem buscar outra fonte de

conhecimento senão sua própria revelação? O senhor gostaria caso eles dissessem para o

senhor buscar outro guru em vez de Prabhupada?

 

A minha sugestão aos espíritas de que estudem outro guru tem valor apenas caso

a pessoa aceite que o guru dela não é o que ele dizia ser, isto é, se um espírita se

convencer de que os espíritos não são organizados pelo Espírito de Verdade, enviado por

Jesus, e os outros atributos discutidos no artigo. Caso se convençam disso, eles

naturalmente quererão buscar outro guru. Eu buscaria outro guru caso fosse convencido

de que Prabhupada não é quem diz ser, isto é, não é um devoto exemplar de Krsna, não é

alguém que não mudou nada dos ensinamentos de Krsna etc. Coloco-me inteiramente

aberto a semelhante discussão da posição de Prabhupada porque sei que posso

fundamentar toda a vida e todos os ensinamentos de Prabhupada nos ensinamentos de

Krsna. Se um espírita, da mesma maneira, consegue colocar todos os atributos do

Consolador bíblico no espiritismo, então ele não precisa se perturbar com meu artigo.

Meu artigo será, neste caso, um fortalecimento da fé dos espíritas, que, ao defenderem a

posição do espiritismo contra os argumentos que apresentei, terão uma base sólida para

sua crença.

 

12. Gostei do conteúdo de seu artigo, mas não sei se a linguagem foi a mais

adequada. Acho que há um tom depreciativo que poderia ser evitado.

Page 69: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

 

Muito embora eu discorde da possibilidade do Espiritismo ter o caráter de

infalível que se atribuiu ao se colocar como “ensinará tudo” – para o que é necessário

onisciência (Krsna diz no Gita que ensina tudo e, coerentemente, diz-Se onisciente) –

entre outros atributos que reivindica para si, sobretudo em virtude de usar essa

prerrogativa para fazer análises categóricas de ensinamentos védicos e de outras

tradições, como o catolicismo e o judaísmo, análises estas muito questionáveis, a meu

ver, é muito importante que eu diga algo da importância do Espiritismo também.

 

Aqueles que se propõem a cantar o santo nome de Krsna deve fazê-lo evitando

dez ofensas, entre as quais figura a ofensa de número quatro, que é sruti-sastra-ninda.

Esta ofensa consiste em ter predileção fanática pelas escrituras smrtis, como o Srimad-

Bhagavatam e o Ramayana, em virtude destes terem um conceito teísta claro, com claras

instruções da vontade e da personalidade de Deus, bem como por colocarem a

supremacia do serviço devocional sobre o processo de atividades fruitivas com vista à

ascensão a planetas superiores (karma) e sobre o processo de especulação filosófica

(jnana), entre outros. É sabido que nas escrituras srutis, como os Vedas e Upanisads, o

aspecto pessoal de Deus é pouco discutido e se prima karma e jnana. Apesar de haver a

predileção pelos smrtis nos ensinamentos do vaisnavismo gaudiya (dentro do que está o

Movimento Hare Krsna) – Caitanya e Seus discípulos primam o Srimad-Bhagavatam

acima de qualquer sruti – é uma ofensa, também segundo os ensinamentos deles, não

reconhecer o valor das outras revelações, o que é uma ofensa porque, segundo

Visvanatha Cakravarti, essas obras que “propõem o processo do conhecimento empírico

e da ação fruitiva [...] muito misericordiosamente ajudam as pessoas mais

desqualificadas, que não estão seguindo nenhuma regra ou regulação védica e que estão

cegas pelos desejos materiais, a se elevarem ao caminho do serviço devocional seguindo

suas leis divinas”. (Madhurya Kadambini, capítulo 3)

 

Assim, embora eu entenda o espiritismo como uma religião que adicionou à

bhakti, ou devoção, de Jesus o conhecimento empírico, isto é, submetem a revelação à

Page 70: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

mental análise científica, e promovam a ação fruitiva, isto é, a caridade com vista à

ascensão pessoal, tenho de reconhecer aqui que ajudam pessoas que as escrituras védicas

entendem como desqualificadas – a saber, pessoas com fé na ciência humana e na

faculdade especulativa da mente, e pessoas com o desejo de terem nascimentos mais

confortáveis em moradas mais confortáveis – a seguirem normas de conduta próprias de

santos, como a propensão a perdoar, o autocontrole sexual, a abstinência de drogas e

outras, e mesmo a adorarem a Deus, embora, no meu entender, sem um entendimento

claro do que é bhakti pura, a saber, bhakti livre de karma e jnana.

 

Enfim, aproveito esta oportunidade para reconhecer que os espíritas são pessoas

compassivas e interessadas no bem-estar daqueles que estão confusos por estarem no

estado de possuírem apenas o corpo sutil, e são pessoas que, tanto quanto entendem,

promovem a bondade entre as criaturas e projetos sociais de beleza ímpar.

 

Peço desculpas a todos a quem levei mal-estar com a linguagem do meu texto e

peço que saibam que isso é uma deficiência minha em obedecer às ordens de Krsna, e

não algo que Krsna promova, pois Krsna ensina que as falas de Seus servos devem ter os

seguintes atributos: “A austeridade da fala consiste em proferir palavras verazes,

agradáveis, benéficas e que não perturbam os outros”. (Bhagavad-gita 17.15) Tanto

quanto possível, tentarei reescrever o presente artigo em uma segunda edição de forma a

me conformar às diretrizes cobradas por Krsna e por alguns leitores do meu artigo.

Conto com as bênçãos de todos.

 

PERGUNTAS DE ADEPTOS DO MOVIMENTO HARE KRSNA

 

13. Conheço um devoto Hare Krsna que se descobriu médium vidente e auditivo.

O que ele deve fazer?

Page 71: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

 

A principal característica do devoto Hare Krsna é que ele tem o Srimad-

Bhagavatam como a autoridade suprema, autoridade esta apontada cientificamente pela

primeira vez por Jiva Gosvami em seu Tattva-sandarbha e aceita, desde então, por todo

devoto Hare Krsna. Assim, o devoto Hare Krsna tem como autoridade unicamente

aquela pessoa que ensina o que o Srimad-Bhagavatam ensina, logo um devoto médium

jamais se submeterá a indivíduos desencarnados que queiram ensinar algo a mais do que

o Srimad-Bhagavatam ou esclarecê-lo melhor do que o próprio avatara de Krsna na

atualidade, Sri Caitanya, e seus discípulos diretos, os Seis Gosvamis, esclareceram. Se o

indivíduo desencarnado fizer o papel de guru autêntico de dizer que o Srimad-

Bhagavatam é perfeito e nada nele precisa ser revisto, basta ao devoto continuar

estudando o Bhagavatam como o Bhagavatam ensina, isto é, através da sucessão

discipular que começa com o próprio Krsna e atualmente termina, entre outras

bifurcações, em Prabhupada e em seu Movimento Hare Krsna.

 

Deste modo, parece-me inimaginável que um devoto utilize sua mediunidade

para ser esclarecido por espíritos. Por outro lado, a mediunidade de um devoto pode ser

utilizada para esclarecer os espíritos que querem conhecer a consciência de Krsna ou

ocupar em serviço devocional aqueles que já a conhecem e a aceitam. No Padma

Purana, por exemplo, na seção das glórias do Srimad-Bhagavatam, encontramos um

devoto médium vidente e auditivo, Gokarna, que utilizou essas faculdades mediúnicas

para purificar seu irmão, Dhundhukari, perdido em um corpo de fantasma, através da

audição do Srimad-Bhagavatam. Encontramos no Padma Purana que eles conversaram:

 

O fantasma Dhundhukari observou Gokarna retornar [para casa],

em razão do que assumiu formas muito violentas e apareceu

perante ele... Com coragem e paciência, ele falou: “Quem é

você? Por que você está exibindo todas essas formas

assustadoras? Como você caiu nessa condição?”... Quando

Gokarna o questionou, o fantasma chorou sonoramente. Ele não

Page 72: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

conseguia falar [havia sido morto sendo incendiado a partir da

boca], em virtude do que gesticulava com suas mãos. Gokarna

chuviscou um pouco de água sagrada no fantasma. Isto o aliviou

de reações pecaminosas o suficiente para ser capaz de falar. “Sou

seu irmão, Dhundhukari”, disse o fantasma. “Por causa de meus

erros, caí de meu nascimento respeitável como um brahmana.

Em decorrência de completa ignorância, matei muitas pessoas.

Não é possível contar meus pecados. Eu era viciado ao convívio

com cinco prostitutas, as quais, por fim, mataram-me, e, como

resultado, estou sofrendo as reações de minhas atividades

perversas e assim obtive esta forma de fantasma... Meu querido

irmão, você é um oceano de misericórdia. Por favor, de uma

maneira ou outra, livre-me desta forma fantasmagórica”.

 

Esse devoto médium vidente e auditivo salvou seu irmão da condição em que

estava recitando para ele, por sete dias, o Srimad-Bhagavatam. Ao término da leitura,

descreve-se que “o céu ficou refulgente, e um aeroplano de Vaikuntha apareceu

transportando associados do Senhor. Diante de toda a assembleia, Dhundhukari

embarcou no aeroplano”.

 

Assim, as escrituras védicas não deixam os devotos médiuns desamparados,

senão que têm, entre outros, este Gokarna como exemplo. O exemplo de Gokarna nos

ensina que um devoto que tem contato com desencarnados deve organizar recitações do

Srimad-Bhagavatam em locais sagrados e com devotos puros e convidar aqueles que

têm interesse em serem ajudados pela consciência de Krsna a ouvirem o Srimad-

Bhagavatam e seguir as práticas gerais da consciência de Krsna, como ouvir os santos

nomes, reverenciar os templos de Krsna, oferecer orações a Krsna sentindo-se caído etc.

 

Quanto aos espíritos que não têm interesse na consciência de Krsna, há práticas

Page 73: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

para os evitarmos, assim como evitamos os encarnados que não têm fé, a condição

preliminar para aproximação da consciência de Krsna. A prática mais fundamental que

Prabhupada ensinou para evitar tais desencarnados impiedosos é cantar puramente os

santos nomes:

 

Se você vai a uma casa mal-assombrada, se você canta o mantra

Hare Krsna, eles vão embora... Na minha vida, houve vários

casos assim. Na minha vida como chefe de família, eu estava

fazendo negócios em Lucknow. Assim, havia uma casa, uma

casa muito grande, cujo aluguel custaria milhares de rúpias, mas

era mal-assombrada. Então, ninguém morava naquela casa. Eu

passei a morar nela pagando duzentas rúpias (risos), e era uma

casa muito grande... Todos os criados se queixavam: “Senhor, há

um fantasma”. Então, eu estava cantando. Ele estava vivendo em

vários locais, especialmente perto do portão. Então, eu pude

entender que ele estava ali, mas eu cantava Hare Krsna, e fui

salvo. Todos foram salvos. (Havaí, 03/02/75, aula do Bhagavad-

gita 16.7)

 

Estas são instruções que apuro das escrituras, mas, obviamente, um devoto que se

descubra médium deve, antes de qualquer coisa, consultar seu mestre espiritual iniciador

ou um mestre espiritual instrutor que ele entenda ser um mestre fidedigno e esclarecido.

 

14. Prabhupada tem uma postura bem mais cortês com as outras religiões do que

o seu texto. Não lhe seria apropriado, como seguidor de Prabhupada, apontar as

qualidades do espiritismo?

 

Certamente algo que aprendi com as repostas que recebi a este artigo é que,

Page 74: Espiritismo e consciência de krishna estudo comparado.

infelizmente, não tenho essa virtude de Prabhupada de buscar pelas qualidades. Tentarei,

na medida do possível, reescrever o artigo de forma a não ser ofensivo. Os espíritas que

entraram em contato comigo, apesar de questionados em sua doutrina, mostraram-se

pessoas educadíssimas e estudiosas de sua própria tradição religiosa, duas qualidades

dos espíritas que posso começar por apontar. Independente de o espiritismo ser ou não

coordenado pelo Espírito de Verdade, é notável que seus adeptos têm um amor muito

grande por Jesus, que Prabhupada disse ser um devoto completamente puro, logo é

inaceitável que algum seguidor de Prabhupada diga que os espíritas não têm, ao menos

da parte de que aceitam Jesus, um princípio de norteamento infalível. Também são

dignos de menção os projetos sociais dos espíritas, desde atendimento a famílias

carentes, auxílio a deficientes, pessoas com depressão e toda sorte de indivíduos,

encarnados ou não, que buscam por ajuda. Peço desculpas pelo meu texto não ter

enfatizado estas qualidades, mas faço-o agora oportunamente e peço em troca as bênçãos

de todos os meus leitores para que eu desenvolva a visão apropriada, com as bênçãos de

Krsna, de Seus planos, muitas vezes insondáveis, na pluralidade religiosa. Hare Krsna!

 

 

Fonte: Amigos de Krishna