Esta mulher - Sindibancários ES · outra, perdendo-se, encontrando-se na diversidade de camadas...

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Informativo do Sindicato dos Bancários/ES - Coordenador Geral: Jessé Gomes de Alvarenga - Diretor de Imprensa: Júlio César Passos - Editoras: Sueli de Freitas (MTb 537/92) e Karina Moura (MTb 2375-ES/08) - Estagiário: Haroldo Lima - Diagramação: Jorge Luiz (MTb 041/96) - nº 90 - Dezembro/2009 - [email protected] - Tiragem: 8.000 Esta mulher não é de graça Embora toda graça que ela tem. Esta mulher que está na praça Não é à toa que ela vem Quando ela avança, avança a história Cruel, insana Com suas mazelas, suas sequelas Com sua vergonha Incomoda, incomoda muito esta mulher! Repare seu olhar Profundo, cortante Como o Atlântico cortou Esta mulher também. Olhe seu colo, seus seios exuberantes O ventre alugado, arrombado Generoso ventre! Quantos doutores não ninou? Guerreiros, filhos da pátria Filhos sem pátria, frutos da dor E os moleques, serelepes, os reis da bola? Meu Deus, quanta glória! Quantas raízes ela tem? Veja seu gingado, seu passo firme Neste chão que ela pisa, fique descalço Tem suor, tem luto, tem saudade Muito sangue e conspiração. Faça silêncio, tenha respeito. Ajoelhe-se. Se redima. Experimente com ela Sua crença, seus dons, sua arte, toda alegria Mãe da Pátria, mãe da história AVES MARIAS! Não desafie jamais esta mulher. Deixe que ostente suas marcas, suas garras Que nos esbanje toda a coragem e altivez. Aprenda, aprenda com ela Essa grandeza, essa raça toda beleza de um povo do lugar que ela vem. Deixe que cante, que sambe Que sorria, que nos encante Deixe que ame, que nos chame Inevitável que transcenda - Com toda a história que com ela vem. Não! Não ouse deter esta mulher! Deixe que grite Que nos açoite Que nos sacuda Que nos empurre: Vai nos tirar desse lugar esta mulher! Ângela Barone 20 de novembro: Dia da Consciência Negra Fábio Vicentini Mulher 90.p65 11/12/2009, 15:36 1

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Informativo do Sindicato dos Bancários/ES - Coordenador Geral: Jessé Gomes de Alvarenga - Diretor de Imprensa: Júlio César Passos - Editoras: Sueli de Freitas (MTb 537/92) e Karina

Moura (MTb 2375-ES/08) - Estagiário: Haroldo Lima - Diagramação: Jorge Luiz (MTb 041/96) - nº 90 - Dezembro/2009 - [email protected] - Tiragem: 8.000

Esta mulher não é de graçaEmbora toda graça que elatem.

Esta mulher que está napraçaNão é à toa que ela vemQuando ela avança,avança a históriaCruel, insanaCom suas mazelas, suassequelasCom sua vergonhaIncomoda, incomoda muitoesta mulher!

Repare seu olharProfundo, cortanteComo o Atlântico cortou

Esta mulhertambém.Olhe seu colo, seus seiosexuberantesO ventre alugado, arrombadoGeneroso ventre!Quantos doutores nãoninou?Guerreiros, filhos da pátriaFilhos sem pátria, frutos da dorE os moleques, serelepes, osreis da bola?Meu Deus, quanta glória!Quantas raízes ela tem?

Veja seu gingado, seu passofirmeNeste chão que ela pisa,fique descalçoTem suor, tem luto, tem

saudadeMuito sangue e conspiração.Faça silêncio, tenha respeito.Ajoelhe-se. Se redima.Experimente com elaSua crença, seus dons, suaarte, toda alegriaMãe da Pátria, mãe dahistóriaAVES MARIAS!

Não desafie jamais estamulher.Deixe que ostente suasmarcas, suas garrasQue nos esbanje toda acoragem e altivez.Aprenda, aprenda com elaEssa grandeza, essa raça

toda beleza de um povodo lugar que ela vem.

Deixe que cante, que sambeQue sorria, que nos encanteDeixe que ame, que noschameInevitável que transcenda -Com toda a história que comela vem.

Não! Não ouse deter estamulher!Deixe que griteQue nos açoiteQue nos sacudaQue nos empurre:Vai nos tirar desse lugar estamulher!

Ângela Barone

20 de novembro: Dia da Consciência Negra

Fábio Vicentini

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Padrão de beleza escraviza

e adoece as mulheres

“Primeiramente, eu percebi a exis-tência da bulimia e da anorexia não emmim, mas sim socialmente. Na adoles-cência, lia estas revistas que mostramo mundo das modelos, com corposmuito magros sendo idealizados comopadrão de beleza. Aí gente se olha noespelho e pensa: aquele é o corpo, o pa-drão de beleza, e eu estou fora”, contaa bancária capixaba M., 23 anos, queestá hoje afastada do trabalho para tra-tamento de transtornos alimentares.

Num primeiro momento, M. desen-volveu a bulimia. Mais tarde vieram aanorexia, que a levou dos 76 aos 55quilos, com 1,87 de altura, e a depres-são. “Aos 21 anos, por mais que meachasse gorda, não me sentia doente.Quando passei no concurso para o ban-co e comecei a faculdade, me vi semtempo para comer direito e, no deses-pero de dar conta da pressão no banco

E

e nos estudos, comecei a rejeitar mi-nha aparência. De forma inconsciente,com a mudança da rotina, reduzi bas-tante minha alimentação. Foi aí que dei-xei de ser só bulímica, meu quadro evo-luiu para a anorexia purgativa”, conta.

Essa história não é única, a cadadia torna-se mais frequente. Historica-mente, a beleza sempre esteve atreladaa padrões. Mas no século XX, com aescalada dos veículos de comunicaçãode massa, principalmente com a ascen-são de divas do cinema, de Greta Gar-bo à esquelética Audrey Hepburn, no-vas “formas de beleza” idealizadas sur-

giram para serem seguidas à risca,como destacam os manuais.

Segundo a psicóloga ElizabethAmaral, “vivemos num tempo em

que a regulamentação dos corposatua nos desejos, instaurando certo

modelo de beleza e reorganizando asestruturas de família e trabalho”. Acobrança é grande, e o ambientede trabalho é um agravante, pois éo local onde se passa a maior partedo tempo de convívio social. “A mu-lher se sente pressionada com aimagem de beleza associada à ma-greza e à juventude”.

A cobrança é tamanha quemesmo em situação de adoecimen-to, os corpos que se encaixam nopadrão de beleza despertam senti-

mentos de competição e atração. Se-gundo M., os clientes do banco prefe-riam ser atendidos por ela. As colegasde agência demonstravam algum tipode competição, “principalmente na épo-ca em que comecei a emagrecer e es-tava mais bonita”, afirma a bancária.

Na avaliação de Elizabeth Amaral,as mulheres, na sua maioria, agem se-duzidas e iludidas com os desejos pro-duzidos pela subjetividade “capitalísti-ca”. Mas seus corpos “docilizados” re-agem adoecendo como alerta, na ten-tativa de resgate da saúde física e men-tal: “Nesse caso, entendo o adoecercomo um ‘bom sinal’, um alerta à vida”.

Ao contrário da bulimia, trans-torno caracterizado pela sensação defome e a necessidade de ingerir gran-des quantidades de alimentos e emseguida vomitá-los, a anorexia se ca-racteriza pela falta de apetite ou re-pugnância à comida e vem acom-panhada pelo emagrecimento cons-tante. Na anorexia purgativa, o in-divíduo come compulsivamente e faz

purgações por meio do vômito e do usoinadequado de laxantes.

O caso da bancária M. é a misturadesses dois transtornos. Ela vomitavamesmo as pequenas quantidades dealimentos consumidos. “É como se euregurgitasse a comida. É uma reaçãodo meu corpo. É incrível como o orga-nismo se acostuma a não digerir”.

Hoje, fazendo psicoterapia corpo-

Enfrentando os transtornosral, ela está se redescobrindo: “Oterapeuta pede para que eu meçacom a mão a circunferência da mi-nha perna e da cintura, com os olhosfechados. Eu sinto um choque. A vi-são corpórea que eu tenho é bemdiferente da noção sensitiva. Ele mefalou: já que sua visão falha nessesentido, então é interessante quevocê recorra ao recurso sensorial”.

las são muito magras e estão

por toda parte: na TV, nos

catálogos de moda, nos filmes

de domingo. Aparentemente,

habitam um mundo que não nos

pertence e que, de alguma forma,

tenta se sobrepor ao cotidiano

atribulado das reles mortais, não

importa onde estejam, do cotidiano

doméstico à correria das agências

bancárias. E na busca desse modelo

de beleza, há mulheres adoecendo.

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TRABALHO

“O trabalho bancário mudou mui-to. Depois dos anos 90, a regra foi: apa-ga toda a forma de trabalhar e come-ça outra. Economia de gente, múltiplasfunções... Hoje é uma guerra entre oque está no papel e o que você temque executar na prática. Você vê o cli-ente na sua agência precisando quevocê resolva o problema dele, masaquilo não é atribuição sua, é risco daoutra função. Mas por causa da res-ponsabilidade e do compromisso quevocê tem perante aquele cliente, vocêacaba fazendo um monte de coisa quenão é atribuição sua. Isso gera umacrise dentro de você. Enquanto traba-lhador, que conhece o que tem por trás,e enquanto empregado, que tem umpapel a cumprir. E aí? Ser totalmentefria e insensível a esse cliente e assu-mir minha postura de trabalhadora quenão aceita ser explorada? Ou resolvero problema dele? Esse é o embate.”

MULHER

“Não faço unha, detesto entrar no

Inesquecível, Ângelacompartilha seusmomentos deluta e amor

E

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salão, sempre gostei de fazer as minhaspróprias roupas. Quando vou num res-taurante e tem aquele monte de garfoeu penso: que besteira! E me dá von-tade de comer tudo errado, só para ir-ritar todo mundo!”

FAMÍLIA

“Acho que nunca ninguém levou féem mim como dona de casa e mãe.Isso eu percebia nos comentários, nosolhares, nas brincadeiras. Demorei acasar. Eu falava que só iria casar e terfilho, se a criança nascesse com seis,sete anos (risos). E realmente eu tivemuita dificuldade. Eu não gosto de co-zinhar e só sei o bê-á-bá. Quando voucozinhar acendo três, quatro panelas aomesmo tempo, abro tudo quanto é por-ta, tudo quanto é gaveta, sujo aquelemonte de vasilha, faço aquela bagun-ça! Sempre quero mudar a receita dobolo, e acabo estragando as coisas. Masfui e sou uma mãe extremada. Filho comfebre, eu passo a noite inteira ali do lado.O Léo (marido) me conheceu assim eme aceita como eu sou. A família deleé toda certinha, as mulheres são todas

prendadas. Mas ele nunca reclamou enem me cobra. Ele nem engordou de-pois que casou!” (gargalhadas)

MOVIMENTO SINDICAL

“Sabe quando a massa endurece evocê não consegue destrinchar? Vocêestá ali tentando, amassando, baten-do... ou você vence isso, ou desiste, oudescobre uma nova forma. Hoje euacho que o movimento sindical, o mo-vimento social, a política... tudo estáassim. Você fica ali mastigando, mas-tigando e não deslancha. Precisamosdescobrir uma nova forma.”

POESIA

“Sempre gostei de escrever para aspessoas e sobre as pessoas. Poesiamesmo eu comecei a fazer depois dosdezessete anos. Mas fiquei um bom tem-po sem escrever, porque tive uma criseexistencial. Sabe o que é ficar semprebatendo na mesma tecla, uma procuraque você não sabe o que é? Eu nãoconseguia resposta. Só depois que apolítica começou a ocupar esse espaçoeu preenchi essa ânsia, essa busca.”

não poderia deixar de ser assim quando se trata de Ângela Barone.Ela gesticula e imposta sua voz, dramatizando as histórias, semconseguir negar sua alma artística. Conta uma história seguida da

outra, perdendo-se, encontrando-se na diversidade de camadas quecompuseram sua vivência na CEF, a militância sindical e nos movimentossociais e o amor de mãe e esposa, esquecida e apaixonada. Característicasmultifacetadas que, para os que convivem com Ângela são mais quenaturais, admiráveis. Ela deixou a direção do Sindicato, pois vai seaposentar da Caixa, mas não a luta. Confira: Ângela por ela mesma.

Palavra de Mulher

“Porque tudo meu é muito intenso,

muito forte, tudo meu é muito.”

Sérg

io C

ardo

so

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“O

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Mulheres

antenadas

Categoria bancária avança naluta contra o preconceito

Bancários e bancárias homossexuais têm direitos garantidos

segredo de tudo é vocêaceitar a você mesmo, esobretudo respeitar os

outros do jeito que eles são”. A afir-mação é de José Humberto Vargasde Araújo, funcionário do Banco doBrasil há mais de vinte anos, ao co-mentar a conquista da categoria ban-cária na Campanha Salarial desteano no que diz respeito à isonomiade direitos para homoafetivos. AConvenção Coletiva prevê a exten-são do plano de saúde a parceirasou parceiros do mesmo sexo em to-dos os bancos.

Para Humberto, a isonomia repre-senta uma grande vitória. “Ainda hámuitas barreiras a serem superadas,mas hoje somos mais respeitados, tan-to na profissão, quanto no cotidiano.Isso é resultado da nossa luta”, afirma.

O que Humberto diz é condizen-te com a Declaração Universal dosDireitos Humanos, aprovada em 10de dezembro de 1948. Nela está es-crito que todos os seres humanos sãoportadores de direitos que devem serrespeitados e garantidos, indepen-dentemente de sexo, etnia, língua,religião ou outra condição.

Embora o Brasil seja signatário da

Declaração, ainda hoje diversos bra-sileiros têm seus direitos desrespei-tados. E foi na tentativa de superaressa realidade nos bancos, que a ca-tegoria bancária incluiu, em 1998, aIgualdade de Oportunidades comoeixo da Campanha Salarial.

Neste ano, a pressão da greve na-cional da categoria arrancou, além daisonomia de direitos para homoafeti-vos, a ampliação da licença-materni-dade de quatro para seis meses - ain-da com a restrição de estar condicio-nada a incentivos do Governo - eavanços na igualdade de oportunida-des. Foram incluídas as diretrizes doPrograma de Valorização da Diversi-dade, construído a partir do Mapa daDiversidade, onde consta, por exem-plo, a democratização do acesso à po-pulação negra nos bancos e o encar-reiramento das mulheres, que somamquase metade da categoria.

De acordo com Lucimar Bar-bosa, da Secretaria de RelaçõesSindicais do Sindicato, “a genteluta para que a pessoa humanaseja respeitada na sua totalidadee não seja julgada pela sua orien-tação sexual, nem discriminadapor seu sexo”, afirma.

ENQUANTO OSOL NÃO VEMO filme dafrancesa AgnèsJaoui aborda,entre outrascoisas, o legado que o feminismo deixou para suageração. A diretora, roteirista e atriz vive apersonagem Agathe Villanova, uma políticafeminista, que retorna para a casa de sua infância, na região deAvignon, pouco depois da morte de sua mãe.

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