ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL no espaço cibernético

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FADISP - FACULDADE AUTNOMA DE DIREITO

PROGRAMA DE MESTRADO EM FUNO SOCIAL DO DIREITO

WAINE DOMINGOS PERON

ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL NO ESPAO CIBERNTICO

So Paulo 2009

FADISP - FACULDADE AUTNOMA DE DIREITO

PROGRAMA DE MESTRADO EM FUNO SOCIAL DO DIREITO

WAINE DOMINGOS PERON

ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL NO ESPAO CIBERNTICO

Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado em Funo Social do Direito, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre, sob orientao do Professor Doutor Newton De Lucca.

So Paulo 2009

FADISP - FACULDADE AUTNOMA DE DIREITO

PROGRAMA DE MESTRADO EM FUNO SOCIAL DO DIREITO

WAINE DOMINGOS PERON

ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL NO ESPAO CIBERNTICO

Banca Examinadora

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So Paulo 2009

s doces Mait e Masa, filhas queridas, com quem aprendo lies que jamais encontrarei nos livros.

Agradeo a Deus, presente em todas as pessoas que, direta ou indiretamente, me auxiliaram trabalho. no desenvolvimento deste

Agradeo Professora Thereza Arruda Alvim, pela bravura de conduzir uma entidade to majestosa como a FADISP, casa que muito me honra fazer parte de sua histria, edificada nas slidas bases da integridade de seus fundadores e professores.

Agradeo ao Professor Newton De Lucca, grande responsvel pelo

despertar do tema desta dissertao.

Agradeo

ao

Professor

Manoel

de

Queiroz Pereira Calas, pela honrosa oportunidade de lhe auxiliar no curso de Direito de Empresa da FADISP.

Agradeo a todos do escritrio Braga & Marafon Consultores e Advogados, onde tenho dedicado os ltimos 10 anos de minha vida, num incessante progresso pessoal e profissional.

Criar meu web site Fazer minha home-page Com quantos gigabytes Se faz uma jangada Um barco que veleja Que veleje nesse informar Que aproveite a vazante da infomar Que leve um oriki do meu orix Ao porto de um disquete de um micro em Taip Um barco que veleje nesse infomar Que aproveite a vazante da infomar Que leve meu e-mail at Calcut Depois de um hot-link Num site de Helsinque Para abastecer Eu quero entrar na rede Promover um debate ... Gilberto Gil.

RESUMO

O presente trabalho defende a existncia do novel instituto do estabelecimento empresarial virtual qualificando-o como o complexo de bens empregado pelo empresrio como instrumento para o exerccio organizado de sua atividade, no espao ciberntico, valendo-se da projeo de web site para esses fins. Tal assertiva permite, por conseguinte, preencher possveis lacunas decorrentes dos negcios jurdicos pactuados virtualmente e em torno do web site, cujos efeitos so to reais quanto eficazes no plano fsico. Para tanto, iniciamos com consideraes sobre o mecanismo virtual do espao ciberntico, como um metaterritrio de difuso mercantil sem fronteiras, e a consequente virtualizao do estabelecimento empresarial. Passamos, ainda, pela funo social do espao ciberntico, como um novo local para a articulao da cidadania, a fim de demonstrar como esse metaterritrio tem influenciado a vida cotidiana, causando, inclusive, uma crise na soberania do Estado em face da sociedade virtual, o que nos leva a abordar uma rediscusso sobre o aspecto da jurisdio em face do espao ciberntico e a linguagem a ele inerente. Adentramos, pois, a questo central apontando relevantes caractersticas do web site, a distino entre suas espcies, quais delas se qualificam como estabelecimento empresarial virtual e as principais consequncias jurdicas da decorrentes, finalizando com sua composio e atributos.

Palavras-chave: espao ciberntico web site estabelecimento empresarial virtual.

ABSTRACT

The present work defends the existence of the new institute of virtual business premises, qualifying it as the complex of assets employed by the businessman as instrument for the organized exercise of their activity, in the cyberspace, taking advantage of the projection of web site for these purposes. Such assertive allows, consequently, to fill out possible gaps derived from legal deals agreed virtually and around the web site, whose effects are both real and effective on the physical plan. For this, we started with considerations about the cyberspace virtual mechanism, as a metaterritory of commercial diffusion without borders, and the consequent virtualization of business premises. We also pass by the cyberspace social function, as a new place to articulate citizenship, in order to demonstrate how that metaterritory has influenced quotidian life, including a crisis in the State sovereignty in face of the virtual society, which leads us to approach a rediscussion about the aspect of jurisdiction in face of cyberspace and the language inherent thereto. Then, we approach the central issue, indicating relevant characteristics of the web site, the distinction between its types, which of them as virtual business premises and the main juridical consequences derived thereof, ending with their composition and attributes.

Key words: cyberspace web site virtual business premises.

SUMRIO

Captulo I - Dos tomos aos bits - consideraes iniciais sobre o virtual.......................11 1.O avano da mercancia estimulando meios de transporte e comunicao entre povos 11 2. O avano dos meios de comunicao impulsionando a mercancia efeito reverso .... 12 3. O espao ciberntico como um metaterritrio de difuso mercantil sem fronteiras...... 14 4. O mecanismo virtual do espao ciberntico: virtual no o mesmo que irreal ............ 17 5. A virtualizao do estabelecimento empresarial como realidade e no como fico ... 20 Captulo II Direito e Estado no espao ciberntico ...................................................... 23 1. Funo social do espao ciberntico - um novo local para a articulao da cidadania 23 1.1. Direito de reunio no espao ciberntico ............................................................. 26 1.2. Acessibilidade ao espao ciberntico .................................................................. 29 2. Crise da soberania do Estado diante da sociedade virtual .......................................... 31 3. Rediscutindo o espao territorial e jurisdio em face do espao ciberntico .............. 37 Captulo III A linguagem e o espao ciberntico .......................................................... 42 1. Linguagem, conhecimento, cincia do direito e seu objeto .......................................... 42 2. Linguagem hipermiditica............................................................................................ 44 3. Signos, lngua e linguagem no espao ciberntico ...................................................... 45 4. As dimenses da linguagem (sinttica, semntica e pragmtica) e o rigor do neopositivismo lgico aplicvel s relaes jurdicas virtuais .......................................... 47 5. Funes da linguagem aplicveis ao espao ciberntico ............................................ 51 6. Tipos de linguagem aplicveis ao espao ciberntico ................................................. 54 7. Linguagem-objeto e metalinguagem............................................................................ 55 Captulo IV Estabelecimento empresarial no espao ciberntico (web site).............. 57 1. Breve histrico sobre o estabelecimento: da taberna ao web site empresarial ............ 57 2. Conceito de estabelecimento empresarial ................................................................... 58 3. Natureza jurdica do estabelecimento: ainda uma universalidade de fato .................... 61 4. Estabelecimento versus empresrio e versus empresa ............................................... 64 5. Estabelecimento no se resume a mero lugar ............................................................. 65 6. Dependncias (Matriz, Filiais, Sucursais e Agncias) ................................................. 70 7. Web site como estabelecimento virtual ....................................................................... 73 8. Algumas definies legais de estabelecimento aplicveis ao web site empresarial ..... 83 8.1. Ordenao civil ptria .......................................................................................... 85 8.2. Ordenao tributria ptria .................................................................................. 85 9. O web site, como estabelecimento virtual, no se compara linha telefnica, ao fax smile, ao correio, ou ao telegrama .................................................................................. 92 10. Distino entre as espcies de web site..................................................................... 98 10.1. Estabelecimento Virtual Originrio ou Genuno: web site empregado como nico instrumento de acesso empresa (ex.: AMAZON.COM e SUBMARINO.COM) 98 10.2. Estabelecimento Virtual Extenso ou Derivado: web site empregado como instrumento adicional de acesso empresa (ex.: CASASBAHIA.COM e PONTOFRIO.COM) .................................................................................................. 104 10.2.1. Acesso ao web site dentro de outro estabelecimento fsico do mesmo titular ............................................................................................................... 108 10.2.2. Acesso ao web site dentro de estabelecimento fsico de outro empresrio ...................................................................................................... 111 10.3. Web site Vitrine Virtual: utilizado como mero canal de comunicao, no se qualificando como estabelecimento virtual (ex.: clnica mdica ou restaurante) ........ 113

11. Trespasse de estabelecimento: aplicao deste regime alienao de web site .... 114 Captulo V - Composio do estabelecimento virtual ................................................... 120 1. Elementos imateriais (bens incorpreos) ................................................................... 120 1.1. Nome empresarial.............................................................................................. 121 1.2. Propriedade industrial ........................................................................................ 121 1.2.1. Marca ....................................................................................................... 122 1.2.2. Invenes patenteadas, modelos de utilidade, desenho industrial, obras literrias, artsticas e cientficas. ........................................................................ 122 1.3. Endereo eletrnico: o nome de domnio como marca, ttulo de estabelecimento virtual e, ainda, ponto empresarial virtual .................................................................. 125 1.4. Elementos imateriais inerentes funcionalidade do web site............................. 129 1.5. Contratos relacionados funcionalidade do web site......................................... 131 2. Elementos materiais (bens corpreos) ...................................................................... 132 2.1. Instalaes, mveis e utenslios......................................................................... 132 2.2. Mquinas e equipamentos ................................................................................. 133 2.3. Estoque de mercadorias .................................................................................... 133 2.4. Imveis .............................................................................................................. 133 Captulo VI Atributos do estabelecimento virtual ....................................................... 134 1. Aviamento virtual ....................................................................................................... 134 2. Clientela virtual .......................................................................................................... 137 CONCLUSES ................................................................................................................. 140 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .................................................................................. 142 OBRAS CONSULTADAS.................................................................................................. 148 ANEXO .............................................................................................................................. 151

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Captulo I Dos tomos aos bits consideraes iniciais sobre o virtual1. O avano da mercancia estimulando meios de transporte e comunicao entre povos

Houve um tempo em que as relaes humanas se limitavam a curtos espaos territoriais. Os povos de ento viviam eminentemente da atividade agrria, que satisfazia suas necessidades primordiais. Mas o anseio de obter mais conhecimento, inerente ao homem, o inspirou a desbravar novos territrios e experimentar o que o povoado vizinho tinha a lhe oferecer, no s em termos de agricultura, mas tambm no terreno da arte, ganhando a mercantilidade maior participao em sua vida, com a criao das feiras de artesanato e artigos de necessidades bsicas.

As relaes dos mercadores, inicialmente desenvolvidas de forma tmida, ainda eram regidas pelos romanos mediante aplicao do direito comum, romano ou cannico. O comerciante, profisso que passa a ser realidade do cotidiano do homem, era tido como uma classe de menor importncia, cujas relaes litigiosas nem sequer eram julgadas pelos magistrados, mas, sim, pelos pretores.

Mas a mercancia foi ganhando relevncia na vida em sociedade e os mercadores passaram a se reunir em corporaes, nas quais se inscreviam os praticantes de atos do comrcio dando-os maior representatividade. A comunicao entre os povos passou a se intensificar em escalas cada vez maiores, mais rpidas e entre locais cada vez mais distantes, mediante o uso de lnguas de conhecimento comum, como o latim. Dos usos e costumes locais, passou-se a tambm ser aplicado o Direito Martimo. Todos os povos, de todos continentes, ento, passaram a se relacionar por meio do comrcio, mediante cartas de inteno mercantil, importaes e exportaes de mercadorias e servios de toda natureza.

Em nvel global, o comerciante foi deixando de ser apenas aquele que se matricula formalmente como tal nas reparties pblicas, mas, sim, aquele que

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pratica efetivamente atos de comrcio. Atos estes que passam a ser desenvolvidos entre pontos distantes, graas aos meios cada vez mais modernos de transporte (do martimo, passando pelo ferrovirio, rodovirio, ao areo) e de comunicao (das cartas, passando pelo telgrafo, ao telefone, fax smile e telefone celular). O avano desses meios de conexo fsica e de comunicao, pois, que foi permitindo a relao mercantil entre povos distantes, que, conscientes dessa faculdade, passam a levar seus produtos e servios ao conhecimento de novos lugares.

Entre dois pontos passveis de conexo, portanto, h a natural possibilidade do exerccio da mercancia. Por mais distantes que eles possam estar fisicamente, os meios de proximidade entre os comerciantes foram se aperfeioando ao longo do tempo, tornando irrelevante o aspecto da distncia, apenas persistindo o aspecto temporal, pois um bem vendido do Brasil para a Espanha, por exemplo, ainda tem o seu tempo certo para ser transportado.

2. O avano dos meios de comunicao impulsionando a mercancia efeito reverso

Os meios de comunicao dessas relaes, por sua vez, seguiram ritmos ainda mais acelerados, sobretudo nas ltimas dcadas, estabelecendo, em conjunto com as novas tecnologias em informtica, uma verdadeira revoluo

tecnolgicoinformacional, rompendo muitos paradigmas regionais, culturais e econmicos.

Esse progresso, em especial, torna irrelevante o aspecto presencial em diversas circunstncias. Das cartas escritas a punho prprio, passou-se ao telgrafo, telefone, at a inveno da rede mundial de computadores (www - world wide web), a internet, que advm de internetworking, e que significa interligao entre um conjunto de redes de computadores, consistindo numa grande teia que permeia todo o planeta.

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Todos esses meios comunicacionais estimularam a criao de diversificadas formas de mercantilidade. Assim, como num processo reverso, os meios de comunicao, antes inventados devido proliferao do comrcio, passam a dar asas ainda maiores a este, que ganha novos contornos, podendo ser praticado revelia do antigo paradigma espao-temporal, superado por um novo local que, por meio da internet, abre as portas para relaes scioeconmicas metafsicas, que convencionamos denominar de ambiente, plano, ou espao ciberntico1, ou, como dito por alguns autores, ciberespao.

Esse

fenmeno

nos

fora

a

uma

constante

reciclagem

cognitivo-

comportamental para que possamos aplicar o Direito sempre de forma atualizada, pois, como reconhecido por Newton de Lucca2, Tudo parece correr muito mais rpido na sociedade de nossos dias, parecendo estar caracterizado um processo conhecido como sendo de acelerao histrica.

Remete o autor concepo, absolutamente realista, de que, o tempo de hoje passa mais rpido do que o de ontem, chamando a ateno para o fato de que, com o avano da tecnologia, o futuro j no nos chega mais na mesma velocidade de outrora e nem do mesmo modo. Exemplifica citando a tarja magntica que, apesar de ser uma tecnologia relativamente nova, j tende a ficar obsoleta com o advento do chip microprocessador dos cartes inteligentes (conhecidos como smart cards), devido sua maior segurana e capacidade de armazenar dados, sendo que, em tempos ainda mais atuais, finaliza o autor, j se adota a moeda virtual.

1

Newton de Lucca tambm prefere o emprego da expresso espao ciberntico a ciberespao. Para ele, o barbarismo no se justifica por termos, em vernculo, a palavra adequada. Ademais, nada justifica transportar cyber, do ingls, para ciber, em portugus, sem nenhum significado. DE LUCCA, Newton. Aspectos Atuais da Proteo aos Consumidores no mbito dos Contratos Informticos e Telemticos. In DE LUCCA, Newton; SIMO FILHO, Adalberto. Direito e Internet: Aspectos Jurdicos Relevantes, Volume II. So Paulo: Quartier Latin, 2008, Nota de Rodap n. 31, p. 43. 2 DE LUCCA, Newton. Aspectos Atuais da Proteo aos Consumidores no mbito dos Contratos Informticos e Telemticos. In DE LUCCA, Newton; SIMO FILHO, Adalberto. Direito e Internet: Aspectos Jurdicos Relevantes, Volume II. So Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 30.

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3. O espao ciberntico como um metaterritrio de difuso mercantil sem fronteiras

O aludido progresso comunicacional, trampolim para a mercantilidade globalizada, foi muito alm com o advento da internet.

A internet viabilizou a pluralidade de conexes simultneas entre grupo de pessoas advindas de qualquer ponto do planeta, consagrando um novo local para explorao de relaes scioeconmicas, sem fronteiras, como uma grande teia virtual que permeia nosso planeta, em um ambiente ciberntico, o qual nos situa em novas premissas espaos-temporais.

O conceito de espao ciberntico deveras abrangente, transcendendo a circunscrio da internet. Jos Afonso Jnior3 afirma que a rede mundial corresponde a uma parte constituinte do ciberespao. Uma parte importantssima, que, sem dvida, atualiza para o cidado a dinmica desse metaterritrio. Para o autor, cuja afirmao compartilhamos, a internet que apresenta essa nova dimenso de mltiplos conhecimentos para os olhos e mouses dos usurios mundiais, atravs dos web sites4.

Os web sites so como um portal de entrada para o aludido recinto, constitudo por pginas de hipertexto (home pages), formatadas pelo prprio homem, e identificado por um nome de domnio que os distingue na rede mundial de computadores.

Assim, no se pode olvidar, como frisa Michael Benedikt, citado por Lucia Santaella5, que o ambiente ciberntico uma realidade que deriva de parte do

3

AFONSO JNIOR, Jos. Do hipertexto ao algo mais: usos e abusos do conceito de hipermdia pelo jornalismo on-line. In LEMOS, Andr; PALCIOS, Marcos. (orgs.). Janelas do Ciberespao Comunicao e Cibercultura. Porto Alegre: Editora Meridional, 2 edio, 2001, p. 129. 4 So tambm conhecidos como web stios, ou simplesmente sites, ou stios. No presente estudo, pois, adotamos a denominao web site por ser a mais completa, entre as usuais e corriqueiras j empregadas no Brasil. 5 SANTELLA, Lucia. Navegar no Ciberespao. So Paulo: Editora Paulus, 2004, p. 40.

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funcionamento do mundo natural, fsico. Constitui-se de trfegos de informao produzidos pelos empreendimentos humanos em todas as reas: arte, cincia, cultura, enfim, as mais variadas formas de conhecimento, no ficando de fora as inmeras formas de se exercer o comrcio, os chamados negcios eletrnicos.

Pierre Lvy6 conceitua espao ciberntico como o local de comunicao aberto pela interconexo mundial dos computadores e das memrias dos computadores. Para ele, a perspectiva da digitalizao geral das informaes propiciada por tal local provavelmente o tornar o principal canal de comunicao e suporte de memria da humanidade. E menciona, ainda, que h quem o conceitue como a terra do saber (the land of knowledge), a nova fronteira cuja explorao poder ser, hoje, a tarefa mais importante da humanidade7.

Como afirma Patricia Peck Pinheiro8, o espao ciberntico designa habitualmente o conjunto das redes de computadores e servios existentes na Internet. uma espcie de planeta virtual, onde as pessoas se relacionam virtualmente, por meios eletrnicos.

Assim, embora para fins de estudo das cincias comunicacionais, o conceito de espao ciberntico possa ser deveras amplo, neste trabalho o consideramos como um espao virtual, um metaterritrio (local desterritorializado), adentrado pelos usurios quando se conectam na internet com o objetivo de imerso em possveis atividades culturais, cientficas, artsticas, dentre outras, interessando-nos mais especificamente as de cunho empresarial.

Especialmente

no

campo

empresarial,

esse

metaterritrio

acomoda

infindveis negcios jurdicos, que, na prtica, se proliferam a cada dia e podem ser totalmente iniciados, desenvolvidos e encerrados por meio do web site, seja

6

Lvy ainda esclarece que o termo ciberespao foi inicialmente empregado em 1984 como o universo de redes digitais e nova fronteira cultural e econmica no romance de fico cientfica Neuromancer, de William Gibson. LVY, Pierre. Cibercultura. So Paulo: Editora 34, 2000, p. 92. 7 Sobre tal conceito, ele se reporta a Esther Dyson, George Gilder, Jay Keyworth e Alvin Toffler em sua Magna Carta of the Knowledge Age in New Perspective Quarterly, 1994, outono, pp. 26-37. 8 PINHEIRO, Patricia Peck. Direito Digital. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 359.

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mediante transferncia de informaes, transaes financeiras, cesso de direitos, transmisso de bens intangveis, prestaes de servios, alm das mais diversificadas formas que ainda sero criadas e exploradas virtualmente.

A irreversvel influncia do espao ciberntico na vida do homem provoca constantes mutaes nas relaes comerciais, passando a ser constantemente atualizadas e aperfeioadas, dia aps dia, minuto a minuto. Muitos dos negcios jurdicos tradicionalmente pactuados aps reunies presenciais, so agora totalmente desenvolvidos em ambiente virtual9. O termo virtual a que aqui nos referimos origina-se do latim virtualis, derivado de virtus, aquilo que est em potncia, sendo o mesmo conceituado por Pierre Lvy da seguinte maneira:

virtual toda entidade desterritorializada, capaz de gerar diversas manifestaes concretas em diferentes momentos e locais determinados, sem contudo estar ela mesma presa a um lugar ou tempo em particular. Para usar um exemplo fora da esfera tcnica, uma palavra uma entidade virtual. O vocbulo arvore est sempre sendo pronunciado em um local ou outro, em determinado dia numa certa hora. Chamaremos a enunciao deste elemento lexical de atualizao. Mas a palavra em si, aquela que pronunciada ou atualizada em certo lugar, no est em lugar nenhum e no se encontra a nenhum momento em particular (ainda que ela no tenha existido desde sempre). Repetindo, ainda que no possamos fix-lo em nenhuma coordenada espao-territorial, o virtual real. Uma palavra existe de fato. O virtual existe sem estar presente. (g.n.)

At mesmo os negcios jurdicos que no prescindem de trnsito fsico j podem ser primeiro pactuados no espao ciberntico para, em seguida, ser apenas executados no plano fsico, sendo tal prtica uma tendncia de crescimento exponencial e ininterrupto.

E curioso notar que, apenas nesta situao (venda pela internet com posterior trnsito fsico da mercadoria) e no tocante aos fusos horrios, que o aspecto temporal ainda pode fazer alguma diferena, pois, nas demais, as variveis tempo e espao no interferem mais na formao das relaes mercantis como antes: com um simples clique de mouse, um livro pode viajar virtualmente do Brasil

9

LVY, Pierre. Cibercultura. So Paulo: Editora 34, 2000, p. 47.

17

para o Japo em segundos, mediante download10 de seu contedo. E isso se d porque o mercado on line11, exercido no espao ciberntico, no experimenta distncias geogrficas. Na rbita virtual, todos os seus pontos so igualmente prximos uns dos outros. 12

4. O mecanismo virtual do espao ciberntico: virtual no o mesmo que irreal

Como

podemos

notar

as

relaes

scioeconmicas

desenvolvidas

ciberneticamente esto em constante contemporaneidade, ou seja, so atualizadas a cada instante para poder acompanhar o extraordinrio volume do trnsito de informaes. Essa revoluo comunicacional coloca em cheque o conhecimento de determinado assunto adquirido em poucos minutos, porquanto, uma vez posto ao conhecimento geral da comunidade internauta13, o mesmo j pode ter evoludo sobremaneira, pode ter ganhado ramificaes, ou contraposies, de toda ordem.

Isso significa que as informaes, em sentido lato (dados, textos, sons, imagens fixas e animadas, elementos, objetos, vdeos, subsdios, assuntos, notcias, etc.), ao adentrarem o espao ciberntico, virtualizam-se automaticamente, passando a existir em potncia, apenas carecendo de constantes atualizaes, seja no tocante ao contedo (o mrito posto ao conhecimento), seja no tocante forma (acessibilidade ao intercmbio desse conhecimento).

Estando, pois, no campo da virtualizao, encontram-se materialmente ausentes, o que no quer dizer que sejam irreais. Muito pelo contrrio, o que virtual tambm real, carecendo apenas da presena tangvel, a qual provida, suprida, pela constante atualizao.

10

Ato de baixar e transferir, mediante cpia, arquivos eletrnicos de um para outro computador remotamente. 11 O que ocorre por meio da internet. 12 LVY, Pierre. O que Virtual. So Paulo: Editora 34, 1996, p. 62. 13 Usurios da internet. Denominamos de internauta, o usurio da internet que, inclusive, tem por hbito fazer compras e contratar servios pela rede mundial de computadores.

18

Vejamos um exemplo. No meio material, o aluno que, provocado pela chamada do professor, responde presente quer significar que se encontra na sala de aula naquele exato instante, ou seja, naquele momento atual ele est materialmente presente. O aluno virtual, ao revs, desprovido de presena fsica, material, mas existe em potncia, o que revelado por meio da constante atualizao comunicacional entre ele e o professor virtual.

Embora seja comum o emprego equivocado do termo virtual como acepo de algo inexistente, no se pode confundir o virtual com o imaginrio. O imaginrio no existe, irreal e est apenas em nossa mente de modo fantasioso, ilusrio, utpico. como aquele amigo com quem a criana divide suas confisses, o amigo imaginrio.

O virtual, ao revs, existe sim (em potncia) e produz resultados to reais quanto eficazes, mesmo sendo intangvel, impalpvel, imaterial, cuja carncia de presena provida pela dinmica da atualizao, como num constante processo de edificao comunicacional. No espao ciberntico o que verificamos, por exemplo, quando se pactuam relaes comerciais via web site empresarial14, cuja aludida atualizao se traduz na interao entre as partes com o objetivo de realizar virtualmente um negcio jurdico.

No estamos falando de algo novo. O virtual surgiu muito antes do advento da internet. As prprias relaes mercantis contratadas a distncia, por meio de correspondncias escritas a punho prprio, eram contratos firmados virtualmente, ou seja, de modo no presencial (no atual), com cada parte potencialmente existente em locais distintos, ambas com interesses comerciais comuns, mas cujas manifestaes de reciprocidade dependiam do fator atualizao (dinamizada pelo trnsito das cartas). E isso no significava dizer que no existiam, ou que os inmeros negcios jurdicos que firmavam eram atos fantasiosos.

14

Aquele empregado pelo empresrio como ferramenta aparelhada para o exerccio de atividades empresariais, qualificando-se como um verdadeiro estabelecimento empresarial. Veremos, em momento oportuno, que nem todo web site possui essa caracterstica e concebido para esse fim, podendo se resumir a uma espcie de vitrine virtual.

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O livro de Michel Serres, como comenta Pierre Lvy15, ilustra o tema do virtual como no-presena. Porm, pondera este autor que o fato de no pertencer a nenhum lugar, de frequentar um espao no designvel, ou de no estar presente, nada disso impede a existncia. E prossegue afirmando que, no espao ciberntico, a sincronizao substitui a unidade de lugar, e a interconexo, a unidade de texto. Mas, novamente, nem por isso o virtual imaginrio. Ele produz efeitos..

Tambm devemos ter cautela para no confundir o virtual com o possvel. O virtual, como vimos, existe em potncia e, dada a sua falta de presena, depende de atualizao para que possa ser produzido. O possvel j se encontra formado, imutvel, mas lhe falta a existncia, de modo que quando levado a efeito, no inova em nada, apenas reproduz o que j est criado.

Por exemplo, a sinfonia gravada num CD a mesma sinfonia tocada num dado instante pela orquestra. Sua gravao implica a possibilidade de algum apreci-la, em qualquer momento futuro. E quando isto acontece, a orquestra no existe ali naquele suporte fsico, nem tampouco sua sinfonia est sendo criada no momento em que ouvimos o CD, uma vez que j foi criada outrora. Logo, aqui estamos no campo do possvel, e no do virtual.

Assim, o possvel, ao contrrio do virtual, no passa por um processo de constante atualizao. Ele confere apenas duas possibilidades: ser, ou no, realizado. E quando o , leva a efeito exatamente aquilo que j se previa atingir. Nada mais, nada menos. O possvel no sofre nenhum processo de atualizao que lhe renove quando realizado. A sinfonia ouvida por intermdio do CD ter sempre o mesmo som, jamais passar por alguma modificao, de nenhuma nota musical sequer.

As relaes desenvolvidas por meio do web site, pois, no se limitam no campo da possibilidade. Vo muito alm. Por estarem na rbita virtual, passam pelo15

LVY, Pierre. O que Virtual. So Paulo: Editora 34, 1996, pp. 20-21.

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dinamismo da atualizao podendo ter resultados distintos, a depender de variados aspectos, como a negociao e a interao entre as partes, o objeto transacionado, etc.

Assim, o que virtual existe e real. Pode ser desprovido de presena material, mas existe em potncia, o que revelado por meio da constante atualizao.

Logo, no incorreto admitir a existncia do estabelecimento empresarial virtual, que nada mais que o prprio web site. o estabelecimento que atua no espao ciberntico, to real quanto qualquer outro estabelecimento clssico.

5. A virtualizao do estabelecimento empresarial como realidade e no como fico

Ao criar um web site o empresrio deseja explorar suas atividades num local sem fronteiras, almejando atrair como clientela um pblico alvo infinitamente mais amplo do que no plano fsico, esttico, ou atual. Quando passa a transacionar em ambiente ciberntico, utilizando-se como ferramenta aparelhada o web site, submete-se ao caminho oposto ao atual, virtualizando o seu estabelecimento, elevando-o potncia.

Surge, ento, o estabelecimento empresarial virtual, ou seja, aquele que atua no espao ciberntico, projetado pelo web site.

As transaes mercantis pactuadas pelo estabelecimento virtual, entre ausentes (seu titular e o contratante), dinamizam o processo de atualizao nos negcios, proporcionando ao empresrio a explorao de uma verdadeira casa (virtual) de negcios, presente num novo local (metafsico), tal e qual qualquer outro estabelecimento que viesse a criar numa outra localidade fsica, realidade que, at ento, ocorria apenas no plano material.

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Note-se que, ao praticar suas atividades empresariais por meio do web site, seu estabelecimento virtual, o empresrio no cria uma irrealidade, um campo de fico, imaginrio, ou fantasioso. Muito pelo contrrio, j vimos que virtualizar no o mesmo que desrealizar, ou transformar o real em hiptese. No. Esse novo estabelecimento, situado no espao ciberntico, embora carea de presena tangvel, real e existe em potncia. Tanto assim que o empresrio pactua uma infinidade de negcios jurdicos to reais quanto eficazes neste instrumento.

O fato de o estabelecimento virtual ser incorpreo, desterritorializado, no o torna irreal, mas apenas o desloca para um plano de acesso intangvel. E, dado que a clientela pode enxergar o web site como o nico estabelecimento que o vincula ao empresrio, pode este at mesmo substituir a presena fsica de seus empregados do ambiente fsico, do escritrio tradicional, pelo home office16, mediante uma poltica de disciplina e comprometimento com seus afazeres, com atualizao constante de seus contatos interligados em rede. Trata-se de um constante

processo de atualizao pelo qual o virtual se submete em contraposio quele clssico estabelecimento fsico que, por no carecer de presena, j se encontra num plano esttico, ou atual.

Tomemos o exemplo das instituies financeiras. As agncias fsicas nas quais enfrentvamos volumosas filas para fazer depsitos, transferncias, retirar tales de cheque, operaes de crdito e cobrana, operaes com cartes de crdito ou dbito, etc., de h muito so substitudas pelo e-Banco, ou internet banking17, ou seja, o banco eletrnico j proporciona praticamente todos os servios que a clssica agncia bancria oferece, com significativa reduo de custos e aumento da segurana, eliminando a interferncia de pessoas estranhas, ou empregados da prpria instituio financeira, sobre os dados do correntista.

Alm do e-Banco, ainda h outros inmeros exemplos, como a substituio do out door pelos painis virtuais cujo espao negociado pelos web sites16

Escritrio em casa, por meio do qual, cada empresado pode desenvolver suas atividades rotineiras e se comunicar por meio de rede que interconecta todos os demais empregados entre si, ou com os clientes e fornecedores. 17 Banco eletrnico, ou seja, web site por meio do qual o Banco opera com seus clientes via internet.

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empresariais, os leiles de mercadorias hoje tambm realizados com frequncia na internet, as redes de relacionamento, os e-groups18, as compras e vendas virtuais de mercadorias, as prestaes dos mais variados tipos de servio pela internet, etc.

Todas essas relaes scioeconmicas no so frutos de mera fantasia entre as partes que se relacionam, elas existem em potncia e produzem efeitos sociais, econmicos e jurdicos em dimenso material. A sociedade virtual, que conduz os acontecimentos nesse metaterritrio, a mesma sociedade do meio terreno. O que muda o fator da presena, que falta no plano virtual, e que suprido pela constante atualizao comunicacional.

Assim, a virtualizao de uma empresa, mediante a criao de um web site, por meio do qual ela passe a desenvolver organizadamente suas atividades, implica deslig-la do aqui e agora, do presente, atual e estvel, como tradicionalmente pensados, alinhando-a a coordenadas espao-temporais sempre passveis de atualizao sobre a informao obtida. E essa uma mudana sem volta em nossas vidas, levando-nos, como afirma Nicholas Negroponte19, era dos bits20, e o bit o DNA da informao.

18

Grupos de pessoas que formam um canal eletrnico para se comunicarem entre si de forma fechada. 19 NEGROPONTE, Nicholas. Vida Digital. So Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 17. 20 A linguagem dos computadores utiliza um alfabeto binrio, composto de dois nicos smbolos: 0 e 1, que se convencionou denominar de bits, ou seja, a abreviao da expresso inglesa binary digit.

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Captulo II Direito e Estado no espao ciberntico

1. Funo social do espao ciberntico um novo local para a articulao da cidadania

Ao congregar o livre acesso s culturas de todas as partes do planeta, o espao ciberntico avoca para si, naturalmente, a funo social de proporcionar uma gama de conhecimentos jamais experimentada pelo homem, permitindo-lhe uma constante crtica, ainda maior, sobre a universalizao de seus direitos como cidado que, j no meio material, tem sido o anseio de grandes articulaes.

De fato, a universalizao dos direitos humanos tem se apresentado, de modo consensual, cada vez mais presente nos mais variados Estados de Direito, sobretudo aps o advento da Declarao Universal dos Direitos Humanos, de 1948, cuja disciplina vem sendo incorporada pelas respectivas legislaes domsticas contemporneas, em repdio ao pensamento colonialista, ou totalitrio, e no necessrio acompanhamento do crescente efeito de transparncia e

homogeneidade da dignidade humana, intensificado com o efeito da globalizao e de nossa atual era da comunicao e da informao, hoje consagrada pelo acesso ao espao ciberntico via internet.

A globalizao e o que podemos chamar de revoluo informacional, franqueada pela internet, leva os Estados assuno de medidas de ordem comuns no cenrio mundial, no sendo diferente tambm no que tange s relaes comerciais e, como consequncia tambm inevitvel, aos direitos humanos, irradiando, aqui, a funo social do espao ciberntico na vida cotidiana.

Surge, a partir desses fenmenos, um natural intercmbio de valores culturais entre as sociedades mais distantes, permitindo que tenham maior senso crtico em relao aos valores consuetudinrios locais, ou, ainda, sua poltica governamental impositiva, cabendo aos Estados o desafio de adaptar sua atuao irreversvel sucumbncia aos novos meios eletrnicos de dinamizao do comrcio e difuso

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dos direitos humanos sob uma tica universal, sem perder de vista o limiar de soberania e ordem interna, preservando-as para que no sejam violadas, ou que caiam em descrdito.

O motor propulsor dessa universalizao de condutas tem como partida o comrcio internacional que, naturalmente, como meio de suprir necessidades de bens e servios entre os povos mais distantes, torna mais latente o reconhecimento da necessria integrao de valores e costumes entre os variados Estados de Direito. Exemplo disso a adoo dos Incoterms (International Comercial Terms21), criados pela Cmara de Comrcio Internacional em 1936, que objetiva padronizar os termos utilizados no comrcio internacional, a fim de facilitar e impulsionar as relaes mercantis entre suas sociedades, o que propicia a adoo do mesmo ideal tambm em relao aos demais campos do direito.

No espao ciberntico essa mesma tendncia desbrava, afortunada e consequentemente, no s nas relaes comerciais, mas tambm no terreno dos direitos fundamentais do ser humano. Lembremos que, em Viena, 1993, a Conferncia Mundial sobre Direitos Humanos revelou o consenso entre os Estados sobre o carter universal dos direitos humanos, acentuando ainda mais a necessidade de conformao dos vetores normativos e polticos de cada civilizao aos valores culturais homogneos quanto dignidade humana. Com o uso massificado da internet, tais valores transcendem, a cada dia, em assustadora velocidade, todas as fronteiras polticas, evidenciando os direitos humanos como um bem de relevncia insupervel a qualquer outro valor, independentemente do Estado de Direito, local, espao, nao ou regime poltico.

E justamente nesse contexto que o espao ciberntico, pois, representado pela rede mundial de computadores, surge como um ambiente multicultural indiferente a qualquer imposio poltica e social, proporcionando ao usurio (o internauta) maior grau de liberdade de expresso e coleta de informaes a respeito

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Termos do Comrcio Internacional.

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de direitos e garantias fundamentais sobre outras civilizaes que, antes, jamais teria condies de se obter pelas vias ordinrias de acesso informao local.

Esse ambiente metafsico, capitaneado pela internet, tem como gnese fontes ininterruptas de informao, sem qualquer filtro de censura, alimentadas pela participao e contribuio de pessoas naturais ou jurdicas, ONGs (Organizaes No Governamentais), universidades, jornais, grupos e associaes localizadas em qualquer ponto do planeta, convergindo hbitos, tradies, direitos e obrigaes de diferentes sociedades, implicando o mais amplo meio de cooperativismo internacional, suscitando irrestrita liberdade de expresso.

O espao ciberntico, por conseguinte, confere ao homem, pertencente a qualquer civilizao, verdadeira emancipao cultural e social, tornando-o infinitamente mais crtico em relao busca incessante pelos melhores produtos e servios, alm de seus direitos fundamentais. Por meio dessa dimenso, virtual, constata-se um novo espao de comunicao que pode ser infinitamente explorado, sem as mesmas restries e os limites polticos a que os demais espaos locais (editoras, gravadoras, jornais, rdio, televiso, etc.) se submetem. Trata-se do corolrio do que podemos chamar de revoluo tecnolgicoinformacional, que decorre da rede mundial de computadores, cujos atores, at inconscientemente, so os prprios usurios das tecnologias da informao, os internautas.

Como perceptvel essa funo social do espao ciberntico, o mesmo tem sido explorado na busca desenfreada pelos direitos individuais e coletivos pelas ONGs, cujo nmero de web sites cresce sobremaneira, assim como seus meios de manifestao e comunicao, hoje ainda mais acessveis, e de forma interativa, por meio do espao e dos recursos virtuais proporcionados pela internet. Como apontado por J. A. Lindgren Alves:

enquanto os direitos humanos se apresentam hoje, aps a Conferncia de Viena, universalizados pelo consenso de todos os Estados, eles se afiguram ainda mais como valores transculturais atualssimos ao se observar o procedimento, nacional e internacional, das ONGs a eles dedicadas. com base na Declarao Universal de 1948 e nos tratados e declaraes por ela propiciados que todas essas organizaes privadas das mais diversas

26 origens fenmeno tambm planetrio do mundo contemporneo procuram promover seus objetivos pblicos, na rea dos direitos individuais dentro de 22 cada Estado, ou na defesa dos direitos coletivos de grupos especficos.

Nesse contexto, a internet se apresenta como um dos mais eficazes mtodos de proliferao multidisciplinar de pensamentos e reflexes, no sendo diferente, por bvio, em relao s matrias em torno da cidadania, democracia e dos direitos humanos. Tem sido usada, pois, sobretudo pelas ONGs, como um portal para aprendizagem de culturas localmente desconhecidas, indo infinitamente alm da assimilao de conhecimentos em mbito presencial, o que estimula maior discernimento de juzo por parte da sociedade.

A fim de que os negcios eletrnicos e os direitos humanos sejam praticados e respeitados em sua plenitude, os atores dessas fontes de informao, decorrentes de qualquer ponto do planeta, tambm devem gozar de liberdade de pensamento, conscincia, opinio, expresso e religio. E tal assertiva tambm se aplica ao direito de reunio e associao, eventos comuns na rede mundial de computadores, realizados por meio dos chamados e-groups, que renem comunidades virtuais de pessoas que comungam de pensamentos comuns, como veremos a seguir.

1.1. Direito de reunio no espao ciberntico

Especialmente quanto ao direito de reunio, este se reveste de prerrogativa tambm aplicvel ao espao ciberntico, onde se propagam vertiginosamente grupos de pessoas que se renem virtualmente para permutar e agrupar pensamentos, criar produtos ou servios em um verdadeiro ambiente de agremiao, de reunio. No magistrio de Alexandre de Moraes23:

22

ALVES, J. A. Lindgren. A declarao dos direitos humanos na ps-modernidade. In BOUCAULT, Carlos Eduardo de Abreu (org.). Os Direitos Humanos e o Direito Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 163. 23 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Coleo Temas Jurdicos. So Paulo: Atlas, 2000, p. 167.

27 direito de reunio uma manifestao coletiva da liberdade de expresso, exercitada por meio de uma associao transitria de pessoas e tendo por finalidade o intercmbio de idias, a defesa de interesses, a publicidade de problemas e de determinadas reivindicaes. O direito de reunio apresenta-se, ao mesmo tempo, como um direito individual em relao a cada um de seus participantes e um direito coletivo no tocante a seu exerccio conjunto.

O ambiente ciberntico, por sua vez, usado no s entre pessoas naturais, para tratar de relacionamentos pessoais, como entre estas e sociedades empresrias, para tratar de negcios mercantis, como tambm pelas ONGs, como um local para debates sobre poltica e cidadania, cuja reunio de pessoas e associados de toda parte do mundo simultnea. Trata-se, pois, de uma forma de se explorar o direito de reunio e proliferao de concepes em um ambiente totalmente virtual, sobre os mais variados assuntos.

Com a descoberta da internet como uma das ferramentas mais poderosas de comunicao, tais organizaes patrocinam uma infinidade de causas, de militncias polticas, campanhas de candidatos e seus partidos polticos (como foi altamente propagado no caso do ento candidato Presidncia da Repblica dos EUA, Barack Obama), a riqussimos fruns de discusso virtuais, com a participao de representantes de povos distintos. E estes, ainda que estejam submersos em culturas absolutamente adversas, podem buscar objetivos mercantis comuns, assim como a efetividade da dignidade humana, sendo este ltimo o caso, por exemplo, da DHNET, ONG que promove diversas reflexes sobre direitos humanos em seu web site DHNET.ORG24.

Referido web site qualificado como um verdadeiro estabelecimento virtual onde se praticam suas relaes jurdicas com terceiros colaboradores, escritores, voluntrios, etc., sendo exercida sua atividade-fim em ambiente totalmente virtual, sem prejuzo das demais atividades tambm realizadas no plano presencial. Disso decorre que, em seu prprio estabelecimento virtual denota-se a apresentao de temas como direitos humanos, cidadania ciberntica, arte e cultura, central de24

Para fins didticos, os web sites exemplificados no decorrer deste estudo sero citados com o nome de domnio principal, seguido de .COM, ou .ORG, de forma generalizada, sem nos prendermos ao rigor da linguagem tcnica empregada no meio informtico, objetivando facilitar a compreenso do que se pretende aqui expor.

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denncias, alm de salas de bate-papo, loja virtual e um rico banco de dados de boletins informativos, legislao filmes, apostilas e fascculos sobre temas em torno de direitos humanos.

Seu usurio interage com o mesmo como se estivesse imerso numa filial da prpria sede da ONG, presente no espao ciberntico, e seu contedo assim como de outros web sites da mesma natureza, pode ser acessado por qualquer pessoa, em qualquer ponto do planeta, mesmo por indivduos que se sentem engessados a regimes polticos avessos a qualquer vis democrtico, o que lhes proporciona massa crtica infinitamente superior ao que sempre tiveram acesso presencialmente.

Assim, os encontros mundiais oficiais (como as Convenes, Conferncias, etc.) passam, aps a extraordinria inveno da internet, a formalizar reflexes j sedimentadas pela populao virtual, representada, de forma capilar, pelas mais distintas culturas do planeta.

Em sua dissertao de mestrado sobre as ONGs e internet Carlos Alberto Lopes de Sousa25 lembra de alguns importantes episdios que revelam a funo social do espao ciberntico como organismo metaterritorial para se fazer valer os direitos humanos, dentre os quais o primeiro nos chamou a ateno pelo xito obtido a partir de um movimento eminentemente virtual:o primeiro fato, ocorrido no ano de 1998, decorreu do uso da Internet pelo subcomandante Marcos, na Selva Lacandona, no interior do Mxico, ao informar para jornais, ONGs e agncias de notcias que o Exrcito Mexicano, por ordem do presidente Ernesto Zedillo, havia autorizado a reprimir aqueles ndios da regio dos Chiapas, organizados em um Exrcito Zapatista de Liberao Nacional, que lutavam e reivindicavam junto ao governo o reconhecimento dos seus direitos de propriedade das suas terras. A ao do governo, que prometia ser um massacre contra os insurgentes, foi abortada pelo uso eficaz da Internet. (g.n.)

25

LOPES DE SOUSA, Carlos Alberto. ONGs e Internet: Da Ao Educativa e Poltica no Lugar ao Ciberespao. Dissertao de Mestrado apresentada Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC/SP), para concluso do curso de Ps Graduao em Cincias Sociais. So Paulo: 2005, p. 7.

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1.2. Acessibilidade ao espao ciberntico

A crescente importncia da internet como mtodo eficaz no combate s diferenas sociais tambm pode acarretar, em si mesma, outro problema que se deve chamar a ateno. Trata-se da dificuldade de acesso da populao rede mundial de computadores, que implica mais um agravante da desigualdade social, porquanto determinados produtos ou servios tendem a ser oferecidos

exclusivamente pela rede mundial.

Essa imensa diferena de acessibilidade internet decorre, sobretudo, de aspectos econmicos que separam a sociedade entre camadas mais e menos favorecidas, criando o que Carlos Alberto Rohrmann26 denomina, com muita propriedade, de abismo digital, ou apartheid digital.

Para que tal circunstncia no se agrave, cabe aos Estados a criao de mecanismos que busquem reduzir essa diferena social, oferecendo a

acessibilidade ao plano ciberntico para as camadas sociais menos favorecidas, investindo em hardware e em provedores de acesso rede mundial para as escolas pblicas, a fim de que se cumpra a funo social desse ambiente virtual de forma indiscriminada. Por mais distante que uma dada comunidade esteja do centro urbano mais prximo, uma vez tendo acesso rede mundial, cultura ciberntica em geral, as pessoas que dela fazem parte adentraro um espao amostral de culturas infinitas, o que estimula a criatividade, a pesquisa cientfica, a produo de novos bens e servios, a diversificao cultural, enfim, ser munida de muito mais elementos que propiciem o progresso regional.

No Brasil, em especial, a tentativa nesse sentido foi a criao do FUST Fundo de Universalizao dos Servios Telefnicos, que possui natureza de Contribuio de Interveno no Domnio Econmico (CIDE). Segundo sua lei27, os recursos do FUST sero aplicados em programas, projetos e atividades que estejam em consonncia com o plano geral de metas para a universalizao de servio de26 27

ROHRMANN, Carlos Alberto. Curso de Direito Virtual. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 45. Lei n 9.998/00, artigo 5.

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telecomunicaes, com objetivos variados, entre eles a implantao de acessos para utilizao de servios de redes digitais de informao, destinadas ao acesso pblico, inclusive da internet, com condies favorecidas a instituies de sade, a estabelecimentos de ensino e bibliotecas.

Tais recursos foram empregados pelo Governo Federal Brasileiro no programa Sociedade da Informao (SocInfo), do Ministrio da Cincia e Tecnologia (MCT), com o objetivo de fomentar o uso intensivo de tecnologias da informao e comunicao em todos os setores e atividades da sociedade, sendo que um de seus resultados foi a incluso digital por meio de bibliotecas e ONGs. A iniciativa chamada de e-biblioteca (biblioteca eletrnica) comeou a ser implementada pelo Governo em 2003.28

Renato Cruz29, no jornal O Estado de So Paulo, de 29 de junho de 2008, veicula notcia sobre o crescimento do uso da internet pela Classe C. Segundo a matria, uma pesquisa do portal Terra mostrou que 49,4% dos jovens dessa classe, em trs capitais do Pas, possuem acesso rede mundial em casa. A pesquisa foi feita em So Paulo, Recife e Porto Alegre, j que, como reconhece o diretor geral do portal Terra, essas cidades tm uma densidade uso da internet acima da mdia o que revela que este percentual est longe de ser a realidade brasileira. Se outras cidades de grande porte nem sequer foram objeto de pesquisa, o que se pode esperar das menores, cuja sociedade se encontra em meio a diferenas culturais espantosas?

Aqui, interessante traar um paralelo com a revoluo industrial, ocorrida no final do sculo XVIII e incio do sculo XIX, cujo estopim foi a substituio do homem pela mquina, do trabalho braal pelo mecnico, forando uma diviso na sociedade entre os que criam as mquinas e aqueles que as operam e, ainda pior, entre estes e os que no se adaptaram nova concepo de produo (mecanizada), limitando28

TAKAHASHI, Tadao. In E-gov.br a prxima revoluo brasileira. Eficincia, qualidade e democracia: o governo eletrnico no Brasil e no mundo: A sociedade da informao e a democracia eletrnica. So Paulo: Prentice Hall, 2004, pp. 89-90. 29 CRUZ, Renato. Presena da classe C avana na internet. O Estado de So Paulo, So Paulo: Caderno de Economia, B22, 29 de junho de 2008.

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se ao campo da agricultura, ou artesanato e, portanto, ficando fora do mercado de trabalho urbano. No que o trabalho rural no seja importante. Ao contrrio, fundamental. Mas as pessoas devem ter o direito de conhecer outras formas de trabalho para que possam, ento, escolher sua profisso e onde pretendem desenvolv-la.

Hoje, no exagero pretender qualificar como a segunda revoluo industrial, no havendo como negar que essa atual era tecnolgicoinformacional que vivemos nos fora a enfrentar o problema da incluso digital para que a funo social do espao ciberntico seja levada a efeito em sua plenitude. Essa realidade ainda distante em muitos lugares no mundo, requerendo um novo perfil de cidado trabalhador, mais verstil, assim como o dever do Estado em dar condies aos menos favorecidos para o irrestrito acesso ao privilgio da informao, a qual, ainda que disponvel em demasia pela rede, no substituir a produo de bens e servios, havendo, na verdade, como afirma Jena Lojkine30, uma nova interpenetrao entre informao e produo. Depreende-se dessa sua sugesto que o homem desprovido de informao um homem de limitada produo.

2. Crise da soberania do Estado diante da sociedade virtual

Das inmeras concepes que so atribudas ao vocbulo Estado, interessanos, aqui, o Estado como sendo a entidade representativa da prpria sociedade poltica, formada por uma ordem jurdica soberana, representada pela aplicao eficaz do Direito Positivo num dado territrio, isto , num espao fsico muito bem delimitado.

O fenmeno da globalizao, por sua vez, tem acarretado uma relativizao da soberania dos Estados, na medida em que torna as fronteiras cada vez menos relevantes com o fomento da comunicao entre sociedades de pases distintos e facilita a internacionalizao de transaes, como a venda de mercadorias, prestaes de servios e o fluxo de capitais em geral. Um bom exemplo, e at antigo

30

LOJKINE, Jena. A revoluo Informacional. So Paulo: Ed. Cortez, 1995, p. 15.

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a essa altura, o fato de um brasileiro poder ser scio de uma Sociedade Annima japonesa, sem nem sequer ter ido ao Japo, bastando que adquira suas aes em bolsa, mediante sistemas eletrnicos denominados Home Brokers31.

E essa versatilidade de relaes internacionais, sobretudo na rede mundial, acarreta, como aponta Manuel Castells32, uma crescente perda de identidade nacional e a consequente fragilidade gradual do poder Estatal, sendo que o domnio generalizado da informao em ambiente ciberntico, conhecido como

informacionalismo, tem concebido a criao de verdadeiras comunidades virtuais com identidade prpria33 que seguem seus preceitos de ordem e moral, como tambm elucida Pierre Lvy:Uma comunidade virtual construda sobre as afinidades de interesses, de conhecimentos, sobre projetos mtuos, em um processo de cooperao ou de troca, tudo isso independentemente das proximidades geogrficas e das filiaes institucionais. (...) Mesmo se afluncia de recm-chegados por vezes dilui, os participantes das comunidades virtuais desenvolveram uma forte moral social, um conjunto de leis consuetudinrias no escritas que regem suas relaes. Essa netiqueta diz respeito, antes de mais nada, pertinncia das informaes. No se deve enviar uma mensagem a respeito de determinado assunto em uma conferncia eletrnica que trata de outro assunto. (...) Assim, como eu havia sugerido acima, longe de encorajar a irresponsabilidade ligada ao anonimato, as comunidades virtuais exploram novas formas de opinio pblica. Sabemos que o destino da opinio pblica encontra-se intimamente ligado ao da democracia moderna. 34 (g.n.)

Embora essas comunidades no se confundam com a formao de uma sociedade poltica, como elucida Elidie Palma Bifano35, fato que representam31

Trata-se de sistema utilizado para conectar, via internet, usurios investidores ao prego eletrnico no mercado de capitais, permitindo, com isso, o envio de ordens de compra e venda de aes de empresas s corretoras de valores. Ilene Patrcia Noronha aponta que se trata de Sites de Corretoras de Ttulos e Valores Mobilirios que tambm mantm sites com sistemas de aplicao pela Internet. Mais adiante a autora lembra que De forma muito assemelhada aos servios de Home Banking, oferecidos pela rede bancria, os Home Brokers das Corretoras de Valores esto interligados aos sistemas da Bovespa e permitem que o investidor envie, automaticamente, atravs da Internet, ordens de compra e venda de aes. NORONHA, Ilene Patrcia. Aspectos Jurdicos da Negociao de Valores Mobilirios via Internet. In DE LUCCA, Newton; SIMO FILHO, Adalberto. Direito e Internet: Aspectos Jurdicos Relevantes. So Paulo: Quartier Latin, 2 edio, 2005, pp. 209211. 32 CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade: A era da informao: economia, sociedade e cultura, Vol. 2, 2 edio. So Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 287. 33 Ibid., p. 38. 34 LVY, Pierre. Cibercultura. So Paulo: Editora 34, 2000, pp. 127-129. 35 A autora esclarece, com muita propriedade, que a primeira grande distino entre nao e Estado reside no fato de a primeira ser uma comunidade e no uma sociedade poltica; a grande diferena

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uma espcie de nao, que congrega pessoas, ou grupos de pessoas, que tenham afinidade de pensamentos e interesses comuns, cujo nmero crescente tambm acarreta a fragilizao do poder estatal.

A internet, pois, como um grande portal para o transnacional espao ciberntico, facultando a troca de informaes em escala ilimitada, cuidar, por si s, de estabelecer uma crise na soberania dos Estados, pois torna relativa a prpria noo de territrio, alcanando duas concepes: as presenciais e as virtuais, sendo estas ltimas as que no contam com absolutamente nenhuma delimitao de espao geogrfico.

Por caracterizar-se como um ambiente marginal a qualquer territrio fsico o espao ciberntico encontra-se alheio ao absolutismo da influncia estatal sobre as relaes interpessoais, criando, por conseguinte, um novo paradigma na conexo entre sociedades e entre sociedades e Estados, cabendo a estes, conjuntamente, avaliar como aplicaro seus poderes polticos na rbita virtual.

Ao tratar sobre o tema, Lucia Santaella36 tambm reconhece que o ambiente virtual das redes alastrou-se exponencialmente por todo o planeta fazendo emergir um universo paralelo ao universo fsico no qual nosso corpo se move. Com propriedade, a autora faz meno ao magistrio de Dominique Nora, segundo o qual a internet converteu-se em um conglomerado de infraestruturas dedicadas a redes privadas de empresas, de centros de informao de todo tipo e um sem-fim de grupos de discusso, sem perder de vista, ainda, que, como o meio ciberntico um universo descentralizado, sem governante prprio, que desconhece censuras, ou qualquer regra comumente aplicvel a seus partcipes, apenas uma netiqueta, por estes praticada habitualmente.

entre comunidade e sociedade o fato de a primeira ser natural e, portanto, no ser produto da vontade do homem, enquanto a sociedade se forma por ato de vontade de seus partcipes, independentemente de terem eles ou no afinidades de qualquer tipo, o que essencial comunidade. BIFANO, Elidie Palma. O Negcio Eletrnico e o Sistema Tributrio Brasileiro. So Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 71. 36 SANTELLA, Lucia. Navegar no Ciberespao. So Paulo: Editora Paulus, pp. 39-40.

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Essa liberdade ao acesso s informaes na maior parte dos Estados, em contrapartida censura e ao poder poltico centralizador de alguns outros, assim como as diferentes polticas scioeconmicas aplicveis no territrio de cada qual, implica necessria criao de disciplina sobre direitos fundamentais comuns e sobre os atos a serem praticados no espao ciberntico, a fim de que possa ser mantida a ordem social local e a convivncia pacfica entre suas sociedades, sem prejuzo, inclusive, do livre comrcio internacional pela rede mundial.

De fato, o multiculturalismo proporcionado no aludido ambiente virtual pela troca de informaes sobre negcios, produtos, servios, dignidade, liberdade, honra, segurana, moral, vida, etc. apresenta-se como um agravante no processo de acelerao da edio de normas regulamentares nesse sentido, constituindo verdadeira ameaa aos regimes totalitrios, dada a natural induo que a cultura absorvida em ambiente ciberntico leva ao regime democrtico de direito, posto que proporciona a qualquer indivduo uma revolucionria e sem igual liberdade de expresso e de comrcio internacional, com a facilidade de trnsito virtual sem fronteiras.

Destaque-se que a liberdade de pensamento que deve ser assegurada como um direito fundamental, no podendo ser mitigada tambm na internet, que, convenhamos, hoje a fonte mais frtil de propagao de pensamentos e a fonte mais eficaz de comunicao pblica, o que deve ser preservado, sob pena de se mitigar a prpria liberdade de expresso.

Eis, aqui, uma rdua tarefa dos Estados, que a manuteno da inviolabilidade de tal direito, assim como o direito ao comrcio sem fronteiras, com o desafio de impedir que os mesmos sejam subvertidos, a ponto de abalar a ordem jurdica, o regime poltico de sua civilizao e o respectivo bem-estar social. Da a razo pela qual de todo conveniente que tal prerrogativa caminhe harmonicamente com outras capazes de equilibr-lo, como a proibio do anonimato, a inviolabilidade honra e vida privada, proteo imagem, que tambm devem ser amplas e abranger qualquer espcie de comunicao, mesmo as provenientes do espao ciberntico, sendo que seu desrespeito implica danos materiais e morais ao divulgador.

35

Como afirma Ricardo Luis Lorenzetti37 no se trata de auspiciar intervenes que causem distores, mas sim de intervenes de tipo institucional que tendam a resguardar a privacidade, o consumo, a moral, o tratamento igualitrio e no discriminatrio. Ao tratar especialmente das disciplinas acerca da mercancia proporcionada pela internet, o autor ainda assevera que O mercado uma criao normativa e no pode existir sem uma regulamentao que defina os pressupostos de seu funcionamento: a propriedade, os contratos, a competio, o consumo, o ambiente, a propriedade.

Assim, para que os mecanismos de controle e poder locais no se apresentem enfraquecidos, cada vez mais necessrio que os Estados criem, conjuntamente, ferramentas normativas atualizadas que tutelem, em ambiente virtual, no s o livre comrcio internacional, mas os bens primordiais da vida e permitam, com eficcia, um controle social adaptado consolidao universal da dignidade humana38, cada vez mais acentuada pelo novo paradigma informacional globalizado, ainda mais presente em nossas vidas com o mecanismo da rede mundial de computadores, pois, como dito por Ricardo Hermany:nesse ponto que reside a principal inquietao acerca do contexto socioeconmico, haja vista os obstculos impostos sociedade para estabelecer mecanismos eficazes de controle social dos mercados que, apesar de atuarem em esferas locais, regionais, esto articulados numa estrutura global. Dessa forma, verifica-se a dificuldade dos governos e demais organismos estatais que se presumem legitimados democraticamente, de estabelecerem polticas pblicas efetivas para a concretizao do princpio constitucional da dignidade da pessoa humana.39

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LORENZETTI, Ricardo Luis. Informtica, Cyberlaw, E-Commerce. In DE LUCCA, Newton; SIMO FILHO, Adalberto. Direito e Internet: Aspectos Jurdicos Relevantes. So Paulo: Quartier Latin, 2 edio, 2005, p. 469. 38 Nesse sentido tambm cabe a ponderao do editorial do jornal Gazeta Mercantil: Essa nova era traz aspectos que influenciam na organizao social, na democracia, na tecnologia, na privacidade, na liberdade e at mesmo nos conceitos jurdicos, uma vez que a norma refere-se ao lugar e tempo e estes so alterados na era digital, pode at domolir as bases jurdicas. Por isso mesmo necessrio perceber a importncia e influncia que esta traz para a vida de todos para regulament-la o quanto antes, evitando, desta forma, que esta nova era que pode trazer muitos benefcios no prejudique, ou no acabe com tudo aquilo que por anos tentou se estabelecer por meio de normas a ordem social. Editorial. Regulao do Comrcio Eletrnico. Gazeta Mercantil, So Paulo: Caderno Legal & Jurisprudncia, 30 de maro de 2005, p. 1. 39 HERMANY, Ricardo. (Re)Discutindo o espao local uma abordagem a partir do direito social de Gurvitch. Santa Cruz do Sul: Editora EDUNISC: IPR: 2007, p. 266.

36

Assim, embora o mbito local ainda seja a melhor forma de se depreender as necessidades sociais, com o novo paradigma informacional, em vultoso crescimento no meio ciberntico, torna-se fundamental que as estruturas normativas dos Estados sejam socialmente elaboradas e compreendidas em sentido mais amplo, indo alm dos estales locais, num nexo entre representao e participao, envolvendo o conjunto de atores de uma sociedade civil mais crtica, posto que imersa numa cultura ciberntica.

Tal assertiva facilmente identificvel em nosso cotidiano, bastando observar as diversas novas formas de comrcio virtual e as conclamaes de cidadania e direitos humanos que recebemos via correio eletrnico, e-mail, de toda parte do mundo, sobre venda de produtos que acabam de ser lanados, manifestaes de paz, democracia, reforma agrria, combate fome, s doenas, etc. O prprio Greenpeace consegue atrair um considervel nmero de adeptos s sua filosofia pelo seu web site e suas mensagens eletrnicas que propagam seus ideais.

Nesse sentido, bom lembrar que, em mbito internacional, a Declarao Universal dos Direitos do Homem, assinada em Paris, em 1948, j apregoava que a mais alta aspirao do homem comum o advento de um mundo em que as pessoas fruam de liberdade de palavra, de crena e de liberdade de viverem a salvo do temor e das necessidades bsicas para uma vida digna, a todos os membros da famlia, assegurando-se, por conseguinte, a liberdade, a igualdade de justia e a paz no mundo.

Prosseguindo, Hermany ainda salienta que:de fato, o paradigma informacional tambm pode ser instrumento para o exerccio do controle social, conforme destaca Snchez, ao se referir possibilidade de utilizao de correio eletrnico como forma de pressionar instituies, sem substituir, enfatiza, os meios presenciais de presso: La participacin ciudadana en la red que se produce al margen de las instituciones, y como mecanismo de activismo, es mayor y mucho ms heterognea. El instrumento principal utilizado es el correo eletrnico. En muchas ocasiones, el correo sirve para presionar a determinadas instituciones y organismos mediante envios masivos de e-mail. En otras ocasiones, el correo es utilizado para informar y distribuir documentaciones y puntos de vista que por los medios convencionales es muy difcil transmitir y a unos costes infinitamente

37 ms elevados. Para concluir; podemos afirmar que la plena utilizacin de la red para la actividad poltica no tiene que sugerir ni pretender uma substitucin de los mecanismos presenciales que hoy ya exiten. En cualquier caso, la actividad poltica em Internet requerir um tiempo 40 razoablemente largo de consolidacin. (g.n.)

Cumpre aos Estados, pois, a adaptao de suas polticas governamentais ao novo paradigma tecnolgicoinformacional, expandido internacionalmente em

ambiente ciberntico, o qual abrange invariavelmente todas as formas de comrcio, assim como os direitos humanos fundamentais, objetivando assegurar a ordem local, sua soberania, mas sempre num processo irreversvel de universalizao da mercantilidade virtual e da dignidade humana.

3. Rediscutindo o espao territorial e jurisdio em face do espao ciberntico

J vimos que o espao ciberntico no possui qualquer espcie de fronteira. Caracteriza-se, portanto, como um ambiente desterritorializado, capaz de

estabelecer as mais variadas relaes jurdicas entre pessoas pblicas e privadas, entre sociedades e entre sociedades e Estados.

Uma vez adentrado nesse metaterritrio, o usurio da rede mundial pode, ressalvadas as restries de cada qual, acessar uma infinidade de web sites, de pessoas naturais ou de instituies pblicas e privadas, localizados em qualquer parte do planeta e, com eles, estabelecer no s simples comunicaes, mas vnculos e negcios jurdicos inclusive de cunho internacional.

O que merece ateno, aqui, a forma de soluo dos conflitos de interesse que possam surgir entre essas avenas, ocorridas num local intangvel, mas que produz efeitos to reais quanto eficazes, entre pessoas localizadas no plano material, em diferentes territrios soberanos e jurisdies simultaneamente.

Conscientizemo-nos, pois, de que, embora o nascimento dessas relaes ocorra virtualmente, suas consequncias so tambm percebidas no plano terreno,40

HERMANY, Ricardo. (Re)Discutindo o espao local uma abordagem a partir do direito social de Gurvitch. Santa Cruz do Sul: Editora EDUNISC: IPR: 2007, p. 323, nota de rodap n. 332.

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porquanto irradiam efeitos onde se encontram as partes que delas participam, as quais podem estar localizadas em Estados distintos, que possuem diferentes polticas scioeconmicas e mtodos de soluo de conflitos diametralmente opostos.

Como cedio, a imposio de ordem e soberania num dado Estado de Direito est intrinsecamente vinculada delimitao de um correspondente espao territorial onde possa produzir seus efeitos, sob pena de invadir jurisdio alheia.

Assim, a carncia de territrio determinvel no plano ciberntico provoca uma reflexo sem precedentes quanto aplicao dessa premissa de Direito Internacional, conduzindo-nos necessidade de instituio de regras por uma jurisdio supraestatal que atenda aos anseios legislativos, executivos e judiciais, objetivando evitar, ou solucionar, as controvrsias envolvendo as avenas firmadas nesse metaterritrio, cujo objetivo, segundo Ligia Maura Costa41, com quem concordamos, deve levar em conta: 1. a determinao da jurisdio competente para decidir litgios cibernticos; 2. 3. a escolha do direito a ser aplicado a tais litgios; e a forma de reconhecimento e cumprimento de decises judiciais

proferidas por outros Estados soberanos.

Como lembrado por rica L. Lima Ferreira42, essa alternativa tambm defendida pelo professor Henry H. Perritt Jnior da Villanova Law School, da Pensilvnia, que, ao elaborar tese sobre a Jurisdio do Ciberespao, aponta trs propostas: a arbitragem, a elaborao de leis especficas para o espao ciberntico, ou a instituio de cortes internacionais. A autora ainda assevera algo que, a nosso ver, para a instaurao da ordem sobre as relaes cibernticas, parece de

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COSTA, Ligia Maura. Direito Internacional Eletrnico: Manual das Transaes Eletrnicas. So Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 30. 42 FERREIRA, rica Loureno de Lima. Internet. Macrocriminalidade e Jurisdio Internacional. Curitiba: Juru, 2008 p. 160.

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inevitvel reconhecimento por parte dos Estados de Direito, ainda que tardiamente, ou seja, a nomeao de:juzes universais (ou juzes sem fronteiras), bastando apenas um pouco de flexibilidade para ser possvel esta transformao; isto permitiria o conhecimento de controvrsias no ciberespao, de matria civil e penal (privado e pblico), com carter transnacional e a produo de uma nica deciso aplicvel e executvel em um ou vrios territrios pluriestatais..

Lembremos de que, em geral, os contratos de consumo eletrnico, internacionais ou no, so formados por clusulas de adeso por parte do consumidor, inclusive com prvia eleio de foro, caracterizando-se o patente abuso por parte do fornecedor, que dificulta, ou at simplesmente inviabiliza, o livre acesso do consumidor justia, aniquilando seus direitos advindos da relao mercantil.

A questo da legislao aplicvel tambm foi levantada por Ricardo Luis Lorenzetti43, que inventariou as sugestes possveis da seguinte forma:O problema da legislao aplicvel relevante na contratao internacional, muito freqente no comrcio eletrnico e motivou as seguintes propostas: a) Aplicar convnios internacionais; b) Aplicar a legislao do vendedor; c) Aplicar a legislao do comprador; d) Criar normas especficas para a Internet.

Prosseguindo, aps apontar as referidas vertentes, o autor finaliza com afirmao da qual no podemos concordar, porquanto deixa o consumidor, pertencente a qualquer jurisdio, em evidente vulnerabilidade na relao mercantil firmada eletronicamente com proponente de jurisdio diversa: A concluso evidente, vista do fato de no existir uma legislao uniforme para todos os pases conectados a Internet, consiste em estabelecer uma clusula especfica de sujeio legislao do Estado em que est radicado aquele que fez a oferta.

Nesse contexto, pensamos que, no exemplo de uma aquisio, no Brasil, de um bem em web site cujo empresrio titular se situa no exterior, no se pode aplicar isoladamente a norma do artigo 9, 2 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil (LICC),43

LORENZETTI, Ricardo Luis. Informtica, Cyberlaw, E-Commerce. In DE LUCCA, Newton; SIMO FILHO, Adalberto. Direito e Internet: Aspectos Jurdicos Relevantes. So Paulo: Quartier Latin, 2 edio, 2005, p. 481.

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sob pena de se chegar apressada concluso de que, neste caso, aplica-se a lei do pas estrangeiro, local onde se situa o proponente. Nesse ponto, tambm discordamos de Fbio Ulhoa Coelho44, para quem O Cdigo de Defesa do Consumidor no se aplica a essa relao de consumo, porque a lei de regncia das obrigaes resultantes de contrato, segundo o direito positivo nacional, a do domiclio do proponente (LICC, art. 9, 2).

A nosso ver, antes da LICC, ou do CDC, a melhor premissa deve ser estabelecida a partir da Constituio Federal, tal como fez Paulo Henrique dos Santos Lucon45 para fundamentar sua posio, com a qual compartilhamos. De fato, o artigo 5, XXXII, da CF, estabelece que o Estado prover, na forma da lei, a defesa do consumidor. Tal dispositivo eleva o consumidor categoria de titulares de direitos constitucionais fundamentais, sendo que o artigo 170, V, confere defesa do consumidor a condio de princpio da ordem econmica. Com efeito, assevera o autor, que se as regras de proteo e defesa das relaes de consumo so de ordem pblica e tm carter indisponvel, as ofertas de produtos e servios feitas por fornecedor situado no exterior so disciplinadas pelo Cdigo de Defesa do Consumidor.46

A questo reside na validade e eficcia extraterritorial da lei brasileira. Deveras, se o assunto j era polmico, com o advento do comrcio eletrnico, tornou-se ainda mais, sendo de grande valia as reflexes e sugestes de Ligia Maura Costa e rica L. Lima Ferreira, acima referidas. E, a propsito dessa inovao, Lucon47 bem lembra as crticas de Uta Kohl sobre a estrutura para

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COELHO, Fbio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 3, 10 edio. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 42. LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Competncia no Comrcio e no Ato Ilcito Eletrnico. In DE LUCCA, Newton; SIMO FILHO, Adalberto. Direito e Internet: Aspectos Jurdicos Relevantes. So Paulo: Quartier Latin, 2 edio, 2005, p. 392. 46 Aps fixar essa premissa, prossegue Lucon, concluindo que os arts. 47, 51, IV e 101, I, do Cdigo de Defesa do Consumidor autorizam que a demanda seja proposta no domiclio do consumidor. O art. 47 dispe que as clusulas contratuais sero interpretadas de maneira mais favorvel ao consumidor. O art. 51, IV, considera nulas de pleno direito, as clusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e servios que estabeleam obrigaes consideradas inquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatveis com a boa-f ou a eqidade. Alm disso, o art. 101, I, estabelece que na ao de responsabilidade civil o fornecedor de produtos e servios, a ao pode ser proposta no domiclio do autor. Ibid., p. 397.47

LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Competncia no Comrcio e no Ato Ilcito Eletrnico. In DE LUCCA, Newton; SIMO FILHO, Adalberto. Direito e Internet: Aspectos Jurdicos Relevantes. So Paulo: Quartier Latin, 2 edio, 2005, p. 392.

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fixao de jurisdio competente, quando estamos diante de negcios emanados da internet. E resume assim sua posio:Para o autor, os conflitos de lei, se no esto mortos, esto em seu leito de morte. A internacionalizao do relacionamento via rede mundial teria alterado os parmetros de tal forma que a regulao dessa jurisdio seria pobre para definir a competncia de forma adequada. O mencionado autor critica ainda a territorialidade como critrio de fixao de jurisdio. Identifica casos na jurisprudncia internacional nos quais so utilizados os critrios de relevncia, interatividade natural do site (para contendas envolvendo pginas na internet), eficincia do comando, equilbrio comparativo de interesses e de interesse pblico. Porm, reivindicando flexibilizao nas regras de fixao de competncia, o autor no consegue definir critrios que atribuam segurana matria de jurisdio, cuja instabilidade fonte no-desejada de desentendimentos entre Estados (conflitos positivos de jurisdio). Talvez da decorra seu desapontamento, pela ausncia de soluo mgica. De fato, mgica no h. Mas os critrios legais podem e devem ser utilizados, conforme est exposto no presente texto. (g.n.)

A rigor, tambm no podemos olvidar que o prprio endereo eletrnico do estabelecimento empresarial virtual tambm considerado como o seu domiclio virtual, tambm podendo o mesmo servir como forma de notificao eletrnica, como, alis, j reconhecido por parte do Fisco Brasileiro, que tem por hbito lavrar autuaes eletrnicas de cunho tributrio, encaminhadas simplesmente por e-mail aos contribuintes, o que bem demonstra o reconhecimento, por parte do prprio Poder Pblico, da eficcia desse instrumento de comunicao virtual.

Nesse sentido, bom lembrar que o Poder Judicirio j avanou com o emprego da internet em sua rotina, sendo que a Lei n 11.419/06, em seu artigo 10, faculta expressamente a distribuio da petio inicial e a juntada da contestao, dos recursos e das peties em geral, todos em formato digital, nos autos de processo eletrnico, fornecendo-se recibo eletrnico de protocolo.

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Captulo III A linguagem e o espao ciberntico

1. Linguagem, conhecimento, cincia do direito e seu objeto

Como apontado por Elidie Palma Bifano48, a Internet , por excelncia, uma rede de informao e, portanto, de comunicao, levando muitos autores mais modernos a conclurem que a humanidade est ingressando na Era da Informao. A comunicao, propagada pelas mais variadas formas de mdia, tem a linguagem como origem que influencia diretamente o conhecimento e as condutas humanas. No meio ciberntico, as mdias so naturalmente multiplicadas, aumentam-se as interaes lingusticas de ordem cultural, social e econmica.

Assim, importa compreendermos a capital importncia da linguagem nas relaes surgidas a partir do ambiente ciberntico, sua relao com o conhecimento e com o saber cientfico, mais propriamente a cincia do direito. o que veremos.

Na clssica proposio 5.6, de seu Tractatus Logico-philosophicus Ludwing Wittgenstein afirma com maestria que: Os limites de meu mundo significam os limites de minha linguagem. 49

A principal reflexo que deve ser feita sobre esta proposio a de que, sendo a linguagem o meio pelo qual se exercita e exterioriza o pensamento, o qual, uma vez produzido, reflete diretamente no conhecimento, temos que a magnitude deste fica diretamente ligada ao exerccio da busca pela linguagem. Assim que todo indivduo que tem mais acesso linguagem, devido ao seu maior espectro de conhecimento, possui maiores condies de desenvolver uma dada tarefa, seja ela qual for (escolar, laboral, esportiva, artstica, etc.).

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BIFFANO, Elidie Palma. O Negcio Eletrnico e o Sistema Tributrio Brasileiro. So Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 89. 49 Citado por Paulo de Barros Carvalho, em sua obra Direito Tributrio, Linguagem e Mtodo. So Paulo: Noeses, 2008, p. 33.

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Isso porque, o grau de conhecimento do homem fica atrelado aos signos a que ele tem acesso. Os silvcolas possuem seu horizonte de conhecimento limitado aos signos que possuem acesso, por essa razo que muitas doenas so por eles curadas sem o uso de drogas, mas to somente com ervas medicinais cuja linguagem tradicionalmente assimilada de seus antepassados. Logo, podemos depreender que tambm por meio da linguagem que produzimos pensamento, o qual, por seu turno, capaz de construir o conhecimento. Este, portanto, se consubstancia na elaborao de um conceito subjetivo formado pelo pensamento produzido a partir do acesso a uma determinada linguagem.

Pois bem. Sucintamente, temos a cincia como a unio de conhecimentos fticos, organizados sistematicamente, que viabilizam a enunciao de dogmas a serem seguidos pela sociedade. Numa reflexo em torno da relao entre linguagem e cincia do direito, especificamente, interessa-nos algumas indagaes postas por Maria Helena Diniz50, a saber: Poderia existir cincia do direito sem linguagem? Podero esvoaar sozinhos os pensamentos dos juristas, sem as asas sensveis das imagens das palavras? No a linguagem que torna possvel a comunicao do pensamento?"

Diniz ainda adverte que a cincia jurdica encontra na linguagem sua possibilidade de existir, dentre outras razes, por que: no pode produzir seu objeto numa dimenso exterior linguagem; onde no h rigor lingustico no h cincia; se a linguagem legal for incompleta, deve o jurista indicar meios para complet-la, mediante o estudo dos mecanismos de integrao.

Percebe-se que, por meio do estudo da linguagem, observamos que a cincia do direito a abstrao descritiva ordenada das prescries normativas emanadas50

DINIZ, Maria Helena. Compndio de introduo cincia do direito. So Paulo: Saraiva, 2000, p. 169.

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do direito posto, assim considerado o conjunto de comandos dorsalmente integrados numa dada rbita jurdica.

Assim que a cincia do direito a traduo em linguagem ordenada de todo o horizonte de comandos positivados proporcionando-lhes uma integrao lgica, ainda que, isoladamente, possam ser antagnicos, lacunosos, ambguos, ou apresentar contradies entre si. E, nesse contexto, temos que o objeto da cincia do direito a anlise descritiva de proposies emanadas pelo direito posto, formada por uma linguagem prescritiva, que declara seu contedo normativo interrelacionado por articulaes lgicas coordenadas numa nica dimenso jurdica, representada por todo o sistema jurdico vigente, num dado momento histrico, dada a caracterstica provisria que sempre acompanha qualquer cincia.

De fato, o conhecimento cientfico em geral, assim como o aquele sobre a cincia do direito, no absolutamente imutvel. Ao revs, pode sofrer srias alteraes por meio de novas descobertas que contrariem um dogma at ento assumido pela sociedade. Isso justamente o que tem ocorrido com a mudana no paradigma da realidade versus virtualidade, dado que, como vimos, imperioso admitir que virtual no necessariamente o mesmo que irreal, como possvel observar nas experincias das proposies observadas em hipermdia ocorridas no espao ciberntico em proporo cada vez maior e mais presente na vida cotidiana.

2. Linguagem hipermiditica

Como o prprio nome sugere, a hipermdia consiste num agrupamento muito poderoso de informaes objeto de intercmbio no espao ciberntico, formando uma linguagem hipermiditica.

Essa linguagem, tpica desse ambiente virtual, congrega infinitas informaes simultneas em variados formatos, como textos, imagens fixas e animadas, vdeos, sons, etc. mesclados em um todo complexo, como exemplificados por Lucia Santaella, para quem hipermdia significa, sobretudo, enorme concentrao de

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informao, podendo consistir de centenas e mesmo milhares de ns, com uma densa rede de nexos51, que completa aludindo Tony Feldman, que conceitua hipermdia como a integrao sem suturas de dados, textos, imagens de todas as espcies e sons dentro de um nico ambiente de informao digital52.

3. Signos, lngua e linguagem no espao ciberntico

Para fins desse estudo, em especial no tocante aos efeitos em ambiente virtual, emprestemos a classificao dada por Charles S. Peirce, lembrado por Paulo de Barros Carvalho53, sobre o signo, em trs espcies: ndice, cone e smbolo. O primeiro o que mantm conexo fsica com o objeto que indica. So os ndices as espcies de smbolo que carregam consigo o prprio significado da mensagem.

J o cone, procura transmitir a mensagem que est por trs do objeto que formado, oferecendo traos de semelhana ou refletindo os atributos que esto no objeto significado, como a fotografia, ou a escultura.

O smbolo, ao revs, no guarda nenhuma relao com o objeto a que ele significa, mas tem um contedo motivado pela crena de um dado idioma. Como um vocbulo qualquer que, por si s, nada significa. Por exemplo, se expressarmos numa padaria em So Paulo: Por favor, uma mdia., o balconista nos servir uma xcara de caf com leite; se usarmos essa mesma frase em Santos, o balconista nos dar um po.

Considerando o signo como o ponto de partida para qualquer relao comunicacional, Barros Carvalho54 tambm apresenta o pensamento de Edmund Husserl, que define o signo como um ente que tem o status lgico de relao entre um suporte fsico, que o formato do cdigo (seja pelas vias vocais, escritas,51 52

SANTELLA, Lucia. Navegar no Ciberespao. So Paulo: Paulus, pp. 48-50. Discordamos de Feldman apenas no que diz respeito informao digital, pois, no espao ciberntico, a linguagem hipermiditica tambm pode contemplar informaes de cunho analgico. 53 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributrio, Linguagem e Mtodo. So Paulo: Noeses, 2008, p. 35. 54 Ibid, p. 34.

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gestos, etc.), um significado, que a meno a que o cdigo est relacionado e uma significao, que o juzo intrassubjetivo que cada indivduo faz ao assimilar o significado do signo na circunstncia que ele o recepciona.

Para fins didticos, apresentamos trs exerccios dessa correlao, adotando os signos empregados no espao ciberntico, ilustrados no Anexo ao presente trabalho.

J a lngua o universo sistematizado de signos, ou cdigos idiomticos, consubstanciado como uma ferramenta institucionalizada necessria para que possamos nos comunicar, tal como quaisquer outros sistemas que possibilitam a transmisso de uma mensagem, como a pintura, a msica, as cores, um aperto de mos, as vestes, etc.

a lngua, pois, a linguagem sem o exerccio da fala, porquanto estacionada, inerte, resume-se a um cdigo utilizvel, que d a significao para algo. Significao essa abstrada pela prtica reiterada da fala individual de pessoas pertencentes a uma comunidade, levando a efeito a linguagem, que a expresso comum do conjunto de significados dos signos que formam uma dada compreenso.

A fala, ento, a expresso individual de cada indivduo de uma mensagem formada pela lngua a que tem acesso. J a linguagem o exerccio dessa fala numa dada comunidade, que pode exteriorizar uma lngua de formas diferentes. a expresso comum do conjunto de significados dos signos que formam uma dada compreenso. Por isso pode haver vrias linguagens em decorrncia de uma s lngua, seja pelo modo de se comunicar (com grito ou sussurro; com rapidez ou lentido), pelo uso inadequado da lngua (com gria ou abreviaes, muito comuns em ambiente virtual) etc.

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4. As dimenses da linguagem (sinttica, semntica e pragmtica) e o rigor do neopositivismo lgico aplicvel s relaes jurdicas virtuais

Paulo de Barros Carvalho55 aponta, com propriedade, que os recursos semiticos permitiram aos americanos Charles Peirce e Charles Morris sustentarem que os recursos semiticos dividem a linguagem em trs dimenses, quais sejam: sinttica, semntica e pragmtica.

Sinttica a dimenso que promove a compreenso do intercmbio entre os signos, com vistas a dar sentido ao enunciado. Por meio da sintaxe estudamos os signos com independncia de significado, enquanto que na semntica estudamos os signos em suas relaes com os objetos que representam. Na sintaxe repousa o conglomerado de signos primitivos, o conjunto de regras de formao e o conjunto de regr