Estado e Sustentabilidade da Política Fiscal do Superávit Primário
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ESTADO E SUSTENTABILIDADE DA POLTICA FISCAL DO SUPERVIT
PRIMRIO
(Verso Preliminar favor no citar)
Geraldo Biasoto Junior1
1. INTRODUO
Desde o rompimento da ncora do cmbio fixo, em finais de 1998, a poltica fiscal tem
sido o principal fiador da poltica econmica, o que se materializa no cumprimento, com
folga, das metas firmadas para o supervit primrio. De fato, os recorrentes fracassos no
cumprimento das metas inflacionrias e a crnica vulnerabilidade externa tem colocado
toda a responsabilidade sobre a relativa estabilidade econmica na manuteno de
elevadas taxas de juros e na obteno de boas marcas fiscais.
O objetivo deste trabalho discutir as condies em que esta poltica fiscal realizada,
sua sustentabilidade num prazo mais longo e seus efeitos sobre o papel do Estado na
dinmica da economia brasileira. Para tanto, a primeira seo busca-se captar a dimenso
da retrao das atividades de diversas modalidades de instituies estatais e seu impacto
negativo sobre a demanda agregada e elementos estruturais da dinmica da economia
brasileira. A segunda seo procura analisar os elementos da poltica fiscal e dos
impactos cambiais e financeiros sobre as contas pblicas, no sentido de mostrar como as
contas reais do setor pblico so impotentes para gerir as dimenses do desequilbrio o
Estado tem que administrar numa economia como a brasileira. Por fim, realizado um
esforo de entendimento a respeito das razes da poltica macroeconmica em determinar
os parmetros da restrio fiscal e os limites postos ao do Estado. Neste ponto,
tentava-se um cotejamento, ainda muito preliminar, entre as motivaes tericas para tais
polticas e as razes do mercado, na defesa de seus interesses.
1 Professor do IE/UNICAMP, pesquisador do CECON/IE/UNCAMP e coordenador adjunto do NEPP/UNICAMP.
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2. ESTADO ACORRENTADO E A DINMICA DA ECONOMIA BRASILEIRA
2.1. As Alternativas para a Retomada
O debate econmico dos ltimos anos no tem dado um tratamento adequado avaliao
das relaes pblico-privadas dentro do processo de desenvolvimento e de uma eventual
retomada sustentada do crescimento. A marca deste debate tem sido a predominncia das
posies afiliadas ao Consenso de Washington que, em sntese, advogam que os
investimentos privados internos e externos produziro o crescimento a partir da
consistncia das polticas macroeconmicas, quais sejam, metas de inflao, reduo do
endividamento pblico e cmbio flutuante. Desta forma, o papel do Estado ficou limitado
promoo de polticas de equilbrio fiscal e criao de um ambiente econmico com
regras estveis.
crucial colocar em perspectiva um conjunto de elementos para um debate menos
ideolgico e mais calcado na realidade, de forma a possibilitar a discusso dos aspectos
que movem as estruturas produtivas na gerao do emprego e da renda, alm dos
obstculos que se colocam sustentabilidade destes movimentos. Nosso intento, nesta
seo, ser avaliar os elementos que esto presentes nas relaes entre a economia e a
interveno estatal de modo a identificar os elos existentes entre o Estado e a dinmica do
aparelho econmico.
A primeira questo relaciona-se ao motor propulsor de uma eventual recuperao. O
atual padro de consumo, calcado nas rendas mdias e mdia-altas e apoiado no crdito
aos bens durveis no parece ter flego para comandar um processo como esse, dado que
o vazamento dos efeitos dinmicos, na forma de importaes de bens e componentes
muito expressivo. A outra via seria necessria uma diversificao do consumo para
rendas inferiores. No entanto, a reduo real da massa salarial e do emprego no autoriza
que este elemento possa ser identificado como varivel dinmica.
A expanso das decises de investimento no meio empresarial privado, decorrente do
fortalecimento das expectativas na queda da taxa de juros a outra via de crescimento a
ser analisada. No entanto, a queda da taxa de juros, por si s, poderia ativar segmentos
especficos, mas teria pouca capacidade de empuxe na ausncia de efetiva alterao nas
expectativas de rentabilidade esperada. No crvel apontar o aumento das exportaes
como elemento que possa determinar este processo, notadamente pelo baixo coeficiente
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de abertura externa da economia brasileira, que muito prprio de economias de
dimenses continentais.
Ainda que as duas vias acima citadas pudessem produzir efeitos dinmicos conjugados,
no h como deixar de questionar a possibilidade de se disparar uma onda de
crescimento, reproduzindo o padro atual, quando h gargalos que se colocam ao prprio
funcionamento corrente da economia. De um lado, crescer pelas exportaes significa
presso sobre o escoamento da produo, especialmente agrcola, o que esbarra na
logstica de transporte rodovirio e na questo porturia. De outro, vale notar que nossa
situao externa bastante singular, embora o coeficiente de abertura da economia seja
baixo, implicando em reduzida capacidade de derivao de um ciclo expansivo pela via
das exportaes, o lado das importaes apresenta relaes de outra natureza. Como o
perfil de renda de forte diferenciao, o aumento do consumo afeta de maneira mais
poderosa setores com alta elasticidade de importaes, amplificando os impactos do
consumo interno sobre as importaes.
Estes pontos colocam duas faces necessrias do processo de retomada do crescimento: a
capacidade de gerar expectativas e condies favorveis s decises privadas de investir e
a necessidade de articulaes setoriais que envolvem mudanas estruturais na economia,
de forma a dar suporte ao incremento de infra-estrutura necessrio ao crescimento.
No primeiro caso, das decises privadas de investimento, a queda da taxa de juros
essencial mas no suficiente, dado que questes como a disponibilidade de crdito e a
identificao de novos campos para o investimento so essenciais. Ainda neste ponto,
vale notar que a reduo de margens de lucro do setor empresarial restringe a capacidade
das empresas recorrerem ao auto-financiamento, ampliando a importncia dos
mecanismos de crdito.2
No segundo caso, a mudana estrutural da economia pode acontecer por deciso
autnoma das empresas, mas a histria da economia brasileira demonstra que a
participao do estado na induo e na articulao dos investimentos decisiva, seja para
as aplicaes de investidores internacionais, seja para investimentos de capital nacional.
Evidentemente, no se trata de uma volta ao passado, mas da compreenso de que o
2 Em 1973, as 500 maiores empresas no-financeiras brasileiras tiveram um lucro equivalente a 4,4% do PIB, percentual que vem se reduzindo gradativa e consistentemente at atingir 0,37% do PIB em 2002. Ver: Carta IEDI, 9 de abril de 2004
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Estado pea essencial em toda dinmica capitalista, inclusive das economias maduras.
Esta presena do Estado apenas difere, em cada caso, a partir dos elementos concretos de
cada economia.
2.2. O Papel do Estado
A abertura externa e a presena num mercado mundial cada vez mais competitivo no
podem ser diretamente associadas necessidade de reduo do papel do Estado.
verdade que a participao do Estado como produtor direto j no necessria e
desejvel em diversos setores, mas isto no significa sua alienao do processo
econmico. Ao contrrio, a presena do Estado como articulador e regulador implica em
ganhos de qualidade em sua ao, cuja importncia ainda muito maior para a
estabilizao das expectativas e a criao das condies para o crescimento. A
experincia dos pases asiticos, especialmente os de maiores dimenses, o demonstra de
forma incontestvel.
Ao contrrio da realidade atual, nos anos setenta e incio dos oitenta, a insero estatal na
economia brasileira abrangia uma enorme gama de operaes fiscais, empresariais e
financeiras. No h dvidas de que, seja por meio do setor produtivo estatal (segmento
empresarial), seja pelas operaes de crdito e subsdio do sistema oficial de crdito,
injetava-se na economia grandes montantes de recursos. Ao lado deste componente direto
de expanso de demanda, a realidade brasileira dos tempos de crescimento era
acompanhada de claras indicaes governamentais sobre setores prioritrios para o
investimento, elementos confirmados por meio do apoio creditcio direto e ao consumo,
de incentivos fiscais, de barreiras alfandegrias e isenes de impostos. Vale dizer, que o
Estado brasileiro no abdicava da criao e gesto de poderosos mecanismos de
coordenao do processo econmico.
2.2.1. A primeira fase da desmontagem do poder de interveno estatal
O longo perodo de vinte anos que nos separa do incio das negociaes com o FMI foi
responsvel na substituio da concepo de que o papel jogado pelo Estado na
economia brasileira era crucial pela de que seu alcance deveria ser minimizado. A partir
de 1982, uma sucesso de medidas de poltica, inspiradas pela abordagem de ajuste do
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FMI, passou a enfatizar a necessidade absoluta de reduzir o dficit pblico, privatizar
empresas estatais, abandonar as polticas de direcionamento de crdito, reduzir incentivos
fiscais e cortar subsdios.
importante notar que a crise financeira que se abateu sobre o setor pblico, no incio
dos anos oitenta, tinha duas naturezas. A primeira era a prpria deteriorao financeira
das instituies criadas nas reformas dos anos sessenta, como o FGTS, as agncias de
apoio setorial e as formas de articulao entre as polticas de incentivo e os mercados. A
segunda era a necessidade do Estado participar financeiramente do processo de ajuste,
seja por meio do salvamento de empresas, seja segurando preos das empresas estatais,
ou mesmo assumindo a perda cambial que seria devida pelos agentes endividados em
moeda estrangeira.
A crise do Estado desenvolvimentista, responsvel por alavancar o crescimento, foi o
substrato essencial para a emergncia de uma poltica de liquidao de sua participao
no processo econmico. Nos anos oitenta, por este processo se deu por duas formas
principais.
A primeira delas foi a desmontagem do aparato creditcio cujo domnio pertencia s
autoridades econmicas, no Banco Central e no Banco do Brasil, que possibilitava a
oferta de crdito subsidiado para custeio e capital e a equalizao de preos para produtos
como trigo e petrleo, dando poltica econmica capacidade de administrao de
segmentos importantes da estrutura de preos. O fato mais marcante deste processo foi a
extino da conta movimento do Banco do Brasil no Banco Central, que foi realizada
aps a extino dos subsdios, do crdito subsidiado e das operaes de fomento direto
realizadas pelo Banco Central.
A segunda forma foi a centralizao das decises sobre o endividamento das empresas
estatais, dos estados e municpios e de suas empresas na rea econmica federal. Isto
implicou tetos para o refinanciamento dos saldos de dvida que, em regra, estiveram
congelados durante vrios anos. Em diversas oportunidades, os limites de
refinanciamento das amortizaes implicavam em reduo real dos estoques de dvida.
Vale notar que o prprio conceito de Necessidade de Financiamento do Setor Pblico
(no financeiro) tem como forma de medida do dficit pblico a comparao entre os
estoques de dvida em dois momentos no tempo.
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2.2.2. A segunda fase da desmontagem do poder interveno estatal
Uma segunda fase da desmontagem da capacidade do Estado exercer um papel dinmico
sobre a economia foi vivida nos anos noventa e teve como principal evento o processo de
privatizao que transferiu do setor produtivo estatal ao setor privado o comando sobre
setores com amplo potencial irradiador sobre a dinmica econmica.
Ao mesmo tempo, a poltica econmica promoveu alteraes no sistema de crdito e
financiamento ao setor pblico que produziram resultados muito mais efetivos que a
dcada anterior. De um lado, os bancos estaduais foram quase extintos, eliminando-se a
vlvula de escape que havia sido usada para expanso do endividamento, mesmo que
submetido ao contingenciamento quantitativo promovido pelo BC. De outro, foram
promovidas diversas consolidaes de dvida, sendo que a realizada em 1997, com os
governos estaduais, acabou por inserir uma clusula de gerao de supervits primrios
para as contas dos governos estaduais.
O segundo mandato do Governo FHC, especialmente premido pelas crises financeiras
internacionais, colocou este via de represso fiscal num patamar ainda mais elevado. O
Banco Central, por meio do controle quantitativo do crdito do setor bancrio ao setor
pblico utilizou-se de uma antiga forma de controle do gasto, que foi estendido quase
totalidade do setor pblico ao incorporar o financiamento s empresas de saneamento,
com forte impacto sobre as empresas estaduais e municipais.
2.3. Estado e Efeitos Dinmicos
As ponderaes acima colocadas sugerem que sem uma presena expressiva do Estado
ser difcil retomar uma trajetria consistente de crescimento. De um lado, porque o
fortalecimento das decises de investimento privado depende da recomposio da
capacidade de investimento do setor pblico, tanto para gerar demanda direta ao setor
empresarial, quanto para garantir condies de infra-estrutura atividade econmica,
notadamente energia e transporte. De outro, porque as condies de financiamento aos
setores demandantes de recursos dependem de equacionamento pelo Estado, num
contexto onde as empresas investidoras no dispem da acumulao interna de recursos
necessria para elevar a formao bruta de capital fixo do sistema.
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O perfil atual da poltica fiscal e da interveno estatal na dinmica econmica , no
entanto, diametralmente oposto. No campo real, o supervit primrio se encarrega de
contrair a demanda global. No campo financeiro, a restrio de crdito ao setor pblico e
a gesto da oferta de crdito oficial sob ticas privadas segue travando ma presena
dinmica do crdito pblico. Mais alm, o Estado usa o conjunto de seus instrumentos de
interveno na demanda efetiva e na criao de crdito no sentido contracionista,
enfraquecendo ainda mais a demanda corrente.
2.3.1. Contas do Setor Pblico
Uma avaliao das contas pblicas durante os ltimos anos pode mostrar que elas esto
exercendo um papel fortemente contracionista sobre a demanda agregada da economia. A
carga tributria bruta, que representa o conjunto de impostos, contribuies e outros
recursos mobilizados pelo setor pblico, cresceu de maneira extremamente expressiva
durante os ltimos anos. Ela saiu de cerca de 25% do PIB, durante os anos setenta para
mais que 30% ao final da dcada passada, chegando, em 2003, marca de 35,5% do PIB.
importante notar que uma carga tributria ser alta no representa, em si, elemento de
reduo de demanda. A carga tributria altera as rendas disponveis dos agentes
econmicos. Deste modo, alguns tm reduo em seu poder de comando sobre o
consumo e o investimento, enquanto outros vem aumentado seu poderio. Se a carga
tributria for mais alta sobre agentes com menor propenso a gastar e os gastos pblicos
forem dirigidos a setores com alta propenso ao gasto, os efeitos sero de fortalecimento
da demanda efetiva. Em verdade, no correto dizer que a carga seja uma extrao de
poder de compra ao setor privado. Ao contrrio, ela d uma medida da capacidade do
Estado alterar e redirecionar os fluxos de recursos, interferindo nas decises de produo
e consumo.
Tomando-se apenas o governo federal, a alterao das condies de determinao do
perfil do gasto foi uma das maiores mudanas na evoluo das contas pblicas. A Tabela
1 mostra como de 1993 a 2003 as despesas cresceram mais de 4,5% do PIB. No entanto,
a maior parte deste valor apresenta efeitos dinmicos relativamente baixos. A conta juros,
especialmente contracionista em movimentos de estagnao econmica, evoluiu 1,5% do
PIB, sendo responsvel pela tera parte da expanso dos gastos. As transferncias para
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estados e municpios, que acabaram sendo esterilizadas em decorrncia dos acordos de
rolagem de dvida que obrigaram estas administraes a obterem supervits primrios,
cresceram em 1,8% do PIB. Apenas os benefcios previdencirios, com elevao de 1,9%
do PIB, tiveram efeito expansionista.3
Tabela 1 DESPESAS DA UNIO 1993 a 2002 % do PIB
GRUPO DE DESPESA 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003Despesas Correntes 20,45 20,10 20,58 19,70 19,68 21,81 23,45 22,70 24,50 25,19 25,01
Pessoal e Encargos Sociais 4,89 5,23 5,86 5,25 5,11 5,24 5,30 5,29 5,46 5,57 5,14Juros e Encargos da Dvida 2,79 2,82 2,59 2,50 2,42 3,37 4,66 3,53 4,41 4,11 4,28Outras Despesas Correntes 12,77 12,05 12,12 11,95 12,15 13,19 13,49 13,89 14,64 15,51 15,59
Transferncias a Estados, DF e Municpios 3,41 3,44 3,35 3,30 3,44 4,10 4,30 4,68 4,99 5,47 5,22Benefcios Previdencirios 5,14 4,87 5,04 5,33 5,33 5,85 5,97 5,88 6,24 6,51 7,07Demais Despesas Correntes 4,21 3,74 3,73 3,32 3,37 3,23 3,22 3,33 3,40 3,54 3,29
Desp. Correntes excl. Juros e Transferncias 8,31 8,67 9,21 8,55 8,55 9,35 9,60 9,97 10,45 11,04 10,37Investimentos 1,39 1,10 0,73 0,74 0,87 0,91 0,71 0,92 1,22 0,75 0,42 Fonte: IBGE
A poltica fiscal de expanso das receitas e esterilizao de gastos no circuito financeiro
indica aos agentes econmicos que o Estado executa uma forte presso contracionista
sobre a economia, inibindo decises de produo corrente e de investimento. A
compresso este ltimo item da demanda ainda mais expressiva, denotando o
estreitamento da capacidade de comando sobre o gasto a que o Estado est submetido.
O Grfico 1 mostra as contas federais para o perodo de 1993 a 2003. Ao mesmo tempo
em que cresce a arrecadao federal de tributos, as despesas correntes seguem de longe
este avano da carga tributria enquanto os gastos com investimento despencam.
3 A idia de carter contracionista que os benefcios vo para as mos de pessoas com maior propenso a gastar que as que foram tributadas, dando origem ao recurso gasto.
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Grfico 1 RECEITA E DESPESA CORRENTE DA UNIO 1993 a 2002 % do PIB
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Des
p/ca
rga
% d
o PI
B
0,00,20,40,60,81,01,21,41,6
Inv
% d
o PI
B
Desp. Correntes (- Juros - Transf) Carga Tributria da UnioInvestimentos
Fonte: IBGE Este comportamento no se limitou ao governo federal, mas atingiu a toda a
administrao pblica. A elevao da carga tributria global deu-se ao mesmo tempo em
que o raio de manobra da poltica econmica para decidir sobre a mobilizao de recursos
foi se estreitando com maiores compromissos de curso obrigatrio. A reduo da
capacidade de investir dos trs nveis da administrao pblica d uma boa medida das
restries que se colocaram capacidade dinmica do Estado.
Ao mesmo tempo em que avanava a carga tributria, a contribuio do Estado para a
formao bruta de capital fixo entrava em forte declnio. Em seu conjunto, a FBKF caiu
da faixa de 21,5% do PIB, nas dcadas de setenta e oitenta4, para 19% do PIB durante o
perodo do segundo mandato de FHC, como mostra o Grfico 2. O conjunto das
administraes pblicas foi determinante, sendo responsvel por uma queda de 3,7% do
PIB, nos anos setenta, para 2,0 % do PIB durante o perodo de 1999 a 2002. Ou seja,
tomando-se a comparao destes dois perodos, as administraes pblicas explicam,
diretamente, 70% da queda da FBKF.
4 A referncia a um nvel de 21,5% do PIB decorre dos problemas de medida da variao de estoques durante os anos de processo superinflacionrio de 1987 a 1989. Estes problemas produziram nmeros artificialmente elevados de FBKF, chegando a 26% do PIB, em 1989, e carregando a mdia dos anos oitenta para valores superiores aos da dcada anterior, o que, evidentemente no tem sustentao real.
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Para caracterizar a dimenso da perda de capacidade dinmica do estado, vale ressaltar
que, entre 1980 e 1982, j na ante-sala da crise do endividamento, as estatais ainda
investiam cerca de 3,2% do PIB. Entre 1973 e 1978, tomando-se apenas as estatais
federais, em nenhum ano o investimento foi inferior a 5,2% do PIB, sendo que chegou a
6,3% do PIB, em 19755.
Grfico 2 FORMAO BRUTA DE CAPITAL FIXO 1970 a 2002 % do PIB
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
Adm. Pblica 3,7 2,7 3,4 2,4 2,0
Setor Privado 17,7 19,5 15,8 17,4 17,0
FBKF 21,4 22,2 19,4 19,8 19,0
1970s 1980s 1990-94 1995-98 1999-02
Fonte: IBGE
Cabe detalhar os movimentos internos a esta retrao da capacidade de investimento
pblico. O Grfico 3 mostra que, durante os anos noventa, a queda foi generalizada, mas
mais intensa nos Governos Estaduais. Estes, no incio da dcada ainda persistiam em
patamar superior a 1,5% do PIB, depois declinando at chegar a 0,9% do PIB, ao final da
srie. Em menor escala, a mesma trajetria deu-se com os governos municipais. No caso
do Governo Federal, embora a queda tambm tenha se dado, o movimento de retrao foi
anterior aos anos noventa. Vale notar que as administraes sub-nacionais conseguiram
manter um nvel mais elevado de inverses enquanto o processo de bloqueio ao
endividamento bancrio dos anos oitenta no fora completo, deixando algumas formas de
expanso dos gastos ainda livres. No entanto, com a desmontagem dos bancos estaduais,
5 BIELSCHOWSKY, R., O Investimento Estatal em Infra-estrutura e Insumos Bsicos. Boletim Conjuntural, vol. 8, n. 2. junho de 1988 (IEI/UFRJ).
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a renegociao das dvidas de 1997 e a Lei de Responsabilidade Fiscal, a formao de
capital nestes segmentos foi fortemente reduzida no perodo recente.
Grfico 3 COMPOSIO DA FORMAO BRUTA DE CAPITAL 1990 a 2002
00,5
11,5
22,5
33,5
4
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Federal Estadual Municipal TOTAL
Fonte: IBGE
Colocar em perspectiva os dados das empresas estatais no torna a realidade diferente.
Ao contrrio, a debilidade do setor pblico enquanto plo dinmico do sistema apenas se
mostra com maior intensidade, como pode ser observado por meio da Tabela 2.
Comparando-se os perodos de 1995-98 e 1999-2002, a mdia anual da formao bruta de
capital das empresas pblicas caiu de 2,15% do PIB para 1,30% do PIB.
importante notar que a Tabela 2 tem sua comparabilidade prejudicada pela ocorrncia
da privatizao do setor de telecomunicaes, que teve seus investimentos retirados das
contas das empresas pblicas para as empresas privadas. No entanto, a no ser pelo ano
de 2000, onde o investimento privado realmente se expandiu expressivamente6, os
nmeros no mostram que o repasse de setores para a iniciativa privada tenha surtido
grandes efeitos. Por outro lado, evidentemente o Estado perdeu capacidade de comando
sobre uma parcela importante das decises autnomas de gasto. 6 No setor de telecomunicaes, o cumprimento de metas de cobertura presentes nos contratos de concesso, foi responsvel por expressivos investimentos. A realizao dos mesmos, do ponto de vista dos efeitos em cadeia sobre supridores de bens e servios foi muito baixo devido ao alto coeficiente importado dos investimentos, que decorreu da ausncia de uma poltica de preparao de suprimentos para os mesmos e de decises das empresas do setor. Algo do mesmo estilo ocorreu no setor eltrico, a partir do risco de desabastecimento.
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Tabela 2 POUPANA E FORMAO BRUTA DE CAPITAL 1995 a 2002 % do PIB
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Form ao bruta de capital 22,29 20,92 21,50 21,12 20,16 21,54 21,20 19,76
Form ao bruta de capital do setor pblico 4,75 4,61 4,49 4,38 3,02 2,90 3,49 3,81
Form ao bruta de capital da adm inistrao pblica 2,54 2,31 1,98 2,80 1,73 1,90 2,20 2,20
Form ao bruta de capital das em presas pblicas 2,21 2,30 2,51 1,58 1,29 1,00 1,29 1,61
Form ao bruta de capital do setor privado 17,54 16,32 17,01 16,73 17,14 18,65 17,71 15,95 Fonte: IBGE O conjunto do investimento pblico, tomando-se administrao e setor produtivo estatal,
caiu de cerca de 11% do PIB, em 1975, a 3,5% do PIB, na mdia de 2000 e 2002. No h
como deixar de apontar o impacto disto sobre as decises privadas de investimento.
Como o movimento das contas pblicas se faz no sentido de reduzir a demanda corrente
e a formao de capital, ao mesmo tempo em que a poltica financeira coloca as taxas de
juros em nveis extremamente elevados, as decises privadas de investimento e gerao
de negcios no poderiam ser expansivas. Ou seja, os motores da demanda efetiva
encontram-se travados pelas polticas restritivas nos campos monetrio e fiscal. As
ltimas informaes sobre a perenizao do supervit primrio de 4,25% do PIB, que
dever ser indicado como meta da LDO at 2007, indicam que as mudanas no parecem
prximas.
2.3.2. O Crdito ao Setor Pblico
A avaliao das polticas de crdito mostra de forma mais acabada a tendncia
contracionista da poltica econmica. O Grfico 4 apresenta os emprstimos do conjunto
do sistema financeiro ao setor pblico, administraes diretas, federal e estadual, e
empresas. A restrio a que o setor pblico foi submetido reduziu os emprstimos s
instituies federais e estaduais de pouco menos de 6% do PIB, em julho de 1994 a cerca
de 1% do PIB, em dezembro de 2003. Note-se que a queda dos estoques de crdito aos
estados mais intensa, apresentando violenta descontinuidade ao final de 1997,
justamente por conta do processo de renegociao que transferiu as dvidas do sistema
financeiro ao Tesouro Nacional.
Seguindo a estratgia de poltica que j vinha sendo desenhada no primeiro mandato, o
Governo FHC reforou os controles quantitativos de crdito ao setor pblico, por meio da
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restrio ao aumento dos emprstimos das instituies pblicas e privadas
administrao direta e s empresas, estendida ao setor de saneamento, a partir de 1999. A
Lei de Responsabilidade Fiscal veio compactar todos os controles e estabelecer um limite
de estoque de endividamento em relao receita corrente lquida, alm de identificar
penalidades para as autoridades responsveis. Por fim, o Acordo de Basilia tornou ainda
mais complexa a forma de relacionamento entre as entidades pblicas e o sistema
financeiro7.
Grfico 4 SALDOS DE EMPRSTIMO DO SETOR FINANCEIRO AO SETOR PBLICO EM % DO PIB Julho de 1994 a dezembro de 2003
0,01,02,03,04,05,06,07,0
1994/ju
l199
6-jan
1997-ju
l
1999-ja
n200
0-jul
2002-ja
n200
3-jul
% d
o PI
B
Federal Estadual Total
Fonte: Banco Central
2.3.3. O Crdito ao Setor Privado
A criao de condies para o crescimento enfrenta, tambm, enormes obstculos no
conjunto da poltica econmica atual no tocante oferta de crdito pelo setor pblico
financeiro ao setor privado. Numa avaliao quantitativa, os recursos proporcionados
pelas instituies oficiais apresentaram expressiva reduo desde a implantao do Real.
Em termos de percentual do PIB a queda foi da mdia de 14,5% no segundo semestre de
1994 para 9,8%, ao final de 2003, como pode ser verificado por meio do Grfico 5. Vale
7 Vale notar que a vigncia do Acordo da Basilia fixou limites estreitos exposio bancria ao setor pblico (45% do patrimnio lquido). Como a maioria das instituies j estava acima deste limite, todo novo emprstimo passou a exigir proviso do mesmo valor, para eventuais perdas.Evidente que este posicionamento s poderia exercer grande impacto no financiamento bancrio ao setor pblico.
13
-
notar que, em termos de estoque de crdito, a elevao ocorrida at 2000, reverteu-se no
perodo final, fazendo o montante igualar-se aos R$ 150 bilhes (preos de dezembro de
2003) existentes em meados de 1994.
Grfico 5 SALDOS DE EMPRSTIMO DO SETOR PBLICO FINANCEIRO AO SETOR PRIVADO em R$ bilhes de dezembro de 2003 e % do PIB Julho de 1994 a dezembro de 2003
0,0
50,0
100,0
150,0
200,0
250,0
1994
/jul
1996
-jan
1997
-jul
1999
-jan
2000
-jul
2002
-jan
2003
-jul
R$
bi d
ez/2
003
0,02,04,06,08,010,012,014,016,018,0
% d
o PI
B
em R$ bi - dez/2003 em % do PIB
Fonte: Banco Central
importante notar que se operou uma forte alterao no modo de operao das
instituies oficiais de crdito para as polticas governamentais. A tica de negcios
passou a prevalecer sobre a identificao de aes de fomento e de interesse
governamental. Deste modo, a anlise de crditos e abordagem sobre os negcios
bancrios passou a ser plenamente aderente tica privada, eliminando o poder de
alavancagem que estas instituies tiveram em outros momentos da histria. Note-se que
at os lucros gerados passaram a ser objeto de forte monitoramento pelo Tesouro para
transferncia aos seus cofres, limitando os processos de capitalizao das instituies e
reduzindo o seu potencial de criao de crdito.
As tentativas governamentais de utilizar os bancos pblicos na alavancagem das
operaes de crdito ao setor privado tm surtido resultados ainda pouco importantes, o
que decorre de trs aspectos. O primeiro a resistncia das burocracias das instituies
de crdito em abandonar a tica privada, identificada no pargrafo anterior. A segunda, a
14
-
pequena propenso do sistema bancrio privado a assumir o risco de repassar recursos
dos programas amparados em funding pblico. Por fim, o nvel das taxas de juros,
mesmo quando referenciadas TJLP, absolutamente proibitivo para a grande maioria
dos empreendimentos8.
A desmontagem da estrutura de financiamento ao setor pblico e do financiamento
pblico ao setor privado no foram compensadas pela evoluo da oferta privada de
crdito. O crdito proporcionado pelos agentes privados ao sistema financeiro vem
apresentando persistente estagnao com tendncia queda. Em saldos de fim de perodo
eles saram de 27,2% do PIB, em julho de 1994, para atingirem 25,2% do PIB, em
dezembro de 2003. H uma perfeita coincidncia dos instrumentos que comandam a
retrao da demanda efetiva pelo lado do crdito. A taxa de juros elevada impede que a
demanda de crdito se amplie enquanto as instituies financeiras preferem direcionar a
maior parte de suas operaes ativas aos ttulos pblicos.
3. AS POLTICAS FISCAIS DO REAL AO GOVERNO LULA
A poltica fiscal experimentou, na ltima dcada, diversas realidades econmicas,
formatos e relaes com o conjunto da poltica macroeconmica. Podem ser identificados
pelo trs momentos marcadamente distintos: de 1993 a 1994, o perodo relativo ao
primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso e o perodo que vai de 1998 ao
momento atual. A Tabela 3 permite avaliar os resultados, em termos de execuo fiscal,
destes trs momentos da poltica.
Tabela 3
Discriminao 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002Governo Federal e Banco Central 0,00 -2,00 1,74 1,27 1,76 5,13 3,17 1,31 1,46 0,26Governos Estaduais e Municipais -0,20 0,80 2,37 1,81 2,26 1,78 0,50 0,69 0,46 -0,27Empresas Estatais 0,00 -0,37 0,88 0,32 0,29 0,50 -0,26 -0,82 -0,53 0,00Setor Pblico Consolidado -0,20 -1,57 5,00 3,40 4,31 7,40 3,41 1,17 1,39 -0,01Fonte: Banco Central do Brasil
RESULTADO OPERACIONAL DO SETOR PBLICO (1993 a 2002) - % PIB
15
8 Para referncias quantitativas sobre os programas ver: Os Programas no decolam, Estado de So Paulo, 4 de abril de 2004, caderno B, pg. 3.
-
Os primeiros anos da dcada de noventa apresentaram comportamento extremamente
favorvel no que concerne s contas pblicas. Na esteira da reduo do custo da dvida
pblica e da desvalorizao patrimonial promovidas pelo Plano Collor, as expectativas
sobre o comportamento das contas pblicas foram aspecto positivo na percepo dos
agentes econmicos sobre a implantao do Plano Real. No ano de 1993, o resultado
operacional foi superavitrio em 0,2% do PIB. J o resultado primrio superavitrio em
2,6% do PIB. Este comportamento reproduzia nmeros extremamente favorveis,
verificados entre 1990 e 1992, levando a uma noo sustentabilidade, corroborada pelo
supervit primrio de 5% do PIB, de 19949. Vale atentar para o fato de que estes nmeros
positivos deram sustentao, no campo fiscal, s medidas de estabilizao monetria do
Plano Real, ainda que as reformas institucionais no tivessem sido introduzidas.
A execuo corrente das contas pblicas jogou papel coadjuvante na poltica econmica
do perodo de 1995 a 1998, dominada pela utilizao da paridade cambial como elemento
principal do ordenamento macroeconmico. Como mostra a Tabela 4, pode-se dizer que a
poltica fiscal buscou gerar um equilbrio nas contas primrias. Isto significa que,
descontando despesas e receitas financeiras, o patamar de gastos equivaleu ao conjunto
da arrecadao pblica. No entanto, no cabe a concluso apressada de que a poltica
fiscal do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso tenha sido permissiva, dado
que a igualao entre as necessidades nominais de financiamento do setor pblico e os
juros nominais devidos pressupe o pagamento da correo monetria. Mas tambm no
se pode dizer que ela tenha sido uma poltica fiscal rgida, o que ganha especial
significado frente aos movimentos subseqentes da poltica econmica.
9 Conquanto este valor deva ser visto com reservas, em decorrncia de todas as dificuldades de converso de estoques e fluxos no perodo da transio de moeda.
16
-
Tabela 4
Discriminao 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002Governo Federal e Banco Central -1,41 -3,04 -0,58 -0,38 0,26 -0,55 -2,4 -1,89 -1,89 -2,53Governo Federal - - - - - - -2,47 -1,94 -1,94 -2,59Banco Central - - - - - - 0,08 0,04 0,06 0,06Governos estaduais e municipais -0,54 -0,82 0,17 0,55 0,72 0,19 -0,23 -0,56 -0,88 -0,84Governos estaduais - - - - - 0,41 -0,16 -0,43 -0,61 -0,68Governos municipais - - - - - -0,22 -0,07 -0,13 -0,28 -0,16Empresas estatais -0,65 -1,18 0,05 -0,08 -0,07 0,35 -0,65 -1,05 -0,93 -0,72Empresas estatais federais - - - -0,28 -0,27 0,25 -0,65 -0,91 -0,62 -0,45Empresas estatais estaduais - - - 0,19 0,18 0,06 -0,02 -0,14 -0,29 -0,27Empresas estatais municipais - - - 0,01 0,02 0,04 0,02 0 -0,01 0Resultado Primario Consolidado -2,6 -5,04 -0,36 0,09 0,91 -0,01 -3,28 -3,5 -3,7 -4,08Fonte: Banco Central do Brasil
RESULTADO PRIMRIO DO SETOR PUBLICO (1993 a 2002) - % PIB
O ano de 1995 mostrou o retorno situao de desequilbrio caracterstica dos anos
oitenta. O resultado operacional superavitrio de 1994 experimentou reverso, em 1995,
para uma marca deficitria de 5,0% do PIB. Os juros contriburam com parte expressiva
desta reverso, ao aumentarem para 5,4% do PIB, refletindo tanto a expanso tanto da
dvida lquida do setor pblico quanto a passagem taxa de juro, medida pelo over efetivo
deflacionado pelo IGP-DI centrado, de 24,4% para 33,1% ao ano. Mas os juros
explicaram apenas 25% da expanso do dficit. Logicamente, os gastos reais foram
responsveis pela maior parte do desequilbrio verificado.
Trs elementos dentre os gastos devem ser destacados para a compreenso da reverso
nas contas do Governo Central: a) os gastos com pessoal. Em 1990, as despesas atingiram
5,3% do PIB, tendo se reduzido a 3,6% do PIB, na mdia de 1991-1992, depois
superaram o patamar de 1990, chegando a 5,6% do PIB, com destaque para a folha de
inativos; b) os benefcios com pagos no Regime Geral de Previdncia Social, que, em
1988, limitaram-se a 2,7% do PIB, ascenderam a 5,3% do PIB; c) os gastos de custeio do
governo federal cresceram em cerca de 50%, entre 1990 a 1995.10.
Ao mesmo tempo em que a execuo da poltica fiscal era menos restritiva, o primeiro
mandato de Fernando Henrique Cardoso refletiu as preocupaes com a sustentabilidade
das contas pblicas por meio de um conjunto de propostas de reformas constitucionais, 10 Vale frisar que, at 1993, uma parcela expressiva dos gastos de sade do Governo Federal eram custeados com receitas da Contribuio de Empregados e Empregadores Previdncia, cursados por meio do antigo INAMPS
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notadamente no campo tributrio, na rea de administrao de pessoal ativo e das
previdncias pblica e privada. Alm disso, o reordenamento das finanas estaduais e os
processos de privatizao e concesso de monoplios pblicos explorao pelo setor
privado de reas historicamente vinculadas ao estatal tiveram grande destaque, em
todos os nveis governamentais.
A crise financeira internacional de 1997 e 1998 e o rompimento da ncora cambial
mudaram radicalmente o papel da poltica fiscal no conjunto da poltica econmica. O
perodo de 1999 a 2002 foi marcado pela diretiva de obteno de expressivos supervits
nas contas primrias. O supervit primrio consolidou-se com base em trs elementos que
significaram uma mudana estrutural no comportamento do setor pblico brasileiro. O
primeiro elemento foi o compromisso federal em promover a poltica que fosse
necessria para alcanar as metas estabelecidas. Deste modo, um vis francamente
arrecadador instalou-se na poltica tributria, onde a elevao da CPMF a nveis
extremamente altos para um tributo com suas caractersticas, a ampliao da alquota da
COFINS e a manuteno dos valores nominais da tabela base do Imposto de Renda da
Pessoa Fsica foram os elementos de maior destaque.
O segundo elemento para a consolidao do supervit deve ser buscado no campo do
gasto. A desvinculao de receitas da Unio, seguindo a trilha aberta ainda no incio da
dcada, pelo Fundo Social de Emergncia, permitiu administrao fiscal esterilizar
recursos que, segundo o texto constitucional permanente teriam destinao especfica de
gasto. A diretiva da conteno se sobreps a quaisquer outros objetivos, com destaque
para a permanncia da desvinculao de receitas, continuidade da poltica de reajustes
apenas seletivos para o funcionalismo e abandono de reas antes prioritrias como os
transportes. Vale notar que nem mesmo os projetos estratgicos identificados pelo PPA,
tiveram garantia de alocao de recursos.
O terceiro elemento crucial na construo do supervit fiscal tem enorme relao com o
novo padro de comportamento das finanas estaduais e municipais. Os fatores que
contriburam para tanto foram: a) a renegociao das dvidas dos estados que, para
trocarem seus ttulos negociados em mercado por crdito junto ao setor pblico,
comprometeram-se com a gerao de supervits primrios para pagamento de juros
limitados a 13% de suas receitas correntes lquidas; b) restrio de crdito ao setor de
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saneamento, atingindo empresas estaduais e municipais; c) privatizao da grande
maioria dos bancos estaduais, impedindo, definitivamente, o financiamento aos estados11;
e d) privatizao de diversas empresas estaduais.
A composio do supervit primrio mostra os elementos deste processo, como pode ser
avaliado por meio da Tabela 5. O governo central, notadamente em seu componente
Tesouro Nacional, tem obtido seguidos resultados positivos, que compensam o
comportamento deficitrio do Regime Geral de Previdncia Social e do Banco Central do
Brasil. A parcela relativa administrao direta dos Governos Estaduais e Municipais
tem obtido resultados continuamente superavitrios, ao contrrio do perodo de 1995 a
1998, em decorrncia das restries impostas pelo processo de renegociao das dvidas
estaduais com o Tesouro Nacional. No caso das empresas estatais, em todos os nveis de
governo as contas tm sido superavitrias12.Vale notar que, no primeiro semestre de
2004, o componente Governo Central registrou supervit superior ao conjunto do setor
pblico, indicando a necessidade de um compensar outros segmentos.
Tabela 5 DECOMPOSIO DO SUPERVIT PRIMRIO 2001 A 2004
% do PIB* Part. % % do PIB* Part. % % do PIB* Part. % % do PIB* Part. % Supervit Primrio -3,64 -3,96 -4,37 -5,76 Governo central -1,83 50,35 -2,42 60,93 -2,56 58,55 -4,44 77,06 Governo federal -2,96 81,34 -3,76 94,85 -4,31 98,75 -5,93 102,85
Bacen 0,06 -1,58 0,06 -1,48 0,01 -0,29 0,01 -0,20 INSS 1,07 -29,40 1,29 -32,44 1,74 -39,90 1,47 -25,59 Governos regionais -0,87 23,99 -0,80 20,30 -0,91 20,89 -1,27 22,05 Governos estaduais -0,60 16,52 -0,65 16,34 -0,79 18,01 -1,15 19,88 Governos municipais -0,27 7,47 -0,16 3,96 -0,13 2,88 -0,12 2,17 Empresas estatais -0,93 25,67 -0,74 18,78 -0,90 20,56 -0,05 0,90 Empresas estatais federais -0,63 17,34 -0,48 12,06 -0,63 14,50 0,14 -2,49 Empresas estatais estaduais -0,29 8,03 -0,27 6,69 -0,25 5,73 -0,19 3,31 Empresas estatais municipais -0,01 0,30 0,00 0,03 -0,01 0,33 0,00 0,08Fonte: Banco Central do Brasil
PIB de jan-abr de 2004 : valorado segundo criterios do BC.
(+) dficit (-) supervit
2004 jan-jun2001 2002 2003Discriminao
11 Note-se que o primeiro e crucial marco do processo de rompimento do financiamento dos estados por meio de seus bancos teve lugar ainda no Plano de Ao Imediata (PAI), em 1994, com a efetivao da proibio ao banco de financiar seu controlador (governo estadual), disciplinamento que nunca havia sido observado. 12 O fato de parte das contas da Petrobrs ter sido deduzida do conceito de dficit explica, parcialmente, os resultados no campo das estatais federais.
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Ao lado da derrubada do processo inflacionrio, a austeridade na poltica fiscal passou a
compor o painel dos casos de sucesso da poltica econmica governamental, tanto
durante a gesto Fernando Henrique Cardoso quanto durante o incio do mandato do
Presidente Lula. No entanto, se inequvoco que a poltica fiscal deu mostras de que
possvel gerar continuamente um expressivo supervit primrio, dvidas expressivas
persistem sobre a sustentabilidade no tempo de uma poltica fiscal to contracionista, de
vez que a tenso frente aos agentes econmicos, sociais e polticos crescente e o efeito
sobre a demanda agregada da economia cada vez mais perverso. Ao mesmo tempo, a
necessidade de peridicas elevaes nas metas de supervit primrio traduz a
incapacidade do lado real das contas pblicas em controlar a expanso da dvida pblica,
dado que a mesma responde a outros condicionantes.
Se a poltica fiscal de curto prazo demonstrou capacidade atuao ativa no conjunto da
poltica econmica, a evoluo da dvida lquida do setor pblico, ao mostrar a face
financeira e patrimonial das contas do Estado, apresentou enorme deteriorao. O
conceito de Dvida Lquida do Setor Pblico que, neste perodo, consolidou-se dentre os
analistas da poltica fiscal como mais estratgico que o NFSP13, traduziu uma relao
entre a dvida lquida e o PIB de crescente relevncia para a poltica econmica,
condicionando a definio sobre o nvel necessrio de supervit primrio, que daria aos
agentes econmicos a segurana da sustentabilidade das contas pblicas. Vale observar
que, do ponto de vista da dinmica econmica, a premissa bsica era de que a reduo da
dvida do setor pblico geraria as condies para que os agentes privados pudessem
ampliar sua participao nos mercados de fundos emprestveis, com a concomitante
reduo das taxas de juros14.
No entanto, os fatos no deixam dvidas quanto supremacia das questes financeiras e
patrimoniais sobre os fluxos reais. A Tabela 6 mostra que a Dvida Lquida foi expandida
por fatores que no dizem respeito execuo corrente das contas pblicas, mas refletem
elementos puramente financeiros. Deduzidas as receitas e redues de dvida decorrentes
13 Necessidades de Financiamento do Setor Pblico No Financeiro. 14 A defesa desta posio terica veio a ser defendida em toda a sua plenitude apenas no Governo Lula, como pode ser verificado por meio do documento Poltica Econmica e Reformas Estruturais, publicizado atravs do Ministrio da Fazenda (ver especialmente a pgina 9).
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da privatizao e os ajustes cambiais das dvidas interna e externa, a dvida fiscal lquida
chegou ao final de 2002, a um montante de 36,8% do PIB, com acrscimo de 7,6% do
PIB sobre o estoque de 29,2% do PIB, verificado em dezembro de 1994. A ttulo de
comparao, s os juros reais pagos pelo setor pblico em 2000 e 2001 chegaram a um
montante de 7,76% do PIB, portanto, mais do que a variao do estoque em oito anos.
Tabela 6 DVIDA LQUIDA E DVIDA FISCAL DO SETOR PBLICO Estoques em fim de perodo, em % do PIB
Discriminao 1994 2002
Dvida Interna 20,7 42,0 Dvida Externa 8,4 14,6 Dvida Lquida Total 29,2 56,5 Ajuste Dvida Interna -9,8 Ajuste Dvida Externa -8,1 Ajuste Patrimonial Lquido -1,8 Dvida Fiscal Lquida 36,8 Fonte: Banco Central do Brasil
4. SUPERVIT PRIMRIO: HIPTESES TERICAS E RAZES DO MERCADO
crucial examinar, em suas linhas gerais, os supostos de poltica econmica que
embasam a atual poltica fiscal. Os elementos centrais da poltica fiscal, em ambiente de
mobilidade de capitais, foram postos, ainda no incio da dcada de noventa, pela
confluncia de concepes instituies de grande porte das finanas internacionais, como
o FMI, o Banco Mundial e o Tesouro dos EUA (o chamado Consenso de Washington),
com ampla adeso, por parte pases emergentes, embora muitos deles no tenham
executado o conjunto de medidas preconizado.
O elemento bsico da macroeconomia fiscal preconizada pelo Consenso foi o
monitoramento permanente da evoluo da relao entre a dvida mobiliria e o PIB.
Numa viso simples, mas j clssica, a evoluo da dvida governamental determinada
pela composio entre a taxa de juros e a taxa de crescimento da economia, de um lado, e
por uma medida de sntese das contas pblicas do lado real, o supervit primrio, de
outro. Em verdade, os fundamentos da poltica fiscal adequada indicam o supervit
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primrio como uma varivel dependente. A partir do comportamento dos juros e
atividade econmica, o supervit primrio ter que ser aquele que mantenha ou reduza a
relao dvida/PIB.
A relao dvida/PIB passa a ser uma condio de equilbrio macroeconmico. Isto
ocorre em decorrncia de uma avaliao dos agentes sobre suas posies de portfolio. O
modelo, baseado nas teses de expectativas racionais, assevera que a expanso do
endividamento pblico afeta as decises dos agentes privados que tm expectativas
estveis para a composio de sua carteira de aplicaes. Em caso dos agentes se verem
forados a mudar suas composies de carteira, a elevao das taxas de juros dos ttulos
pblicos dever realizar o ajuste. No campo dos impactos sobre a economia real, os
dficits pblicos tm efeitos restritos sobre a demanda porque acabam esterilizados, dado
que os agentes antecipam os futuros ajustes fiscais para reverter o crescimento da dvida,
o que significa necessidade de poupar no presente para pagar impostos adicionais no
futuro. Vale dizer, no muda o produto global, mas apenas sua composio, em
detrimento do setor privado15.
Alm tornar intil, no campo real, e perversa, no campo financeiro, qualquer forma de
elevao do endividamento pblico, as prescries do Consenso indicam a necessidade
de transparncia absoluta nas contas fiscais e nas assim chamadas contas quase-fiscais,
especialmente as relativas aos crditos realizados pelas instituies financeiras oficiais e
pelo Banco Central. Deste modo, medidas de explicitao e controle, no longo prazo, das
hidden liabilities16, so cruciais para gerar um clima de confiana, por parte do mercado,
nos chamados fundamentos da economia.
Ao mesmo tempo, essa concepo prev que o processo de transferncia patrimonial do
setor produtivo estatal iniciativa privada encaminha o equacionamento da dramtica
questo do financiamento do investimento. Vale notar que os processos de concesso e
privatizao so a garantia de que, na fase de ascenso cclica, no haveria utilizao do
crescimento de receitas ou da abertura de fontes de crdito para expandir a participao
pblica, sempre no sentido de reduzir a relao dvida/PIB, de modo a preservar os
15 Esta uma posio de menor bem econmico, posto que axiomtica a superioridade do setor privado sobre o pblico em termos de eficincia. 16 So os famosos esqueletos ou obrigaes reais, mas no contabilizadas ou sub-avaliadas.
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fundamentos da economia, possibilitando espao para que o setor pblico possa digerir os
efeitos financeiros dos movimentos de capital e da retrao cclica.
Este ponto merece reflexo mais detida. O que importa, do ponto de vista das polticas de
ajuste preconizadas pelo Consenso, a forma como os agentes econmicos reagem, em
suas decises de produo e alocao de recursos financeiros, aos movimentos das contas
pblicas. Os crditos fornecidos pelo sistema financeiro e os haveres pblicos que
derivam de fundos ou formas semi-compulsrias no tm o mesmo impacto que os
fundos livres. Ou seja, embora o FMI use os conceitos de Necessidade de Financiamento
do Setor Pblico (NFSP) e Dvida Lquida do Setor Pblico (DLSP) para aferir a situao
fiscal e a evoluo do endividamento, a varivel realmente sensvel a dvida mobiliria,
dado que os agentes econmicos a interpretam como substituto prximo da moeda e que
no seu financiamento est centrada a credibilidade da poltica econmica.
Neste contexto, a poltica fiscal, premida pela determinao financeira, defronta-se com a
necessidade de ampliar seu grau de austeridade. Esta, no entanto, refora a escalada
recessiva, pela necessidade de compensar a queda de receitas com novas restries ao
gasto, no intento de manter o supervit primrio, induzindo os agentes econmicos a
novas decises no sentido da recesso. A economia em retrao libera excedentes
financeiros, cuja gesto , inevitavelmente, responsabilidade do Estado. A lgica imposta
pelas polticas baseadas no enfoque terico do Fundo acaba por impedir que qualquer
alternativa de reverso deste crculo vicioso seja possvel, dado que o controle do crdito
ao setor pblico e a necessidade da reduo da relao dvida PIB so os elementos
inegociveis e a taxa de juros elevada a nica forma de manter mnimo controle sobre
os fluxos financeiros e cambiais do setor privado.
Este o ponto onde reside o principal questionamento poltica fiscal vigente desde
1998. A lenta e pertinaz desmontagem das estruturas de crdito ao setor pblico,
realizada ao longo destes vinte anos de restrio ao endividamento pblico acabaram por
concentrar o endividamento na dvida mobiliria. Ou seja, a vulnerabilidade do
financiamento pblico foi incrementada justamente pela forma que assumiram as
prescries do FMI e do Consenso no conjunto das relaes financeira do setor pblico.
Quanto aos agentes econmicos, no pode resistir a um minuto de crtica a tese de que
eles enxergam o conjunto das dvidas pblicas. Esta tese pode ser usada, com muitas
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reservas, para avaliar seu comportamento no conjunto da demanda agregada. Ao
contrrio, se a questo administrao de portfolio de aplicaes, os agentes devero
olhar para a evoluo da dvida mobiliria. No com a expectativa de abandonar o seu
financiamento, ao impossvel na realidade do mercado, mas como ndice de
credibilidade na evoluo das contas pblicas.
Neste contexto, de concentrao do endividamento no endividamento mobilirio, o efeito
das taxa de juros elevadas, decorrente da articulao de polticas entre as variveis
monetrias e cambiais, tem impacto imediato e desastroso sobre as contas fiscais. A
contaminao imediata sobre parte extremamente expressiva da estrutura de
financiamento do setor pblico um fator de desestabilizao do conjunto da poltica
econmica.
Pagar ao mercado o preo para que ele no gere turbulncia sobre as operaes de curto
prazo uma soluo fcil, mas de sustentabilidade duvidosa. De fato, remontar as
estruturas de financiamento ao setor pblico e recalibrar os preos macroeconmicos juro
e cmbio poderiam dar sinais muito melhores aos agentes econmicos de que as contas
fiscais so sustentveis no longo prazo. No entanto, ao que parece, a verso do Consenso
de Washington sobre a poltica fiscal reinar soberana at que os agentes do mercado
refaam suas posies acerca do desenho de poltica econmica adotado.
Sem dvida, a poltica fiscal continuar sendo a varivel de ajuste, pela via do supervit
primrio, para as tenses macroeconmicas que o ordenamento da mobilidade de
capitais, taxas de cmbio flexveis e juros elevados produzem. Por decorrncia, o Estado
seguir paralisado frente soberania dos mercados.
necessrio compreender que o desenho da poltica econmica que vem sendo executada
acaba por jogar sobre a poltica fiscal responsabilidades que pertencem ao mbito da
gesto financeira. Desta forma, a poltica fiscal parece sempre insuficiente, o que acaba
resolvido por meio da nica medida ao alcance das autoridades econmicas: a elevao
da meta de supervit primrio. Em verdade, a maior prova de que a poltica fiscal mera
coadjuvante deste processo dada por um dos principais formuladores da poltica
econmica, GOLDFAJN (2002), ao modelar os cenrios de evoluo da dvida lquida,
em condies de crescimento e normalidade cambial, e identificar que o atual supervit
primrio produz uma forte reduo da relao DLSP/PIB. Vale dizer, seguindo as
24
-
objees colocadas GOLDSTEIN (2003), se todas as questes de ordem financeira,
cambial e patrimonial tiverem comportamento favorvel, a sustentabilidade da dvida
pblica estar garantida. 17
A poltica econmica tem reservado funes poltica fiscal que so absolutamente
incompatveis com o seu poderio e com a sustentabilidade, no longo prazo, do equilbrio
das contas pblicas. Evidentemente, prprio das economias contemporneas que a
administrao das principais questes econmicas acabe por ser objeto de gesto por
parte do Estado e que suas contas sejam, por isso, afetadas. No entanto, a poltica
econmica no pode trocar causas e efeitos, sob pena de gerar esforos desnecessrios e
estreis. crucial separar os determinantes dos movimentos econmicos e usar as
polticas na medida destes elementos.
Nos ltimos quatro anos, a poltica econmica conseguiu confundir a origem dos
desequilbrios financeiros que vm se acumulando, ao mesmo tempo em que confere a
eles uma natureza fiscal. Deste modo, o crescimento da dvida pela agregao dos
famosos esqueletos, passando pela manuteno de taxas de juros elevadssimas para atrair
capitais externos ou promover sua permanncia, garantir o hedge das posies de agentes
internos endividados ou mesmo alternativas para aplicao de riqueza interna em ativos
cambiais entraram na conta fiscal.
O conceito de Dvida Lquida do Setor Pblico e as metas para sua evoluo sintetizam
esta forma de pensar a poltica fiscal no contexto da poltica macroeconmica. Todos os
desequilbrios financeiros refletem-se sobre a DLSP e passam a comandar a definio das
metas do supervit primrio. Em verdade, a prpria prevalncia do conceito de DLSP
eliminou a discusso da relevncia do dficit operacional ou nominal.
A confuso conceitual que se estabeleceu to grande que at mesmo as flutuaes da
taxa de cmbio e seu impacto sobre a dvida externa governamental de longo prazo
passaram a estar incorporadas, convertidas em Reais, aos movimentos da dvida lquida.
Ao mesmo tempo, a o conceito de DLSP promoveu o abandono da diferenciao das
formas de apropriao das valorizaes das dvidas interna e externa. Ao contrrio do
17 GOLDFAJN, I., (2002). Are There Reasons to Doubt Fiscal Sustainability in Brazil?, BCB, Notas Tcnicas, Nmero 25. Ver, tambm: GOLDSTEIN, M. (2003). Debt Sustainability,Brazil, and the IMF. IIE, WP-03-1.
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ocorrido nos anos oitenta18, as alteraes na paridade cambial tm impacto imediato na
dvida e, da, nas metas de dficit. Comprova-o o fato de que a alterao da meta de
supervit para 4,25% foi decidida justamente para compensar a expanso da dvida
derivada do cmbio desvalorizado.
Os nmeros podem mostrar estas distores de forma irretocvel e deixar claro que sob o
manto da poltica fiscal responsvel, o pas est vivendo a desmontagem das estruturas de
financiamento pblico e construindo uma fragilidade sem precedentes em sua estrutura
de financiamento pblico.
O fechamento do ano de 2003 mostra que o supervit primrio do setor pblico, de
4,32% do PIB, superior meta anunciada no incio do ano, foi pouco superior metade
dos juros internos. Em verdade, ele foi substantivamente menor que os juros reais de
5,96% do PIB. A escalada dos juros de 2003 produziu uma deteriorao ainda maior da
situao fiscal que a vivida em anos anteriores, onde os juros reais foram de 3,5% e 0,05
do PIB, em 2001 e 2002. Tomado o acumulado de doze meses at janeiro, h uma
tendncia de queda nos juros reais e nominais, mas ainda em patamar extremamente
elevado.
Tabela 7 CONTAS DO SETOR PBLICO CONSOLIDADO - USOS Valores acumulados em 12 meses em % do PIB do perodo dez/01 dez/02 dez/03 jan/04 Dficit Nominal 3,57 4,58 5,16 4,79
Primrio -3,64 -3,89 -4,32 -4,19
Juros internos 6,02 7,20 8,24 7,75
Juros reais 3,49 0,05 5,96 5,79
Atualizao monetria 2,52 7,16 2,27 1,96
Juros externos 1,20 1,27 1,25 1,23 Fonte: Banco Central, Nota para a Imprensa sobre Poltica Fiscal
Mais perversos que os dados acima expostos so os referentes s fontes de financiamento
do setor pblico. Como mostra a Tabela 8, a tendncia uma brutal concentrao na
dvida mobiliria. Os dados anualizados de dezembro janeiro esgotam as dvidas quanto 18 Nos conceitos anteriores de dficit operacional, a variao da dvida externa era contabilizada em dlares, enquanto, agora, sua variao o resultado em reais da dvida convertida pela taxa de cmbio atualizada.
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gravidade da situao. Eles indicam crescimento de cerca de 8% do PIB na dvida
mobiliria, quase 3% do PIB acima do prprio dficit nominal.
Tabela 8 CONTAS DO SETOR PBLICO CONSOLIDADO FONTES Valores acumulados em 12 meses em % do PIB do perodo dez/01 dez/02 dez/03 jan/04 Fontes de financiamento 3,57 4,58 5,16 4,79
Financiamento interno 2,32 2,75 6,17 6,19
Dvida mobiliria 4,87 0,25 8,00 7,72
Dvida bancria -2,25 1,09 -2,05 -2,04
Demais -0,30 1,41 0,22 0,51
Financiamento externo 1,25 1,83 -1,01 -1,40 Fonte: Banco Central, Nota para a Imprensa sobre Poltica Fiscal A expanso da dvida mobiliria no conjunto das fontes de financiamento do setor
pblico concomitante ao aprofundamento do desmonte da estrutura de financiamento
do setor pblico. A dvida contratual, ou bancria, segue em queda livre, como reflexo
direto de todas as restries postas ao endividamento dos estados, municpios e empresas.
O financiamento externo que ainda apresentava fluxo positivo em finais de 2001 e 2002,
virou de sinal em 2003 e nada indica recuperao em 2004.
Os dados dos estoques da dvida lquida do setor pblico apresentam a mesma dinmica
perversa. Entre 2002 e 2003 a dvida consolidada cresceu de 55,5% do PIB para 58,1%
do PIB, mesmo com todos os esforos realizados para conter o endividamento e os gastos
reais. Mas muito pior que isto que a dvida mobiliria do Tesouro Nacional subiu de
33,6% do PIB para 43,3% do PIB. Ao mesmo tempo, a dvida externa caa de 14,3 para
11,9% do PIB, sem que isto seja explicvel por algum movimento de reservas
internacionais.
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Tabela 9 DVIDA LQUIDA DO SETOR PBLICO em % do PIB
Discriminao 2001 2002 2003
Dvida fiscal lquida 40,8 36,1 41,6
Dvida lquida total (A) 52,6 55,5 58,1
Dvida interna lquida 42,2 41,2 46,3
Governo federal 20,3 19,5 23,3
Dvida mobiliria do Tesouro Nacional 38,1 33,6 43,3
Banco Central do Brasil 4,3 3,4 3,4
Dvida mobiliria do Bacen 10,1 4,2 2,0
Operaes compromissadas -0,7 4,9 4,2
Dvida externa lquida 10,4 14,3 11,9
Governo federal 13,1 16,2 13,9
Banco Central do Brasil -4,9 -3,7 -3,7
Governos estaduais 0,9 1,2 1,0
Governos municipais 0,1 0,2 0,2
Empresas estatais 1,2 0,5 0,5 Fonte: Banco Central, Nota para a Imprensa sobre Poltica Fiscal A avaliao as contas pblicas por um conceito muito pouco utilizado, os fatores
condicionantes da dvida lquida, pode ser especialmente elucidativa. A Tabela 10 mostra
como a evoluo da dvida segue uma rotina que desconhece os esforos da poltica
fiscal, situando sua expanso entre 2,6% e 3,8% do PIB ano a ano. Pior, no entanto, que
diferentemente de 2001 e 2002, quando os efeitos da desvalorizao cambial sobre a
dvida interna e externa foram avassaladores, em 2003, o cmbio valorizado gerou efeito
redutor da dvida de nada menos que 5,5% do PIB.
A dvida lquida cresceu 2,65% do PIB, em 2003, como efeito direto da escalada dos
juros nominais que chegaram a 9,25% do PIB, somando-se juros internos e externos.
Vale dizer que, no fosse a revalorizao da dvida em moeda estrangeira, a dvida
lquida teria avanado cerca de 7% do PIB. A introduo de uma variao cambial de
estoques s pode tornar ainda mais complexa a gesto da poltica fiscal, com efeitos de
extrema volatilidade sobre a definio do supervit primrio necessrio para controlar a
expanso da dvida.
Mas aqui cabe um comentrio: nem os inventores da metodologia de converter os
estoques de endividamento externo pela taxa de cmbio presente sabem muito bem qual o
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significado econmico disso. Ou seja, a poltica econmica gera necessidades de
supervit fiscal a partir de conceitos que esto longe de uma clareza conceitual mnima.19
Tabela 10 FATORES CONDICIONANTES DA DVIDA LQUIDA DO SETOR PBLICO Valores acumulados no ano em % do PIB
2001 2002 2003
Dvida lquida total saldo 52,63 55,50 58,15
Dvida lquida - var. ac. Ano 3,85 2,87 2,65
Fatores condicionantes:1/ 7,78 13,87 2,04
NFSP 3,41 3,88 5,03
Primrio -3,48 -3,30 -4,21
Juros nominais 6,88 7,18 9,25
Ajuste cambial2/ 3,01 9,27 -4,10 Dvida mobiliria interna indexada ao cmbio 1,53 4,83 -1,45
Dvida externa metodolgico 1,48 4,44 -2,65
Dvida externa - outros ajustes3/ -0,03 0,05 1,06
Reconhecimento de dvidas 1,47 0,90 0,04
Efeito crescimento PIB - dvida4/ -3,93 -11,01 0,61 Fonte: Banco Central, Nota para a Imprensa sobre Poltica Fiscal
O conjunto de dados indicados nestas pginas no demonstra uma poltica fiscal
permissiva, muito pelo contrrio, dado que ela tem sido extremamente rgida. O que sim
podemos dizer que a poltica econmica enfocou o supervit primrio sem atentar para
a estrutura de financiamento ao setor pblico, que vem experimentando uma deteriorao
dramtica com efeito imprevisveis sobre a percepo de risco dos agentes econmicos.
Para demonstr-lo construiu-se um indicador de solvncia do setor pblico. Foi tomada a
evoluo anualizada da receita federal, em termos reais. Ao mesmo tempo, foi tomada a
divida mobiliria do Tesouro Nacional. O indicador de solvncia mede quantas receitas
anuais so necessrias para pagar a dvida. Os resultados (Grfico 6) mostram uma
tendncia fortemente expansiva. O crescimento da relao entre a dvida e o PIB foi, de
1995 a 2001, concomitante piora do indicador de solvncia. Depois de uma fugaz
melhoria, em 2002, o ano de 2003 mostra a retomada da trajetria explosiva
anteriormente verificada.
19 Vale notar que, quando o conceito de dficit comeou a ser medido no Brasil, o efeito da variao cambial era expurgado da aferio da variao da dvida estatal, justamente porque o que importava era avaliar os movimentos do financiamento ao setor pblico realizado pelos agentes internos.
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Grfico 6 Evoluo da Dvida e Indicador de Solvncia
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
% d
o PI
B
00,511,522,533,5
Ind.
Sol
vnc
ia
Dvida/PIB Dvida/Receita
5. CONSIDERAES FINAIS
As contas pblicas e a capacidade de ao estatal esto completamente determinadas
pelas relaes financeiras de manuteno da riqueza e estabilidade dos mercados
financeiros. O supervit fiscal o responsvel por dar a carta de fiana ao mercado,
garantindo uma expectativa de solvncia da dvida pblica, mesmo a taxas de juros muito
elevadas. Esta ltima varivel equilibra as condies do mercado de aplicaes e realiza a
arbitragem entre a moeda nacional e a externa. Vale dizer, a face financeira se sobrepe a
qualquer poltica de Estado, paralisando sua ao como componente dinmico do
desenvolvimento.
A magnitude das questes financeiras e cambiais so, no entanto, desproporcionais frente
aos montantes mobilizados por meio das contas pblicas. Ao mesmo tempo, a
negligncia para com a montagem de padres alternativos de financiamento do Estado
concentra no endividamento mobilirio as tenses da poltica fiscal. Deste modo, a
expectativa de restringir a ao do Estado acaba por fragilizar sua posio financeira,
gerando o efeito oposto ao pretendido pela poltica do supervit primrio.
Em verdade, a relao dvida/PIB e o supervit primrio so instrumentos teis e
elegantes para recriar o Estado. S que agora, este Estado inerte e isento de quaisquer
condies de influenciar na dinmica econmica. Sua grande funo ser o garantidor do
funcionamento dos mercados financeiros.
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Tabela 4Tabela 5Discriminao