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XI CONGRESSO RECAJ-UFMG: DESAFIOS, TRAVESSIAS E POTENCIALIDADES PARA O DIREITO E O ACESSO A JUSTIÇA FACE AOS ALGORITMOS, AO BIG DATA E À INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL ESTADO, GOVERNANÇA, DEMOCRACIA E VIRTUALIDADES ANTÔNIO GOMES DE VASCONCELOS JULIANA RODRIGUES FREITAS LUCAS GONÇALVES DA SILVA

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XI CONGRESSO RECAJ-UFMG: DESAFIOS, TRAVESSIAS E POTENCIALIDADES PARA O DIREITO E O ACESSO A JUSTIÇA FACE AOS ALGORITMOS, AO

BIG DATA E À INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

ESTADO, GOVERNANÇA,

DEMOCRACIA E

VIRTUALIDADES

ANTÔNIO GOMES DE VASCONCELOS

JULIANA RODRIGUES FREITAS

LUCAS GONÇALVES DA SILVA

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Estado, Governança, Democracia e Virtualidades [Recurso eletrônico on-line] organização XI

Congresso RECAJ-UFMG: UFMG – Belo Horizonte;

Coordenadores: Lucas Gonçalves da Silva, Juliana Rodrigues Freitas e Antônio Gomes

De Vasconcelos – Belo Horizonte: UFMG, 2020.

Inclui bibliografia

ISBN: 978-65-5648-252-1

Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações

Tema: Desafios, travessias e potencialidades para o direito e o acesso à justiça face aos

algoritmos, ao big data e à inteligência artificial.

1. Democracia. 2. Governança. 3. Virtualidades. I. XI Congresso RECAJ-UFMG

(1:2020: Belo Horizonte, MG).

CDU: 34

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XI CONGRESSO RECAJ-UFMG

ESTADO, GOVERNANÇA, DEMOCRACIA E VIRTUALIDADES

Apresentação

É com imensa satisfação que o Programa RECAJ-UFMG – Acesso à Justiça pela Via dos

Direitos e Solução de Conflitos da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas

Gerais e o CONPEDI – Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito tornam

público à comunidade científica o conjunto dos oito livros produzidos a partir dos Grupos de

Trabalho do XI Congresso RECAJ-UFMG: Desafios, travessias e potencialidades para o

Direito e o Acesso à Justiça face aos algoritmos, ao big data e à inteligência artificial. As

discussões ocorreram em ambiente virtual ao longo dos dias 18, 19 e 20 de novembro de

2020, dentro da programação que contou com grandes nomes nacionais e internacionais da

área, além de cento e sessenta e três pesquisadoras e pesquisadores inscritos no total,

provenientes de quatorze Estados da federação (AC, AM, BA, CE, MG, PA, PE, PR, RJ, RO,

RS, SC, SE e SP). Os livros compõem o produto deste congresso, que há mais de uma década

tem lugar cativo no calendário científico nacional.

Trata-se de coletânea composta pelos cento e oito trabalhos aprovados e que atingiram nota

mínima de aprovação, sendo que também foram submetidos ao processo denominado double

blind peer review (dupla avaliação cega por pares) dentro da plataforma PublicaDireito, que é

mantida pelo CONPEDI. Os oito grupos de trabalho geraram cerca de seiscentas páginas de

produção científica relacionadas ao que há de mais novo e relevante em termos de discussão

acadêmica sobre diversos temas jurídicos e sua relação com a tecnologia: Acesso à Justiça e

tecnologias do processo judicial; Direito do Trabalho no século XXI; Estado, governança,

democracia e virtualidades; tecnologias do Direito Ambiental e da sustentabilidade; formas

de solução de conflitos, educação e tecnologia; Direitos Humanos, gênero e tecnologias da

contemporaneidade; inteligência artificial, startups, lawtechs e legaltechs; e Criminologia e

cybercrimes.

Os referidos Grupos de Trabalho contaram, ainda, com a contribuição de vinte e quatro

proeminentes pesquisadores ligados a renomadas instituições de ensino superior do país,

dentre eles alguns mestrandos e doutorandos do próprio Programa de Pós-graduação em

Direito da UFMG, que indicaram os caminhos para o aperfeiçoamento dos trabalhos dos

autores. Cada livro desta coletânea foi organizado, preparado e assinado pelos professores e

pós-graduandos que coordenaram os trabalhos. Sem dúvida, houve uma troca intensa de

saberes e a produção de conhecimento de alto nível foi, certamente, o grande legado do

evento.

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Nesta esteira, a coletânea que ora se apresenta é de inegável valor científico. Pretende-se,

com esta publicação, contribuir com a ciência jurídica e com o aprofundamento da relação

entre a graduação e a pós-graduação, seguindo as diretrizes oficiais da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES. Importante lembrar, ainda, da

contribuição deste congresso com a formação de novos pesquisadores na seara

interdisciplinar entre o Direito e a tecnologia, uma vez que o número de graduandos que

apresentaram trabalhos de qualidade foi expressivo.

O Programa RECAJ-UFMG existe desde 2007 e foi criado poucos meses após o Conselho

Nacional de Justiça ter iniciado o Movimento pela Conciliação. Durante a I Semana Nacional

de Conciliação, em 2006, a Faculdade de Direito da UFMG, por meio de seu então diretor,

Professor Doutor Joaquim Carlos Salgado, firmou o compromisso, em 4 de dezembro de

2006, de envidar esforços para incluir disciplina sobre as formas de solução de conflitos na

grade curricular da faculdade.

De forma pioneira no país e observando a necessidade de estudo e aprofundamento dos temas

do acesso à justiça e das formas de solução de conflitos complementares ao Poder Judiciário,

a Professora Doutora Adriana Goulart de Sena Orsini passou a ofertar a disciplina “Formas

de Resolução de Conflitos e Acesso à Justiça” no período de 2007-2017, em todos os seus

semestres na Faculdade de Direito da UFMG.

Nesse contexto, o Programa RECAJ-UFMG atua desde o início em atividades de ensino,

pesquisa e extensão em acesso a justiça pela via dos direitos e soluções de conflitos. Reúne

grupos de alunos e ex-alunos da graduação e da pós-graduação stricto sensu que, sob

orientação da Prof. Adriana, passaram a estudar de forma aprofundada os temas nucleares do

Programa e aqueles que lhes são correlatos. Desenvolvendo uma série de projetos, tais como

grupo de estudos, disciplinas optativas, seminários, pesquisas, cursos de formação, atividades

de extensão, dentre outras, o Programa RECAJ-UFMG honra a sua vocação para ações

variadas em seus temas de forma responsável, séria, atualizada, científica e contemporânea.

No RECAJ-UFMG, a indissociabilidade entre o ensino, pesquisa e a extensão é uma marca

distintiva.

Agradecemos ainda a todas as pesquisadoras e pesquisadores pela inestimável contribuição e

desejamos a todos uma ótima e proveitosa leitura!

Belo Horizonte-MG, 26 de novembro de 2020.

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Profª. Drª. Adriana Goulart de Sena Orsini - Coordenadora do Programa RECAJ-UFMG

Prof. Dr. Caio Augusto Souza Lara - SKEMA Business School/ESDHC/CONPEDI

Prof. Dr. José Eduardo Resende Chaves Júnior - SKEMA Business School/PUC Minas

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1 Mestranda em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos da Universidade Estadual do Amazonas (UEA)

2 Mestrando em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos da Universidade Estadual do Amazonas (UEA)

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ANÁLISE DO SISTEMA INTEGRADO DE SEGURANÇA PÚBLICA (SISP) COMO FERRAMENTA DE INTELIGÊNCIA CONTRA O CRIME NO AMAZONAS

ANÁLISIS DEL SISTEMA INTEGRADO DE SEGURIDAD PÚBLICA (SISP) COMO HERRAMIENTA DE INTELIGENCIA CONTRA EL CRIMEN EN EL AMAZONAS

Alisilvia Leão Pedroso 1Seldon Rodrigues Duarte Junior 2

Resumo

A pesquisa visa analisar a efetividade do Sistema Integrado de Segurança Pública (SISP),

como ferramenta da Atividade de Inteligência da Segurança Pública, de prevenção e combate

à criminalidade no Amazonas. Tem abordagem quantitativa, de pesquisa exploratória-

descritiva, de natureza documental. Infere-se que o SISP, possui efetividade, apenas na

capital, Manaus e mais 10 (18%) municípios do interior do Estado, com isso, 51 (82%)

municípios não possuem o sistema para registro em suas delegacias. Assim, faz-se necessário

investimento do governo do Estado, no aprimoramento ou em novas políticas públicas, que

contemplem o SISP a todos os municípios do Estado do Amazonas

Palavras-chave: Estado, segurança pública, Atividade de inteligência, Políticas públicas, Municípios

Abstract/Resumen/Résumé

La investigación tiene como objetivo analizar eficacia del Sistema Integrado de Seguridad

Pública (SISP), como herramienta la Actividad Inteligencia, para prevenir y combatir el

crimen en el Amazonas. Tiene un enfoque cuantitativo, de investigación exploratoria-

descriptiva, de naturaleza documental. Se infiere que el SISP tiene eficacia sólo en la capital,

Manaus y en 10 (18%) municipios más del interior del Estado, con lo que 51 (82%)

municipios no tienen el sistema de registro en sus comisarías. Por lo tanto, es necesario

invertir el gobierno del Estado en la mejora o en nuevas políticas públicas incluyan el SISP

los municipios del Amazonas

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Estado, seguridad pública, Actividad de inteligencia, Políticas públicas, Municipios

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1 - INTRODUÇÃO

A questão da prevenção e do combate à violência, tem-se tornando cada vez mais uma

prioridade na gestão da segurança pública e da defesa social, tendo em vista que os modelos

tradicionais de segurança pública limitam-se apenas na atuação do Estado como aparelho

repressor e de punição, por meio das instituições de polícia e sistemas prisionais. Nesse

contexto, que Santos, destaca a importância da Atividade de Inteligência quando diz que:

A Atividade de Inteligência voltada para a segurança pública ganha destaque na lei e

passa a ter o papel principal de prevenir e neutralizar as ações do crime organizado, com o

intuito de produzir conhecimentos estratégicos para a elaboração de políticas de prevenção e

antecipação a condutas criminosas que serão materializados nas ações dos gestores

governamentais.

Sabe-se que a Secretaria de Segurança Pública possui como uma de suas ferramentas

da Atividade de Inteligência o Sistema Integrado de Segurança Pública (SISP), atuando na

prevenção e no combate à criminalidade no Amazonas, tendo como um dos seus principais

Módulo operacionais, o Boletim de Ocorrência Eletrônico (BOE) que através de sua interface

gráfica possibilita que o usuário registre todas as naturezas, os objetos e os envolvidos, na

ocorrência, qualificando cada um conforme sua participação no fato: vítima, autor, suspeito,

condutor, noticiante, representante, declarante além dos objetos relacionados a ocorrência como

armas, produtos ilícitos, dentre outros. O BOE foi desenvolvido para executar as seguintes

funcionalidades, conforme Termo de Contrato 042/2011 - SSP, do Governo do Estado do

Amazonas, a saber:

I - Permitir a inserção de informações na base de dados sistema através dos

formulários de cadastros dos boletins de ocorrência;

II - Gerar um código único de identificação dos boletins de ocorrência;

III - Informar a unidade operacional e o usuário responsáveis pelo registro dos

boletins de ocorrência;

IV - Realizar o cadastro de pessoas e objetos na base de dados sistema;

V - Realizar consultas do cadastro civil de pessoas na base de dados do Instituto

de Identificação;

VI - Realizar consultas processuais de pessoas na base de dados do Tribunal de

Justiça;

VII - Realizar consultas de mandados de prisão junto ao banco de dados do Sistema

Nacional de Informações Criminais de Justiça e Segurança (INFOSEG);

VIII - Realizar a situação de armas apreendidas através da consulta da base de dados

do Sistema Nacional de Armas (SINARM)

VIX - Realizar a consulta dos dados cadastrais de veículos junto ao Departamento

Nacional de Trânsito (DENATRAN), possibilitando verificar situação do CRV e

CRLV;

X - Realizar consulta na base de dados da Delegacia Especializada em Roubos

de Furtos de veículos (DERFV), possibilitando identificar a existência de restrição de

roubou ou furto de veículos.

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XI - Realizar a interação com mapas georeferenciados (via satélite) através de

sistemas de posicionamento global (GPS).

XII - Possibilitar a edição dos boletins de ocorrência já registrados;

XIII - Transferir os boletins de ocorrência registrados para as delegacias

responsáveis pela apuração de delitos em suas respectivas áreas. (AMAZONAS,

2011 p. 13 e 14).

Com isso, o presente artigo tem como objeto central do estudo analisar a efetividade do

SISP, como ferramenta de Atividade de Inteligência da Segurança Pública, como um sistema

coordenado e integrado, de atendimento às demandas da população, busca ainda demonstrar a

importância das atividades de inteligência com o suporte das novas tecnologias para a adoção

de estratégias e ações no âmbito da segurança pública visando à prevenção e intervenção nos

conflitos e a manutenção da ordem pública, análise da efetividade, mediante ao processo de

integração entre os órgãos de segurança, no compartilhamento de informações criminais,

otimização da coleta de registros criminais, por meio da base de dados georeferenciada e sua

contribuição para elaboração de políticas públicas de segurança e de planejamento de ações de

prevenção e combate à criminalidade no Amazonas.

2 - METODOLOGIA

Este estudo utilizou o tipo de pesquisa quanto ao aprofundamento do estudo à forma

exploratória-descritiva, tendo como objetivo proporcionar maior familiaridade com o objeto de

estudo, visto que o assunto ainda não é tratado com a importância que deveria ter pelos órgãos

de Segurança pública e não possuir uma vasta literatura na área de inteligência. Em relação ao

tipo de pesquisa quanto ao método utilizado para a coleta de dados, usou-se o método

quantitativo, com a intenção de compreender e interpretar a aplicação do conhecimento da

atividade de inteligência no enfrentamento ao crime no Brasil; demostrando no Amazonas como

se constitui essa atividade no âmbito da segurança pública, cujo foco principal pautou-se em

analisar da efetividade do Sistema Integrado de Segurança Pública (SISP), a partir de sua

implementação no ano de 2013, como ferramenta de inteligência computacional, na utilização

da plataforma do Boletim de Ocorrência Eletrônico (BOE), disponibilizado para as delegacias

de polícia, como uma das formas de combate à criminalidade no Estado do Amazonas.

Por meio da análise quantitativa tomaram-se os dados como amostra, a instituição de

segurança pública, visando à possibilidade de se trabalhar os indicadores de criminalidade no

contexto do Estado, com dados divulgados no site da Secretaria de Estado de Segurança Pública

(SSP), como também, com a pesquisa bibliográfica em estudo e o nível de generalidade que se

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pretende atingir, tendo como o universo de pesquisa, os dados de criminalidade nos municípios

do Amazonas, nos anos de 2019 e 2020.

3 - DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

3.1 – Atividade de Inteligência no Brasil e no Amazonas no âmbito da gestão da segurança

pública

No caso do Brasil, as Atividades de Inteligência existem desde o início do século XX,

mas a referência mais comum é ao antigo Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão

associado ao aparato repressor do regime de exceção e extinto, em 15 de março de 1989. O

atual órgão central de inteligência do Estado é Agência Brasileira de Inteligência (ABIN),

criada pela Lei nº 9.883, de 07 de dezembro de 1999. A ABIN foi criada com a finalidade

precípua de ser um órgão de inteligência perfeitamente adequado ao regime democrático,

atuando, sem quaisquer motivações político-partidárias, em estreita observância das leis e em

defesa do Estado e da sociedade.

O Decreto nº 3.695/2000 criou o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública, no

âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), definindo que a Secretaria Nacional de

Segurança Pública (SENASP) é o órgão central desse sistema. O § 3º do artigo 2º do citado

Decreto estabelece que:

Cabe aos integrantes do Subsistema, no âmbito de suas competências, identificar,

acompanhar e avaliar ameaças reais ou potenciais de segurança pública e produzir

conhecimentos e informações que subsidiem ações para neutralizar, coibir e reprimir

atos criminosos de qualquer natureza (BRASIL, 2000).

Na mesmo do Decreto, que criou o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública

(SISP), com a finalidade de coordenar e integrar as atividades de Inteligência de Segurança

Pública em todo o país, bem como suprir o governo federal e os estaduais de informações que

subsidiem a tomada de decisões neste campo, cabendo aos integrantes deste Subsistema, no

âmbito de suas competências, identificar, acompanhar e avaliar ameaças reais ou potenciais de

segurança pública e produzir conhecimentos e informações que subsidiem ações para

neutralizar, coibir e reprimir atos criminosos qualquer natureza.

Neste sentido, seguindo a doutrina de segurança pública entre os Estados do Brasil,

chegando então ao Estado do Amazonas, conforme Lei Delegada n. 79 de 18 de maio de 2007,

esclarece o papel da Política de Segurança Pública:

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Art. 1.º A Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP), órgão integrante da

Administração Direta do Poder Executivo, tem como finalidades:

I - coordenação geral das atividades setoriais do Sistema de Segurança Pública do

Estado do Amazonas, composto pelas Polícias Civil e Militar, pelo Corpo de

Bombeiros Militar do Amazonas e pelo Departamento Estadual de Trânsito do

Amazonas - DETRAN, de modo a garantir o livre exercício dos Poderes Constituídos

e a segurança física e patrimonial dos cidadãos mediante atuação integrada e presente

desses organismos junto à comunidade;

II - assessoramento ao Governador do Estado na formulação das diretrizes e da

política de garantia e manutenção da ordem pública. (AMAZONAS, 2007).

Nesta mesma Lei, tem-se a instituição e estruturação da Secretaria Executiva Adjunta

de Inteligência (SEAI), que dispunha sobre o regimento interno da Secretaria de Estado de

Segurança Pública, a qual atua em todo o Amazonas por meio do Sistema Integrado de

Inteligência em Segurança Pública do Amazonas (SISPEAM), com a prerrogativa investigar

crimes contra a vida e o patrimônio público, tráfico de drogas, crime organizado, crimes

ambientais, sistema prisional, atuando também na investigação em qualquer órgão público do

Estado.

3.2 - Efetividade do SISP no Amazonas, a partir dos indicadores de criminalidade

O SISP foi desenvolvido pela empresa PRODAM – Processamento de Dados

Amazonas S.A através do termo de contrato N.º 042/2011-SSP firmado com o Governo no

Amazonas por intermédio da Secretaria de Estado de Segurança Pública – SSP, tendo como

principal objetivo, a integração das informações referentes a segurança pública armazenadas,

constituindo-se como fonte oficial de dados referentes a criminalidade e desempenho policial

no Amazonas. Possui em sua interface gráfica, módulos que são direcionados e operados pelos

órgãos que compõe a segurança pública, com sendo analisado o funcionamento do módulo

Polícia Civil o qual possui a funcionalidade Boletim de Ocorrência Eletrônico (BOE) que

através de sua interface gráfica possibilita que o registro de ocorrências criminais tipificadas no

código penal brasileiro.

Inicialmente, o SISP foi implantado na cidade de Manaus e posteriormente, no ano de

2013, em municípios do Estado do Amazonas. Atualmente, segundo informações do

Departamento de Tecnologia & Inovação – DETEC/SEAI/SSP, dos 62 municípios do interior

do Amazonas, o Sistema encontra-se instalado para registros e consultas de boletins de

ocorrências na capital Manaus e em apenas 10 (dez) municípios do Estado, a saber: Coari,

Eirunepé, Humaitá, Itacoatiara, Lábrea, Manacapuru, Parintins, São Gabriel da Cachoeira,

Tabatinga e Tefé.

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Diante do exposto, torna-se necessário para pesquisa analisar os indicadores de

criminalidade no Amazonas, dos 61 municípios do Amazonas, tendo em vista que na capital, o

SISP tem pleno funcionamento nas delegacias de polícia, quanto a utilização de registro e

consulta de informações de criminalidade no módulo BOE. O período de análise decorreu de

2019 a julho de 2020, sendo demonstrados os indicadores de crimes da seguinte natureza:

estupro, homicídios, lesão corporal seguida de morte, roubos, violência doméstica, conforme

tabela I a seguir:

Tabela I: Indicadores de Criminalidade no Amazonas – (2019 à julho de 2020).

INDICADORES DE CRIMINALIDADE EM 61 MUNICÍPIOS DO AMAZONAS (2019 - JULHO 2020)

NATUREZA DA VIOLÊNCIA / ANO

OCORRÊNCIAS

REGISTRADAS

MUNICÍPIOS

COM REGISTRO

MUNICÍPIOS

COM REGISTRO

NO SISP

TOTAL

2019

TOTAL

2020

2019 2020 2019 2020

N % N % N N

ESTUPRO 69 54 15 24% 5 8% 3 1

HOMICÍDIOS 155 82 31 52% 27 45% 9 8

LESÃO CORPOTAL SEGUIDA DE MORTE 46 19 6 10% 6 10% 2 5

ROUBO 743 448 23 38% 15 25% 8 8

VIOLENCIA DOMÉSTICA 559 340 - - - - - -

Ao analisarmos os indicadores de criminalidade, verifica-se que dos 62 municípios do

Amazonas, apenas 18% constituem no âmbito das delegacias de polícia civil o sistema SISP,

para registro no módulo BOE. Com isso, as demais cidades do interior correspondendo a grande

maioria, com 82% conseguem utilizá-lo apenas para consultas, sendo realizados os registros

criminais por meio de arquivos de textos ou planilhas, ou seja, não são inseridos em tempo real

na base de dados, sendo repassados posteriormente à Secretaria de Segurança Pública.

Diante disso, após a avaliação dos indicadores de criminalidade no âmbito do Estado,

verificou-se que em 2019, os crimes representam superior ao ano de 2020, entretanto os dados

de 2020 representam apenas o primeiro semestre, podendo haver um aumento desse

quantitativo numa projeção para o segundo semestre do ano vigente. Dos municípios que

possuem indicadores quantificados e disponíveis à população, menos de 60% dos 61 municípios

possuem informações nos anos 2019 e 2020 de criminalidade, assim como, os 10 (dez)

municípios do Amazonas que possuem o SISP funcionando para registro nas delegacias, nem

todos aparecem com dados quantificados, o que constata-se que a SSP utiliza outras fontes de

dados para quantificar a criminalidade na grande maioria dos municípios do Estado.

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3.3 - Discussão sobre os limites e desafios do SISP enquanto sistema de integrado de

segurança pública que visa atender as demandas da população contra a criminalidade no

Amazonas.

Diante das análises documentais realizadas por meio dos indicadores de criminalidade

da Segurança Pública do Amazonas, quanto ao funcionamento do SISP nas delegacias de

polícia civil, suscitou verificar que o campo de atendimento as demandas da população

amazonense nas ações proteção e combate à criminalidade em mais de 80% dos municípios do

Amazonas é praticamente inexistente. A questão problema suscitada, foi constatada, a partir da

demonstração dos respectivos dados públicos de criminalidade, os quais não demonstram em

sua completude os indicadores de violência em todo o Estado, assim como, os documentos

correspondentes da SSP, como o Decreto n 34.181 de 14 de novembro de 2013, que destacou a

implantação do Programa Ronda no Bairro, assim como a ampliação do SISP em doze

municípios, incluído Manaus, o que de fato vem corroborar com esse estudo, quando

relacionam os municípios com o SISP no modo operacional para registro no módulo BOE.

A referente pesquisa aponta para necessidade de maior investimento nas atividades de

inteligência e seus modus operandi, os quais constituem uma lacuna para a obtenção e trato da

informação e produção do conhecimento nas estratégias e gestão em Segurança Pública, tendo

em vista que a vulnerabilidade da informatização e de ausência de acesso à rede de internet,

para operacionalização do SISP na maioria das delegacias dos municípios do Amazonas, torna

a Atividade de Inteligência insegura, tal qual a inviolabilidade e divulgação indevida da

informação que poderá colocar em risco toda uma estratégia organizacional.

Entretanto, mesmo se voltando para avanços na política de Segurança Pública, no

tocante das cidades do interior do Estado, espera-se um foco voltado para uma maior gestão,

estratégias e investimento do poder público, na medida em que trará maior confiabilidade,

oportunidade e utilização prática na tomada de decisão e na implementação de ações

estratégicas que visem a prevenção da criminalidade e da violência.

4 - CONCLUSÃO

Para implantar uma estrutura eficaz de Inteligência que possa contribuir na tomada de

decisões estratégicas na área da Segurança Pública, faz-se necessário adequar-se ao novo,

estabelecendo novos conceitos originados da teoria versus prática e dos aspectos doutrinários

versus vivência, ou seja, realizar o aprimoramento ou novas doutrinas, padrões, tecnologias e

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novos métodos e processos, com a finalidade de melhorar e atender aos desafios impostos pelas

transformações do mundo.

O SISP é uma ferramenta de extrema relevância para Atividade de Inteligência no

Amazonas, pois não se pode pensar em prevenção e muito menos em combate às atividades das

organizações criminosas sem um investimento significativo em inteligência, e nesse contexto,

o investimento se dá na informatização da rede de acesso à internet de qualidade e suficiente

para abarcar o SISP, no módulo BOE, nas delegacias de polícia civil dos municípios os quais

ainda registram os crimes praticados. Afinal, investimentos em inteligência costumam dar

retorno maior que a simples aplicação de recursos na solução de questões como a superlotação

de presídios ou a falta de equipamentos e pessoal das polícias, ainda que essas também são de

grande relevância.

5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS

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______. Lei Delegada n° 89 de 18 de maio de 2007. Dispõe sobre o Corpo de Bombeiros

Militar do Estado do Amazonas - CBMAM, definindo suas finalidades, competências e

estrutura organizacional, fixando o seu quadro de cargos comissionados e estabelecendo

outras providências.

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http://www.prodam.am.gov.br/portifolio/sisp/. Acesso em 02 de julho 2020.

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Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9883.htm>. Acesso em: 1

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CHIAVENATO, Idalberto, 1929-. Planejamento Estratégico, Arão. Sapiro. - 20 ed. - Rio de

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Criminais, Paper elaborado em: 2002. Disponível em: <http://www.vivaciência.com.br>.

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JANUÁRIO, Jatniel Rodrigues. Integração entre as Polícias Militar e Civil do Amazonas:

Análise do Ambiente de Cooperação Interorganizacional na Perspectiva dos Principais

Gestores do Policiamento de Manaus. Belo Horizonte, 2012.

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REFLEXÃO SOBRE A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS NA ATUAL SOCIEDADE INFORMATIZADA E VIRTUALIZADA

REFLECTION ON THE GENERAL LAW ON THE PROTECTION OF PERSONAL DATA IN THE CURRENT COMPUTERIZED AND VIRTUALIZED SOCIETY

Almir Teixeira EsquárcioDavi Teixeira Esquarcio

Resumo

Este trabalho visa contribuir para a reflexão e debate acerta do tema da Lei Geral de Proteção

de Dados para nossa atual sociedade informatizada e virtualizada em que dados são coletados

a todo momento, com a finalidade de instigar uma reflexão sobre a adequação do cenário

governamental e coorporativo brasileiro à Lei Geral de Proteção de Dados. Objetiva-se ainda

analisar os desafios, ações, implementações e adaptações que governos e organizações

empresariais terão que executar para adequar-se à lei, gerando o mínimo possível de impacto

e invasão de privacidade na vida cotidiana dos cidadãos.

Palavras-chave: Lei geral de proteção a dados pessoais, Sociedade informatizada e virtualizada, Coleta de dados

Abstract/Resumen/Résumé

This work aims to contribute to the correct reflection and debate on the theme of the General

Data Protection Law for our current computerized and virtualized society in which data are

collected at all times, in order to instigate a reflection on the adequacy of the governmental

scenario and Brazilian corporation to the General Data Protection Law. It also aims to

analyze the challenges, actions, implementations and adaptations that governments and

business organizations will have to carry out to comply with the law, generating the least

possible impact and invasion of privacy in the daily lives of citizens.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: General law on protection of personal data, Computerized and virtualized society, Data collect

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INTRODUÇÃO

O presente resumo expandido foi desenvolvido com o intuído de refletir acerca dos

reflexos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, Lei nº 13.709/2018, na atual sociedade

informatizada e virtualizada em que vivemos. Esta lei regula as atividades de tratamento de

dados pessoais e também altera os artigos 7º e 16 do Marco Civil da Internet. Para tanto, foi

realizada análise bibliográfica, exegese normativa, utilizado o método hipotético dedutivo e a

pesquisa foi do tipo descritiva, atingindo seu objetivo final e confirmando a hipótese proposta.

Ressalta-se a relevância do presente resumo na compreensão da Lei Geral de Proteção

a Dados Pessoais (LGPD) diante da importância do instituto da privacidade, vida privada e

intimidade no ordenamento jurídico brasileiro, o que traduz consequências evidentes à

segurança jurídica e à estabilidade das relações interpessoais dos cidadãos.

DESENVOLVIMENTO

Vivemos tempos de uma sociedade altamente informatizada e virtualizada, em que pelo

menos nos grandes centros urbanos existe uma malha de conexão tecnológica, com dados sendo

coletados a todo momento. Hoje em dia, qualquer pessoa após fazer uma pesquisa em um site

de busca na internet, é bombardeada por publicidades sobre o produto ou serviço que se buscou,

todo tipo de informativo começa a aparecer para o usuário sem o seu consentimento. Ao

pesquisar sobre um evento esportivo ou cultural para ir num sábado à noite, o usuário vai

receber notificações de toda sorte de espetáculos em cartaz; ao pesquisar o preço de um produto

qualquer, o usuário vai ser bombardeado por toda sorte de publicidade sobre este produto em

todas as suas mídias digitais e por dias seguidos. Hoje em dia, qualquer celular com conexão à

internet é como uma grande antena disponível para captar e enviar todo tipo de dados e

informação sobre o seu usuário. Os governos e as grandes organizações corporativas, além dos

meios de comunicação, captam de forma invisível e silenciosa os dados de todos os sistemas

eletrônicos como celulares, tablets e computadores. A vigilância ao cidadão é permanente, para

o bem ou para o mal.

Entretanto, o Código Civil Brasileiro salvaguarda o cidadão com o seu artigo. 21 – “A

vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as

providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.” Ora, somente

por isso, avaliar o sistema de coleta e armazenamento de dados do cidadão já representa uma

contribuição relevante para sociedade, uma vez que a literatura ainda apresenta lacunas para

normas regulamentadoras que carecem de aderência, subsídio e respaldo por parte de

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governantes e organizações que possam garantir a usabilidade dos dados dos usuários de modo

consensual.

Mesmo tendo avanços significativos nas leis brasileiras, como o Marco Civil da Internet,

Lei nº12.965, de 23 de abril de 2014, a Lei nº13.709, de 14 de agosto de 2018, denominada

LGPD, chegou com alterações, novos textos e com o objetivo de consolidar as diversas

determinações existentes. O seu conteúdo está sendo estudado e debatido de forma ampla e

coletiva, pois trata de como os dados dos cidadãos serão coletados, analisados e tratados por

empresas de diversos ramos de atividades.

Todo esse volume de dados, informações, documentos, fotos e muito mais que possa

trafegar na internet, tem seu valor agregado, tem de alguma forma sua importância, para quem

é seu proprietário. Com todo esse fluxo trafegando, é possível esperar que, de certa forma,

pessoas mal intencionadas tentem capturar certas informações, ou para ganho monetário,

solicitando algum tipo de resgate, ou para obter glória pública perante seus pares. De qualquer

maneira, esses dados, originalmente, não foram projetados para serem ocultos, ou protegidos

na rede onde trafegam. A internet não foi projetada para esconder dados, mas sim para interligar

e compartilhar informações, provendo um canal de comunicação entre a origem e destino. Este

cenário propiciou um nicho de negócios que muitos ainda não perceberam: a negociação de

dados.

Tendo em vista a grande quantidade de dados pessoais e informações sigilosas que

trafegam pela rede mundial de computadores, era de se esperar uma legislação específica para

regulamentar esse conteúdo e quem o utiliza, tanto proprietário do dado, quanto quem processa

e trata o mesmo. Protegê-los são tão importantes quanto proteger as pessoas a que eles

identificam. Empresas em diversos ramos de atividade, mantêm bancos de dados com gigabytes

de informações e dados pessoais para que possam operar. O problema é quando esse mesmo

banco de dados, é alvo de algum tipo de ataque, ou vazamento. Os dados são vazados e não tem

como mensurar a exata amplitude deste ato.

Enumerar casos de vazamento de dados seria uma das coisas mais fáceis de se fazer,

pois é algo muito rotineiro nos dias de hoje. Leis específicas foram criadas durante

acontecimentos que não tinham regulação específica para serem tipificadas, como exemplo a

Lei nº 12.737, de 30 de novembro de 2012, que dispõe sobre a tipificação criminal de delitos

informáticos. Essa lei é conhecida informalmente como “Lei Carolina Dieckmann”. A LGDP

vem para dar um norte, uma diretiva e regulamentar uma área que, até então, não tinha regras

bem definidas e fundamentadas.

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A real necessidade de tudo isso, é deixar de forma clara, nítida e de fácil entendimento,

que qualquer empresa que de alguma forma, coleta, armazena, trata dados pessoais, precisa dar,

tanto ao usuário dessas informações, quanto à sociedade, em caso de vazamento, uma resposta

rápida e eficiente que atenda a legislação em vigor. É de extrema valia que os dados sejam

coletados, processados e armazenados com total sigilo, cuidado e ciência do que será feito com

ele pelo seu proprietário. Isso inclui também, o tempo de armazenamento e como será feita a

exclusão da base de dados em caso de término da prestação do serviço pela empresa, ou em

caso de desistência do usuário em fazer negócios com ela.

A internet se tornou essencial para muitas instituições, incluindo empresas grandes e

pequenas, escolas, universidades, órgãos do governo, bem como para o cidadão comum. Afinal,

os mais diversos tipos de pessoas também contam com a internet para suas atividades

profissionais, sociais e pessoais. Mas por trás dessa praticidade, existe a parte obscura, um lado

no qual pessoas mal-intencionadas tentam causar problemas em nosso cotidiano, danificando

nossos computadores conectados à internet, violando nossa privacidade e deixando inoperante

os serviços da rede dos quais dependemos (KUROSE, 2013).

A área de segurança trata de como essas pessoas podem ameaçar a infraestrutura de

redes de computadores e como pode ser feito a defesa da infraestrutura contra essas ameaças,

ou ainda, criar arquiteturas imunes a tais riscos. A Segurança da Informação está baseada em

pilares que fazem sua sustentação. Olvidar qualquer um deles, pode gerar grandes infortúnios

tanto as organizações quando a sociedade em que vivemos. Tais pilares podem ser elencados

como confidencialidade, integridade, disponibilidade.

A LGPD vem para garantir esses pilares e mitigar ataques que possam comprometer as

informações, tanto pessoais quanto de empresas e órgãos do governo. Planejar metodologias

ativas e implantar boas práticas nas empresas, certificando-as através de recursos já

consolidados e reconhecidos, é uma tarefa árdua que os especialistas em segurança terão que

executar. Tais medidas podem evitar grandes perdas de informações e de valores monetários.

Em uma sociedade tecnológica e cada vez mais digital, temos a todo instante nossos dados

coletados para uma determinada finalidade. Dados estes, particulares e com alto valor agregado.

Uma vez mal utilizado, tem alto poder destrutivo e pode gerar prejuízos irreparáveis (GAIVÉO,

2008).

Existe muitas questões que devem ser avaliadas e levadas em consideração quando o

assunto é segurança dos dados nos meios tecnológicos. Praticamente todos os dados são

digitais; carteira de motorista, título de eleitor, carteira de trabalho, CPF, documentos de

veículos, bancos, e-mails etc... Dentro do celular atualmente encontra-se uma vida inteira no

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formato digital. Sem falar em fotos, vídeos, mensagens trocadas com amigos e familiares em

aplicativos. Ter a real noção de como os dados estão sendo tratados, por quem, qual empresa

tem acesso a eles, e para qual finalidade, é muito importante nos dias de hoje. Essas informações

têm alto valor agregado, e algumas empresas conseguiriam manipular e gerar banco de dados

com uma compilação de milhares desses elementos para uso próprio com grande facilidade.

A LGPD tem por escopo proteger, delimitar e garantir a correta utilização desses dados.

Deixar mais acessível a informação sobre permissões concedidas pelo usuário que permitirá a

utilização de qualquer dado que possa identificá-lo. Também evitar que empresas mal-

intencionadas, possam mascarar o comércio clandestino de informações por trás de um simples

vazamento de dados causado por hackers mal-intencionados ou funcionários insatisfeitos. A

lei, veio para regulamentar e dar proteção aos dados pessoais. Existem vários pontos a serem

observados, pois é um texto extenso e abrangente. Mas tem alguns que precisam de uma atenção

bem maior e o apoio de pessoas competentes na área do direito. A LGPD no seu artigo 14: “O

tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes deverá ser realizado em seu melhor

interesse, nos termos deste artigo e da legislação pertinente”. Este artigo contém 6 parágrafos e

a palavra “adolescente” não aparece em nenhum deles. Perante a lei, há uma diferença entre

criança e adolescente. Em uma empresa que trate dados de pessoas que se enquadrem nessa

característica, como exemplo, uma instituição de ensino, deverão observar esse detalhe e

adequar o tratamento de modo a ficar compliance com lei.

Sendo assim, pode-se entender que a segurança da informação é uma ferramenta do

sistema de gestão implantado nas organizações com o intuito de proteger não somente a

infraestrutura de redes tecnológicas, bem como as informações de negócios e os dados dos

recursos humanos gerados nas operações do dia a dia. Seguindo essa linha de estudos, enxerga-

se na LGPD um grande aliado que veio para regulamentar um setor que estava à deriva, e que

vem crescendo exponencialmente a cada dia, necessitando de regulamentação clara e objetiva.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, pode-se concluir que, de fato, ainda falta um longo caminho a ser

percorrido para a adequação total da sociedade informatizada e virtualizada à LGPD. Contudo,

também é necessário reconhecer que nunca se falou tanto em segurança, proteção de dados e

privacidade. Governos, empresas e a sociedade como um todo, estão percebendo a real

necessidade de se preservar a privacidade dos dados; principalmente em tempos atuais de

pandemia, no qual o uso da tecnologia e interações virtuais virou rotina para a grande maioria

da população.

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Observa-se que há muito o que fazer para adequar-se à lei, visto que os dados que

trafegam na internet são extremamente vulneráveis, uma vez que os sistemas não foram

originalmente projetados para proteger os dados, mas sim para conectar locais e compartilhar

informações. Cenários diversos, com situações particulares e peculiares, onde se fará necessário

a análise de caso a caso para que o mais importante, o dado do usuário, seja protegido de forma

correta e compliance à lei.

Conclui-se, desta forma, que restamos em um cenário anuviado em termos legais e

fragilizado em termos de segurança. Em parte, pelo fato de a lei ainda não estar em vigor de

forma plena, em parte, pela constante mutabilidade da vida em sociedade tão informatizada

atualmente. Evidencia-se a urgência da reflexão conjunta da sociedade, governos, empresas e

usuários de serviços tecnológicos para atentar ao desafio de adequação da Lei Geral de Proteção

de Dados a este admirável mundo virtualizado.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Civil. Brasília, DF, Senado, 2002. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 09 nov.

2020.

BRASIL. Código de Processo Civil. Brasília, DF, Senado, 2015. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 09 nov.

2020.

BRASIL. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Brasília, DF, Senado, 2018.

Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm.

Acesso em: 09 nov. 2020.

BRASIL. Lei Nº 12.965, de 23 de abril de 2014 (Marco Civil da Internet). Brasília, DF,

Senado, 2014. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-

2018/2018/lei/L13709.htm. Acesso em: 09 nov. 2020.

BRASIL. Lei Nº 12.737, de 30 de novembro de 2012. Brasília, DF, Senado, 2012. Disponível

em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12737.htm. Acesso em: 09

nov. 2020.

GAIVÉO, Manuel José. As Pessoas nos Sistemas de Gestão da Segurança da Informação.

2008. Tese de doutoramento – Universidade Aberta, Lisboa, 2008.

KUROSE, James F.; KEITH, W. Ross. Redes de computadores e a internet: uma

abordagem top-down. 6. ed. – São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2013.

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RORATTO, Rodrigo; DIAS, Evandro Dotto. Segurança da informação de produção e

operações: Um estudo sobre trilhas de auditoria em sistemas de banco de dados. Journal

of Information Systems and Technology Management. Revista de Gestão da Tecnologia e

Sistemas de Informação. Vol. 11, No. 3, Set/Dez., 2014 pp. 717-734. ISSN online: 1807-1775.

Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1807-

17752014000300717&lang=en>. Acesso em: 09 nov. 2020.

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1 Advogado. Mestrando em Constitucionalismo e Direitos na Amazônia no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Especialista em Direito Processual Civil pela UFAM.

2 Advogada. Mestranda em Constitucionalismo e Direitos na Amazônia no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela UEA.

1

2

CAPITALISMO DE VIGILÂNCIA E TECNOLOGIAS DIGITAIS: O ENFRAQUECIMENTO DAS DEMOCRACIAS PELA MANIPULAÇÃO DOS

DADOS PESSOAIS

SURVEILLANCE CAPITALISM AND DIGITAL TECHNOLOGIES: THE PERSONAL DATA MISUSE AND THE DECLINE OF THE DEMOCRACIES

Amyr Mussa Dib 1Victória Félix de Verçosa 2

Resumo

O objetivo dessa pesquisa foi analisar como a estrutura do capitalismo de vigilância,

fomentado pelas tecnologias digitais e manipulação de dados pessoais, tem contribuído para

o enfraquecimento do sistema político-democrático. O método utilizado nessa pesquisa foi o

dedutivo. A pesquisa foi bibliográfica e, quanto aos fins, qualitativa. O resultado que se

chegou foi que as democracias ocidentais passam por um momento de enfraquecimento por

táticas estruturadas de desinformação potencializadas por corporações tecnológicas.

Considera-se a necessidade de nova regulamentação para plataformas digitais de informação

que compatibilizem os princípios basilares da liberdade de expressão, transparência e

proteção de dados pessoais.

Palavras-chave: Dados pessoais, Democracia, Sociedade da informação

Abstract/Resumen/Résumé

The objective of this research was to analyze how the surveillance capitalism, fostered by

digital technologies and management of personal data, has contributed to the deterioration of

the democracies around the globe. The method used was deductive, the research was

bibliographic. The result was that Western democracies are going through a declining

moment due to structured tactics of disinformation enabled by automated and algorithmic

platforms owned and designed by technological corporations. Therefore, arises the need for a

new and complex regulation for digital platforms that reconcile the principles of freedom of

expression, transparency and protection of personal data.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Personal data, Democracy, Information society

1

2

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INTRODUÇÃO

Entre as diversas formas de organização social pela qual a sociedade se estruturou,

hoje, a informação, impulsionada pelas inovações tecnológicas, ganha destaque como ponto

central para o desenvolvimento da economia.

A denominada sociedade da informação, que embora não se restrinja ao ambiente

virtual, tem potencializado seu processo através das tecnologias digitais, e reestruturado toda

a dinâmica da sociedade, não somente no âmbito econômico, como político e social.

É nesse cenário que os dados pessoais dos cidadãos desempenham papel primordial,

pois do seu uso automatizado retiram-se valores para os quais se direcionam o sistema. Com a

evolução da internet e a massificação de plataformas calcadas em algoritmos e inteligência

artificial, passa-se a ter um novo tipo de capitalismo. As informações extraídas dos dados

podem orientar ações publicitárias, aperfeiçoar um produto com base na opinião dos

consumidores em rede. Os dados de saúde em conjunto com a inteligência artificial podem

contribuir com a descoberta ágil de diagnósticos e aperfeiçoar o processo administrativo dos

atos médicos, por exemplo.

Contudo, entre benefícios, também há riscos de consequências ainda pouco

mensuráveis de forma global. A exemplo das fake news, que têm sido utilizadas como

estratégias eleitorais, e são definidas como notícias falsas que quando propagadas

virtualmente dificultam a verificação de sua falseabilidade, se estrategicamente semeadas ao

longo de um processo democrático eleitoral, são capazes de levar o cidadão a erro. Situações

como essa podem não somente ter como consequência a eleição de um político indesejável

para a própria estrutura democrática, mas também gerar como efeito adverso e irreversível, a

dificuldade do indivíduo em identificar a realidade dos fatos e a veracidade da informação.

Pelo presente exposto, a referida pesquisa tenciona como problemática o seguinte

questionamento: tendo em vista que a sociedade da informação tem sido exponencialmente

moldada por tecnologias digitais que utilizam da manipulação de dados pessoais, como as

fake news na disputa eleitoral, para a concretização dos fins estruturados por um capitalismo

de vigilância, quais as perspectivas futuras para o sistema político-democrático e os possíveis

instrumentos legítimos capazes de mantê-lo incólume?

OBJETIVOS

O principal objetivo do trabalho é analisar como a estrutura do capitalismo de

vigilância, fomentado pelas tecnologias digitais e manipulação de dados pessoais, tem

contribuído para o enfraquecimento do sistema político-democrático.

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Para tanto, torna-se imprescindível definir as bases teóricas do capitalismo de

vigilância; identificar por quais mecanismos as tecnologias digitais tem manipulado os dados

pessoais e moldado o comportamento do cidadão; bem como, verificar as consequências

atuais e futuras que esse cenário de virtualização da sociedade tem trazido para o sistema

político-democrático.

METODOLOGIA

Para atingir os objetivos propostos, o presente trabalho utilizou-se do método

científico dedutivo, adotando-se o procedimento de base teórica por pesquisa bibliográfica,

quanto aos fins, trata-se de abordagem qualitativa, e a natureza da pesquisa é exploratória.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E DISCUSSÃO

A transformação da esfera pública nas sociedades ocidentais, especialmente na última

década, decorreu de um movimento de mutação do debate público para as plataformas digitais

e se distingue pela ausência de envolvimento estatal direto e pela ausência ou, quando

existente, insuficiência de uma regulação heterônoma efetiva.

Ao revés, a esfera pública digital é dominada por poucos grandes conglomerados

econômicos, os quais controlam as redes em que a maioria das interações humanas ocorre e

vieram a ser o principal canal de troca de informações e notícias.

Neste recorte, apresenta-se uma nova modalidade do capitalismo, baseada em

tecnologia de tratamento intensivo de dados pessoais. em mecanismos de inteligência

artificial e em algoritmos. Inicialmente, destinado a um novo mercado automatizado de

vendas de produtos e de serviços, naturalmente este capitalismo de vigilância foi adaptado

para o campo político e eleitoral, com a promessa de garantia da certeza dos resultados e

perspectivas de modificação comportamental (ZUBOFF, 2019).

A forma pela qual este novo poder afeta a democracia, especialmente ao minar as

capacidades de compreensão, acesso à informação e autocompreensão pessoal por uma lógica

de mercado constitui uma das principais formas de erosão da credibilidade das instituições de

uma sociedade constitucional e, consequentemente, na confiança nos meios tradicionais de

exercício da cidadania.

Há, pois, um contexto de assimetria entre distribuição e controle de poder, dado que o

alcance é ubíquo, porém apenas um pequeno número detém os recursos e condições práticas

para analisar, usufruir e direcionar estes dados conforme seus interesses. Este é, pois, o

paradoxo fundamental do estágio atual de desenvolvimento da esfera pública digital.

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O poder das plataformas digitais na sociedade algorítmica (BALKIN, 2018) é tão

massivo que não somente os seus usuários são por ela impactados. Os reflexos eleitorais e,

principalmente, de determinação da agenda pública por estes algoritmos atingem a todo o

conjunto da coletividade e não apenas aos usuários ativos da plataforma.

Com a recente evolução tecnológica, foram criados mecanismos de processamento e

circulação de dados em quantidade e velocidade antes inimaginável, tecnologias digitais que

organizam as informações de maneira escalável criando um mercado pautado em uma

economia de vigilância, na qual o consumidor é espectador de suas informações,

contribuindo, inclusive, para produzir o bem de consumo (BIONI, 2020).

Nesse liame, o Big Data encontra-se como o potencializador desse sistema econômico,

ao definir-se como uma forma atual de captura, análise, armazenamento e extração de valor

de grande quantidade de dados, o que possibilita, entre outros produtos, tomada de decisões

automatizadas e aumento de eficiência empresarial e governamental, ao criar novos modelos

de negócios e geração de riquezas com base em informações (GOMES, 2019).

Essa nova realidade tecnológica, com efeitos para além do setor econômico,

redesenha a estrutura social, em uma instituição clara da relação entre indivíduos e

informações. A esfera pessoal e a esfera política são conjugadas para, de um lado, proteger os

dados do indivíduo, e de outro, defender o direito à circulação democrática de certas

informações, a consequência é que tais regras de circulação também devem incidir sobre a

estruturação do poder na sociedade (RODOTÀ, 2008).

Um dos grandes problemas reside quando a relação entre o cidadão e os coletores de

suas informações não é devidamente transparente e as novas mídias utilizam-se dos dados dos

cidadãos para sondar e direcionar suas preferências. Esta é, precisamente, a característica que

vem se desenvolvendo com as mudanças das tecnologias,

Essa prática tem sido utilizada em grande escala pela produção de fake news, notícias

falsas que, com o objetivo de propagar informações inverídicas e enganar o destinatário da

informação, distorcem fatos ou opiniões emitidas por terceiros.

As finalidades são ao menos duas: (i) políticas, para favorecer um candidato ou

determinado tema ao alimentar polarizações sociais; (ii) de ordem econômica, para aumentar

a visualização, e como resultado, a remuneração de determinada página eletrônica. Entre suas

diversas consequências, certamente a desinformação generalizada e a perda da autonomia na

tomada de decisões são as mais graves para o sistema democrático (MARTINS; TATEOKI,

2019).

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O caso mundialmente conhecido e paradigmático foi o das eleições norte-americanas

de 2016, em que disputavam ao cargo da presidência: a candidata democrata Hillary Clinton e

o candidato republicano Donald Trump, que ao final alcançou êxito. No ano de 2018, foi

noticiado pela imprensa internacional que a empresa de marketing Cambridge Analytica teve

acesso a dados pessoais dos eleitores por meio do aplicativo Facebook, e que tais informações

foram utilizadas para direcionar propagandas e fake news capazes de influenciar no resultado

final das eleições (MARTINS; TATEOKI, 2019).

No Brasil, o uso massivo de notícias fraudulentas tem polarizado a discussão em

diferentes setores, e respingado o discurso nas instituições democráticas, a exemplo da

instauração do inquérito nº 4781, assinada pelo ministro Dias Toffoli, para investigação de

fake news em alegada defesa à credibilidade institucional do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em sede de arguição de preceito fundamental nº 572, que averiguava a constitucionalidade do

referido inquérito, o plenário decidiu pela legalidade e constitucionalidade da investigação.

Dessa feita, é possível afirmar que hoje, o cenário de vigilância é descentralizado, e

desse complexo panorama informacional, a estrutura social está sendo arquitetada em uma

vigilância ubíqua que mapeia todos os hábitos do cidadão e datifica sua vida. Com isso, de

qualidade opaca, tal vigilância resulta em um anacronismo entre o arranjo normativo e a atual

demanda para a proteção de dados. O estado da arte das tecnologias tem mistificado o poder e

a própria escolha dos cidadãos, gerando além de assimetria informacional, crescente

vulnerabilidade (BIONI, 2020),

As plataformas digitais desenvolvidas no âmbito da web 2.0 e que passaram a ser

identificadas pelo público em geral como “a internet” foram desenvolvidas com o propósito

de integração entre pares e atingiram crescimento exponencial com a promessa e garantia de

personalização. O atrativo para o usuário também é, sob outro viés, o grande motor de

geração de renda e valor das corporações.

Desta forma, conceitos como filter bubble (PARISIER, 2012) e câmaras de eco,

tornaram-se o padrão de basicamente todas as grandes operações digitais. Com a virtual

onipresença, direta ou indireta, do acesso às redes, tem-se o controle da agenda pública por

aqueles que tem os recursos necessários para deter as plataformas ou adquirir os serviços por

ela fornecidos para obtenção dos resultados de perfilamento desejados.

Vê-se que há indícios detectados que os algoritmos e as redes sociais por eles

desenhadas têm um papel de relevo na formação da esfera pública. À vista disso, as

comunidades de um determinado alinhamento político se retroalimentam, com a migração de

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conteúdos mais moderados para mais extremos e radicalizados conforme aumentam o uso da

plataforma (RIBEIRO, 2019).

Embora crescente a preocupação de legisladores e reguladores, sobre o ponto de vista

econômico e concorrencial (como as investigações feitas no âmbito da Câmara de

Representantes dos Estados Unidos ou Comissão Geral da União Europeia), seja na

perspectiva da proteção de direitos individuais (Regulamento Geral de Proteção de Dados da

União Europeia ou Lei Geral de Proteção de Dados no Brasil).

Os impactos da alteração da esfera pública não se esgotam nas eleições. Seu efeito se

propaga pela possível elaboração de políticas públicas baseadas em vontades populares

forjadas, sem representar a efetiva necessidade da coletividade e, principalmente, com

consequências deletérias para a própria legitimação da representação popular (MAGRANI;

OLIVEIRA, 2018).

Todavia, pelos seus efeitos deletérios para toda a coletividade (em transtorno

algorítmico crescente), a omissão dos detentores de tecnologia para coibir os efeitos colaterais

de sua busca pela geração de receitas por criação de engajamento artificial constitui

negligência e que deve, resguardada a proteção à liberdade de expressão, ser objeto de

regulação.

Por isto, a existência de um impacto externo motivado pelo abuso de uma determinada

atividade, seja sobre toda a coletividade ou pequenos grupos não vinculados às corporações,

legitima o uso de restrições ao livre exercício das operações desta.

Neste contexto, não se busca proibir a atividade geradora, mas que a corporação por

ela responsável seja compelida a adotar medidas para mitigar os impactos ou os compense.

Para isto, é necessário reaplicar o conceito de arquitetura das plataformas (LESSIG, 2006),

com o intuito de orientar as plataformas, que de uso inevitável, possuam em seu

desenvolvimento um conjunto de limitações e condicionamentos destinados ao fortalecimento

democrático.

Além, e em conjunto, a adoção de estruturas regulatórias de supervisão e medidas

antitrustes destinadas a diminuir a assimetria entre controladores e titulares individuais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As democracias ocidentais passam por um momento de aumento do populismo e

decréscimo de confiança nas instituições e meios de informações tradicionais, decorrentes de

táticas de desinformação, deliberada e não-deliberadas, e condicionamento social.

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Estas são propiciadas e, especialmente, potencializadas pela estrutura das grandes

corporações tecnológicas e a arquitetura de suas plataformas, as quais tendem a estimular a

dependência individual, a compartimentalização e o radicalismo de conexão necessários para

que elas tenham os meios de modificação necessários para aplicação de seu modelo de

negócio e visão de mercado.

Expostas as consequências já experimentadas pelas democracias contemporâneas e as

ameaças de erosão dos sistemas políticos, bem como da diminuição da autonomia individual,

decorrentes dos mecanismos tecnológicos que, ao prometerem efetividade e satisfação aos

cidadãos em troca de informações cada vez mais precisas, entregam opacidade, maiorias

artificiais, radicalização e conformações de ideias àqueles que detêm o poder, intelectual e

financeiro, para melhor manejar tais recursos tecnológicos.

Por isto, propõe-se a urgência de uma nova regulação, compatível com a promoção da

liberdade de expressão, a transparência e conformidade com o dever de proteção dos titulares

dos dados, calcados em requisitos mínimos de estrutura das plataformas combinadas com

soluções antitruste e de desconcentração do poder e conhecimento.

REFERÊNCIAS

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AS RELAÇÕES PLURILOCALIZADAS E A JUSTIÇA TRANSFRONTEIRIÇA PARA A PROTEÇÃO DE DADOS

PLURILOCALIZED RELATIONS AND CROSS-BORDER JUSTICE FOR DATA PROTECTION

Cristiane Helena de Paula Lima CabralMayra Thais Andrade Ribeiro

Resumo

A revolução industrial 4.0 provocou um novo rearranjo nas relações entre pessoas, sejam

físicas ou jurídicas, diante disso, esse artigo, partindo de uma abordagem do método dedutivo

com uma análise da vasta literatura sobre o tema, especialmente através de um estudo

bibliográfico e uma análise exploratória, pretende-se responder à indagação da importância

do uso da cooperação jurídica internacional no auxílio de resolução de questões ligadas a

conflitos transfronteiriços e, especialmente, na proteção de dados.

Palavras-chave: Cooperação jurídica internacional, Resolução conflitos, Direito internacional privado, Proteção de dados

Abstract/Resumen/Résumé

The industrial revolution 4.0 brought about a new rearrangement in the relationships between

people, whether physical or legal, given that, this article, starting from an approach of the

deductive method with an analysis of the vast literature on the subject, especially through a

bibliographic study and an analysis exploratory, it is intended to answer the question of the

importance of using international legal cooperation to help resolve issues related to cross-

border conflicts and, especially, data protection.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: International legal cooperation, Conflits resolution, Private international law, Data protection

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INTRODUÇÃO

As transformações tecnológicas provocadas pela Revolução Industrial 4.0

continuam repercutindo no dia a dia de todos.

Inúmeras foram as repercussões em diversos campos do conhecimento e,

especialmente, em questões relacionadas ao Direito. Uma disciplina que até então se via

à mercê desses acontecimentos, agora, passa a tratar e dispor de assuntos que possuem

inter-conexão com outras áreas do conhecimento.

E, em virtude disso, discute-se, cada vez mais, o uso da inteligência artifical,

algoritmos, robôs, trolls e os impactos que causam, sejam em órgãos do Poder

Judiciário ou nas redes sociais.

Paralelamente à essa discussão, o Direito Internacional Privado, ramo que

apresenta normas e procedimentos de reflexos nas searas públicas e privadas, e vê-se

dentro de um dinamismo de justiça global, a partir do momento em que deverá regular

questões relativas à conflitos de leis no espaço, haja vista a multipluralidade de normas

em virtude de relações/situações plurilocalizadas entre as pessoas, sejam jurídicas ou

físicas, tendo em vista, especialmente, o fenômeno da globalização e, nos últimos

tempos da Era Tecnológica.

Diante dessas breves considerações, o presente trabalho tem como objetivo

responder à seguinte indagação: o Direito Internacional Privado, através do instituto da

cooperação jurídico internacional será capaz de resolver os conflito transfronteiriços e

contribuir para a efetivação do processo democrático num mundo extremamente

conectado? E como os mecanismos de cooperação jurídica internacional podem auxiliar

na proteção dos dados pessoais?

A pesquisa se baseia no método dedutivo com uma análise da vasta literatura

sobre o tema, especialmente através de um estudo bibliográfico e uma análise

exploratória, para que seja possível chegar à solução acerca da contribuição do Direito

Internacional Privado para as questões relativas à proteção de dados e justiça

transfronteiriça.

Tal estudo se mostra extremamente importante considerando recentes decisões,

como, por exemplo,o inquérito das Fakes News, pelo Supremo Tribunal Federal e o

caso buscadores Google na Argentina.

A TRASNFRONTEIRANIEDADE DAS RELAÇÕES

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A dinâmica do alcance da internet traduz em parte a redução das barreiras físicas

de comunicação e mobilidade internacional, estamos mais conectados e mais próximos

em termos do contato proposto na forma de acessibilidade online. A regulamentação das

relações passa pelos aspectos das intervenções normativas dos Estados no que tange às

relações públicas e dirigismo nas relações privadas, devendo ser respeitada a autonomia

das partes envolvidas nos negócios jurídicos.

Tal dinâmica transfronteiriça reflete no desenvolvimento social, cultural,

econômico e jurídico, através deste o Direito deve acompanhar e impulsionar as

transformações e inovações das sociedades, de modo que não se torne um empecilho à

suas expansões, devendo respeitar as necessidades e garantias fundamentais daqueles

que são regidos por seus ordenamentos, sejam eles nacionais ou internacionais.

Na seara desta justiça transfronteiriça está a regulação do Direito Internacional

Privado (DIP), que possui como premissas os princípios da proximidade, da tolerância e

do respeito à diferença, no que se refere à condução das suas regras de conexão

indicativas para fins de se solucionar um conflito de leis no espaço envolvendo

situações plurilocalizadas, em respeito às normas e procedimentos processuais

estrangeiros. Neste sentido, estar mais próximo das pessoas e dos objetos das relações é

algo caro a este ramo jurídico.

Sempre que se depara com esta situação na qual haja mais de uma lei incidindo,

tem-se por evitar a que for mais distante da relação jurídica, estabelecendo aí uma

conexão de proximidade. A Convenção de Roma de 1980 sobre a Lei aplicável às

obrigações contratuais, a Lei italiana, a Lei venezuelana e a Convenção interamericana

de 1994 sobre direito aplicável aos contratos, já determinavam que, no que tange ao

direito internacional privado, as obrigações convencionais devem se reger pelo direito

que as vincule mais fortemente de maior proximidade.

Neste passo o DIP fundamenta-se no princípio da proximidade, segundo o qual a

cada situação transnacional o julgador deverá se orientar conforme a lei que seja melhor

e mais útil, que tenha mais aproximação com a pessoa, causa ou à questão jurídica.

Seria um princípio que orienta a solução do conflito de leis na escolha do ordenamento

jurídico a ser aplicado.

Além da proximidade da lei com a pessoa, à causa, ao contrato, entre outros

elementos plurilocalizados, percebe-se que o princípio da proximidade relaciona-se com

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a aproximação entre os povos, pessoas plurais e diversas relacionando-se das mais

variáveis formas em comunicações e transações comerciais e civis ao redor do mundo.

Em harmonia com o princípio da proximidade, o pensamento do direito

internacional privado faz com que deva aplicar a legislação, costume e valores do

direito estrangeiro, respeitando-se a lei de outro Estado, distinto do foro e, desta forma,

tolerando-se o diferente, sendo uma contribuição relevante para limitar ou por fim ao

ódio. Portanto, “o direito internacional privado baseia-se na tolerância do estrangeiro

que é permitido viver entre nós de acordo com seu próprio modo de ser.”1

(GOLDSCHMIDT, 1990, p. 18).

Não se nega que várias áreas do direito caminham se aproximam como forma de

lidar com questões transnacionais que ultrapassam a responsabilidade do Estado e das

pessoas de um só país, tais como meio ambiente, comércio e finanças, direito do mar,

propriedade intelectual, questões de violências entre outras que afetam simultaneamente

vários povos a fim de que haja uma harmonização dos consensos para que se alcance a

melhor solução das controvérsias. (DOLINGER, 2009).

Por tais aspectos plurais tem-se que as fontes que originam o direito

internacional privado também são diversas que podem ser classificadas didaticamente -

dentre várias divisões doutrinárias - como fontes autônomas (ou nacionais) produzidas

pela legislação interna de cada Estado, tais como as constituições, os códigos civis e os

processuais civis, a legislação infraconstitucional, dentre outras regulamentações válidas

dentro dos ordenamentos jurídicos nacionais, além dos costumes, doutrina e

jurisprudência, propõe-se, assim, o diálogo e a coordenação entre todas as fontes.

Existem diversas formas de convergência, tolerância e diálogos normativos entre

os Estados, de modo que se alcancem possibilidades de terem um direito internacional

privado similar ou bem próximo a fim de se reduzirem os conflitos aparentes de normas

que incidem sobre relações jurídicas privadas em casos plurilocalizados.

Para aproximar os Estados e fixar um paradigma normativo a fim de se propor a

operacionalização das relações vislumbrou-se alguns dos principais mecanismos que

podem estar presentes na sistematização das normas, tal como a cooperação jurídica

internacional para promover a proteção de dados pessoais.

1 “el derecho internacional privado descansa sobre la tolerância de lo extranjero al que se permite que

viva entre nosotros según sua própria manera de ser”. (tradução nossa).

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COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL EM BUSCA DE UMA

JUSTIÇA TRANSFRONTEIRIÇA DE PROTEÇÃO DE DADOS

A cooperação jurídica internacional é “o conjunto de medidas e mecanismos

pelos quais órgãos competentes dos Estados solicitam e prestam auxílio recíproco para

realizar, em seu território, atos pré-processuais ou processuais que interessem à

jurisdição estrangeira.” (ABADE, 2013, p. 28).

A busca por garantir o acesso à justiça global através das atuações entre

entidades publicas e/ou privadas da ensejo à uma cooperação jurídica internacional que

visa ser inovadora, agregando aspectos atuais à forma de conduzir processos e

procedimentos administrativos ou judiciais, não ignorando as transformações

tecnológicas existentes.

Neste sentido há um movimento marcante a ser considerado entre os Estados no

âmbito da cooperação jurídica internacional para a proteção dos dados pessoais,

segundo o qual se utilizam de instrumentos de cooperação política e técnica para evitar

a circulação indesejada de dados pessoais e o seu uso indevido, principalmente no

espaço intangível dos cybercrimes.

O alcance da justiça global passa por superar as dificuldades de aplicação das

regras jurídicas para relações plurilocalizadas, sendo mais desafiador quando se está

diante do cenário virtual onde o espaço físico não é determinante ou determinável.

Tal cooperação é deveras importante e promove-se não apenas por meio de

tratados bilaterais ou multilaterais. Nesta seara são realizadas pesquisas sobre os

instrumentos normativos existentes nos Estados parceiros sobre tal proteção;

transferência de tecnologias para desenvolver a capacitação do corpo pessoal indicado

para atuar tecnicamente; programas de intercâmbio para promover estudos e pesquisas

acadêmicas de modo a fomentar as trocas normativas plurais na busca por ações

afirmativas diante dos desafios apresentados para a proteção dos dados pessoais.

Atualmente há um sistema de cooperação jurídica sobre os dados pessoais no

cenário criminal internacional denominado Mutual Legal Assistance Treat (MLAT),

que cria um canal de comunicação entre os Estados, mapeando todos os acordos

bilaterais e multilaterais atinentes a esta temática. Há troca de dados e informações

sobre situação das investigações de cybercrimes afetos à lesão aos dados pessoais.

No Brasil além das legislações pertinentes como o Marco Civil da Internet e a

Lei Geral de Proteção de Dados, ambas vigentes, foi encaminhada à Câmara dos

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deputados para votação a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 17, de 2019, que

visa alterar o texto constitucional para constar a proteção de dados pessoais como um

direito fundamental.

Os Estados podem atuar em cooperação, trocando informações e técnicas para

unificar princípios, normas, procedimentos e processos (administrativos e/ou

jurisdicionais) em favor da harmonização dos ordenamentos jurídicos nacionais para

que as relações e soluções de controvérsias sejam facilitadas por este diálogo. Portanto,

no âmbito da cooperação jurídica verifica-se a presença do direito internacional privado

que objetiva orientar os Estados sobre qual seria o ordenamento jurídico central a ser

aplicado na apreciação de fatos envolvendo duas ou mais jurisdições, no espaço físico

ou virtual onde as relações plurilocalizadas ocorram.

Em que pese esta percepção de que os Estados buscam colaborar mutuamente

para garantir o direito dos cidadãos de proteção aos seus dados pessoais, é preciso

destacar que há a formação de blocos de normas sobre esta temática, segundo os quais

cada Estado tenta abarcar os seus cidadãos no campo da sua proteção, no que Polido

(2020) aponta como a ocorrência de nacionalismos de dados, dentro dos limites e

desafios de se regular as novas tecnologias.

O ‘nacionalismo de dados’ é ressurgente em determinados contextos locais,

regionais e transregionais, a exemplo dos eixos Américas, União Europeia e

Ásia, em particular a China. Tenho considerado que sejam eventos

constitutivos de uma nova ordem transnacional a organizar as relações

sociais, de trabalho e econômicas, mas que pelas condicionantes geopolíticas

avançam para uma ‘divisão internacional informacional’, da qual os

megablocos de proteção de dados pessoais, por exemplo, são uma parte do

movimento, mas não respondem pela totalidade das interações observadas.

(POLIDO, 2020, p. 233).

Importante ressaltar que para a solução dos litígios que envolvam casos

plurilocalizados sobre pedido de proteção de dados, há que considerar que o titular dos

dados diante de uma possível lesão, podem ser considerados como parte hipossuficiente

(mais fraca), frente a uma empresa transnacional ou nacional. A hipossuficiência traz

reflexos na condição de vulnerabilidade, também um dos princípios de cunho

consumeirista, que objetiva proporcionar a igualdade formal-material das partes para

equilibrar uma relação jurídica desproporcional. (MARQUES, 2013).

Portanto, considerando a questão desta vulnerabilidade o DIP adota o princípio

da Aplicação do Direito mais Benéfico, segundo o qual na existência de um conflito de

leis no espaço será resolvido com a aplicação da norma mais favorável à proteção da

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parte hipossuficiente, no caso em tela, o direito que permita uma maior proteção dos

direitos do titular dos dados lesados.

A razão do princípio da lei ais favorável, quanto à forma extrínseca, apoiou-

se modernamente na ideia de que a forma é um requisito precário,

secundário. Não deve nunca ser fundamental, inarredável. E um ato jurídico

deve ser sempre amparado, só podendo ser nulo por motivos de alta

gravidade. (VALLADÃO, 1981, p. 13).

Portanto, além das atividades de cooperação jurídica internacional cabe às

autoridades competentes utilizarem-se das técnicas estabelecidas pelas regras de

aplicação dos elementos de conexão nas relações plurilocalizadas para que haja a

proteção dos direitos e das garantias fundamentais dos cidadãos.

CONCLUSÃO

O antigo sistema westphaliano, ou seja, as soberanias não estão mais apoiadas

em pequenos Estados que vislumbram a possibilidade de se sustentarem exclusivamente

por seus próprios recursos e sem relacionar com outros Estados ou compartilhar

competências com organismos internacionais não é mais concebível nos tempos de

globalização e revolução industrial 4.0.

Diante disso, é necessário repensar novas formas de se resolver os conflitos, que,

eventual relação possa provocar. Nesse sentido, e, considerando a impossibilidade de

uma codificação única, tendo em vista a diversidade de normas, a cooperação jurídica

internacional pode ser uma exitosa experiência para as questões relativas à proteção de

dados e informação de dados, para assim, evitar que casos como, por exemplo, a

Cambridge Analytica, provoque rupturas em sistemas democráticos e coloquem em

xeque toda a legitimidade democrática.

REFERÊNCIAS

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presos. São Paulo: Saraiva, 2013.

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A ERA DA DESINFORMAÇÃO: A VIRTUALIDADE E O ATAQUE A DEMOCRACIA FRENTE AS ELEIÇÕES POLÍTICAS

THE AGE OF DESINFORMATION: VIRTUALITY AND ATTACK ON DEMOCRACY FRONT OF POLITICAL ELECTIONS

Darla Eduarda Ferreira PintoMarcella Fernanda Aparecida Dias

Resumo

Faz-se necessário esclarecer a noção de que a propagação da “Fake News” vai de encontro

com a noção de estado democrático de direito, uma vez que busca deixar os indivíduos em

uma situação discordância com o real cenário social que estão inseridos. Por conseguinte, em

períodos de eleições políticas, esse mecanismo de enganação influencia diretamente a

população na efetivação de seu direito como cidadão, ao realizar o voto, acarretando uma

sociedade ignorante e submetida as vontades de alguns, que ao propagar tais informações

falsas, movimenta as massas de acordo com seu querer e não em consonância com os fatos

verídicos.

Palavras-chave: “fake news”, Democracia, Informação, Eleições

Abstract/Resumen/Résumé

It is necessary to clarify the notion that the spread of Fake News goes against the notion of

democratic state of law, since it seeks to leave individuals in a situation disagreeing with the

real social scenario they are inserted. Therefore, in periods of political elections, this

mechanism of deception directly influences the population in the realization of their right as a

citizen, when voting, resulting in an ignorant society and subjected to the wills of some,

which by propagating such false information, moves the masses according to their will and

not in line with the true facts.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Fake news, democratic, Information, Elections

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A pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. No

tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985) e Gustin

(2010), o tipo jurídico-projetivo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será

predominantemente dialético. Quanto à natureza dos dados, serão fontes secundárias: dados

secundários (são secundários por derivarem de estudos e análises já realizados – em livros,

teses e dissertações especializadas sobre o tema). De acordo com a técnica de análise de

conteúdo, afirma-se que se trata de uma pesquisa teórica, o que será possível a partir da

análise de conteúdo dos textos doutrinários, normas e demais dados colhidos na pesquisa. O

presente resumo situa-se na área de Direito Constitucional.

O tema-problema da pesquisa que se pretende desenvolver é o risco que à

democracia está exposta frente a propagação de “Fakes News” e a omissão do estatal para a

solução do problema que interfere diretamente no Estado Democrático de Direito. O problema

objeto da investigação científica proposta é: Como a propagação de informações promovidas

pela internet influência diretamente na democracia e, quais têm sido as políticas adotadas

pelas autoridades brasileiras para com o combate as “Fake News”?

A partir das reflexões preliminares sobre o tema, supõe-se que a democracia é um

governo exercido pelo povo. Essa democracia sofre grande ataque diante a utilização do meio

virtual como um lugar propício a se propagar a desinformação, o que interfere diretamente no

conhecimento das pessoas e consequentemente no estado democrático de direito. A principal

forma de se desinformar alguém é compartilhando notícias falsas, as conhecidas “Fakes

News”, compartilhadas muitas vezes com o intuito de se prejudicar alguém para o benefício

de outrem. Diante disso, presume-se que a democracia entra em uma zona de risco quando

todos se acham informados e sábios excessivamente, já que tal condição cria uma certa

dificuldade de análise sobre fatos reais e inventados, pois perante fatos irreais, presumidos

através de noticias falsas, é decidido as ações dos indivíduos e o futuro de um país.

O objetivo geral do trabalho é abordar o aumento das “Fake News” durante os

últimos anos no Brasil e no mundo, ressaltando como as notícias podem influenciar no

andamento da democracia no país, tendo enfoque na intensificação de informações errôneas

que ocorre em épocas que se aproximam períodos eleitorais. Ademais, visa constatar a

omissão estatal para com o assunto, uma vez que não realiza políticas efetivas para a não

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expansão das cotidianas e rotineiras notícias falsas, que ao invés de informar as pessoas sobre

a realidade, acaba por promover uma desinformação.

A internet não foi o primeiro meio de comunicação da população, mas foi com ela

que as pessoas passaram a ter acesso instantâneo a conteúdos de qualquer lugar do planeta.

Tal possibilidade se deu com a globalização, que objetivava justamente uma integração entre

os países e uma agilidade na relação das pessoas de diferentes locais do mundo. Contudo,

juntamente com os benefícios de uma comunicação imediata, veio também os malefícios e

dentre deles podemos citar o acesso instantâneo a informações deturbadas, que objetiva

manipular a visão que o leitor possui sobre o mundo.

O significado de democracia é governo em que o povo é quem exerce a soberania e

assim foi defendido na Constituição da República Federativa do Brasil, um estado

democrático de direito. Mas, para se exercer soberania, o povo deve conhecer o que se passa

em seu Estado. Como citado acima, a propagação de notícias pela internet trouxe a

possibilidade de um conhecimento imediato de informações que se precisa sobre um lugar. O

que se tornou difícil foi saber, frente ao bombardeio diário de noticiais, quais delas realmente

são verídicas e quais sites têm sido imparciais frente a sua visão sobre os fatos.

Atualmente grande parte da população possui acesso á internet, foi o que o Centro

Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) pelo

Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) apontou em sua pesquisa TIC Domicílios 2019,

onde constatou que 74% da população brasileira fazem o uso e portanto possuem acesso a

internet. Diante de tal informação, fica notório que a grande maioria dos brasileiros faz parte

do mundo virtual, onde se pode encontrar todo o tipo de conteúdo.

Dentro dessa mesma lógica, no mundo virtual as notícias se espalham rapidamente.

Em questão de segundos uma única pessoa consegue transmitir uma mensagem para toda sua

lista de contatos. Se olharmos superficialmente não veremos problema em tal ação, contudo se

analisarmos o conteúdo de tal mensagem nem sempre conseguiremos ver como algo tão

benéfico assim, se uma lista inteira de contatos for afetada por informações que no fundo

desinformam e reproduzem mentiras.

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É importante neste ponto, utilizarmos das reflexões produzidas pelo filósofo Platão

em seu livro “A República”, onde ele desenvolve a ideia da Alegoria da Caverna. Assim

como naquela caverna, os prisioneiros tinham uma visão distorcida da realidade porque só

enxergavam dentro da caverna (um lado da realidade). Assim sendo, por analogia, são

também aqueles que só possuem acesso às informações fornecidas pelos algoritmos e por sites

que não reproduzem a verdade, não conseguem perceber o quanto estão sendo manipulados a

uma falsa realidade, que vai interferir diretamente em todas as áreas da população, inclusive

na efetivação da democracia.

Ainda, é notório que uma das formas de se exercer cidadania é pelo voto e pode se

vislumbrar por esse ato um dos sentidos da democracia. A divulgação de notícias que visam

afetar a imagem de candidatos influencia extremamente no resultado de eleições, tendo um

ataque direto ao estado democrático de direito, quando essas informações são falsas. Para

trazer um exemplo simplório de desinformação e de como esta afeta a democracia brasileira,

tem- se aquela velha corrente que circulam as redes sociais dizendo que se mais de cinquenta

por cento dos votos forem nulos, ocorrerá novas eleições. Em consonância com a constituição

sabemos que não é verdade tal afirmação e são inúmeras pessoas que deixam de votar em

candidatos correspondentes aos seus ensejos, por caírem nessa costumeira “Fake News”.

O ataque a democracia ocasionado pelas “Fake News” não se limita apenas ao ato do

voto. A desinformação sobre acontecimentos reais no Brasil e no mundo, é uma forma de

ataque geral ao estado democrático de direito. No atual contexto é fácil vislumbrar como o

problema das Fake News se estende. A pandemia ocasionada pelo novo corona vírus nos

proporcionou compreender que a desinformação pode levar a uma crise global, que propicia

milhares de mortes, e como dizer que desta maneira é o povo quem exerce a soberania se nem

mesmo é propiciado um ambiente para tal? Várias foram as correntes que circularam pelo

ambiente virtual mitigando o problema, diziam que o vírus não se passava de um jogo político

e quantas pessoas não caíram nessas mentiras e tal ação lhes custou à vida. Ações como está

não podem passar despercebidas frente as autoridades, a impunidade e a omissão são uma das

formas de ser conivente com o problema.

Entretanto, como cobrar de um estado que financia as Fake News? De acordo com o

site The Intercept Brasil, o atual governo, disponibilizou mais de 7 milhões para sites de

anúncios on-line, inclusive sites que propagam falsas informações. Além de colaborar

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diretamente, atrasa aqueles que tentam colocar um fim no problema. Depois de instaurada a

“CPI das Fake News”, o presidente Jair Bolsonaro vetou a investigação, sendo, felizmente,

derrubado tal veto pelo Congresso Nacional de acordo com o site exame.

Não há como não associar o atual governo com as Fake News, inclusive é o que

demonstram as investigações preliminares da referida CPI que determinou o bloqueio de

contas bolsonaristas de uma rede social que compartilhavam notícias falsas. O site El País,

publicou algumas das notícias falsas que circularam durante a campanha do presidente em

2018 que influenciaram diretamente em sua eleição, comprovando novamente o ataque a

democracia que o Brasil vem sofrendo nos últimos anos, principalmente pela figura do atual

presidente da república.

Uma matéria publicada pela BBC NEWS diz que os problemas das eleições deste

ano (2020) serão os mesmos das eleições passadas. Um estudo realizado em Oxford e relatado

pela revista Veja diz que o aumento da circulação de notícias políticas falsas em 2 anos

cresceu 150%. Foi justamente preocupando com relevantes dados e com a democracia

brasileira, que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) criou canais para que seja denunciado

informações falsas e buscou através de seus aplicativos, informar aos eleitores sobre todo o

processo eleitoral, visando assim imunizá-los diante as intenções errôneas objetivadas pelas

“Fake News”.

Apesar de ser um bom começo não é suficiente para barrar toda uma rede de más

informações. É necessário ir além, é importante ter-se punições efetivas. A atenção deve ser

voltada para aqueles que maliciosamente possuem intenção de propagar informações falsas,

com a finalidade de prejudicar alguém e que apesar de ser classificado como crime pelo

Código Penal, é ignorada a pena, que pode ser recebida por aquele que pratica o ato. Um dos

caminhos possíveis, seria a aplicação de penas mais severas e um controle maior dos sites que

são os meios de divulgação. A responsabilização dos sites é algo que deve ser também

colocado em pauta, já que muitas vezes pelos algoritmos obtidos dos usuários pelos

servidores virtuais, tem-se informação dos indivíduos que acarreta na facilidade das “Fake

News” encontrar seus respectivos leitores, que estariam buscando o assunto a qual ela abarca,

logo se utilizam as informações dos usuários para tantas finalidades, inclusive para facilitar a

propagação de “Fake News”, pode-se também utilizar para a proteção dos internautas,

fornecendo apenas as informações verdadeiras.

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A responsabilidade pelo todo e por qualquer ato que se tem, já é algo concreto nos

códigos, mas não se pode dizer que há uma aplicação efetiva no âmbito virtual. Divulgar e

informar, que os atos realizados através de uma tela podem impactar na vida e na morte de

pessoas é de suma importância, informando ainda as devidas consequências legais.

Dentro das soluções, não se pode deixar de pensar naqueles que se beneficiam da

“Fake News”, que independente de possuírem qualquer cargo devem ser responsabilizados.

Se comprovado qualquer ligação, qualquer culpa, de qualquer beneficiário que seja,

principalmente daqueles eleitos, deve ocorrer uma punição severa, sendo possível pensar

radicalmente em punições mais inflexíveis, além daquelas previstas para crime de

responsabilidade, como a perda de mandato e inelegibilidade (diante do problema eleitoral).

A democracia é exercida pelo povo e para o povo. O ambiente virtual pode ser

benéfico ou maléfico ao Estado Democrático de Direito, tudo depende de como o próprio

povo escolhe utilizá-la e não menos importante de como os representantes interpretam o

ambiente virtual. Cada indivíduo tem o dever de fazer a sua parte, utilizando as redes de

maneira solidaria e altruísta. É dever de cada pessoa, verificar o conteúdo que se compartilha

e como tal informação irá impactar na vida de outras pessoas, além de averiguar qual tem sido

o seu papel desempenhado frente à democracia, para que o risco que esta sofre venha ser cada

vez mais minorado.

REFERÊNCIAS

BARRAGÁN, Almudena. Cinco ‘fake news’ que beneficiaram a candidatura de Bolsonaro.

Portal El País. 19 out 2018. Disponível em:

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/18/actualidad/1539847547_146583.html. Acesso em:

24 out 2020.

BOBBIO, Norberto; NOGUEIRA, Marco Aurélio. O futuro da democracia: uma defesa

das regras do jogo. 1987.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:

Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.

ELEITORES conta com vários canais para denunciar fake news e outras irregularidades nas

Eleições 2020. Tribunal Superior Eleitoral. 08 out 2020. Disponível em:

https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Outubro/eleitor-conta-com-varios-canais-

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para-denunciar-fake-news-e-outras-irregularidades-nas-eleicoes-2020. Acesso em: 26 out

2020.

EXAME, redação. Após derrubar veto de Bolsonaro, Congresso instaura CPI das Fake News.

Portal Exame. 02 set 2019. Disponível em: https://exame.com/brasil/apos-derrubar-veto-de-

bolsonaro-congresso-instaura-cpi-das-fake-news/. Acesso em: 24 out 2020.

GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa jurídica: teoria e prática. 3ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. KRÜGER, Ana; PALMA Gabriel. Governo veiculou mais de 2 milhões de anúncios em

canais com conteúdo 'inadequado', diz relatório de CPI. Portal G1. 03 jun 2020. Disponível

em:https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/06/03/anuncios-pagos-pelo-governo-foram-

veiculados-em-mais-de-2-milhoes-de-canais-com-conteudo-inadequado.ghtml. Acesso em: 22

out 2020.

MARTINS, Rafael Moro. Bolsonaro entrega r$ 7,5 milhões para google distribuir – inclusive

a sites de fake news. The Intercept Brasil. 13 ago 2020. Disponível em:

https://theintercept.com/2020/08/13/bolsonaro-usa-google-distribui-milhoes-reais-sites-fake-

news-adsense. Acesso em: 22 out 2020.

PÉCHY, Amanda. Estudos apon ta que as fake news políticas cresceram 150% em dois anos.

Revista Veja. 26 set 2019. https://veja.abril.com.br/mundo/estudo-aponta-que-as-fake-news-

politicas-cresceram-150-em-dois-anos/. https://veja.abril.com.br/mundo/estudo-aponta-que-

as-fake-news-politicas-cresceram-150-em-dois-anos/. Acesso em: 22 out 2020.

PLATÃO, Anon. A república. In: A República. 2000.

SHALDERS. André. Eleição de 2020 terá mesmos problemas de fake news de 2018, dizem

especialistas. Portal BBC News Brasil. 25 jun 2020. Disponível em:

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53187041. Acesso em: 24 out 2020

STF reforça decisão, e Twitter bloqueia contas internacionalmente. Revista Consultor

Jurídicos. 30 jul 2020.Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jul-30/stf-reforca-

decisao-twitter-bloqueia-contas-internacionalmente. Acesso em: 24 out 2020.

TIC domicílios 2019 – principais resultados. Disponível em:

https://cetic.br/media/analises/tic_domicilios_2019_coletiva_imprensa.pdf. Acesso em: 24 out

2020.

VEIGA, Edison. TSE quer combater fake news nas eleições com chuva de informação. Portal

DW Brasil. 5 out 2020. https://www.dw.com/pt-br/tse-quer-combater-fake-news-nas-

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em: 26 out 2020.

WITKER, Jorge. Como elaborar una tesis en derecho: pautas metodológicas y técnicas

para el estudiante o investigador del derecho. Madrid: Civitas, 1985.

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1 Especialista em Direito Digital pela Faculdade CERS. Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Direitos Fundamentais ofertado pela Universidade da Amazônia (Grupo Ser).

1

OS DADOS DE CRIANÇAS PARA A LGPD: UMA ANÁLISE CENTRADA NAS PLATAFORMAS DE JOGOS VIRTUAIS

CHILDREN'S DATA FOR LGPD: AN ANALYSIS FOCUSED ON VIRTUAL GAME PLATFORMS

Helíssia Coimbra de Souza 1

Resumo

A conexão em crescente de crianças na rede mundial de computadores, com especial

incisividade nos sítios que permitem diálogos e entretenimento com multijogadores de todo o

mundo, ensejou a presente pesquisa de tom reflexivo e calcada nas bases da metodologia

sistemática. A revisão das literaturas de vanguarda, consolidadas estas pelos fenômenos

sociais consequentes da usuabilidade profunda e desmedida das redes, firma a importância de

estruturação das bases legais e preventivas para garantir que os bens e valores inerentes a

infância também sejam elevados para as plataformas de jogos virtuais.

Palavras-chave: Dados, Crianças, Jogos virtuais

Abstract/Resumen/Résumé

The growing connection of children on the world wide web, with special emphasis on sites

that allow dialogues and entertainment with multiplayers from all over the world, gave rise to

the present research with a reflective tone and based on the bases of systematic methodology.

The revision of avant-garde literatures, consolidated by the social phenomena resulting from

the profound and unreasonable usability of networks, confirms the importance of structuring

the legal and preventive bases to ensure that the assets and values inherent in childhood are

also elevated for the digital game platforms.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Dice, Childrens, Virtual games

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OS DADOS DE CRIANÇAS PARA A LGPD: UMA ANÁLISE CENTRADA NAS

PLATAFORMAS DE JOGOS VIRTUAIS

Resumo

A conexão em crescente de crianças na rede mundial de computadores, com especial

incisividade nos sítios que permitem diálogos e entretenimento com multijogadores de todo o

mundo, ensejou a presente pesquisa de tom reflexivo e calcada nas bases da metodologia

sistemática. A revisão das literaturas de vanguarda, consolidadas estas pelos fenômenos sociais

consequentes da usuabilidade profunda e desmedida das redes, firma a importância de

estruturação das bases legais e preventivas para garantir que os bens e valores inerentes a

infância também sejam elevados para as plataformas de jogos virtuais.

Palavras-chave: Dados; Crianças; Jogos virtuais

CHILDREN'S DATA FOR LGPD: AN ANALYSIS FOCUSED ON VIRTUAL GAME

PLATFORMS

Abstract

The growing connection of children on the world wide web, with special emphasis on sites

that allow dialogues and entertainment with multiplayers from all over the world, gave rise to

the present research with a reflective tone and based on the bases of systematic methodology.

The revision of avant-garde literatures, consolidated by the social phenomena resulting from

the profound and unreasonable usability of networks, confirms the importance of structuring

the legal and preventive bases to ensure that the assets and values inherent in childhood are

also elevated for the digital game platforms.

Keywords: Dice; Childrens; Virtual games

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INTRODUÇÃO

A natureza humana apresenta ânimo pela evolução, sendo o grande objetivo transgeracional a

criação de estratégias e tecnologias para tornar os processos da vida mais funcionais e

satisfativos. Após o advento da globalização, e conjuntamente a este dinamismo o

estabelecimento da rede mundial de computadores como marco da era semântica, os dados

dispostos no meio ambiente virtual ganharam importância transfronteiriça, sendo preocupação

ainda mais lentente quanto a segurança e sustentabilidade dos usuários infantis, haja vista

apresentarem imaturidade própria do estágio de vida em que se encontram, agravada esta pela

vulnerabilidade na arquitetura das plataformas digitais.

O advento da Lei Geral de Proteção de Dados n⁰ 13.853 de 2019, para além da uniformização

das diretrizes legais no Brasil com as exigências já firmadas no cenário internacional, buscou

ao longo do seu texto aclarar o usuário como protagonista, que juntamente com os atores

jurídicos e do âmbito da administração pública, atuam como fomentadores da cultura de

privacidade e proteção dos dados. O bem informacional que identifica o usuário e integra

características pessoais dos seus núcleos de convivência torna-se extremamente sensível no

tocante aos menores para o âmbito do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo pontuada a

necessidade, pela incapacidade natural desta fase de prever e lidar com os desafios do mundo

cibernético, que a sociedade some esforços multisetoriais para auxiliar na seguridade online.

Os ambientes de entretenimento virtual foram projetados enquanto espaços para ações

dialógicas e de jogabilidade entre usuários de alcance transnacional, contudo, a facilidade de

acesso e posicionamento durante as etapas dos games fomentou a malícia de pessoas com ânimo

para violar direitos da personalidade, realizar extorsões a partir de ameaças ou manipulação dos

dados de pagamento dispostos nos cadastros, culminando por evidências da prática de atos de

pedofilia e tráfico de crianças que tiveram planejamentos iniciados nas plataformas. O

abandono cibernético é uma questão chave que abarca a proteção dos dados de crianças online,

envolvendo, de modo prioritário os familiares que convivem no seio institucional enquanto

garantidores do desenvolvimento sadio, perpassando pelos adultos responsáveis nas demais

localidades em que cada criança frequente.

OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS

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A evolução histórico-cultural firma o ensejo palpitante de evolução que culmine em processos

sociais e digitais com fluidez e precisão frente as demandas humanísticas apresentadas. O tom

jurídico crítico-reflexivo do Brasil tem como objetivo a salvaguarda do direito fundamental a

proteção de dados, sendo este discutido incisivamente com pontuações específicas para

compreenção das necessidades dos grupos vulneráveis, a exemplo das crianças, que por estarem

em estágio de desenvolvimento não apresentam estímulos naturais favoráveis a consciência

quanto a segurança e sustentabilidade das relações cibernéticas.

O objetivo geral de promoção da cultura da privacidade e ampla proteção dos dados de usuários

menores, no presente resumo está estruturado com alinhamento aos fins específicos de

compreensão quanto aos pontos-chave: arquitetura das plataformas de jogos virtuais; desafios

da atualidade para segurança dos dados infantis em games; como cenários delicados podem

impulsionar medidas preventivas e repressivas para melhor estabilidade do meio ambiente

tecnológico a todos os usuários.

METODOLOGIA

A temática propulsora frente a era das múltiplas tecnologias, com enfoque preocupante nas

conectividades de usuários com estimulos biológicos ainda em desenvolvimento, apresenta tom

crítico-reflexivo, não se alinhando a rigidez que separa, mas buscando caminhos jurídico-

sociais que integrem os interesses da contemporaneidade para o firmamento de uma cultura

quanto a privacidade e segurança dos dados. O presente resumo respeita as bases metodológicas

sistematizadas, sendo a sua construção realizada a partir da revisão das principais literaturas,

além da observância ativa dos fenômenos sociais que resultaram em posicionamentos

jurisprudênciais de relevo.

DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

Os seres humanos tinham a organicidade restrita aos processos sociais das suas comunidades,

transpondo, com o advento da globalização e o inerente movimento das tecnologias, para

atuações fusionadas além fronteiras, abarcando o âmbito físico e das plataformas digitais. A

grande rede de computadores teve arquitetura inicial para auxiliar na guarda e partilha dos

documentos de relevância para a seguridade estatal, e conforme a sociedade desenvolvia-se,

passou a internet ser estruturada para atender as dinâmicas de relacionamentos entre pares de

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modo transfronteiriço, culminando no terceiro estágio que marca a contemporaneidade, qual

seja, a web semântica dos dados e usuabilidade multifacetada.

O meio ambiente virtual está constantemente enriquecido pelas experiências humanas, contudo,

as múltiplas inteligências artificiais não tem conseguido filtrar de modo proporcional a

conectividade, de modo a estabelecer, quais atuações contribuem para o desenvolvimento sadio

das plataformas digitais, e quais usuários tem fins arrogantes, sendo papel do Estado inovador

em sua governança tutelar a sustentabilidade das relações cibernéticas. A cultura da Lei Geral

de Proteção dos Dados não contraria o princípio de abertura das redes que concebem as ciências

computacionais, apenas garante subsídios legais aos atores jurídico-administrativos para

“proteção dos vulneráveis e inibição dos usuários desmedidos, entendendo que os seres

humanos não bastam a si mesmos em suas necessidades, logo, precisam de um ente superior

para mediar as lides e conciliar os interesses na direção dos bens comuns.” (DALLARI, 2007).

Apesar das características multifacetadas das tecnologias, observa-se que a grande rede

confentra um elevado público infanto-juvenil, sendo as inteligências artificiais desenvolvidas

com foco em promoção de experiências ligadas ao entretenimento e relação dos jogadores em

dimensões além fronteiras, integrando, por vezes, a realidade física e virtual. Existe a

compreensão dos estímulos biológicos para a conectividade, haja vista ser essa uma realidade

constantemente desenvolta e que não admite retrocessos frente as mudanças propiciadas aos

indivíduos, contudo, faz-se necessário a mediação de interesses para que o uso das

potencialidades da grande rede seja feito com o fim da educação e futuro pertencimento digital,

respeitando com primazia o estágio evolutivo de cada usuário, além da maturidade individual

observada pelos pais que legalmente são postos como agentes garantidores.

A Lei Geral de Proteção de Dados n⁰ 13.853 de 2019 firma a proteção de dados de crianças e

adolescentes em seu art. 14, sendo o foco de qualquer atuação das autoridades competentes em

garantir o melhor interesse, respeitando a situação referendada quanto a natureza dos menores

que “exige uma relação com os eletrônicos de modo responsável e produtiva, características

estas que precisam ser estimuladas com a maturidade dos adultos responsáveis, já que os marcos

da infância são o prazer e a impulsividade.” (LARA, 2018). Aclarada as basilares

contemporâneas com a legislação digital do Marco Civil da Internet, importante observar que

os desafios dos jogos virtuais não estão restritos as plataformas, mas abrangem os conteúdos

informacionais e seus desdobramentos gerados por terceiros, logo, ter-se-á fomentado pelos

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artigos 19 e 21 a soma de esforços entre provedores e seus usuários que interferem na

jogabilidade em sítios cibernéticos.

A liberdade dessarazoada frente a capacidade de compreensão das crianças em rede torna-se

preocupante pelo avanço sem precedentes das habilidades tecnológicas e de inteligência dos

envolvidos com a arquitetura das plataformas de entretenimento e games virtuais. O caso da

realidade digital promovida pelo Second Life levou as instâncias judiciárias o tom reflexivo

“que regular não tem objetivo de anular o arbítrio que há em cada ser humano, mas estabelecer

limites apropriados a cada ambiente e partes envolvidas, de modo que a guerra não seja

declarada com grupos dominantes fazendo tudo quanto considerem possível.”

(MARMELSTEIN, 2019). O ponto central consiste na observancia sensível de que tais games

trazem a proposta de impactar a vida orgânica com a digital, contudo, a realidade preponderante

na infância é que os menores necessitam de cuidados integrais, logo, não há como exigir destes

a responsabilidade pelas práticas de segurança durante o uso das plataformas.

O abandono virtual tem-se verificado constantemente, sendo os dilemas levados ao judiciário

decorrentes da incompreensão dos pais e responsáveis quanto ao que ocorre nestes sítios de

jogabilidade virtual, bem como, a arquitetura ineficiente de boa parte dos provedores de

conteúdo e desenvolvedores das plataformas para a garantia da segurança dos dados, e

consequentemente, a integridade dos jogadores. O alicerce primoroso da Lei Geral de Proteção

de Dados tem como centro os interesses das crianças, sendo estes respaldados pelo

consentimento dos pais frente a análise de informações claras e inequívocas quanto aos acessos

na grande rede, ainda, a base legal primária do Estatuto da Criança e do Adolescente entende

que o desenvolvimento sadio na infância é responsabilidade multisetorial, logo, a omissão dos

pais não enseja exclusão da análise quanto ao nível de engajamento dos profissionais no

ambiente escolar e comunitário que a criança frequente e esteja exposta as redes virtuais.

As práticas dos desenvoldores de conteúdo e plataformas ligadas a estrutura computacional dos

games, vinham desvirtuando os fins da proteção integral dos menores, frequentemente

objetivando a visibilidade e lucros gerados com a intensidade de crianças jogando nestes

ambientes. As autoridades jurídicas tem estudado a premissa que “se o meio ambiente virtual

depende do real, e a proteção das crianças é tida como urgente, não há dependência de leis

específicas para os ilícitos virtuais, sendo efetivo e funcional usar o critério da interpretação.”

(TEIXEIRA, apud, BARRETO, 2017). A soma de esforços multidisciplinares não tornam

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diminutas as inovações legais existentes, contudo, compreende a funcionalidade de apropriação

das bases historicamente condolidadas para estruturar decisões que envolvem o universo

cibernético, alcançando a sociedade contemporânea que se caracteriza por transformar-se mais

rápido que a capacidade de alcance dos legisladores.

A situação das crianças frente as possibilidades de interação nas plataformas digitais não está

restrita somente aos seus dados pessoais, e consequentemente, o resguardo de sua integridade.

O alcance da extensão dos games contemporâneos projeta os impactos para a vida dos pais e

responsáveis, haja vista que o fomento da jogabilidade está na compra de recursos que

alavancam a visibilidade dos jogadores e tornam a experiência mais atrativa. A imaturidade

para compreensão dos riscos de dispor informações pessoais e bancárias no meio ambiente

digital facilita a atuação de criminosos cibernéticos que utilizam-se de tais dados para realização

de ilícitos como, a extorsão, o furto, além da possibilidade de danos físicos casos tais dados

culminem na localização física das vítimas.

A conectividade ocorre de forma intensa e disruptiva, sendo as perspectivas de futuro todas

centradas na interação simultânea entre o meio físico e digital, unindo as inteligências artificiais

com as atuações dos seres humanos que dependem das redes, inclusive para manterem-se

entretidos e em contato com pares além fronteiras. O cenário tecnológico em que as crianças já

nascem inseridas exige competências e habilidades que não correspondem a capacidade

cognitiva e comportamental próprias dessa fase, logo, a responsabilidade na ocorrência de

algum ilícito penal ou reparação cível não caberá a elas, ensejando que a soma de esforços na

proteção dos dados esteja pensada de modo que a cultura da segurança envolva todo o sistema

de convivência da criança. Aa bases preventivas e repressivas precisam ser estruturadas de

modo a ir além da proteção dos dados e salvaguarda da integridade, buscando reunir aparatos

legais com a formação integral dos juristas que eleucidem os jogos digitais e firnem o tom

conciliador dos interesses para encontrar novos bens e valores comuns.

CONCLUSÃO

A realidade tecnológica não pernite retrocessos, sendo a geração alpha marcada pela era

disruptiva dos aprendizados e práticas sociais. O desafio jurídico e humanístico não consiste

em realizar uma oposição as bases das ciências informáticas quanto a abertura e liberdade da

grande rede, apenas concebe a necessidade latente de estabelecer a sustentabilidade do meio

ambiente cibernético para que as múltiplas funções dispostas possam ter seguimento conforme

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a cultura da proteção de dados e respeito a privacidade dos usuários. As crianças, pela

vulnerabilidade já referendada no presente resumo, ensejam especiais cuidados para não lesar

o princípio do desenvolvimento integral, abarcando todos os adultos responsáveis por abrandar

os impulsos e auxiliar na educação dos menores até o alcance da maturidade online.

A Lei Geral de Proteção de Dados eleva as possibilidades transfronteirças de adequação a

cultura de privacidade e integridade cibernética, sendo dissolvidos com maior fluidez os

critérios interpretativos para os ilícitos que ensejarem cooperação estatal, e até entre países

distintos. Apesar das singularidades legais para atender as demandas de cada país, com o elevo

de nações adequando-se internamente ao ideal futuro em que a proteção de dados será um

direito da pessoa humana, teremos princípios e valores comuns para consolidar a decisão em

casos que esgotem as reservas internas, ou mesmo ensejem atuação global pela natureza dos

fatos. A cautela na elaboração de leis que acompanhem os estágios evolutivos da sociedade não

isenta as comunidades de enfrentarem desafios, mas com parâmetros estabelecidos ter-se-á

melhor preparo para lidar em tom preventivo ou repressivo, conforme a necessidade obaervada

em cada caso.

REFERÊNCIAS

DALLARI, Dalmo. O futuro do estado. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

LARA, Diogo. Imersão: um romance terapêutico. 1ª ed. Rio de Janeiro: Harper

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MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. 8ª ed. São Paulo:

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TEIXEIRA, Tarcísio. Curso de direito e processo eletrônico. 2ª ed. São Paulo:

Saraiva jur, 2017.

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1 Advogada. Especialista em Gestão Pública e Desenvolvimento Regional, IFMG. Mestranda em Direito Político pela UFMG. Conselheira do Comitê Estadual de Educação em Direitos Humanos.

2 mestranda pela Universidade Federal de Minas Gerais da linha História, Poder e Liberdade, na área de Direito Político. Advogada.

1

2

A CRIPTOMOEDA FRENTE À SOBERANIA ESTATAL: UMA ANÁLISE DO ESTADO DEMOCRÁTICO Á LUZ DAS VIRTUALIDADES.

CRYPTOCURRENCY AGAINST STATE SOVEREIGNTY: AN ANALYSIS OF THE RULE OF LAW IN THE LIGHT OF VIRTUALITIES.

Isabela de Souza Damasceno 1Mariana Karla de Faria 2

Resumo

O objetivo do presente resumo expandido é discorrer sobre a criptomoeda e seus atributos

(especialmente a ausência de regulamentação e lastro), partindo do pressuposto da

necessidade de preservação da soberania Estatal. Neste sentido, a partir da análise

conjuntural do sistema global, pode-se observar como a criptomoeda revolucionou as

relações negociais e deve ser adotada com cautela, haja vista a ameaça à soberania no Estado

Democrático. O método adotado no presente trabalho é o dedutivo, pois a partir da

perspectiva das virtualidades pretende-se compreender se existe um risco à soberania Estatal,

ressaltando a relevância da abordagem ora proposta.

Palavras-chave: Criptomoeda, Soberania nacional, Estado democrático de direito

Abstract/Resumen/Résumé

The purpose of this expanded summary is to discuss cryptocurrency and its attributes

(especially the absence of regulation and backing), based on the assumption of the need for

State sovereignty preservation. So, from the conjunctural analysis of the global system, it can

be seen how cryptocurrency revolutionized business relations and must be adopted with

caution, given the threat to sovereignty in the Democratic Rule of Law. The method adopted

in this work is the deductive one because from the perspective of virtualities it is intended to

understand the risk to State sovereignty, emphasizing the relevance of the approach proposed.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Cryptomoeda, National sovereignty, Democratic state

1

2

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1) INTRODUÇÃO

A inteligência artificial implicou em uma das mais transformadoras revoluções da

história da humanidade. O fato de ser uma ciência recente, cujo nome apenas foi cunhado em

1956, não impediu o seu caráter polivalente de profundas mudanças sociais, políticas e

econômicas.

As normas jurídicas têm sido redesenhadas e substituídas por normas técnicas, sob o

signo da Revolução 4.0, marcada pela significativa transformação tecnológica da sociedade e

dos modos de produção, impactados diretamente pelos avanços trazidos pela inteligência

artificial (IA) e da internet das coisas (IC), o que ressignificou as relações sociais do futuro e

redefiniram a realidade.

Os atuais contornos do Estado Democrático de direito têm sido delineados pela

Revolução Tecnológica, a partir da “desconstitucionalização” por uma lógica de mutação de

um capitalismo produtivo para um capitalismo financeiro. Neste sentido, a revolução

informacional fragmentou os poderes estatais e tem sido marcada por fluxos financeiros

internacionais cada vez mais intensos, esferas produtivas aceleradas pela difusão do capital e

fragmentação identitárias.

Os centros de poderes decisórios não coincidem mais com a tradicional localização

geográfica dos Estados-Nação, tidos como de “primeiro mundo”. A soberania estatal é

exercida de diversos modos, uma das importantes formas de exercício se encontra no

monopólio do Estado sobre a emissão de moeda/dinheiro e controle do crédito como política

econômica. Contrapondo-se a essa forma de atuação, a inteligência artificial promoveu uma

uma profunda transformação ao criar uma moeda virtual e promover uma ameaça real e

concreta à soberania estatal. A criptomoeda, invenção tecnológica recente, adveio da

necessidade de se simplificar e desonerar trocas e pagamentos, decorrentes do

desenvolvimento das relações comerciais e negociais.

Neste sentido, imprescindível se faz proceder uma acurada análise do Estado

Democrático de Direito, a partir das nuances advindas das virtualidades, especialmente

decorrentes da criação de uma moeda virtual, que desencadeou uma nova dinâmica negocial

global.

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2) METODOLOGIA

A pesquisa realizada neste trabalho é classificada com relação ao seu objeto

exploratória descritiva, haja vista a utilização dados estatísticos e pesquisas científicas, as

quais objetivaram apreender de modo pragmático como a criptomoeda tem colocado em

xeque a soberania estatal, a partir da análise do Estado Democrático de Direito à luz das

virtualidades.

O método utilizado é o dedutivo, pois a partir da análise da conjuntura internacional,

bem como das bibliografias referentes aos impactos da criptomoedas, restou estabelecida uma

conclusão que a adoção de moedas virtuais fragilizam a soberania estatal. Neste sentido, as

particulares de inserção das criptomoedas em um sistema global exemplificam como essa

moeda virtual constitui uma ameaça à soberania do Estado, a partir da inexistência de

controle estatal e regulamentação, bem como fluidez e volatilidade dessa nova forma

negocial.

O presente trabalho foi realizado precipuamente, com base em pesquisa bibliográfica,

uma vez que se demonstrou necessária a compreensão da temática das criptomoedas inseridas

no mercado global e seus impactos no Estado Democrático de Direito.

3) OBJETIVOS

O objetivo precípuo do presente trabalho é demonstrar em que medida as

criptomoedas constituem uma ameaça à soberania nacional, a partir do redesenho da

realidade trazida pela Revolução tecnológica. Ademais, pretende-se ainda apresentar a partir

da bibliografia atinente ao tema,

4) DESENVOLVIMENTO

A inteligência artificial impôs uma nova estruturação do Estado, a partir da exigência

de se adequar os tradicionais elementos estatais à nova realidade virtual, a fim de enfrentar a

crise em sua soberania. Como bem preleciona Bolzan :

E o que se tem contemporaneamente é a ruptura destes pressupostos: poder e política desconectados e uma sociedade do trabalho submetida a um modelo gerencial enquanto “aguarda” os impactos da Revolução 4.0. Dito de outro modo, o primeiro desfaz-se ante o que se expressa, para nós, como crise conceitual – como perda da capacidade decisória autônoma e suprema (soberania) em um âmbito pré-determinado (território) e impositivo a todos que neste espaço se encontrem (povo).(BOLZAN DE MORAES, 2018, p. 895).

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A emissão de papel moeda constitui monopólio estatal. Entretanto, a inteligência

artificial, ao criar uma moeda virtual, vem colocando em cheque essa soberania. Os modos

de representação monetária se modificaram no decorrer do tempo, como por exemplo: ouro,

prata, sal e papel.

Para Milton Friedman, economista americano, o esvaziamento do monopólio estatal

se daria com o surgimento da internet, na medida em que a tecnologia seria utilizada como

uma das principais forças para reduzir o papel dos governos e faltava apenas um dinheiro

virtual confiável. O renomado economista previu a criação dessa moeda eletrônica, durante

uma entrevista concedida ao Canal National Taxpayers Union Foundation. (FRIEDMAN,

1999).

O Sistema monetário tradicional decorre do controle do Estado, o qual limita a

atuação de pessoas e instituições, a fim de controlar a moeda vigente. Neste sentido os

governos estabelecem uma espécie de contrato social - instrumento pelo qual determinadas

pessoas outorgam ao ente estatal o controle sobre a emissão, oferta da moeda fiduciária.

A inteligência artificial atingiu um extenso número de pessoas e permitiu que estas

estabelecem o seu próprio contrato para, coletivamente, usar dinheiro virtual, crédito ou

qualquer outra coisa para melhorar a qualidade de suas negociações.

As criptomoedas, dentre elas o bitcoin, surgiram em 2008, possibilitando transações

entre pessoas desconhecidas, sem intermediários. A internet globalizada permitiu a

interligação de negociantes de forma segura, a partir da tecnologia da criptografia, e do

conceito de rede descentralizada. Neste sentido, assevera Paraná:

Como uma moeda digital descentralizada, que opera em uma rede de par (peer-to-peer), pode ser usada para comprar em número relativamente limitado de bens e serviços na internet. Um produto de políticos “libertários” (ou bilertarianos) que ganham terreno no mundo pós-crise de 2008, o bitcoin, a primeira e a mais importante dentre as criptomoedas, tem como ideia-força retirar do par bancos-governos o poder de emissão e gestão do dinheiro. (PARANÁ, 2020, p. 84-85).

Bolzan trata do desafio de se estabelecer “uma Ordem Econômica baseada na

soberania nacional (inciso I), quando se está sob o signo da globalização e da fragmentação,

confrontados com o fim da geografia e de sua territorialidade.” (BOLZAN DE MORAIS,

2018, p. 896).

Ademais, a aplicação da criptografia assimétrica, com a criação de um sistema de

valores puramente digitais, possibilita a reconfiguração do contrato social, o que se dá de

forma incisiva ao se dispensar o Estado como garantidor de proteção da propriedade.

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A economista Yanes Varoufakis aborda as criptomoedas como dinheiro apolítico,

ressaltando a preocupação e inexistência de controle e de um sistema democrático de pesos e

contrapesos acerca da dinâmica que o envolve, nem algum modo de garantir as transações

financeiras como por meio de apólice de seguros. (UPCHURCH, 2017).

O BIS (Banco Central dos Bancos Centrais) (2018) asseverou em seu relatório anual

Promoting global monetary and financial stability que a legislação não pode ignorar a

utilização dessa moeda virtual e seu crescimento vertiginoso, em uma ampla competição com

as moedas fiduciárias oficiais. Esse fluxo paralelo de moedas independentes tende a dificultar

os modelos negociais das Instituições Financeiras oficiais ou oficializadas. Deste modo, a

ameaça de sua atividade-fim (controle da moeda e do crédito), vê-se intensificada pela

popularidade e baixo custo da nova concorrente (criptomoeda) e sua forma de circulação

independente e sem intermediação.

O Superior Tribunal de Justiça se baseou em pareceres de técnicos de órgãos do

Governo Federal para estabelecer a natureza jurídica das criptomoedas, no sentido de que

esses ativos não são considerados moedas oficiais, e que não têm lastro e nem

regulamentação pelo Sistema Financeiro Nacional (SFN), e não são fiscalizadas pelos Órgãos

de controle. Entretanto, tais moedas podem servir como artifício para a prática de crimes,

como, o crime de “evasão de divisas” e outros. (BRASIL, 2018).

Conforme preconiza Elon Musk, a inteligência artificial deve ser controlada por um

órgão que supervisiona e orienta o seu desenvolvimento, numa regulamentação proativa,

antes que surjam os problemas; segundo ele a IA é um risco para a existência da nossa

civilização. Asseverou ainda, ser contra as regulamentações estritas, mas em inteligência

artificial ela é necessária. (PAZUELOS, 2017)

No tocante à regulamentação do bitcoin, existe uma comissão na Câmara dos

Deputados acerca do uso das moedas virtuais, conhecidas como criptomoedas – PL 2303/15,

ressaltando à questão da soberania econômica do país. Desse modo, o governo entende que

teria o maior benefício em regulamentá-la. (BRASIL, 2015).

Para Paraná o bitcoin é um criptoativo, uma inovação financeira, mas não é e não

pode ser, no sentido pleno da definição, dinheiro. Justificando por argumentos, dentre eles,

que o “eventual fortalecimento e valorização do bitcoin significam, objetivamente, uma

transferência da riqueza social para essa tendência política atentam diretamente contra forças

políticas emancipatórias e progressistas... sendo uma ameaça, ao invés de uma esperança para

a democracia”.

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5) CONSIDERAÇÕES FINAIS A globalização demonstrou que as fronteiras físicas e institucionais não são

absolutas, sendo necessária a ressignificação dos tradicionais elementos constitutivos do

Estado. A inteligência artificial é um fenômeno atual e presente na realidade, as grandes

empresas globais dominam os seus bancos de dados caracterizados, os quais se tornam cada

vez mais desconhecidos e inacessíveis.

Observa-se a acentuada preocupação de doutrinadores acerca dos novos

criptoativos, tendo em vista que conforme a compreensão por eles trazida, o bitcoin se

encontra amparado em premissas políticas neoliberais em um limite anarco-capitalistas, razão

pela qual pleiteia-se a manutenção da soberania ao órgão estatal-, com o objetivo de

estabelecer as normas de emissão, circulação da riqueza, a fim de que o capital esteja à

serviço de interesse coletivos e não particulares.

Lado outro, é inegável a materialização de uma moeda virtual e a sua utilização

crescente, haja vista seu baixo custo operacional, quase insignificante se comparado ao objeto

do negócio. Essa independência das transações comerciais do crivo e controle do ente estatal

pode desencadear uma quebra de soberania exercida, no controle da moeda e política

monetária.

Neste sentido, a independência da criptomoeda é uma realidade concreta. E, o

desafio lançado sob essa moeda deve ter como fim suscitar uma maior responsabilização

democrática dos países e seus respectivos sistemas socioeconômicos, no momento em

utilizam o capital humano como moeda, nos moldes em que ocorre no “capitalismo de

vigilância”, descrito por Shoshana Zuboff.

Contudo, acredita-se que a incorporação da criptomoeda com controle Estatal faz

com que seja possível implementar um projeto de Bem Estar Social sem ameaça à soberania

do Estado, o que constitui um desafio imposto pela virtualidade. Entretanto, frente à

complexidade do tema, revela-se necessários estudos e pesquisas para ampliar não somente a

compreensão do fenômeno, mas a fim de ampliar as estratégias de intervenção.

REFERÊNCIAS.

BIS. Annual Report 2018/19. Promoting global monetary and financial stability. Disponível em: >https://www.bis.org/about/areport/areport2019.pdf<. Acesso em: 10. Out. 2020.

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BRASIL. STJ - CONFLITO DE COMPETÊNCIA 161123-SP 2018/0248430-4. Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR. Data do Julgamento: 28/11/2018. Data da Publicação: 05/12/2018. Órgão Julgador: S3 - TERCEIRA SEÇÃO.

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ULRICH, Fernando. Bitcoin: a moeda na era digital. São Paulo: Instituto Ludwing von Mises Brasil, 2014.

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ZUBOFF, Shoshana. The Age of Surveillance Capitalism: The fight for a Human Future at the New Frontier of Power. New Yourk: Public Affrais, 2018.

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1 Graduanda em Direito, modalidade integral, pela Escola Superior Dom Helder Câmara1

QUANTO CUSTA UM ESPETÁCULO? A ANÁLISE ENTRE AS OPERAÇÕES ESPETACULARES DA POLÍCIA FEDERAL E A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE

DADOS

¿CUÁNTO CUESTA UN ESPECTÁCULO? EL ANÁLISIS ENTRE LOS OPERATIVOS ESPECTACULARES DE LA POLICÍA FEDERAL Y LA LEY

GENERAL DE PROTECCIÓN DE DATOS

Isabella Lúcia Nogueira Silva 1

Resumo

A presente pesquisa aborda a relação existente entre as operações espetaculosas realizadas

pela Polícia Federal e a Lei Geral de Proteção de Dados – Lei no 13.709 de 2018. Ademais,

expõe-se a violação de direitos e de normas referentes à administração pública, visando a

resposta da pergunta: “quanto custa um espetáculo?”. Para atingir esse objetivo apresenta-se,

o papel da mídia nessas operações, bem como a forma com que o direito à liberdade de

expressão conflita com a proteção de dados. Adota-se a vertente jurídico-sociológica para

essa investigação científica.

Palavras-chave: Lei geral de proteção de dados, Operações espetaculosas, Polícia federal, Mídia

Abstract/Resumen/Résumé

La presente investigación aborda la relación existente entre los operativos espectaculares

realizados por la Policía Federal y la Ley General de Protección de Datos – Ley no 13.709 de

2018. Además, se expone la vulneración de derechos y normas relacionadas con la

administración pública, con el objetivo de responder a la pregunta: "¿Cuánto cuesta un

espectáculo?". Para lograr este objetivo, se presenta el papel de la prensa en estas

operaciones, así como la forma en que el derecho a la libertad de expresión entra en conflicto

con la protección de datos. Se adopta la vertiente jurídico-sociológica para esta investigación

científica.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Ley general de protección de datos, Operativos espetaculares, Policía federal, Prensa

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Por meio de uma metodologia embasada na vertente jurídico-sociológica,

desenvolveu-se a presente pesquisa. Ademais, para a realização desta investigação, escolheu-

se, na classificação de Witker (1985) e Gustin (2010), o tipo juridico-projetivo e o raciocínio

desenvolvido constitui-se predominantemente dialético. Salienta-se, inclusive, que a obra “Para

uma revolução democrática da justiça” – do autor Boaventura de Sousa Santos – foi a fonte de

inspiração para a abordagem da temática, que envolve as operações espetaculosas da Polícia

Federal frente a um Estado Democrático de Direito.

O cenário de desenvolvimento tecnológico serviu para aumentar o alcance das

investigações espetaculosas, atingindo mais pessoas, não somente do Brasil, como de outras

nacionalidades. Por isso, e pelo fato dessas operações terem se tornado entretenimento popular,

conforme será apresentado, busca-se explicar a dinâmica e a essência dessas averiguações, com

o intuito de responder à pergunta: “quanto custa um espetáculo?”.

Diante da recente criação da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei no 13.709 de 2018),

discorre-se também sobre o dilema presente nessas operações: por um lado, o direito à liberdade

de expressão e acesso à informação, por outro lado, a proteção de dados dos investigados. Além

disso, questiona-se o inciso II do artigo 4o, presente na LGPD (BRASIL, 2018), o qual propõe

a inaplicabilidade desta lei aos casos de tratamento de dados que são realizados com finalidades

exclusivamente jornalísticas.

2. O HISTÓRICO E A DINÂMICA DAS OPERAÇÕES ESPETACULOSAS

No livro “Para uma revolução democrática da justiça”, o autor Boaventura de Sousa

Santos realiza um panorama histórico acerca do desenvolvimento do protagonismo dos

tribunais. Uma das razões para esse protagonismo, além das mudanças decorrentes do

neoliberalismo e outras, é o combate à corrupção (SANTOS, B., 2011). Essa luta, por sua vez,

fortaleceu a fama dos tribunais, que, além do destaque midiático, receberam apoio popular.

Considerando-se esses julgamentos que visam o combate à corrupção, destaca-se a

Operação Mãos Limpas (Mani Pulite) ocorrida na Itália, durante a década de 1990. Essa

operação revelou um esquema de corrupção que envolvia partidos políticos, políticos e grandes

empresários italianos. Ademais, a Mani Pulite estabeleceu recordes custando 4 vezes mais do

que qualquer outra operação similar já ocorrida na Europa (MORAES, 2019). Sobre esta

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operação amplamente divulgada pela mídia mundial, apresenta-se a análise do professor

aposentado da UNICAMP, Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes (2019):

Um drama ao vivo e em cores. Com o espetáculo diário de vazamentos de informações

escandalosas que faziam a alegria dos meios de comunicação. Ao todo, nos dois anos

de operação, foram quase 5 mil prisões, mas apenas 1.300 condenações. Em

compensação, 31 suicídios, entre 1992 e 1994. Vários deles com requintes de drama

– eram inocentes que não suportavam a destruição de sua imagem e o desgaste

psicológico. Alguns chamam essas ocorrências de “danos colaterais”, civis atingidos

em uma guerra.

Contudo, o que é salientado nesta pesquisa, não é, apenas, o fato da Mãos Limpas ter

ampla participação do judiciário – servindo como exemplo para posteriores operações

ocidentais –, mas sim a dimensão alcançada por ela no âmbito midiático. Verifica-se, no cerne

da Mani Pulite o início das operações espetaculosas, nome empregado àquelas operações que

se assemelham a um espetáculo teatral. E como espetáculo, elas são operações intensamente

divulgadas pela mídia, que geralmente realiza, inclusive, a prévia condenação do sujeito. Além

disso, percebe-se o surgimento de figuras heroicas, assim como de vilões, para o povo,

salientando a existência de violações democráticas em várias dessas investigações. Sousa

Santos (2011, p.120) destaca ainda, a transformação dos processos judiciais em entretenimento:

[...] os processos judiciais tiveram sempre o potencial de se transformarem em dramas.

Trata-se, porém, de um teatro para um auditório muito seleto, um teatro de culto

profissional. Hoje, os meios de comunicação, sobretudo a televisão, transformaram

esse teatro de culto num teatro de boulevard, espetáculo, como entretenimento

segundo uma linguagem direta e acessível a grandes massas.

A partir do exposto compara-se a situação italiana com a conjuntura atual brasileira,

especificamente, com as operações espetaculosas da polícia federal. Afinal, são delegadas, a

esse ramo policial, questões de dimensão nacional, conforme dispõe o Decreto no 73.332 de

1973 (BRASIL, 1973), o que atrai a mídia de qualquer parte do país. Acrescenta-se também

que tais investigações federais do Brasil receberam ênfase midiática, sobretudo, após a Lava-

Jato, que foi uma operação espetaculosa similar à Mani Pulite, a exemplo de ambas terem

iniciativa judicial contra a corrupção, delação premiada e divulgação global.

Sergio Moro, juiz em primeira instância dos crimes da Lava-Jato, escreveu o artigo

“Considerações sobre a operação Mani Pulite”. Isso fez a midia assimilar a sua pesquisa com

uma influência do caso italiano na investigação brasileira. “Moro se inspirou em operação da

Itália e ganhou status de herói” (FOLHAPRESS, 2018 apud MORO..., 2018) e “Escrito em

2004, artigo de Moro sobre operação na Itália espelha Lava Jato” (VASCONCELOS, 2015)

são algumas das manchetes que circulavam.

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Após esse histórico, aprofunda-se na dinâmica de uma operação espetaculosa,

demonstrando, por meio de casos reais, a violação de direitos fundamentais, seja por parte da

mídia, seja por parte do Poder Público.

Dessa forma, aborda-se, a exemplo, a Operação Ouvidos Moucos, que prendeu o reitor

da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier. Acusado de obstruir

investigações sobre desvio de dinheiro, a Polícia Federal não o encaminhou a uma delegacia,

mas a um presídio, de onde saiu 24 horas após ter entrado, com liminar de soltura do mesmo

juiz de primeira instância que concedeu a liminar de prisão. Esse acontecimento foi amplamente

divulgado, mas além de informar o povo, uma parte da mídia distorceu a informação, propondo,

inclusive, que o reitor “foi preso, acusado de desvio de dinheiro” (DOCUMENTÁRIO CAU,

2017). Ademais, o meio jornalístico realizou, também, um pré-julgamento do reitor e as

expressões “roubalheira para tudo quer lado” (DOCUMENTÁRIO CAU, 2017) e “essa meia

dúzia mancha a história, mas não vai atrapalhar” (DOCUMENTÁRIO CAU, 2017) foram

empregadas em meios de informação da TV aberta. Entretanto, o desfecho dessa história

implicou o suicídio de Cancellier, que, posteriormente, foi comprovado como inocente.

Na Operação Ouvidos Moucos, diversos direitos do reitor da UFSC sofreram

atentados. A presunção de inocência, presente no artigo 5o da Constituição Federal (BRASIL,

1988) – inciso LVII – foi um deles, afinal, ele foi preso sem as provas necessárias e julgado no

âmbito midiático como criminoso. Ainda, quanto a este mesmo artigo, destaca-se

arbitrariedades contra o seu direito à locomoção (inciso XV), à honra (inciso X), ressaltando

que a vítima dessa investigação foi exposta a demais violações presentes em outras normas,

como a calúnia.

Todavia, essa última operação apresentada foi, apenas, um exemplo dentre tantos

outros. Mais casos estão presentes em operações como a Lava-Jato, quando o ex-governador

Sérgio Cabral foi levado algemado nos pés e nas mãos ao IML. Como também a Operação

Zapatta em que a Polícia Federal vinculou o empresário Roberto Castagnaro ao tráfico de

drogas e não manteve o sigilo dos inquéritos. Nesta operação, Castagnaro, comprovadamente

inocente, processou a União, que foi condenada a indenizá-lo, uma vez que os seus direitos à

imagem, honra e privacidade não foram respeitados durante as investigações. Não somente

estas, sobressai-se o nome de outras operações como a Boi Barrica, a Satiagraha e a Aletheia,

que também foram questionadas por juristas, quanto à violação dos direitos dos investigados.

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3. RELAÇÃO ENTRE A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS E O DILEMA:

LIBERDADE DE EXPRESSÃO E ACESSO À INFORMAÇÃO VERSUS

PROTEÇÃO DE DADOS

Diante dos avanços tecnológicos referentes à divulgação de conhecimento, sendo eles,

as redes sociais, os aplicativos, os podcasts, por exemplo, as informações, interligadas às

operações espetaculosas, recebem maior alcance, o que pode trazer mais prejuízos aos

investigados. Entretanto, pensando na proteção de dados, inclusive no cenário virtual,

desenvolveu-se a Lei no 13.709 de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD). Ao

relacionar a LGPD com o dilema entre o direito à liberdade de expressão e ao acesso à

informação versus o direito à proteção de dados, identifica-se o modo com que esta lei pode

adentrar nessas investigações no que concerne à proteção individual.

Primeiramente, como o direito à liberdade de expressão é um dos pilares democráticos,

no Artigo 5o da Constituição Republicana (BRASIL, 1988), ele é garantido: “é livre a expressão

da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura

ou licença”. Ou seja, constitucionalmente, é vedado a censura prévia e, por isso, a Lei Geral de

Proteção de Dados (BRASIL, 2018) acertou ao generalizar, não estendendo a sua aplicação ao

tratamento de dados realizados com fins exclusivamente jornalísticos.

Apesar dessa inaplicabilidade, acrescenta-se que não existe nenhum direito absoluto

e, consequentemente, no âmbito midiático, devido à possíveis violações de direitos

fundamentais nas operações espetaculosas, ainda pode-se exigir indenizações, conforme

disposto nos incisos V e X do Artigo 5o (BRASIL, 1988) em questão.

Além disso, o direito ao acesso à informação, garantido constitucionalmente, interliga-

se com as operações espetaculosas pelo fato de que algumas investigações são de interesse

público. Porém, nessa situação, avalia-se os casos individualmente, porque, de modo geral, o

inquérito policial é sigiloso, para proteger os dados dos investigados e a própria investigação.

Acrescenta-se que essa Lei no 13.709 também não interfere diretamente nessa situação, pois o

inciso III do seu artigo 4o (BRASIL, 2018) impossibilita a aplicação da LGPD no tratamento

de dados com fim exclusivamente de segurança pública, de defesa nacional, de segurança do

Estado e de atividades de investigação e repressão de infrações penais. Tal inaplicabilidade não

é total e deve-se considerar o mesmo artigo em seu parágrafo primeiro (BRASIL, 2018), que

expõe uma exceção ao inciso:

§ 1º O tratamento de dados pessoais previsto no inciso III será regido por

legislação específica, que deverá prever medidas proporcionais e estritamente

necessárias ao atendimento do interesse público, observados o devido processo

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legal, os princípios gerais de proteção e os direitos do titular previstos nesta

Lei.

Assim, a LGPD ainda será aplicada quanto aos direitos do titular e quanto aos

princípios gerais de proteção, ressaindo que a lei propõe outras medidas para regular as últimas

finalidades mencionadas. Com isso, evidencia-se o recente desenvolvimento de uma proteção

mais eficaz para os direitos dos suspeitos nessas operações, mas alerta-se ainda sobre a

necessidade de maior fiscalização referente à aplicação dessas normas, pois uma parte da mídia

sensacionalista consegue obter dados sigilosos por via de corrupção.

[...] o sigilo está abalado pelo assédio desenfreado da imprensa sensacionalista, que

utilizando meios ardilosos e até mesmo a vaidade de certos Delegados de Polícia,

conseguem informações sobre as investigações criminais e as divulgam de forma

irresponsável à população, proclamando o veredicto antes mesmo da produção de

provas e da defesa dos acusados. (ARAUJO, 2010)

Outrossim, o julgamento realizado pela mídia deve ser considerado na avaliação da

dimensão alcançada por uma operação espetaculosa, pois a opinião pública pode influenciar os

julgamentos jurídicos. A investigação jornalística é capaz de provocar erros ou desvios, seja

porque há uma distorção – feita pela testemunha ou pela impressa – no discurso das vítimas,

seja porque a notícia refletiu de forma negativa na investigação policial ou na confiabilidade

das provas, uma vez que há a possibilidade da opinião pública influenciar os julgamentos dos

tribunais, por meio da exposição de suas expectativas referentes ao caso (SANTOS, B., 2011).

Por fim, apresenta-se alguns valores gastos pela União no pagamento de indenizações

por violação de direitos fundamentais durante operações espetaculosas realizadas pela Polícia

Federal. Cinquenta mil reais foi o que a Justiça Federal condenou a União a pagar ao empresário

Roberto Castagnaro devido às violações de seus direitos durante a Operação Zapatta,

previamente mencionada (SANTOS, D., 2011). Além disso, entre 2007 e 2011, o governo

federal foi condenado a pagar um valor estimado em no mínimo 1,6 milhões por danos morais

e materias a pessoas presas por engano, ilegalmente, ou submetias a ampla exposição midiática

em decorrência da Polícia Federal, (TALENTO, 2011, apud CONTRIBUINTE..., 2011). Não

somente esses exemplos de valores monetários, adiciona-se que o processo de colhimento de

provas irregular, também é um dos fatores que que pode gerar gastos ao governo, pois há a

possibilidade de anulação dos procedimentos da operação – os quais já exigiram investimento

financeiro. Essa situação ocorreu, por exemplo, nas operações: Satiagraha e Castelo de Areia,

que, inclusive, foram anuladas devido às ilegalidades ocorridas na investigação.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do exposto, identifica-se que uma operação espetaculosa custa expressivas

quantias de indenização por parte do Estado; custa a interrupção e a anulação de processos em

andamento quando as investigações percorrem um caminho ilegal, fazendo, consequentemente,

com que o Estado perca recursos financeiros, os quais foram empregado em vão para a

realização de inquéritos ilegais; mas além disso, custa direitos fundamentais, que são violados,

principalmente, pela associação de uma imprensa sensacionalista com uma exposição excessiva

de dados pessoais do investigado.

Apesar da Lei Geral de Proteção de Dados trazer novas regulamentações, capazes de

garantir maior proteção dos dados pessoais, ela ainda encontrará obstáculos referentes à Lei de

Acesso à Informação, que só serão resolvidos mediante a análise do caso concreto. Ademais,

considera-se o cenário virtual, capaz de transmitir informações exponencialmente. Por um lado,

esse cenário contribui com o acesso ao conhecimento, porém, por outro lado, ele facilita a

manipulação de dados e de ideias, tornando ainda maior a responsabilidade da mídia na

transmissão dessas informações.

Dessa forma, é necessário que a mídia repense o seu papel dentro do Estado

Democrático de Direito (DOCUMENTÁRIO CAU, 2018). Isso porque a propagação de

conhecimento falso ou manipulado para tornar-se verdades parciais não gera informação –

conforme o objetivo de uma imprensa democrática –, mas sim, a desinformação.

5. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

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Jurídico, São Paulo, ano XIII, no 72, revista 73, 1 fev. 2010. Disponível em:

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1 Doutoranda e mestre em Direito pela Universidade de Marília – UNIMAR – Marília - São Paulo (Brasil). Promotora de Justiça do Estado do Acre.

1

ALGORITMOS E SUA NECESSÁRIA REGULAÇÃO: DEMOCRACIA NÃO RIMA COM OBSCURANTISMO

ALGORITHMS AND THEIR NECESSARY REGULATION: DEMOCRACY DOESN'T RHYME WITH OBSCURANTISM

Joana D’Arc Dias Martins 1

Resumo

Os algoritmos, compreendidos como o código fonte das novas tecnologias da informação,

cada vez mais presentes nas mais diversas esferas do mundo moderno, afeta a vida de

milhões de pessoas suscitando a importância da discussão técnica acerca da necessidade de

sua regulação, sobremodo ao se considerar seu potencial para cercear a liberdade de decisão

do usuário, além de reforçar desigualdades ou inserir vieses discriminatórios. Assim, o

objetivo deste estudo é analisar como seria possível regulamentar o espaço virtual, tornando-

o mais seguro, sem impedir, contudo, o avanço das novas tecnologias, tão importantes no

desenvolvimento dos Estados.

Palavras-chave: Inteligência artificial, Algoritmo, Transparência, Regulamentação, Código de ética

Abstract/Resumen/Résumé

The algorithms, understood as the source code of new information technologies, increasingly

present in the most diverse spheres of the modern world, affect the lives of millions of

people, raising the importance of technical discussion about the need for its regulation,

especially when considering its potential to restrict the user's freedom of decision, in addition

to reinforcing inequalities or inserting discriminatory biases. Thus, the objective of this study

is to analyze how it would be possible to regulate virtual space, making it safer, without,

however, preventing the advance of new technologies, so important in the development of

States.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Artificial intelligence, Algorithm, Transparency, Regulation, Code of ethics

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INTRODUÇÃO

A tecnologia se desenvolve de forma acelerada, enquanto o direito, com seu ritmo

próprio, é incapaz de acompanhar esse movimento frenético, de forma que sua regulação

deficiente revela, por vezes, obstáculos para a plena proteção dos interesses da pessoa humana

em suas múltiplas dimensões. A necessária adaptação do direito ao mundo virtual é um

desafio para as novas situações de conflitos advindas da virtualização das relações

anteriormente realizadas tão somente com presença física entre as partes.

Inteligência artificial (IA), Big Data, analytics, machine learning, redes neurais,

internet of things (IoT)1, termos desconhecidos há pouco tempo, hoje fazem parte da rotina

das pessoas. Mais da metade da população mundial está conectada à internet e esse número

não para de crescer. São bilhões de pessoas utilizando essas novas tecnologias da informação,

interagindo nas redes e produzindo dados sobre suas preferências, seus amores, seus

dessabores, suas paixões e, por que não, sendo utilizadas pelas novas tecnologias.

Cada vez mais onipresentes, os algoritmos são utilizados nas mais diversas esferas do

mundo moderno e na tomada de decisões públicas e privada que afetam direta e indiretamente

a vida de milhões de pessoas, fazendo parte da realidade social e das rotinas dos governos.

Ocorre que, as novas tecnologias, por óbvio, não trazem apenas benesses, exatamente

como tudo que é produto do engenho humano. À medida que crescem as aplicações de

inteligência artificial, essas decisões são tomadas automaticamente, e sem que se apercebam,

na maioria das vezes, elas atuam reforçando desigualdades ou inserindo vieses

discriminatórios. Algoritmos se tornaram os legisladores do dia-a-dia e, principalmente sob a

égide dos Estados Democráticos de Direito, suscita a importância de melhor conhecê-los para

compreender de que maneira as leis e políticas estão sendo realmente implementadas pelos

sistemas, implicando a discussão técnica sobre a necessidade de sua regulação.

Destarte, não há que se olvidar que a manipulação algorítmica e da inteligência

artificial pode atuar com práticas discriminatórias ou antijurídicas, o que denota a premente

necessidade de se ter as informações de transparência de como é formado esses códigos,

tendentes a criar mecanismos para responsabilizar a inteligência artificial ou o fabricante do

algoritmo. Democracia não rima com obscuridade.

Essa ausência de transparência é tão seria que o Future of Humanity Institute, da

Oxford University, considera um dos três grandes riscos existenciais às sociedades atuais (ao

1 Intitulada por IoT (Internet of Things), consiste na conexão dos objetos da vida cotidiana à rede mundial de

computadores.

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lado de uma guerra atômica e das mudanças climáticas): a ausência de governança na

Inteligência Artificial.

Sendo assim, o objetivo deste estudo é analisar como seria possível regulamentar o

espaço virtual, de modo a torná-lo mais seguro e democrático, sem impedir, contudo, o

avanço das novas tecnologias, tão importantes para o desenvolvimento dos Estados e a

melhoria das condições de vida das pessoas. E mais, considerando que o problema é global, se

haveria necessidade de se instituir uma autoridade mundial para fiscalização dos algoritmos,

ou ao menos um código de ética global sobre inteligência artificial.

1. Revolução tecnológica

O conhecimento convencional se firmou historicamente ao longo de três Revoluções

Industriais. A Terceira Revolução Industrial, interesse central do presente estudo,

desenvolveu-se da metade para o final do século XX, estendendo-se até os dias de hoje.

Caracterizou-se pelo avanço da indústria eletrônica, dos grandes computadores e pela

substituição da tecnologia analógica pela digital. Como desdobramento da Revolução Digital,

agora já se fala da Quarta Revolução Industrial, a chamada Indústria 4.0, caracterizada pelos

fenômenos da cibernética, computação em nuvem e internet das coisas. Portanto, consoante

lição de Barroso (2019, p. 1275), “Quem quiser eleger um protagonista para cada uma das três

revoluções poderia arriscar o vapor, a eletricidade e a rede mundial de computadores”.

Diferente dos modelos presentes nas fases anteriores da revolução industrial, cuja

preocupação central estava ligada ao desenvolvimento do vapor e das empresas petrolíferas,

hodiernamente as preocupações foram transferidas para uma nova indústria: a que lida com

dados. É a chamada economia de dados (THE ECONOMIST, 2017a, p. 09; 2017b, p. 19-22).

Enfim, se em boa parte da história da humanidade os maiores símbolos de riqueza

era a propriedade da terra e dos meios de produção, na atualidade a tecnologia da informação

e o controle sobre os dados são os grandes ativos. É um mundo novo, permeado de

promessas, desafios e, sobretudo, novos riscos.

2. Questões éticas envolvidas na utilização dos algoritmos

A tecnologia não é boa, não é ruim, mas nunca é neutra e sempre tem um aspecto

regulatório embutido em si (KOOPS, 2007).

O que muda com as essas novas tecnologias é o poder regulatório que elas trazem

consigo. Através de softwares e algoritmos comportamentos podem ser de fato

impossibilitados ou forçados. (KOOPS, 2007)

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Portanto, um dos grandes problemas dos algoritmos é que eles são performativos, ou

seja, alteram os ambientes em que são utilizados e geram efeitos, muitos dos quais são

imprevisíveis. E esse problema se agrava quando se considera o sigilo no qual eles se

encontram envoltos, gerando um grave problema para o Estado Democrático de Direito que,

por razões óbvias, não convive bem com a opacidade.

Ademais, não há que se olvidar que todas essas transformações têm ocorrido em

ritmo acelerado, sem maior reflexão sobre as questões éticas e jurídicas envolvidas na

utilização cada vez mais abrangente desses algoritmos. Em muitos casos, parece haver a

aceitação implícita de uma ética puramente utilitarista, justificada a partir de estatísticas.

Nessas tintas, é difícil julgar ética e juridicamente algo que pouco se conhece. Os

algoritmos têm se mostrado verdadeiras caixas pretas, pois, salvo seus desenvolvedores,

normalmente ninguém sabe ao certo como funciona o seu poder de ação e predição: nem os

usuários nem aqueles que sofrerão as consequências da referida decisão. Enquanto os

algoritmos permitem que máquinas cruzem dados e ofereçam soluções cada vez mais

complexas e imprevisíveis, eles exigem transparência e cautela (FRAZÃO, 2018).

Outrossim, fundamental que as sociedades democráticas avancem na compreensão

das implicações dos algoritmos e encontre o melhor modo de regular essas tecnologias que

começaram a regular o comportamento e a relações humanas perante o Estado.

3. Manipulação algorítmica e invasão de privacidade

Os algoritmos são comandados pelo ser humano através de variáveis em seus

códigos que permitem a tomada de decisões de acordo com a conclusão pretendida e

previamente programada pelo seu criador. Como decorrência, há possibilidade concreta de

manipulação prévia de modo a permitir a tomada de decisões que podem ser discriminatórias

ou antijurídicas, trazendo prejuízos incalculáveis aos seres humanos, afora os evidentes riscos

de invasão de privacidade, uma das principais preocupações atuais da sociedade e das

autoridades governamentais.

Ou seja, grosso modo, pode-se dizer que os algoritmos não são neutros e que eles

incorporam visões, idiossincrasias e valores das pessoas e empresas que os desenvolveram.

Por trás dos algoritmos sempre há pessoas e interesses que nem sempre se coadunam com os

valores expressos em um Estado Democrático de Direito.

A despeito de que, na teoria, os algoritmos serem apenas uma forma de representar

matematicamente um processo estruturado para a realização de uma tarefa, na prática, a IA

recebe uma série de comandos e instruções aritméticos que carregam em si valores de seres

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humanos, responsáveis por idealizá-los, os quais, através de variáveis em seus códigos, levam

à tomada de decisões de acordo com a conclusão pretendida e previamente programada pelo

seu criador, havendo a possibilidade concreta de manipulação prévia, de modo a permitir a

tomada de decisões que poderão ser tendenciosas em uma infinidade de formas.

Quanto ao risco da exposição de dados privados, essa é uma possibilidade factível no

mundo virtual. Tanto é verdade que episódios diversos de uso indevido de informações vêm

deflagrando reações de organismos internacionais, regionais e de governos locais para

disciplinar o uso das informações e o direito de privacidade.

À vista disso, se um lado um algoritmo pode recomendar ao usuário um filme ou

protegê-lo de um vírus no computador, dentre tantas outras funcionalidades, por outro lado,

eles também podem ser altamente prejudiciais. Conforme salientado por Cathy O'Neil (2017),

em entrevista à BBC News, os algoritmos "governam" nossas vidas e tendem a prejudicar os

mais desfavorecidos, sendo “opacos, desregulados e irrefutáveis”.

Por conseguinte, a manipulação de dados, de forma a permitir atuações

discriminatórias pela máquina através de seus algoritmos, é um problema real da atualidade e

que acaba desaguando nas portas do judiciário em busca de uma solução para o problema.

4. A regulação algorítmica: Uma necessidade nos Estados democráticos

Os algoritmos são cada vez mais comuns e hoje quase onipresentes nas mais diversas

esferas do mundo moderno. Tão presentes que às vezes sua utilização passa despercebida,

tamanho a naturalidade com que se incorporaram às suas rotinas. Porém, com a utilização de

Big Data e de algoritmos de aprendizado de máquina se torna mais difícil obter as

informações indispensáveis sobre o funcionamento dos sistemas algorítmicos, surgindo

grandes questões: como controlar os processos operados pelos algoritmos que não são visíveis

aos cidadãos e muitas vezes são desconhecidos pelos próprios gestores e autoridades

públicas? Seria democrático algumas centenas de pessoas definirem a vida de milhões de

outras sem nenhuma possibilidade de monitoramento?

Mesmo diante dessa aparente naturalidade com que se incorporaram à rotina

humana, difícil negar que algoritmos carecem de disciplina e regulação por parte do Estado,

principalmente nos casos em que as linhas de código e as decisões resultantes dão substrato a

políticas públicas e a regimes regulatórios. Mas há um grande desafio a ser enfrentado, de

modo que seja possível desenhar e implementar uma regulação equilibrada – nem muito

leniente, nem muito intrusiva -, que estabeleça balizas para que os algoritmos sejam usados de

forma transparente e não discriminatória, mas ao mesmo tempo preserve incentivos ao

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desenvolvimento tecnológico, isto é, uma regulação que não sufoque ou retarde a inovação.

(COUTINHO; KIRA, 2019)

Enfim, não parece nem um pouco razoável que um Estado democrático passe a

utilizar sistemas algorítmicos, ágeis, eficientes, eficazes, automatizados, substitutos de

funções humanas, sem que possam ser democraticamente controlados e auditados.

5. Legislação global sobre Inteligência Artificial: UNESCO e o Código de ética global

Conforme afirmado anteriormente, a opacidade dos algoritmos é uma preocupação

recorrente à maioria dos países na atualidade, tanto que boa parte deles já aprovaram leis

específicas para garantir sua transparência. Se toda atividade do homem que vive em

sociedade passará, de forma direta ou indireta, por softwares, nada mais justo almejar que

cada um tenha a possibilidade de entender minimamente como isso funciona. Mesmo quem

não esteja conectado à internet, em algum momento, terá sua vida impactada por algoritmos.

Conectados ou não, todos têm o direito de saber o que são algoritmos e como eles

funcionam, como fazem seus cálculos e chegam a determinados resultados. Se as pessoas não

puderem saber isso, não existirá mais democracia.

O fundamento moral para a regulação algorítmica é fornecido pelos valores

consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos. A IA deve servir às pessoas

como uma ferramenta, o que implica afirmar que os seres humanos precisam manter o

controle sobre todas as decisões tomadas pela tecnologia. Dados indiscriminadamente

coletados em massa nas mãos do Estado para processamento dos algoritmos, da forma como

estão sendo construídos, não são compatíveis com a legislação de direitos humanos. Ao

contrário, são práticas não saudáveis em uma democracia. Independente da alegada precisão

de tais processamentos algorítmicos, o cenário é muito preocupante (ELIAS, 2017, p. 14.

E foi justamente preocupada com a opacidade, e atuação, muitas das vezes, pouco

ética, das novas tecnologias, suscetível de provocar prejuízos aos seres humanos, que a

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) está

desenvolvendo uma cartilha de recomendações que poderá se tornar o primeiro código de

ética global sobre inteligência artificial.

Em novembro de 2019, após a decisão tomada durante a 40ª sessão da Conferência

Geral da Organização, a UNESCO iniciou um processo de dois anos para elaborar um

documento sobre padrões mundiais de ética em inteligência artificial. Buscando concretizar

esse objetivo, foi selecionado um grupo de 24 especialistas de diferentes partes do mundo. O

documento deverá nortear leis nacionais e internacionais sobre o tema.

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Batizado simplesmente como “Éticas em Inteligência Artificial”, o primeiro

rascunho do documento de 19 páginas2 discorre sobre padrões e boas práticas para a criação e

manutenção de sistemas de inteligência artificial, respeitando os direitos humanos e evitando

qualquer tipo de discriminação, preconceito e desigualdade social.

Por fim, importa salientar que, atualmente, o texto da UNESCO não é uma lei, mas

sim uma carta de recomendações que pode ou não se transformar em legislações locais para

cada estado-membro da entidade. Nada obstante, não há que se olvidar da importância de tal

iniciativa e que ela é o primeiro e grande passo para um ecossistema mais amplo, que mira em

um cenário de colaboração internacional para garantir que esse tipo de tecnologia tenha o

mesmo tratamento ao redor do globo.

Considerais Finais

Conforme demonstrado, a era digital revolucionou a forma de interagir, as

relações de consumo e o acesso a todo tipo de serviço e comodidade. Nada obstante, se

de um lado a evolução tecnológica foi capaz de proporcionar facilidades à vida das

pessoas, por outro lado expôs, repentinamente, a vida de milhões ao universo de notícias,

algoritmos e publicidade virtuais.

Além do uso de dados para fins estranhos aos expressamente autorizados, as

novas tecnologias, municiadas pelas pegadas registradas todos os dias nas redes pelo

usuário, exercem o controle de suas preferências pessoais, culturais e até mesmo

gastronômicas. Tal manipulação é exercida por sistemas de algoritmos que filtram,

selecionam e omitem conteúdos de acordo com critérios preestabelecidos de

“relevância”, que nada mais são do que a subtração do poder de decisão do indivíduo e

sua transferência para o domínio de robôs munidos de inteligência artificial. Afora a

possibilidade concreta que a manipulação de algoritmos e da inteligência artificial pode

atuar com práticas discriminatórias ou antijurídicas.

Nesse contexto, aos poucos a humanidade vem se dando conta que a web, há

tempos, ultrapassou a linha que separa a difusão do conhecimento em larga escala da

influência indiscriminada sobre o pensamento e que as decisões algorítmicas que envolvem

os direitos e as liberdades dos indivíduos devem ser sempre desafiáveis.

Outrossim, a melhor forma de se proteger as pessoas desses erros é que as sociedades

se conscientizem que os algoritmos precisam de alguma disciplina e regulação por parte do

2 O texto pode ser acessado no site da UNESCO: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000373434

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Estado de modo a torna-los menos obscuros e que lhes proporcionem os resultados tão

promissores que se espera. Ou seja, os seres humanos devem ser o árbitro final de qualquer

decisão baseada em AI.

Enfim, não remanesce dúvida que um instrumento internacional de regulamentação

para o desenvolvimento responsável de IA é essencial, e esta é justamente a tarefa que a

UNESCO, desde novembro de 2019, assumiu como propósito, e que até o final de 2021

poderá se tornar o primeiro código de ética global sobre inteligência artificial (IA), um grande

passo em direção ao uso mais ético e democrático dessas novas tecnologias.

REFERÊNCIAS

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do direito num mundo em transformação. Revista Estudos Institucionais, v. 5, n. 3, p. 1262-1313,

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A DUPLA PERSPECTIVA DA INTERNET NA POLÍTICA: CIBERCIDADANIA, DEMOCRACIA VIRTUAL E FRAGILIZAÇÃO DEMOCRÁTICA

THE DUAL PERSPECTIVE OF THE INTERNET IN POLITICS: CYBER-CITIZENSHIP, VIRTUAL DEMOCRACY AND DEMOCRATIC FRAGILITY

João Victor Souza

Resumo

Esta pesquisa pretende analisar a dupla perspectiva dos efeitos causados pela internet como

um meio de atuação política, observando a formação de um novo modo de exercer a

cidadania e a execução de uma democracia virtual, além de constatar como isso pode trazer

uma fragilização democrática. A internet é um meio dinâmico para a atuação política, no

entanto, seu mau uso pode trazer instabilidades. A pesquisa pertence à vertente metodológica

jurídico-sociológica e, a técnica, pesquisa teórica. Quanto à investigação, pertence à

classificação de Witker(1985) e Gustin(2010), o tipo jurídico-projetivo. Predominará o

raciocínio dialético.

Palavras-chave: Democracia virtual, Cibercidadania, Fake new, Internet, Movimentos sociais, Fragilização democrática

Abstract/Resumen/Résumé

This research intends to analyze the double perspective of the effects caused by the internet

as a means of political action, observing the formation of a new way of exercising citizenship

and the execution of a virtual democracy, in addition to verifying how this can bring about a

democratic fragility. The internet is a dynamic medium for political action, however, its

misuse can bring instabilities. The research belongs to the juridical-sociological

methodological aspect and, the technique, theoretical research. As for the investigation, it

belongs to the classification of Witker (1985) and Gustin (2010), the legal-projective type.

Dialectical reasoning will predominate.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Virtual democracy, Cyber citizenship, Fake new, Internet, Social movements, Democratic fragility

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A atual pesquisa se origina de uma dupla perspectiva das mudanças trazidas com

a consolidação da internet como meio necessário para atuação política, tanto na ótica da

cidadania, como na atuação do Estado. A sociedade contemporânea se encontra

conectada em rede, no qual uma grande quantidade de indivíduos de se encontram

juntos em um mesmo espaço sem limitações físicas, de uma modo fácil e rápido. Nesse

panorama, a internet se tornou um grande centro de debates políticos e de expressão de

opiniões, levando a uma chamada democracia virtual.

Sob essa ótica, uma das perspectivas que esta democracia virtual pode trazer é o

exercício de uma cidadania virtual, ou uma cibercidadania, de modo que o exercício da

cidadania não fique restrito ao voto. Além disso, essa mudança traz a ideia de uma

aproximação entre o representante eleito e seu a população, na forma de uma canal

direto de comunicação sem uma maior burocracia. Além do mais, pode ser o ponto de

partida para movimentos sociais ganharem forma e engajamento, como já ocorreu.

No entanto, a outra perspectiva traz que essa cidadania virtual pode trazer pontos

em que se revela uma verdadeira fragilização da democracia, de modo que os

algoritmos das redes podem criar bolhas sociais e políticas, o que pode gerar um

extremismo e abusos da liberdade de expressão. Além disso, os espaços de debate

podem se tornar um campo fértil para a divulgação de Fake News, que possuem

potencial espalharem rapidamente.

A presente pesquisa pertence a vertente metodológica jurídico-sociológica. Além

disso, o tipo de investigação foi selecionado a classificação de Witker (1985) e Gustin

(2010), o tipo jurídico-projetivo. O raciocínio será predominantemente dialético. Nessa

ótica, será analisado a partir de duas perspectivas, sendo uma com pontos negativos e

outra com pontos positivos, os efeitos políticos que a ideia de democracia virtual trouxe

para o cenário político contemporâneo.

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2. A PERSPECTIVA DA NOVA CIDADANIA E DA DEMOCRACIA DIGITAL

A concepção clássica de exercício da cidadania estava restrita a capacidade de

votar e ser votado. No entanto, esse pensamento se modificou ao logo das gerações, de

forma gradual, chegando a um estágio de maior participação ativa, não se restringindo a

via política, como propõe Bernardo Gonçalves Fernandes em seu livro “Curso de

Direito Constitucional”:

Cidadania refere-se à participação política das pessoas na

condução dos negócios e interesses estatais. Fato é que o

conceito de cidadania sofreu uma gradativa ampliação ao longo

dos anos, principalmente a partir da Segunda Guerra. Antes, ser

cidadão era ter capacidade para votar e ser votado (o que, diga-

se, ainda é válido para a dogmática do direito constitucional).

Porém, hoje, compreende-se que a cidadania se expressa por

outras vias, além da política, se desenvolvendo também por

meio dos direitos e garantias fundamentais, ou da tutela dos

direitos e interesses difusos. (FERNANDES, 2011, p.228).

Sendo assim, o conceito e cidadania não é algo se encontra estático, mas algo

que se desenvolve a cada mudança na sociedade (FERNANDES, 2011, p.228). Sob essa

ótica, ao analisar o exercício da cidadania na contemporaneidade, com os indivíduos

conectados em redes pela internet, é notável que a cidadania, atualmente, tem grande

atuação nos espaços virtuais, pois este meio tem a capacidade de reunir diferentes

pessoas e dar voz igualmente a elas e, por conseguinte, construir um debate com

usuários de diferentes lugres e com opiniões diversas. No entanto, esse último ponto

deve ser analisado de forma cautelosa, o que será feito mais adiante.

Deste modo, é possível dizer que a democracia acompanha e se adapta as

necessidades de participação popular, ligado as possibilidades trazidas por novas

tecnologias (JÚNIOR, FERRAZ, 2015, p.61). Nessa concepção, surge a ideia de uma

democracia digital, onde é caracterizada por uma ampla participação efetiva por parte

da população, pois a internet é uma forma rápida e fácil, sem a necessidade de um canal

formal, para exteriorizar reivindicações, opiniões políticas e sociais, para cobrar atuação

dos representantes, e fomentar movimentos sociais.

A respeito deste ultimo ponto, como já dito, as redes que utilizam a internet

como meio proporcionaram um contato mais direto com os representantes eleitos por

meio do voto. Assim, essa aproximação é capaz de gerar um controle nas ações desses

políticos, seja verificando se determinada política é impopular ou, observando qual é a

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reivindicação que está sendo demandada. Assim, há uma contribuição para a

governança do país, de modo a impedir que os representantes apenas atuem em

benefício próprio, como pontua JÚNIOR e FERRAZ:

Primeiramente, cabe neste tópico responder a pergunta do

doutrinador Bobbio, elencada no capítulo inicial, de como

impedir que os representantes tomem decisões baseadas

somente em seus interesses. A resposta encontra-se na própria

nova perspectiva da cidadania e da ciberdemocracia, ambas

como fator propulsor da real e efetiva participação. Através do

controle dos poderes pela população em geral, com debates,

plebiscitos, fóruns de discussão etc. tem-se a alternativa de

fiscalização efetiva das decisões e do próprio processo de

formação delas. Esta realidade está muito mais próxima se

atrelada às novas tecnologias da informação e de comunicação,

afinal já fazem parte da realidade habitual dos indivíduos, não

será (foi) um passo grande fazer parte da realidade política.

(JÚNIO, FERRAZ, 2015, p.65-66).

A título de exemplo, podemos citar as respostas feitas pelo Presidente Jair

Bolsonaro aos seus seguidores por meio da rede social Facebook, como mostra uma

matéria feita pelo portal de notícias UOU, onde seus apoiadores pediam para que não

fosse comprada a vacina produzida pela China contra o novo coronavírus, em resposta,

Bolsonaro diz não seria comprada. Assim, sem adentrar no mérito da discursão, é

notável como os perfis pessoais nas redes sociais se tornaram um veículo oficial do

governo e um canal direto para comunicação.

Outro ponto a ser levantado a partir do advento das novas tecnologias para o

exercício da cidadania é a capacidade que as mídias sócias possuem para criar e

organizar movimentos sociais para reivindicar direitos e um acesso à justiça. Assim,

neste espaço, como há um fluxo grande informações é fácil que um movimento social

ganhe grande proporções com um engajamento massivo, o que aumenta o alcance da

mensagem, e com um acompanhamento em tempo real. No entanto, estes só se tornam

movimentos quando ocuparem o espaço urbano, como ruas praças etc (CASTELLS,

2012, p.129).

Sob essa ótica, esses movimentos são locais, no qual surgem em contextos

específicos, mas que adquirem uma característica global, por estarem também em rede.

Além do mais, isso possibilita a manutenção do debate nas redes e, gerar movimentos a

organização de movimentos simultâneos em diferentes locais (CASTELLS, 2012,

p.130). A título de exemplo, é possível citar o movimento Black Lives Matter, que

obteve desde sua origem grande engajamento dentro da internet e também nos espaços

urbanos.

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3. A PERSPECTIVA DA FRAGILIZAÇÃO DA DEMOCRACIA

Como já exposto, a consolidação da internet mudou a forma de como se opera a

política e a forma de exercer a cidadania dentro de uma democracia. No entanto, é

possível traçar como essa consolidação pode trazer (trouxe) pontos que fragilizam a

própria democracia, podendo levar até mesmo a regimes totalitários. Sendo assim, deve

ser feita a análise dos efeitos que isso pode causar na democracia do século XXI.

Sendo assim, a internet é um veículo que compõe um armazenamento grande de

dados (Big data), sendo estes podendo ser coletados através de e-mails, redes sociais e

ferramentas de pesquisa (LARA, 2019, p.31-32). Essa grande quantidade de dados é

operada por meio de algoritmos programados previamente para executar diferentes

funções de forma lógica (LARA, 2019, p.34). Sob essa ótica, os algoritmos trabalham

de acordo com as preferências pessoais de cada usuário, se moldando de acordo com os

dados fornecidos por este. (LAINER, 2018, p.32-34).

Dessa forma, com a filtragem feita pelos algoritmos se constrói bolhas sociais,

onde os usuários são expostos e buscam conteúdos que gostam ou, que reforçam seus

ideais, sendo estes identificados pela análise algorítmica. Essa perspectiva é bem posta

pelo juiz e Secretário-Geral da CNJ Fábio César Santos Oliveira:

A indagação não se coloca de modo isolado na análise que seja

feita sobre a influência das inovações tecnológicas sobre a

democracia, especialmente por revelar que uma maior

responsividade dos representantes para com os eleitores ou um

nível mais elevado de participação popular em decisões

políticas pode denotar um índice falho de aferição da qualidade

do exercício da cidadania, se este é feito de maneira alheia a

discussões de ideias conflitantes ou pouco suscetível a posições

divergentes. Nesse cenário, o uso da internet seria feito para

reforço de pré-compreensões já formadas e a busca de

informações seria direcionada para esse intuito, o que tornaria

pouco provável a utilização da internet como arena de discussão

entre ideias opostas. Essa situação é agravada se considerado

que o armazenamento de informações pessoais a respeito do

usuário da internet pode ser feito sem o seu explícito

consentimento. (OLIVEIRA, 2013, p.149).

Assim sendo, por conseguinte, o debate político que deveria obter diferentes

pontos de vista se limita apenas consolidação de algo já sólido para o usuário, o que

pode levar ao extremismo, pois a visão da realidade do indivíduo se reduz a um ponto,

assim não obtendo a capacidade de enxergar a pluralidade, de modo a perder a empatia

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(LAINER, 2018, p.77). Outra consequência disso é o abuso da liberdade de expressão,

pois os debates em bolhas, com a falta de empatia gerada, possivelmente leva a opiniões

discriminatórias e ofensivas de um modo geral.

Além disso, pelo fato de a internet ser um meio rápido e fácil para a divulgação

de conteúdo em geral, se torna um campo produtivo para disseminar notícias falsas, as

tidas Fake News. Assim, um problema que as mídias sociais têm enfrentado é

fragilidade de suas regras no tocante ao combate de notícias falsas, no qual as políticas

internas de empresas como Facebook e Twitter mudam constantemente, como mostra

MAGALHÃES e KATZENBACH em um artigo ao Nexo Jornal:

Outra faceta da fragilidade da governança de plataforma diz

respeito à instabilidade das regras internas das empresas.

Mudanças súbitas e reativas, como a nova política sobre o

coronavírus do Twitter, são constantes. Recentemente,

examinamos como as “Regras do Twitter”, uma das normas

internas da plataforma, mudaram desde 2009. Nossa análise

encontrou mais de 300 alterações nas diretivas, terminologia e

classificação de regulamentos. Muitas dessas mudanças

responderam a eventos externos específicos, como as eleições

presidenciais de 2016 nos EUA. Outras revelam os fluxos e

refluxos aparentemente erráticos de uma empresa ainda incerta

sobre como exercer seu enorme poder sobre debate público.

(MAGALHÃES e KATZENBACH, 2020).

Sob essa ótica, há uma ampla abertura para a construção de narrativas e opiniões

embasadas em fatos irreais e, pela ação do algoritmo, isso ganha um alto alcance,

chegando até os representantes políticos. Nessa perspectiva, o cenário mais agravante se

encontra quando estes representantes eleitos se validam dessas notícias falsas para

tomar decisões e, também replicam para criar uma narrativa ao seu favor. Exemplo

disso ocorreu em maio de 2020, quando o presidente Jair Bolsonaro postou em seu

perfil na rede social Instagram dados falsos sobre a pandemia do coronavírus, no

entanto, houve uma ação rápida da plataforma para retirar o conteúdo (G1, 2020).

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4. CONSEDERAÇÕES FINAIS

Com base no que foi exposto, é possível notar que a internet é um instrumento

capaz de reinventar a forma como nos relacionamos com a política em geral, de modo a

construir novos caminhos para o exercício da cidadania e uma nova interpretação da

democracia vigente. Assim, essa perspectiva mostra que cada vez mais a população tem

buscado uma participação mais efetiva e direta. Além disso, este meio proporciona o

levantamento de temas relevantes e a criações de movimentos socais globais.

No entanto, é preciso observar a perspectiva de que esse meio pode ser

potencialmente utilizado para fragilizar a democracia de forma a levar a extremismos,

abusos da liberdade de expressão e construções irreais da realidade por maio de notícias

falsas. Sendo assim, é necessário uma nova avaliação da internet e construir novos

pontos para frear o que está colocando a democracia em risco, ou seja, a perspectiva de

ciberciadadania e democracia virtual deve ser valorizada, no entanto com um olhar

crítico e multilateral.

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ries. Acesso em: 02 nov.2020.

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161). Disponível em:

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1 Discente do Curso de Ciências Econômicas da Fundação Universidade Regional do Cariri - URCA/CE. E-mail: [email protected]

2 Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC/PR. Professor Adjunto lotado no Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Regional do Cariri – URCA/CE. E-mail: [email protected]

1

2

A TRIBUTAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE GOVERNANÇA

TAXATION AS AN INSTRUMENT OF GOVERNANCE

Josivan Fernando do Nascimento Almeida 1Francisco Roberto Dias de Freitas 2

Resumo

O estudo tem como objetivo mostrar o protagonismo dos tributos de competência municipal

efetuados no município de Juazeiro do Norte/CE, no interstício de 2013 a 2017. Para dar

resposta ao objetivo proposto foi fundamental o emprego das informações provenientes da

prefeitura do supracitado município, revistas especializadas, documentos digitalizados, dentre

outras fontes bibliográficas. Utilizou-se o método de análise hipotético indutivo. O estudo

informa a superioridade relativa do ISS (69, 5%), IPTU (15,9%) e ITBI (14,6%). Enfim, os

cidadãos patrocinando os gastos do governo municipal deve exigir melhorias urbanas, uma

vez que, a cidadania fiscal coabita com a consciência fiscalizatória.

Palavras-chave: Lei, Estado, Juazeiro do norte/ce

Abstract/Resumen/Résumé

The study aims to show the role of municipal competence taxes maked in the municipality of

Juazeiro do Norte / CE in the intersection from 2013 to 2017. In order to respond to the

proposed objective, it was essential to use information from the city hall of the

aforementioned municipality, specialized magazines, digitized documents, among other

bibliographic sources. It was used the inductive hypothetical analysis method. The study

reports the relative superiority of ISS (69. 5%), IPTU (15.9%) and ITBI (14.6%). Ultimately,

citizens sponsoring municipal government spending must demand urban improvements, since

fiscal citizenship coexists with fiscal awareness.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Law, State, Juazeiro do norte /ce

1

2

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1. INTRODUÇÃO

A tributação tem papel fundamental na atuação do Estado na economia. É através desse

mecanismo que o governo consegue adquirir recursos financeiros que posteriormente serão

utilizados na execução das políticas fiscais. No entanto, a tributação não se restringe somente a

esta finalidade. A partir da função extrafiscal do tributo, os entes governamentais conseguem

incentivar determinadas atividades econômicas ou até mesmo desincentivar práticas negativas

à sociedade, controlando assim os efeitos negativos das externalidades.

Nesse sentido a aplicabilidade dos recursos financeiros de forma racional, ou seja,

baseado em laudos técnicos é um fato relevante para o poder público a fim de evitar o

aparecimento de externalidades negativas na política tributária. Vale destacar, que o Estado na

visão de Moura (2014, p.2) tem o dever de garantir ao indivíduo o acesso aos direitos que lhe

são concedidos, para tanto necessita de uma estrutura que lhe permita agir em defesa dos

direitos dos seus cidadãos, no entanto, para manter essa estrutura necessita de recursos

financeiros e esses são obtidos pela imposição de tributos, assim manifesta-se o Estado Fiscal.

Desse modo os pesquisadores Hachem e Kalil (2014, p.165) somado com Silveira

(2014, p.62), afirmam que no Estado democrático de direito, no instante, em que a função

arrecadatória do tributo não basta para concretizar os objetivos sociais, políticos ou econômicos

almejados, é permitido ao mesmo utilizar as normas de tributação de outra forma, majorando

ou diminuindo a carga tributária, com vistas a incentivar ou desestimular a prática de

determinados comportamentos por parte dos contribuintes, conforme determina a Constituição

Federal de 88 (CF/88).

De posse dos dispositivos jurídicos envolvendo o protagonismo estatal com a temática

tributária, o estudo tem como objetivo mostrar o protagonismo dos tributos de competência municipal

efetuados no município de Juazeiro do Norte/CE no interstício de 2013 a 2017. Vale assinalar, que a

economia local é impulsionada pelas romarias que atraem todos os anos uma imensa quantidade

de romeiros, em decorrência, da figura do “Santo Padre” nordestino – Padre Cícero.

Todavia para que o objetivo proposto fosse alcançado, foram necessários o emprego

de um levantamento bibliográfico proveniente de livros, artigos de periódicos especializados,

documentos digitalizados, dentre outras fontes. Quanto ao método de análise, foi empregado o

hipotético indutivo.

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2. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO IPTU E DO ISS

O Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), encontra-se

instituído pela CF/88 no seu artigo 156 e menciona uma ressalva no inciso I sobre a transmissão

de bens com os seguintes dizeres (BRASIL, 2011, p.113):

Não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de

pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos

decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se,

nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses

bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.

Outra característica desse Imposto cita como fato gerador a propriedade, o domínio

útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil,

localizado na zona urbana do Município, nos termos do artigo 32 do Código Tributário Nacional

(CTN). Seu contribuinte é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu

possuidor a qualquer título, conforme disposto no artigo 34 do CTN, e do mesmo é cobrado no

início do exercício financeiro. Por isso é que se diz que o IPTU é um imposto municipal

(BRASIL, 1966, p.4-5).

Quanto a função social do Imposto, Martins (2018, p.14) alude:

O IPTU se transformou em uma fonte geradora de recursos para os municípios, quanto

em um mecanismo com função social com vistas à garantia do bem-estar do cidadão.

Daí é que provém a importância da propriedade do imóvel pelo cidadão. Ela passou a

ter uma função social. Em 2001, em um processo de regulamentação do Art. 182 da

Constituição Federal de 1988, entrou em vigor o Estatuto das Cidades, que

normatizou sobre a função social da propriedade e estabeleceu uma série de

obrigações de aplicação de instrumentos urbanísticos como forma de promovê-la.

No tocante a base do cálculo do Imposto é valor venal do imóvel que deve seguir a

determinação do art. 33 do CTN, isto é, “não se considera o valor dos bens móveis mantidos,

em caráter permanente ou temporário, no imóvel, para efeito de sua utilização, exploração,

aformoseamento ou comodidade” (BRASIL, 1966, p.5). Para Sá et al (2013, p.110) nesse rol

considera a terra e suas benfeitorias de carácter permanente, excluindo o valor de outros bens

materiais contidos no imóvel, seja de carácter permanente ou temporário, para a finalidade de

sua utilização e/ou exploração. Como não existe ainda um procedimento padrão legal para o

seu cálculo que possa atender de modo efetivo todos os municípios brasileiros, quaisquer que

sejam suas peculiaridades socioeconômicas, ele continua sendo calculado conforme o CTN.

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O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), tem como fato gerador a

prestação de serviços por empresa ou profissional autônomo, mas desde que tais serviços

estejam descritos na Lista de Serviços do anexo da LC 116/031. A sua base de cálculo consiste

no preço do serviço prestado, e sua função é predominantemente fiscal, embora haja cada vez

maior tendência para que se reconheça também nele uma função extrafiscal (SANTOS, 2016,

p.5-6).

Sobre a alíquota:

A tributação do ISS e fixa ou proporcional, de acordo com as características do sujeito

passivo. A tributação fixa refere-se a um único valor pago periodicamente pelos

profissionais liberais que executam serviços pessoais. A tributação proporcional,

materializada pela Nota Fiscal Avulsa ou Eletrônica, por sua vez, sobre o movimento

econômico das empresas ou pessoas físicas que prestam serviços, esta ligada à

aplicação de uma alíquota (SANTOS, 2016, p.11-12).

Através da LC 116/03 citada, a União fixou alíquota máxima de 5% para todos os

serviços, ao passo que a mínima é de 2%, conforme o artigo 88 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias (ADCT), que “nada mais é do que uma série de instruções

destinadas a organizar a ordem constitucional anterior para a atual, ou seja, coordenar o

momento de adaptação para a nova Constituição” (ALBUQUERQUE, 2009, p. 15).

3. A RELEVÂNCIA DOS TRIBUTOS DE COMPETÊNCIA MUNICIPAL PARA O

FORTALECIMENTO DA ECONOMIA LOCAL

A peça chave para a ascensão dos tributos voltados a gestão pública municipal está

intrinsecamente ligada a promulgação da CF/88. Esse novo Texto Constitucional impulsionou

de vez o fenômeno da municipalização em todo o território. Em outras palavras, representou

um processo de descentralização do político-administrativo conferindo aos municípios da

federação o poder de tributar (PRADO, 2001, p. 1).

Nesse novo contexto tributário, o estudo reporta o Fundo de Participação dos Estados

(FPE) e o Fundos de Participação dos Municípios (FPM). Reis (2019, p.49) afirma que a

distribuição dos recursos do FPE foi regulada pela Lei Complementar nº 62/89, que estipulou

a proporção de 15% dos recursos aos estados das regiões sul e sudeste e 85% dos recursos aos

estados das regiões norte, nordeste e centro-oeste. Neste primeiro momento da distribuição do

1 Desse modo, não são considerados contribuintes, conforme o art. 2º, II da supramencionada Lista: a) Os que

prestam serviços em relação de emprego; b) Os trabalhadores avulsos (estivadores, conferentes); c) Os diretores e

membros de Conselhos Consultivo ou Fiscal de Sociedades.

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FPE, buscou-se o equilíbrio fiscal pautado sob a redistribuição regionalizada dos recursos, no

qual transfere recursos arrecadados em regiões mais desenvolvidas para regiões menos

desenvolvidas do país.

Sobre o cálculo da partilha do FPE, Reis (2019, p.50) alude:

A Lei Complementar nº 62/89 definiu que o Tribunal de Contas da União (TCU)

efetuasse o cálculo das quotas individuais referentes à partilha do FPE. Este cálculo

valeu-se dos critérios estabelecidos pelo CTN, os quais 95% dos recursos são

distribuídos segundo fatores representativos da população (piso = 2%;teto =10%) e

do inverso da renda per capita (piso = 0,4; teto = 2,5); e 5% dos recursos são

distribuídos segundo a superfície dos estados. Esta estimativa resultou nos

coeficientes de participação de cada Unidade Federativa (UF), que constam no Anexo

Único da LC 62/1989.

Com relação ao FPM

[...]considerado uma das principais transferências constitucionais, é composto de

22,5% da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos

Industrializados (IPI). A sua distribuição aos Municípios é feita de acordo com o

número de habitantes, onde são fixadas faixas populacionais, cabendo a cada

uma delas um coeficiente individual, conforme determinado na Lei nº 5.172/96

(MASSARDI; ABRANTES, 2016, p.1398).

Atualmente os atuais critérios de distribuição do FPM não atendem a principal função

de transferência incondicional de equilibrar a demanda e capacidade da oferta de bens e serviços

públicos corrobora em gerar incentivos para um baixo nível de desempenho fiscal. Essa

constatação é preocupante, pois além das transferências intergovernamentais, que tiveram uma

evolução positiva após o processo de redemocratização somado ao novo Texto Constitucional,

pautou os Estados e Munícipios de maior autonomia fiscal, isto é, possibilitou a ampliação de

suas ações no campo tributário (MASSARDI; ABRANTES, 2016, p.1399).

Foi nesse contexto que o município de Juazeiro do Norte/CE, institui seu Código

Tributário por meio da Lei Complementar nº 80, de 20 de dezembro de 2011. Seu Plano Diretor,

por seu turno, parte da sua legislação básica, data do ano 2000, e é denominado Lei 2.570, de

08 de setembro (JUAZEIRO DO NORTE, 2019). Já em relação à sua arrecadação tributária e

a sua arrecadação geral é explicitada na TABELA 1 demonstrando os valores absolutos da

arrecadação dos três impostos de competência municipal, bem como o valor da receita total

compreendendo os anos de 2013 a 2017.

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TABELA 1 – Arrecadação dos Impostos de Competência Municipal, em Juazeiro do

Norte/CE, 2013 a 2017 (em R$)

ITENS 2013 2014 2015 2016 2017

ISS 15.578.058,79 18.798.462,84 19.878.236,66 24.003.249,18 25.420.016,58

IPTU 3.191.278,23 2.907.685,30 4.410.283,20 6.858.239,42 6.417.488,86

ITBI 2.451.878,14 3.531.196,12 4.922.571,58 5.158.133,96 5.665.485,63

RT 330.177.008,04 387.321.192,31 426.787.703,13 507.655.743,06 640.435.043,10

Onde RT corresponde a Receita Total.

Fonte: MEUMUNICÍPIO, 2019.

De acordo com valores explicitados na TABELA 1, o município de Juazeiro do

Norte/CE possui uma arrecadação própria crescente. Nessa trajetória e comparando os dois anos

extremos, pode-se notar um aumento relativo arrecadatório em relação aos impostos IPTU e

ISS de 101,09% e 63,18%, respectivamente. Na concepção dos autores Afonso, Araújo e

Nóbrega (2013, p.23) o desempenho do IPTU em relação ao ISS é decorrente da sua base

tributária ser fixada e por assegurar um fluxo estável de recursos financeiros razoavelmente

independente do ciclo econômico ocupa a segunda posição. Por outro lado, o ITBI mostrou um

acréscimo relativo de 131,07% do ITBI. Esse dado de acordo com Santos, Nascimento e Moura

(2016, p.48) é devido “[...] a definição das alíquotas é fixada através de lei emanadas dos

municípios e não são estipulados tetos, mas é vedada a sua progressividade”. Em geral, o estudo

informa a superioridade relativa do ISS (69, 5%), IPTU (15,9%) e ITBI (14,6%).

No demonstrativo acima, a receita total resulta da soma da arrecadação dos impostos

da sua competência com os repasses dos demais entes federativos. Na TABELA 1 deduz-se,

inclusive, que tal município, embora exerça arrecadação dos seus respectivos impostos,

depende muito dos repasses das outras esferas estatais. Nesse sentido, entende-se como

essencial a efetividade de uma cidadania fiscal para Juazeiro do Norte/CE e demais municípios

da União, sobretudo, onde a consciência política coaduna-se cada vez mais com questões como

transparência, Lei de Responsabilidade Fiscal ou mesmo eficiência nos gastos públicos. Os

municípios debrucem-se sobre as razões de ser de cada artigo que versam sobre seus dois

impostos mais importantes: o IPTU e o ISS; e, finalmente, aparelhem-se a favor de um

aperfeiçoamento da sua arrecadação tributária própria.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em tempos que urgem reformas relevantes para nosso País, sobretudo, acentuadas com

a advinda de momentos de crises econômicas, sempre é citada, e sem dúvida destacadamente,

a reforma tributária. A arrecadação de tributos, por cujo conhecimento de causa é sabido, move

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o poder estatal e o seu poder de exação perante a sociedade. São eles importantes fontes que

financiam os gastos públicos do Estado. E não se pode esquecer o fato de a prestação de serviços

por parte desse Estado, seja em se tratando de quaisquer das suas três esferas, depende de gastos

públicos embasados na transparência e no equilíbrio de suas contas.

Há ainda muito a avançar, principalmente quando se fala em economia municipal.

Estes, mediante o destacado papel atribuído em caráter de legitimidade constitucional, contam

com a forma estatal mais “próxima” da população, justamente por ser denominado “poder

local”. Se a lei apregoa que se deve pagar um imposto anual como o IPTU, ou mesmo um

imposto gerado pela prestação de determinados serviços como o ISS, cabe ao Poder Público

municipal a devida seriedade para cobrá-lo e arrecadá-lo, pois, para isto é que nascem as leis:

para serem cumpridas.

Em contrapartida, os cidadãos municipais, patrocinando os gastos do governo

municipal ao qual se sujeita, na condição de contribuintes e mantenedores, encontram-se, como

tais, encarregados da tarefa de exigir consecutivas melhorias urbanas para a municipalidade.

Assim, a verdadeira cidadania fiscal coabita com a consciência fiscalizatória de que devem

portar todos os cidadãos municipais.

5. REFERÊNCIAS

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BIOPOLÍTICA E BIOPODER: A APLICAÇÃO DOS CONCEITOS DE MICHEL FOUCAULT NA PERSPECTIVA DAS REDES SOCIAIS

BIOPOLITICS AND BIOPOWER: THE APPLICATION OF MICHEL FOUCAULT CONCEPTS FROM THE PERSPECTIVE OF SOCIAL NETWORKS

Larissa Lauane Rodrigues Vieira

Resumo

A presente pesquisa pretende iniciar uma análise dos conceitos de Biopoder e Biopolítica,

criados por Michel Foucault com o objetivo de promover uma interpretação a luz de temas

mais atuais, como, por exemplo, o poder que as mídias sociais possuem. A reflexão também

considera as formas com que governos e empresas podem exercer uma forte influência em

decisões importantes para a população, com um foco na dinâmica política atual. Faz-se

necessária a produção científica acerca do tema devido a relevância do assunto tanto no

âmbito jurídico, quanto nas esferas política e social.

Palavras-chave: Biopolítica, Biopoder, Redes sociais

Abstract/Resumen/Résumé

This research intends to start an analysis of the concepts of Biopower and Biopolitics, created

by Michel Foucault with the objective of promoting an interpretation in the light of more

current themes, such as, for example, the power that social media have. The reflection also

considers the ways in which governments and companies can exert a strong influence on

important decisions for the population, with a focus on current political dynamics. Scientific

production on the subject is necessary due to the relevance of the subject both in the legal

sphere, as well as in the political and social spheres.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Biopolitics, Biopower, Social networks

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Baseando-se nos conceitos de Biopolítica e Biopoder apresentados por Michel

Foucault, a pesquisa pretende demonstrar a aplicação destes conceitos na atualidade.

Dessa forma, o trabalho busca proporcionar um estudo sobre os dados produzidos pelos

usuários de diferentes redes sociais e de que forma estes dados têm sido utilizados como

uma alternativa de controle em diferentes planos, como o social, o político e o econômico.

O objetivo principal da presente pesquisa é verificar as aplicações dos conceitos de

Foucault no meio digital e constatar a influência das redes sociais na vida das pessoas,

além de refletir sobre a atuação do Direito em casos de controles abusivos e utilização de

dados.

O marco teórico utilizado na pesquisa se baseia nos estudos do filósofo francês

Michel Foucault que, dentre vários conceitos e pensamentos, criou os termos Biopolítica

e Biopoder. Assim sendo, a última expressão pode ser entendida como um mecanismo ou

poder disciplinar, nos planos coletivo e individual. Enquanto isso, Biopolítica pode ser

interpretada como uma ferramenta de controle. Dessa forma, os dois conceitos são

aplicados de maneira fática e de modo complementar com a finalidade de controlar o

chamado pelo filósofo “poder sobre a vida”. Por fim, deve ser ressaltado que conceitos

como os desenvolvidos no trabalho, ainda mais se tratando de uma forma de controle

populacional, podem ser vistos atualmente.

A presente pesquisa pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. No

tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985) e Gustin

(2010), o tipo jurídico-projetivo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será

predominantemente dialético. Em frente a amplitude e complexidade do tema, o trabalho

se propõe a refletir sobre as influências que podem ser exercidas por meio das redes

sociais, principalmente se tratando do âmbito político.

2. BIOPODER E BIOPOLÍTICA: CONCEITUAÇÃO E APLICAÇÕES

O termo Biopoder se baseia nas duas formas de poder existentes a contar do século

XVII, sendo elas o poder disciplinar e a biopolítica (PELLIZZARO, 2013). A primeira

forma pode ser compreendida como “um poder direcionado à sujeição e à

disciplinarização dos corpos”, enquanto a biopolítica se refere ao poder pertencente ao

governo ou Estado, que acaba exercendo, em algum grau, alguma forma de controle em

relação aos seus cidadãos (PELLIZZARO, 2013).

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Na obra “Biopolítica e o comum”, Gabriel Vilarinho João do Prado reflete, a partir

dos estudos de Foucault, que o conceito de biolítica passa a ser aplicado entre os séculos

XVII e XVIII, associado à administração da vida em sociedade e se utilizando “de uma

série de técnicas de poder denominadas pelo filósofo sob o conceito de

governamentalidade” (PRADO, 2019).

Consequentemente, o conceito Biopolítica, associado ao Biopoder, começa a ser

desenvolvido por Foucault a partir do entendimento sobre a evolução do poder como

forma de controle. Assim sendo, o autor entendia que o poder estava associado, no direito

romano, ao controle que o pai de família tinha em relação aos seus filhos e escravos,

podendo decidir até mesmo sobre a morte ou manutenção da vida dos dois grupos

mencionados (WERMUTH, 2017). Posteriormente, pela interpretação de Maiquel

Ângelo Dezordi Wermuth, Michel também identificou o direito de punir relacionado com

as guerras, isto é, se as pessoas venciam uma determinada batalha, possuíam o poder de

punir seus inimigos (WERMUTH, 2017).

O que foi mencionado anteriormente se trata do que o autor chamava de “causar

a morte ou deixar viver” (FOUCAULT, 2012), que se contrapôs ao que depois foi

entendido como Biopolítica, que se caracteriza como o “poder de causar a vida ou

devolver a morte” (FOUCAULT, 2012), como evidenciado por Fernando Danner em seu

artigo “O Sentido da Biopolítica em Michel Foucault”:

Trata-se de uma biopolítica porque os novos objetos de saber, que se criam “a

serviço” do novo poder, destinam-se ao controle da própria espécie; e a

população é o novo conceito que se constrói para dar conta de uma dimensão coletiva que até então não havia sido uma problemática no campo dos saberes.

[...] A biopolítica vai se ocupar, portanto, com os processos biológicos

relacionados ao homem-espécie, estabelecendo sobre os mesmos uma espécie

de regulamentação. E, para compreender e conhecer melhor esse corpo, é

preciso não apenas descrevê-lo e quantificá-lo – por exemplo, em termos de

nascimento e de mortes, de fecundidade, de morbidade, de longevidade, de

migração, de criminalidade, etc. –, mas também jogar com tais descrições e

quantidades, combinado-as, comparando-as e, sempre que possível, prevendo

seu futuro por meio do passado (DANNER, 2010).

Dessa maneira, pode ser interpretado que houve uma alteração em relação à concentração

do poder, que passou a estar nas mãos dos governantes por meio da soberania e a

biopolítica “representa uma estratégia ao mesmo tempo de proteção e de maximização da

força representada pela vida dos indivíduos, vida que passa a valer muito”, sendo que a

biopolítica, associada com o biopoder, faz com que haja uma administração em relação

às sociedades (WERMUTH, 2017).

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Portanto, Biopolítica e Biopoder são conceitos que devem ser estudados de

maneira conjunta, já que, de acordo com o criador dos termos, eles se baseiam em uma

interpretação da própria sociedade da época, refletindo as relações entre poder e seu

controle de diferentes formas ao longo dos anos. Dessa maneira, uma compreensão dos

conceitos deve se ater ao fato de que eles poderiam ser alterados a depender da época,

entretanto, a essência da Biopolítica e do Biopoder se associa à evolução do controle de

poder e do capitalismo, que ainda possui raízes provenientes da época em que os conceitos

de Foucault foram desenvolvidos.

3. UMA INTERPRETAÇÃO ATUAL DOS CONCEITOS DE MICHEL

FOUCAULT EM RELAÇÃO ÀS REDES SOCIAIS

Os estudos de Michel Foucault demonstram que seu objetivo principal era

realmente observar a sociedade e as relações de poder envolvendo Estado e população e,

dessa maneira, a presente pesquisa parte da conceituação dos termos criados pelo autor

para a sua aplicação em si do ponto de vista atual. Isto é, as formas de controle e de poder

têm se alterado devido ao fato de que a internet e as redes sociais passaram a ser utilizados

como instrumentos de controle, corroborando para com uma aplicação fática do conceito

de biopolítica e biopoder para além da modernidade.

Em consonância com o que foi afirmado, pode ser feita uma análise acerca da

influência de grandes redes sociais e empresas em tomadas de decisões, sobre,

inicialmente, pontos básicos, tomando como exemplo a Amazon, atualmente a primeira

colocada no “Ranking das 500 marcas mais valiosas do mundo”, de acordo com a Brand

Finance (FORBES BRASIL, 2020), que é uma empresa de vendas de produtos que se

tornou muito mais do que isso já que, hoje em dia, oferece dispositivos próprios, opções

de streaming de filmes, séries e músicas, planos de assinatura de ebooks, entre outras

funcionalidades. A Amazon influencia os seus compradores de diferentes maneiras, já

que atua em diferentes frentes e oferece um catálogo repleto de opções.

Em contraponto à influência da Amazon, que pode ser considerada “inofensiva”

já que se trata de conteúdos e produtos a serem consumidos por seus respectivos

compradores, as tomadas de decisões referentes a pontos mais sérios, como a política,

podem refletir na forma com que os conceitos de Foucault se fazem presentes na

atualidade. Assim sendo, o Brasil é o terceiro país com o maior número de usuários do

Facebook de acordo com a pesquisa da Statista, realizada no ano de 2019 (TECMUNDO,

2019). Redes Sociais e aplicativos similares como o Whatsapp e o Instagram também

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possuem vários usuários ativos no Brasil, sendo que, por meio dessas redes, são

vinculadas diariamente uma série de fotos, notícias, informações e propagandas que já

influenciaram, por exemplo, eleições.

Tendo o âmbito político em vista, A Cambridge Analytica, empresa de marketing

do Reino Unido, foi acusada de acessar dados de milhares de usuários do Facebook e de

acordo com Brittany Kaiser, ex-funcionária da empresa que prestou depoimentos que

corroboraram com a acusação realizada contra a empresa, em seu livro “Manipulados”:

Quando os usuários do Facebook decidiam usar um aplicativo no site, eles

clicavam em uma caixa que exibia os ‘termos de serviço’ do aplicativo. Quase

nenhum deles se dava ao trabalho de ler que estava concordando em fornecer

acesso a 570 pontos de dados sobre si mesmos e 570 pontos de dados de cada

um de seus amigos (KAISER, 2020).

Isto é, a coleta de dados feita pela empresa de marketing mencionada por meio de uma

rede social que é utilizada por várias pessoas ao redor do mundo pode ter influenciado

uma série de tomadas de decisões, como o Brexit, movimento que colaborou para com a

saída do Reino Unido da União Europeia, e diversas eleições ao redor do mundo. A

Cambridge Analytica, segundo Brittany, trabalhou na campanha de Trump, no ano de

2016, coletando dados de diferentes mídias sociais e dividindo os possíveis eleitores em

dois grupos, compostos por pessoas que poderiam votar em Trump e que poderiam votar

em Hilary, depois estes grupos eram divididos novamente direcionando assuntos

relacionados às eleições para que aqueles que poderiam votar no Trump, mas que

poderiam se esquecer de fazê-lo, fossem incentivados a optar pelo candidato republicano

(KAISER, 2020).

Á vista disso, deve ser realizada uma reflexão acerca dos conceitos da Biopolítica

e do Biopoder pois se, durante o período do Império Romano, o controle se dava pelas

mãos dos pais de família e posteriormente o controle passou a estar concentrado no Estado

em si, hoje em dia as redes sociais e grandes empresas detém determinado poder para

controlarem e administrarem, de certa forma, a sociedade? Em que medida os dados que

usuários produzem todos os dias, utilizando aplicativos e redes sociais, podem ser vistos

como um instrumento para ser exercida uma forma de controle? Estas são algumas das

problemáticas que devem ser discutidas no campo do direito.

Ademais, para além das mídias sociais mencionadas, existem inúmeras outras que

podem ser consideradas em uma análise ampla. Análise esta que envolve a forma com

que a utilização de dados pode ser considerada a mais nova forma de biopolítica ou

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mesmo um conceito posterior ao formulado por Michel Foucault, dada a necessidade de

ambientar os seus conceitos em situações mais atuais. Partindo de um ponto de vista

superficial, somente em relação à política, uma pesquisa mais aprofundada sobre a

utilização de dados de redes sociais deve ser realizada para determinar estas influências,

em um âmbito mundial, por meio de estatísticas e de um diálogo mais aberto e claro entre

empresas/redes sociais e seus compradores/usuários.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se, portanto, inicialmente, que, por exemplo, no âmbito da política, as

redes sociais têm sido utilizadas como uma forma de controle em relação a diferentes

populações de diversos países. Assim, esta influência foi essencial para eleições políticas

e se baseia em dados que já foram coletados previamente por estas mesmas redes sociais,

por outras empresas tecnológicas ou aplicativos. Deve-se considerar o papel do Direito,

principalmente do Direito Digital, não somente em regulamentar estas relações, mas

também em efetivamente garantir a segurança dos contratantes de serviços digitais já que,

muitas vezes, usuários aceitam determinados termos de uso sem terem consciência de

que seus dados estão sendo vendidos para diferentes empresas, aplicativos e redes por

meio da internet.

Para mais, é necessário destacar que, em outros aspectos, para além do político,

as redes sociais também influenciam seus consumidores de conteúdo, podendo instigar

escolhas de produtos por exemplo. A temática mencionada e a tentativa de aplicar os

conceitos de Biopolítica e Biopoder talvez não se restrinjam somente à perspectiva

sociopolítica, também podendo ser considerada em outros âmbitos.

Consequentemente, como já mencionado, o trabalho buscou traçar alguma

similaridade entre a aplicação dos conceitos de Foucault na época em que foram criados

e as formas de controle de poder que passaram a existir atualmente. Não significa,

necessariamente, que o entendimento proferido na pesquisa afirma de maneira enfática

que os termos criados pelo filósofo podem ser entendidos como próximos dos modos de

poder exercidos pelas redes sociais, mas sim que esse tipo de questionamento deve ser

considerado para que uma interpretação jurídica, sociológica e política seja satisfeita.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL é o terceiro país com mais usuários no Facebook. Tecmundo, Curitiba, 27 fev.

2019.

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1 Graduanda em Direito, modalidade integral, da Escola Superior dom Helder Câmara.1

POLÍTICA E BIG DATA: O FENÔMENO DAS FAKE NEWS NA DEMOCRACIA BRASILEIRA

POLICY AND BIG DATA: THE FAKE NEWS PHENOMENON IN BRAZILIAN DEMOCRACY

Laura Gripp Rosas 1Leonardo Henrique Boy De Oliveira

Resumo

A presente pesquisa busca o esclarecimento do funcionamento do Big Data e do efeito da

manipulação desses dados nos processos democráticos, assim como a importância da

regulação jurídica para punir a manipulação ilegal de dados, no que diz respeito à esfera

política e ao cenário eleitoral. O trabalho se propõe à vertente metodológica jurídico-

sociológica. No tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker

(1985) e Gustin (2010), o tipo jurídico-projetivo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será

predominantemente dialético. Dessa forma, a pesquisa busca interpretar os efeitos da

manipulação da dados e seus efeitos nocivos à democracia.

Palavras-chave: Política, Big data, Fake news

Abstract/Resumen/Résumé

This research seeks to clarify how Big Data works and the effect of manipulating this data in

the democratic processes, as well as the importance of legal regulation to punish illegal data

manipulation, with regard to the political sphere in the electoral scenario. This papper is part

of the juridical-sociological methodological aspect. Regarding the type of investigation, the

legal-projective type was chosen in the classification of Witker (1985) and Gustin (2010).

The reasoning developed in the research will be predominantly dialectical. Thus, the research

seeks to interpret the effects of data manipulation and its harmful effects on democracy.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Politics, Big data, Fake news

1

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A presente pesquisa vem analisar e discutir os efeitos da manipulação do Big Data na

política. Os dados fornecidos pelos usuários das redes sociais, quando armazenados, podem

ser manipulados e utilizados para interferir no processo democrático brasileiro, por meio do

bombardeio de Fake News, fomentando assim, o fenômeno da pós-verdade.

Big Data armazena a enorme quantidade de dados disponibilizados digitalmente e

contém todo tipo de dado disponibilizado virtualmente nas mais diversas plataformas. Até o

ano de 2016, poucas pessoas se importavam com isso e a regulamentação jurídica para a

manipulação desses dados era pequena e insuficiente. Logo, era muito fácil para os detentores

desses dados usá-los deliberadamente, facilitando assim a eclosão da crise nas eleições

americanas e posteriormente no mundo todo.

A pesquisa se propõe à vertente metodológica jurídico-sociológica. No tocante ao tipo

de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985) e Gustin (2010), o tipo

jurídico-projetivo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será predominantemente dialético.

Dessa forma, a pesquisa busca o esclarecimento do funcionamento do Big Data e do efeito da

manipulação desses dados nos processos democráticos, assim como a importância da

regulação jurídica desses para punir a manipulação ilegal de dados, no que diz respeito à

esfera política e ao cenário eleitoral.

2. DEMOCRACIA E AS FAKE NEWS

No Brasil, a proliferação das fake news em variadas redes de comunicação vêm

crescendo nos últimos quatro anos. Apesar de haver legislação que regulamenta a utilização

do Big Data e o uso da internet, o Brasil foi classificado em um levantamento feito pela

Reuters e divulgando pela revista Forbes como o terceiro país que mais consome Fake News

no mundo, ficando atrás da Turquia e do México (REUTERS, 2018).

Em vista disso é importante lembrar que a Constituição Federal em seu parágrafo

único do artigo 1º, ao afirma que o poder emana do povo, que o exerce por meio de

representantes eleitos (BRASIL, 1988). Apesar disso, a realidade que vivenciada hoje é bem

diferente do que deveria ser.

É importante lembrar que a eleição presidencial de 2014, não foi apenas o pleito mais

disputado em toda a história democrática brasileira. Nessa eleição foi possível observar o

início do processo que reformulou o modo de se fazer política no mundo; o uso e a força das

redes sociais voltadas à política. Segundo o Portal de notícias do G1 um grupo de

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pesquisadores da FGV identificou uma série de perfis falsos que espalharam, nos dias que

antecederam a votação do 2º turno, diversas postagens relacionadas aos candidatos. (FGV,

2018) Essas postagens continham os jingles das campanhas, propostas e informações

positivas sobre os candidatos. O interessante é que algumas das notícias eram verdadeiras,

mas ficou evidente o potencial da divulgação dos candidatos e de informações através dessas

plataformas.

O problema surgiu em 2016, nos Estado Unidos, quando as matérias divulgadas

passaram a ser falsas e buscavam abonar a figura dos candidatos e desequilibrar a corrida

eleitoral, valendo-se da velocidade em que as notícias se propagam nas redes sociais. É

preciso refletir então no que disse Bobbio em seu livro “O futuro da democracia”, escreve

sobre algumas condições de aplicação da democracia. Nesse sentido,

para uma definição mínima de democracia, como é a que aceito, não bastam nem a atribuição a um elevado número de cidadãos do direito de participar

direta ou indiretamente da tomada de decisões coletivas, nem a existência de

regras de procedimentos como a da maioria (ou, no limite, da unanimidade).

É indispensável uma terceira condição: é preciso que aqueles que são

chamados a decidir ou a eleger os que deverão decidir sejam colocados

diante de alternativas reais e postos em condição de poder escolher entre uma e outra. (BOBBIO, Noberto. 2019 p. 37-38)

Logo, a manipulação de dados para o envio de informações falsas sobre alguns

candidatos afeta a possibilidade de escolher entre alternativas reais. Essa manipulação coloca

em risco tudo o que um processo democrático representa

Muito já se falava sobre boatos lançados na internet, mas como algo sem grandes

propagações. Não se imaginava a possibilidade disso ocorrer em uma amplitude nacional ou

global, até mesmo com a capacidade de alterar a as eleições de um país. O professor Caio

Augusto Souza Lara nesse sentido comenta em sua tese de doutoramento que:

Uma sombra continuará a pairar sobre as democracias. Mesmo com Mark Zuckerberg assumindo os erros do Facebook na sabatina no congresso

americano em abril de 2018 e entoando um discurso em defesa da

privacidade dos dados dos usuários, bem como a adoção de um esforço para

a garantia da lisura de eleições em todo o mundo. É ingênuo acreditar que um método que contribuiu para a eleição do cargo mais poderoso do planeta

e que interferiu na geopolítica europeia não será novamente tentado ou

utilizado. Os desafios de regulação, sem dúvida, se tornaram de uma complexidade jamais vista (LARA, Caio Augusto Souza 2019, p.103).

As fake news e os seus efeitos dominaram os principais meios de comunicação e

acenderam a luz de alerta para os políticos, autoridades, magnatas das redes sociais e

população mundial como um todo. Países criaram leis e políticas de uso de dados, grandes

empresas de tecnologia passaram a ser investigadas por manipulação indevida de dados, e

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uma nova era na sociedade da informação surgiu. As discussões sobre como os dados

fornecidos pelos usuários eram armazenados, como eles eram tratados pelos armazenadores e,

acima de tudo, quem tinha acesso a eles causaram grandes mudanças na forma como as redes

sociais e seus algoritmos eram vistos e usados.

No Brasil, desde a aprovação do Marco Civil da Internet, a Lei 12.965, em 23 de abril

de 2014, já se tentava regulamentar o uso da internet no país, mas entendeu-se que ainda era

necessária uma regulamentação referente ao uso e a manipulação dos dados fornecidos no uso

da internet, por isso, foi feita a Lei nº 13.709 de 14 de agosto de 2018, também chamada de

Lei Geral de Proteção de Dados, que em seu primeiro artigo já estabelece “o objetivo de

proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da

personalidade da pessoa natural.” (BRASIL, 2018)

Em 2018, a primeira eleição presidencial brasileira após a eclosão desse fenômeno,

apenas no período eleitoral, 48 das 50 notícias falsas denunciadas pelo público ao TSE –

Tribunal Superior Eleitoral foram retiradas do ar (TSE, 2018). Um número considerável, mas

pequeno se compararmos ao quanto realmente pode ter circulado e a quantos pode ter

alcançado.

Hoje, apesar de termos uma legislação atuante na regularização do armazenamento e

uso de dados, não temos ainda uma lei aprovada específica para o combate das Fake News. O

que pode mais uma vez prejudicar o pleito eleitoral de 2020.

3. BIG DATA E SUAS INTERFERÊNCIAS POLÍTICAS

Diante disso, é importante analisar o que é o Big Data e os possíveis impactos da

manipulação dos dados da população nos processos eleitorais. Tem se, portanto que “o grande

volume de informações disponíveis digitalmente é o que se denomina Big Data” (NAVES;

REIS, 2020 p. 147). Contudo, esse grande volume de dados pode ser alvo de manipulação

para uma disseminação ainda maior e mais efetiva de notícias falsas que prejudicam

enormemente o processo democrático brasileiro.

Para o professor Yuri Costa Lannes (2020 p. 16), o Big Data traz uma nova forma de

observação dos resultados de dados, uma vez que são levantados em larga escala, esses

podem apresentar resultados também em larga escala. Logo, tendo em vista que é possível,

por meio dos algoritmos e da inteligência artificial, prever os comportamentos humanos,

também é possível se valer dessa previsão para manipular que tipo de informações serão

disparadas para cada cidadão.

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É notório, portanto, que a manipulação dos dados dos usuários pode intensificar a

fenômeno da pós-verdade, que ameaça e muito a democracia. Nesse sentido, o professor Caio

Augusto Souza Lara, referencial teórico de extrema relevância no que tange às questões de

Direito e Tecnologia, aborda em sua tese de doutorado que

A pós-verdade, portanto, se caracteriza por uma tentativa de manipulação da

opinião pública, em que a realidade dos fatos é menos importante que o apelo às emoções ou às crenças dos destinatários da mensagem. Em uma

linguagem direta, é uma mentira deslavada que toca o coração de pessoas

mais propensas a um discurso radical. (LARA, Caio Augusto Souza 2019, p. 101)

Desse modo, a falta na regulação da manipulação dos dados dos usuários das redes

sociais é extremamente preocupante já que aplicativos como o Facebook, Twitter e o

WhatsApp se tornam ambientes extremamente propícios para a proliferação de fake news e

para a aplicação do método do firehousing. Essa estratégia, por sua vez, consiste na produção

e disseminação de mentiras em grande fluxo com intensidade e consistência, o que

impossibilita uma resposta dos adversários que seja capaz de desmentir o que foi dito.

(LARA, 2019 p. 101).

Em primeiro lugar o firehousing é uma afronta a qualquer Estado Democrático de

Direito já que a prática fere os direitos ao contraditório e a ampla defesa. Em segundo plano

Arthwr Ferreira e Clara Furbino deixam claro que a democracia em si corre sérios riscos em

decorrência desses fatores

A grande vítima do processo é, de fato, a população que acredita nas notícias criadas a partir de informações fraudulentas, pois em regime democrático,

são esses indivíduos que decidem as figuras que ocuparão cargos no

governo. O firehousing, portanto, tem o objetivo de mudar ou reforçar determinado consenso do eleitorado; manipulando de forma ilegal o

processo eleitoral como um todo. (FERREIRA, Arthwr; FURBINO, Clara

Santos, 2020 p.7)

As redes sociais poderiam ser um ambiente democrático onde os cidadãos pudessem

expor seus pensamentos, opiniões e posicionamentos políticos. Contudo, os dados coletados

nas redes se tornam uma ferramenta de manipulação nas mãos daqueles que os detém. O valor

dos dados está justamente na capacidade que eles têm de gerar informações em larga escala e

a interpretação dessas informações pode mostrar qual é a melhor forma de convencer o

indivíduo que teve seus dados coletados. (LANNES, 2020 p. 25).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mediante o exposto, é notório que a grande quantidade de dados dos cidadãos pode ser

usada para manipular os pleitos eleitorais. As fake news e o fenômeno de firehouse of

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falsehood podem impactar tremendamente as escolhas feitas nos processos eleitorais o que

afeta a democracia como um todo.

Desse modo, para que todo o processo democrático seja preservado é necessário garantir

aos cidadãos, de quem emana o poder, completa liberdade de escolha. Na contemporaneidade,

isso só poderá ser feito por meio de um controle rigoroso do uso e tratamento de dados pelas

empresas que os detém. A informação é uma grande aliada da democracia, mas para isso ela

deve ser difundida de maneira a respeitar à privacidade dos indivíduos e, sobretudo, todas as

informações difundidas devem ser verídicas.

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de Sena Orsini, Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito, 2019

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ROBÔS foram usados nas eleições de 2014, revela estudo, G1. 25 de Mar, 2018. Disponível

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TSE atuou com celeridade no julgamento de processos sobre fake news durante as Eleições

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1 Graduanda em Direito pela UFOP. Bolsista de iniciação científica sobre o tema do resumo, com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

2 Professor de Direito na Universidade Federal de Ouro Preto. Doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

1

2

ANÁLISE DA ADEQUAÇÃO DO “TERMO DE USO” DA PLATAFORMA RAPPI AOS CONTEÚDOS DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS E DO CÓDIGO

DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

ANALYSIS OF THE ADEQUACY OF THE “TERM OF USE” OF THE RAPPI PLATFORM TO CONTENTS OF THE GENERAL DATA PROTECTION LAW AND

THE CONSUMER PROTECTION CODE

Luana Assunção Fernandes Teixeira 1Felipe Comarela Milanez 2

Resumo

Em um contexto de crescente monitoramento de informações pessoais dos consumidores na

internet, o projeto tem como objetivo realizar uma análise dos contratos, “termos de uso”, do

aplicativo Rappi com a finalidade de observar se estão em conformidade com a Lei Geral de

Proteção de Dados e o Código de Defesa do Consumidor. A pesquisa justifica-se diante dessa

relação contratual, pois é a partir do exercício da autodeterminação informativa,

materializada na aceitação dos termos desses documentos, que a coleta de dados passa a ser

considerada como matéria prima para os interesses dos agentes econômicos que utilizam o

banco de dados.

Palavras-chave: Consumidor, Proteção de dados, Autodeterminação informativa, Termos de uso

Abstract/Resumen/Résumé

In a context of an increasing monitoring of consumers personal information on the internet,

the project's objective is to carry out an analysis about the contracts, “terms of use”, of Rappi

application in order to observe whether they are in accordance with the brazilian General

Data Protection Law and the Consumer Protection Code. The research is justified since it is

from the exercise of informative self-determination, materialized in the acceptance of the

terms of these documents, that the collection of the data come to be considered as raw

material for the interests of economic agents that use the database.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Consumer, Data protection, Informative self-determination, Terms of use

1

2

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1 INTRODUÇÃO

Durante a última década, um novo método de acumulação, denominado capitalismo

de vigilância, baseado na tentativa de persuadir e controlar o comportamento humano ganhou

grande importância no mercado econômico. Essa forma de capitalismo apresenta, dentre

outras, um componente essencial intitulado big data, que possui como algumas de suas

propriedades a extração, a análise e a acumulação de dados objetivos e subjetivos dos

indivíduos com o propósito de captar seus padrões e hábitos de consumo e, por fim, aumentar

a precisão de campanhas de publicidade e o sucesso de vendas (ZUBOFF,2015, posição 252).

Nesse contexto, os aplicativos presentes em smartphones tornaram-se essenciais

instrumentos de interações interpessoais, prestações de serviços e realização de atos de

consumo. Estes aplicativos prometem praticidade e vantagens aos seus consumidores para a

realização de atividades pessoais e aquisição de produtos.

Para tanto, adotam em seus Termos de Uso um padrão de autorização para o acesso

dos dados de cada ação realizada pelos seus usuários. Estes dados, por conseguinte, são

utilizados, em grande parte, como matéria prima para segmentar e maximizar ofertas de

acordo com cada perfil de comportamento de consumo.

Com efeito, a partir do momento em que consumidores manifestam ciência e

concordância com o conteúdo do Termo de Uso como condição necessária para o acesso a

determinadas funcionalidades e serviços disponibilizados, os aplicativos iniciam a coleta de

dados pessoais como localização, dados bancários, bem como de dados que permitem aos

fornecedores identificarem o perfil de consumo do usuário - o que gostam de consumir e

quanto tempo gastam observando cada produto oferecido virtualmente, dentre outros.

Todavia, o monitoramento e a manipulação irrestrita dos dados dos usuários

realizadas pelas plataformas virtuais, somados às estratégias de indução ao ato de consumo,

sobre o pretexto de aprimorar as relações comerciais, podem entrar em conflito com a

liberdade e a independência das escolhas dos consumidores, que não possuem um claro

discernimento de como propagandas elaboradas a partir da coleta de dados influenciam

comportamentos humanos de acordo com os interesses do mercado (PENTEADO e CONTE

FILHO,2019, p. 37-39).

Além disso, a aparente ausência de um consentimento livre e esclarecido do

consumidor sobre as relações de consumo pode representar uma violação ao direito à

privacidade sobre determinados aspectos da vida. Isso, porque os dispositivos tecnológicos

monitoram continuamente as ações realizadas por seus usuários e podem extrapolar limites de

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vigilância, como por meio da varredura de e-mails pessoais e captura de comunicações de voz

e vídeo, com o propósito de transformar esses dados em mercadorias personalizadas que serão

direcionadas, através de campanhas de publicidade, para persuadir o consumidor tendo como

objetivo a obtenção de lucro (ZUBOFF, 2015, posição 702 a 881).

Diante desse cenário de crescente fluxo de informações e estratégias publicitárias

sobre os indivíduos, surgiu a Lei Geral De Proteção Geral de Dados (LGPD) - Lei 13709,

especificamente para regulamentar o tratamento sobre dados pessoais e delimitar os direitos e

deveres dos agentes envolvidos.

Enquanto norma balizadora da proteção e tratamento dos dados individuais, são

enumeradas regras e fundamentos sobre responsabilidade, transferência, finalidade, segurança

e fiscalização sobre a coleta de informações, que deverão fazer parte dos contratos comerciais

estabelecidos.

Para tanto, a nova legislação preserva, nos termos do seu art. 2º, inciso VI, a livre

iniciativa e a livre concorrência, mas também confirma a defesa do consumidor como um

componente da sua base jurídica, visto que possui como um de seus propósitos reafirmar a

vulnerabilidade dos consumidores diante dos negócios mercantis e, portanto, busca garantir

provisões de segurança e transparência em sintonia com o que prevê o art. 4º e 6º do Código

de Defesa do Consumidor - CDC - diante da utilização dos dados por empresas e terceiros

associados com práticas abusivas.

De igual modo, a LGPD possui diversas previsões decorrentes do diploma

consumerista, notadamente pelo reconhecimento de que a defesa do consumidor faz parte dos

princípios da atividade econômica que envolve informação e, por isso, adota conceitos como a

fragilidade e proteção do consumidor, além de reafirmar normas e direitos como a boa-fé e o

equilíbrio entre as relações comerciais que abrangem o tratamento de dados (PENTEADO e

CONTE FILHO, 2019, p. 43).

A LGPD também reitera a preservação de direitos fundamentais constitucionalmente

assegurados, como a privacidade, a intimidade e o livre desenvolvimento da personalidade

das pessoas, previstos no art. 5º, inciso X da Constituição da República. Além disso, ressalta a

importância da autodeterminação afirmativa, isto é, o direito dos usuários em obter acesso à

informação de maneira clara e transparente sobre o tratamento e a finalidade dos dados

coletados.

Ante o exposto, o projeto propõe, sob a perspectiva da LGPD e do CDC a análise

jurídica do Termos de Uso da plataforma “Rappi”, um aplicativo móvel responsável por

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intermediar contratos entre consumidores e diversos serviços, como restaurantes,

supermercados, farmácias, transporte, dentre outros.

A escolha desta plataforma em particular se deu em razão da característica interação

realizada entre consumidores e os mais diversos segmentos do mercado de consumo, pois

adota um modelo de concentrar em um único sítio eletrônico uma gama de opções de

consumo aos seus usuários e que resulta na ocorrência de uma rede de dados destinados que

potencialmente são utilizados para a organização de publicidades direcionadas.

Ao disponibilizar tamanha oferta de funções para seus usuários, a plataforma e as

empresas vinculadas passam a conter inúmeras informações dos comportamentos e hábitos

dos consumidores dentro do aplicativo, bem como das páginas navegadas e links acessados a

partir de telefones móveis e computadores.

Como consequência, torna-se possível personalizar as estratégias de persuasão de

acordo com o padrão de consumo de cada indivíduo a fim de medir e otimizar as

possibilidades de compras e vendas por meio do aplicativo, em especial, mediante a utilização

da publicidade comportamental online (BIONI, 2020, pp. 16 e 17).

Em vista dessa coleta e vigilância de dados, torna-se relevante o estudo de como são

estabelecidas as relações contratuais atuais da plataforma “Rappi”, para que seja possível

avaliar criticamente a sua adequação ao conteúdo da LGPD e, dada a influência exercida no

contexto da proteção do consumidor, também ao conteúdo do CDC.

Nesse sentido, é fundamental a análise de adequação dos instrumentos de obtenção

de consentimento para coleta e uso de dados, assim como dos métodos utilizados para garantir

aos usuários acesso à informação de como acontece o tratamento de dados, uma vez que os

contratos existem para atenuar as incertezas em torno não apenas dos resultados imediatos

como também mediatos da sua realização, assim como para proteger as partes de alguma

forma de oportunismo (ZUBOFF, apud WILLIAMSON,1985. posição 611, 2015).

2 OBJETIVOS

Geral

Analisar a adequação dos Termos de Uso da plataforma Rappi em vista do conteúdo da Lei

Geral de Proteção de Dados - LGPD - e o Código de Defesa do Consumidor - CDC, sob a

perspectiva da tutela da autodeterminação informativa e os direitos básicos dos consumidores.

Específicos

Traçar as linhas gerais da evolução da proteção de dados no mercado de consumo.

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Identificar e analisar os princípios gerais que orientam o movimento político jurídico de

proteção de dados.

Estabelecer as bases normativas de proteção de dados dos consumidores no contexto do

ordenamento jurídico brasileiro.

Avaliar o impacto da utilização dos dados pessoais no contexto do comércio eletrônico em

vista da proteção dos interesses dos consumidores.

Identificar as estratégias de persuasão desenvolvidas a partir da coleta de dados de consumo.

Estabelecer os parâmetros de proteção dos dados pessoais previstos na Lei Geral de Proteção

de Dados.

Identificar os parâmetros de clareza e transparência da informação ao consumidor, previsto no

CDC, como balizadores do tratamento e compartilhamento com terceiros dos dados pessoais

coletados.

Analisar os pressupostos materiais e formais para o exercício da autodeterminação

informativa.

Estabelecer a relação entre os direitos básicos dos consumidores e a autodeterminação

informativa.

Discutir a influência do direito de personalidade no contexto da proteção de dados dos

consumidores.

Analisar as formas de obtenção do consentimento dos consumidores para a coleta e

tratamento de seus dados pessoais.

Identificar a estrutura contratual dos mecanismos utilizados pela plataforma Rappi para a

obtenção da manifestação do consumidor acerca da coleta e uso dos seus dados.

Analisar o conteúdo do aviso de privacidade e política de uso das informações adotados pela

plataforma Rappi em vista da proteção do direito à autodeterminação informativa e os direitos

básicos dos consumidores.

3 METODOLOGIA

A execução da pesquisa, a partir dos objetivos geral e específicos apresentados, será

orientada por uma abordagem metodológica de base analítico dogmática, caracterizada por

desenvolver investigações e análises acerca da compreensão de relações normativas e

pressupostos jurídicos, observando seus propósitos, eficácia e otimização de acordo com o

contexto social, bem como identificar de maneira pormenorizada seus aspectos, princípios e

funções (GUSTIN e DIAS, 2010, pp 21-29).

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Para tanto, a pesquisa utilizará fontes de natureza secundária, em especial as normas

jurídicas e documentos preexistentes oriundos de pesquisas e estudos realizados por terceiros

(GUSTIN e DIAS, 2010, p.89), com o objetivo de obter um panorama complementar sobre os

termos que serão analisados e subordinados, a partir do método analítico dedutivo, em relação

aos princípios e normas da LGPD e do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Nesse sentido, será realizado em um primeiro momento a pesquisa dos institutos

jurídicos afetos ao tema da proteção de dados e dos consumidores, de maneira a identificar as

bases sobre as quais a proteção é estabelecida, bem como os objetivos e finalidade dessa

proteção. Na sequência, será feita uma abordagem acerca da coleta de dados pessoais no

contexto do comércio eletrônico e seus impactos sobre a proteção dos interesses dos

consumidores e a sua importância para a construção de estratégias de persuasão para o

consumo. Também será necessária uma abordagem acerca da estrutura de proteção de dados

prevista na LGPD, de modo a correlacionar o seu conteúdo aos centros de interesse protegidos

a partir do que prevê o CDC.

A partir desse levantamento de dados será possível proceder à uma análise dos

aspectos formais e materiais envolvidos com o exercício da autodeterminação informativa do

consumidor dentro do mercado de consumo.

Em um segundo momento, após estabelecer as bases teóricas que embasarão a

análise dos instrumentos adotados pela plataforma Rappi para a coleta e manipulação de

dados dos consumidores, será realizada uma análise qualitativa do Termo de Uso e Aviso e

Políticas de Privacidade do aplicativo, de modo a identificar o modelo atualmente conferido

ao tratamento dos dados dos consumidores. A análise qualitativa justifica-se no contexto de

que a presente pesquisa não tem por finalidade, adotando o ensinamento de Maria Helena

Michel, “de comprovar numérica ou estatisticamente” os pressupostos que levam à sua

execução, pois se fundamenta na análise “abrangente, consistente e coerente, e na

argumentação lógica das ideias”. (MICHEL, 2015, p.40).

Na sequência, será realizada uma análise crítica da adequação das disposições do

Termo de Uso ao conteúdo da LGPD e seus princípios, como a boa-fé objetiva, a

transparência, a responsabilidade, dentre outros conceitos relacionados à proteção, o

tratamento e o compartilhamento de dados, bem como às disposições presentes no CDC

relativas ao direito à informação e demais conteúdos afetos aos aspectos contratuais da

relação.

Com efeito, também serão objeto de análise crítica as eventuais alterações realizadas

no Termo de Uso, além da adequação destas atualizações não apenas ao conteúdo da LGPD

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como também, e em especial, aos princípios, direitos e deveres básicos e demais disposições

afetas à relação contratual entre consumidores e fornecedores previstas no CDC, tal como a

garantia de efetividade do direito do consumidor à informação de como seus dados são

coletados, armazenados e classificados, a adoção de preceitos que evitem cláusulas abusivas,

dentre outros.

Por fim, a investigação buscará identificar aspectos qualitativos positivos e negativos

dos conteúdos atualmente utilizados pela plataforma Rappi para obtenção do consentimento

do consumidor para a coleta e uso dos seus dados, bem como das potenciais alterações

advindas da entrada em vigor da LGPD, tendo como referencial teórico o reconhecimento da

vulnerabilidade e da necessidade de proteção do consumidor, que deve ter garantido o direito

de compreender o motivo e a finalidade da coleta de seus dados pessoais pelo aplicativo.

Assim como, observar a conduta da plataforma em fornecer aos seus consumidores normas

claras e precisas sobre os seus objetivos acerca das informações armazenadas e

compartilhadas. (PENTEADO e CONTE FILHO,2019, pp. 42- 43).

4 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

A pesquisa está em sua fase inicial, que é o momento de coleta e organização de

dados secundários e de levantamento bibliográfico necessários à realização da pesquisa,

conforme previsto na metodologia e nos termos dos objetivos propostos, e que justifica a

ausência da parte de conclusão deste resumo.

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5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. 2ª edição. Editora Forense: Rio de Janeiro, 2020 CENTODUCATTE, Rafael. Proteção de Dados Pessoais nos aplicativos: aspectos legais e práticos. Revista de Direito e as Novas Tecnologias, vol. 5, p. 6-9, 2019 GUSTIN, Miracy; DIAS, Maria Tereza. (Re) pensando a pesquisa jurídica. 3ª Edição. Editora Del Rey. Belo Horizonte, p 21-89, 2010 MICHEL, Maria Helena. Metodologia e pesquisa científica em ciências sociais: um guia prático para acompanhamento da disciplina e elaboração de trabalhos monográficos. 3ª ed. Editora Atlas, São Paulo, 2015. PENTEADO, Luciana; CONTE FILHO, Mauro. Os fundamentos da Lei Geral de Proteção de Dados e os direitos dos titulares. Comentários à Lei Geral de Proteção de Dados à luz do Código de Defesa do Consumidor. Editora Singular: São Paulo, 2019. ZUBOFF, Shoshana. Governamentalidade e neoliberalismo – Big Other: capitalismo de vigilância e perspectivas para uma civilização de informação, 2015. In: BRUNO, F.; CARDOSO, B; KANASHIRO, M; GUILHON, L; MELGAÇO, L. Tecnopolíticas da vigilância: perspectivas da margem. Editora Boitempo, Edição kindle, posição 241-936, 2018

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A DEMOCRACIA NA ERA DIGITAL: MONOPÓLIO DE EMPRESAS DE TECNOLOGIAS A DIVULGAÇÃO DE FAKE NEWS.

DEMOCRACY IN THE DIGITAL AGE: MONOPOLY OF TECHNOLOGY COMPANIES AND THE DISSEMINATION OF FAKE NEWS.

Lucas Martins de Freitas Junior

Resumo

Este presente trabalho pretende analisar a transformação da democracia na era digital,

primeiro analisaremos o monopólio dos dados das grandes empresas tecnológicas e depois

das Fake News e seus efeitos para a democracia.

Palavras-chave: Democracia na era digital, Fake news, Monopólio dos dados

Abstract/Resumen/Résumé

This paper intends to analyze the transformation of democracy in the digital age, first we will

analyze the data monopoly of large technological companies and then Fake News and its

effects on democracy.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Democracy in the digital age, Fake news, Data monopoly

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1 INTRODUÇÃO

A pandemia fez das pessoas menos presentes e mais virtuais, das reuniões do trabalho à

debates políticos em ambientes digitais, de repente tivemos que adaptar ao um contexto

digital totalmente novo de modo muito acelerado, com isso será que a nossa democracia

está preparada para este novo contexto digital com o mundo sendo moldado por

algoritmos, será que temos ferramentas suficientes para deixar a democracia mais forte

nestes novos ambientes?

2 MONOPÓLIO DOS DADOS PELAS EMPRESAS

A internet exerce uma contribuição na condução da democracia, pois as pessoas utilizam

o ambiente virtual para informar dos acontecimentos, emitir opiniões e muitas vezes

passam a maior parte do seu dia nestes ambientes virtuais. Com isso os cidadãos

começaram a utilizar a internet para organizar protestos tanto no ambiente físico quanto

virtual, sendo assim Marcelo Paula Martins e Victor Augusto Tateoki, diz que:

Nessa conjuntura, a internet passou a desempenhar um papel de relevo na

condução da própria democracia, na medida em que cada vez se torna mais

fácil ao cidadão, utilizando-se do ambiente virtual, informar-se dos

acontecimentos, manifestar suas preferências, opiniões, críticas, etc., em

relação a questões colocadas na pauta política em determinado momento.

Aliás, a atuação dos cidadãos em rede, já colocou em xeque vários governos,

como foram os casos da Primavera Árabe (que efetivamente chegou a apear

alguns caudilhos de seus tronos), o movimento Occupy Wall Street, etc. O

fenômeno igualmente vem ocorrendo no Brasil, valendo lembrar as famosas

manifestações de rua de junho de 2013, conclamadas por meio da internet sem

a participação de partidos políticos, associações ou sindicatos. (MARTINS;

TATEOKI, 2019, p. 138).

Para Ramos, na atual era da comunicação digital, quem possui a informação tem o poder,

segundo a advogada:

Na era da comunicação digital quem detém a informação, detém o poder, e o

crescente acesso dos indivíduos às redes sociais facilita a coleta de dados

pessoais, que dão suporte dentre outros, ao marketing político, que direciona

as informações de acordo com o perfil de quem as recebe, dessa forma, o

número de adesão é significativo. Nesse sentido, as eleições no ano de 2018

no Brasil foram um fenômeno sui generis, uma vez que as campanhas políticas

utilizaram as mídias sociais de maneira estratégica para obter maior adesão do

eleitorado. (RAMOS, 2020).

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Com o grande uso das pessoas da internet e redes sociais, começaram a gerar dados para

grandes empresas tecnológicas, como virmos nos documentários da Netflix: Privacidade

Hackeada e Dilemas das redes estamos constantemente gerando dados para empresas que

dominam as redes sociais. O professor Caio Augusto Lara, em sua tese, diz que:

Não é novidade que as empresas e as agências governamentais exploram cada

vez mais os metadados coletados a partir da mídia social e plataformas de

comunicação, tais como Instagram, Facebook, Twitter, LinkedIn, Skype,

YouTube, e serviços gratuitos de e-mail, como o Gmail, Yahoo e Hotmail, para

rastrear informações sobre o comportamento humano. (LARA, 2019, p. 29).

Com a monopolização dos dados, perceba-se que o fluxo informacional está seguindo o

mesmo fluxo, ou seja, todos as nossas informações estão concentradas nas grandes

companhias, com isso Garzillo (2020) diz que quem tem acesso aos dados gerados pode

ter o poder sobre essas pessoas e que os dados são manipulados sem o consentimento dos

titulares. Diante disso nota-se o risco que estamos correndo com a invasão da privacidade,

com as informações sendo manipuladas pode acarretar no autoritarismo, segundo Garzillo

(2020) o autoritarismo nos tempos atuais não tem as mesmas características de outros

tempos, hoje não há esse rompimento institucional, e sim um autoritarismo líquido, onde

as medidas antidemocráticas penetram, de maneira camuflada no interior dos regimes

democráticos. Garzillo (2020), diz que:

Diante da existência de uma nova forma de autoritarismo na

contemporaneidade, entendemos que a era digital é marcada por práticas

antidemocráticas, que podem ser operadas tanto pelo Estado, como por

multinacionais poderosas. (GARZILLO, 2020).

Com isso podemos perceber que com grandes dados sob o domínio de grandes empresas

pode haver um perigo ide fraude nas eleições, é o caso da empresa Cambridge Analytica,

uma empresa de marketing inglesa que é capaz de analisar grandes quantidade de dados

e com isso construir estratégias para campanhas eleitorais. Segundo Marcelo Paula

Martins e Victor Tateoki:

Em março de 2018, importantes órgãos da imprensa internacional noticiaram

que a Cambridge Analytica teve acesso a dados pessoais de mais de 50 milhões

de usuários do Facebook, os tendo utilizado em 2016 para conduzir e

influenciar as eleições do presidenciais norte americanas que resultaram na

vitória do candidato republicano Donald Trump. (MARTINS; TATEOKI,

2019, p. 144)

Sobre a manipulação das pessoas, Martins e Tateoki diz que:

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É preciso convir que uma coisa é veicular a propaganda eleitoral que, em suma,

identifica que o candidato, exponha suas principais ideias e apresente suas

proposições. Outra coisa, bem diversa, aliás, é manipular o eleitor

apresentando-lhe não um candidato real, mas alguém fabricado e que aparenta

dizer exatamente aquilo que agrada ao eleitor. Dessa forma, se se quiser

atender aos diversos perfis de eleitores, não haverá um candidato, mas tantos

quantos forem os perfis selecionados. (MARTINS; TATEOKI 2019, p.145).

Então nota-se que a internet ajudou na construção da democracia na era digital,

percebemos que temos muitos problemas a serem resolvidos com a questão da

monopolização e manipulação dos dados, a internet também trouxe à tona grandes

discussões envolvendo as Fake News.

3 FAKE NEWS E A DEMOCRACIA

A internet permitiu que as pessoas divulgassem sem qualquer intermédio as notícias, com

isso acabou um crescente número de pessoas que divulgassem notícias falsas ou muitas

vezes duvidosas, com isso surgiram as Fake News, de acordo com Martins e Tateoki:

É nesse contexto que surgem as chamadas fake news (notícias falsas ou

também chamadas de “pós-verdade”). São supostas notícias que tentam se

passar por matérias jornalísticas dignas de confiança, mas que, em diversos

graus, propagam informações inverídicas, distorcem fatos ocorridos ou mesmo

opiniões emitidas por alguém. (MARTINS; TATEOKI, 2019, p. 141).

Para Martins e Tateoki (2019, p.142) as Fake News têm dois objetivos, um com índole

político, o outro com intuito econômico para conseguir mais visualização em sites. Para

o aspecto democrático, as divulgações de notícias falsas com intuito político são muito

danosas, pois interferir diretamente em eleições ou nas escolhas dos candidatos, atitudes

de divulgar notícias falsas é características de governos ditatoriais, o que se potencializa

com o advento da internet que pode ser divulgado em massa em um pouco curto de tempo,

ainda foi muito falado a questão dos bots, Martins e Tateoki (2019, p. 143) “que são

softwares programados para compartilhar informações que privilegiem apenas um dos

lados”, com essa potencialização de mentiras é um duro golpe para a democracia. Para

Martins e Tateoki:

O grande, e talvez maior malefício das fake news, seja o fato de que esse tipo

de material acaba gerando uma desinformação generalizada no seio social que,

não raras vezes, pode levar certo tempo para ser desbaratada. O resultado é a

perda de autonomia genuína na tomada de decisões pelas pessoas, ao menos

enquanto não perceberem que estão sendo manipuladas por notícias falaciosas.

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Governos ditatoriais não raramente utilizam de desinformação, muitas vezes

por meio de mentiras, para induzir a sociedade a acreditar em certos fatos ou

circunstâncias que não correspondem à verdade. (MARTINS; TATEOKI,

2019, p. 142).

Deste modo, o regime democrático deve ser regido dentro da verdade, para que ele possa

se manter, com isso o direito à informação verídica é um eixo importante para a

democracia, pois por meio de notícias que os cidadãos formam a sua opinião e lembrando

que eles escolhem os seus os seus representantes. Para Ramos:

Assim, o regime democrático deve ser pautado na verdade, para que se

mantenha a sua higidez. Ocorre que, as fake news, com tradução literal de

‘notícias falsas’, têm se tornado recorrentes no meio social. No cenário atual,

a internet e as redes sociais, assumiram grande espaço nos debates políticos,

não só entre os candidatos, mas também entre o eleitorado, e passaram a ser

solo fértil para a propagação da desinformação veiculada por fake News.

(RAMOS, 2020).

Estamos vivenciando a propagação de notícias falsas nas eleições americanas de 2020, o

presidente Trump por meio das mídias sociais constantemente faz ataques ao sistema

eleitoral e na contagem dos votos, muitas vezes infundadas e sem provas. A imprensa

americana tomou algumas atitudes, toda vez que o presidente falava algo duvidoso ou

principalmente falas que colocavam em cheque a eleição americana os apresentadores o

interrompia, e sempre frisava que ele não tinha provas para colocar em cheque as eleições.

Em 2018 o presidente Bolsonaro tomou atitude parecida, ao colocar em cheque as

eleições, ele diz que se não tivesse fraude seria eleito no primeiro turno. Alguns juristas

até comentou o fato das falas o presidente ter cometido crime de responsabilidade, até

podendo ocasionar um impeachment, pois se houve fraude poderia ter a eleição anulada

e inclusive o presidente não apresentou as devidas provas. Estes exemplos mostram a

magnitude e o que pode ocorrer com a divulgação dessas notícias, deixar em dúvida

resultado de eleições ou divulgação de notícias falsas não são características do jogo

democrático.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisar a monopolização dos dados das empresas de tecnologia e também a

divulgação das Fake News vejamos dois fenômenos muitos danosos para a nossa

democracia atual, buscamos que as empresas de tecnologias juntamente com o Estado

que possam resolver de forma muito célere, em relação as Fake News, esperamos pela

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veracidade das informações, e que a sociedade possa utilizar de forma adequada a

tecnologia. Com isso os sistemas jurídicos do mundo todo começam a realizar legislação

sobre dados e também divulgação de notícias, espera-se um processo bem célere, pois

quanto as empresas tecnológicas quanto as Fake News tendem a crescer, para isso

esperamos ter uma sociedade mais preparada.

REFERÊNCIAS

GARZILLO, Rômulo Monteiro. Os riscos à democracia na era digital. Consultor

Jurídico. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-out-09/romulo-

monteiro-riscos-democracia-digital. Acesso em: 06 nov. 2020.

LARA, Caio Augusto Souza. O acesso tecnológico à justiça: por um uso contra-

hegemônico dobig data e dos algoritmos. 189f. Tese (Doutorado em Direito) –

Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019. Disponível em:

https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/DIRS-BC6UDB. Acesso em: 06 nov. 2020.

MARTINS, Marcelo Guerra; TATEOKI, Victor Augusto. Proteção de dados pessoais e

democracia: fake news, manipulação do eleitor e o caso da Cambridge Analytica. Revista

Eletrônica Direito e Sociedade. Canoas, v.7, n.3. 2009. Disponível em:

https://revistas.unilasalle.edu.br/index.php/redes/article/view/5610/pdf#. Acesso em: 06

nov. 2020.

RAMOS, Juliana. Impactos das Fake News à Democracia na Sociedade da Era Pós-

Verdades. Âmbito Jurídico, 2020. Disponível em:

https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/impactos-das-fake-news-

a-democracia-na-sociedade-da-era-pos-verdades/. Acesso em: 06 nov. 2020.

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1 Graduanda em Direito pela PUC Minas. Bacharela em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro (FJP). Pós-Graduada em Direito Urbanístico e Ambiental pela PUC Minas. E-mail: [email protected]

2 Graduando em Direito pela PUC Minas. Enfermeiro e Mestre em Enfermagem e Saúde pela UFMG. Pós-graduado MBA Executivo em Saúde pela FGV. E-mail: [email protected]

1

2

RESPONSABILIDADE CIVIL PELOS DANOS CAUSADOS POR INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

CIVIL RESPONSIBILITY FOR DAMAGE CAUSED BY ARTIFICIAL INTELLIGENCE

Marina de Castro Firmo 1Genilton Rodrigues Cunha 2

Resumo

Este estudo objetiva a discutir o instituto da responsabilidade civil face aos danos causados

pela Inteligência Artificial (IA). Trata-se de um estudo exploratório e de revisão da literatura,

cujo fundamento metodológico foi a pesquisa jurídico-teórica na vertente jurídico-social.

Discutiu-se a autonomia dos robôs e o machine learning, a IA e a responsabilidade civil, bem

como, possíveis soluções, como atribuir personalidade jurídica ao robô no sentido de

responsabilizá-lo ou instituir seguros obrigatórios e fundos compensatórios. Cabe ao Estado

avançar na regulamentação sobre a temática em debate, já que as iniciativas existentes em

nosso ordenamento jurídico ainda se mostram incipientes.

Palavras-chave: Inteligência artificial, Responsabilidade civil, Tutela estatal

Abstract/Resumen/Résumé

This study aims to discuss the liability institute in the face of damages caused by Artificial

Intelligence. It is an exploratory study and literature review, whose methodological basis was

legal-theoretical research in the legal-social aspect. The autonomy of robots and machine

learning, AI and liability were discussed, as well as possible solutions, such as attributing

legal personality to the robot in order to hold it responsible or institute mandatory insurance

and compensatory funds. It is up to the State to advance in the regulation on the subject under

debate, since the existing initiatives in our legal system are still incipient.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Artificial intelligence, Liability, State guardianship

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2

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1 INTRODUÇÃO

A Inteligência Artificial (IA) advém do forte e crescente avanço tecnológico que

consiste, a grosso modo, em mecanismos computacionais que se baseiam no comportamento

humano para resolver problemas executar tarefas, cuja machine learning (aprendizado de

máquina) pode conferir autonomia ao robô. A priori, a maioria dos autores define o robô como

uma máquina ou dispositivo utilizada para realizar trabalhos em substituição ao ser humano.

Entretanto, com os avanços tecnológicos, essa definição tem sido cada vez mais aprimorada.

Hoje, um robô pode ser programável para a realização de uma variedade de tarefas sob

a supervisão humana ou, a partir do deep learning (aprendizado profundo), um dos tipos de

machine learning. Assim, sistemas são criados no intuito de desenvolver uma inteligência

independente da intervenção humana para a tomada de decisões de forma autônoma, que se dá

a partir de um banco dados que servem de treinamento para os algoritmos de IA extrapolando

a mera programação de ordens específicas.

Para Medon (2020, p.137) a IA "abrange diversas espécies e, mesmo dentro destas, há

que se atentar para os diferentes graus de autonomia e de delegação de atividades humanas para

a máquina". Observa-se que isso pode impactar de maneira decisiva nos diferentes danos a

serem causados pela máquina e, consequentemente, na responsabilidade civil. Segundo o autor,

a autonomia, percebida como esse agir mais ou menos independente da programação original,

é o eixo de gravidade do estudo que envolve a responsabilidade civil das máquinas e sistemas

comandados por IA.

O Estado, por sua vez, tem um papel fundamental na formulação de regulamentações e

políticas públicas voltadas para as questões da IA nos limites da ética e dos Direitos Humanos.

Assim, devem ser estabelecidos parâmetros de segurança, além de uma preocupação iminente

quanto aos possíveis danos causados por essa tecnologia no âmbito da responsabilidade civil,

enunciando um novo ramo do direito voltado para os possíveis problemas causados pelos

sistemas dotados de IA, já que há uma escassez de normas vocacionadas para essa tutela.

Neste sentido, observa-se que a existência de um agir autônomo e independente passou

a modificar o entendimento anteriormente consolidado e os paradigmas clássicos da

responsabilidade civil, uma vez que há dúvidas se o dano causado pelo ato da IA dotada de

maior autonomia seria um defeito ou uma decorrência da própria arquitetura da tecnologia.

Diante disso, faz-se necessário questionar se há responsabilidade civil da IA em relação aos

danos por ela causados e, havendo, como esta seria aplicada, considerando os agentes humanos

envolvidos.

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O objetivo deste estudo é, portanto, discutir o instituto da responsabilidade civil face

aos danos causados pela Inteligência Artificial (IA). Pelo fato de ser um tema ainda incipiente,

espera-se que esta pesquisa possa suscitar reflexões e subsidiar novos estudos acerca das

questões aqui debatidas.

2 METODOLOGIA

Trata-se de um estudo exploratório e de revisão da literatura, cujo fundamento

metodológico foi a pesquisa jurídico-teórica na ótica da vertente jurídico-social, que, conforme

Gustin, Dias e Nicácio (2020), tem por finalidade o levantamento crítico-reflexivo das normas

e/ou qualificação de condutas que tangenciam a temática. A partir do cruzamento das palavras-

chaves, foram usadas literaturas disponibilizadas em textos completos, tanto brasileiras, como

internacionais, e que possuíam tema e objetivos condizentes com os pressupostos da presente

pesquisa. Os estudos selecionados foram lidos exaustivamente e os achados foram organizados

e analisados em duas categorias empíricas: "A autonomia dos robôs e o Machine Learning" e

"A Inteligência Artificial e a Responsabilidade Civil".

3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

3.1 A autonomia dos robôs e o Machine Learning

A IA é usualmente compreendida a partir de características como autonomia, habilidade

social, cooperação, proatividade e reatividade, atributos estes desenvolvidos a partir da aptidão

de algoritmos que independem da intervenção humana, em interação tanto reativa quanto

proativa com o ambiente e com outros agentes (TEPEDINO; SILVA, 2019). Nessa acepção,

Barocas e Selbst (2016) corroboram que os algoritmos podem ser entendidos como uma

sequência formalmente determinada de operações lógicas que oferecem instruções para

computadores que agem sobre dados e, consequentemente, tomam decisões autônomas.

De acordo com Medon (2020, p.113), a autonomia da IA é tecnológica, tendo como

base as potencialidades da combinação algorítmica que é fornecida ao software. O autor

complementa que esta autonomia deve ser considerada em uma lógica de gradação, uma vez

que as diversas técnicas de machine learning (aprendizado de máquina) dotam a máquina de

maiores ou menores capacidades de se treinarem e aperfeiçoarem independente de seus

desenvolvedores.

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Fato é que a complexidade dos sistemas dotados de IA incrementa-se exponencialmente

a partir dos modelos de machine learning, caracterizados pela aptidão da máquina a adquirir

aprendizado a partir das suas próprias experiências. Nesse contexto, o deep learning

(aprendizado profundo) se aproxima mais à utilização de modelos baseados em redes neurais

à semelhança do funcionamento do cérebro humano (TEPEDINO; SILVA, 2019).

O deep learning é uma das bases da IA em que são configurados parâmetros básicos de

dados que permitem o treinamento e aprendizado da máquina para executar tarefas de forma

autônoma por meio do reconhecimento de padrões em várias camadas de processamento. Ou

seja, consiste em substituir a formulação e a especificação do modelo por caracterizações

hierárquicas (ou camadas) que aprendem a reconhecer as características latentes dos dados nas

regularidades em camadas. Assim, cria-se uma aptidão de interação com o ambiente e dessas

experiências extrai-se novos aprendizados.

Em face desse contexto, deve-se questionar sobre a imprevisibilidade dos atos

praticados por robôs de autoaprendizagem de forma a suprir a carência jurídica para tutelar os

danos provocados pelos sistemas autônomos.

3.2 A Inteligência Artificial e a Responsabilidade Civil

Assunto que vem ganhando cada vez mais espaço nas agendas jurídicas e políticas, a

responsabilidade civil dos danos causados pela IA tem sido uma temática controversa, já que a

autonomia das máquinas modifica o entendimento clássico dos elementos que configuram o

instituto da responsabilidade. A palavra "responsabilidade" tem origem no verbo do latim

respondere e significa que quando alguém, diante uma ação ou omissão, causar um dano, ele

tem a obrigação de responder e assumir as consequências que este dano possa ter causado,

devendo proceder a sua reparação a fim de trazer uma ordem jurídica na sociedade

(GAGLIANO, 2020). Assim, o objetivo da responsabilidade civil é reparar o dano causado que

tenha levado a diminuição do bem jurídico da vítima.

Diante desse contexto, Frazão (2018) assevera que a IA, para ser confiável, precisa ser

lícita, ética e robusta, tanto da perspectiva técnica quanto da perspectiva social, considerando

os riscos, ainda que não intencionais, que oferece para a democracia, as garantias legais (rule

of law), a justiça distributiva, os direitos fundamentais e mesmo a mente humana. Nesse

sentido, a Comissão Europeia instituiu no ano de 2018 o High Level Expert Group on Artificial

Intelligence (Grupo de Peritos de Alto Nível em Inteligência Artificial) que culminou na

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publicação das Ethics Guidelines for Trustworthy AI (Diretrizes Éticas para a Inteligência

Artificial Confiável) a fim de estabelecer parâmetros de confiabilidade para a IA.

Fato é que, o reconhecimento de lacunas na disciplina da responsabilidade civil para as

questões suscitadas pelas novas tecnologias, principalmente àquelas dotadas de IA, têm

encontrado recorrente acolhida na doutrina a fim de superar a ausência de normas vocacionadas

a essa tutela. Nessa seara, verifica-se o crescimento o uso da expressão lex robotica ou robotics

law (direito da robótica) como uma espécie do gênero cyberlaw (direito cibernético), a fim de

buscar soluções mais adequadas aos emergentes problemas causados pela tecnologia robótica

e IA, sendo necessária a identificação de variadas formulações que enunciam princípios éticos

próprios para a regulação dos robôs e demais sistemas autônomos. (TEPEDINO; SILVA,

2019).

Sobre a temática em tela, Asaro (2020) lembra que algumas tecnologias de IA podem

agir independente dos seus criadores ou operadores e essa situação dificulta a identificação de

sobre quem recairia a responsabilidade pelo dano deste agir. Ainda, o autor atesta que nos casos

de tecnologias que se enquadrem na programação do machine learning e deep learning, a

influência da experiência gera uma imprecisão no conhecimento das bases de dados do

aprendizado da máquina, o que dificultaria, ainda mais, a imputação da responsabilidade para

um determinado agente humano.

Nesse cenário, torna-se nítido o problema relacionado à responsabilidade civil dos atos

praticados pela IA, no sentido de como imputar a responsabilidade pelo dano causado por essa

tecnologia a um agente humano. Isso devido ao fato de que à medida que a IA é utilizada, ela

capta uma maior variabilidade de experiências e se torna cada vez mais autônoma, isto é,

distancia cada vez mais do in statu quo ante, ou seja, do estado em que (se encontrava) antes.

Dentre as possíveis soluções discutidas para a problemática da responsabilidade civil

da IA, destacam-se duas: a criação de uma personalidade jurídica robótica ou a criação de

seguros obrigatórios e fundos compensatórios.

No âmbito da responsabilidade civil, faz-se necessário, conforme Campos (2019),

discutir quando os danos resultam da autonomia do próprio robô e não de qualquer defeito,

devendo também, levar em consideração a adoção de medidas de proteção do consumidor

devida a imprevisibilidade do comportamento dos robôs autônomos. Assim, coloca-se em

questão a possibilidade de atribuir personalidade jurídica ao robô, no sentido de não fazer dele

um titular autônomo de direito, mas de responsabilizá-lo.

A criação de uma espécie de personalidade jurídica para o robô em si tem sido debatida

veemente, denominada de e-persons ou electronic persons (personalidade eletrônica). Isso

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devido às indagações no que tange a responsabilidade, cuja personalidade aparece mais ligada

à construção de um mecanismo de reparação à vítima de danos ligado à questões patrimoniais,

pois nas tecnologias de IA é crescente a sua autonomia, bem como a capacidade para

aprenderem com base na experiência acumulada e para tomarem decisões independentes.

Assim, a IA é capaz de modificar as instruções que lhes foram dadas, levando a cabo

atos que não estão de acordo com uma programação pré-definida, mas que são potenciados

pela interação com o meio. Dessa maneira, Campos (2019) ressalta que os robôs autônomos

possam ser determinados como detentores do estatuto de pessoas eletrônicas responsáveis por

sanar quaisquer danos que possam causar. Por outro lado, há de se pensar se tal atribuição é

um mecanismo de desresponsabilização do ser humano.

Uma segunda solução seria a instituição de seguros obrigatórios e fundos

compensatórios. Esta solução não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que

os seguros de responsabilidade civil estão previstos expressamente no artigo 787 do Código

Civil de 2002, que dispõe que nesta modalidade de contrato, o segurador garante o pagamento

de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiros.

Sobre o assunto, Medon (2020), em primeiro lugar há a possibilidade da constituição

de seguros, no modelo já conhecido de uma seguridade obrigatória, que consideraria todos os

potenciais agentes envolvidos na cadeia de desenvolvimento da IA, que iriam contribuir com

a seguridade segundo o seu nível de envolvimento técnico econômico no desenvolvimento da

IA. Em segundo lugar, o autor destaca a possibilidade da constituição de fundos custeados por

aqueles que desenvolvam ou explorem sistemas de IA autônomas, que se destinariam ao

ressarcimento de danos coletivos causados pela IA.

Destaca-se, aqui, algumas críticas da doutrina em relação a esta solução. De acordo

com Medon (2020), embora os seguros constituam uma possível solução para o problema da

reparação dos danos, a securitização, associada a um fundo, poderia ter um efeito de criar uma

imunidade ao proprietário, o que geraria um dilema ético. Além disso, o autor argumenta sobre

de um possível aumento no número de acidentes uma vez que as pessoas, ao terem sua

confiança fortalecida pela existência dos referidos seguros, tomariam menos cuidados em suas

ações relacionadas a IA.

O autor defende que os seguros obrigatórios e fundos compensatórios se consolidaram

como uma solução satisfatória na experiência de alguns países da Europa. No entanto, para ele,

com relação à regulamentação da responsabilidade civil aplicada a IA, devem ser considerados

os diferentes sistemas, com realidades jurídico-culturais distintas, de modo que a ausência de

normas em determinado ordenamento jurídico não justifica a aplicação de institutos exitosos

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em outros ordenamentos. Assim, as soluções, independentemente de seu sucesso pregresso,

não devem ser importadas para outros ordenamentos jurídicos sem uma análise cuidadosa da

realidade na qual será aplicada.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presença da Inteligência Artificial (IA) na sociedade se firma de modo crescente.

Assim, faz-se necessário discutir sobre os impactos dessa tecnologia no que tange a

responsabilidade civil, a fim de delimitar o alcance deste instituto sobre os eventos danosos por

ela causados.

Verificou-se que o conjunto de técnicas conhecido como machine learning, que possui

como aprofundamento o deep learning, permitem com que a máquina passe a ser dotada de

uma semelhança cognitiva com o cérebro humano, sendo capazes de acumular experiências em

um banco de dados e, a partir dele, agir de forma autônoma. Assim, a problemática sobre quem

seria responsabilizado civilmente pelos danos causados por essas máquinas torna-se um

dilema, fazendo com que os operadores do direito questionem os paradigmas clássicos da

responsabilidade civil. Surgem, dentre outras frentes, duas propostas principais para uma

possível solução desse dilema, tais como a criação de uma personalidade jurídica robótica ou

a criação de seguros obrigatórios e fundos compensatórios.

Foi possível verificar que no âmbito da responsabilidade civil, as experiências de

diversos países, como a mencionada iniciativa da União Europeia, têm apontado para a

necessidade de normas que regulamentem as particularidades da IA. No entanto, como a

temática trata de problemas concretos, é essencial que sejam encontradas respostas específicas

dentro da realidade e do ordenamento jurídico de cada nação, no caso, dentro do Direito

Brasileiro vigente. Destarte, não devem ser importados institutos internacionais sem a devida

análise da viabilidade destes no contexto brasileiro.

Nesse sentido, urge a necessidade de que o Estado brasileiro se movimente no sentido

em avançar na regulamentação das questões aqui levantadas a fim de minorar os danos

causados pelos diferentes tipos de IA, já que as iniciativas existentes em nosso ordenamento

jurídico, nesta seara, ainda se mostram incipientes.

REFERÊNCIAS

ASARO, P. The Liability Problem for Autonomous Artificial Agents. AAAI Spring

Symposium Series, North America, mar. 2016. Disponível em:

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<https://www.aaai.org/ocs/index.php/SSS/SSS16/paper/view/12699>. Acesso em: 22 out.

2020.

BAROCAS, Solon; SELBST, Andrew D. Big Datas Disparate Impact. California Law

Review, v. 104, 2016. p. 674.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da

União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002.

CAMPOS, Juliana. A responsabilidade civil do produtor pelos danos causados por robôs

inteligentes à luz do regime do Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de novembro. Revista de Direito

da Responsabilidade. [on line]. Ano 1, 2019. Disponível em:

https://revistadireitoresponsabilidade.pt/2019/a-responsabilidade-civil-do-produtor-pelos-

danos-causados-por-robos-inteligentes-a-luz-do-regime-do-decreto-lei-n-o383-89-de-6-de-

novembro-juliana-campos/. Acesso em: 03 nov. 2020.

FRAZÃO, Ana. Quais devem ser os parâmetros éticos e jurídicos para a utilização da

IA? Jota, 24 abr. 2019. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-

analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/quais-devem-ser-osparametros-eticos-e-

juridicos-para-a-utilizacao-da-ia-24042019#sdfootnote1sym. Acesso em: 04 nov. 2020.

GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil: responsabilidade civil. 18.ed. São

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(Re)pensando a Pesquisa Jurídica. 5.ed. São Paulo: Almedina, 2020.

MEDON, Felipe. Inteligência Artificial e Responsabilidade Civil: autonomia, riscos e

solidariedade. Salvador: Jurispodivm, 2020.

TEPEDINO, G.; SILVA, R.G. Desafios da inteligência artificial em matéria de

responsabilidade civil. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, v.

21, p. 61-86, jul./set. 2019

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A ERA DA PÓS-VERDADE: AS FAKE NEWS E AS REDES SOCIAIS COMO AMEAÇAS À DEMOCRACIA NO SÉCULO XXI

THE POST-TRUTH ERA: FAKE NEWS AND SOCIAL NETWORKS AS THREATS TO DEMOCRACY IN THE 21ST CENTURY

Natália Andrade Arantes de Oliveira

Resumo

Este presente estudo pretende abordar de maneira breve o surgimento da era da Pós-Verdade,

seus impactos em relação ao uso de fake news nos principais processos eleitorais

democráticos desde 2016 até a atualidade e como estes fenômenos colocam as democracias

em ameaça. Além disso, também busca refletir sobre as consequências geradas pelas redes

sociais como meios de influência político-sociais e como essas empresas do meio digital

devem agir futuramente para evitar que ocorram mais danos ao meio político.

Palavras-chave: Fake news, Democracia, Pós-verdade

Abstract/Resumen/Résumé

This present study aims to briefly address the emergence of the Post-Truth era, its impacts in

relation to the use of fake news in the main democratic electoral processes from 2016 to the

present day and how these phenomena put democracies at risk. In addition, it also seeks to

reflect on the consequences generated by social networks as a means of political-social

influence and how these digital media companies should act in the future to prevent further

damage to the political environment.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Fake news, Democracy, Post-truth

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1. INTRODUÇÃO

A manipulação de informações, principalmente na política, não é uma novidade do

século XXI. A maioria dos governos autoritários utilizavam este recurso como forma de

promover seus feitos e obter apoio da população. Durante o Nazismo, Hitler utilizava grandes

recursos para promover seu governo, e inclusive, dedicou uma relativa parcela de seu livro,

Mein Kampf, para comentar sobre a importância da propaganda política com a finalidade de

cativar massas. Aqui no Brasil, no mesmo período, Getúlio Vargas, na ditadura do Estado Novo,

servia do Departamento de Imprensa e Propaganda com o mesmo propósito.

No século XXI, especificamente após 2010, tornou-se percebido uma mudança nos

fenômenos democráticos. No Oriente Médio, com a Primavera Árabe, as primeiras

manifestações de grande proporção organizadas por meio das redes sociais tiveram repercussão

mundial. Mais tarde em 2016, nas eleições que elegeram Donald Trump, o fenômeno que hoje

é conhecido como Pós-Verdade se iniciou. O engajamento político pelas mídias sociais, assim

como a utilização das fake news como recurso de campanha eleitoral se tornaram comuns.

Durante e após este período, foi possível notar a presença de processos semelhantes

em diversos Estados democráticos. Se há quatro anos a preocupação principal era a mudança

das formas de se realizar política e na forma de administrar a democracia, atualmente são

factíveis as consequências que a era das fake news – e consequentemente, da Pós-Verdade –

trouxeram para a democracia. A partir de uma metodologia pautada em pesquisas qualitativas,

com fontes bibliográficas, este estudo busca entender os recentes impactos das fake news e da

influência das redes sociais em algumas democracias, e também, pretende explanar sobre a

ameaça que tais recursos representam para o Estado Democrático de Direito.

2. A ERA TRUMP, O BREXIT E SEUS EFEITOS

Em 2016, o dicionário Oxford dedicou o posto de Palavra do Ano para “Post Truth”,

a Pós-Verdade. Matthew D’Ancora (2018) explica a palavra como “uma nova fase de combate

político e intelectual, em que ortodoxias e instituições democráticas estão sendo abaladas em

suas bases por uma onda de populismo ameaçador.” O real impacto dessa nova era se iniciou

no decorrer de duas campanhas: a de Donald Trump pela presidência dos Estados Unidos e do

Reino Unido pela saída da União Europeia, o Brexit.

As duas campanhas tiveram algumas semelhanças e por isso são consideradas como

as responsáveis pelo início da Pós-Verdade. Ambas utilizaram de disseminação de inúmeras

propagandas chamativas, principalmente nas redes sociais, e muitas vezes com conteúdo

material falso. Tal fato ocasionou em um fenômeno diverso das previsões dos especialistas, já

que as duas campanhas obtiveram êxito em seus objetivos.

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Pouco tempo após a vitória de Trump e do movimento do Brexit, a mídia começou a

ter acesso à dados que comprovavam que as redes sociais, com seus algoritmos e as próprias

fake news tiveram um papel mais do que crucial para o sucesso dessas campanhas. Assim como

em 2018 Mark Zuckerberg, fundador do Facebook e atualmente também dono de duas das redes

sociais mais acessadas do mundo, o Instagram e o WhatsApp, precisou participar de uma

maratona de sessões com as comissões de Justiça e Comércio no Congresso dos EUA para

justificar e explicar os impactos de sua principal rede social nas eleições presidenciais de 2016,

além da relação do Facebook com a Cambridge Analytica, além de propor quais medidas seriam

tomadas pela rede social para que não ocorresse o mesmo processo nas eleições futuras.

Inclusive, o documentário Privacidade Hackeada – com o título original The Great

Hack -, lançado em 2019 e dirigido por Karim Amer e Jehane Noujaim, expôs um extenso

esquema de manipulação de dados que garantiu que a empresa Cambridge Analytica, a partir

de dados fornecidos pelo Facebook, criasse uma fábrica eficaz de algoritmos e conteúdos que

influenciaram nas campanhas eleitorais e consequentemente no resultado da própria eleição de

2016, através das redes sociais e da propagação de fake news.

Dessa forma, o documentário e outras matérias jornalísticas comprovaram que este

escândalo influenciou não só os Estados Unidos, mas outras eleições ao redor do mundo, como

exemplo do Brasil, que em 2018 elegeu Jair Messias Bolsonaro como presidente. Ainda, neste

caso em questão, a utilização de notícias falsas se tornou ainda mais eficaz, já que a maioria do

processo de disseminação no país foi e é realizado por meio do aplicativo WhatsApp, que

dificulta saber quem criou tal conteúdo, assim como quantas pessoas já o compartilharam ou

tiveram acesso a ele.

A problemática em relação ao aplicativo de mensagens e chamadas é tamanha, que no

Brasil, foi criada uma comissão parlamentar mista de inquérito – CPMI – para apurar e

investigar denúncias e casos de fake News no país. Inclusive, em abril de 2020, a Polícia Federal

identificou um dos filhos do presidente da República – que teve como base para a sua

candidatura ataques diretos aos oponentes nas redes sociais e também difusão de inúmeras

notícias falsas -, Carlos Bolsonaro, como um dos possíveis articuladores de um esquema que

criava e propagava notícias falsas em diversos estados desde 2017.

3. A INFLUÊNCIA DAS REDES SOCIAIS E DAS FAKE NEWS EM OUTROS PLANOS

Se no meio político, as consequências trazidas pela era da Pós-Verdade são

avassaladoras, a transformação de conteúdos que teoricamente não gerariam debate, como a

ciência, em conteúdos políticos, criou um problema ainda maior para os Estados e a própria

democracia. Michiko Kakutani inicia seu livro, “A morte da Verdade” citando Hannah Arendt

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em “As origens do Totalitarismo”, ao dizer que o melhor súdito de um governo tirano não é um

extremista convicto, mas aquele que não consegue distinguir mais entre o falso e o verdadeiro,

o certo e o errado. A era da Pós-Verdade permitiu que esse fenômeno abordado por Arendt seja

possível e aplicável mesmo nas mais sólidas democracias, e com recursos muito mais eficazes

e tecnológicos que os utilizados nos governos ditatoriais do século passado.

Dessa forma, nos últimos anos, é possível indicar que a Pós-Verdade modificou e até

mesmo quebrou paradigmas que já eram pacificados por grande parte da sociedade. Como

exemplo, temos movimentos e grupos crescentes de temáticas como Terraplanismo – pessoas

que refutam a teoria que a Terra é esférica -, Negacionismo antissemitista – que negam a

ocorrência do Holocausto - e Antivacina – que criticam a ciência em relação à métodos de

prevenção e contenção de doenças -. O último, que nos dias atuais desencadeia um processo

Tais grupos, atualmente, ganham mais seguidores e mais teorias da conspiração devido à

pandemia do vírus Covid-19.

A polarização – seja ela política ou social-cultural - criada pelas redes, assim como a

crescente desconfiança nas instituições, principalmente as estatais, diretamente ligadas à

propagação desses grupos – e teorias – conspiracionistas e de notícias falsas são comentadas no

livro “A Morte da Verdade”, como exposto no trecho a seguir:

Desde a década de 1960, tem ocorrido uma queda progressiva da confiança nas

instituições e nas narrativas oficiais. Parte desse ceticismo tem sido um corretivo

necessário – uma resposta racional às calamidades do Vietnã e do Iraque, a Watergate,

à crise financeira de 2008 e aos preconceitos culturais que havia muito contaminavam

tudo, desde o ensino da história nas escolas primárias até as injustiças do sistema

jurídico. Mas a democratização libertadora da informação possibilitada pela internet

não apenas estimulou a inovação e um empreendedorismo de tirar o fôlego, como

também deu origem a uma enxurrada de desinformação e relativismo, conforme

evidenciado pela atual epidemia de notícias falsas. (KAKUTANI, 2018, p. 54)

Se o escândalo protagonizado pelo Facebook possibilitou o desenvolvimento do

documentário citado anteriormente, o impacto das redes sociais em relação a esses novos

fenômenos que contrariam a ciência e propagam notícias irreais que apenas aumentam o

número de adeptos nesses grupos é mostrado no recente “O Dilema das Redes” - The Social

Dilemma, em inglês -, dirigido por Jeff Orlowski, que apresenta diversos nomes importantes

que trabalham ou já trabalharam nas grandes corporações da internet, inclusive nas maiores

redes sociais – inclusive as mais antigas, como a Google e o Twitter -, e estes assumem o rumo

problemático que os algoritmos tomaram e refletem sobre os impactos desse dilema para a

sociedade atual, assim como dialogam sobre as possíveis soluções para que o meio digital e o

acesso à informação sejam frutos de um ambiente mais seguro e ético.

4. A PÓS-VERDADE COMO AMEAÇA DA DEMOCRACIA

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Com todas as informações trazidas anteriormente, é possível afirmar que a Pós-

Verdade ameaça as democracias do mundo ao polarizar as sociedades ao ponto de ser possível

prever futuras guerras civis, além de tornar cada vez mais difícil controlar o nível de influência

que as redes sociais têm nos processos eleitorais e também a incapacidade dos âmbitos jurídico-

estatais de acompanharem a evolução das tecnologias que criam fake News, o que

consequentemente, gera mais incerteza do que é verdade ou não, e do que é confiável ou não.

Dessa forma, ao encarar a era da Pós-Verdade como um fenômeno que ainda durará

por muito tempo, é preciso entender as ameaças que ela traz para o processo democrático e

refletir sobre como os Estados e as corporações deverão agir para frear esse processo. Ao não

utilizar qualquer regulamentação entre as empresas responsáveis pela inteligência e

programação desses sistemas, fica a cargo dos Estados criarem legislações próprias para

protegerem os dados de seus cidadãos. Mas, tal fato se torna um problema geopolítico, e de

âmbito internacional, uma vez que a maioria dessas empresas são de origem estrangeira, e dessa

forma, muitas vezes não serão atingidas por essas previsões legais.

Logo, os impactos e ameaças acabam por serem responsabilidade dos próprios

criadores desse fenômeno. E assim, é esperado que estes criem mecanismos de regulação dos

sistemas de coleta e manipulação de dados. Porém, como exposto anteriormente, é necessário

também que os Estados tenham a preocupação se unir com essas empresas para entrarem um

acordo do que é ético e possível para uma limitação de coleta de dados, ou um processo de uso

de dados mais seguro e transparente, ou ainda, se não possível uma colaboração, que os

governos possam elaborar meios de regular e fiscalizar a atuação dessas corporações.

5. CONCLUSÃO

Assim, é possível concluir que desde 2016, os impactos das redes sociais e das fakes

news nos processos democráticos se tornaram e continuam se tornando cada vez mais

complexos e problemáticos, e por se tratar de um problema global, poderá demandar anos de

estudo e dedicação para resolvê-lo, assim como citado no documentário sobre este dilema. As

fakes news, em especial, devem ser controladas para que a era da Pós-Verdade possa ser

revertida e a sociedade não mais tenha acesso à conteúdos duvidosos que colocam em risco a

saúde, a liberdade e a convivência da população do mundo.

Desse modo, é razoável concluir que as novas gerações e também os futuros

governantes devem se empenhar para não serem influenciados pela Pós-Verdade, ao utilizar o

acesso à informação para combater o mal que este mesmo criou. Tal embate exige das empresas

dos meio digital e também dos Estados uma postura séria e comprometida em unir forças para

criar mecanismos de contenção do fenômeno de influência das redes e também das notícias

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falsas, além de legislações e regulamentos que construam um ambiente digital seguro para seus

usuários.

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REFERÊNCIAS

D’ANCONA, Matthew. Pós-Verdade: A nova guerra contra os fatos em tempos de fake

news. Tradução: Carlos Szakj – 1ª ed. – Barueri: Faro Editorial, 2018.

EL PAÍS. Dicionário Oxford dedica sua palavra do ano, ‘pós-verdade’, a Trump e

Brexit. Online. 17 nov. 2016. Disponível em:

<https://brasil.elpais.com/brasil/2016/11/16/internacional/1479308638_931299.html> Acesso

em: 30 out. 2020

FOLHA DE SÃO PAULO. PF identifica Carlos Bolsonaro como articulador em esquema

criminoso de fake news. Online. 25 abril 2020. Disponível em:

<https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/pf-identifica-carlos-bolsonaro-como-

articulador-em-esquema-criminoso-de-fake-news.shtml> Acesso em: 02 nov. 2020 KAKUTANI, Michiko. A Morte da Verdade. Tradução: André Czarnobai, Marcela Duarte –

1ª ed. – Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018.

PRIVACIDADE HACKEADA. Direção: Karim Amer, Jehane Noujaim. Netflix, 2019.

O DILEMA DAS REDES. Direção: Jeff Orlowski. Netflix, 2020.

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1 Graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: [email protected].

2 Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: [email protected].

1

2

QUALIDADE E LEGITIMIDADE DA LEI: A TECNOLOGIA À SERVIÇO DA DEMOCRACIA

LA QUALITÉ ET LA LÉGITIMITÉ DE LA LOI: LA TECHNOLOGIE AU SERVICE DE LA DÉMOCRATIE

Rafael Fonseca Melo 1Aline da Rocha Reis 2

Resumo

O presente estudo concentra-se na investigação do uso da tecnologia no momento da

legiferação com o intuito de induzir a produção de leis melhores e mais legítimas, bem como

de apresentar um novo modelo de cidadania e participação democrática mais adequados às

problemáticas impostas por um contexto de virtualização dos espaços de convivência e de

ações políticas. Assim, quer se partir dos objetivos da legística e dos métodos da legimática

para se apresentar a possibilidade de uso da tecnologia à serviço da democracia, da qualidade

e da legitimidade das leis.

Palavras-chave: Democracia, Legimática, Legística, Legitimidade, Tecnologia

Abstract/Resumen/Résumé

La présente recherche se concentre sur l’étude de l'utilisation de la technologie au moment de

la légifération afin d’induire la production de lois meilleures et plus légitimes, ainsi que de

présenter un nouveau modèle de citoyenneté et de participation démocratique plus adapté à

un nouveau contexte de virtualisation des espaces de coexistence et d'action politiques. Ainsi,

le point de départ sera les objectives de la légistique et de la méthode de la légimatique pour

présenter une possibilité d’utilisation de la technologie au service de la démocratie, de la

qualité et de la légitimité de la loi.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Démocratie, Légimatique, Légistique, Légitimité, Technologie

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I. INTRODUÇÃO

A sociedade contemporânea pode ser caracterizada como hiper complexa, sendo

marcada pelo intercâmbio de culturas, pensamentos, opiniões e identidades. Ilse Scherer

Warren (2006, p. 115) observa que “nas sociedades globalizadas, multiculturais e complexas,

as identidades tendem a ser cada vez mais plurais e as lutas pela cidadania incluem,

frequentemente, múltiplas dimensões.” Um fator que contribuiu, e ainda contribui, fortemente

para a transformação identificada nas relações sociais e políticas é a tecnologia e,

especialmente, a internet. Essas ferramentas construíram grandes redes de comunicação, tanto

nacionais quanto internacionais, o que aumentou as possibilidades de debate e permitiu uma

maior troca de experiências, ideias e opiniões. Pierre Lévy, em referência a este alargamento

dos meios de comunicação provocado pela inovação tecnológica, propõe o conceito de

“ciberespaço”, no qual os conceitos de democracia e de cidadania ganham novas roupagens,

criando-se, assim, a ideia de “ciberdemocracia”.

Entretanto o Estado, diante desse contexto, tem dificuldade de compreender a

diversidade identitária dos seus cidadãos e de criar leis que atendam às demandas dessa

sociedade. No ano de 2019, por exemplo, uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de

Planejamento e Tributação evidenciou que, desde a promulgação da Constituição Federal de

1988, são editadas, em média, 776 normas por dia útil e que apenas 4,15% delas não sofreram

nenhuma alteração. Esses dados evidenciam a caótica realidade do sistema legislativo

brasileiro, em que, na tentativa de adequar o direito à realidade atual, diversas normas são

criadas, mas se mostram insuficientes e confusas para regular a vida social. Tem-se uma

população que não compreende o funcionamento e o conteúdo das leis do próprio Estado em

que residem, esvaziando a capacidade deliberativa dos cidadãos e dificultando o acesso à

justiça. Esse cenário compromete a participação democrática e a efetivação da cidadania,

fundamentos basilares de um Estado Democrático de Direito.

O crescimento no engajamento entre os chamados “Movimentos Sociais” configura

em um exemplo de resposta da sociedade civil frente a essa ineficiência do Estado. Nesses

espaços, a sociedade, composta por sujeitos plurais, articula-se, muitas vezes por meios

digitais, para lutar em defesa de seus interesses variados e heterogêneos. Entretanto, é preciso

que não só parta da população a vontade de resgatar a efetivação da cidadania, o poder

público também deve promover ações no sentido de aproximar a vontade da população das

políticas estatais e de criar um engajamento maior entre sociedade civil e Estado.

Diante do cenário exposto, o presente estudo tem como objetivo demonstrar como a

tecnologia, por meio das técnicas próprias à legimática, pode ser empregada como uma

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alternativa para solucionar esse caos normativo e promover uma maior conformação entre a

atividade estatal e os anseios da população, a partir da intervenção no processo legiferante,

com vistas à maior qualidade e legitimidade das leis. Este procedimento engloba os preceitos

da legística, de forma a contribuir com uma reconstrução dos conceitos de cidadania e

democracia, mais adequadas ao cenário contemporâneo.

II. METODOLOGIA

O método adotado parte da análise das teorias acerca da “Democracia”, de modo a

evidenciar o contexto em que essas teorias foram formuladas e como elas abordam os

conceitos de liberdade e cidadania. Para isso, contrasta-se uma visão tradicional acerca dos

elementos definidores do Estado Democrático de Direito, com a visão construída por Pierre

Lévy, que analisa a democracia em um contexto de virtualização das relações.

Em seguida, parte-se para a identificação dos objetivos da legística, tanto material

quanto formal, interconectando as suas preocupações com a facticidade e efetividade da

legislação, com o aprimoramento do acesso e da compreensão dos diplomas normativos. Para

tanto, parte-se da análise de textos que oferecem visões basilares da definição deste campo de

estudo, como os de Soares (2007), Almeida (2007) e Cristas (2006). Diante da definição da

preocupação em se construir uma política para a qualidade da lei, passa-se a investigar como a

legimática pode servir a este objetivo, empregando a tecnologia como meio para se alcançar

os objetivos delimitados pela legística. Para tanto, realiza-se análise bibliográfica dos textos

de Soares (2008) e Ferreira (2012).

Passa-se, então, para a proposição de uma leitura dos propósitos e métodos da legística

- e, com ela, da legimática - no contexto próprio ao Estado Democrático de Direito,

oferecendo uma visão que objetiva abarcar uma preocupação procedimental com a

legitimidade das leis, como parcela inerente da sua qualidade. Neste sentido, busca-se

entender como a legística está, nesta leitura, atenta à criação de leis legítimas, entendidas

como aquelas que se sustentam no princípio da democracia e do discurso, e como a tecnologia

pode ser utilizada para sua melhor efetivação. Assim, contrapõe-se bibliografia de Siqueira

(2007) e Habermas (2003) às referências supracitadas.

Por fim, à luz das ideias de Habermas (2003) e de Lévy (1999) evidencia-se que a

inclusão digital é um obstáculo a ser superado para a efetivação dos princípios da legística e,

principalmente, da Democracia. Percebe-se que a tecnologia apenas será útil e benéfica para

conferir qualidade e legitimidade às leis e ações do Estado, se ela for, além de acessível, um

espaço para a comunicação e para o debate.

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III. RESULTADOS E DISCUSSÕES

O conceito tradicional de Estado Democrático de Direito, segundo Alexandre de

Moraes (2000, p. 43) é “a exigência de reger-se por normas democráticas, com eleições livres,

periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias

fundamentais”. Essa definição clássica, porém, sofre alterações profundas quando da sua

introdução na contemporaneidade hiper-complexa. Pierre Lévy (2002, p. 30) diante dessas

mudanças mundiais, principalmente no que diz respeito ao alargamento das possibilidades de

comunicação devido ao desenvolvimento tecnológico, observa que “a própria natureza da

cidadania democrática passa por uma profunda evolução que, uma vez mais, a encaminha no

sentido de um aprofundamento da liberdade”.

Nesse sentido, a efetivação da democracia atualmente deve ser pensada à luz de uma

sociedade que, diante das inúmeras possibilidades comunicacionais, possui variados

posicionamentos e perspectivas de debate. O Estado Democráticos de Direito, para, então,

efetivar um governo capaz de canalizar a opinião de uma sociedade civil diversa, pode,

segundo Lévy, utilizar-se da ideia de uma democracia eletrônica que “consiste em encorajar,

tanto quanto possível — graças às possibilidades de comunicação interativa e coletiva

oferecidas pelo ciberespaço — a expressão e a elaboração dos problemas da cidade pelos

próprios cidadãos (..)” (LÉVY, 1999, p. 188). É assim que a ideia de legística, por meio da

legimática, surge como uma alternativa para a efetivação desse novo conceito de democracia

proposto por Pierre Lévy. Partindo da distinção tradicionalmente aceita entre as legísticas formal e material,

busca-se adotar, aqui, a interpretação de que esses mecanismos, embora se encaminhem a

interesses particulares, são indissociáveis. Verificam-se, como demonstrado por Soares (2007,

ps. 125-127), em ambas as fases desse saber, os esforços de introduzir no processo legislativo

a necessidade de se justificar a decisão de legislar, a exigência de estabelecimento de um

procedimento comunicativo (entre fontes, poderes e partes afetadas) e a realização de da

avaliação legislativa (ex ante e ex post). Nesse sentido, a qualidade da lei pode ser identificada

na sua eficácia, na sua conformação às exigências da sociedade, e na democratização do seu

acesso, resumidos nos princípios, elencados por Ferreira (2012, p. 18-19), de necessidade,

proporcionalidade, transparência, responsabilidade, inteligibilidade, simplicidade e

subsidiariedade.

Na perseguição desses objetivos, a legística se desdobra na legimática, que pode ser

definida, conforme Mercatali (2004, p. 2 apud FERREIRA, 2012, p. 24) em um de seus textos

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seminais, como “a modelagem do raciocínio e dos procedimentos relativos à produção

legislativa (...), a informatização de todo o processo legislativo, bem como de suas regras de

produção, (visando) proporcionar conhecimentos e ferramentas informatizadas para (...) todos

os legisladores.” Dessa forma, a legimática se refere ao emprego da tecnologia à qualidade da

lei, ao desenvolvimento de softwares com inteligência artificial direcionada ao auxílio do

legislador na confecção da lei, seja no momento de avaliação de impacto, da determinação de

seu conteúdo, da definição da técnica de redação, da identificação de antinomias, da

racionalização e da simplificação do sistema jurídico, dentre outras capacidades diversas.

Assim, a legimática: Possibilita uma maior interação entre Estado e cidadão, uma maior organização e celeridade

para a Justiça, a melhoria do domínio da documentação jurídica (jurisprudencial, legislativa e

doutrinária), a reconstrução do direito vigente decorrente de sistematizações do ordenamento

jurídico, o favorecimento da coerência interna do sistema, (...) e o acesso ao Direito e seu

conhecimento por parte dos cidadãos (SOARES, 2004, p. 75 apud SOARES,2008 p.21).

Outro intercruzamento pertinente com os objetivos da legística é, a partir da sua

contextualização em um Estado Democrático de Direito, com a preocupação habermasiana

acerca da legitimidade das leis, isto porque, para o autor, “a legitimidade de uma norma vai

estar ligada a aspectos democráticos, à efetiva participação do povo na elaboração e na

discussão da lei” (SIQUEIRA, 2007, p. 2). Isto posto, é possível identificar nos princípios da

democracia e do discurso, centrais para a definição habermasiana de legitimidade, os mesmos

elementos que legística - e com a legimática, através de suas técnicas próprias - busca embutir

nas leis. Habermas (2003, v.1, p. 146) define a institucionalização do princípio da democracia

como a efetivação “de um sistema de direitos que garante a cada um igual participação num

processo de normatização jurídica” e a do princípio do discurso como “a institucionalização

de processos e pressupostos comunicacionais necessários para uma formação discursiva da

opinião e da vontade, a qual possibilita, por seu turno, o exercício da autonomia política e a

criação legítima do direito” (HABERMAS, 2003, v.1, p. 181). Assim, a garantia da

legitimidade, empregada neste sentido e baseada nesses princípios, parece se direcionar aos

mesmos propósitos encontrados na legística, o que nos permite a construção de uma leitura

desta em direção à intencionalidade de sua produção, isto é, uma legística que está

preocupada com a qualidade e, consequentemente, com a legitimidade das leis. Isto também

se torna na evidente na relação, ainda que não de causalidade direta, que Habermas (2003,

v.1, p.50) encontra entre eficácia e legitimidade, qual seja “tanto a validade social, como a

obediência fática, variam de acordo com a fé dos membros da comunidade de direito na

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legitimidade.” A associação entre legitimidade e as preocupações de necessidade,

proporcionalidade, transparência, responsabilidade, inteligibilidade, simplicidade e

subsidiariedade aparecem, ainda, na proposta de uma abordagem reflexiva do direito, a qual

exige do legislador ‘certas decisões num metanível: Será que ele deve decidir? Quem poderia

decidir em seu lugar? (...) Quais seriam as consequências para uma elaboração legítima de

seus programas de leis?” (HABERMAS, 2003, v.2, p. 185) e nas contribuições descritas do

princípio discursivo, nos seus sentidos cognitivo e prático (HABERMAS, 2003, v.1, p.191).

É importante observar, assim, que esta leitura das intenções da legística e da

legimática, proporcionam a associação entre a racionalidade da lei e a participação

democrática na sua elaboração. Dessa forma: a qualidade racional da legislação política não depende apenas do modo como maiorias eleitas

e minorias protegidas trabalham no interior dos parlamentos. Ela depende também do nível de

participação e de escolaridade, do grau de informação e da nitidez de articulação de questões

polêmicas, em resumo: do caráter discursivo da formação não institucionalizada da vontade na

esfera pública política. (HABERMAS, 2003, v.2, p. 220) Porém, uma vez que esta leitura da legitimidade - e, no sentido aqui proposto, da

qualidade - da lei se vincula aos princípios da democracia e do discurso, entendidos no

contexto do Estado Democrático de Direito clássico, é necessário, ainda, que se faça os

apontamentos pertinentes acerca das alterações provocadas pela introdução do ciberespaço e

da da ciberdemocracia nas próprias possibilidades de exercício da cidadania e de participação

política. Neste novo cenário, a preocupação habermasiana de desenvolvimento do caráter

discursivo da atividade política, e o intento da legimática de aproximação do direito da

vontade popular e da garantia de sua legitimidade, eficácia e acessibilidade, deve perpassar,

obrigatoriamente, a problematização da dificuldade de inclusão digital.

Faz-se necessário destacar que os níveis de participação e de escolaridade e o grau de

informação, já apontados por Habermas como condição à qualidade e legitimidade da lei,

precisam ser pensados em um contexto de inclusão digital, pois apenas assim a tecnologia

conseguirá ser uma alternativa capaz de criar um ambiente democrático. Em um país como o

Brasil, por exemplo, onde, segundo uma pesquisa feita pelo IBGE em 2018, 46 milhões de

cidadãos não têm acesso à internet, é evidente que iniciativas com um viés tecnológico de

participação não terão um cunho amplamente democrático. Nesse sentido, para além do

acesso à internet, é preciso que a tecnologia, associada ao processo legislativo por meio da

legística e das técnicas da legimática, traga a possibilidade de debate, de modo a constituir um

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processo legislativo mais eficiente, racional, democrático e legítimo e a configurar uma

possibilidade de enfrentamento das problemáticas postas pelo atual contexto.

IV. CONCLUSÃO

Conclui-se, por conseguinte, a partir da mobilização de bibliografia indicada e da

leitura proposta dos objetivos da legística e da legimática a partir de sua contextualização em

um Estado Democrático de Direito, bem como a partir da reinterpretação deste conceito pela

introdução das noções de ciberespaço e ciberdemocracia, que a legimática é um saber que

oferece técnicas, métodos e instrumentos adequados à produção de leis melhores, mais

democráticas e mais legítimas. Assim, demonstra-se que as novas tecnologias - e os novos

espaços criados por elas - representam uma oportunidade de se engendrar um processo

legislativo mais eficiente, mais eficaz, mais racional, mais transparente e mais legítimo, capaz

de oferecer novas compreensões da participação popular na construção do direito,

aproximando os cidadãos do Estado e criando novos mecanismos de exercício da cidadania,

com a possibilidade de se refundar a democracia a partir da superação da situação do caos

normativo, ainda que se reconheça a dificuldade de se superar os obstáculos impostos pela

flagrante necessidade de maior inclusão digital.

V. REFERÊNCIAS

WARREN, Ilse Scherer. Das mobilizações às redes de Movimentos Sociais. Sociedade e Estado, Brasília, v. 21, n.1, p. 109-130, jan./abr. 2006.

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HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. 2 v.

SOARES, Fabiana de Menezes. Legística e Desenvolvimento: a qualidade da lei no quadro da otimização de uma melhor legislação. In: Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte, nº 50, p. 124-142, jan. – jul., 2007.

FERREIRA, Leonardo José. A contribuição da Legimática para a qualidade formal do texto legislativa. Tese (Especialização) Curso de Política e Representação Parlamentar, Câmara dos Deputados, Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento. Brasília, 2012.

ALMEIDA, Marta Tavares de. A contribuição da Legística para uma política de legislação: concepções, métodos e técnicas. In: Congresso Internacional de Legística: Qualidade da Lei e Desenvolvimento. Belo Horizonte, 2007.

CRISTAS, Assunção. Legística ou a arte de bem fazer leis: a qualidade da lei no quadro da otimização de uma melhor legislação. Revista CEJ, Brasília, n. 33, p. 78-82, abr./jun. 2006.

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AMARAL, Gilberto Luiz do; OLENIKE, João Eloi; AMARAL, Letícia M. Fernandes do; YAZBEK, Cristiano Lisboa; STEINBRUCH, Fernando. Quantidade de normas editadas no INSTITUTO BRASILEIRO DE PLANEJAMENTO E TRIBUTAÇÃO. Brasil: 30 anos da Constituição Federal de 1988. Curitiba. 2019. Disponível em: <https://migalhas.uol.com.br/arquivos/2019/10/art20191025-11.pdf> Acesso em: 06 de nov. 2020.

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QUEM VIGIA OS VIGILANTES? BREVES COMENTÁRIOS ACERCA DO SISTEMA CÓRTEX.

WHO WATCHES THE WATCHMEN? BRIEF COMMENTS ON THE CÓRTEX SYSTEM.

Rafael Mascio Lanna de Andrade

Resumo

O presente artigo busca esclarecer pontos acerca do sistema Córtex. Tal sistema de vigilância

viária é gerido pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi), órgão vinculado ao

Ministério da Justiça e ao poder executivo, que é capaz de traçar um histórico completo e

detalhado do cotidiano de qualquer cidadão brasileiro que venha a ser localizado ou que

esteja sob investigação, a partir do cruzamento de dados gerados a partir da leitura de placas

de veículos oriundos de milhares de câmeras distribuídas por rodovias, pontes, túneis, ruas e

avenidas de todo o país.

Palavras-chave: Tecnoautoritarismo, Vigilância, Anonimato, Segurança pública

Abstract/Resumen/Résumé

The present article propose’s to explore specific points related to the Córtex System. This

road vigilance system is controlled by the Integrated Operation’s Secretary(Seopi), a public

agency related to the Justice Ministry and the executive power, which is capable of tracing a

complete and detailed historic of the daily routine of any Brazilian citizen that happens to be

located or it is under investigation by the government.It gather’s its data from the crossing of

data generated from vehicles plates, obtained through million’s of cameras distributed in

highways, tunnels, streets and avenues in the whole country.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Techno authoritarianism, Surveillance, Anonymity, Public security

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1 INTRODUÇÃO

A notícia da existência de um sistema de vigilância capaz de usar a leitura de placas

de veículos por milhares de câmeras viárias distribuídas por rodovias, pontes, túneis, ruas e

avenidas de todo o país, veio à tona a partir do artigo publicado no The Intercept, de autoria do

jornalista brasileiro Aiuri Rebello (2020). Neste artigo o autor nos apresenta uma ferramenta

que em tese, foi concebida para combater o crime e assegurar a manutenção da ordem,

permitindo assim, que em questão de segundos oficiais do executivo possam acessar dados

cadastrais, trabalhistas, RG, CPF, endereço, dependentes, salário e cargo. Em suma, possibilita

à Secretaria de Operações Integradas (Seopi), órgão vinculado ao Ministério da Justiça e

Segurança Pública (MJSP), traçar um histórico completo e detalhado do cotidiano de qualquer

cidadão brasileiro que venha a ser localizado ou que esteja sob investigação.

O Ministério da Justiça oficialmente nega que o sistema seja integrado à base de dados

do Ministério da Economia, a Rais, Relação Anual de Informações Sociais. Entretanto, no vídeo

de treinamento vazado por uma fonte anônima, não é isso o que acontece. Na gravação, um

capitão da Polícia Militar de São Paulo demonstra as funcionalidades do sistema e alega a

facilidade em se cruzar dados oriundos dos registros de placas de carros com a Rais, para assim,

obter informações sensíveis acerca de qualquer cidadão brasileiro. Desta maneira os agentes

podem a partir de seu próprio arbítrio, rastrear as movimentações de qualquer cidadão pela

cidade, com quem ele encontrou, quem o acompanhou e quem ele visitou.

2 METODOLOGIA

O presente artigo adotará o método de investigação jurídico-descritivo, não se

propondo a esgotar todo o conteúdo sobre o tema apresentado. Este método, na lavra da

professora Miracy Gustin (2020), tem como objetivo a abordagem preliminar e incipiente do

problema discutido. Devendo ressaltar características, percepções e descrições sem se debruçar

na análise das origens explicativas dos temas discutidos. A indagação aqui feita reside na

vontade do autor de trazer à tona a discussão ainda rudimentar e com limitada bibliografia

dedicada, a respeito dos efeitos do sistema Cortéx para as esferas da segurança pública, direitos

da personalidade e anonimato.

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3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

3.1 O que é o Sistema Córtex?

O sistema Córtex teve o seu embrião ainda no governo Dilma Roussef com a criação

do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública Prisionais e Sobre Drogas (Sinesp).

Na sua concepção pretendia-se unir em um único sistema de informações de bancos de dados

estaduais: boletins de ocorrência, veículos com alerta de furto e roubo, presos e foragidos. Com

a copa do mundo de 2014, o governo federal implantou nas cidades-sede do evento uma rede

de segurança que possibilitava o monitoramento, em tempo real, dos entornos dos estádios e

dos principais pontos turísticos. A principal preocupação do governo era a de se resguardar no

que tange a atuação de grupos terroristas, crime organizado e manifestações, que já haviam

acontecido em 2013, e que poderiam colocar em risco o evento.

Em 2018 no governo do então presidente Michel Temer, aprovou-se a lei que criaria

o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), estabelecendo o compartilhamento de dados

com a Secretária de Segurança Pública do Ministério da Justiça. Até então os bancos de dados

oriundos de cada estado não estavam vinculados ao poder executivo. Até o final de 2019 pelo

menos 12 estados da federação compartilhavam suas câmeras de monitoramento com o sistema

Córtex. Alguns municípios também fizeram parcerias com o governo federal para

compartilharem as informações obtidas através de suas câmeras viárias.

A Seopi hoje é a responsável pelo sistema e foi criada no início da gestão de Sérgio

Moro através do decreto nº 9.662, editado pelo presidente Jair Bolsonaro em seu primeiro dia

de mandato, e age de maneira análoga a outros órgãos de inteligência como a Agência Brasileira

de Inteligência (Abin); Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e o Centro de Inteligência do

Exército (CIE). Tais órgãos gozam da prerrogativa de não passarem por um controle externo

do Ministério Público, congresso ou qualquer instância da justiça. Em setembro de 2019 o então

ministro da justiça, Sérgio Moro, afirmou em postagem no twitter que: “A unificação dos

sistemas de monitoramento viário Alerta Brasil 3.0 da PRF e Córtex da Seopi, ambos do MJSP,

levará à redução de custos e a criação de um sistema integrado com seis mil pontos de

monitoramento no país”.

3.2 A vigilância institucional e suas origens no Brasil

O movimento institucional de vigilância dos espaços urbanos brasileiros sempre se fez

presente, e com o advento de novas tecnologias de vigilância e a situação delicada da segurança

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pública no brasil, era de se esperar que as forças políticas se debruçassem perante novas

tecnologias para solucionar a questão, endêmica e panfletária, da violência nos grandes centros

urbanos brasileiros.

O “boom” da implementação de sistemas de vigilância urbana acompanhou a agenda

de eventos esportivos que foram realizados no país nos anos entre 2014 e 2016,

respectivamente, a copa do mundo de futebol e as olimpíadas. Os entes organizadores destes

eventos esportivos demandavam que o país-sede estivesse em conformidade com os padrões de

segurança e estrutura para eventos esportivos deste porte, e o Brasil o fez através da portaria do

Ministério da Justiça nº 88, que regulamentou o Sistema Integrado de Comando e Controle da

Segurança Pública para Grandes Eventos (Sicc).

Nas palavras de Bruno Cardoso (2018, p.93), o Sicc foi criado para operar na Copa do

Mundo de 2014 e consistia então em doze Centros Integrados de Comando e Controle (Ciccs)

a serem construídos, um em cada cidade-sede, além de um décimo terceiro em Brasília (cidade

que conta, então, com dois Ciccs), de onde seria realizado o trabalho de coordenação e

supervisão de todos os outros centros, integrados e coordenados por meio de um complexo

sistema de comunicação. Isso permitiria um grau elevado de centralização operacional,

fornecida por algumas grandes empresas de tecnologia contratadas pela Secretaria

Extraordinária de Segurança em Grandes Eventos (Sesge). Seu principal objetivo era a

integração ou coordenação das diversas agências responsáveis pela segurança ou defesa.

Após a Copa do Mundo o governo federal expandiu o sistema de vigilância urbana

para todo o país, inaugurando unidades Ciccs em todas as capitais, estes integrados ao Sicc.

Além das câmeras de vigilâncias em prédios, pessoal e a infraestrutura tecnológica, também

compõem os quadros deste sistema, caminhões com câmeras em plataformas elevadas, com

sala de comando e controle, helicópteros com imaginadores aéreos e ônibus que funcionam

como delegacias móveis. O Sicc proporcionou uma centralização nacional na política de

segurança púbica que, anteriormente, era somente tratada no âmbito estadual.

Ao discutir o legado destes megaeventos, e em especial no âmbito da segurança

pública, percebemos que a maior parte deles se originou ou se relaciona com o Sicc. Podemos

enumerar como legados do sistema, de acordo com Cardoso:

a) infraestrutura tecnológica: softwares, conexão e equipamentos físicos; b) infraestrutura de obras: os Ciccs, por exemplo; c) protocolos operacionais (Pops): criados e sustentados pelos softwares e sistemas informáticos que integram os diferentes atores, medeiam as relações entre eles, registram e por vezes ordenam as operações; d) arquitetura institucional: o Sicc fortalece, nacional e localmente, um modelo que requer a participação de múltiplas agências, desde órgãos públicos, como as polícias

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e o corpo de bombeiros, até as empresas que fornecem os sistemas e as “soluções integradoras” que permitem essa participação múltipla; e) modelo “gerencial-militarizado”: os princípios de comando e controle, que norteiam e estruturam o Sicc, combinam elementos de gerenciamento empresarial com estratégias de ação e ocupação do espaço e com organização de tipo militar; f) (re)aparelhamento das forças de defesa e segurança: armamento de baixa e alta letalidade, viaturas, radiotransmissores, roupas especiais etc. (CARDOSO, 2018, p.96).

As empresas de tecnologia obtiveram um papel fundamental para a articulação, gestão

e implementação da Sicc, trabalhando em conjunto com os governos para analisarem os dados

oriundos de seus sistemas. Esses dados são criados e auditados a partir da lógica empresarial,

transpondo-se, o método de auditoria e aferição de resultados para o âmbito da segurança

pública. Esse procedimento se vale de uma geração automatizada e constante de dados para a

confecção de relatórios que serão apresentados para o órgão vinculado que os requisitar. Assim,

conclui o estudioso da UFRJ (CARDOSO, 2018, p.103), que: “os objetivos almejados para o

enquadramento nessa normatividade empresarial não necessariamente coincidem com as

obrigações do Estado no campo da segurança”.

Em relação a lógica do neoliberalismo e a confusão entre lógica empresarial e estado,

os escritos de Christian Laval e Pierre Dardot nos são muito valiosos:

O Estado é obrigado a ver a si mesmo como uma empresa, tanto em seu funcionamento interno como em sua relação com os outros Estados. Assim, o Estado, ao qual compete construir o mercado, tem ao mesmo tempo de construir-se de acordo com as normas de mercado. (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 378.).

Insta salientar que o mais recente legado do Sicc é exatamente o sistema Córtex. Já

que este se vale de toda a infraestrutura de vigilância para o reconhecimento das placas e

cruzamento de dados destas, para a obtenção de dados sensíveis de cidadãos que venham a ser

objeto de investigação do poder público. A tendência é que o Sicc e suas ramificações se

distanciem das situações pelas quais fora pretendido, e ao invés, seja usado em eleições,

feriados nacionais, eventos esportivos, deslizamentos, enchentes, acidentes e

congestionamentos de trânsito. Esse distanciamento de função corrobora com a ideia de que

uma ferramenta que possui uma abrangência tão significativa não deve ser tratada com

ingenuidade pela população civil, pois os efeitos da opacidade no tratamento de dados por

ferramentas de vigilância governamentais, certamente, causam problemas às liberdades

individuais, nos moldes do vazamento de material feito pelo ex-funcionário da NSA Edward

Snowden.

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3.3 A cultura da vigilância e o seu diálogo com o autoritarismo de estado

Nicholas Mirzoeff (2011) nos apresenta a relação da visualidade com o poder e a

autoridade. O autor se refere à noção de visualidade como o conjunto de mecanismos que

ordenam o mundo e, ao fazê-lo, naturalizam as estruturas de poder subjacentes. A visualidade

é o meio pelo qual se dá a sustentação da autoridade, o colonialismo e o totalitarismo. Para

Pablo de Soto:

Essa noção comparativa entre visualidade e mecanismo de ordem se adequa à visão Foucaultiana de que o modelo do panóptico de Bentham conseguiu inverter o espetáculo tal como o concebiam os antigos, onde muitos observavam poucos, para reconhecer o encarceramento como tecnologia privilegiada de poder, onde poucos, às vezes um só e outras vezes ninguém, observavam muitos. (DE SOTO, 2015, p.261).

O sociólogo escocês David Lyon (2017) nos relata que partir do fim do século XX,

criou-se, a partir das condições histórico-tecnológicas da modernidade tardia ou, modernidade

digital, a ideia de cultura de vigilância. Tal ideia instrumentalizou-se através de práticas de

vigilância corporativistas e estatais, que utilizavam da mais alta tecnologia para monitorar a

vida cotidiana da população mundial, valendo-se da crescente dependência do digital nas

relações cotidianas superando os limites dos quais estava restrita à departamentos

governamentais, agências de polícia, local de trabalho.

Grandes corporações globais detém o monopólio de grande parte dos dados colhidos

de seus produtos, e estão comumente ligadas aos governos locais para criarem extensas

bibliotecas de dados para o monitoramento e vigilância de suas populações. Essa ligação entre

corporações e governos veio a tona depois do vazamento de documentos secretos pelo ex-

funcionário da Agência de Vigilância Americana (NSA), Edward Snowden, que revelou que o

governo americano tinha acesso aos metadados de companhias telefônicas e que fazia uso da

base de dados das “Cinco Grandes” empresas de internet e tecnologia, como Apple, Google,

Microsoft e Amazon.

Existe no imaginário popular nos termos de Lyon (2017) a idéia de que os usuários

podem confiar seus dados seguramente a grandes corporações. Para este fenômeno o autor

(LYON. 2017, p.157) nos apresenta o termo “dataísmo”, cunhado pelo professor Holandês J.

van Dijck. A ideia de segurança advinda do “dataísmo” caiu totalmente por terra após o

vazamento de documentos feito por Snowden, tanto que um estudo de 2015 da Chapman

University (BADER, 2015) sobre os maiores medos dos norte-americanos, um dos que figuram

no topo da lista é o de serem rastreados por corporações ou pelo governo.

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Com as revelações feitas por Snowden, cresceu em parte, a preocupação da população

em relação ao uso irrestrito e desregulado das mídias sociais e da existência de continua e

irrestrita vigilância governamental. Configurando um aumento nas medidas de proteção da

privacidade e exposição de informações dentro da internet. Segundo uma pesquisa da Pew

Internet and American Life (RAINIE; MADDEN, 2015), 30% dos adultos entrevistados

disseram que após terem se cientificado acerca das práticas de vigilância do governo, tomaram

pelo menos uma medida de ocultação e proteção de seus dados. Já uma proporção menor, cerca

de 25 %, alegou ter mudado o seu uso de telefones, e-mail ou mecanismo de busca após

Snowden. Percebe-se então, que o conhecimento sobre o tema da vigilância governamental

produz evidências de modificação de comportamento.

4 CONCLUSÃO

Lyon (2017) nos ensina um ponto importante a respeito do tema, a aquiescência

generalizada com relação à vigilância. Este ponto consiste na ideia de que a vigilância se tornou

um aspecto intrínseco à vida moderna, se fazendo presente a todo momento e em qualquer lugar

em que uma rede telefônica ou de internet possa alcançar. Mesmo que existam tentativas de

resistência em relação à essa constante vigilância, a maioria da sociedade escolhe sem

questionamento o status quo imposto pelo capitalismo de vigilância. Interessante citar aqui a

perspectiva de Kirstie Ball (2009) que alega o fato de as pessoas não resistirem ativamente ou

questionarem a vigilância não significa que elas não se preocupem com isso. Para Lyon “A

consciência da câmera biométrica de segurança do aeroporto estar te observando e você a odiá-

la, não te impede de esconder seus sentimentos para que passe pela segurança e consiga viajar

sem nenhuma perturbação”. (LYON, 20017, p.164).

Devemos então fazer valer de tais perspectivas para indagar sobre os reflexos que a

vigilância institucional irrestrita nos impõe para que possamos formular através de uma análise

crítica e ponderada as saídas para os problemas aqui discutidos. Lyon (2017) nos propõe então

um tipo de ética que explore as consequências reais das culturas da vigilância na vida cotidiana,

sem se ater a uma ética que se preocupe com danos pontuais, por mais importantes que estes

sejam juridicamente. Devendo ser revisto o senso de como a vigilância institucional pode ser

enfrentada, tecnológica, política, jurídica e, acima de tudo, eticamente. E afirma que as culturas

de vigilância, sejam elas críticas ou complacentes, são socialmente construídas e, portanto,

podem ser desafiadas e reconstruídas.

Dito isso é mister salientar a necessidade de esclarecimentos acerca do tratamento de

dados feitos pelos órgãos do poder executivo que coordenam as operações do sistema Córtex.

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O estado nebuloso que o presente tema se encontra é preocupante em face dos desdobramentos

fáticos e arbitrariedades que possam vir a surgir sob o pretexto velado da manutenção da paz e

da ordem social. Deste modo evita-se, assim, que termos vagos tenham os seus sentidos

moldados pelas motivações do governo que vier a ter controle deste sistema, e com isso violar

os preceitos do estado democrático de direito, que despreza qualquer tipo de inquisitoriedade,

persecução política e tecnoautoritarismo.

REFERÊNCIAS

BADER, C. America’s top fears. Chapham University, Orange, 13 de outubro de 2015. Disponível em: <https://blogs.chapman.edu/wilkinson/2015/10/13/americas-top-fears-2015/>. Acesso em: 09 nov. 2020.

BALL, K. Exposure: Exploring the subject of surveillance. Information, Communication & Society, London, 12:5, 639-657, 2009.

CARDOSO, B. Estado, Tecnologias de Segurança e normatividade neoliberal. 1.ed. São Paulo: Boitempo, 2018.

DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. 1. ed. Trad. Mariana Echalar, São Paulo: Boitempo, 2016.

DE SOTO, P; Contravisualidade aérea e direito a olhar desde algum lugar: apresentando a “dronehackademy”. In: III Simpósio Internacional Lavits: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios, 2015, Rio de Janeiro. Anais do III Simpósio Internacional Lavits: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios. Rio de Janeiro: Lavits, 2015. 261.

GUSTIN, M. B. de S.; DIAS, M. T. F.; NICÁCIO, C. S. (Re)pensando a Pesquisa Jurídica. 5.ed. São Paulo: Almedina, 2020.

LYON, D. Surveillance culture: engagement, exposure, and ethics in digital modernity. International Journal of Communication, Los Angeles, v.11,p.1-18 (N.E), 2017.

MIRZOEFF, N. The Right to look: a counterhistory of visuality. 5.ed. Durham: Duke University Press, 2011.

RAINIE, L.; MADDEN, M. America’s privacy strategies post Snowden. Pew Research Center, Washington, 16 de março de 2015. Disponível em: <https://www.pewresearch.org/internet/2015/03/16/americans-privacy-strategies-post-snowden/>. Acesso em: 09 nov. 2020.

REBELLO, A. Da placa de carro ao CPF: conheça o Córtex, sistema de vigilância do governo que integra de placa de carro a dados de emprego. The Intercept., Rio de Janeiro, 21 de setembro de 2020. Disponível em: < https://theintercept.com/2020/09/21/governo-vigilancia-cortex/>. Acesso em: 05 nov. 2020.

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VULNERABILIDADE DOS DADOS PESSOAIS NA ERA DIGITAL: ANÁLISE DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS 13.709/18

VULNERABILITY OF PERSONAL DATA IN THE DIGITAL AGE: ANALYSIS OF THE GENERAL DATA PROTECTION LAW 13.709/18

Thalita Pereira RodriguesCaio Cesar Ferreira

Resumo

A presente investigação tem como objetivo analisar a legislação vigente no Brasil no tocante

a proteção de dados pessoais, apontando os desafios existentes ao resguardar os direitos

individuais na era digital. A proposta metodológica empregada foi desenvolvida através da

pesquisa bibliográfica e documental. Ao final apresenta-se as considerações finais onde foi

possível verificar, a responsabilidade da autoridade nacional de proteção de dados, ainda foi

possível descrever enormes desafios da vigência da lei de proteção de dados.

Palavras-chave: Proteção, Dados, Proteção de dados

Abstract/Resumen/Résumé

This investigation aims to analyze the legislation in force in Brazil regarding the protection

of personal data, addressing the existing challenges in safeguarding individual rights in the

digital age. The methodological proposal used was developed through bibliographic and

documentary research. At the end, the final considerations are presented where it was

possible to verify the responsibility of the national data protection authority, it was still

possible to describe enormous challenges of the validity of the data protection law.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Protection, Data, Data protection

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Nas últimas décadas o crescimento acelerado da ciência e da tecnologia instituiu novos

moldes de rotinas e socialização, gerando um paradigma cultural que culminou em novos

desafios para o direito. A atual realidade global de compartilhamento de informações em massa,

frente a capacidade ilimitada de conexão, proporciona a transferência de dados de toda ordem,

seja da vida social e econômica, pública ou privada, em todos os países, sejam eles

desenvolvidos ou não.

É notório que a exposição de dados do usuário na rede mundial de computadores sem a

devida proteção e fiscalização, compromete a eficácia dos direitos constitucionais e

fundamentais do indivíduo, principalmente no tocante à privacidade, liberdade e

desenvolvimento de personalidade dos cidadãos.

Nessa conjuntura, recentemente instituída no Brasil a Lei Geral de Proteção de Dados

(LGPD), em apoio a outras leis vigentes1, tem a finalidade específica de proteger os dados

pessoais e sensíveis do cidadão e assegurar ao indivíduo o poder de decidir exclusivamente o

que fará com as informações que ele mesmo disponibilizar bem como garantir que o mesmo

tenha total conhecimento de como seus dados estão sendo tratados nos locais a que foram

destinados. A fim de efetivar tais ideais postulados em lei, estabeleceu-se ainda a figura da

Autoridade Nacional da Proteção de Dados (ANPD), a qual tem a responsabilidade de reger a lei

de dados diante dos interesses dos cidadãos que sequer tem consciência de seu estado de

vulnerabilidade.

Perante o exposto, a presente investigação tem como objetivo analisar a legislação

vigente no Brasil no tocante a proteção de dados pessoais, apontando os desafios existentes ao

resguardar os direitos individuais na era digital. Para alcançar o objetivo proposto serão expostas

as principais implicações atinentes a Lei Geral de Proteção de Dados, focando-se no órgão

fiscalizador instituído pela referida lei, com o intuito de responder quais são os meios efetivos

para alcançar a real proteção de todas as informações do cidadão. Para tanto, a presente

pesquisa, tem como metodologia investigação do tipo qualitativa, a partir de revisões de artigos

acerca do tema, bem como na legislação especial existente.

1 Lei 12.965, de 23 de abril de 2014 e Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011.

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2. VULNERABILIDADE DOS DADOS NO CIBERESPAÇO

A transformação digital convergiu todos os meios de comunicação e atividades da

sociedade para as plataformas virtuais on-line e trouxe implicações que envolvem sobretudo

questões acerca da privacidade do indivíduo (ROCKEMBACH, 2020). A transferência de dados

através das redes sociais, aplicativos e demais serviços na internet se tornou indispensável para a

vida de todos, revelando a vulnerabilidade do indivíduo no ciberespaço onde a coleta de dados

oferece informações importantes sobre o sujeito aos receptores de dados.

Assim, os dados pessoais se tornou uma “nova moeda”, utilizada para acessar diversos

serviços oferecidos na internet, como por exemplo as redes sociais, onde o indivíduo é obrigado

a oferecer seus dados para se conectar gratuitamente, mas acaba sendo o centro da produção de

lucros, onde os dados coletados são manipulados a fim de incentivar o indivíduo a postar mais

dados e gerando nele o interesse em consumir alguns produtos e serviços, a utilizar novas redes

sociais e aplicativos e até mesmo influenciando a pensar de maneira diferente.

A sociedade é alvo de vazamentos recorrentes de dados, basta pesquisar no próprio

google “vazamento de dados” que encontramos uma lista interminável de pessoas físicas,

jurídicas e até mesmo populações inteiras vítimas da violação da privacidade de seus dados.

A vulnerabilidade social ante as tecnologias e empresas que tratam nossos dados

diariamente é enorme, as grandes corporações detém os grandes bancos de dados big data

armazenam os dados em grande volume e processam para diversos fins por meio de algoritmos

(BOYD; CRAWFORD, 2020) . O banco de dados denominado big data possui os mais variados

tipos de dados de todo o mundo de diversas fontes diferentes, como celulares, sensores, redes

sociais, páginas web, aplicativos diversos, entre outros, coletando, armazenando e processando

dados em alta velocidade (FERREIRA; MARTINS, 2018) .

É fatídico que os dados pessoais são tidos como mercadoria, e pode ser analisado

positivamente em relação a comunicação, facilidade de acesso, transmissão de conhecimento

entre os mais diversos usuários, no entanto, também seu tem seu lado negativo, ao se deparar

com os tratamentos de cruzamento e manipulação de dados para fins diversos da sua real

destinação, onde seus titulares não possuem ciência e nem deram o seu aval para que fossem

utilizados, gerando assim, muitos casos de descontrole de informações pelo big data e pelo

próprio usuário além de injusta manipulação e discriminação (GONÇALVES, 2019).

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Em que pese as empresas públicas também serem detentoras de grande quantidade de

dados, é dever do Estado se preocupar em como os dados são cruzados e quem os acessam,

sendo essa uma grande questão inerente a vulnerabilidade do indivíduo (MOURA, 2019).

Nessa linha, destaca-se que infelizmente não existe preocupação na maior parte da

sociedade no que se refere à disposição e tratamento de dados, seja por obrigação ou

simplesmente desconhecimento. Posto isso é evidente e preocupante a desconsideração por parte

das empresas privadas ou públicas com o processamento dos dados. Frise-se que a sensibilidade

dos dados tem ainda a ver com a relação da percepção de risco pelo próprio indivíduo, desde a

violação de dados simples como nome, endereço e telefone até dados mais sensíveis como

informações médicas, monetárias e bancárias, sociais e psicológicos, indicando a percepção da

sensibilidade pelo usuário define também a vulnerabilidade do mesmo ante aos coletores e

manipuladores de dados (REINALDO FILHO, et al, 2006).

3. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E A PROTEÇÃO DE DADOS

No tocante a proteção de dados no Brasil vige três leis importantes, quais sejam, Lei do

Marco Civil da Internet (12965/2014); Lei de Acesso à Informação (12.527/2011) e a recente

Lei Geral de Proteção de Dados (13709/18). Esta última inspirada na regulamentação europeia,

buscando a finalidade de regular a circulação e a exposição irresponsáveis de dados, garantindo

a proteção do cidadão e incentivando uma interação responsável frente ao desenvolvimento

tecnológico e econômico.

Todavia até pouco tempo não era assim, a realidade era que vivíamos sob amparo

legislativo bastante precarizado, sem um amparo legal específico o indivíduo ficava a mercê dos

receptores e manipuladores de dados. Nesse sentido a lei geral de proteção de dados tem

objetivo de preparar a nação brasileira para o tratamento de dados pessoais de seus nacionais,

sabendo-se, ou devendo-se saber dos grandes e inúmeros desafios que virão (HERRERO, 2018).

É imperioso dizer que a novíssima lei tem escopo totalmente fundado na dignidade

humana; no livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania

pelas pessoas naturais, dentre outros ideais importantes para a sociedade (BRASIL, 2018).

A Lei Geral de Proteção de Dados coloca como protagonista o indivíduo nas relações

jurídicas onde envolver o tratamento de dados, além de decidir que o mesmo possa decidir quais

dados disponibilizar, onde será destinado bem como os limites e prazos dessa utilização

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(ARANHA, 2020). Entretanto apesar da grande inovação a atual preocupação dos operadores do

Direito está na inconsistência normativa em pleno século XXI, no que tange a uma proteção

efetiva.

Nesse sentido Herreiro (2019) alega que a problemática exploração de dados pessoais

nas diversas bases de dados (governamentais e privadas) ainda encontra-se sem solução

definitiva. O que gera a necessidade de um esforço conjunto a nível transnacional a fim de

impedir os abusos individuais e coletivos, seja pelas empresas e pessoas, ou até mesmo por

países que buscam obter vantagens a qualquer preço, desrespeitando regras básicas estabelecidas

por eles mesmos, incluindo-se diretrizes a níveis internacionais as quais deveriam ser

respeitadas, mas não são, pois as intenções perpassam pela vontade de obter privilégios escusos.

Ante o exposto, resta claro que será um desafio enorme garantir a real proteção aos

cidadãos por meio da imposição da LGPD (CAPANEMA, 2020), uma vez que a internet é um

universo vasto contendo inúmeras camadas. Nesse sentido resta claro que a lei não se preocupou

apenas em positivar diretrizes acerca do tratamento de informações, mas também instituiu um

órgão fiscalizador chamado Autoridade Nacional de Proteção de Dados, o qual é responsável por

guiar a interpretação da lei bem como fiscalizar os atos dos tratadores de dados, aplicando-lhe

sanções quando necessário, a fim de resguardar os direitos do cidadão.

3.1 A AUTORIDADE NACIONAL DE PROTEÇÃO DE DADOS (ANPD)

A Autoridade Nacional da Proteção de Dados (ANPD) possui autonomia e se constitui

em um complexo de órgãos. De acordo com o site da SERPRO, além de fiscalizar, a referida

autoridade tem o papel de orientar e apoiar os órgãos dos governos e empresas em relação às

situações em que eles podem ou não tratar dados pessoais do cidadão (SERPRO, 2018).

Percebe-se que a Lei geral de proteção de dados preocupou-se em estabelecer de forma

abrangente, quais são as prerrogativas da ANPD, dentre as quais citamos o inciso XI do art.

55-A o qual determina que poderá solicitar às entidades do poder público (que realizam

operações de tratamento de dados pessoais) informe especificamente sobre o âmbito, natureza

dos dados e demais detalhes; emitir parecer técnico complementar para garantir o cumprimento

da Lei Geral de Proteção de Dados bem como exigir relatórios das tratadoras de dados, o que é

uma ferramenta muito importante para fiscalização, consoante a isso, Herrero (2019) explica que

o relatório é uma ferramenta controladora de gestão da Agência Nacional de Proteção de Dados,

a qual guarda em si o descritivo dos processos do tratamento de dados sujeitos a riscos, a fim de

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amparar as liberdades civis bem como os direitos fundamentais. Perante isso, percebe-se que a

agência de proteção de dados além de ter relevante responsabilidade em combater abusos,

também tem o compromisso de preservar os direitos dos cidadãos.

Diante do exposto, identifica-se a necessidade de adaptação da Administração Pública

Brasileira no que diz respeito a controle satisfatório de dados pessoais na rede mundial de

computadores, pois não estamos tratando apenas de meras informações binárias, mas sim, da

essência de cada cidadão. Nesse momento, o que se percebe é que ainda há alguns “obstáculos”

para se vencer, pois não se sabe, ainda, se a referida agência terá capacidade técnica e

instrumental suficiente para fiscalização como também se as determinadas sanções realmente

terão força para repelir ilegalidades. Acredita-se que os maiores desafios são prevenir os abusos

ocorridos na web, bem como estabelecer um culpado para determinados abusos, pois muitos dos

ataques direcionados aos dados pessoais advém de terminais difíceis de serem localizados (não

se limitando ao território brasileiro). O que se sabe até então é que a arma mais eficiente para

combater os riscos da vulnerabilidade é a informação, ou seja, educar os cidadãos acerca das

implicações atinentes ao mundo virtual, assim cada um poderá colaborar de forma participativa

quanto a sua própria proteção, inibindo ainda que em partes, os riscos oriundos da exposição

informacional.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entende-se que os desafios que a realidade digital impõe, transcende qualquer suposição

que se possa fazer, pois o ciberespaço consiste em uma infinidade de possibilidades que surgem

a cada dia de formas diferentes e inovadoras.

Não se sabe até este tempo se o Estado terá capacidade para amparar de forma efetiva

todas essas questões, mas o que se estabelece com a nova lei, é a busca pelos ideais de

autodeterminação e proteção, os quais devem ser perseguidos incessantemente. Para tanto, temos

um guardião corporificado na figura da Agência Nacional de Proteção de dados, a qual terá o

papel de lutar na linha de frente contra todos os perigos existentes na exposição e tratamento de

dados.

Diante disso, o que se percebe nesse momento é que os próprios cidadãos terão que agir

para se alcançar o ideal da efetiva proteção, para isso, caberá ao Estado através da ANPD

conscientizar, antes de tudo, acerca dos riscos inerentes a esta situação, conforme a própria lei

Geral de proteção de dados estabelece no art. 55-J, inciso VI.

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É certo que a proteção de dados trata-se de uma profunda problemática, que envolve

desafios que nem mesmos as grandes potências foram capazes de lidar. No entanto o primeiro

passo foi dado, o direito está em nossas mãos, cumpre a todos nós perseguir os seus efeitos.

REFERÊNCIAS

BOYD, Danah; CRAWFORD, Kate. Critical questions for Big Data: provocations for a cultural, technological, and scholarly phenomenon. Information, Communication & Society, v. 15, n. 5, p. 662-679, jun. 2012. Acesso em: 18 de out. 2020.

BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Dispõe sobre a Proteção de dados. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm>. Acesso em: 23 de Out. 2020.

BRASIL. Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011. Dispõe sobre acesso à informação. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>. Acesso em: 23 de Out. 2020.

BRASIL. Lei 12.965, de 23 de abril de 2014. Dispõe sobre o estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em: <https://docs.google.com/document/d/1CxnRBoImZAN24APMA7k9ctFr8d6k8EXUFDXgeHQYViw/edit>. Acesso em: 23 de Out. 2020.

CAPANEMA, Walter Aranha. A responsabilidade civil na Lei Geral de Proteção de Dados. Cadernos Jurídicos, São Paulo, v. 21, n. 53, p. 163-170, jan./mar. 2020. Acesso em 19 de Out. 2020.

FERREIRA, Lisiane Braga; MARTINS, Marina Rodrigues; ROCKEMBACH, Moisés. Usos do arquivamento da web na comunicação científica. Prisma. com, v. 36, 2018. Acesso em: 18 de out. 2020.

HERRERO, Vagner Henrique. A lei de Proteção de dados pessoais brasileira e os desafios a esta administração pública. Disponível em: <https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/32044/1/VagnerHenriqueHerrero.pdf>. Acesso em: 17 de Out. 2020.

ROCKEMBACH, Moisés. Estudos de usuários de arquivo e os desafios da Lei Geral de Proteção de Dados. Revista do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v. 33, n. 3, p. 102-115, 2020. Acesso em: 18 de out. 2020.

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1 Graduando de Direito da Faculdade de Direito e Ciências do Estado da UFMG, [email protected]

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BIG DATA E A DEMOCRACIA BRASILEIRA: A PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS FRENTE AO USO DO BIG DATA EM PROCESSOS

ELEITORAIS

BIG DATA AND DEMOCRACY IN BRAZIL: THE PROTECTION OF FUNDAMENTAL RIGHTS AMIDST THE USE OF BIG DATA IN ELECTORAL

PROCESSES

Tiago Campos de Almeida 1

Resumo

O contexto de rápidas transformações da vida em sociedade no século XXI exige constante

inovação do Direito. Nesse contexto, surge a tecnologia do big data, que pode ser definida

por quantidades massivas de dados. O questionamento aqui colocado se refere à utilização do

big data de forma a contribuir negativamente para o sistema democrático em processos

eleitorais. É possível constatar que a utilização do big data em contextos eleitorais abre

margens para a violação de direitos fundamentais através da manipulação da opinião pública

e, por consequência, do aprofundamento da polarização política e do empobrecimento do

debate público.

Palavras-chave: Big data, Direitos fundamentais, Dados pessoais, Direito à privacidade, Democracia, Brasil

Abstract/Resumen/Résumé

The context of rapid changes in society in the 21st century requires constant innovation of

Law. In this context, big data emerges as a technology which can be defined by massive

amounts of data. The question that is raised refers to the use of big data in order to contribute

negatively to the democratic system in electoral processes. It can be seen that the use of big

data in electoral contexts enables the violation of fundamental rights through the

manipulation of public opinion and, consequently, the deepening of political polarization and

the impoverishment of public debate.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Big data, Fundamental rights, Personal data, Right to privacy, Democracy, Brazil

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1. INTRODUÇÃO

As rápidas e profundas mudanças sociais provocadas pelo advento da Internet no

século XXI são responsáveis por desdobramentos em diversos âmbitos da vida social,

incluindo-se a política e os processos democráticos. Esse contexto exige constante inovação

do Direito no intuito de se evitar abusos decorrentes de uma utilização imprópria de tais

recursos. O ambiente da Internet dificulta a atuação do Estado tendo em vista seu caráter

internacional e os interesses privados das empresas, que muitas vezes determinam a regulação

desse meio (SANTOS, 2017). Como resultado, a privacidade dos indivíduos é colocada em

xeque, cenário em que surge a tecnologia do “big data”, que, mais precisamente, é um “termo

utilizado para descrever um grande volume de dados, em grande velocidade e grande

variedade” (MCKINSEY GLOBAL INSTITUTE, 2011 apud SANTOS, 2017, p. 11).

Tendo em vista a centralidade do uso de redes sociais para a divulgação e,

consequentemente, formação de opinião por parte significativa da sociedade, torna-se

necessário analisar o uso da Internet para fins políticos para a compreensão da atual situação

da democracia brasileira. Nesse sentido, a análise da enorme quantidade de dados gerada nas

redes sociais permite a extração de sentimentos e tendências presentes na opinião pública

brasileira. Entre os perigos gerados pelo processamento desses dados no que se refere ao uso

sociopolítico da Internet, dessa forma, destaca-se a possibilidade da violação da privacidade

dos usuários de mídias sociais para finalidades políticas, especialmente em campanhas

eleitorais. De forma exemplificada, isso permite o direcionamento de anúncios políticos para

usuários com determinadas opiniões políticas e interesses. Nesse âmbito, é possível citar

como problemáticas geradas a proliferação de notícias falsas e de discursos de ódio e o

aumento da polarização política.

Refletindo-se sobre a aplicação dessa tecnologia em contextos como as eleições

presidenciais dos Estados Unidos de 2016 e o referendo sobre a permanência do Reino Unido

na União Europeia. Nesses processos eleitorais, foi observado um alto nível de interferência

da referida tecnologia, surgindo a dúvida aqui colocada referente à utilização do “big data” de

forma a contribuir negativamente para o sistema democrático nos processos eleitorais, em

uma análise centrada no contexto brasileiro (BARCELOS, 2018).

Esse conjunto de fatores apela para a discussão atual acerca da proteção e

desenvolvimento dos direitos fundamentais do cidadão, cuja evolução histórica se estende do

reconhecimento do direito individual à liberdade à adequação dessa teorização ao contexto de

globalização (FERNANDES, 2019). Tendo em vista a centralidade da Internet para o

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processo político no século XXI, é possível perceber a necessidade de se entender como o

surgimento de novas tecnologias potencialmente ameaça direitos essenciais como o direito à

informação, à privacidade e à democracia. Portanto, o presente trabalho visa identificar as

maneiras através das quais a utilização do “big data” interfere em processos eleitorais, de

forma a identificar se esse uso é condizente com os princípios e objetivos estabelecidos pela

Constituição de 1998.

2. METODOLOGIA

A investigação pertence à vertente metodológica jurídico-compreensiva ou

jurídico-interpretativa. Segundo Dias e Gustin (2010, p. 49), esse tipo de investigação

“utiliza-se do procedimento analítico de decomposição de um problema jurídico em seus

diversos aspectos, relações e níveis”, o qual não se limita à pura descrição do problema

jurídico, tendo em vista a complexidade investigativa atribuída a esse tipo. Considerando a

complexidade das mudanças sociopolíticas do século XXI e a dificuldade do Direito de se

adequar ao contexto digital, é possível afirmar que esse método investigativo se adequa à

proposta de pesquisa. Para tal, será feita uma análise bibliográfica referente à teoria dos

direitos fundamentais, especialmente dos de quarta geração, bem como ao “big data” como

fenômeno informacional.

3. RESULTADOS

Dados de 2018 revelam que o Brasil é o terceiro país com o maior tempo médio de

utilização diário de utilização da rede (HOOTSUITE; WE ARE SOCIAL, 2018). A imensa

quantidade de dados gerados a partir dessa atividade pode ser definida como big data, que

pode ser definida por quantidades massivas de dados. Dessa forma, ao enviar mensagens,

utilizar ferramentas de busca e gerar os chamados cookies, ao visitar determinado site, os

algoritmos das plataformas extraem informações sobre os hábitos, preferências e opiniões dos

usuários, em uma atividade que se baseia em técnicas de inteligência artificial para fazer

associações e previsões a partir dessa massa de dados. Governadas por entidades privadas, as

plataformas digitais ganham forte poder de influência sobre a opinião pública na medida em

que a Internet se torna um espaço de discussão pública (SANTOS, 2017).

Nesse contexto, cabe analisar a forma como são definidos os conteúdos exibidos aos

usuários nas plataformas. O microdirecionamento é identificado como fator determinante

nessa perspectiva. Tal fenômeno se refere ao envio de anúncios e mensagens para

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públicos-alvo delimitados especificamente com base em cada tipo de perfil de internauta

segundo as informações extraídas a partir do big data. Esse processo, por sua vez, se baseia

em técnicas de inteligência artificial para fazer associações e previsões a partir da massa de

dados que constitui a base do big data. A extensão desse fenômeno pode ser exemplificada

pelo Facebook, que relaciona dados coletados on-line com dados extraídos das atividades

realizadas pelos usuários ao não utilizarem a plataforma, juntamente com informações

vendidas por outras empresas digitais. Diante disso, é possível perceber como a privacidade

dos indivíduos é violada nessa conjuntura (BARCELOS, 2018).

Em contextos eleitorais, isso permite não só a identificação de perfis individuais, mas

também as opiniões políticas de regiões de eleitores, possibilitando que candidatos

personalizem seu discurso diante de tais grupos. Isso é feito até mesmo com base em dados

sensíveis, como a partir da orientação sexual e religiosa dos indivíduos, e não apenas

diretamente das preferências políticas (SANTOS, 2017).

O fenômeno dos “filtros-bolha” se aplica nesse contexto. Essa técnica pode ser

definida pelo direcionamento de conteúdos na Internet pelos algoritmos que vão de encontro

ao perfil extraído de cada usuário, gerando bolhas de opinião pública. Os algoritmos são

operações computacionais para a realização de determinadas tarefas. Trata-se de uma subárea

da inteligência artificial utilizada na estruturação das redes sociais, por exemplo. Sendo assim,

esse direcionamento permite o contato exclusivo com conteúdos que vão de encontro aos

interesses do indivíduo. Assim, perde-se a interação com concepções diversas, o que

aprofunda a problemática da polarização política e do empobrecimento do debate público.

Ademais, esses fatores facilitam a disseminação de notícias falsas e de discurso de ódio. No

âmbito eleitoral, a polarização é ampliada em grande medida, uma vez que os usuários da

Internet são impossibilitados de alcançarem uma noção ampla das “ideias, notícias e projetos

de todos os candidatos” (SANTOS, 2017, p. 15).

O fenômeno das notícias falsas também está relacionado à problemática do uso

eleitoral do big data. Tal problemática é agravada pelo alto uso da Internet e das redes sociais

por parte dos brasileiros para o acesso à informação. Segundo dados de 2019, 64% dos

internautas brasileiros usam as redes sociais como fonte de notícias, sendo a média global de

52% (DATA REPORTAL, 2019). Dados apontam que as notícias falsas têm 70% mais

chances de serem compartilhadas do que comparado às notícias verdadeiras (CORREIO

BRAZILIENSE, 2018, apud AMORIM et al, 2018). A disseminação de notícias falsas vai de

encontro à lógica dos filtros-bolhas. Leitores são mais propensos a acreditarem em notícias

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falsas que vão de encontro a suas pré-concepções. O que passa a ser predominante na

definição dos conteúdos a serem exibidos é a relevância das informações apresentados aos

internautas, definida através dos algoritmos e “filtro-bolha”. Esse processo é favorecido

também por robôs que, nas redes sociais, utilizam-se dos algoritmos para replicar

informações. Assim, com o big data, as notícias passam a ser direcionadas com precisão para

seu público-alvo de forma a potencializar o número de cliques e compartilhamentos

(BARCELOS, 2018).

4. PROBLEMATIZAÇÃO

É possível verificar, portanto, que essa série de fatores pode colocar em risco o direito

à privacidade, violado pela coleta e venda de dados dos usuários sem o seu expresso

consentimento; o direito ao livre acesso à informação e à Internet, sendo a opinião pública

manipulada principalmente pelo fenômeno dos “filtros-bolha”, o qual limita o exercício de tal

direito; e o direito à democracia, o qual é fragilizado mediante o empobrecimento do debate

público e a polarização política.

Machado e Miskolci (2019) consideram como parte desse processo a privatização da

política, ou seja, a redução do político ao pessoal, e sua inserção na gramática moral. No

ambiente das redes sociais de competição pela atenção dos usuários, ganha mais repercussão

aquilo que mais se aproxima de temas moralizantes. As bolhas passam a se basear não apenas

em questões políticas, mas principalmente comportamentais. Com isso, o poder de

mobilização deixa de ter um cunho coletivo para adotar também um caráter personalístico.

Nesse contexto, é incentivada a vigilância alheia, a perseguição e até o linchamento on-line,

abrindo espaço para ideais anti-democráticos, e dando margem ao sensacionalismo e a

notícias falsas (MACHADO; MISKOLCI, 2019).

Entre abril e novembro de 2018, o site Congresso em Foco apurou um total de 123

boatos ligados aos candidatos Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL). Levantamentos

acerca do compartilhamento de tais falsidades são imprecisos, uma vez que grande parte

circulou em conversas privadas no WhatsApp. Todavia, no Facebook, as dez notícias falsas

mais compartilhadas em agosto de 2018 receberam juntas cerca de 865 mil

compartilhamentos, segundo a agência Lupa (PINHO, 2018).

Para Mouffe (2005), a busca pelo consenso de ideias em uma sociedade democrática

resulta em formas de exclusão. A ideia de que o debate racional só pode levar a determinadas

formulações tidas como as únicas legítimas gera um aprofundamento do antagonismo.

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Passa-se a desejar verdadeiramente a imposição de determinada ordem. Nesse contexto,

concepções opostas e adversários políticos são percebidos como inimigos a serem

combatidos. Essa série de fatores leva à apatia e ao desapreço pela participação política, sendo

antitéticos à ideia de democracia. Um sistema democrático deve abrir espaço para o

agonismo, no qual a pluralidade de ideias é vista pressuposto da democracia. As instituições

democráticas devem permitir, portanto, a convivência desse pluralismo (MOUFFE, 2005).

Ressalta-se também a centralidade da informação no desenvolvimento demorático da

sociedade, segundo a teoria habermasiana. De acordo com Ituassu (2018), informações são

elementos essenciais para o uso público da razão. Sendo assim, a manipulação da informação

pode afetar a escolha política dos cidadãos com base em seus próprios interesses. Além disso,

o cenário pode fazer com que determinados temas tenham sua importância aumentada

artificialmente, impactando a representatividade social das discussões. Aponta-se, ainda, para

uma interferência no julgamento da performance dos governantes fora do contexto eleitoral.

Fatores como o baixo nível de escolaridade da população, o fato de o Brasil se tratar de uma

democracia recente e a alta concentração do jornalismo no país aprofundam a problemática

(ITUASSU et al, 2018).

A evolução da teorização acerca dos direitos fundamentais, que partiu das liberdades

individuais a garantias no contexto da globalização, permite a elaboração dessas reflexões.

Dessa forma, ao constatar novas demandas sociais frente ao avanço tecnológico, é necessário

reconhecer a natureza principiológica dos direitos fundamentais. Sob essa perspectiva, os

direitos fundamentais não constituem um núcleo fechado, e sim abertos à concretização via

normas infraconstitucionais (BONAVIDES, 2004 apud FERNANDES, 2019). Esses direitos

estariam, portanto, em constante processo de renovação. Da mesma forma, segundo Lopes

(2015), o Direito teria o papel de estabelecer parâmetros para o desenvolvimento de uma

sociedade justa diante do avanço tecnológico. Permite-se conceber, portanto, como a

democracia é pressuposto para a salvaguarda dos direitos fundamentais. Ainda, essa

concepção permite a inclusão de direitos ligados à Internet nesse rol de direitos (LOPES,

2015).

5. CONCLUSÕES

Com o desenvolvimento da metodologia proposta, é possível constatar que a utilização

do “big data” em contextos eleitorais facilita com que fatores internos e externos contribuam

para a violação de direitos fundamentais, como o direito à privacidade, o direito à democracia

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e o direito ao livre acesso à informação e à Internet. No ambiente da Internet e das redes

sociais, a coleta dos dados pessoais dos usuários é facilitada de forma ilegítima, muitas vezes

sem que tenham conhecimento desse fato.

A partir daí, torna-se possível abstrair informações sobre preferências políticas dos

usuários. Com isso, o uso do big data em processos eleitorais coloca em risco direitos

fundamentais como o direito à privacidade, o direito à democracia, o direito ao livre acesso à

informação e à Internet. Essa tese vai de encontro à interpretação dos direitos fundamentais

sob uma perspectiva de constante renovação com vistas a salvaguardar os demais direitos

previstos no ordenamento jurídico mediante novas demandas por parte da sociedade civil.

Esse conjunto de fatores abre margens para a manipulação da opinião pública e, por

consequência, o aprofundamento da polarização política e o empobrecimento do debate

público. Observa-se como essa dinâmica que se estabelece com uma frequência cada vez

maior e que é cara à ordem democrática.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMORIM, Ana Isabelle Rocha; ANTONIUTTI, Cleide Luciane; FERNANDES, Bianca Sobral; SOUSA, Daywson Adler Freires de; VASCONCELOS, Wesley Guilherme Idelfoncio de. Fake News: um estudo inicial acerca da propagação, disseminação e impacto nas redes sociais digitais. Intercom: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2018. XX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Juazeiro – 5 a 7/7/2018. BARCELOS, Julia Rocha de. Big data, algoritmos e microdirecionamento: desafios para a regulação da propaganda eleitoral. 2019. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/DIRS-BELHWW/1/julia_rocha_de_barcelos___disserta__o.pdf. Acesso em: 25 mar. 2020. CALDAS, Camilo Onoda Luiz; CALDAS, Pedro Neris Luiz. Estado, democracia e tecnologia: conflitos políticos e vulnerabilidade no contexto do big-data, das fake news e das shitstorms. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 24, n. 2, 2019. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-99362019000200196&script=sci_arttext>. Acesso em: 13 nov. 2019. DATA REPORTAL. Digital 2019: Q3 Global Digital Statshot. 2019. Disponível em: <https://datareportal.com/reports/digital-2019-q3-global-digital-statshot>. Acesso em: 12 jan. 2020. DIAS, Maria Tereza Fonseca; GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa. (Re)pensando a pesquisa jurídica. Editora del Rey, 2006.

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