Estatística Computacional - sigarra.up.pt...Pedro Eiras "Acho cjiie sou um experimentador" Escreve...
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CONFERENCIAS
Porto é palco
de Estatística
Computacional
A Faculdade de Eco-
nomia da Universida-
de do Porto recebe, a
partir de hoje e até
sexta-feira, uma das
mais importantesconferências mun-
diais de Estatística
Computacional, des-
tacando aplicações
em Economia/Finan-
ças e Biologia/Gené-
tica. Haverá comuni-
cações livres, além
da participação de
especialistas mun-
diais. Terça-feira há
um concerto, na Casa
da Música, do grupoCamerata Senza Mi-
sura, por IS euros.
Pedro Eiras
"Acho cjiie sou umexperimentador"
Escreve muito. Ensaios, ficção, peças de teatro, poesia, até contos infantis.Com 32 anos tem mais de dez obras publicadas. Recebeu o prémio P.E.N.
Ensaio com "Esquecer Fausto". Ensina também. Mas, sobretudo, lê. Temmais de mil "livros começados". Só faltava mesmo saber compor música.Pedro Eiras deiine-se como investigador e vrofessor. "Escritor não é
profissão". Texto deAndrea Cunha Freitas Fotografia de José Carlos Coelho
Elediz que é um
experimentadore Lia trepa-lhepelo colo e
pendura-se no
pescoço. Esconde
a cara debaixo do queixo dele
com o rabo fofo de fraldavirada para nós e Pedro sorri,olha-a, continua a falar sem
se perder. Acha que a palavrarevelação é demasiado forte
para caracterizar o seu percursoprofissional. "Aquilo que se
revela é algo luminoso. E eusinto-me muito amigo das
sombras. Não gosto da praçapública, do lugar do meio". Umdos momentos em que esteve
no "lugar do meio" foi quandovenceu o Prémio P.E.N. Clube
Português de Ensaio referente aobras publicadas em 2005 com
"Esquecer Fausto [EsquecerFausto. A fragmentação do
sujeito em Raul Brandão,Fernando Pessoa, Herberto
Helder e Maria Gabriela Llansol,
ensaio, Campo das Letras, 2005]mas a tal "praça pública" é
visitada com mais frequência:cada vez que publica um livro ouum texto. E com apenas 32 anos
já conta com muitas visitas.
Estamos numa casa especial.E não é pelo castelo em papelãomontado num dos cantos-
sombra da sala. Ou pelo pianoque, afinal, ninguém tem muito
jeito para dominar. Ou pelasduas secretárias frente a frentedos pais de Lia e Clarisse (a filhamais velha de Pedro Eiras) com
pilhas de livros. Alguns são da
sua autoria. Lia parte bolachas
em pedaços que atira ao chão
e ele afasta o pacote num gestocalmo enquanto explica que a
visibilidade que conquista coma publicação das suas obrascoexiste com o tal mundo de
sombras. Não há contradições."A publicação não tem de
ser a auto-estrada, não tem de
ser o centro da praça. Pode
ser um caminho, um atalho,uma vereda, lateral, tortuosa,labiríntica". Um atalho paraonde? "Para o desconhecido",
responde enquanto apoia Lia.
Tal como Clarisse (Lispectorfoi referência para o nome)surge na contracapa de "UmForte Cheiro a Maçã" ao colo
do pai, Lia faz parte da nossa
conversa. Caracóis de cabelo
fino, collants com um coelhocor-de-rosa impresso no rabo e
meias às riscas cor-de-laranja.
Estou naestaca zero.Daí pensar emexperimentador.Quem me deraser capaz decompor música"
Um pessoa pequena de olhos
castanhos com sono, Lia temos dentes a rasgar as gengivas e
revela-se uma experimentadoratambém enquanto ensaia sons
que em breve vão ser palavras.0 ambiente familiar e relaxadocontrasta com a complexidadedo que se fala ali.
Pedro Eiras nasceu em 1975
no Porto e conta com mais deuma dezena de obras publicadas.Ensaios dedicados e debruçadossobre quem será capaz desubverter géneros literárioscomo Maria Gabriela Llansol
ou Gonçalo M. Tavares, peçasde teatro para adultos, ficção,textos inclassificáveis. 0 futuromais breve reserva alguns contosinfantis inéditos que esperam as
imagens desenhadas de amigose um "livrinho de crónicas" quevai sair como e-book: "É sobre
a literatura que mata. Chama-
se Substâncias Perigosas",anuncia. Há ainda um conjunto +
?¦ de textos escritos por jovensensaístas sobre jovens poetas queresultam de palavras ditas numainiciativa que decorreu em 2007,em Matosinhos, e que serão
publicados ainda este ano."Publico para responder
a determinadas perguntas",diz-nos, acrescentando: "A
resposta pode ser um ensaio,um romance, um conto, uma
peça de teatro... que numtexto haja personagens e
outros argumentos é muitosecundário". Antes da
publicação há o escrever e aí
Pedro Eiras fragmenta-se. "0escritor escreve sem diálogo como leitor e reescritor é que ouveo leitor e vem depois. 0 escritortrabalha a grande velocidade e
o reescritor é lento. Se calharhá uma quarta personagem:aquele que não escreve mas que
sonha o escrito", observa. Nãohá momento ou hora ideal paraescrever. "Mais do que isso há
um ritmo. Dentro de um dia ouum momento encontrar o ritmocerto. E aí é incontrolável. São as
horas que decidem por nós. É o
tempo que nos obriga".0 acto da escrita é um
"despojamento", diz. Um
papel onde se perde tudo. "0escrever não assegura nada. 0escrever não é: pronto, terminei.
Aqui está um romance de 300páginas, ou mil... consegui. É
meu. Fui eu que fiz. Terminei,assinei. É muito mais do queisso. Ao fim destas páginas será
que respondi a alguma coisa,será que a minha pergunta se
renovou. Será que escrevi?
Será que ainda sou eu? Não se
conquista nada com a escrita.Nem um salário. Nem uma obra.
Nem um currículo. Não é uma
conquista". Por isso também,"escritor não é profissão".
E agora que falta fazer? "Tudo.Estou na estaca zero. Daí pensarem experimentador. Quemme dera ser capaz de compormúsica. Não só gostava de
esgotar e inventar os génerosliterários como gostava de sair
da própria literatura" Na lista
de alvos de estudo para novosensaios está Raul Brandão eSimone Weil. E a vida deles, o
que está para além dos livros
que escrevem interessa? "Não.Só o que escrevem". Então, o
que estamos a fazer aqui agora?"Não é uma vida. É um texto.
Quando digo algo sobre os
meus textos, projectos, livros e
desejos... posso estar a mentir. É
tão ficcional como uma frase deromance." •
• NomePedro Eiras• Idade32 anos• NaturalidadePorto• FamíliaCasado com duas filhas• Formação AcadémicaLicenciou-se em Línguase Literaturas Modernas,na Faculdade de Letras daUniversidade do Porto, em 1997.
Doutorou-se em Literatura
Portuguesa em 2004.É professor de Literatura
Portuguesa na Faculdade deLetras da UP e Investigador.
Cientistas estrangeirosque escolhem Portugalloisas de investigação cativam estrangeiros que admitem ficar definitivamente no país
Muitos investigadores estrangei-ros escolhem Portugal para traba-lhar, aproveitando o investimentoque o país está a fazer para recu-
perar do atraso nesta área.Alguns pensam já em ficar,
porque entretanto criaram laços.O italiano Andrea Zille veio
para Portugal há sete anos porrazões pessoais e porque, "emrelação à investigação, o paísoferece mais condições que aItália, com fundos mais bem di-reccionados", sendo "mais fácilentrar por mérito".
Zille, investigador do grupo de
Microbiologia Celular e Aplica-da do Instituto de Biologia Bio-médica do Instituto de BiologiaMolecular e Celular(INEB/IBMC), no Porto, está ca-sado com uma arquitecta portu-guesa que conheceu em Veneza,doutorou-se na Universidade doMinho e considera que o esforçoportuguês "ainda tem limites".
O dinamarquês Soren Prag, noInstituto de Medicina Molecular(IMM) desde o ano passado,destaca que, em Portugal, um in-vestigador "tem de ter um bomdesempenho ou, de outra forma,não consegue bolsas para finan-ciar a pesquisa".
Soren Prag veio para o IMMporque queria aprender sobreum sistema inovador de imagensdesenvolvido pelo portuguêsAntónio Jacinto, que lhe permi-te avançar no estudo do proces-so de metastização das célulascancerígenas, mas agora está "a Soren Prag diz-se curioso para conhecer melhor a cultura portuguesa
ter uma relação com uma portu-guesa e curioso para compreen-der melhor a sua cultura".
O investigador dinamarquêsconsidera positivos os progra-mas Ciência 2007 e 2008, o tra-balho das Fundações Gul-benkian e Champalimaud e o in-teresse do público em geral pelaciência.
Foi a possibilidade de desen-volver novas ideias que trouxehá sete anos para o INEB/IBMCa marroquina Meriem Lamgha-ri, investigadora em regeneraçãoóssea, que considera existirem"algumas oportunidades" paraestrangeiros em Portugal, mastambém "para portugueses quequeiram voltar". Meriem salien-ta que "é mais seguro ir para la-boratórios já estabelecidos, nosEUA, por exemplo", mas quePortugal representa um desafio
Atribuição de bolsas
de doutoramento da FCT
cresceu 77% entre
os anos de 2005 e 2007
para "avançar e desenvolveráreas de trabalho".
A atribuição de bolsas de dou-toramento pela Fundação para aCiência e Tecnologia cresceu77% (de 1.172 para 2.078) entre2005 e 2007 e a atribuição de bol-sas de pós-doutoramento au-mentou 41%, de 737 para 898. ¦
Encontrar doislugares juntosnum projectofoi uma sorte
Em Portugal há poucos meses,o austríaco Gunnar Mair aindaconhece pouco do país masdescobriu logo que é muito
difícil para um estrangeiro
compreender e lidar com a
burocracia portuguesa. Gunnar
Mair estuda a expressão gené-tica do parasita da malária
'Plasmodium berghei', com
contrato de cinco anos, naUnidade de Parasitologia Mole-cular do IMM, e com ele veio a
companheira, a francesa Celine
Carret, com uma bolsa pós-doutoral de três anos da
Fundação para a Ciência e
Tecnologia, para trabalhar naanálise da base de dados
gerada durante o estudo da
malária. "Não é frequente, naárea de ciência, quando os dois
parceiros trabalham no mesmoprojecto, encontrar dois lugares
para satisfazer os dois. Tive-
mos sorte", refere Carret.
Ciência. Investimento para recuperar atraso atrai "cérebros"
Cientistas estrangeirosescolhem PortugalAtribuição de bolsas dedoutoramento cresceu77% entre 2005 e 2007
Miritosinvestigadjres estrangeiros es-
tãoaescoflier Portugal para trabalhar,
aprorótandooinvestimentoqueoPaísestáafazer para recuperar do atraso
nesta área. Mas sãoacuriosidadeeas
relações pessoais que fazem alguns
pensar em ficar.
OitalianoAndreaZilleveioparaPortugal há sete anos. Considera que,"em relaçãoàinvesn'gação,opaís ofe-
rece mais condições que a Itália, com
fundos mais bem direccionados" sen-
do "mais fadl entrar por mérito".
ZiDe, investigador do grupo de Mi-
crobiologiaCelulare Aplicada do Ins-
tituto de Biologiaßiomédica do Insti-
tuto de Biologia Molecular e Celular,
no Porto, está casado com uma arqui-tecta portuguesa queconheceu em Ve-
neza, ejá fez o doutoramento na Uni-versidade do Minho.
No entanto, reconhece que come-
çarécomplicado."Os bolseiros que es-
tãoacomeçar agora vão encontrar os
problemas de insegurança que eu en-
contrei quando cheguei: passam anos
sem um trabalho fixoesem descontos
para a Segurança Social, porque de-
sempenham uma função que nâoére-
conheddacomoum trabalho, embora
defactooseja".O dinamarquês SorenPrag, no Ins-
tituto de Medicina Molecular desde o
ano passado, destaca que, em Portugal,
um investigador "tem de ter um bom
desempenho ou, de outra forma, não
consegue bolsas para financiarapes-
quisa".Agora está "ater uma relaçãocom uma portuguesae curioso paracompreender melhorasua cultura".
Hácercadedoismeses,oquímico
beJgaFouziMouffouk, especialista em
nanotecnologia, trocou Chicago, nos
Estados Unidos, pelo Centro de Bio-
medicina Molecular e Estrutural da
Universidade do Algarve.
"Era difícil imaginar-me a sair de
uma cidade grande como Chicago pa-ra uma pequena, masatransição cor-
reu mesmo muito bem, para mim e
para a minha família", diz.
A atribuição de bolsas de doutora-
mento pela Fundação para a Ciência
eTecnoJogia cresceu 77%(de1172pa-
ra2078) entre 2OOse2OO7eaatríbui-
ção de bolsas de pós-doutoramentoaumentou 41%, de 737 para 898 nomesmo período.i LUSA
O dinamarquês Soren Pragd mudou-se para Portugal há um ano
Viver num condomínio privadomuda os comportamentos políticos?Porque a segregação promove a intolerância, sociólogo do Instituto de Ciências Sociais diz queautarcas têm que começar a pensar nas consequências políticas dos condomínios fechadosNatália Faria
• Um indivíduo que mora num con-domínio privado tem práticas departicipação política diferentes dealguém que vive num aglomeradosocial? E os autarcas podem, atravésda organização do espaço urbano,influenciar o comportamento polí-tico dos cidadãos? O sociólogo Fili-
pe Carreira da Silva, do Instituto deCiências Sociais da Universidade deLisboa, acredita que sim. E por issolidera uma equipa de investigadoresque está a estudar a influência da me-trópole na participação política, numprojecto intitulado Cidade e Cidada-nia em Portugal.
"Nós sabemos que o rendimento,o sexo e a religião têm importânciano comportamento político dos ci-dadãos, essas são as variáveis clás-sicas para perceber como votam as
pessoas. O que estamos a fazer, pelaprimeira vez em Portugal, é estudarde que modo é que a variável espaço,o local de residência ou de trabalhodas pessoas, tem influência sobre is-
so", adiantou Carreira Dias0 sociólogo acrescenta que "o facto
de se viver numa cidade promove a
cidadania, não em termos de afluên-cia às urnas, mas enquanto conjuntode direitos reclamados por via de ma-nifestações, comícios, participaçãoem fóruns e em sindicatos".
Os investigadores propõem-se,através desta análise da influência do
espaço cidade na participação políti-ca dos cidadãos, fornecer pistas sobrecomo deve ser feita a governação deuma cidade, nomeadamente ao ní-vel do planeamento urbano. "Não é à
toa que muitos colegas desta área deinvestigação nos Estados Unidos tra-balham como consultores do poderlocal", lembra Carreira Dias.
Segmentação do territórioO projecto - financiado pela Funda-ção para a Ciência e Tecnologia e comconclusão aprazada para 2010 - incidesobre os 18 concelhos da Área Metro-politana de Lisboa. E, no caso de Cas-
cais, os investigadores vão compararos valores políticos dos residentes emcondomínios fechados por oposiçãoaos habitantes dos bairros sociais.
"Em Cascais existem mais de 50condomínios privados, e os autarcastêm que começar a, quando aprovama construção de mais um desses con-domínios, ter consciência das conse-quências políticas que daí advêm".
E que consequências são essas?"Cria-se um problema de segmenta-ção do território, em que as pessoastendem a agrupar-se com outras quepensam da mesma maneira. Essa au-sência de confronto com os outros, afalta de exposição a opiniões diversas,torna-as menos democráticas e tole-rantes", responde Carreira Dias.
Em Portugal, essa realidade nãoestá estudada. Mas lá fora, sim. "Há
estudos nos EUA e no Brasil que in-dicam que é essa a realidade, numatendência que é contrária à ideia decidadania, à luz da qual todos os ci-dadãos são iguais perante a lei". O
investigador não hesita ainda em afir-mar que "ao permitir que as pessoasse enclausurem por detrás de muros,numa tendência muitas vezes motiva-da por um sentimento de inseguran-ça desproporcional à criminalidade,os autarcas estão a criar obstáculos à
partilha da cidadania".Apontando o exemplo de S. Paulo,
onde a segregação económica é mui-to mais marcada, o investigador doICS recorda que naquela cidade bra-sileira "há uma geração inteira quenunca conviveu com a pobreza e como diferente: crianças que nascem emcondomínios a que só têm acesso pes-soas do mesmo extracto social e quenão saem dali porque ali tudo existe:desde a igreja ao centro comercial,passando pelos empregos".
Aliás, "esses paulistanos pagam aocondomínio mais do que pagam ao
Estado brasileiro em impostos", nota,para concluir que o desafio que secoloca hoje aos autarcas portugue-ses é precisamente perceber que"não é de todo indiferente permitir--se a construção de um condomínioou de um bairro social do ponto devista do comportamento político doscidadãos".
Viver num condomínio fechado pode ser um factor de isolamento
Novas OportunidadesNunca é tardepara voltar à escolaPode ser "um trampolim", pode funcionar como incentivo. O programa Novas Oportunidadesdá uma segunda possibilidade a quem, pelas mais diversas razões, deixou de estudardemasiado cedo. Três adultos contam como resolveram aproveitá-la. "Nunca se sabe tudo",lembra uma recém-diplomada. Por Isabel Leiria• Num país onde só um quintoda população adulta completouo ensino secundário e doismilhões e meio de trabalhadoresnem sequer têm o 9.° ano deescolaridade, a adesão em massaao programa Novas Oportunidadesnão surpreende. Só em 2007, anoem que foi alargado ao secundárioo sistema de reconhecimento e
validação de competências, 143 mil
pessoas inscreveram-se para obteruma certificação equivalente ao12.° ano. Os primeiros diplomados"saíram" este ano. Todos eles
provaram, através da redacção deum portfólio e perante um júri,que aprenderam ao longo da vidapessoal e profissional o que nãoaprenderam nos bancos da escola.Tendo como base um conjunto de
competências-chave pré-definidas.O Governo espera atribuir 650 mildiplomas equivalentes ao ensinobásico e secundário até 2010.
Não quero acabarcomo um velhoinsignificanteAntónio Silva40 anosAos 13 anos, António Silva estavadecidido a deixar de estudar."Aborrecido" com a escola, queria"ganhar dinheiro". E até tinha o
apoio do pai, que o incentivou a"entrar no mercado de trabalho."
"A indústria automóvel era o querendia mais na altura", recordaeste operário fabril de Albergaria-a-Velha.
Os professores de Matemática e
Português ainda tentaram dissuadi-lo, disseram-lhe que era uma"pena" abandonar os estudos, jáque capacidades não lhe faltavam.Se o apelo não foi seguido, as
palavras dos dois professoresnunca saíram da cabeça de AntónioSilva. Hoje, aos 40 anos, dá-lhesrazão e diz que deixar de estudarfoi uma decisão "erradíssima".
Aos 17, viu-se desempregado e"muito desalentado" com a vida.Tirou um curso profissional deprensador, regressou a Albergaria,depois de mais um trabalho malremunerado no Porto, e entrou
para a empresa de lacticíniosLactogal, primeiro no armazéma gerir stocks, depois a operarmáquinas de embalamento.
Os três turnos que tinha defazer - um dos quais entre as noveda noite e as cinco da manhã -,dificultavam o regresso sempreadiado aos estudos. Até que surgiua oportunidade. "Queria evoluire aproveitei a altura em que só
havia dois turnos na fábrica.Estava a sentir que havia espaçopara melhorar a minha vidaprofissional."
Vinte e cinco anos após terdeixado a escola com o 6.° ano,António Silva inscreveu-se no
Centro Novas Oportunidades (CNO)de Antuã, decidido a retomar asua formação e a não desistir. Meiadúzia de meses depois concluiu o
processo de reconhecimento decompetências adquiridas ao longoda vida e recebeu o diploma deequivalência ao 9.° ano.
"Vinha ao centro quase todos osdias. Ao fim-de-semana passava ostrabalhos todos para o computador.Estava muito empenhado em tero 9.° ano e por isso completei o
processo tão rapidamente."Um dos dias mais felizesE se em 2006 já se falava napossibilidade de alargar o processode reconhecimento, validaçãoe certificação de competênciasde adultos ao nível secundário,António Silva só teve de esperarmais um ano. Continuava a sonharcom outro tipo de trabalho, queria"evoluir" e passar para a área de"controlo" que é o que mais gostade fazer.
O processo voltou a corrertão bem que António foi mesmoo primeiro do CNO de Antuãa conseguir o diploma do 12.°ano por esta via, com direito acerimónia pública e à presençado presidente da câmara. "Foi umdos dias mais felizes que tive. Commuito trabalho, esforço e empenhoconsegui ter um bom processo,um bom aproveitamento. E fiqueifelicíssimo por ser o número 1."
O reconhecimento de tudo
o que aprendeu ao longo de
quase 30 anos de experiênciaprofissional e ainda os trabalhos
que foi desenvolvendo ao longo do
processo - "fiz uma investigaçãosobre o Protocolo de Quioto,calculei as minhas emissões de CO2e o que podia fazer para diminuir",exemplifica - fizeram com queconseguisse o ambicionadodiploma em oito meses.
Com o 12.° ano concluído, sãovárias as portas que se abrem a
António. Graças às suas novashabilitações, pôde concorrer a umanova função na fábrica de queijosque a empresa onde trabalha vaiabrir em Oliveira de Azeméis. "O12.° ano é apenas uma ferramenta
para a minha evolução profissional.Mas é também um trampolim paraque possa ter formações de outronível, em que se exigem outrashabilitações. Gosto de não estar afazer sempre a mesma coisa, de pôrà prova a minha criatividade."
Além disso, António semprepensou que não queria "acabarcomo um velho insignificante,com um ordenado insignificante"e a queixar-se da vida. E a históriapode não ficar por aqui. "O ensino
superior não está posto de parte.Por agora não é compatível com oshorários da empresa, que voltoua trabalhar em três turnos. Masé só uma questão de tempo e
oportunidade."Só no CNO de Antuã estão
actualmente em processo dereconhecimento para o ensinosecundário mais de 600 adultos e
quase duas centenas estão inscritosou em fase de diagnóstico.
Aproveitei a
oportunidade quenão tive antesCremilde Cerqueiro54 anosCom o diploma na mão e o
portfólio de quase 400 páginaspousado sobre a mesa e quevai folheando orgulhosamente,Cremilde Cerqueiro começa porconfessar o quanto esta sala daEscola Secundária Gil Vicente(Lisboa) lhe diz. "Foi aqui quecomecei o meu processo [dereconhecimento, validação e
certificação de competências], comas aulas de computador."
Na verdade, Cremilde, nascidaem Gomes Aires, concelho de
Almodôvar, sempre se sentiu bemna escola. Gostava de ler e de saberos rios, os afluentes e as serras. Se
os estudos foram interrompidosao fim de apenas quatro anosnão foi por vontade própria. "Omeu pai disse-me que eu não
podia continuar a estudar, pordificuldades económicas. Hoje, à
distância, acho que foi uma meradesculpa. Ele não queria que umamenina de 11 anos fosse para aescola em Beja", recorda.
Tal como muitas outras raparigasda sua idade que viviam no campo,também Cremilde estava destinadaa ajudar na agricultura, a tratarde galinhas, porcos e ovelhas e acriar os irmãos. "Ceifei, mondei,apanhei azeitonas e bolotas. No
campo, o trabalho nunca pára. Nãose pode dizer aos animais: 'Tomalá 500 escudos e vai ao restaurantealmoçar'."
Aprender coisas novasApesar da "mágoa" de não terpodido continuar a estudar,confessa que eram tempos"engraçados, muito saudáveis",rodeados de "natureza e ar puro".
Durante anos continuou atrabalhar no campo, mas, aos 18,Cremilde conseguiu continuar aestudar um bocadinho mais. Dessa
vez acabou o ciclo preparatório."Aprendia-se em casa e, em Março,propunhamo-nos a exame. Comoas explicações eram muito caras -custavam 300 escudos - eu pagavacom limpezas ao fim-de-semana emcasa de um dos explicadores, queera primo do meu pai."
Pouco tempo depois, Cremildevem para Lisboa. Teve vários
empregos, que foi sempreconciliando com mais cursos:estudou francês, dactilografia,contabilidade, estenografia. Em1983 entrou como recepcionistapara a Maconde (empresa deconfecções), onde ficou "23 anose 10 meses". Até ao dia em que a
empresa foi comprada e não quis"pessoas com mais de 40 anos",diz. Cremilde tinha então 52.
Passou por "dois mesescomplicados", depois "arregaçouas mangas". "Quero aprendercoisas novas e, sobretudo, querocontinuar a trabalhar. Considero-me muito nova para não fazernada. É assim que me sinto. Masno mercado de trabalho sou umavelha. A experiência não conta paranada." Até agora, só conseguiuuma requisição, já terminada,
para a Junta de Freguesia de Santa
Engrácia, onde trabalhou nas áreasde reabilitação urbana e apoiosocial a crianças e idosos.
No programa Novas
Oportunidades, que viu anunciadona televisão, inscreveu-se pelo"gosto" que sempre teve emestudar e aprender, mais do quepor acreditar que vai conseguirum emprego. Afinal, a única"discriminação" que sentiu nas
respostas a anúncios de trabalho foi
por causa da idade e nunca pelashabilitações.
"Profissionalmente não creio
que me vá ajudar. Com 54 anos,não é por ter agora o 12.° que vaimudar. Simplesmente aproveitei a
oportunidade que me deram agorae que não tive antes."
Fez o processo equivalente ao9.° no ano passado e, por ter "um
percurso de vida e capacidadesque o permitiam", explica Maria
Callapez, técnica profissionalno centro Novas Oportunidadesda Escola Gil Vicente, seguiupara o reconhecimento de nívelsecundário. Começou em Abrildeste ano, concluiu em Julho."Considero uma vitória e umagrande alegria", diz Cremilde,rejeitando as críticas sobre umalegado "facilitismo" do processo.
"Muitas pessoas dizem: 'Sabestrabalhar com um tractor? Vais lá[ao CNO] e dão-te o certificado'.Não é assim. É um processo muitotrabalhoso, para o formando e
para o formador. Sei que nalgunssítios não são exigentes. Aqui são",garante quem nunca tinha feito"tantas directas" na vida comodurante este processo. "Não vimossó validar competências, tambémaprendemos", reforça.
Escreveu muito ("hoje em dia jánão se escreve uma carta, telefona-se"), aprendeu noções básicasde inglês a passou a dominar ainformática. Hoje, é com todaa facilidade que prepara umaapresentação empowerpoint. Ecomo "nunca se sabe tudo", os
projectos futuros passam porentrar num curso superior dePsicologia ou Direito.
0 que estudeidava para terfeito dois cursos
superiores
António Vassalo Abreu
58 anos
António Vassalo Abreu, presidenteda Câmara Municipal de Pontede Barca, garante que nunca tevequalquer espécie de complexo por,até há uns meses, não ter mais do
que o 9.° ano como habilitaçãoe ser o único não licenciado doexecutivo autárquico.
Num país que tanta importânciadá aos "títulos", assegura que é o
primeiro a dizer que não é "doutornem engenheiro" a quem o trataassim. "Então estás a expor-te a
uma coisa destas?", chegaram a
perguntar-lhe quando anunciou
que ia regressar à escola.Com uma carreira completa
na Direcção-Geral dos Impostos,Vassalo Abreu explica que não temnada a provar. "Digo isto sem falsasmodéstias. Sei que não sou doutornem engenheiro, mas tenho umpercurso de vida cheio. Fui chefede finanças em Braga, participei no
grupo de trabalho que reformouo imposto sobre o rendimento,tenho o curso de formação deformadores e fui eleito presidente
Quem recebeu os
diplomas provou,perante um júri, queaprendeu ao longoda vida - pessoal e
profissional - o que
não pôde aprendernos bancos da escolada câmara porque o povo votouem mim e entendeu que eu tinhacompetência."
Por isso, afirma que não foi emseu proveito que se inscreveunum Centro Novas Oportunidadesem Caminha, mas antes paradar o exemplo. "Foi um bocado
por incentivo aos própriostrabalhadores da câmara. Andei
por lá quase um ano. Ia todasas semanas. Às vezes, em casa,quando dava por mim eram três damanhã e ainda estava agarrado aocomputador", recorda o autarca.
Em Março recebeu o diplomade 12.° ano das mãos da ministrada Educação, Maria de LurdesRodrigues e a sua história foicontada nas páginas dos jornais.Não imaginava que o seu caso setornasse tão "mediático", masacabou por cumprir o objectivoprincipal. Hoje, são mais de 20 osfuncionários da autarquia inscritosno programa Novas Oportunidades,revela.
"São cerca de 10 por centodos trabalhadores. Isto é
excelente, porque vai melhorar as
capacidades deles e a prestação de
serviços da câmara." A verdade,continua, é que "existem técnicosaltamente qualificados, nas maisvariadas profissões, e que são
preteridos no acesso às carreiras
por não terem o diploma. Isto são
mesmo novas oportunidades",sustenta o autarca socialista.Ir para a universidadeNo seu caso, os estudos foraminterrompidos depois de concluiro curso geral de comércio(equivalente ao 9.° ano). "Eu erao mais velho de cinco irmãos. E
quando a minha irmã teve de irpara o colégio eu tive de deixar deestudar. O dinheiro não chegavapara todos. Naquela altura, o cursogeral de comércio era uma portaaberta para tudo."
Concorreu à Direcção-Geral dos
Impostos, entrou para os quadrose não foi a falta de habilitaçõesque o impediu de progredirsem parar, até chegar a peritotributário de l. a classe. Garante
que o que estudou para subirna carreira "dava para ter feitodois cursos superiores". Quandotinha alguma dúvida e falava como irmão, professor de Direito naUniversidade de Coimbra, erade igual para igual que trocavamideias sobre direito das obrigaçõesou justiça fiscal.
Quanto ao futuro, Vassalo Abreupode não saber se quantos anosmais vai durar a sua "comissãode serviço" na política. Mas tema certeza que, mais cedo oumais tarde, vai estudar para auniversidade.