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NATIVIZAÇÃO E MANUTENÇÃO DE ACENTO OXÍTONO EM PORTUGUÊS* GABRIEL ANTUNES DE ARAUJO** ANA LÍVIA DOS SANTOS AGOSTINHO*** Recebido em 20 de setembro de 2009 Aceito em 18 de outubro de 2009 * Este texto é um resultado parcial do projeto de pesquisa 2006/03038-5 financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. ** Professor do Programa de Pós-Graduação em Filologia e Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected] *** Pós-graduanda em Filologia e Língua Portuguesa na Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected] RESUMO O objetivo deste artigo é investigar se houve manutenção de acento oxítono na nativização de palavras de origem estrangeira, baseando-se em um corpus formado por 10.494 palavras com acento final (ou oxítonas) no português. Mostraremos que há uma tendência em manter o acento da língua-fonte. As línguas-fontes investigadas nesta pesquisa são o latim, o ‘tupi’, o francês, o árabe, o iorubá, o inglês, o espanhol, o grego e o cancani. Também discutiremos a qualidade do elemento final da oxítona (se vogal, glide ou consoante) e o século de entrada no português. PALAVRAS-CHAVE: acento final, português, fonologia. INTRODUÇÃO Este trabalho é um desdobramento da nossa pesquisa (AGOSTI- NHO e ARAUJO, 2007) cujos objetivos eram os seguintes: (i) determinar a origem das palavras oxítonas e verificar a porcentagem de termos latinos e de outras línguas em geral, como africanismos e indigenismos; (ii) investigar a data de entrada na língua e, caso a origem da oxítona seja estrangeira, estabelecer uma relação entre entrada na língua e pro- dutividade e (iii) descrever a qualidade do elemento final da oxítona e verificar se isso representava algum papel na atribuição do acento final. Neste artigo examinaremos os padrões específicos das oxítonas, levando em conta os elementos finais comparados com o elemento fi- nal na língua de origem. Investigaremos também se houve manutenção

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Nativização e maNuteNção de aceNto oxítoNo em Português*gabriel aNtuNes de araujo**aNa lívia dos saNtos agostiNho***

Recebido em 20 de setembro de 2009Aceito em 18 de outubro de 2009

* Este texto é um resultado parcial do projeto de pesquisa 2006/03038-5 financiado pelaFundaçãodeAmparoàPesquisadoEstadodeSãoPaulo.

** ProfessordoProgramadePós-GraduaçãoemFilologiaeLínguaPortuguesadaUniversidadedeSãoPaulo.

E-mail:[email protected]***Pós-graduandaemFilologiaeLínguaPortuguesanaUniversidadedeSãoPaulo. E-mail:[email protected]

resumo

Oobjetivodesteartigoéinvestigarsehouvemanutençãodeacentooxítononanativizaçãodepalavrasdeorigemestrangeira,baseando-seemumcorpus formado por 10.494 palavras com acento final (ou oxítonas) no português.Mostraremosqueháumatendênciaemmanteroacentodalíngua-fonte.Aslínguas-fontes investigadasnestapesquisasãoo latim,o‘tupi’,o francês,oárabe,oiorubá,oinglês,oespanhol,ogregoeocancani.Tambémdiscutiremosaqualidadedoelementofinaldaoxítona(sevogal,glideouconsoante)eoséculodeentradanoportuguês.

Palavras-chave:acentofinal,português,fonologia.

iNtrodução

Este trabalhoéumdesdobramentodanossapesquisa (agosti-Nho e araujo,2007)cujosobjetivoseramosseguintes:(i)determinara origem das palavras oxítonas e verificar a porcentagem de termoslatinosedeoutraslínguasemgeral,comoafricanismoseindigenismos;(ii)investigaradatadeentradanalínguae,casoaorigemdaoxítonasejaestrangeira,estabelecerumarelaçãoentreentradanalínguaepro-dutividadee(iii)descreveraqualidadedoelementofinaldaoxítonaeverificarseissorepresentavaalgumpapelnaatribuiçãodoacentofinal.

Nesteartigoexaminaremosospadrõesespecíficosdasoxítonas,levandoemcontaoselementosfinaiscomparadoscomoelementofi-nalnalínguadeorigem.Investigaremostambémsehouvemanutenção

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de acento,ouseja,seumapalavraoxítonanoportuguêscorrespondeaumapalavraoxítonanalínguadeorigemousealterouopadrãodeacento.Estainvestigaçãolimitar-se-áanovelínguas,asaber,olatim,o‘tupi’,1ofrancês,oárabe,oiorubá,oinglês,espanhol,ogregoeoconcani,poisessaslínguas-fontescontribuíramcomomaiornúmerodepalavrasoxítonasnoportuguês.

1 oxítoNas No Português

Amotivação para este nosso trabalho surgiu a partir de umapassagemdeum trabalho inéditodeSandalo (1999,p. 1), noqual aautora sugereque“ograndenúmerodeoxítonas [noportuguês]nãosepodeexplicarcomosendocasosdeempréstimosemsuamaioria”.Noentanto,comodemonstradoemnossapesquisade2007,cercade80%daspalavrasnominaisoxítonasdoportuguêssãoempréstimose,portanto,contradizemahipótesedeSandalo.Otermoempréstimo,comodefinidoem(1),éatribuídoaumapalavraintroduzidanalíngua-alvo(L1)porfalantesnativosquetêmacessoàlíngua-fonte(emprestadora ouL2) na sua forma oral ou escrita.A nativização ou adaptação dapalavra de origem estrangeira é regida por padrões linguísticos dalínguareceptora(adaptadodeParadis aNd label,1994).

(1)‘Empréstimo’:umapalavrasimplesoucomposta(ouumasen-tença)oriundadeumalíngua‘emprestadora’(L2),incorporadaaodiscursodalínguareceptora(L1).

O corpus consolidado formado por todas as palavras comacento lexical final noDicionário Houaiss (houaiss e villar 2001)empregadoemnossapesquisade2007seráomesmoutilizadonestetrabalho.Emborasaibamosdaexistênciadepalavrasoxítonasquenãoestão dicionarizadas e, aomesmo tempo, de palavras dicionarizadasdeorigemliteráriaoudenomenclatura técnico-científica,e,por isso,deusoraro,preferimosmanterocorpusdicionarizadoporsetratardeumconjuntoconsistentededadosepelofatodeoDicionário Houaiss (dh) ser amplamente acessível. Pormais raras ou excepcionais quesejam,aspalavrasdodicionáriopertencemaumdeterminadoregistroda linguagem e são válidas para o nosso propósito que consiste em

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analisaraocorrênciadaspalavrascomacentofinalnoportuguês.Dadaanaturezadestetrabalho,ainformaçãoetimológicado dh tambémnoséfundamental.

Com o auxílio da ferramenta computacionalMatLab, que nosproporcionouoacessoàlistadepalavrasoriginaldoprogramado dh,foi possível elaborar uma lista com todas as palavras oxítonas commaisdeduassílabasdo dh,aqualdenominamoslistaexpandida.Essalista expandida contém 37.591 palavras, incluindo todas as entradasmúltiplascontidasno dh.Apartirdessalista,aclassificaçãodosverbe-tesesuaposteriorseparaçãoforamefetuadasmanualmente.Nocorpus,consideramosanaturezadasílabafinal(istoé,seterminadaemvogal,consoanteouglide),aqualidadedasvogaisedasconsoantesfinais.Apartir da lista, as oxítonas foram transcritas foneticamente, levando-seemcontaodialetopaulistanoeforamclassificadasas línguasquederamorigemaotermooxítonoportuguês,nocasodosempréstimos.

A partir da lista expandida, construímos a lista-base. Para aformação da lista-base, foram retirados da lista expandida todosos verbos, pois são todos oxítonos no dh, por aparecerem em suaforma infinitiva; todas as palavras ‘transparentes’ formadas a partirdecomposiçãoouderivaçãodealgum termoexistentenoportuguês,oxítonas que ortograficamente possuem hífen (como, por exemplo,saci-pererê, umavezqueo hífen acarretaria na repetiçãodapalavraoxítona, pois pererê já está listado como oxítona) e as pseudo-oxítonasouoxítonasortográficas,como,porexemplo,farad,realizadafoneticamente como [fa.a.d], portanto foneticamente paroxítona.Todasaspalavrasoxítonasquenãoapresentavametimologiadescritano dhforamtambémmantidasnalista-base,poisnãohácomodefinirseapalavraéresultadodederivaçãooucomposiçãosemconhecersuaetimologia.Apalavraaragonês,porexemplo,éprovenientedapalavraem espanhol aragonés, na qual é possível identificar a presença dosufixoderivacionalparagentílicos,porémapalavraaragãonãoexisteno dhcomoformasimples.

No nosso estudo de 2007 apresentamos análises estatísticas apartir do corpusformadopelalista-base,oelementofinaldasoxítonasno português, o século de entrada da palavra, a frequência web euma catalogação das línguas de origem.Os resultados da análise daetimologiadaspalavrasoxítonas,destacandoaorigemetimológica,o

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númeroabsolutodeentradaseovalorrelativodasquinzelínguas2 mais representativasnocorpuspodeseresquematizadodaseguinteforma:

tabela 1 - líNguas mais rePreseNtativas da lista-base

origemNúmero absoluto

de Palavras oxítoNas No dhPorceNtagem em relação

ao total de 10.494 Palavras

latim 1.774 16,9%

‘tupi’ 1.558 14,9%

francês 583 5,6%

árabe,iorubá 207 2,0%

português3 190 2,0%

inglês 188 1,8%

‘origemindígena’4 157 1,5%

espanhol 140 1,3%

grego 87 0,8%

concani 78 0,7%

‘africanismo’5 74 0,7%

quimbundo 70 0,7%

italiano 65 0,6%

malaio 58 0,6%

Apartirdaanálisedoelementofinaldasoxítonas,verificamosqueasvogaisaparecemem50%dasoxítonas,ouseja,5.273palavras.Asvogaisnasalizadas,comoelementofinal,aparecemem12%dosdados,ouseja,1.225palavras.Analisandoasvogaisdemaneiramaisdetalhada,pudemos verificar que as vogais que ocorrem commaior frequência(como elemento final nas oxítonas) são o [i] em 25% dos casos, ou1.273 palavras; [a] com24%, ou 1.255 palavras, e [u] com22%, ou1.162palavras,enquantoasvogais[]com11%,ou596palavras,[]com8%,ou445palavras,e[e]com7%,ou368palavras,sãoasmenosfrequentes.A vogal média-baixa [o], com apenas 175 ocorrências, éamenos frequentede todasasvogais. Jáosglides [w] e [j] aparecem

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em26%easconsoantesem12%daspalavras,quantidadeigualàdasvogaisnasalizadas.Asconsoantes[m],[l]e[z]foramdesconsideradas,pois,emtodososcasos,nãoocorremcomoelementosfonéticosdacodaquandoapalavraépronunciadaisoladamente,apesardesemanifestaremna ortografia do português. No caso de [m], foneticamente tem-se anasalizaçãodavogal e o desaparecimentoda consoante; no segundo,aconsoanteépronunciadacomooglide[w]e,noterceiro,aconsoante[z] é pronunciada como a consoante [s] isoladamente. Desse modo,consideramos somente as consoantes /R/ e [s].Verificamosqueo /R/apareceem71%dosdados,sendomaisfrequentedoqueaconsoante[s],queapareceem29%doscasos.Oglide[w],ortograficamente<l>ou<u>,apareceem97%dasoxítonasterminadasemglides,ouseja,em2.597ocorrências,enquantoo[j]emapenas3%dosdados,ou86ocorrências.Asvogaisnasalizadas[ĩ]e[ã]sãoasqueaparecememmaiorquantidadenos dados quando se trata de palavras oxítonas terminadas emvogalnasalizada,com38%e31%,respectivamente.Avogal[ũ]aparececom13%,avogal[ẽ]com10%e,finalmente,[õ]com8%.

ATabela2mostraaquantidadedepalavrascomcadaelementofinalnalista-baseeonúmerodepalavrascomesseselementosfinaisemcadaumadasnovelínguascujosempréstimosmaisresultaramempalavrasoxítonasnoportuguês.Atabelatambémrealçaostrêselementosfinaismaiscomunsemcadaumadasnovelínguas.Alémdisso,destacaa ausência de palavras terminadas em um dado fonema,6 como, porexemplo, não há nenhuma das palavras do árabe terminadas em /õ/,pois esta vogal não existe nesta língua.Ao mesmo tempo, tambémnãohánenhumapalavraterminadaem/u/naspalavrasoxítonascujaorigemetimológicasejaárabe,emborahajaestefonemanestalíngua,oquemostraqueoestudodafonologiadecadalínguaéimportanteparaoestudodasoxítonas.

tabela 2 - elemeNtos fiNais

lista-base

LT7 TP FR ARB IRB ING ESP GRG

total 10.494 1.774 1.446 580 207 206 187 140 87

[w] 2.597 965 24 205 56 0 96 83 61

[i] 1.273 16 329 26 20 11 12 9 2

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[a] 1.255 11 356 16 19 43 1 2 0

[u] 1.162 6 378 17 0 14 6 1 0

/R/ 928 571 7 58 30 0 26 8 14

[] 596 8 122 25 7 33 0 0 2

[ĩ] 468 13 57 27 21 3 10 16 0

[] 444 15 42 15 1 9 0 0 0

[ã] 385 21 61 17 8 15 8 2 1

[s] 385 127 4 45 32 1 7 16 4

[e] 368 2 35 70 2 34 2 0 0

[o] 175 1 1 33 1 26 0 0 0

[ũ] 154 10 13 2 3 15 7 0 0

[ẽ] 117 5 13 2 7 2 1 2 0

[õ] 101 1 2 20 0 0 10 1 2

[j] 86 2 2 2 0 0 1 0 1

Apartirdaanálisedoséculodeentradadasoxítonasnoportuguês,verificamosquedas6.019oxítonascomdatação(57%dototal),2.123foram registradasno séculoxIx, ou seja, 35,3%;1.129 entraramnoséculo xx,ou seja,18,8%.Emboramaisdeumacentenade línguastenhacontribuídocompalavrasoxítonasnoportuguês,ogrupomaisexpressivoéformadoporseislínguas.Opicodeentradadeseis(latim,‘tupi’,francês,grego,concanieespanhol)dasnovelínguasanalisadasque mais ‘emprestaram’ palavras ao português também ocorreu noséculo xIx.

Constatamos também que a frequência relativa das oxítonasé praticamente a mesma das paroxítonas e também praticamente amesma de um corpus de 150mil palavras que incluimonossílabos,oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas (araujo et al., 2008). Das10.494oxítonasda lista-base,51,9%sãocomunsou frequentes.Tãocomunsoufrequentescomo47,3%docorpusde94.297paroxítonasdeAraujoetal.(2008).OmesmoocorrecomocorpusgeraldeAraujoetal.(2008):das150.875palavras,46,3%sãocomunsoufrequentes,ou

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seja,partindo-sedequalquerumdoscorpora,sendoesteformadoporoxítonas,porparoxítonasoupelasduascategorias,aporcentagemdepalavrascomunsoufrequentesérelativamenteamesma.

Além disso, determinamos a origem das palavras oxítonas everificamos sua porcentagem em relação às línguas emprestadoras.MesmoqueSandalo(1999)sugiranãoserpossívelexplicarograndenúmerodeoxítonascomoempréstimos,Agostinho(2008)demonstrouquecercade80%dasoxítonasdoportuguêssãoempréstimos,prove-nientesdemaisdeumacentenadelínguas,76dasquaisemprestaramaoportuguêsquatropalavrasoumenos;dessas76línguas,48aparecemcomsomenteumitemlexicaloxítono.Poroutrolado,olatim,o‘tupi’,ofrancês,oárabe,oiorubá,oinglês,oespanholdestacam-secommaisde100ocorrências.

A presença da língua portuguesa na lista-base se justifica porse tratar de palavras oxítonas cuja origem não pode ser associadaaos processosmorfológicos do português, embora também não hajaevidênciasdese tratardeumapalavraestrangeiraouprovenientedolatim por via da evolução.De um total de 10.491 palavras da lista-base,81%(cercade8.500palavras)têmsuaorigemforadoportuguêse do latim.Contudo, a origem latina direta corresponde a 16,7%detodas as oxítonas. O grande grupo formado pelas línguas latinas daEuropaaparececomofontede46%dototaldasoxítonas.8AslínguasdasAméricasaparecemcom29%dototal;asdaÁfricaeasdoOriente(Próximo e Médio) comparecem com igual quantidade – 9% cadagrupo. As oxítonas cuja origem pode ser remontada às línguas doExtremoOriente,àslínguasgermânicaseàsoutraslínguasdaEuropaperfazemototalde7%dosdados.9Há,ainda,outraslínguasdedifícilclassificação10queforamdescartadas,jáquesãopoucorelevantes,umavezquesomamapenas5ocorrências,menosde1%dosdados.

Cadaumdosgrandesgrupospode ser analisadoemseparado.Ogrupoafricano,porexemplo, representa9%do total,ou seja,522palavras: iorubá – 207 palavras, ou 40%; quimbundo – 70 palavras,ou13%;banta–34palavras,ou7%;crioulo–36palavras,ou7%;quicongo–31palavras,ou6%; jejê–18palavrasou3%;umbundo–10palavras,ou2%;outraslínguas11–10palavras;‘africanismos’–74palavras,ou14%,edeorigemafricana–24palavras,ou5%.

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Noquedizrespeitoàorigemamericanadasoxítonas,a língua‘tupi’aparececomoamaiorinfluenciadora,com1.558ocorrências.Umtotalde16palavras,ou1%,édescritocomodeorigemguarani.Palavrasdeorigemindígenaindeterminadaaparecemem12%dosdados,sendo,segundoo dh,157palavras,ou9%,asomatóriade‘origemindígena’,‘indigenismo’–24palavras,ou1%;e‘outraslínguasindígenas’–27palavras,ou2%.Essedadoérelevante,poismostraquemaisde10%das palavras atribuídas ao grupo americano são de origem indígena,embora sua filiação linguística seja desconhecida, e que todas asoutraslínguasindígenasamericanascontribuíramcomsomente2%dototal do grupo.Graças ao avanço nos estudos das línguas indígenasbrasileiras nos últimos trinta anos, esse problemapoderia estarmaispertodesersolucionado,poissecolocacomoumaquestãocentralparaos especialistas nas línguas indígenas brasileiras: qual a extensãodainfluênciavocabular indígenanoportuguês, excluindo-seaspalavrasdeorigem‘tupi’?Muitasdessasdescobertascientíficassobreaslínguasindígenasamericanas,porémnãoforamincorporadaspelosdicionários.12 Grandepartedaspalavrasdo‘tupi’serefereànomenclaturadefaunae flora.Observemos alguns exemplos, retirados do dh:13 abati: tupi {awa’ti} ‘milho, arroz, trigo’;acari: tupi {gwaka’ri} ‘peixe da fam.dosloricariídeos,tb.conhecidocomocascudo’;cacundê: tupi{ka’a}‘folha,mato, erva’+{ku’ndawa} ‘retorcido’; imburi: tupi{mbu’ri}‘espéciedepalmeira’.

Olatimeaslínguasneolatinasformamumgrupoinfluente.14 O latimapareceem1.774ocorrências,ou63%dosdadosdogrupodaslínguaslatinas.Com21%vemofrancês,com583palavras;oespanholcom140palavras,eoitalianocom65.Ogrupodelínguasgermânicascontribuiucom215palavras,sendoqueoinglêsapareceem188palavras,istoé,88%dototaldogrupo.Odinamarquês(1palavra),ogermânico(3),ogótico(3)eoalemão(20)sãoasoutraslínguasdogrupo.OutraslínguasdaEuropativeramumainfluênciamenosmarcante,excetuando-seogregocom87palavras.Asoutraslínguasdogruposãoohúngaro(1),obasco(2),orusso(7)eoturco(10).

AslínguasdogrupodoExtremoOriente(obirmanês,ochinês,ojaponês,omongoleovietnamita)aparecemcommenosde80pala-vras,comdestaqueparaochinêscom37palavraseojaponêscom36.Aspalavrasdojaponêsseassociam,emsuatotalidade,àprópriacultu-

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rajaponesa,incluindoculinária,artes,lutas,entreoutros.Observemosalgunsexemplos:bonsai: jap.{bonsai}’bandejacomplanta’,de{bon}‘bandeja,bacia’+{sai}‘planta’;karatê:jap.{kara}‘vazio’+{te}‘mão’;haicai: jap. {haikai} ‘id.’, formadode {hai} ‘brincadeira, gracejo’+{kai}‘harmonia,realização’;samurai:jap.{samurai}‘servir’,de{sa-}prefixo+{morai}‘esperacautelosamente’,freq.de{mor-}‘guardar,pro-teger’.

Nogrupodas línguasdeorigemdoOrientePróximoeMédio,o árabe destaca-se com 207 palavras, ou 38% do total do grupo.Ressaltemos que os arabismos,aspalavrasdeorigemmoçárabeeaspalavras dopersa-árabenão foramcomputadasneste grupode38%,mas nos 12% de outras. Este grupo ainda contém o persa (com 35palavras,ou6%dototaldogrupo),osânscrito(28),ohebraico(27),oconcani(com78),oconcani-marata(16),ohindi(22),omalaio(58)eumgrupoformadoporoutraslínguasminoritárias15com69palavras.A forte presença concani e concani-marata (embora tipologicamentedistintas,sãoapresentadasno dhcomoumgrupohomogêneo)deve-seàinfluênciadoconcaninovocabulárioportuguêsdeGoa,Índia.

Apartirdessasinformações,tentaremosagoraverificarcomoapalavraeraemsualínguadeorigemequaisforamastransformaçõessofridasemsuaadaptaçãoparaoportuguês.Éválidoressaltarqueessaavaliaçãonãopodesercompleta,poisnãohácomosaberomomentoexatodeentradadaspalavrasoxítonasnoportuguêsparapoderentãodescrever a língua naquele estágio. Isso significa que as descriçõesdas características linguísticas das várias línguas serão sempre umaaproximação,poisaspalavrasdeumamesmalínguapodementrarnoportuguêsemépocasdiferentes.Dessemodo,palavrascomestruturassemelhantespodemsernativizadasdemaneirasdiferentes,dependendotantodoportuguêscomoda línguaemprestadora.Temosemfrancês,por exemplo, a palavra “abricot” pronunciada [abiko] em francês.Esta palavra entrou para o português sob três formas: “abricô”,“abricó” e “abricote”.Observamosque em francês a consoantefinalnão é pronunciada.Assim, “abricô” e “abricó” parecem ter entrado no português via língua falada, pois são pronunciadas [abRiko] e[abRik]; “abricote”, por sua vez, entrou via língua escrita, já que aconsoante /t/ não é permitida em posição de coda em português doBrasil.Dessemodo,umasoluçãofoiinserirumavogalparagógicapara

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formarumanovasílabaCV,resultandoem[abRiktSi].Contudo,nãohácomoasseguraraprevalênciadeumdialetoououtroe,dessaforma,apalatalizaçãofinaldeveseratribuídaàeleiçãododialetopaulistanonestetrabalho.

Porfim,foielaboradaumaanáliseestatísticadoelementofinalemcada língua,apartirda lista-base.Avaliando todasasoxítonas,oelementofinalmaisfrequenteéoglide[w],com24,71%dototal,ouseja,decadaquatrooxítonas,umaterminacomesteglide.Naescrita,esteglidepodeserrepresentadopor<l>,comoem“animal”,por<o>,comoem“barão”epor<u>,comoem“museu”.Dooutroladodatabelaestáo glide[j],comapenas86ocorrências,ou0,82%dototal.Naescrita,este glidepodeserrepresentadopor<i>,comoem“samurai”,oupor<e>,comoem“mamãe”.Asvogais/i/,/a/e/u/representamcercade11%cadadototaldasoxítonas.

2 aNálise: elemeNto fiNal e maNuteNção de aceNto

Em primeiro lugar, trataremos do elemento final, cruzando osresultadosobtidos emanálises anteriores comosdo texto “Algumasobservaçõessobreasproparoxítonaseosistemaacentualdoportuguês”de Araujo et al. (2008). Examinaremos também eventuais padrõesespecíficosda línguaemrelaçãoaoseuelementofinalmaiscomum.Emseguida,verificaremossehouvemanutençãooualteraçãodoacentodapalavranosempréstimosdasseislínguasmaisfrequentesnalista-base.Para tanto, seránecessário fazerumestudoamplo,observandoexemplos de palavras de cada uma dessas línguas, sendo possívelapresentaropercursodopadrãodeempréstimodecadalíngua.Issoseráfeitoapartirdaanálisedosistemafonológicodaslínguas.Dessaforma,poderemos determinar como se deu sua adaptação para o portuguêse se há algumpadrão dessas línguas em relação ao século demaiorincidência.

2.1Elementofinal

Nesta seção, abordaremos os elementos finais das oxítonasatravésdosresultadosdaanálisedeAgostinho(2007a,2007b),apartir

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dos dados da lista-base e de Araujo et al.(2008).Segundoestesautores,tantoasparoxítonascomoasproparoxítonaspossuemcercade83%desuassílabastônicasabertas,ouseja,terminadasemvogal,incluindoV,CV,CCV,CGV e GV(ondeVéumavogal,CéumaconsoanteeG é um glide).Nasoxítonas,oquadroéinvertido,masdevemosconsiderarquenocorpusutilizadopelosautores38,6%dasoxítonassãoformasdeverbono infinitivo.Osnãoverbosoxítonos terminadosemvogalnão ultrapassam 18% do total de oxítonas. Os dados referem-se àbase com interpretação dos fonemas conforme a realização fonéticada variante paulistana (viaro & guimarães-filho, 2006).Quanto àsoxítonas,essainterpretaçãoconsiderouaconsoantefinaldoverbonoinfinitivopronunciadacomo[R],comoem[fa.laR]‘falar’enãopreviuoapagamentodaconsoante/r/final,comoem[fa.la]‘falar’.Todososverbosforamexcluídos,poisaparecemsomenteemsuaformainfinitivae,portanto,sãotodosprevisivelmenteoxítonosa priori.

Asvogaissãooelementofinalde50%dasoxítonas,ouseja,5.273palavras.Asvogaisnasalizadasaparecemem12%dosdados,ouseja,1.225palavras.Jáosglides[w]e[j]aparecemem26%,easconsoantesem 12% das palavras, quantidade igual à das vogais nasalizadas.Verificamosqueo[R]apareceem71%dosdados,sendomaisfrequentedoqueo [s],queapareceem29%.Oglide [w]apareceem97%dasoxítonasterminadasemglides,ouseja,2.597ocorrências,enquantoo[j]apareceemapenas3%dosdados,ouseja,86ocorrências.

SegundoSilva (2006), anasalidadeé regressivanoportuguês,ouseja,asvogaiseditongosnasaisdoportuguêsresultamdevogaisseguidasdeconsoantesnasaisnolatim.Temos,porexemplo:romāna >romã;*burricana>borrega; avellāna>avelã;*abigone>abegom > abigão; matiāna > maçaam > maçã; hortulāna > hortelaam >hortelã; jejūnus > jejum; cherubĭm > querubim. Podemos observar,nosexemploacima,anasallatina/n/emposiçãointervocálica,vogaiseditongosnasaisemposiçãofinaldevocábuloevogaisseguidasdenasal implosiva.Observamos que as vogais nasalizadas [ĩ] e [ã] sãoas que aparecem emmaior quantidade nos dados, com38% e 31%,respectivamente.Avogal[ũ]apareceem13%dosdados,[ẽ]com10%e,finalmente,[õ]com8%.

araujo, GabrielA.de;agostiNho, AnaL.dosS. Nativização e maNuteNção...316

tabela 3 - frequêNcia dos elemeNtos fiNais

realização

foNéticaocorrêNcias Na lista-base PorceNtagem

[w] 2.597 24,71%

[i] 1.273 12,13%

[a] 1.255 11,96%

[u] 1.162 11,07%

[R] 928 8,85%

[ 596 5,68%

[ĩ] 468 4,46%

[] 444 4,24%

[ã] 385 3,68%

[s] 385 3,68%

[e] 368 3,50%

[o] 175 1,68%

[ũ] 154 1,47%

[ẽ] 117 1,11%

[õ] 101 0,96%

[j] 86 0,82%

total 10.494 100%

Quanto às vogais orais, a distribuição das oxítonas varia emrelaçãoaos resultadosdeAraujoet al. (2008).Apartir da lista-base,asvogaismaisfrequentessão[i],[a]e[u],com24,1%,23,8%e22%,respectivamente.Essastrêsvogaisatingemototalde69,9%dasvogaisorais;ouseja,seapalavraéoxítonaeterminadaemvogal,achancedeserterminadaem[i],[a]ou[u]édecercade70%.Asvogais[e],[E]e[],porsuavez,sãopoucofrequentes.Avogalmenosfrequenteéo[o],comapenas3,3%dosdados.AsvogaisfinaismaisfrequentesnalistagemdeAraujoetal.(2008)são[a],[i]e[e],com32,5%,28,3%e16,8%,respectivamente,ouseja,77,6%dototal.

sigNótica,Goiânia,v.21,n.2,p.305-340,jul./dez.2009 317

tabela 4 - vogais orais

vogais

oxítoNas

lista-base

(10.494oxítonas)

oxítoNas

(Araujoetal.)(37.568oxítonas)

ParoxítoNas

(Araujoetal.)

ProParoxítoNas

(Araujoetal.)

[i] 24,1% 1º 28,3% 2º 7,9% 26,5%

[a] 23,8% 2º 32,5% 1º 66,9% 21,6%

[u] 22,0% 3º 5,0% 7º 3,8% 2,6%

[] 11,3% 4º 5,3% 5º 2,9% 12,0%

[] 8,4% 5º 6,9% 4º 2,7% 25,2%

[e] 7,0% 6º 16,8% 3º 5,2% 4,4%

[o] 3,3% 7º 5,1% 6º 10,6% 7,7%

AgrandediferençaentreasanálisesdeAraujoetal.(2008)eaqueéagoraapresentadaresidenafrequênciadasvogais[u]e[e].Istoocorreprovavelmenteporque adotamoscritériosdiferentes, descritosacima, para a formação da lista de oxítonas. Possivelmente muitaspalavrasderivadastêmsufixosterminadosem[e],enquantomuitasdaspalavrassubstantivas,principalmenteasorigináriasdo‘tupi’,terminamem[u],comopodemosobservarna tabela4.Jáavogal[a],queestápresenteemambasaslistas,aparecedeformamaisexpressivanalistade Araujo et al.Noentanto,asvogais [i], [E], [o]e [] têmevidentecorrespondêncianasduaslistas.Sendoassim,podemosafirmarqueasvogais[a]e[i]sãomuitofrequentes,enquantoasvogais[E],[o]e[]sãopoucofrequentescomoelementofinaldasoxítonas.

2.2Manutençãodeacento

Nestaseção,verificaremossehouvemanutençãooualteraçãodoacentodapalavra emcadaumdaspalavrasoxítonas considerandoasuaetimologiano dheaspossibilidadesestruturaisdasnovelínguasemprestadoras majoritárias. Portanto, esboçaremos os percursos deempréstimoemcadalínguaapartirdaanálisedeseusistemafonológicoedaetimologiadescritapelo dh.Araujoetal.(2008)sugeremqueháumatendênciaparaamanutençãodoacentonoscasosdeempréstimos–

araujo, GabrielA.de;agostiNho, AnaL.dosS. Nativização e maNuteNção...318

estaé,porconseguinte,anossahipótese.SegundoCollinschonn(2005),oacentooxítonoempalavras terminadasemvogaiséexplicadopelaorigemhistóricadessaspalavras.Noentanto,anossaanálisemostraráqueessaafirmaçãonãoéapoiadanosfatos,poisháumatendênciaemmanteroacento,masissonãopodesernecessariamentecorrelacionadoàqualidadedavogal.

O método do dhestabeleceadataçãodaspalavrasdeacordocom“adatadoprimeiro registro conhecidoou estimadodeumapalavra,comindicaçãodafonteondeocorreoudaprimeiraobralexicográficaqueaincluiuemsuanominata”(houaiss e villar2001,p.xxI).Sendoassim,asdatasno dhnãosãosempreprecisas,poisapalavrajápoderiaestarsendoempregadanalínguafaladamuitoantesdeserefetivamentedocumentada.16

2.2.1Latim17

Apesardenãoexistirempalavrasoxítonasnolatim,essaorigempodeseridentificadaemcercade17%dasoxítonasdalista-base.Assim,todasaspalavrasoxítonasemportuguêsorigináriasdolatimsofreramalgumtipodeprocessofonológicoquegerouapagamentodematerialfônicoemudançasdeacentos.Cercade90%daspalavrasoxítonasdeorigemlatinaterminamemconsoanteounoglide[w]:

elemeNto fiNal

w /R/ s ã i ĩ a ũ u ẽ o õ e j

total 1.774 965 571 127 21 16 15 13 11 10 8 6 5 1 1 2 2

Ao mesmo tempo, muitas das oxítonas de origem latinaterminadasemvogalprovêmdolatimcientífico,ouseja,sãopalavrasque foram formadas com objetivos nomenclaturais e, portanto, nãoentraram naturalmente, via evolução linguística. Há, também, apresençadasvogais// e /E/quenãoestãopresentesnalíngualatinaequecorrespondemàsvogaisbreveso e e que,segundoTeyssier(2004,p.9),eramsempremaisabertasqueaslongascorrespondentes.Contudo,temospalavrascomomaná,dolatimtardiomanna‘alimento’dogregománna e este do aramaico manná, que não pode ser tão facilmente

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explicada.Épossívelqueoacentodapalavratenhasemantidodesdeoaramaico.

Asvogaisnasalizadaspodemserexplicadaspelacodapreenchidaporumanasalemlatimeasubsequentenasalizaçãodavogalnapassagemdapalavraparaoportuguês.Napalavramanhã,porexemplo,origináriadolatimvulgar*maneána,oacentoédeslocadoparaadesinênciaeasilabafinalcai.Omesmoocorrecomromã,deromána.Aspalavrasterminadas em [w] correspondem, em geral, às terminações latinas:ónis;ális,e e ánus,a,um. Temos,porexemplo,muchão,demustìo,ónis ‘mosquitoquenascenovinho’;conatural,deconnaturális,e‘damesmanatureza’;cristão, dechristiánus,a,um ‘cristão’.Podemosperceber aquedadarimadasílabafinalpós-tônica.

Já as palavras terminadas em /r/ correspondem, em geral, àsterminações latinas:óris;órus,a,um e ális,e.Temos apalavra tortor,porexemplo,quevemdolatimtórtor,óris‘carrasco,algoz’.Apalavrasemdesinênciaera[toR.toR],ouseja,paroxítona.Aformadadesinênciaera [toR.to.Ris], também paroxítona, mas com o acento na mesmasílaba acentuada que em português. Observamos, novamente, que apalavradeve ter entradocomadesinência, sofridoperdada rimadaúltimasílabaeentãopassadoporumprocessoderessilabificação.Aspalavras terminadasem /s/ emgeral correspondemàdesinência ícis,como em cerviz,decervix,ícis‘cachaço,pescoço,nuca,gargalo,colo,valor,audácia,ousadia,troncodeumaárvore’eeficaz,deeffìcax,ácis ‘queexecuta,opera,obra;quelevaacabo;eficaz,poderoso’.Nessescasos,aconsoantedoataquedaúltimasílabapassaparaacodaquandosuarimacai.Éválidoressaltarqueo<z>ortográficonãocorrespondenecessariamentea/z/,pois,noscasosacima,correspondea/s/.Portanto,as modificações ocorridas em relação às palavras latinas podem serassociadasaalteraçõesfonológicas.

Aquantidadedepalavrasoxítonasdeorigemlatina,segundoo dh,éaseguinte:6palavrasoxítonasnosséculosIx e x;15palavras,ou1%,noséculoxI;25palavras,ou2%,noséculoxII;218palavras,ou13%,noséculoxIII;144,148e141palavras,ouaproximadamente11%(emcadaséculo),nosséculosxIV, xV e xVIII,respectivamente;517palavras,ou32%,noséculoxIx;e49palavras,ou3%,noséculoxx. Exemplifiquemos algumas entradas para cada século a título deilustração.Dasentradasporevolução, temos:noséculoIx: casālis >

araujo, GabrielA.de;agostiNho, AnaL.dosS. Nativização e maNuteNção...320

casal;noséculox: falcōnis>falcão;noséculoxI: judeu > judaeos;no séculoxII: retro > *redro > redor e, finalmente, no século xIII: albōris>alvor.Viaempréstimotardio,temos:noséculoxIV: avellāna >avelã;noséculoxV: capax>capaz;noséculoxVI: anthrax>antraz;noséculoxVII: athēus>ateu;noséculoxVIII: archěos>arqueu;noséculo xIx: turŏnis>turão;enoséculoxx: turgōris>turgor.

2.2.2‘Tupi’

Em relação ao ‘tupi’, 197 palavras, ou 24% do total, foramregistradas no dh no séculoxVI; 84 palavras, ou 10%, nos séculosxVII e xVIII,cada;301palavras,ou37%,noséculoxIx,e19%noséculo xx.Opicoinicial,ouseja,naprimeirafasedacolonização,eraesperado.Noentanto,houvetambémumaentradasubstancialnoséculoxIxquepodeestarassociadaàdocumentaçãoenãomaisàinfluênciadiretadaslínguasdogrupo‘tupi’nocontatocomoportuguês.

Podemosobservarquedas1.448palavrasoxítonasoriundasdo‘tupi’,1.409terminamemvogal,26emglideeapenas11terminamemconsoante.

elemeNto fiNal

u a i ã ĩ e w ũ ẽ /R/ s õ j o

total 1.446 378 356 329 122 61 57 42 35 24 13 13 7 4 2 2 1

SegundoNavarro(1998),todasaspalavrasem‘tupi’terminadasem [i]ou [u], consoante,glide ouvogalnasalizadaeramoxítonas e,portanto,provavelmentenãosofrerammudançadeacento18 ao serem nativizadasnoportuguês.Temosentãodeexplicaraspalavrasterminadasem[a],[E],[],[e]e[o].Restaobservartambémaspalavrasterminadasem glideeemconsoantedalista-baseparaverificaroelementofinaldapalavraoriginalno‘tupi’.Sendoassim,das26palavrasterminadasemglide,apenasquatrodosétimosem‘tupi’permitemoreconhecimentode um glide como elemento final. Cinco dessas palavras não têmnenhuma informação de sua etimologia. Dezesseis terminam emvogale,surpreendentemente,umterminaemconsoante.Éocasode“joçal” cuja etimologia é, no dh, “orig. obsc.; prov. relacionado a{joçá}, segundoNascentes, do tupi {yukab} ‘o que comicha’”.Das

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11oxítonasterminadasemconsoanteemportuguês,apenasduas19sãotambém terminadas emconsoante na palavraoriginal dadapelo dh.Umadasprincipaisevidênciasnocasodaterminaçãoemvogalprovémdepalavrascomo“mingau”,do“tupi{minga’u}‘comidaquegruda’”,sofrendoentãoditongaçãoedeslocamentodeacento.

De qualquer maneira, as palavras terminadas em /a/ parecemter sido oxítonas também em ‘tupi’, como por exemplo: aiapuá de {ayapu’a},andacaáde{a’nda}+{ka’a}eaxuáde{axu’a}.

Noquedizrespeitoàsvogaismédiasabertas,[E]e[],oquadroéumpoucomaiscomplexo,poismuitasvezesnãoépossívelestabelecerse a vogal final era [E] ou [e] em ‘tupi’, já que o dh nãomarca aaberturadavogalemtodososcasos.Algunsexemplossão:caimbé de {kaa’imbe}ecavacuéde{kawaku’e}.Omesmofenômenoocorrecomavogal[],ouseja,nãoépossívelsaberaaberturadavogal,comoem:itotoró de{ï}+tupi{toro’ro}einimbóde{ini}’{mbo}.

O processo de queda da sílaba final é mais fácil de serdeterminado,comoemmoçoróde{mo-so-’roka}.Podemosobservar,nesse tipo de exemplo, a queda da sílaba pós-tônica final, mas nãopodemos estabelecer o que engatilhou o processo, embora esse tipode apagamentode sílaba átonafinal seja comumemaprendizadodesegundalíngua,considerandoqueocontatoentreosportugueseseosindígenasdogrupo tupipromovia tambémfalantescomváriosgrausde conhecimento das línguas em contato. Por fim,mencionamos oscasosdepalavrasoriginalmentecompostascomo:curupéde{ku’ru}+{‘pewa}etarapéde{tara’pewa}.Alémdisso,podemosligaroprocessode apagamento final ao desvozeamento de vogais finais, como, porexemplo,encontradonoportuguêsfalado,onde<casaco>e<tomate>sãopronunciados respectivamente [ka.za.kV] e [to.ma.tS].Noúnicodadocompalavraterminadaem[o],angatecôde{anga}’{ta},nãofoipossívelesclareceromotivodosurgimentodaúltimasílabadapalavra.Nestesentido,muitasdaspalavras‘tupi’sãoclassificadasno dh como “provavelmentetupi”ou“tupi,masétimoincerto”.

2.2.3Francês20

Umtotalde580palavrasoxítonastemorigemfrancesa,segundoo dh. Neste grupo, embora as palavras com o glide [w] superem

araujo, GabrielA.de;agostiNho, AnaL.dosS. Nativização e maNuteNção...322

um terço do total, há uma distribuição igualitária entre as vogais econsoantes:

elemeNto fiNal

w e /R/ s o ĩ i õ u ã a ũ ẽ j

total

580 205 70 58 45 33 27 26 25 20 17 17 16 15 2 2 2

Embora, todas as palavras em francês tenham acento final(schaNe,1968),aspalavrasdeorigemfrancesaforamnativizadasemportuguês com acento final (oxítonas) e pré-final (paroxítonas). Emfrancês,oacentocainaúltimasílabadapalavra,anãoserqueestatenhaum schwacomovogal.Nestecaso,oacentocainavogalanterior,comoem habite [abit\], livre [liv\],débute [de.by.t\] e juge [zy.z\].Asconsoantesfinaisemparticulars,x,z,t,d,n e mnãosãopronunciadas.Noentantoc,r,f e lsãonormalmentepronunciadas.Assim,estabelecerquandoumapalavraentrounoportuguêsviaempréstimoeseaentradasedeuvialínguaescritaoulínguafaladanãoéumatarefasimples.

Emalgunscasosencontramospistasquenosajudamadeterminarporqualviaapalavraentrou.Nocasoespecíficodofrancês temosapalavratricôcujadescriçãono dh éaseguinte:“fr.tricot(1660)‘agulhaparatricotar’,(1666)‘tecidodemalhafeitocomagulhas’,(1847)‘artigofeitodetricô’,regr.detricoter<tricot‘bastão’”eapalavrafricote,comaetimologiaassimdescritapelo dh:“talvezligadoaofr.fricot(1767)‘refeiçãomalpreparada’,us.coloquialmentecomosignf.de‘mania,manha’,domesmorad.defricassê”.Essaspalavrassãopronunciadasnofrancêsmoderno[tiko]e[fiko],respectivamente.Observamosque,emambososcasos,aconsoantefinalnãoépronunciada.Sendoassim,apalavraoxítonatricôpareceterentradonoportuguêsvialínguafalada,poisépronunciada[tRiko]equefricoteentrouvialínguaescrita,umavezqueofatodeaconsoante/t/nãoserpermitidaemposiçãodecodanoportuguêsdoBrasilpermitiua inserçãodeumavogal (paragoge)paraseformarumanovasílabaCV,resultandoem<fri.co.te>[fRiktSi].Noentanto,háemportuguêsosverbos<tricotear>,dofrancês“tricot +-ear”etricotar,segundoo dhorigináriodaformadoverbofrancês“tricoter”.Noprimeirocaso,overboparecetersidomontadoatravésdapalavraemfrancêsescrita,enquanto,nosegundocaso,aorigemnãopodeserdeterminada,jáqueaconsoante/t/épronunciadanoverboem

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francês.Temosaindaapalavrabidê ou bidé,de“bidet(1739)‘aparelhosanitário’f.metf.fr.bidet(1564)‘pequenocavalodesela’<fr.ant. bider ‘trotar,andaratrote(ocavaloouquemnelemonta)’”queépronunciada[bi.de]emfrancês,ouseja,semconsoantefinal.Dessaforma,podemosinferir que esta palavra entrou no português via oral. Em relação àsconsoantes,podemosobservarapresençade/s/,/R/edoglide /w/ que podeaparecernolugarde/l/edeoutrasconsoantes.Comoo/s/nãoénormalmentepronunciadoemfrancêsnaposiçãofinal,podemosinferirqueessaspalavrasentraramvialínguaescrita.Jánoscasosde/R/ede/l/éarriscadofazerconstataçõesdessetipo,postoqueessasconsoantesaparecemtantonalínguaescritacomonalínguafalada.

Grandepartedaspalavrasoriundasdofrancêsterminadasem/o/tematerminação{-eau},queépronunciadacomo[o]emfrancês.Sen-do assim, podemos inferir que essas palavras entraramnoportuguêsvialínguafalada.Jápalavrascomocanapé,de{canapé}(1648)‘bancogrande,dotadodeespaldar,emquesepodemsentardiversaspessoas’,podeterentradoviaescrita,jáqueagrafiaécorrespondeemfrancêsa[e]enãoa[],vogalfinaldapalavraemportuguês.Emgeral,podemosconcluirqueaspalavrasdofrancêsmantêmatendênciademanutençãodoacento,mesmoque, emalgunscasos, aqualidadedavogal tenhamudado.

PalavrasdeorigemfrancesaapresentamseupiconoséculoxIx e xx,graças,sobretudo,àinfluênciaculturalfrancesa.Osvaloressãoosseguintes:1palavranoséculoxI;nãoháregistrosnoséculoxII;21palavras,ou5%,noséculoxIII;16palavras,ou3%,noséculoxIV;27palavras,ou6%,noséculoxV;39palavras,ou8%,nosséculosxVI e xVII, cada;44palavras,ou10%,noséculoxVIII;185palavras,ou41%,noséculoxIx;e89palavras,ou19%,noséculoxx.Ouseja,haviauminfluxoregular,porémlimitado,nosséculosanterioresaoxIx e xx.

4.4.4Árabe21

No que diz respeito ao árabe, a documentação indica que ainfluêncialinguísticadiminuiudepoisdoséculoxVI,emboranoséculoxIxtenhahavidoumnovopicodeentradadepalavrasoxítonascujaorigem (direta ou indireta) é atribuída ao árabe. Contudo, omesmofenômeno precisa ser pesquisado em relação às proparoxítonas e às

araujo, GabrielA.de;agostiNho, AnaL.dosS. Nativização e maNuteNção...324

paroxítonas.Dessa forma, o árabe se junta ao francês, ao grego, aoespanhol, ao latimeao ‘tupi’ comfortepresençano séculoxIx.Osvaloresrelativosreferentesaoárabesão:2palavras,ou1%,noséculoxI;4palavras,ou2%,noséculoxII;24palavras,ou13%,noséculoxIII;22palavras,ou12%,nosséculosxIV e xV,cada;41palavras,ou23%,noséculoxVI;12palavras,ou7%,nosséculosxVIII e xVIII,cada;29palavras, ou16%,no séculoxIxe12palavras,ou7%,noséculo xx.Aseguirapresentamososquadroscomasconsoanteseasvogais do árabe, no qual é possível observar que as sílabas pesadas(compostasporglideseconsoantesfinais)têmumpesorelevanteemmais de 60% dos dados:

elemeNto fiNal

w s /R/ ĩ i a ã ẽ ũ e o u õ j

total

207 56 32 30 21 20 19 8 7 7 3 2 1 1 0 0 0

O árabe é uma língua de acento silábico, sendo o acento ésensível ao peso. SegundoWatson (2002), temos, por exemplo: ki-TAA-bun“livro”,KAA-ti-bun“escritor”,MAK-ta-bun“mesa”,ma-KAA-ti-bu“mesa(plural)”,ka-ta-BUU-hu“elesescreveram”,ka-TAB-tu“euescrevi”.Emgeral,éacentuadaasílabamaispesadadadireitaparaaesquerda.Sílabascomvogaislongaspodem–ounão–serconsideradaslongasdeacordocomodialeto.Oárabetemasvogais/a/,/i/,/u/eosditongos/aj/e/aw/.Noentanto,das89palavrasoxítonasterminadasemvogaislistadasno dh,apenas39terminamemvogaisquepodemserencontradasnoárabe.Comoodhnãodescreveoacentooriginalnaspalavrasdoárabe,requer-seumestudoamplodessalíngua,postoqueasoxítonas terminamemsílaba leveouemvogal longa.Nessescasos,serianecessárioinvestigardequaldialetodoárabeproveioessapalavra,umavezqueasílabacomvogallongaéconsideradaoraleve,orapesada,adependerdodialeto.

Apresençadevogaisnasalizadaspodeserexplicadapelapresençadacodapreenchidaporumanasalemárabeepelanasalizaçãodavogalnapassagemdapalavraparaoportuguês.Das39palavrasterminadasemvogalnasal,26 terminavamemconsoantenasalemárabe.Dessaforma,podemosassumirqueessaspalavrasjáeramoxítonasemárabe,

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devidoàsílabapesadafinal.Temos,porexemplo,aspalavrasramadã,de ramadān, do verbo ramida ‘ser ardente, escaldante’; jasmim, deyásmín‘arbusto,flor’egergelim,doárabevulgarár.vulg.djildjilán(aolado de djindjilán,djindjinlí,djudjulán)doár.cl.djuldjulán‘grãodocoentro,dosésamo;gergelim’(dh).Emrelaçãoàsoutrasconsoantesnacoda,observa-seapresençade/s/e/R/,alémdoglide //.Das62palavras terminadascomessasconsoantes,51delas têmaconsoantefinalemárabecorrespondenteàconsoantefinalemportuguês,7 têmoutroelementofinale4nãotêmumétimooriginalemárabedescritopelo dh.Novamente,podemosperceberatendênciadoacentoemsermantido,jáquesabemosqueaspalavrasterminadasemconsoanteeramoxítonasemárabedevidoaopesodasílaba.Algunsexemplossão:algar,de al-ĝār;nadidenazir‘pontodiretamenteoposto(aozênite)’;arroz,de ar-ruzz‘id.’,malai.ari ‘arrozdescascado’exadrez,dexaţrandj, do sânscritochaturanga,lit.‘osquatromembros’.

Todas as palavras terminadas em glide nas oxítonas vindasdo árabe tinham alguma consoante em coda na palavra em árabe,geralmenteumanasaloulíquida.Istopodeserobservadoem“adail”,de ad-dalīl ‘guia, condutor, piloto’;aguazil, deal-uazīr ‘o que levauma carga ou ajuda outrem a levá-la; o que ajuda e aconselha umpríncipe; conselheiro, ministro’; albarrão, de al-barrán ‘de fora,externo;camponês;silvestre’;alcatrão,deal-qatran‘resina,alcatrão’;enxoval,deax-xawār‘dotedecasamento’eleilão,deal-ālāmoual’-ālām‘estandarte,bandeira,aviso,tabuleta’.Portanto,háumatendênciaparamanteroacentodaspalavrasoxítonasoriundasdoárabe.

4.4.5Iorubá21

Os empréstimos oriundos do iorubá apresentam o seguintequadro:2palavras,ou1%,dototalnoséculoxVI;27palavras,ou20%,noséculoxIx;e106palavras,ou79%,noséculoxx.A lacunanosséculos xVII e xVIIIpodeseratribuídaàescassezdedocumentaçãoeaodesinteressepelaculturaiorubáesuasreligiões.

Oiorubáéumalínguatonal,comtrêsdiferentesníveisdetom:baixo,médioealto,sendoomédiootomdefault.Todasílabaprecisaterpelomenosumtom.Vejamosalgunsexemplos(bamgbose,1969):

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(2) Alto:óbẹ́‘elepulou’;síbí‘colher’ Médio:óbẹ‘eleestánafrente’;ara‘corpo’ Baixo:óbẹ̀‘elepedeperdão’; ‘lança’

Nãoháditongosemiorubá,oqueexplicaaausênciadepalavrasoxítonas terminadas em glide. Das 207 palavras, 206 terminam emvogal e apenas uma termina em consoante.A palavra terminada emconsoante é “ilaís”, que tem etimologia imprecisa: segundo o dh, é de“orig.contrv.;Cacciatoresugereoior.{i}‘agentedeumaação’+{lai}‘sempre’+{isin}‘serviço’,lit.‘serviçalpermanente’”.Apartirdasugestãotrazidanestaetimologia,observamosqueapalavraemiorubápoderiaserterminadacomumavogal,enãocomumaconsoante.Asvogaismédias[,e,o]eabaixa[a]estãoemcercade60%dasoxítonasdeorigemiorubá:

elemeNto fiNal

a e o ũ ã u i ĩ ẽ s õ w j /R/

total

206 43 34 33 26 15 15 14 11 9 3 2 1 0 0 0 0

Aspalavrasterminadasemvogal,emgeral,mantêmsuaqualidadenasoxítonasemportuguês,comoem“ädê”,de{ad}{ë}‘coroa’;“ecuru,de {ekuru} ‘comida de gêmeos, à base de feijões brancosmoídos ecozidos”e“ofá”,de{ö}{fà}‘flecha’.Noentantoo dhnãoestabelecequaleraoacentodapalavraemiorubá.Temosapenasdoiscasosemqueapalavraédescritacomosendooxítonaemiorubá:batacotó,deba’taa ko’to ‘tamborusadopelasociedadesecretaGuedelêemocasiõesfestivas e em cujos rituais espíritos aparecem’ e djacutá, vocativodjaku’ta.Noentanto,o dhdeformadiscutívelatribuioacentosilábicoaumalínguadeacentotonal,quepodenãoapresentarproeminênciaemnenhumadassílabas.

Avogalnasalizada/ũ/,quenãoocorrecomofonemaemiorubá,apareceporprecederumasílabacomconsoantenasalemcodaemtodososcasos,comoemogum e oxolum.Asoutrastrêspalavrasterminadasemvogalnasalizada terminamcom/ã/.Essas trêspalavrascontêmomesmosufixoemiorubá.Sãoelas:dagã,de{da} ‘tornar-se’+{-ga} ‘chefe’; iadogã, de {iya} ‘mãe’+ {di} ‘ligar’ + {ga} ‘chefe, pessoasuperior’esidagã,de{si}(contr.deosi‘mãoesquerda’,nosentidode

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terceirapessoanumposto)+{da}‘tornar-se’+{-ga}‘pessoasuperior’.Curiosamentenãohánenhumaconsoantenasalnofinaldessaspalavrasparaexplicaravogalnasalizadae,portanto,aorigemdanasalidadeécontroversa.Apercepçãodo tomalto comoacentopode ser umdosfatoresquelevaramàreinterpretaçãodaspalavrasiorubásnoportuguêseàmanutençãodoacentofinal.

4.4.6Inglês23

A influência do inglês torna-se relevante do século xIx em diante.Os valores relativos referentes às palavras de origem inglesasão: 3 palavras, ou cerca de 2%, nos séculosxVI e xVIII, cada; 22palavras, ou 19%, no séculoxIx; e 88 palavras, ou 76%, no séculoxx.Percebe-seumadestacadainfluêncianoséculoxx,bemcomooprestígioculturaleeconômicodospaísesdelínguainglesanessesdoisúltimosséculos.Noquedizrespeitoàqualidadedoelementofinal,oglide[w],oróticoeasvogaisnasalizadasformamamaiorianaspalavrasdeorigeminglesa,oquedestacaovalordopesosilábiconacomposiçãodasílabaeminglês:

elemeNto fiNal

w /R/ i ĩ õ ã ũ s u e ẽ a j o

total

187 96 26 12 10 10 8 7 7 6 2 1 1 1 0 0 0

Todas as oxítonas terminadas em vogal nasalizada continhamconsoantes nasais em inglês. No entanto, a maior parte delas eraparoxítona ou proparoxítona em inglês, como cardigan, toboggan,shaman,pudding,teflon e dumdum.Érazoávelsuporque,nomomentodasuaentradaemportuguês,apalavrafoireconhecidacomooxítonadevido à sílaba final pesada. Segundo Collischonn (2005), nota-seuma preferência por parte do acento pela última sílaba, quando estaterminaemconsoante.Collischonnaindaafirmaquecercade78%daspalavras terminadas em consoante são oxítonas. Há também algunscasosdepalavrasterminadasemconsoantenasalquejáeramoxítonaseminglês,comosedan, cartoon, racoon, quadoon e octoroom.Alémdespleen,queéummonossílaboeminglêseumdissílaboemportuguês,nativizadocomoesplim,devidoàimpossibilidadedoataquecomplexo

araujo, GabrielA.de;agostiNho, AnaL.dosS. Nativização e maNuteNção...328

spemportuguês.Emrelaçãoàspalavrasterminadasemvogaisorais,75%eramparoxítonasouproparoxítonaseminglês,apenas10%eramoxítonase10%erammonossílabos.24

A partir dos exemplos citados, podemos concluir que muitaspalavrasdeorigeminglesa,comoiglu, rali, patchuli e daiquiri,mudamde acento paroxítono/proparoxítono para oxítono em português.Podemos inferir que esse processo guarda alguma relação com aqualidade da vogal final.Das 15 palavras que eram paroxítonas ouproparoxítonas, 13 terminam em /i/, 2 em /u/ e uma em /a/.Vimosanteriormenteque/u/e/i/sãomuitocomunsemnossocorpuseque,segundoAraujoetal.(2008),avogalfinal/i/ocorreemapenas7,9%das paroxítonas. Sendo assim, talvez o acento tenha uma tendênciaparamovercasoapalavrasejaparoxítonaterminadaem/i/nalínguadeorigem. Jáaspalavras terminadasemglide /w/ tinham,emgeral,alguma consoante em coda como /l/ ou /N/. É o caso de wagon, cocktail, recita e refil.Jáosterminadosem/j/sãoconfrey e cowboy,que,emboraterminemcomoglide,sãoparoxítonoseminglês,porémoxítonosemportuguês.

Finalmente,ocorrecomasconsoantesomesmoquesemanifestanasvogaisnasalizadas:todasaspalavrasoriginaiseminglêsterminamcom consoante. No entanto, novamente, a maior parte delas eraparoxítonaouproparoxítonaem inglês, comopudemosobservarnosexemplos acima. A palavra provavelmente foi reconhecida comooxítonadevidoàsílabafinalpesada.

O acento em inglês é razoavelmente regular. Os substantivosrecebem acento na penúltima sílaba se esta for pesada. Se este nãoforocaso,recebemacentonaantepenúltima.Ocasomaissimplesderegularidade do acento do inglês ocorre em verbos e adjetivos semsufixo. São acentuados na sílaba final se esta tiver uma vogal longaouseterminarempelomenosduasconsoantes.Seestenãoforocaso,o acento cai na penúltima.Contudo, o fato de o português nativizarpalavrasdoinglêscomacentopré-finalouantepenúltimocomooxítonasrequerumestudomaiscompleto.Alémdisso, aspalavrasdeorigeminglesanemsempretêmoacentomantidoemsuaposiçãooriginal,oqueasdiferesobremaneiradaspalavrasdeorigemnãoinglesa.

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4.4.7Espanhol25

Apesardeséculosdecontatopróximo,oespanholcontribuiucompoucaspalavrasoxítonasparaoléxicoportuguês.Issopodeestarligadoà existência limitada desse tipo de padrão acentual no espanhol.Noentanto,oespanholapresentaumainfluênciaqueperpassaosséculos,sobretudonoperíodoquevai do séculoxIV ao xIx:2palavrasnosséculos xI e xII,umaemcada;6palavras,ou5%,noséculoxIII;10palavras,ou8%,noxIVeamesmaquantidadenoxV;26palavras,ou 22%, no século xVI; 23 palavras, ou 19%, no século xVII; 14palavras,ou12%,noséculoxVIII;27palavras,ou22%,noséculoxIx esomenteduaspalavras,ou2%,noséculoxx.Maisdametadedaspalavrasoxítonasdeorigemespanholatemoglide[w]comoelementofinal.Aconsoante[s]eavogalnasalizada[ĩ]vêmemsegundolugar,comcercade11%dototalcada.Asvogaismédiasnãoocorremcomoelementosfinaisemnenhumdadodo dh.Asmédias-baixas[E,]nãoocorremnoespanhol,mashávogaismédias-altasnalíngua:

elemeNto fiNal

w s ĩ i /R/ ẽ a ã u õ ũ e o j

total

140 83 16 16 9 8 2 2 2 1 1 0 0 0 0 0 0

Emespanhol,oacento recaiemumadas três sílabasfinaisdapalavra.Empalavrasterminadasemvogalouem/s/,oacentocostumacair na penúltima sílaba.Empalavras terminadas emqualquer outraconsoante, o acento tende a cair na última sílaba, o quemostra quea línguaapresenta certa sensibilidadeaopeso silábico.Sendoassim,aspalavrasterminadasemconsoantequenão/s/jáeramoxítonasemespanhol,comoem“pilar”,doespanhol{pilar}e“dulçor”,de{dulzor}ant.(depois{dulzura}),der.doesp.{dulce‘doceaogosto’(p.opos.a{amarus,a,um}‘amargo’).Esteé,portanto,somenteocasodaspalavrasterminadasem/r/,comocondor e pilar.Noentanto,aspalavrasoxítonasemportuguêsvindasdoespanholterminadasem/s/parecemterquasesempreaconsoante[]emcodaeparecemseroxítonasemespanhol.Algunsexemplos:maís,convés,capuz e avestruz.Novamente,perce-bemosatendênciadoportuguêsemmanteraspalavrasoxítonascomomesmoacentodalínguadeorigem.

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4.4.8Grego26

Diferentemente do latim, o grego apresenta uma influênciamuito limitada,pelomenosnoquediz respeitoàspalavrasoxítonas,emboraseupicosejanoséculoxIx. Portanto, aspalavrasoxítonasdeorigemgregaentraramnoportuguêsporviaseruditas.Osvaloressão:3palavras,ou 4%,noséculoxIII;umapalavra,ou1%,noséculoxIV;4palavras,ou6%,noséculoxV;nosséculosxVI e xVIII9palavras,ou13%,emcadaséculo;28palavras,ou38%,noséculoxIxe7palavras,ou10%,noséculoxx.

No grego antigo normalmente cada palavra tem apenas umasílabaacentuadaqueerapronunciadacompitch mais alto do que das outrassílabas,diferentementedogregomoderno.Oacentopodiacairemqualquermoradasílaba,secompostaporvogaislongaseditongos.Aomesmotempo,oacentopoderiacairemumadastrêsúltimassílabasdapalavrae,casoaúltimasílabacontivesseumavogallongaouditongo,poderiasomentecairemumadasduasúltimassílabas.

Aspalavrasoxítonasdeorigemgregasãoterminadas,emgeral,emconsoanteouemglide,sendoqueoglide [w]ocorreemcercade70%doscasos.

elemeNto fiNal

w /R/ s i õ ã j u ũ ĩ ẽ e o a

total

87 61 14 4 2 2 2 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0

Em relação às vogais, encontramos apenas 4 ocorrências, 2delascomavogal//,quenãoestáocorrenogrego:arqué e koiné.Nosdoiscasos,oelementofinalencontradonapalavraoriginaléavogal/e/, sofrendoalteraçãodealturanoportuguês.Apresençadasvogaisnasalizadaséexplicadapelofatodeumaconsoantenasalemgregoserprecedidadeumavogal.

No grupo das consoantes, /R/ é a mais frequente com 14ocorrências,aopassoqueamenosfrequenteéo/s/,com4ocorrências.Em geral, correspondem às terminações gregas: {ó}{r,oros} e{ê}{r,êros}.Emrelaçãoaosglides,apenasumapalavra terminacom/j/e61palavrasterminamcomoglide /w/.Quandoapalavraterminaem“–eu”emportuguês, tendocomoelementofinaloglide /w/,62%

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daspalavrasoriginaisemgregotrazemadesinência{os,on},comoem“epigeu”:“gr.{epígeios,on}‘terrestre,queestásobreosolo’”e24%adesinência{ou},comoem“himeneu”:“gr.{huménaios,ou}‘cantonupcial;matrimônio’.”Aspalavrasterminadasem“-ão”trazemsempreum consoante nasal na sua desinência em grego, como na palavra“dragão”:“gr.{drák}{ó}{n,ontos}‘dragão,serpente,espéciedepeixe,dragão (símbolomilitar emRoma), colar ou bracelete em forma deserpente, o Dragão (constelação), espécie de laço ou bandagem’.”Portanto,seoacentoésensívelaopeso,ainterpretaçãodaduraçãoedaintensidadevocálicaexplicaamanutençãodoacento.

4.4.9Concani27

Apresençadoconcaninestalistadeve-seaofatodesuainfluêncianoportuguêsdeGoa.Historicamente,aspalavrasdeorigemconcanisãodocumentadasapartirdocontato.Assim,há7palavras,ou10%,nosséculosxVI e xVII,cada;13palavras,ou19%,noséculoxVIII;37palavras,ou55%,noséculoxIx;e4palavras,ou6%,noséculoxx.Oacentoemconcanicaiemsílabaspesadas;emcasodepalavrascomsílabasdepesoigual,oacentocainasílabafinal.

Asvogais[i],[]e[ĩ]totalizammaisde60%dasocorrênciasdeelementofinalnasoxítonasdeorigemconcani:

elemeNto fiNal

i ĩ w /R/ u a ẽ ã o õ j ũ e s

total

78 21 21 10 7 7 3 3 2 2 2 1 1 1 0 0 0

Podemos observar que, das 78 palavras, apenas 4 terminamem consoante e 8 em glide.As 4 palavras terminadas na consoante[R] também têm essa consoante como elementofinal na palavra emconcani, sendoentãoumasílabapesada.Omesmoocorre,emgeral,comaspalavrasterminadasemvogal.Temos,porexemplo,sarangui conc. {s}{á}{rang}{í} termina comvogal longa em concani, sendo,portanto,umasílabapesadae,portanto,oxítona.Nocasodasvogaisnasalizadas,hásempreapresençadeumaconsoantenasalnacodadapalavraemconcani, fazendocomquea sílaba sejapesada.Dosoitoexemplos com glides,apenasumterminaemvogalemconcani,todos

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os outros terminam em alguma consoante que não é permitida emcodanoportuguêsdoBrasil,como,porexemplo,[v]emadav (formaaportuguesaadau),doconcani{á}{d}{á}{v}(sânsc.{á}{d}{á}{na})‘ganho,lucro,receita’.Emnanal,doconcani{nanat},observamosumprocessodeleniçãodaconsoantefinal[t]quenãoépermitidaemcodaemportuguês.

Éinteressanteobservarocasodapalavra“nudá”.O dhafirmaque,segundoDalgado,houveerroduplonatransliteraçãodessapalavradoconcani-marati,emprimeirolugarporqueinverteramaposiçãodosfonemasdaprimeirasílaba{un-}>{nu-},ouseja,umametátese;emsegundo lugar, porque a palavra não é oxítona na língua de origem,logonãodeveriasê-loemportuguês.Essacolocaçãoépertinente,poismostraquenormalmenteespera-sequeapalavrajásejaoxítonaemsualínguadeorigem.

5 século

Aspalavrascomdataçãoprecisaentraramemmaiornúmeronoséculo xIx,seguidopeloxx.Nosdemaisséculos,aentradafoibemmenor,comosepodeobservarnográfico1.

gráfico 1 - datação das Palavras oxítoNas

Assim, podemos observar que o pico de entrada de palavrasoxítonasorigináriasdolatim,do‘tupi’,dofrancês,dogrego,doconcani

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edoespanhol,quetambémtempiconoséculoxVI,éomesmo,asaber,o século xIx.Oiorubáeoinglêstêmseupiconoséculoxx,enquantoo árabe e, novamente, o espanhol no século xVI. O pico geral das6.019palavrascomdatação(57%dalista-base)énoséculoxIx,com2.123palavras.Emseguida,vemoséculoxx,com1.129palavras,efinalmenteoséculoxVI,com819palavras.Asdatas,porém,sãomuitoimprecisas,poisapalavrapodiaestarsendousadanalínguafaladamuitoantesdeserdocumentada.Alémdisso,hámuitasdatascomo1899,queapareceem14,4%dototaldeentradasdatadas,ouseja,869vezes,queremetemapublicaçõesdaépoca–nestecasoàprimeiraedição,emdoisvolumes, doNovo Diccionário da Língua Portuguesa, no ano1899,de Cândido de Figueiredo, que possivelmente descreveu palavras jáhámuitotempousadasnoportuguês.Portanto,édifícilestabelecerosséculoscommaiorentradaefetivadeoxítonas,jáque,provavelmente,o século xIxteveumaincidênciamaiordedocumentação.

4 coNsiderações fiNais

Neste trabalho, analisamos a qualidade das vogais finais dasoxítonas do português (documentadas no dh) e constatamos que oglide[w],asvogais[i],[a]e[u]eaconsoante/R/sãomuitofrequentes,enquanto as vogais nasalizadas [ũ], [ẽ] e [õ] e oglide [j] são poucofrequentes.Oselementos[w],[i],[a]e[u]sãooselementosfinaisemmaisde60%de todasaspalavrasoxítonas.Verificamos, também,sehouvemanutençãooualteraçãodoacentodapalavraemcadaumadaslínguas-fontesdasoxítonas.Estaanálisefoifeitaapartirdoestudodosistemafonológicodecadaumadasnovelínguas-fontesmajoritárias.Desta forma, pudemos então determinar como se deu a adaptaçãodealgumaspalavrasparaoportuguês.Verificamosqueháumafortetendência na manutenção do acento.Assim, a maioria das palavrasoxítonasemportuguêsjáoeraemsualínguadeorigem.

Em relação ao latim, pudemos afirmar que todas as palavrassofreramalgumtipodeprocessofonético/fonológico,jáquenãohaviaoxítonasnessalíngua.Asvogaisnasalizadaspodemserexplicadaspelacodapreenchidaporumanasalemlatimepelanasalizaçãodavogalnapassagemdapalavraparaoportuguês.Naspalavrasterminadas em /w/,percebemosaquedadarimadasílabafinalpós-tônica.Emrelação

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àconsoantefinal/r/,observamosqueapalavradeveterentradocomadesinênciaeentãosofridoperdada rimadaúltimasílabaapósumprocessoderessilabificação.Noscasoscomaconsoante/s/,aconsoantedoataquedaúltimasílabapassaparaacodaquandosuarimacai.Emrelaçãoao‘tupi’,todasaspalavrasterminadasemconsoante,emglide,emvogalnasalizadaeem[i]ou[u]jáeramoxítonas,e,portanto,nãosofrerammudançadeacento.Muitaspalavrasterminadasem[w]sofremditongação e deslocamento de acento para o [u] final. As oxítonasterminadasem/a/e[E]ou[e]parecemtersidooxítonas tambémem‘tupi’.Orestantedaspalavrasmanteveoacentooxítonodo‘tupi’.

As palavras do francêsmantiveram seu acento em português,mesmoque,emalgunscasos,aqualidadedavogaltenhamudado.Emrelaçãoaoárabe,édifícilsaberoacentooriginaldapalavra,jáqueo dh nãodescreveoacentodepalavranoárabe.Noentanto,apresençadevogaisnasalizadaspodeserexplicadapelapresençadacodapreenchidaporumanasalemárabeepelanasalizaçãodavogalnapassagemdapalavraparaoportuguês.Podemosperceberatendênciadoacentoemsermantido,jáquesabemosqueaspalavrasterminadasemconsoantepoderiamseroxítonasemárabedevidoaopesodasílabafinal.Todasaspalavrasoxítonasterminadasemglideorigináriasdoárabetinhamalgumaconsoanteemcodanapalavraemárabe,geralmenteumanasaloulíquida.Emrelaçãoaoiorubá,aspalavrasterminadasemvogal,emgeral,mantêmsuaqualidadenasoxítonasemportuguês.

Asoxítonasterminadasemvogalnasalizadaoriundasdoinglêsterminavamcomconsoantenasaleminglês.Noentanto,amaiorpartedelaseraparoxítonaouproparoxítonaeminglês.Podemossuporque,quandoentrounoportuguês,apalavrafoi reconhecidacomooxítonadevido à sílaba final pesada. Há também alguns casos de palavrasterminadas em consoante nasal que já eram oxítonas em inglês.Aspalavrasterminadasemglide[w]tinham,emgeral,algumaconsoanteem coda como /l/ ou /N/. Finalmente, ocorre com as consoantes omesmo que com as vogais nasalizadas: via de regra, as palavrasoriginaiseminglêsterminamcomconsoante.Entretanto,novamente,amaiorpartedelaseraparoxítonaouproparoxítonaeminglês,comopodeserobservadonosexemplosapresentadosenosdalista-base.Oinglêséalínguaquesofreconsistentementealteraçãodeacento.Essa

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mudançanaposiçãodoacentoaindaprecisaserinvestigadadeformamaisampla.

Emespanhol,oacentoocorreemumadastrêssílabasfinaisdapalavra.Empalavrasterminadasemvogalouem/s/,oacentocostumacair na penúltima sílaba.Empalavras terminadas emqualquer outraconsoante, o acento tende a cair na última sílaba, o quemostra quea línguaapresenta certa sensibilidadeaopeso silábico.Sendoassim,palavras terminadas em consoante que não /s/ já eram oxítonas emespanhol. Novamente percebemos uma tendência do português emmanteraspalavrasoxítonasnalínguadeorigemcomomesmoacento.

Emrelaçãoaogrego,constatamosqueo dhmuitasvezesnãodáinformaçãosobreoacentodapalavra,dificultandoaanálise.Apresençadasvogaisnasalizadaséexplicadapelofatodeumaconsoantenasalemgregoserprecedidadeumavogal.

O acento em concani recai em sílabas pesadas; em caso depalavrascomsílabasdepesoigual,oacentocainasílabafinal.Tendoissoemmente,podemosobservarquedas78palavras,apenas4termi-namemconsoantee8emglide.As4palavrasterminadasnaconsoante/R/ também têm essa consoante como elemento final na palavra emconcani, sendo, portanto, uma sílaba pesada. No caso das vogaisnasalizadas,hásempreapresençadeumnasalnapalavraemconcani,sendoassimumasílabapesada.Dos8glides,apenasumterminaemvogalemconcani,todososoutrosterminamemalgumaconsoantequenãoépermitidaemcodanoportuguêsdoBrasil.Alémdisso,podemosdizerqueháumatendênciadeoacentosemovercasoapalavrasejaumaparoxítonaouproparoxítonaterminadaemsílabapesada,emvogalnasalizadaouem/i/nalínguadeorigem.

Observamos que, em relação ao século, o latim, o ‘tupi’, ofrancês, o grego, o concani e o espanhol têm em comum o pico deentradadepalavrasnoséculoxIx,enquantooiorubáeoinglêstêmopiconoséculoxx.Noentanto,apenas57%dasoxítonastêmoséculodefinidoe,alémdisso,háaquestãodacredibilidadedasinformações,comosediscutiuanteriormente.

Este estudo nos permite lançar novas questões em relaçãoàs palavras oxítonas do português e deve ser entendido como umainvestigação inicial para aumentar a compreensão do acento emportuguês.

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NativizatioN aNd fiNal stress maiNteNaNce iN Portuguese

abstract

Theaimofthispaperistoinvestigatestressmaintenanceinacorpusoffinalstress words (also known as oxytone) in Portuguese. The corpus contains10.494nounwordswithfinalstressandtheirrespectivephonetictranscriptionsfromtheHouaiss Dictionary.Weargue that there isa tendency tokeep thefinalstressasintheirsourcelanguage,especiallyLatin,‘Tupi’,French,Arabic,Ioruba,English,Spanish,GreekandConcani.Wealsodiscussthequalityofthefinalelement (ifvowel,glideorconsonant)and theconnexionwith thedocumentedcenturyofthelexicalborrowing.

Key words:finalstress,portuguese,phonology,oxytone.

Notas

1 SegundoAgostinhoeAraujo(2007),otermotupi,quandoserefereaumalíngua tupi, é comumente empregado de forma convencional, pois umalíngua‘tupi’,efetivamente,nuncaexistiu.Aexpressão‘línguatupi’refere-seaodialetounificadodosinstrumentoslinguísticosutilizadospelosjesuítasnoBrasilColônia,semespecificaçãodasdiferençasregionais,muitomaisdoqueaumalínguaespecífica.Cientificamente,emprega-seotermotupi como denominação de um tronco linguístico, embora, nos círculos nãocientíficoseparacientíficos,use-seotermo‘tupi’comodesignaçãodeumalínguaindígenabrasileira(rodrigues,1986).Apesardeogrupodelínguastupiserbrasileiro,nestetrabalho,aspalavrasnativizadasdeorigem‘tupi’eassemelhadasserãotratadascomosefossemdeorigemestrangeira.

2 Demaislínguas:chinês,37palavras;crioulo,36;japonês,36;persa,35;(deorigem)banta,34;quicongo,31;sânscrito,28;hebraico,27;(deorigem)africana, 24; indigenismo, 24; hindi, 22; alemão, 20; jeje, 18; concani-marata, 16; guarani, 16; provençal, 16;marata, 13; guzarate, 11; turco,10; umbundo, 10; catalão, 8; hispano-americano, 8; neo-árico, 8; russo,7;(deorigem)caribe,6;tamil,6;cariri,5;asteca/náuatle,4;cingalês,4;hauçá,4;hispano-árabe,4;nheengatu,4;bangali,3;galibi,3;germânico,3;gótico,3;malaio-javanês,3;marata-concani,3;qechua,3;tamil-malaio,3;(deorigem)ameríndia,2;arabismoafricano,2;basco,2;birmanês,2;dravídico,2;espanholplatino,2;frânco,2;javanês,2;kwa,2;macua,2;marata-guzarete,2;mongol,2;persa-árabe,2; tapuio,2; tupi-guarani,2;(deorigem)altaica,1;amárico,1;arabismo,1;armênio,1;aruaque,1;(deorigem)bengali,1;berbere,1;butanês,1;(deorigem)céltica,1;(deorigem)

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cigana, 1; cigano, 1; concani-guzarati, 1; copta, 1; crioulomacaense, 1;dinamarquês, 1; divehi, 1; egípcio, 1; (de origem) escandinava, 1; fula,1; galg, 1; ganguela, 1; havaiano, 1; hindi-persa, 1; húngaro, 1; indo-iraniano, 1; jê, 1; línguadeMoçambique, 1; lun, 1; lutiazi, 1;malgaxe,1;malinquê,1;marata-hindustâni,1;marati,1;(deorigem)moçárabe,1;nupê,1;occitano,1;panjabi,1;pareci,1;purocoto,1;semítica,1;tagalog,1;tsonga,1;twi,1;uigur,1;vietnamita,1;exipaia,1.

3 Aorigem‘portuguesa’deve-seaofatodeapalavrapoderserderivadadeumapalavraportuguesa.

4 Emboraaspalavrasde‘origemindígena’e‘africanismos’sejamsignifica-tivos,estaspalavrasnãoforamanalisadasnestetrabalhoumavezquenãofoipossívelespecificaraorigem.

5 Vernotaanterior.6 Quandoonúmeroforzero,issoindicaquenãohánenhumapalavraoxítona

terminadacomestefonemanestadadalínguanalista-base,oquenãoquerdizerquealínguanãopossuaestefonema.Estadiscussãoseráretomadanaanálisedoquadrofonológicodessaslínguas.

7 LT:latim;TP:‘tupi’;FR:francês;ARB:árabe;IRB:iorubá;ING:inglês;ESP:espanhol;CGR:grego;CON:concani.

8 Cf.AgostinhoeAraujo(2007),paraalistacompletadaslínguas.9 Éválido ressaltarque todaaclassificaçãodas línguasnosgruposacima

citadosfoifeitaatravésdoprópriodh.10 Asaber:galg,luziati,malinquê,origemciganaepurocoto.11 Foram colocadas em outras as línguas commenos de dez ocorrências,

somando3%dosdados,sendoelas:berbere,egípcio,fula,ganguela,hauçá,kwa,línguadeMoçambique,lun,macua,malgaxe,nupê,tsongaetwi.

12 UmimportanteparalelonaclassificaçãodaspalavrasdeorigemafricanaédiscutidoporPetter(2002,2003).

13 Aseguirealhures,quandomencionados,osexemplosretiradosdiretamentedo dh terãoaseguinteapresentação:(verbeteemitálico)abati:(seguidopelalínguadeorigem)‘tupi’(transliteração,dentrodechaves,comapóstrofoprecedendoasílabatônica){awa’ti}(significadonalínguaoriginal,entreaspassimples)‘milho,arroz,trigo’.

14 Foram colocadas em outras as línguas com menos de 8 ocorrências,somando 1% dos dados. São elas: catalão, espanhol platino, franco,hispano-americano,hispano-árabeeoccitano.

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15 Foram colocadas em outras as línguas com menos de 12 ocorrências,somando12%dosdados.Sãoelas:amárico,arabismo,arabismoafricano,armênio, bangali, butanês, cingalês, concani-guzarati, copta, crioulomacaense, divehi, dravídico, guzarete, hindi-persa, indo-ariano, javanês,malaio-javanes, marata-concani, marata-guzarete, marata-hindustâni,marati,neo-árico,origembengala,origemmoçárabe,panjabi,persa-árabe,semítica,tagalog,tamil,tamil-malaioeuigur.

16 Ademais,14,4%dototaldeentradasdatadassãodepalavrascujadataçãoé1899,queapareceem869vezes(incluindopalavrasdolatimedeoutraslínguas).Nessecaso,afonteempregadano dh éaprimeiraedição(emdois volumes) doNovo Diccionário da Língua Portuguesa, deCândidode Figueiredo. Portanto, reconhecemos que a datação dos dicionáriosetimológicosapresentacertosproblemas.

17 AsinformaçõessobreolatimforamretiradasdeWilliams(1975).18 Ressaltamos que esta afirmação só poderia ser feita categoricamente

casocadaumadaspalavrasfosseanalisada,poisnãohácomosaberseupercursoatravésapenasdestesdados.Épossívelquealgumapalavranãooxítona em ‘tupi’ originasse uma palavra oxítona em português,mas atarefadeanálisedecadaumadestaspalavrasnãopoderiaserfeitanesteespaço.

19 Dasonzepalavras,duasnãopossuemetimologiaprecisa.Aetimologiade“tucanivar”édadasomentecomo“tupi”eade“aracambus”como“tupi,masdeétimoobscuro”.

20 As informações sobre o francês foram retiradas de Schane (1968) e dePeytardeGenouvrier(1970).

21 AsinformaçõessobreoárabeforamretiradasdeWatson(2002).22 AsinformaçõessobreoiorubáforamtiradasdeBamgbose(1969).23 AsinformaçõessobreoinglêsforamretiradasdeJensen(1993).24 Apalavradedetê(5%restantesdototal)éaleituraemportuguêsdeuma

siglainglesa.25 AsinformaçõessobreoespanholforamretiradasdeCamposeMartinez-

Gil(1991).26 AsinformaçõessobreogregoforamretiradasdeMorwood(2001)eGarino

eUbaldi(1946).27 AsinformaçõessobreoconcaniforamretiradasdeMenezes(2008).

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