ESTRANGEIRISMOS: QUESTÕES HISTÓRICAS, GRAMATICAIS E SOCIAIS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE LETRAS DISCIPLINA: SEMÂNTICA DO TEXTO TURMA: A 2011/1 PROFESSORA Dra. ANA ZANDWAIS ALUNAS: TAINARA BELUSSO DA SILVA VERA REGINA SALIMEN AGRELLO ESTRANGEIRISMOS: QUESTÕES HISTÓRICAS, GRAMATICAIS E SOCIAIS.

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O presente trabalho tem como objetivo fazer uma breve reflexão sobre a adoção de empréstimos linguísticos de línguas estrangeiras na língua portuguesa (brasileira) e sobre os aspectos gramaticais e sociais que estão associados a esta ocorrência lingüística. Para isso, nos fundamentaremos nas obras de Mattoso Câmara Jr., Rodrigues Lapa, entre outros autores que discutem como esses empréstimos chegam, e como, frequentemente, eles entram definitivamente para o léxico da língua de chegada. A fim de entender o percurso de como estas palavras chegam e se mantêm ou não na língua, selecionamos alguns idiomas que mais contribuem com empréstimos para a língua portuguesa brasileira, explicaremos os aspectos históricos que contribuíram para que essas palavras chegassem até nós e se firmassem na língua em cada época.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE LETRAS

DISCIPLINA: SEMÂNTICA DO TEXTO TURMA: A 2011/1

PROFESSORA Dra. ANA ZANDWAIS

ALUNAS: TAINARA BELUSSO DA SILVA

VERA REGINA SALIMEN AGRELLO

ESTRANGEIRISMOS: QUESTÕES HISTÓRICAS,

GRAMATICAIS E SOCIAIS.

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“A totalidade da sabedoria humana não está contida em nenhuma língua, e

nenhuma língua é capaz de expressar todas formas e todos os graus da

compreensão humana”

Ezra Pound

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Estrangeirismos: questões históricas, gramaticais e sociais

O presente trabalho tem como objetivo fazer uma breve reflexão sobre a adoção

de empréstimos linguísticos de línguas estrangeiras na língua portuguesa (brasileira) e

sobre os aspectos gramaticais e sociais que estão associados a esta ocorrência

lingüística. Para isso, nos fundamentaremos nas obras de Mattoso Câmara Jr.,

Rodrigues Lapa, entre outros autores que discutem como esses empréstimos chegam, e

como, frequentemente, eles entram definitivamente para o léxico da língua de chegada.

A fim de entender o percurso de como estas palavras chegam e se mantêm ou

não na língua, selecionamos alguns idiomas que mais contribuem com empréstimos

para a língua portuguesa brasileira, explicaremos os aspectos históricos que

contribuíram para que essas palavras chegassem até nós e se firmassem na língua em

cada época.

Ampliando o léxico

O vocábulo estrangeiro quando é sentido como útil, tende a adaptar-se à língua

nacional gerando o processo conhecido como aportuguesamento. Segundo Mattoso

Câmara Jr., empréstimos linguísticos são definidos como:

“empréstimos vocabulares não integrados na língua nacional, revelando-se

estrangeiros nos fonemas, na flexão e até na grafia ou os vocábulos nacionais

empregados com a significação dos vocábulos estrangeiros de forma

semelhante”.(BAGNO, 1977, P. 11)

O condicionamento social para os empréstimos é o contato entre povos de

línguas diferentes. O português do Brasil sofreu empréstimos de variadas línguas: as de

origem indígena, africanas, e todas as línguas dos colonos imigrantes. Atualmente, os

estrangeirismos mais frequentes na língua portuguesa são os galicismos e os

anglicismos.

Certo é que nenhuma língua existe em isolamento, passando por variações que

podem ser de natureza diacrônica (que ocorrem ao longo do tempo) ou sincrônicas

(variações regionais, sociais, estilísticas de indivíduos ou grupo de falantes). Em tempos

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mais remotos, tais interações eram decorrência, sobretudo, de dois processos sociais,

conquista e imigração. Atualmente a interação é decorrência do processo de

globalização e dos grandes avanços tecnológicos que permitem trocas constantes entre

os indivíduos das mais diversas culturas e comunidades lingüísticas.

Evidentemente que se observa que a predominância ou maior influência de uma

língua sobre outra tem relação direta com o poder político e econômico da comunidade

lingüísticas em questão. Assim, nos casos de colonização é comum a língua do

colonizador predominar sobre a do colonizado. Na atualidade, quanto maior o número

de falantes de uma língua e seu poder econômico, maior sua influência sobre as outras

línguas. “O estrangeirismo tem vantagens: aumenta o valor expressivo das línguas,

esbate a diferença dos idiomas, tornando-os mais compreensivos, e facilita, por isso

mesmo, a comunicação das idéias gerais.” (LAPA, 1970, p. 43)

Marcos Bagno afirma que, no entanto, “é bom lembrar que os estrangeirismos

não alteram as estruturas da língua, a sua gramática (..) contribuindo no nível mais

superficial, que é o léxico”. ( BAGNO, 2001, p.74) Nos dá como exemplo a frase:

O office-boy flertava com a baby-sitter no hall do shopping-center.

Os substantivos são todos de origem inglesa, mas o ordenamento das palavras no

enunciado estão observando a ordem da sintaxe portuguesa.

Além disso, pronunciamos as palavras ‘estrangeiras’ como se não fossem, ou

seja, com características fonético-fonológicas do português brasileiro. Ao longo do

tempo as palavras vão tomando padrões gráficos que aproximam a pronúncia da escrita.

Foi o que ocorreu, por exemplo, com sinuca (snooker) e panqueca (pancake). Diversas

palavras que hoje nos soam como perfeitamente ‘nossas’, foram num primeiro momento

importadas e, com o processo gradual de aportuguesamento se incorporaram

definitivamente ao nosso vocabulário. É o caso de clube, boné, hotel, futebol, butique,

batom, judô, ópera, ioga, trem, restaurante, golfe, iate, jangada (palavra de origem

malaia), comitê e tantas outras.

Importante realçar, no entanto, que a incorporação de uma palavra ‘estrangeira’

ao vocabulário da língua materna, acompanha o uso que os falantes nativos desta língua

fazem desses empréstimos lexicais. Por vezes certas palavras circulam entre os falantes

por algum tempo e depois saem de cena. É o caso da palavra bandô (espécie de turbante

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que as mulheres usavam no cabelo há alguns anos). Portanto, se as coisas deixam de ser

usadas, as palavras também. Segundo Marcos Bagno, a língua mesmo “acolhe o que

tem serventia e descarta o que é dispensável. E a língua é assim porque ‘a língua’ não

existe: o que existe são seres humanos, inseridos em contextos sócio-históricos

específicos (...)”.(BAGNO, 2001, p. 82)

Aspectos formais dos empréstimos

Segundo Antônio Sandmann um dos recursos de “enriquecimento do

vocabulário de uma língua como o português, são os empréstimos de outras línguas”.

(SANDMANN, 1992, p.22) Há empréstimos adaptados (líder, do inglês leader);

empréstimos não-adaptados que podem ser apenas ortograficamente (show, freezer,

lobby); fonológica e ortograficamente (joint venture, jazz,somoking) ou, ainda,

morfossintaticamente, nos quais a flexão de plural não obedece as regras do português

(lobby/lobbies, corpus/corpora). Ainda argumenta o autor que um forte indício de que

‘o empréstimo está bem adaptado à língua-destino é a existência de palavras derivadas

do mesmo: snob – esnobar, esnobação; knock-out – nocaute, nocautear’

(SANDMANN, 1992, p.23). O empréstimo passa a servir de base para derivações,

sobretudo, sufixações.

Por outro lado, há os empréstimos lexicais em processo de adaptação, quando

ainda não está definida sua forma de pronúncia ou grafia (menu ou meni – pronúncia

variada; stress/estres ou estresse – pronúncia e grafia variadas).

Nos empréstimos semânticos, toma-se emprestada a ideia, o significado,

podendo ou não haver mudança estrutural. Em cachorro-quente (hot-dog) temos

alteração de estrutura. Já em alta fidelidade (high fidelity) não.

Ieda Maria Alves explica que o estrangeirismo é mais encontrado em

vocabulários técnicos, como por exemplo no esporte (pole-position), economia

(leasing), informática (notebook), e também na publicidade. Esta última para tornar o

produto superior, sofisticado, já que a idéia recorrente é de que o que é importado é de

melhor qualidade.

Para Rodrigues Lapa não há sinônimo perfeito para uma palavra que é

empréstimo. Ele expõe o exemplo da palavra bibelô adotada do francês. Na França,

bibelot era um produto delicado que adornava salões fúteis; trazido para o português, o

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termo bibelô designa um pequeno objeto, podendo ser vaso, jarra, figura, que usamos

para enfeitar a casa. Em português, não há um sinônimo perfeito para a palavra bibelô; o

autor sugere bugiganga, e concorda que bibelô não é exatamente uma bugiganga. Ou

seja, o empréstimo vem para suprir a falta de vocabulário nas específicidades da língua.

Por fim, é bom ressaltar que quase todos os empréstimos são substantivos.

Adjetivos como esnobe são exceções bem raras.

O português brasileiro e seus empréstimos

A história da humanidade é um fluir constante de fatos que acabam gerando

múltiplas consequências. Sem dúvida alguma, as navegações marítimas do século XVI

desencadearam um vasto processo de mudanças com a expansão territorial da Europa e

a colonização do chamado Novo Mundo. Além disso, as trocas comerciais com os

países do oriente transformaram aquele momento num período de muita ebulição no

campo do conhecimento além-fronteiras. Foi uma época marcada pelo encontro com a

diversidade através do contato com povos e culturas até então desconhecidos. O

horizonte dos povos se ampliou e o homem deu-se conta de que muito havia por

explorar e conhecer. Todo esse processo trouxe o deslumbramento pelo encontro, mas

também muita violência na submissão e extermínio dos mais fracos.

Concomitantemente, era a época do renascimento das letras e das artes e a

retomada dos estudos do grego e do latim, já que estava decretada a morte do

obscurantismo medieval. Os horizontes linguísitcos se ampliam também com as análises

do hebraico e do árabe.

Neste contexto deu-se a ‘descoberta das terras do Brasil’. Imaginar o primeiro

contato dos portugueses com os indígenas que habitavam a costa brasileira é algo que

transcende nossa capacidade de abstração. Além de todo o estranhamento físico pela

presença do ‘outro’ havia toda a barreira da língua. No entanto, o contato se fez e a

comunicação acabou por se estabelecer. Naquele momento, a língua, que é viva e está

em permanente ebulição, desencadeava seu processo de múltiplos empréstimos e

transformações. Não devemos, no entanto, imaginar que todo esse processo transitou de

forma pacífica e repentina. Segundo Marcos Bagno:

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“A escola passa a idéia irreal de que a língua portuguesa se implantou no Brasil, assim

que os portugueses desembarcaram aqui, de modo pacífico e ordeiros (e não por meio

de uma política lingüística declaradamente autoritária (..) com os índios e os negros

escravizados reconhecendo a ‘superioridade’ da língua dos “civilizados”.”(BAGNO,

2001, p.55)

Aos poucos os portugueses foram se estabelecendo em terras brasileiras e com

eles a língua que falavam na metrópole. Vinda de todas as partes de Portugal, essa

língua (diversificada já na sua origem), de aspecto ainda conservador, primeiro se

estabeleceu no litoral, influenciando-se, fundindo-se e cruzando-se com o tupi, língua

falada em toda a costa brasileira e, por algum tempo, tornada língua geral do Brasil

colônia. Daí foi levada para o interior, após entrar em contato com aloglotas

(ameríndios e africanos que, diante de uma língua nova, tinham de aprendê-la

rapidamente e de ouvido), resultando a formação de linguagens emergenciais, um

português deturpado, falado e transmitido diferentemente do seu modelo.

O português brasileiro, pois, na sua constituição, é fruto de duas derivas: uma

conservadora e, portanto, de desenvolvimento lento, o falar de uma população

proveniente de vários pontos de Portugal e que, achando-se em contato com falares tão

diversos, se viu obrigada a elaborar um denominador comum que não participava das

mudanças da metrópole; a outra, sujeita a condições sociais próprias, que lhe imprimem

velocidade inesperada, o falar dos índios, negros e mestiços, que tiveram de aprender

rapidamente e de modo imperfeito a língua dos senhores.

Durante o primeiro século da colonização, a necessidade imposta pelo contato

social e interlingüístico fez com que se formasse, entre índios, negros e mestiços, uma

linguagem rude (porém mais conservadora), de gente inculta, denominada crioulo ou

semicrioulo, que foi disseminada pelos sertões, através da ação das Bandeiras (a partir

do séc. XVII), tornando-se a linguagem popular do interior brasileiro. Passada às

gerações seguintes, essa língua geral, por influência das altas classes e das escolas, foi

sendo eliminada nos grandes centros, permanecendo apenas no interior, diferenciando-

se, assim, lingüisticamente, o homem do interior e o do litoral do país, onde predominou

a língua portuguesa.

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A princípio entregue aos jesuítas, o ensino regular atingiu novas proporções com

a chegada da Família Real, quando foram criadas novas escolas, influenciando cada vez

mais na uniformização da linguagem e consequente diminuição dos falares regionais.

Empréstimos das línguas indígenas

Das línguas indígenas, o português incorporou principalmente palavras

referentes à flora (como abacaxi, buriti, carnaúba, mandacaru, mandioca, capim, sapé,

taquara, peroba, imbuia, jacarandá, ipê, cipó, pitanga, maracujá, jabuticaba e caju), à

fauna (como capivara, quati, tatu, sagüi, caninana, jacaré, sucuri, piranha, araponga,

urubu, curió, sabiá), nomes geográficos (como Aracaju, Guanabara, Tijuca, Niterói,

Pindamonhangaba, Itapeva, Itaúna e Ipiranga) e nomes próprios (como Jurandir,

Ubirajara e Maíra). Em 1757, o tupinambá foi proibido por uma Provisão Real. Nessa

época, o português se fortaleceu com a chegada no Brasil de um grande número de

imigrantes vindos da metrópole. Com a expulsão dos jesuítas do país, em 1759, o

português fixou-se definitivamente como o idioma do Brasil.

Empréstimos das línguas africanas

Com o fluxo de escravos trazidos da África, a língua falada na colônia recebeu

novas contribuições. A influência africana no português do Brasil, que em alguns casos

chegou também à Europa, veio principalmente do iorubá, falado pelos negros vindos da

Nigéria (vocabulário ligado à religião e à cozinha afrobrasileiras), e do quimbundo

angolano. Os vocábulos provenientes do iorubá tais como axé, acaçá, ebô, obi, ojá,

egum, ori, orobô, axexê etc., trazidos com os negros da Nigéria, têm seu uso quase

somente dentro de cultos afro-religiosos. Sendo assim, poucos são os termos de

conhecimento popular, como Iemanjá – orixá das águas; acarajé – bolinho de feijão

fradinho frito no azeite de dendê, popularizado na Bahia; ou abadá, que significa

originalmente uma espécie de vestido largo até o tornozelo utilizado por homens no

candomblé, e recebe hoje o novo significado de camisetas coloridas usadas

principalmente por foliões em blocos carnavalescos para se identificarem como um

grupo, entre outros. Já os vocábulos provenientes do quimbundo, trazidos pelos negros

de Angola, integram-se ao léxico mais geral; por exemplo, caçula, molequesamba,

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bunda, moleque, miçanga, marimbondo, quilombo, senzala, cafuné, marimba, quenga.

Este último, inicialmente, vasilha feita da metade de um coco, em sentido conotativo

passou a ser mulher que perdeu o quengo, isto é, a cabeça, tornando-se prostituta – que

aparece muito nos romances de Jorge Amado e foi difundido pela televisão já que

muitos desses romances foram transformados em telenovelas.

Após a independência (1822), o português falado no Brasil sofreu influências de

imigrantes europeus que se instalaram no centro e sul do país. Isso explica certas

modalidades de pronúncia e algumas mudanças superficiais de léxico que existem entre

as regiões do Brasil, que variam de acordo com o fluxo migratório que cada uma

recebeu.

Empréstimos do árabe

Outro contribuidor do léxico brasileiro é o árabe, que se deu pela invasão dos

árabes na Península Ibérica. Segundo Rodrigues Lapa, os árabes não mudaram a

estrutura da língua, somente enriqueceram o vocabulário com “palavras que traduzem

geralmente as aquisições da técnica e os gozos terrestres da vida” (LAPA, 1970, p.

38).

Vejamos o texto abaixo:

‘Oxalá fosse capaz de causar tamanho alarido que atraísse a atenção, até mesmo

do menos interessado fulano de tal, na mais distante aldeia do planeta, para o quilate da

importância dos empréstimos a uma determinada língua. Com eles não vem apenas o

aumento do léxico, mas um arsenal de informações que enriquecem os falantes desse

idioma.

Pode parecer puro alarde, mas não consigo deixar de afagar o sonho de abafar a

algazarra que fazem os que, algemados à desculpa de estarem protegendo a língua

pátria, combatem os estrangeirismos que cedo ou tarde acabam por a ela se

incorporarem, expandindo seus limites e alargando os horizontes de seus falantes em

lugar de mantê-los reféns de conceitos armazenados.’

Todas as palavras grifadas no texto acima são de origem árabe.

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O vocabulário português de origem árabe denuncia bem em que medida se exerceu

entre nós a influência dos sarracenos, que introduziram na Península novidades

referentes a agricultura, indústria, ciências e artes, comércio, administração, etc.

(LAPA, 1970, p.37)

Vale ressaltar que grande número das palavras oriundas do árabe iniciam por

“al” que é o único artigo do idioma – invariável, tanto em gênero quanto em número

(alazão, alcachofra, alcatra, alfândega, alcunha, alcaide, alcatifa, alcova, algodão...) Este

artigo pode ainda aparecer reduzido à vogal “a” como em açougue, açúcar, azeite, azul

etc.

Galicismos

Os galicismos são termos ou locuções emprestados da língua francesa. Esses

empréstimos vieram a partir do século XIII, onde o nosso país teve uma grande escola

de poesia lírica e a França deu o impulso inicial. Na verdade, a influência da França

sempre foi presente no português. A primeira dinastia de reis portugueses proveio de

Borgonha, os trovadores provençais semeavam palavras de cultura na corte portuguesa,

a França teve destaque na ressurreição de termos latinos imitados pelos portugueses e

traduções de obras francesas entraram cedo na península Ibérica, quer diretamente no

português, quer por meio do espanhol. Mas o ápice da influência francesa se deu no

século XIX. Com a escola romântica em alta no Brasil, nossos autores também foram

influenciados pelo movimento que já estava ocorrendo na França, e acabaram servindo-

se de algumas palavras do vocabulário francês. Nesta época a França era referência

mundial e modelo absoluto a ser seguido no Brasil. A relação entre os dois países

extrapola o fato de a língua francesa ser lecionada nas escolas durante esse período e o

vestuário, por exemplo, ser inteiramente baseado nas tendências e condições climáticas

da França. É preciso lembrar, por exemplo, que as resoluções arquitetônicas adotadas na

reforma higienista do Rio de Janeiro, realizada no início do século XX, foram todas

baseadas em Paris, consagrada e reverenciada mundialmente como Cidade Luz. Vale

recordar também que, justamente por isso, no século XIX, o Rio de Janeiro e Buenos

Aires disputavam o título de Paris das Américas.

Exemplos de galicismos:

Abajur (de “abat-jour”), buquê (de “bouquet”), carnê (de “carnet”),crochê (de

“crochet”), filé (de “filet”). É também considerado galicismo o emprego indiscriminado

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da preposição “a”, especialmente quando pode ser substituída por “com”, “de” ou “em”,

como em “chocolate ao leite” (com leite), “entrega a domicílio” (em domicílio),

“equação a duas incógnitas” (de duas incógnitas), “falar ao telefone” (no telefone) e

“situado à avenida 7” (na avenida).

No início do século 20, a influência francesa cede espaço para o inglês.

Anglicismos

Os anglicismos tornaram-se mais presentes na língua portuguesa a partir da

segunda guerra mundial, quando se intensificaram os estudos de língua inglesa. A partir

daí o mundo foi bombardeado com grande intensidade pela propaganda americana, no

cinema, livros, revistas, e o american way of life passou a ser adotado como padrão de

bem viver. Mais recentemente, com o advento da informática, uma enxurrada de

expressões e vocábulos ingleses inundaram o léxico português (software, hardware e as

formas aportuguesadas deletar, printar). Relativamente ao estrangeirismo delet,

curiosamente a palavra vem do particípio latino deletus (destruído) do verbo delere

(destruir). Então neste caso, o inglês acabou por ‘relatinizar’ o português.

Além disso, a propaganda, ou o mundo do marketing, e a instantaneidade das

comunicações trouxeram uma intensa convivência de nossa língua com vocábulos de

origem inglesa. Com isso, as lojas fazem sale e não mais liquidações; se quisermos um

lanche para levar para casa, vamos ao delivery de uma fast food; e nos finais de semana

pedalamos nossas bikes pelos parques da cidade. Bem recentemente, um novo vocábulo

foi introduzido nos meios de comunicação, a palavra default, para referir-se à

possibilidade de quebra, ou calote financeira, da Grécia que enfrenta sérios problemas

econômicos. O jornal Estado de São Paulo, em sua edição on line de 19.6.2011,

publicou a seguinte manchete “Default da Grécia precisa ser evitado, diz Juncker”

Outros exemplos de anglicismos: airbag, e-mail, feedback, free lancer (já com

versões aportuguesadas para frila), nonsense, ranking, showroom.

Considerações Finais

Com esta pesquisa podemos perceber o quanto nossa língua é heterogênea na

questão lexical. A necessidade de denominar novos objetos, conceitos etc, faz com que

recorramos às outras línguas que já tem esse objeto ou conceito denominado.

Certamente que, o que também impera aqui, é a questão social e histórica, pois como

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vimos neste trabalho, a maioria dos empréstimos vieram dos povos que detinham o

poder em determinado momento histórico, assim impondo, de certa maneira, à sua

língua sobre o povo dominado.

A partir deste fato, podemos concluir que a tentativa de “purificar” a língua não

passa de um equívoco; as línguas são formadas a partir de outras línguas, portanto não

há como purificar o que nunca foi puro. Empréstimos são necessários para o

crescimento e a atualização da língua, pois à medida que surgem novos objetos e

conceitos, é necessário denominá-los, o que de certa maneira padroniza e une os

diferentes idiomas.

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Referências Bibliográficas:

ALVES, Ieda Maria – Neologismo: criação lexical – Ed. Ática S.A. – São Paulo –

1990.

BAGNO, Marcos – Cassandra, Fênix e outros mitos – Ed. Parábola – São Paulo –

2004.

DANNEMANN, Fernando Kitzinger. – Galicismo - http://recantodasletras.com.br -

28.6.2011

LAPA, M. Rodrigues – Estilística da Língua Portuguesa – Livraria Acadêmica – Rio de

Janeiro – 1970

SANDMANN, Antonio – Morfologia lexical – Ed. Contexto – São Paulo – 1992.

VIARO, M. E. - Revista Língua Portuguesa – Ed. Segmento – Ano 5. nº 68. Junho/2011

http://economiaestadao.com.br - Default da Grécia precisa ser evitado, diz Juncker”

19.6.2011.