ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS UTILIZADAS POR ENFERMEIROS NO...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS UTILIZADAS POR
ENFERMEIROS NO TRABALHO EM
ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA
DISSERTAÇÃO
Paula Hübner Freitas
Santa Maria, RS, Brasil
2014
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ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS UTILIZADAS POR ENFERMEIROS
NO TRABALHO EM ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA
Paula Hübner Freitas
Dissertação, vinculada a Linha de Pesquisa Trabalho e Gestão em Enfermagem do
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria
PPGENF/UFSM, como requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Enfermagem
Orientadora: Profa. Dra. Carmem Lúcia Colomé Beck
Coorientadora: Profa. Dra. Teresinha Heck Weiller
Santa Maria, RS, Brasil
2014
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© 2014
Todos os direitos autorais reservados a Paula Hübner Freitas. A reprodução de partes ou
do todo deste trabalho só poderá ser feita mediante a citação da fonte. E-mail:
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RESUMO
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Universidade Federal de Santa Maria
PPGENF/UFSM
ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS UTILIZADAS POR ENFERMEIROS
NO TRABALHO EM ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA
AUTORA: Paula Hübner Freitas
ORIENTADORA: Profa. Dra. Carmem Lúcia Colomé Beck
COORIENTADORA: Profa. Dra. Teresinha Heck Weiller
Data e local de defesa: Santa Maria, 09 de Janeiro de 2014.
O presente estudo tem como objetivo geral identificar as estratégias defensivas que os
enfermeiros da Saúde da Família utilizam frente ao sofrimento para conduzir o seu
trabalho e como objetivo especifico, identificar a organização do trabalho e suas
relações com as vivências de prazer e sofrimento dos enfermeiros que atuam na
Estratégia Saúde da Família. Trata-se de um estudo exploratório-descritivo com
abordagem qualitativa. Participaram do estudo os 16 enfermeiros que atuam nas
unidades Estratégia Saúde da Família do Município de Santa Maria/RS, Brasil.
Utilizou-se a entrevista semiestruturada como instrumento de coleta de dados, a qual
ocorreu no período de janeiro a abril de 2013. Os dados foram analisados segundo a
análise de conteúdo temática proposta por Minayo. Como resultados destacam-se: a
população estudada é de adultos jovens, na faixa etária entre 26 e 35 anos; 87,5% do
sexo feminino e atuam entre 01 a 04 anos na ESF. Os principais fatores que conduzem
ao sofrimento e ao desgaste, relatado por esses trabalhadores são a sobrecarga, as
cobranças da comunidade, o pouco reconhecimento, o limitado apoio dos gestores em
prol de melhorias físicas das unidades e o aumento do quadro de trabalhadores e as
restritas ações voltadas à saúde do trabalhador. Relacionam o prazer, com o fato de
desempenhar as atividades privativas do enfermeiro, as relações de confiança e apoio
entre os trabalhadores da equipe, o vínculo e o reconhecimento por parte dos usuários e
o sentimento de utilidade ao trabalhar com a comunidade. No que se refere às
estratégias defensivas, que utilizam frente ao sofrimento, emergiram as individuais
(planejamento e descentralização das ações e tarefas; iniciativas e adaptação;
reconhecimento de suas limitações; fortalecimento da espiritualidade; banalização,
racionalização; negação e fuga). As estratégias coletivas destacam-se: alocação de
recursos próprios para resolver dificuldades, diálogo como ferramenta de trabalho e
momentos de descontração. Os enfermeiros salientam que sentem impacto em sua saúde
e há poucas ações referentes à saúde do trabalhador, existe um distanciamento entre o
trabalhador e o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador do município. Espera-se
que esses resultados contribuam com a construção de conhecimentos e que sejam
traduzidos em políticas públicas votadas para esses trabalhadores, destacando também a
importância da discussão dessa temática na formação dos enfermeiros.
Palavras-chave: Enfermagem. Saúde do Trabalhador. Atenção Primária à Saúde. Saúde
da Família.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................. 7
REFERENCIAL TEÓRICO....................................................................................... 13
PERCURSO METODOLÓGICO............................................................................... 23
RESULTADOS............................................................................................................. 31
Quadro 01...................................................................................................................... 31
Quadro 02...................................................................................................................... 32
ARTIGO 01 - A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E O PRAZER E
SOFRIMENTO DOS ENFERMEIROS DE ESTRATÉGIA SAÚDE DA
FAMÍLIA.......................................................................................................................
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ARTIGO 02 - ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS FRENTE AO SOFRIMENTO NA
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO EM ESTRATÉGIA SAÚDE DA
FAMÍLIA......................................................................................................................
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DISCUSSÃO INTEGRADORA...................................................................................... 109
CONSIDERAÇÕES GERAIS..................................................................................... 111
REFERENCIAS GERAIS........................................................................................... 113
APENDICE A............................................................................................................... 117
APENDICE B............................................................................................................... 119
APENDICE C............................................................................................................... 120
APENDICE D............................................................................................................... 121
ANEXO A...................................................................................................................... 122
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INTRODUÇÃO
A Estratégia Saúde da Família (ESF) tem a proposta de transformar o paradigma
que orienta o modelo de atenção à saúde vigente no Brasil, especialmente o modelo
hospitalocêntrico. Ela foi implantada tendo em vista a necessidade de construir
mecanismos capazes de fomentar a continuidade das conquistas sociais, inspiradas pela
Reforma Sanitária e pelos princípios do Sistema único de Saúde (SUS). Isso tem como
perspectivas: a busca da valorização de ações de promoção e proteção da saúde,
prevenção das doenças e atenção integral à população. (BRASIL, 2000).
Vale destacar que esse modelo representa um desafio a um olhar técnico e
político mais ousado, uma vez que suas diretrizes apontam para uma dinâmica na
organização dos serviços e ações de saúde. Visto que o modelo tecnicista/
hospitalocêntrico não atende mais à emergência das mudanças do mundo moderno e,
consequentemente, às necessidades de saúde da população (SOUZA, ABRAHÃO;
2010).
A ESF caracteriza-se como uma estratégia para a reorganização e fortalecimento
da atenção básica no SUS, mediante a ampliação do acesso, a qualificação e a
reorientação das práticas de saúde. Tem como objetivos possibilitar a integração e
promover a organização das atividades em um território definido, com o propósito de
propiciar o enfrentamento e resolução dos problemas identificados (ASSIS et al, 2007).
Assim, a ESF busca obter como resultados uma maior racionalidade na utilização dos
níveis de maior complexidade assistencial e indicadores de saúde favoráveis da
população assistida (ASSIS et al, 2007; SOUZA; ABRAHÃO, 2010).
Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2000), a Estratégia de Saúde da
Família é composta por uma equipe básica formada por um enfermeiro, um médico, um
técnico de enfermagem e, em média, quatro a seis agentes comunitários de saúde.
Pode-se acrescentar a essa composição, como parte da equipe multiprofissional,
os profissionais de saúde bucal: cirurgião-dentista generalista ou especialista em saúde
da família, auxiliar e/ou técnico em Saúde Bucal. Cada equipe de Saúde da Família deve
ser responsável pelo cuidado de uma população de aproximadamente 2.000 pessoas
segundo a Portaria nº 2.355 de 10 de outubro de 2013.
O trabalho do enfermeiro na ESF pressupõe o enfoque de cuidado na família e
no trabalho em equipe, exerce uma atividade de supervisão e liderança do trabalho
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realizado pelos agentes comunitários e técnicos de enfermagem, servindo de referência
para esses trabalhadores (COLOME; LIMA; DAVIS, 2008).
É interessante ressaltar que as atribuições do enfermeiro se constituem no
monitoramento das condições de saúde como núcleo da atenção de enfermagem, seja no
atendimento individual ou no atendimento grupal; capacitação e supervisão dos agentes
comunitários de saúde; abordagem dos aspectos de educação sanitária e cidadania;
promoção da qualidade de vida e contribuição para que o meio ambiente se torne mais
saudável; levantamento e monitoramento de problemas de saúde. Ainda, eles deverão
estar articulados à intervenção nos agravos de ordem patológica e no exercício de uma
prática de enfermagem comunicativa, buscando a ampliação da autonomia dos sujeitos
(BRASIL, 1997; BRASIL,2011).
Com a responsabilidade de desenvolver habilidades e competências para o
cuidado complexo, o enfermeiro desempenha várias atividades que envolvem o
tratamento, a prevenção de doença e agravos, a busca da integralidade, a universalidade
do acesso e a equidade no atendimento (FONTANA; SIQUEIRA, 2009). Portanto, a
enfermagem, enquanto prática social, busca responder às exigências sociais e de saúde
de uma determinada época e de um determinado espaço social (ERMEL et al., 2006).
Nesse percurso, o enfermeiro pode vivenciar vários conflitos, principalmente
quando o desejo do trabalhador diverge da realidade imposta pelo trabalho. Nesse
contexto, o trabalhador tende a buscar o equilíbrio entre o trabalho prescrito e o trabalho
real, no qual o primeiro é entendido como trabalho previamente determinado, instruído
e que deve ser concebido; e o real aquele efetivamente executado, com todo seu ajuste,
reorganização e adaptação (DEJOURS, 1992).
Logo, o trabalho pode proporcionar vivências de prazer e sofrimento ao sujeito e
a (in)compatibilidade entre a tarefa e a atividade pode interferir, positiva ou
negativamente, nessas vivências e, consequentemente, na saúde dos trabalhadores
(FERREIRA; BARROS, 2003).
As vivências de prazer são entendidas como produto da articulação entre
trabalho, necessidades e desejos psicológicos do trabalhador. Os estudos da
Psicodinâmica evidenciam que o prazer no trabalho pode ser obtido por via direta,
decorrente da identificação com a atividade laboral, ou por via indireta, a partir da
ressignificação do sofrimento no trabalho (MENDES, 2007).
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Contrapondo, o sofrimento configura-se, geralmente, como sendo uma vivência
de experiências dolorosas como aflição, medo e insegurança provenientes de conflitos e
de contradições originados do confronto entre desejos e necessidades do trabalhador e
as características do contexto de produção (DEJOURS, ABDOUCHELI; JAYET 1994).
Assim, compreende-se que prazer e sofrimento são provenientes das dinâmicas
internas, das situações e da organização do trabalho, das relações subjetivas e de poder,
das condutas e das ações dos trabalhadores (MENDES; CRUZ, 2004).
Dejours, Abdoucheli; Jayet (1994) salientam que, para os trabalhadores
realizarem o trabalho prescrito, corresponderem às expectativas da organização e não
adoecerem, utilizam estratégias defensivas contra as vivências de sofrimento. Conforme
os autores, as estratégias são mecanismos pelos quais o trabalhador busca modificar,
transformar e minimizar a percepção da realidade que o faz sofrer, protegendo-os de
seus efeitos deletérios, principalmente sua saúde mental.
As estratégias defensivas podem ser individuais ou coletivas, sendo que as
estratégias individuais de defesa possuem importante papel na adaptação ao sofrimento,
mas pouca influência no grupo. Já as coletivas, surgem quando vários trabalhadores
com sofrimento único se unem e constroem uma estratégia comum, que nada mais é do
que uma nova percepção da realidade, transformada e validada pela coletividade, sendo
uma tentativa de adaptação à organização do trabalho. (DEJOURS, 1992; DEJOURS;
ABDOUCHELI; JAYET, 1994).
Portanto, o trabalho desenvolvido pela enfermagem também não é considerado
neutro, ou seja, pode favorecer a saúde ou a doença no trabalhador. O homem interpreta
a realidade do trabalho, não sendo de maneira alguma indiferente a ela, reagindo de
forma física, mental e afetiva, produzindo alterações que resultam num processo no qual
a realidade psíquica e a realidade do trabalho constituem a subjetividade do sujeito
trabalhador (THOFEHRN et al, 2011).
O Ministério da Saúde, ao entender que o trabalho interfere na saúde do homem
e a saúde do homem interfere no trabalho, ocupou-se em criar políticas voltadas à saúde
do trabalhador, conforme o disposto no inciso V do art. 16 da Lei nº 8.080, de 19 de
setembro de 1990 da Lei Orgânica da Saúde. Ela orienta a execução das ações voltadas
para a saúde do trabalhador, e o parágrafo 3º do artigo 6º. define como:
Um conjunto de atividades que se destina, por meio das ações de vigilância
epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e a proteção da saúde do
trabalhador, assim como visa a recuperação e a reabilitação dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho.
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Assim, foi implementada a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da
Trabalhadora, a qual foi atualizada pela Portaria nº 1.823, de 23 de agosto de 2012, que
tem como finalidade:
Definir os princípios, as diretrizes e as estratégias a serem observados pelas três esferas de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), para o
desenvolvimento da atenção integral à saúde do trabalhador, com ênfase na
vigilância, visando a promoção e a proteção da saúde dos trabalhadores e a
redução da morbimortalidade decorrente dos modelos de desenvolvimento e
dos processos produtivos.
Além disso, para dar conta dessas atribuições, o Ministério da Saúde editou
algumas portarias e resoluções definindo competências e diretrizes para organizar as
ações em todos os níveis de governo.
A Rede Nacional de Atenção Integral a Saúde do Trabalhador (RENAST) tem
como objetivo disseminar ações de saúde do trabalhador, articuladas às demais redes do
Sistema Único de Saúde. Em sua atual formatação institucional, prevista na Portaria nº
2.728 de 11 de novembro de 2009, a RENAST deve integrar a rede de serviços do SUS
por meio de Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST). Os CEREST
promovem ações para melhorar as condições de trabalho e a qualidade de vida do
trabalhador a partir da prevenção e vigilância (BRASIL,2009).
Existem dois tipos de CEREST: os estaduais e os regionais, sendo que cabe aos
CEREST regionais capacitar a rede de serviços de saúde, apoiar as investigações de
maior complexidade, assessorar a realização de convênios de cooperação técnica,
subsidiar a formulação de políticas públicas, apoiar a estruturação da assistência de
média e alta complexidade para atender aos acidentes de trabalho e agravos contidos na
Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho e aos agravos relacionados ao trabalho de
notificação compulsória citados na Portaria GM/MS nº 104 de 25 de janeiro de 2011.
Já, aos CEREST estaduais, cabe participar da elaboração e execução da Política
de Saúde do Trabalhador no Estado, dar apoio matricial para as equipes dos CERESTS
regionais, dar suporte técnico à pactuação para definição da rede sentinela e a
contribuição para as ações de vigilância em saúde.
No Município de Santa Maria, o CEREST é um serviço de abrangência regional,
atendendo aos municípios que compõem a Quarta Região Sanitária. Composto por
equipe multiprofissional organizada em 03 núcleos de atuação: educação, vigilância e
assistência, possui Conselho Gestor composto por gestores, trabalhadores e usuários do
SUS, de forma paritária, no qual são definidas suas linhas de atuação. Cada Conselho
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Municipal de saúde deve possuir sua Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador
(PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTA MARIA,2013)
Frente ao exposto, a partir da relevância dessa temática e da minha inserção
durante a graduação no Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-
Saúde), bem como a participação no Grupo de Pesquisa Trabalho, Saúde, Educação e
Enfermagem – Linha de pesquisa Saúde/Sofrimento psíquico do trabalhador do
Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),
questionei-me: que estratégias defensivas o enfermeiro utiliza frente ao sofrimento
para conduzir o seu trabalho em Estratégia Saúde da Família?
Assim, justifica-se a escolha da temática de pesquisa e do cenário tendo em vista
que, após a realização da revisão integrativa da literatura intitulada ―Prazer e sofrimento
no cotidiano de trabalho da enfermagem assistencial‖1, verificou-se que existem lacunas
na produção do conhecimento. A partir da construção dessa revisão integrativa, foi
possível constatar que essas vivências aparecem intrinsecamente ligadas ao mundo do
trabalho da enfermagem.
Vale considerar que os fatores geradores de prazer e de sofrimento estão
relacionados aos pacientes e familiares, à instituição e à equipe de saúde. Quanto ao
prazer, merece destaque o reconhecimento por parte dos pacientes e familiares e, em
relação ao sofrimento, o fator mais evidenciado nas produções é a morte do paciente
como principal fator desencadeador deste.
Também se pode observar que os artigos não trazem com clareza aspectos
referentes às estratégias defensivas. Outro aspecto importante a ressaltar é que os artigos
encontrados, na sua maioria, direcionavam-se a área hospitalar, principalmente Unidade
de Terapia Intensiva, fator que instigou a realização desta pesquisa na área da Atenção
Básica - Estratégia Saúde da Família.
Com base no exposto, o presente estudo tem como objeto de estudo, objetivo
geral e objetivo especifico respectivamente:
Objeto de Estudo:
Estratégias defensivas utilizadas pelos enfermeiros da ESF frente ao sofrimento no seu
trabalho.
1 Revisão realizada nas disciplinas Prática Baseada em Evidência e sua aplicabilidade na Enfermagem e Construção do Conhecimento em Saúde e
Enfermagem, de autoria das mestrandas Viviani Viero e Paula Hübner Freitas, nas bases de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS-BIREME):
Medical line (MEDLINE), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Bases de dados de Enfermagem (BDENF),
utilizando as seguintes palavras-chaves: ("PRAZER") and "SOFRIMENTO" [Palavras] and ( "ENFERMAGEM" ) and "TRABALHO"
[Palavras],constituindo o corpus da revisão integrativa 16 artigos.
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Objetivo Geral:
- Identificar as estratégias defensivas que os enfermeiros da Saúde da Família utilizam
frente ao sofrimento para conduzir o seu trabalho.
Objetivo Especifico:
- Conhecer a organização do trabalho e suas relações com as vivências de prazer e
sofrimento dos enfermeiros que atuam na Estratégia Saúde da Família.
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REFERENCIAL TEÓRICO
Neste capítulo, serão tecidas considerações e reflexões acerca das seguintes
temáticas: trabalho e psicodinâmica do trabalho e estratégias defensivas na perspectiva
de Dejours para enfrentamento do sofrimento no trabalho.
Trabalho e Psicodinâmica do trabalho na perspectiva de Dejours
Desde os primórdios da história humana, o trabalho está presente na vida, é
importante não apenas para o desenvolvimento da sociedade, como também para a
constituição da identidade e da subjetividade do homem (ARAÚJO, SACHUK; 2007).
Por meio do trabalho, um dos fatores mais importantes da existência humana, o
homem se relaciona com a sociedade, com a prática social e consigo mesmo. Com os
avanços sócio-político-econômicos ao longo da história da humanidade, gradativamente
ocorreram mudanças na construção dos significados atribuídos ao trabalho
(LANCMAN; UCHIDA, 2003).ACHAR REFERENCIA
No período primitivo, os vínculos sociais e de produção estavam impregnados
pelo valor de sobrevivência e também pelo sentido de pertencimento a um grupo,
pautados pela cooperação entre os membros. Já, no período greco-romano, o trabalho
era visto em função do produto, priorizando sua utilidade. Na Idade Média, o trabalho
era permeado pelo sentido de castigo divino (ARAÚJO; SACHUK, 2007).
Só mais tarde, com a Revolução Industrial, que o trabalho passa a ser glorificado
e considerado a força motriz capaz de gerar riquezas e progresso. Inicia-se, assim, a
fragmentação, a mecanização do trabalho e, como consequência, o trabalhador passa a
não ser reconhecido no seu fazer; sendo o seu saber expropriado pela organização e pelo
capital (ARAÚJO; SACHUK, 2007; DEJOURS, 1992). Na era moderna, o trabalho é
considerado uma atividade compulsiva e incessante, pois para o homem dos tempos
modernos, o tempo livre inexiste ou é escasso (ARAÚJO; SACHUK, 2007).
Concomitante a esse contexto, surgiram as discussões sobre a relação homem-
trabalho-organização do trabalho, com foco na saúde do trabalhador, a qual Dejours
(1992) divide em três momentos. O primeiro momento caracterizou-se pela luta do
trabalhador pela sobrevivência, devido às péssimas condições de trabalho existentes.
Após, a questão do trabalho no modelo Taylorista, no qual aumentam as exigências do
tempo e ritmo do trabalho, acarretou prejuízo para a saúde do trabalhador.
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Assim, a separação entre o trabalho intelectual e o trabalho manual, proposta
pelo taylorismo na Organização Científica do Trabalho (OCT) e na sua tripla divisão
(divisão do modo operatório entre a concepção intelectual, a execução e a divisão dos
homens), aparentemente buscou eliminar a subjetividade do trabalho por meio do
controle dos corpos dos trabalhadores, na busca de neutralizar a atividade mental dos
trabalhadores (LANCMAN; UCHIDA, 2003).
Dejours (1992, p.19) defende que
não é o aparelho psíquico que aparece como primeira vítima do sistema mas,
sobretudo, o corpo dócil e disciplinado entregue, sem obstáculos, ao
engenheiro de produção e à direção hierarquizado do comando. Corpo sem
defesa, corpo explorado, corpo fragilizado pela privação de seu protetor
natural, que é o aparelho mental. Corpo doente, portanto, ou que corre o risco de tornar-se doente.
A partir disso, passou-se a pensar na relação saúde-trabalho, ampliando-se as
preocupações com a saúde mental, o que se caracteriza como o terceiro momento deste
processo. Nesse contexto, surgem outras discussões sobre o objetivo do trabalho, a
relação homem-tarefa e acentua-se a dimensão mental do trabalho industrial,
reconhecendo-se a necessidade de se levar em conta as reivindicações qualitativas e
subjetivas dos trabalhadores (ARAÚJO, SACHUK, 2007).
A partir de então, a busca exclusiva pela produtividade dá espaço a uma
compreensão do sujeito trabalhador e de sua subjetividade, na qual os trabalhadores
deixam de ser vistos como recursos e passam a ser "parte" da organização do trabalho.
Destaca-se que a valorização da subjetividade do trabalhador também se dá pela
necessidade de seu controle, ou seja, para evitar, ao máximo, a possibilidade dos
trabalhadores criarem obstáculos e desvios na produção (DEJOURS, 1992;
LANCMAN; UCHIDA, 2003).
Nos dias atuais, surge a necessidade da conscientização de que a organização do
trabalho é construída através de "negociações entre quem organiza e quem faz", e isso
ocorre devido as grandes e rápidas modificações no mercado e no ambiente de trabalho
(LANCMAN; UCHIDA, 2003, p. 87).
Segundo Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) o indivíduo carrega consigo todo
um contexto histórico, que consiste em características únicas e pessoais. Portanto, no
contexto do trabalho, este não aparece como uma máquina programada para fazer o que
lhe é prescrito, ou seja, o trabalhador imprime sua marca no trabalho.
Nessa perspectiva, emergiu a necessidade de implementar politicas públicas
voltadas às necessidades dos trabalhadores, sendo a principal, a Política Nacional de
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Segurança e Saúde do Trabalhador (PNSST), atualizada como Política Nacional de
Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, pela Portaria nº 1.823, de 23 de agosto de
2012.
Essa iniciativa visa possibilitar que o trabalho seja realizado em condições que
contribuam para a melhoria da qualidade de vida, para a realização pessoal e social dos
trabalhadores e sem prejuízo para sua saúde, considerando-se a transversalidade das
ações de saúde do trabalhador e o trabalho como determinantes do processo saúde-
doença (BRASIL, 2012).
Emergiram também estudos sobre Psicodinâmica do Trabalho, iniciados nos
anos 1990 na França por Christophe Dejours e, posteriormente, desenvolvidos por
autores como Mendes (1999), Mendes e Tamayo (2001), Ferreira e Mendes (2003),
Mendes; Costa; Barros (2003), Rocha (2003), Beck (2001), Lunardi Filho (2001),
Machado e Merlo (2008), Lautert (2011). Esses estudos têm investigado as relações
entre a saúde física e mental com a organização do trabalho, o prazer e sofrimento no
trabalho e estratégias defensivas utilizadas pelos trabalhadores.
Os estudos da Psicodinâmica do trabalho enfatizam a influência da organização
do trabalho na qualidade de vida dos trabalhadores, bem como na geração de vivências
do prazer, sofrimento, desgaste, satisfação e no adoecimento dos trabalhadores
(DEJOURS, 1994), o que se torna relevante para a compreensão, intervenção em várias
situações de trabalho e para a importância de ter politicas públicas voltadas para a saúde
do trabalhador.
Os estudos de Dejours trouxeram novas reflexões, referente às consequências do
trabalho sobre a saúde psíquica dos trabalhadores, em especial, pela forma como ele
está organizado, isso permite ultrapassar uma visão reducionista que responsabilizava
apenas o individuo pelas consequências do trabalho sobre sua saúde (MENDES, 2007).
Dejours, Abdoucheli, Jayet (1994 p. 28), destacam que a ―carga psíquica do
trabalho resulta da confrontação do desejo do trabalhador e da injunção do empregador
contida na organização do trabalho‖.
O trabalho prescrito diz respeito àquilo que é apresentado aos trabalhadores
como o que deve ser feito, segundo normas e definições precisas. No entanto, quando o
trabalhar precisa dar conta de uma realidade mais complexa do que aquela prevista pela
prescrição, aquele efetivamente executado com todo seu ajuste, reorganização e
adaptação é considerado o trabalho real (DEJOURS, 1992).
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Quando existe compatibilidade entre necessidades e desejos do trabalhador e a
organização do trabalho, considera-se prazer (MENDES; MORRONE;VIEIRA, 2009).
As experiências de prazer são provenientes, geralmente, da satisfação dos
desejos e necessidades, da mediação bem-sucedida dos conflitos e contradições gerados
em determinados contextos de produção de bens e serviços, é alcançado pela
ressignificação do sofrimento, pela transformação do contexto de trabalho, bem como
também pelo resultado direto do trabalho (DEJOURS, ABDOUCHELI, JAYET 1994;
MENDES; MORRONE; VIEIRA, 2009).
O prazer no trabalho pode ser um dos caminhos para a saúde, uma vez que
possibilita ao indivíduo a criação da identidade social e pessoal, a qual se origina do
bem-estar que o trabalho causa no corpo, na mente, nas relações com as pessoas e
manifesta-se por meio de gratificação, da realização, do reconhecimento, da liberdade e
da valorização do mesmo, constituindo-se como um dos indicadores de saúde no
trabalho (FERREIRA; MENDES, 2003).
A partir do momento que o homem não pode modificar a tarefa de acordo com
suas necessidades e desejos, o sofrimento de natureza mental começa, ou seja, quando
não há maneiras do trabalhador participar dessa organização, a relação conflitual do
aparelho psíquico com a tarefa é bloqueada. Desse modo, ―a carga psíquica do trabalho
aumenta quando a liberdade de organização do trabalho diminui‖ (DEJOURS, 1992,
p.84).
Nessa conjuntura, é possível que o sofrimento se manifeste tendo em vista que a
energia pulsional não chega a ser utilizada no exercício do trabalho, acumula-se no
aparelho psíquico e ocasiona sentimentos de desprazer, tensão, insegurança, inutilidade,
desqualificação, desgaste, estresse, injustiça, indignação e desvalorização (DEJOURS,
1992; MENDES; TAMAYO, 2001).
Dejours (1992), afirma que não existe organização do trabalho sem sofrimento,
mas organizações do trabalho mais favoráveis à negociação da superação desse
sofrimento. Conforme Dejours, o sofrimento é inerente ao mundo do trabalho e
acontece no encontro de um sujeito, com uma trajetória singular e individual, com uma
organização de trabalho.
Machado e Merlo (2008), corroborando com as ideias de Dejours, Abdoucheli e
Jayet (1994), apontam que existem dois tipos de sofrimento: o criativo e o patogênico.
O primeiro ocorre quando já foram explorados todas as margens de liberdade na
transformação, gestão e aperfeiçoamento da organização do trabalho e se todos os
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recursos defensivos do trabalhador já foram utilizados, origina o desequilíbrio psíquico
do sujeito e, por conseguinte, leva a manifestação da doença.
Já, quando o trabalhador consegue transformar o sofrimento em criatividade,
elaborar soluções originais que favoreçam a sua saúde, trata-se do sofrimento criativo.
Desse modo, compreende-se que o trabalho funciona como um mediador para saúde.
O trabalho pode ser, portanto, ao mesmo tempo, fonte de prazer e de sofrimento,
cria uma dinâmica de defesa do trabalhador para a busca constante de prazer, cujo
objetivo é manter seu equilíbrio psíquico (MENDES; TAMAYO, 2001).
Na enfermagem, os trabalhadores diante do cotidiano de trabalho também são
desafiados a desenvolver estratégias para não adoecerem, as quais são vistas como
competências requeridas pela dinâmica da modernidade do trabalho no sentido de
administrarem a própria subjetividade, diante das inúmeras situações de tensão, pressão,
ruptura e sofrimento presentes nesse contexto.
Estratégias defensivas para enfrentamento do sofrimento no trabalho na
perspectiva de Dejours
O trabalho pode ser fonte de prazer e sofrimento psíquico, sendo que a saúde
psíquica decorre da existência de possibilidades internas e externas, capazes de
propiciarem aos trabalhadores meios de transformação do sofrimento. Dessa forma, a
saúde é determinada, principalmente, pela vivência de prazer no trabalho e pelo
resultado das tentativas bem sucedidas, de um modo contínuo, pela busca do prazer
(MENDES, 2004).
A psicodinâmica do trabalho parte do pressuposto de que os trabalhadores
possuem capacidade de buscar soluções coletivas ou individuais para transformar,
inovar, reconstruir uma realidade que está colocada, para evitar ou amenizar os
sentimentos de sofrimento (LANCMAN; JARDIM, 2004).
Em sua obra, Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994, p.127) conceituam esse ato de
―buscar soluções‖, como estratégias defensivas: "o conflito entre organização do
trabalho e o funcionamento psíquico pode ser reconhecido como fonte de sofrimento, ao
mesmo tempo como chave de sua possibilidade de análise. Mas o sofrimento suscita
estratégias defensivas".
A mobilização subjetiva é caracterizada pelo movimento do sujeito que viabiliza
a capacidades de sentir, pensar e inventar para realizar o trabalho, sendo relevante para
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resignificar o sofrimento no trabalho (FERREIRA, 2010; MERLO, MENDES e
MORAES, 2012).
Já as estratégias defensivas, apresentam um caráter de adaptação que geram
insensibilidade e distanciamento da realidade, dificultando a consciência das relações de
exploração e alienação (MENDES, 2007). Assim, as estratégias defensivas contribuem
para ―anestesiar o viver‖ e ―silenciar e adormecer o sofrimento‖ (FERREIRA, 2010;
MERLO; MENDES; MORAES, 2012 p.102).
Conforme os pressupostos da psicodinâmica do trabalho, o sofrimento pode ser
enfrentado por estratégias defensivas ou pela mobilização coletiva. Esses tipos de
enfrentamento são fundamentais para a saúde dos trabalhadores, sendo que os
comportamentos defensivos variam para cada categoria profissional, apesar de os
mecanismos psicológicos que os perpassam serem os mesmos (DEJOURS;
ABDOUCHELI; JAYET, 1994).
O funcionamento das estratégias defensivas, em geral, é entendido como um
retorno da relação subjetiva com as pressões patogênicas. De vítimas passivas, os
trabalhadores colocam-se na posição de agentes ativos de um desafio, de uma atitude
provocadora ou de uma minimização diante da dita pressão patogênica. A operação é
estritamente mental, pois não modifica a realidade da pressão patogênica (DEJOURS;
ABDOUCHELI; JAYET,1994, p.128).
As estratégias são igualadas a mesma função de uma regra que supõe um
consenso, assim é possuída pelos indivíduos de forma coletiva e só passa a não
funcionar no momento em que os sujeitos não desejam mais fazê-la funcionar de
comum acordo. A partir disso, Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994), consideram as
estratégias defensivas, na sua maioria, coletivas. A diferença entre um mecanismo de
defesa individual e um coletivo, está no fato de que o primeiro permanece sem a
presença física do objeto que se encontra interiorizada. Já o mecanismo de defesa
coletivo depende da presença de condições externas e se sustenta no consenso de um
grupo específico de trabalhadores (regras).
O problema evidenciado na construção coletiva das estratégias de defesa é que a
mesma tem caráter paradoxal, pois contribui tanto para assegurar a coesão e construção
do coletivo de trabalho quanto para dificultar as discussões, a explicitação dos conflitos
de trabalho e do compromisso dos trabalhadores, considerando-se a necessidade de ser
mantido o estado atual que se encontram, podendo levar a alienação (MENDES, 2007).
19
Isso se dá pelo fato de que, no momento em que o sofrimento deixa de ser
reconhecido como decorrente do trabalho, passa a ser visto como resultado do
enfraquecimento das estratégias defensivas, ou seja, quando as estratégias estão
ameaçadas. Assim sendo, passam a ter um novo significado para o trabalhador, uma vez
que, anteriormente, eram consideradas uma barreira (uma luta, defesa) contra o
sofrimento e, agora, passam a ser vistas como promessa de felicidade. Assim, são
consideradas, a partir desse momento, não mais como uma estratégia defensiva e sim
como uma ideologia defensiva (DEJOURS; ABDOUCHELI; JAYET, 1994).
Para melhor entendimento, pode-se compreender que ideologia defensiva
funcionaria como uma ―válvula de escape‖ para suportar o sofrimento, devido à
estratégia defensiva não ter sucesso, pois a primeira é ligada ao imaginário. Portanto, a
ideologia defensiva pode ter como consequência o conformismo e a alienação dos
trabalhadores.
As estratégias defensivas são representadas por uma ação planejada, considerada
como uma verdade absoluta pelos trabalhadores, uma regra a ser seguida. Quando
transformada em ideologia, passa a ser uma verdade relativa, não mais uma regra, mas
um conjunto de ideias que poderão amenizar ou modificar o sofrimento, guiados não
mais pelo fato real (primário) gerador do sofrimento.
Defesa, então, é o entendido como uma ação real e a ideologia seria o ideal,
estando ligada ao imaginário. Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) apresentam a ideia de
curto-circuito, ou seja, a busca do percurso para chegar ao resultado do alívio do
sofrimento, ou seja, o transitar entre o real e o imaginário pode acarretar desgaste aos
trabalhadores.
Na obra a Loucura do trabalho (Dejours, 1992), são apresentadas as
características das ideologias defensivas, as quais, são funcionais e têm por objetivo
mascarar, ocultar uma ansiedade particularmente grave. Elas são específicas, elaboradas
por um grupo social particular, que vive uma situação assustadora comum a todos e que
pode gerar medos específicos, sendo dirigidas para controlar a ansiedade produzida pelo
reconhecimento de perigos reais e não contra a angústia proveniente de conflitos intra-
psíquicos.
Quando são coletivas, para serem operatórias, devem obter a participação de
todos os interessados; aquele que não contribui ou que não partilha do conteúdo da
ideologia é excluído. Para serem funcionais, devem apresentar certa coerência
(resistência às proteções médico sanitárias, recusas às regras de segurança); têm sempre
20
um caráter vital, necessário. A ideologia defensiva torna-se obrigatória, substitui os
mecanismos de defesa individuais e os torna impotentes.
Para Hallack; Silva, (2005), corre-se o risco de chegar à alienação, no momento
que a ideologia defensiva inversamente a sua proposta inicial (contra a organização do
trabalho), pode cooperar com os objetivos da própria organização do trabalho ao se
constituir como uma recorrência que circula em torno das relações de poder.
Mendes (2007) corrobora com Hallack; Silva (2005) ao afirmar que pode ocorrer
uma modificação na organização do trabalho ou um processo de alienação e de
conservadorismo, isso pelo fato de que, após terem desenvolvido mecanismos de defesa
contra a organização do trabalho, torna-se penoso tentar uma modificação nessa
situação.
As estratégias defensivas enquanto ideologias de defesa são resistências
construídas por um processo de alienação que podem levar a distorções da percepção da
realidade, a uma construção fantasiosa/irreal sobre os reais problemas (o sofrimento
advindo do trabalho), porém, deve ser validada coletivamente (DEJOURS,
ABDOUCHELI; JAYET,1994).
Mendes (2007), Hallack; Silva, (2005), defendem que o uso exacerbado de
defesas pode culminar no esgotamento do trabalhador, abrindo caminho para o
adoecimento. Baseados nas ideias de Dejours (1992) entendem que a utilização de
estratégias defensivas não assegura a transformação das situações causadoras de
sofrimento, pois pode ocorrer o processo de neutralização do sofrimento por utilizar
estratégias de defesa ou, até mesmo, chegar a um processo de alienação e cristalização,
dificultando algumas transformações nas situações de trabalho.
No novo modelo de atenção à saúde, há compreensão ampliada do processo
saúde/doença e da necessidade de intervenção que vai além de práticas curativas.
Portanto, o enfermeiro da Estratégia Saúde da Família (ESF) está inserido em um
modelo de assistência, no qual é necessário enfrentar alguns desafios cotidianos, como:
o acesso ao serviço e à resolutividade, o gerenciamento, o trabalho de equipe que
estimule o autocuidado e o repensar sobre o estilo de vida dos indivíduos e suas
famílias, o ganho de peso em recém-nascidos, o controle de diabéticos e hipertensos, o
resultado positivo de um pré-natal, a felicidade em realizar uma visita domiciliária que
atemorizava, o vínculo que aproxima e que denota a confiança do usuário, dentre outros
(SIQUEIRA et al, 2013).
21
Esse modelo de assistência supõe que deva haver envolvimento dos
trabalhadores com a população. Frente a esse desafio, faz-se necessário que o
enfermeiro tenha maturidade e que haja desenvolvimento pessoal e profissional com
enfrentamento de diversas realidades, para que ocorram a promoção e a reabilitação da
saúde das famílias (CAMELO; ANGERAMI, 2004).
Isso nos leva a refletir sobre algumas situações enfrentadas pelos enfermeiros,
frente a essa forma de assistência. Observamos que na relação trabalhador-usuário
demandam certo gasto de energia e adaptação, como o contato direto com a realidade
e/ou sofrimento do próximo, elementos próprios do tipo de trabalho, identificação e os
laços afetivos que, muitas vezes, se estabelecem entre o profissional e o usuário. Essas
situações, somadas às características individuais de cada trabalhador, podem
desencadear o processo de estresse (SIQUEIRA et al, 2013, CAMELO; ANGERAMI,
2004).
Estudos de Rosenstock; Neves (2010) e Lemos; Lemos; Souza (2007) apontam
que o enfermeiro atuante na Atenção Básica, muitas vezes, não está preparado ou não
tem suporte adequado para prestar assistência, principalmente, aos usuários e a sua
família que, apresentam problemas de saúde mental. Em muitas situações, os
dependentes químicos necessitam ter acesso aos serviços de saúde, principalmente nos
momentos de maior fragilidade, são acolhidos e assistidos integralmente e o grande
desafio para o enfermeiro é criar estratégias para a recuperação e estabilização destes,
especialmente quando precisam retornar ao seu meio de convívio social (LANCMAN;
JARDIM, 2004).
Diante desse quadro, podem surgir sentimentos de angústia, aflição, sofrimento e
frustração quanto ao plano terapêutico aplicado ao usuário, pois, em algumas ocasiões,
o usuário pode não corresponder de forma satisfatória aos objetivos traçados. A falta de
integração da equipe e de espaços de escuta e reflexão pode ser identificada como fator
que contribui para o adoecimento desses trabalhadores (GONÇALVES; TAVARES,
2007).
Frente a essas situações, os enfermeiros percebem a necessidade de se qualificar
para a multifuncionalidade que o trabalho lhes impõe; considerando que devem ter
habilidade para resolver os problemas do dia a dia, atenderem às cobranças da
população e dos próprios colegas, dando respostas às dificuldades encontradas
(SANTOS, 2007).
22
Para Santos (2007) e Junior (2011), os maiores potenciais de desgaste dos
enfermeiros avolumam-se, fundamentalmente, na organização e divisão do trabalho, na
qual os enfermeiros manifestam sentimentos de frustração, angústia e de compaixão,
pressionados a fazer algo, a buscar, pessoalmente, alternativas para resolver problemas
cuja solução transpõe o programa de metas anteriormente traçado.
Outro fator ligado ao cotidiano de trabalho é o fato de o planejamento das
atividades próprias dos enfermeiros ser alterado pelos imprevistos do dia-dia, pela
burocracia, pelas visitas domiciliarias, pela realização de grupos e outras atividades que
fazem parte da atenção à saúde pelo PSF. Essas atividades são prejudicadas a partir do
momento que os enfermeiros se sobrecarregam de tarefas que não estão ligados as suas
atividades privativas, assumem ―um pouco de tudo‖ e evidenciam sua polivalência
(SANTOS, 2007).
Ao lidar com situações de sofrimento da população, diariamente, os
trabalhadores também têm que lidar com situações de precariedade em que a falta de
materiais básicos para o trabalho diário e até mesmo a planta física inadequada,
representam transtorno no trabalho. Isso pode gerar nos trabalhadores, sofrimento,
desgaste físico e sentimento de impotência (JÚNIOR; ÉSTHER, 2001; MARTINS;
ROBAZZI, 2008).
Os desafios atuais para maior valorização do trabalho do enfermeiro são, dentre
outros: a definição entre os papéis de assistência e gerência, a conquista de autonomia
profissional e o reconhecimento dos usuários e equipe de saúde das reais competências
e atribuições do enfermeiro na saúde coletiva (REIS 2007, SANTOS; SOARES;
CAMPOS 2007; LUCENA, 2009).
O trabalho desenvolvido pelo enfermeiro, traduzido em um conjunto de ações
complexas que deve ser resolutivo frente às demandas de saúde do usuário, família e
comunidade, depende uma organização que vá ao encontro das necessidades para
desempenhar suas atribuições. Para conseguir prestar uma assistência adequada, o
mesmo precisa transpor barreiras, minimizar ou modificar o que lhe causa sofrimento,
para que isso não interfira na sua dinâmica de trabalho (JÚNIOR; ÉSTHER, 2001;
MARTINS; ROBAZZI, 2008).
Por conseguinte, durante suas atividades, o enfermeiro se confronta com
situações que, de algum modo, o irritam ou confundem e podem apresentar alterações
psicofisiológicas, as quais promoverão uma reação do organismo com componentes
físicos e/ou psicológicos (SIQUEIRA, et al, 2013).
23
É interessante ressaltar que esses trabalhadores vivem, durante seu trabalho, a
constante busca de adaptação entre o real (organização do trabalho) e o ideal, no qual a
dinâmica de trabalho da enfermagem é marcada, muitas vezes, por sentimentos
ambíguos, com ―consequências de maior ou menor importância sobre a vida cotidiana‖
(BECK et al 2010, p. 491).
Ao considerar essas dimensões, podem ser oferecidas aos trabalhadores
melhores condições para enfrentarem o desgaste, o sofrimento, aprendendo a lidar com
os limites e dificuldades na realização do seu trabalho, minimizando o risco de
adoecimento psíquico e físico.
24
PERCURSO METODOLÓGICO
Este estudo está inserido no Grupo de Pesquisa Trabalho, Saúde, Educação e
Enfermagem, na Linha de Pesquisa Saúde/Sofrimento psíquico do trabalhador do
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria-
UFSM (PPGENF).
Trata-se de um estudo exploratório-descritivo com abordagem qualitativa.
Elegeu-se a mesma, pois contempla o universo de significados, aspirações, crenças,
valores e atitudes que não podem ser reduzidos à quantificação (MINAYO, 2010). Essa
abordagem também se mostra adequada ao objeto de estudo e está em consonância com
a temática da Psicodinâmica do Trabalho, a qual busca a compreensão aprofundada dos
aspectos subjetivos relacionados ao trabalhador. Esta ―abarca não somente o sistema de
relações, mas também as representações sociais que constituem a vivência das relações
objetivas pelos atores sociais que lhe atribuem significados‖ (MINAYO, 2010, p. 11).
As características do estudo qualitativo, segundo Gil (2006), mostram que
trabalha com a descoberta, utiliza uma variedade de fontes de informações, além de
retratar a realidade de forma completa e profunda; considera, inclusive, o contexto em
que o objeto de estudo se situa, busca representar os diferentes e, muitas vezes,
conflitantes pontos de vista dos sujeitos da pesquisa.
Na pesquisa qualitativa, considera-se o ambiente como fonte direta dos dados e o
pesquisador como instrumento-chave; sendo que a mesma possui caráter descritivo, o
processo é o foco principal de abordagem e não o resultado ou o produto e a análise dos
dados é realizada de forma intuitiva e indutiva pelo pesquisador (MINAYO, 2010).
A pesquisa exploratória tem como finalidade desenvolver, esclarecer e modificar
conceitos e ideias e é desenvolvida com objetivo de proporcionar visão geral acerca de
um fato (GIL, 2006). Assim, acredita-se que a escolha dessa abordagem será uma
ferramenta facilitadora para o alcance dos objetivos propostos.
O estudo foi realizado nas Unidades Estratégia Saúde da Família do Município
de Santa Maria-RS, Brasil, o qual possui dezesseis equipes de ESF: Alto da Boa Vista,
Arroio do Só, Bela União, Pains, Parque Pinheiro Machado, Roberto Binato, Santo
Antão, São João, São José, Vila Lídia, Vila Maringá, Vila Santos, Vitor Hoffman, Vila
Urlândia. As equipes da ESF São José, ESF Vila Urlândia e ESF Roberto Binato
25
possuem equipes duplas e a equipe que atende a ESF Arroio do Só e ESF Pains é a
mesma, atende dois dias em Arroio do Só e três dias em Pains.
Conforme a Resolução Nº. 555/12 – CIB/RS que altera a configuração de
Regiões de Saúde no Rio Grande do Sul e institui as Comissões Inter-gestores
Regionais – CIR, o Município está inserido na 1ª Região de Saúde, a qual pertence a 4ª
Coordenadoria Regional de Saúde - 4ªCRS, sendo essa polo de 21 municípios. (PLANO
MUNICIPAL DE SAÚDE SANTA MARIA, 2012).
De acordo com a NOB 96, Santa Maria está na Gestão correspondente à plena da
Atenção Básica, aguardando as novas deliberações referentes às Regiões de Saúde. Os
serviços de saúde do Município distribuem-se em Unidades Básicas de Saúde
Tradicionais, Estratégias de Saúde da Família, Estratégias de Agentes Comunitários de
Saúde e em Serviços Especializados e Complementares, em Hospitais, em Pronto
Atendimento Infantil e Adulto e em Serviço de Vigilância à Saúde, também possui o
Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e Unidade de Pronto Atendimento
(UPA) que são terceirizadas pela Associação Franciscana de Assistência a Saúde
(SEFAS) (PLANO MUNICIPAL DE SAÚDE, 2012).
No que se refere aos sujeitos do estudo, foram convidados todos os enfermeiros
que atuam nas Unidades Estratégia Saúde da Família do Município, os quais totalizam
16 sujeitos.
Foram utilizados como critérios de inclusão: ser enfermeiro concursado pelo
Município e atuante na ESF há mais de seis meses (tempo considerado para adaptação)
e como critérios de exclusão: os enfermeiros que estivessem em licença de qualquer
natureza, durante o período de coleta de dados.
O estudo foi desenvolvido no ano de 2013, com início de coleta de dados no dia
31 de janeiro e término no dia 25 de abril do mesmo ano. Para a coleta de dados, optou-
se pelo uso da entrevista semiestruturada, tendo em vista que possibilita melhores
resultados quando se trabalha com diversas pessoas, oferece uma maior liberdade para o
pesquisador direcionar a entrevista de modo focalizado, a fim de obter os dados que
realmente necessitam (TURATO, 2010, TRIVIÑOS, 2006).
A técnica de entrevista é entendida como conversação efetuada face a face, a
qual tem por objetivos coletar dados, ajudar no diagnóstico, identificar opiniões sobre
fatos ou fenômenos no tratamento de um problema social para a elaboração de uma
pesquisa (LAKATO; MARCONI, 2005; MINAYO,2010).
26
De acordo com Minayo (2010, p. 262), a entrevista possibilita a obtenção de
―informações que tratam da reflexão do próprio sujeito sobre a realidade que vivencia e
a que os cientistas sociais costumam denominar ‗subjetivos‘ e só podem ser
conseguidos com a contribuição da pessoa‖.
Um dos modelos mais usados é o da entrevista semiestruturada, a qual é
utilizada quando o pesquisador conhece os temas a serem abordados na entrevista,
porém ele não pode predizer as respostas. Portanto, é guiada pelo roteiro de questões o
qual permite uma organização flexível e ampliação dos questionamentos, à medida que
as informações vão sendo fornecidas pelo entrevistado (TURATO, 2010). O roteiro
utilizado para a realização da mesma encontra-se no Apêndice A.
Nesta pesquisa especificamente, a entrevista teve o objetivo de identificar as
estratégias utilizadas pelos enfermeiros frente os fatores geradores de sofrimento,
referentes à realidade cotidiana do seu local de trabalho. Essa técnica foi escolhida em
detrimento do grupo focal, geralmente é a primeira opção quando se realizam pesquisas
baseadas na Psicodinâmica do Trabalho, devido ao contato informal com os
participantes durante a realização do projeto de pesquisa, houve algumas dificuldades
operacionais para a realização dos encontros previstos na técnica de grupo focal,
segundo os entrevistados.
Porém, considerou-se a homogeneidade do grupo de participantes (no que se
refere à inclusão de todos os enfermeiros de ESF do Município, em unidades
semelhantes).
O convite à participação na pesquisa foi realizado após a aprovação do Projeto
de pesquisa no Comitê de Ética. No primeiro momento houve o contato por meio dos
telefones das Unidades de ESF disponíveis no site da Prefeitura do Município de Santa
Maria para agendar um contato pessoal com cada um dos enfermeiros.
Esse contato pessoal teve o intuito de obter a concordância dos sujeitos para
integrar o grupo de trabalhadores enfermeiros a serem pesquisados, após foi realizada a
explanação do projeto e combinado o local da entrevista, levando em conta a
privacidade dos sujeitos, o dia e o horário mais favorável aos enfermeiros, com vistas a
não prejudicar o fluxo de atividades da ESF, o trabalho dos enfermeiros, bem como suas
atividades pessoais.
Observou-se durante o convite, que a maioria dos participantes julgou o
assunto da pesquisa como relevante, pois os mesmos relatavam que a saúde do
27
trabalhador não era um assunto discutido com frequência, tanto pelo meio acadêmico,
quanto pela gestão do Município.
Houve algumas resistências dos enfermeiros para participarem do estudo, as
quais foram justificadas pela sobrecarga de trabalho e pelo número de pesquisas
desenvolvidas no serviço, sem o retorno dos resultados para os participantes. Nesses
casos, foram realizados 03 contatos, primeiro para participar da entrevista e ressaltou-se
os benefícios da mesma. Dois enfermeiros convidados que tiveram uma resistência
inicial, aceitaram no segundo convite e o terceiro convidado aceitou na terceira e última
tentativa de convite.
Quanto aos locais onde as entrevistas foram realizadas, destaca-se que doze
entrevistas foram feitas nas Unidades de ESF em horário de menor movimento, próximo
ao final do turno; 01 em sala de aula disponível na Universidade Federal de Santa
Maria; 01 em sala de aula disponível no Centro Universitário Franciscano, 01 na casa da
pesquisadora e 01 na casa do participante. A duração das entrevistas variou entre 40
minutos e 1 hora e 40 minutos.
Antes da realização das entrevistas foram explicitados novamente os objetivos, a
justificativa e os benefícios desta pesquisa, bem como o porquê do uso do gravador de
voz e foi entregue o Termo de Consentimento Livre Esclarecido – TCLE . O termo foi
assinado em duas vias, uma ficou com o participante e a outra via com a pesquisadora.
A gravação das entrevistas foi realizada com a concordância dos respondentes,
com o intuito de permitir, ao entrevistador, estar livre para prestar atenção ao que o
entrevistado falava, registrando o conteúdo presente na fala (TURATO, 2010). Destaca-
se que não houve resistência ao uso do gravador para a realização da coleta de dados.
As questões complementares, as quais têm por objetivo caracterizar brevemente
a população estudada, foram respondidas verbalmente pelos participantes na sequência
da entrevista, optando-se por realizar essas questões complementares após a entrevista,
pois se entendeu que as mesmas podiam ser encaradas pelo pesquisado como uma
formalidade, não sendo assim a melhor opção para o ―aquecimento‖. Esse momento de
aquecimento tinha por objetivo ―quebrar o gelo‖, ou seja, oportunizar um clima
descontraído entre entrevistador e entrevistado antes do início da entrevista (MINAYO,
2010; TURATO, 2010).
Vale salientar que se utilizou como referência, para a análise das entrevistas, a
técnica da Análise de Conteúdo proposta por Minayo (2010). Para a autora, a Análise de
Conteúdo visa verificar hipóteses e ou descobrir o que está por trás de cada conteúdo
28
manifesto, referindo que ―o que está escrito, falado, mapeado, figurativamente
desenhado e/ou simbolicamente explicitado, sempre será o ponto de partida para a
identificação do conteúdo manifesto‖ (MINAYO, 2010, p. 304).
Na perspectiva de Turato (2010), o uso dessa técnica encoraja o pesquisador a
ultrapassar um estágio meramente descritivo de análise dos dados, legitimando o lugar
do pesquisador enquanto interpretador do conteúdo.
Para realizar análise temática são propostas três etapas: pré-análise, exploração
do material e tratamento dos resultados obtidos, etapa na qual também acontece a
interpretação dos dados (MINAYO, 2010).
Conforme Minayo (2010) é necessário ter o cuidado com a ―constituição do
corpus‖ no qual se deve atender às seguintes normas de validade qualitativa:
exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência, certificação de que o
material contemplou todos os aspectos, critérios e técnicas, mostrando-se adequados
para dar respostas aos objetivos do trabalho.
A partir disso, foram determinadas as unidades de registro e as unidades de
contexto, o que consistiu na delimitação e compreensão das unidades de registro.
Assim, obtiveram-se os núcleos de significados mais recorrentes no material analisado,
seguido da categorização que consistiu numa operação classificatória, a fim de alcançar
o núcleo de compreensão do texto pela formulação de categorias que se referiram a um
conceito que abrangesse elementos ou aspectos comuns ou que se relacionassem entre si
(MINAYO, 2010).
Para cumprir as etapas propostas por Minayo, foi realizada a transcrição das
entrevistas em um editor de textos, iniciando a organização do material que foi impresso
e encadernado. Foi feita a pré-análise por meio das leituras flutuantes as quais,
posteriormente, foram lidas exaustivamente, buscando-se a impregnação dos dados e a
escrita das primeiras impressões por parte do pesquisador.
Após foi realizada uma nova leitura, destacando as semelhanças nos diferentes
fragmentos. A partir das informações semelhantes, foram organizadas em esquemas em
forma de círculos, no qual a ideia principal se encontrava no centro, representada por
uma imagem e por uma palavra-chave que expressasse um resumo das ideias
semelhantes encontradas nas falas dos trabalhadores. Já as ideias secundárias foram
representadas em torno da ideia principal, constituída pelas falas dos participantes ou
palavras que expressassem o sentido da fala. Os primeiros esquemas foram amplos,
contendo tudo que se julgou importante após as primeiras leituras.
29
Após foram realizadas novas leituras das entrevistas na integra, em que foram
retirados extratos de falas semelhantes e agrupados em pastas, sendo dado um título
para cada uma, a partir da palavra que se destacava na maioria das falas. Desse modo,
foi realizada a redução dos esquemas inicias, isso deixou mais claras as ideias
secundárias e aproximou informações que tinham ligação, pode, assim, fazer parte de
um mesmo círculo e, consequentemente, houve redução do número de esquemas.
Assim, foi dado início ao processo de codificação das categorias (unidade de registro,
unidade de contexto e início da segunda etapa Minayo).
Na sequência, foi realizada uma nova leitura das pastas que agrupavam as falas
semelhantes e novamente reduzidos os esquemas. Esses foram colados em um cartaz
para facilitar a visualização dos dados. A partir do último esquema, foi feita outra
representação gráfica com uma imagem que traduzisse, de forma clara e usando apenas
palavras-chave, uma conclusão sólida dos resultados encontrados, finalizando a segunda
etapa da análise.
Para isso, preferiu-se a utilização de esquemas, como uma ferramenta
facilitadora para organização dos dados obtidos, devido à densidade dos mesmos. Os
esquemas serviram de base para organização da descrição dos resultados e, a partir dele,
emergiram as categorias e subcategorias, as quais posteriormente foram discutidas à luz
da teoria da Psicodinâmica do Trabalho, contemplando a terceira etapa proposta por
Minayo. Assim, os resultados foram apresentados em dois artigos, conforme os
objetivos traçados no projeto de pesquisa.
Para a etapa de apresentação dos resultados, optou-se por associar falas
ilustrativas dos enfermeiros. No intuito de manter o anonimato dos sujeitos de pesquisa,
os pesquisados foram identificados pela letra ―E‖ correspondente a enfermeiro, seguido
por um número arábico conforme a ordem de realização das entrevistas (E1, E2 e assim
por diante).
Para a realização da pesquisa foi solicitada a autorização da Secretaria de Saúde
do Município de Santa Maria, com o encaminhamento para a avaliação junto ao Núcleo
de Educação Permanente e Saúde – NEPES (Apêndice B).
O projeto foi encaminhado ao Sistema de Informação para Ensino (SIE),
posteriormente para o Gabinete de Projetos do Centro Ciências da Saúde (GAP),
Plataforma Brasil - Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa
Maria- CEP/UFSM, para a autorização da realização da pesquisa.
30
Foi anexado o Termo de Confidencialidade, Privacidade e Segurança de Dados –
TCSD ao projeto, no qual os pesquisadores se responsabilizam pela ciência dos
preceitos éticos que norteiam as pesquisas com seres humanos, atendendo-se
integralmente os preceitos éticos da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde,
atentando para os princípios da autonomia, beneficência, não maleficência, justiça e
equidade (Apêndice C). No decorrer do estudo, deu-se a atualização para a Resolução nº
466, de 12 de dezembro de 2012, com isso, teve-se o cuidado para atender as alterações
da mesma.
A coleta de dados teve início após a aprovação do Comitê de Ética, sob o
parecer nº 183.570 e CAAE: 12251112.1.0000.5346 (ANEXO A). Para a obtenção do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o participante da pesquisa foi informado
individualmente, em linguagem clara e acessível, acerca dos objetivos da pesquisa, dos
benefícios, bem como de que não haveria riscos, nem obrigatoriedade de sua
participação. Ele foi informado, também, de que em qualquer momento da pesquisa,
poderia solicitar sua exclusão, visto que isso não implicaria em danos para o mesmo
(Apêndice D).
Todos os dados coletados foram guardados, incluindo o TCLE, gravações, em
local seguro e de acesso restrito, ou seja, no armário da pesquisadora responsável Profa.
Dra. Carmem Lúcia Colomé Beck, na sala 1305B, do Centro de Ciências da Saúde, no
Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), pode
ser utilizado como banco de dados para possíveis pesquisas posteriores. Após um
período de cinco anos, os mesmos serão incinerados.
Concluído o parecer da banca avaliadora da pesquisa, os resultados deste
trabalho serão divulgados em periódicos e eventos científicos, ficam os pesquisadores
comprometidos com a entrega do relatório final para a instituição que forneceu o campo
de estudo, assim como uma cópia do resumo da dissertação aos participantes da
pesquisa.
Na sequência serão apresentados dois artigos, os quais englobam os resultados e
que respondem aos objetivos traçados. Ressalta-se que esses artigos não se encontram
no formato final para ser enviado aos periódicos. Dessa forma, o número de laudas, bem
como a formatação final será realizado no momento da submissão do artigo ao
periódico.
31
RESULTADOS
Os quadros abaixo representam a organização dos artigos com suas respectivas
categorias e subcategorias.
ARTIGO 01- A organização do trabalho e o prazer e sofrimento dos enfermeiros
de Estratégia Saúde da Família.
Objetivo Geral: identificar a organização do trabalho e suas relações com as vivencias
de prazer e sofrimento dos enfermeiros que atuam na Estratégia Saúde da Família
RESULTADOS
Tema central: Dinâmica e organização do trabalho, prazer e sofrimento dos
enfermeiros que atuam na Estratégia Saúde da Família.
Sofrimentos advindos
da organização do
trabalho em ESF.
Categorias Temáticas Subcategorias
Caracterização dos trabalhadores
A Gestão como
potencializadora do
desgaste do enfermeiro.
- inúmeras atividades que
permeiam sua dinâmica de
trabalho - além do que é
prescrito;
- o excesso de burocracia;
- a falta de recursos humanos e
as constantes trocas de
trabalhadores provocados pelas
mudanças dos gestores;
- ambiente físico inadequado.
Desafios da interação
entre enfermeiro e
usuários
- queixas;
- pouco reconhecimento por
parte dos usuários;
- violência verbal e moral.
Descompasso entre o
trabalho do enfermeiro e
do Agente Comunitário de
Saúde.
- cobranças;
-falta de apoio e
comprometimento;
Prazer em meio à
desorganização do
trabalho em ESF.
Prazer relacionado à
escolha profissional
- ―o gostar‖ da profissão;
- fatores da organização do
trabalho em ESF que geram
prazer.
Importância do trabalho
na comunidade e retorno
positivo das suas ações.
- importância do trabalho junto a
comunidade;
-profissional-usuário e o
reconhecimento.
Apoio e suporte entre os
membros da equipe
- suporte na própria equipe;
- reconhecimento do trabalho do
outro; Quadro 01- Resultados do artigo 01
Quadro 02- Resultados do artigo 02
32
ARTIGO 02 - Estratégias defensivas frente ao sofrimento na organização do trabalho
em Estratégia Saúde da Família.
Objetivo Específico: identificar as estratégias defensivas que os enfermeiros da Saúde da
Família utilizam frente ao sofrimento para conduzir o seu trabalho
RESULTADOS
Tema central: As estratégias defensivas dos enfermeiros da Saúde da Família.
Categorias Temáticas Subcategorias
Caracterização dos trabalhadores e do seu contexto de trabalho.
Estratégias defensivas individuais - Planejamento e descentralização das ações e
tarefas;
- Iniciativas e adaptação;
- Reconhecimento de suas limitações;
- Fortalecimento da espiritualidade.
- Banalização
indiferença e conformismo;
estagnação.
- Racionalização
Realizar o trabalho por vocação;
Manter a calma;
Evitar o conhecimento da gestão.
- Negação
Não pensar;
Esquecer do sofrimento.
- Fuga
Focando no desempenho de suas funções
privativas;
Tentando não levar o sofrimento para casa;
Buscando atividades físicas e de lazer;
Pensar em trocar de emprego ou de profissão,
pensar no final do turno de trabalho, tirar
folga e aguardar o final de semana, feriados e
as férias.
Estratégias defensivas coletivas - Alocação de recursos próprios para resolver
dificuldades;
- Acordos com a equipe de trabalho;
- Diálogo como ferramenta de trabalho;
- Momentos de descontração.
33
ARTIGO 01
A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E O PRAZER E
SOFRIMENTO DOS ENFERMEIROS DE ESTRATÉGIA
SAÚDE DA FAMILIA.
RESUMO
Apresenta como objetivo identificar a organização do trabalho e suas relações com as
vivencias de prazer-sofrimento dos enfermeiros que atuam na Estratégia Saúde da
Família. Trata-se de um estudo exploratório- descritivo estruturado em uma abordagem
qualitativa. O estudo foi realizado nas Unidades Estratégia Saúde da Família do
Município de Santa Maria-RS, Brasil, o qual possui 16 equipes de ESF. No que se
refere aos sujeitos do estudo, foram convidados todos os enfermeiros que atuam nas
Unidades Estratégia Saúde da Família do Município, os quais totalizam 16 sujeitos. A
população estudada é adulta jovem, na faixa etária entre 26 e 35 anos; 87,5% do sexo
feminino, os mesmos atuam entre 01 ano e 04 anos na ESF. Os principais fatores que
conduzem ao sofrimento e desgaste, relatado por estes trabalhadores são a sobrecarga,
as cobranças da comunidade, o pouco reconhecimento, o limitado apoio dos gestores
em prol de melhorias físicas das unidades e do aumento do quadro de trabalhadores e as
restritas ações voltadas à saúde do trabalhador. O prazer está relacionado ao gostar do
trabalho que desempenham, trabalhar com a comunidade, as trocas e vínculos com os
usuários, reconhecimento do usuário e o apoio entre os membros da equipe. Os mesmos
temem que, com o passar do tempo, possam ter doenças relacionadas ao trabalho e
salientam a importância de realizar ações que aproximem todos os atores envolvidos na
rede, para que as ações possam ser tecidas em conjunto, instigando o fazer e pensar
coletivo implicando em mudanças organizacionais neste cenário.
Palavras-chave: Enfermagem. Saúde do Trabalhador. Atenção Primária à Saúde. Saúde
da Família.
INTRODUÇÃO
A Estratégia Saúde da Família é considerada uma estratégia de reorientação do
modelo assistencial, operacionalizada mediante a implantação de equipes
multiprofissionais em Unidades Básicas de Saúde que atuam em busca da efetivação
dos princípios e diretrizes do SUS (BRASIL, 2000).
Dentre os vários campos de trabalho da enfermagem, a ESF merece destaque
especial, uma vez que o enfermeiro pode atuar com mais autonomia nesta equipe e o seu
trabalho pode ter maior visibilidade e ser mais valorizado (ARAÚJO; SACHUK, 2007).
Nessa direção, o enfermeiro tem sido amplamente requisitado a ocupar espaços
34
estratégicos para a implementação das políticas de saúde e sociais, observando-se uma
crescente inserção dos mesmos na atenção à Saúde da Família (BRASIL, 2002).
Sabe-se que a enfermagem representa, atualmente, mais de 80% do efetivo que
atua nos programas de assistência de saúde pública. Trata-se, portanto, de um
profissional apto a participar, efetivamente da recriação das práticas de atenção à saúde
no Brasil (ARAÚJO; FABÍOLA, 2009).
A enfermagem como profissão integrante da dinâmica de trabalho da ESF tem
um papel fundamental na inserção de novas tecnologias e novos saberes na organização
do trabalho dessas equipes. O entendimento do trabalho como processo é uma
construção relativamente recente para a enfermagem e sua formulação teve influência
da teoria marxista, a qual vê o trabalho como transformação da matéria pela mão do ser
humano, num continum dinâmico no qual ambos sofrem alterações (FRACOLLI;
GRANJA, 2005).
A atuação da enfermagem subdivide-se em vários processos de trabalho como:
cuidar e assistir; administrar e gerenciar, pesquisar e ensinar. Dentre esses, o cuidar e o
gerenciar são os processos mais evidenciados no trabalho do enfermeiro que atua na
ESF (ARAÚJO; FABÍOLA, 2009).Nessa lógica, o enfermeiro que atua na ESF
desenvolve sua dinâmica de trabalho em dois campos essenciais: na Unidade de Saúde,
junto à equipe de profissionais e na comunidade, apoiando e supervisionando a atuação
dos agentes comunitários de saúde, bem como assistindo às pessoas que necessitam de
atenção de enfermagem.
Assume, assim, importantes funções como, por exemplo, a de educador,
prestador de cuidados, consultor, identificador de problemas na comunidade,
articulador, integrador, planejador, líder, gerente e interlocutor político, dando formas
variáveis no eixo central da construção e da dinâmica de trabalho (NETO et al, 2007).
Logo, o enfermeiro passou a ser considerado, em muitas situações, como
―ponto-chave‖ no processo de organização desta lógica de trabalho. Nesse contexto, o
enfermeiro pode ampliar sua inserção assumindo linhas de frente em relação aos demais
profissionais. Isso porque ele pode ter como instrumento de trabalho a gerência, além de
desenvolver atividades assistenciais, administrativas e educativas consideradas
fundamentais para a consolidação e o fortalecimento da ESF no âmbito do SUS
(PAVONI; MEDEIROS, 2009).
A dinâmica de trabalho dos enfermeiros que trabalham na ESF é também
caracterizada pelo desenvolvimento de ações que apresentam maior proximidade com o
35
usuário, a família e a comunidade. Muitas vezes, o sentimento de prazer encontrado
durante o seu trabalho advém do fato dos trabalhadores conseguirem resolver alguns
problemas dos usuários, fomentando o sentimento de ―utilidade social‖ (GOMES;
OLIVEIRA; SÁ, 2007).
Alguns estudos como de Reis (2007), Lucena (2009) e Junior (2011), apontam
como fatores geradores de prazer no cotidiano de trabalho do enfermeiro que atua na
Atenção Básica, principalmente, o fato de estabelecerem uma relação prazerosa com o
objeto/finalidade do trabalho e com o trabalho em si; por sentirem-se realizados pelo
exercício da profissão; o prazer em fazer o que gostam, gratificados com as atividades
exercidas; por trabalhar onde há cooperação e por ter liberdade para falar sobre o
trabalho com os colegas.
Por outro lado, o convívio com o sofrimento do usuário, as condições precárias
de vida das famílias, os problemas sociais que atingem a comunidade, a dificuldade de
acesso ao serviço; a carência de recursos técnicos e materiais, entre outros, pode levar a
conflitos, contradições e sofrimento (JÚNIOR; ÉSTHER, 2001).
Estudos de Pagliari et al. (2008); Martins, Robazzi, (2008); Bomfim e Soares
(2011), apontaram inúmeras condições de trabalho desfavoráveis e potencializadoras de
desgaste, estresse, angústia e sofrimentos destes trabalhadores. Destacaram como
principais fatores: tensão entre a realidade social e de saúde encontrada nos territórios;
imposição de metas a situação do território; a organização e divisão do trabalho fundado
na produtividade; situações de violência; o excesso da burocracia; falta de investimentos
na capacitação profissional; cobrança por parte da população e da coordenação;
acúmulo de atividades realizadas pelo enfermeiro e pouco reconhecimento do seu
trabalho.
A dinâmica de trabalho desenvolvida pela equipe de enfermagem pode ser vista
como geradora de sentimentos ambíguos. Ora ela pode colaborar para vivências de
prazer, ora para vivências de sofrimento, assim encontrando-se em um movimento
dialético no qual transforma e é transformada (MARTINS; ROBAZZI; BOBROFF,
2010).
Beck et al (2010, p.494), avaliando o trabalho dos enfermeiros na Atenção
Básica entendem que:
Há entraves no cotidiano laboral que podem ser traduzidos como problemas
de difícil solução, o que pode comprometer a saúde do trabalhador e o
desenvolvimento das atividades. Executar o trabalho na tentativa de burlar essas dificuldades, trabalhar com falta de recursos materiais e humanos, além
36
do descontentamento da comunidade, é uma tarefa árdua e pode contribuir
para a sobrecarga física e mental do trabalhador.
Desse modo, é possível pressupor que na dinâmica de trabalho dos enfermeiros
atuantes na ESF, as condições e a organização do trabalho podem interferir e
potencializar situações de prazer e sofrimento sendo, muitas vezes, necessário utilizar
estratégias defensivas na tentativa de minimizar o sofrimento e possíveis danos a saúde
física e psíquica dos trabalhadores inseridos nestes contextos laborais.
Assim, este o estudo tem como objetivo, identificar a organização do trabalho e
as vivencias de prazer-sofrimento dos enfermeiros que atuam na Estratégia Saúde da
Família no Município de Santa Maria, RS, Brasil.
PERCURSO METODOLÓGICO
Trata-se de um estudo exploratório-descritivo com abordagem qualitativa de
pesquisa. Este estudo está inserido no Grupo de Pesquisa Trabalho, Saúde, Educação e
Enfermagem, na Linha de Pesquisa Saúde/Sofrimento psíquico do trabalhador, do
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria-
UFSM (PPGENF).
A pesquisa foi realizada nas Unidades de Estratégia Saúde da Família do
Município de Santa Maria-RS, o qual possui dezesseis equipes de ESF, sendo que as
equipes da ESF São José, ESF Vila Urlândia e ESF Roberto Binato possuem equipes
duplas e a equipe que atende a ESF Arroio do Só e ESF Pains é a mesma, atendendo
dois dias em Arroio do Só e três dias em Pains.
No que se refere aos sujeitos do estudo, foram convidados todos os enfermeiros
que atuam nas Unidades Estratégia Saúde da Família (ESF) do Município, os quais
totalizam 16 sujeitos. Foram utilizados como critérios de inclusão: ser enfermeiro
concursado pelo município e atuante na ESF há mais de seis meses (tempo considerado
para adaptação) e como critérios de exclusão: os enfermeiros que estiverem em licença
de qualquer natureza ou férias durante o período de coleta de dados.
O estudo foi desenvolvido no ano de 2013, após a aprovação do Comitê de Ética,
parecer nº 183.570 e CAAE: 12251112.1.0000.5346. Os dados foram coletados por
meio de entrevistas semiestruturadas, realizadas entre os meses de janeiro e abril do ano
de 2013. No roteiro para entrevista havia questões de caracterização sociodemográficas
que foram analisados por meio de estatística descritiva.
37
As entrevistas foram realizadas na própria unidade geralmente no final do turno,
na Universidade, na casa do trabalhador e na casa da pesquisadora, levando em conta a
privacidade dos sujeitos. Houve algumas resistências dos enfermeiros para participarem
do estudo, as quais foram justificadas pela sobrecarga de trabalho e pelo número de
pesquisas desenvolvidas no serviço sem o retorno dos resultados para os participantes,
neste caso foram feitas 03 tentativas, obtendo a aceitação. A duração das entrevistas
variou entre 40 minutos e 1hora e 40 minutos.
Para realizar análise temática cumpriram-se as três etapas propostas: pré-análise,
exploração do material e tratamento dos resultados obtidos, etapa na qual também
acontece a interpretação dos dados (MINAYO, 2010). Para isso, foi inicialmente
realizada uma leitura flutuante dos dados, agrupamento das falas semelhantes, nova
leitura dos dados na integra e a realização de um esquema que resumisse os resultados
que respondiam a questão de pesquisa.
Para a etapa de apresentação dos resultados, optou-se por associá-los a falas
ilustrativas. No intuito de manter o anonimato dos sujeitos de pesquisa, os pesquisados
foram identificados pela letra ―E‖ correspondente a enfermeiro, seguido por um número
arábico conforme a ordem de realização das entrevistas. Na discussão dos resultados
foram utilizados como base teórica os estudos de Dejours e demais autores que
trabalham com a temática da Psicodinâmica do Trabalho.
RESULTADOS
Caracterização dos trabalhadores
A população estudada é de adultos jovens, na faixa etária entre 26 a 35 anos;
87,5% do sexo feminino, 37,5% solteiros, 31,25% casados, 25% união estável e 6,25%
divorciados e 31,25% possuem filhos. A maioria deles, 87,5% , já atuaram em outras
áreas da enfermagem e 12,5% sempre atuaram em ESF. No que tange ao tempo de
trabalho, os mesmos atuam entre 01 e 04 anos na ESF.
Verificou-se que existe a busca pelo aprimoramento profissional, já que 87,5%
dos entrevistados cursaram ou estão cursando especialização ou mestrado direcionado à
saúde coletiva. Todos os entrevistados dedicam-se, exclusivamente, ao trabalho na ESF
e cumprem oito horas diárias de trabalho.
38
Desses trabalhadores, 25% participam de conselhos da categoria ou conselho de
saúde. Quanto à realização de atividades físicas, 56,25% realizam atividades
frequentemente. A respeito do cuidado com sua saúde, 87,5% realizam exames médicos
de rotina e 6,25% sofreram acidente de trabalho no último ano.
Os trabalhadores (50%) referiram ter sofrido algum tipo de violência no trabalho,
destaca-se a violência verbal, moral, física e relataram ter sofrido algum tipo de
discriminação no trabalho, caracterizada pelo fato de ser Enfermeiro e o usuário preferir
o atendimento médico, também por ser membro novo da equipe e por questões ligadas
ao gênero.
Os resultados, depois de organizados e analisados, apontaram para um tema
central ―Dinâmica e organização do trabalho, prazer e sofrimento dos enfermeiros que
atuam na estratégia saúde da família.‖ Do qual emergiram duas categorias temáticas:
Sofrimentos advindos da organização do trabalho em ESF e Prazer em meio à
(des)organização do trabalho em ESF, seguidas de suas subcategorias.
DINÂMICA E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO, PRAZER E SOFRIMENTO
DOS ENFERMEIROS QUE ATUAM NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA.
Sofrimentos advindos da organização do trabalho em ESF
Os trabalhadores da ESF mencionam sofrimentos advindos da organização do
trabalho, os quais são oriundos de três fontes principais, ou seja, dos Gestores; dos
Usuários e dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), caracterizando três
subcategorias conforme pode ser visualizado na figura 01.
39
Figura 01 – Ilustração elaborada pela autora.
Assim, conforme os trabalhadores descrevem seu trabalho, o boneco representa
o trabalhador que se envolve em inúmeras atividades e precisa, constantemente,
contornar os sofrimentos causados pela organização do trabalho representados na figura
pelos círculos que representam as fontes principais do sofrimento, ligadas a organização
do trabalho: usuários, gestores e aos Agentes Comunitários de Saúde.
A Gestão como potencializadora do desgaste do enfermeiro
Os trabalhadores relataram que as inúmeras atividades que permeiam sua
dinâmica de trabalho além do que é prescrito, o excesso de burocracia e a falta de
recursos humanos; ambiente físico inadequado; o pouco apoio, resolutividade e
reconhecimento por parte dos gestores são situações que causam desgaste e sofrimento
para os enfermeiros.
Com relação às inúmeras atividades que permeiam sua dinâmica de trabalho
- além do que é prescrito salienta-se que os enfermeiros desempenham um trabalho
que lhes exige principalmente concentração, organização, agilidade, conhecimento e
liderança, pois seu cotidiano de trabalho é marcado pela complexidade do cuidado e as
inúmeras mudanças no seu contexto.
Os participantes expõem que sua dinâmica de trabalho contempla inúmeras
atividades tais como: coordenar os demais membros da equipe, prestar assistência em
40
saúde e de enfermagem, supervisionar os Agentes Comunitários de Saúde, bem como os
auxiliares administrativos.
Ainda necessitam mediar as relações de trabalho entre os integrantes da equipe;
convocar e coordenar reuniões; fazer contato e participar das reuniões com os gestores
de saúde e a comunidade; elaborar escalas de folgas; realizar pedidos, controle e
manutenção de equipamentos e medicamentos; elaborar e entregar relatórios e
documentos à gestão e realizar as atividades privativas do enfermeiro. Isso fica
explicitado nos fragmentos a seguir:
[...] as atividades que eu consigo desenvolver são consultas de enfermagem,
visitas domiciliares [...] também faço as coletas de preventivos,
procedimentos de enfermagem como curativos, retiradas de pontos,
sondagens, nebulização, administração de medicamentos. Tem toda a parte
burocrática, que seriam os relatórios que têm que ser enviados para a
Secretaria de Saúde. Além dessa função de enfermeiro, eu exerço a função de
coordenador da unidade. E13 [...]trabalhar em 2 unidades de estratégia não é bom porque tu tem que
pensar sempre em dobro e também porque a população fica desassistida. Em
uma eu fico só na terça e sexta o dia inteiro, então na segunda, na quarta e
na quinta eles ficam sem atendimento [...]a gente fica para lá e para cá. A
técnica de enfermagem está em laudo médico há quase 1 ano, eu estou
sozinho, e a gente tem que se moldar ao cotidiano, [...] a dinâmica de
trabalho tem que estar sempre mudando, é bem complexo, não é fácil. E9
Os trabalhadores também destacam o excesso de burocracia e discorrem que a
organização do trabalho reflete em grandes exigências, pois o enfermeiro precisa
cumprir as atividades, ao mesmo tempo, atender os imprevistos que vão desde as
demandas por respostas a problemas que extrapolam os programas previstos para os
usuários, até demandas administrativas que, muitas vezes, excedem as funções
previamente estipuladas para os mesmos, o que causa desgaste e sofrimento para o
trabalhador e equipe, até mesmo, provocando danos em sua saúde. Estas questões
aparecem expressas nestes fragmentos:
[...] o enfermeiro não consegue, muitas vezes, estruturar suas ações. Então,
aqui na unidade, embora nós sejamos duas enfermeiras, a população é
grande e nós não somos coordenadoras da unidade, mas a gente acaba
sendo, porque a gente tem que gerenciar a questão administrativa, a questão
dos pacientes, comunidade, a questão das relações interpessoais e ainda tem toda a parte burocrática que tem que dar relatório. Então a gente se envolve
com muitas coisas. E2
[...]a gente fica muito esgotado, a gente sai cansado do dia de trabalho,
porque além do que tu tem que dar conta enquanto profissional, trabalhador
da saúde, tu ter ainda que trabalhar com essas questões, que é essa falta de
41
pessoal e essa falta de recursos, também de espaço físico na unidade e as
inúmeras burocracias [...]então é complicado trabalhar também nessas
condições. E13
Pressionados por demandas organizacionais de toda ordem, os enfermeiros
também precisam trabalhar, por vezes, fora do horário previsto ou levam trabalho para
casa para poder realizar as atividades de cunho burocrático, devido à sobrecarga de
trabalho.
A falta de recursos humanos e as constantes trocas de trabalhadores
provocadas pelas mudanças dos gestores, também são fatores que causam sofrimento
ao trabalhador. Pois, devido à falta de auxiliares administrativos, necessitam além de
desempenhar suas atividades cotidianas, assumir as funções como secretária, telefonista
e até mesmo realizar a limpeza da unidade. Por vezes também precisam, delegar essas
funções para os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e/ou técnicos de enfermagem
para substituir esses profissionais, a fim de não prejudicar o fluxo da unidade.
[...] a gente não consegue desempenhar o papel da gente que é dar mais
atenção à enfermagem enquanto profissão. A gente acaba se envolvendo
muito com isso e isso gera um estresse também, porque além de tu ter que
fazer o teu trabalho, tem que fazer o trabalho de um outro profissional. E13
[...]o que eu consigo fazer, muitas vezes, é uma chamada até dos próprios
agentes. Eu mobilizo eles até pra eles me auxiliarem nessa parte que não é a
função deles também. E12
[...]o efetivo de pessoal é pouco.Se é só eu e a técnica, nos temos que nos
virar em recepcionista, telefonista e até limpar a unidade. E1
Desta forma, salientam que desempenham inúmeras atividades que compõem a
dinâmica do trabalho real, indo além do que é prescrito, assumindo muitas atividades e
funções como sendo de sua responsabilidade mesmo que não deliberadamente, o que
lhes ocasiona desgaste pelo trabalho que se torna exaustivo, causando assim,
sobrecarga.
Conforme os trabalhadores, outra característica deste contexto é a
descontinuidade do trabalho devido às freqüentes mudanças tanto dos gestores quanto
das formas de gestão, o que exige períodos de adaptação, conhecimento da realidade e a
formação de vínculos. Também devido a estas mudanças, há trocas constantes dos
auxiliares administrativos, o que remete a necessidade do enfermeiro ambientar os
novos integrantes da equipe ao fluxo de trabalho na ESF, rotinas da unidade, trabalho
em equipe e conhecer as demandas da comunidade.
42
[...] uma dificuldade que a gente tem aqui é que o recepcionista é cargo de
confiança. Então, daqui a pouco ele vai sair e deve entrar alguém que não
sabe absolutamente nada, tem que passar tudo de novo [...] E7
[...] desde que eu estou, já passaram três secretários diferentes, em um
pouquinho mais de um ano que eu estou no município. A gente nunca tem
uma sequência, porque cada um tem uma cabeça e vai colocando o seu jeito
de trabalhar e aí a gente sempre tem que estar se modificando, se adequando
e isso também é muito cansativo, muito desgastante para a gente. E13
Também foi mencionado a questão do ambiente físico inadequado de trabalho.
Em relação ao local onde são desenvolvidas as atividades diárias, os trabalhadores
mencionaram que as condições de trabalho dificultam a realização de suas atividades,
causando insatisfação, insegurança e sofrimento, como expresso nos fragmentos:
Esse espaço é pequeno para uma Unidade Escola, mesmo com uma equipe
simples, não tem uma sala para enfermeira, então eu não tenho o meu
espaço lá dentro [...]E6
[...] só que lá no posto a gente não tem um acesso de escape, se eu for para
os fundos do posto, eu vou na sala de curativo, que agora não tem luz, mas
que tem sempre alguém lá, que faz curativo com o foco do preventivo. Tem a
outra sala do fundo que também está ocupada.[...] as vezes a gente quer ir no banheiro, nem no banheiro as vezes eu consigo ir. E14
Portanto, as unidades não possuem espaços adequados para realizar o
acolhimento, consultas de enfermagem, curativos, vacinas, entre outros espaços que são
necessários para desempenhar o cuidado adequado e resolutivo esperado pela
comunidade.
Da mesma forma, as unidades não apresentam um espaço para que o trabalhador
possa deixar seus pertences, usar o vestiário, realizar um lanche, ter alguns minutos de
descanso, o que mostra que o Município não proporciona as condições de trabalho
previstas na legislação vigente, o que pode repercutir em agravos à saúde dos
trabalhadores.
O pouco apoio, resolutividade e reconhecimento relacionado à gestão,
desencadeia sofrimento aos trabalhadores. Ao se depararem com os diversos desafios
organizacionais que permeiam a dinâmica de trabalho, tentam buscar ajuda para
resolução de alguns destes junto á Gestão do Município, pois muitos desses poderiam
ser resolvidos em conjunto com os gestores. Entretanto, em muitas situações não obtém
a resposta e resolução que esperavam. Todos os trabalhadores relataram este fato
43
durante a entrevista e a seguir foram selecionados alguns fragmentos que elucidam estes
fatos:
[...] tu como trabalhador acaba se sentindo desrespeitado, pouco
reconhecido, porque há falta de condição de trabalho. E6
[...] as atividades que eu consigo desenvolver são consultas de enfermagem,
visitas domiciliares, que daí uma dificuldade também as visitas de serem
realizadas, porque muitas vezes não tem carro, não tem um motorista fixo,
ou quando tem foi deslocado pra outra unidade, ou foi levar um paciente pra
internação e a gente fica sem poder fazer esse acompanhamento. E13
E nesse cenário, o trabalhador refere que se sente sozinho, desvalorizado,
angustiado, impotente, ignorado, desmotivado, gerando sofrimento por não ter um apoio
para solucionar os desafios que permeiam o seu trabalho.
No início eu estava com mais gás. Cheguei primeiro, dei uma observada, comecei a mandar os memorandos de algumas solicitações, não tinha
resposta... eu ia atrás, não tinha resposta. Teve um período que eu cansei, é
sempre muito difícil tu conversar com o responsável eu digo questões mais
amplas assim, que aumentam a Unidade como a melhoria das questões
físicas, dos bens duráveis digamos assim, de pessoal, da necessidade de tu
ter mais profissionais pra aquela demanda toda. Teve as eleições que
atrapalharam muito porque fizeram tu ter que aceitar coisas sem ter
alternativa, a verticalização da gestão.E6
Eu liguei no mesmo dia, o rapaz disse: estou indo ai! E eu estou esperando
até hoje! Então essas coisas me incomodam e justamente porque tu lida com tanta coisa complexa[...] O que mais me angustia é eu saber que tem muita
coisa que eu poderia fazer e que é fácil, basta boa vontade, mas tu vai até
certo ponto, daqui a pouco tranca por uma fulana que não está com vontade,
ou porque ele esqueceu de dar o teu recado ou porque ficou assim sabe[...]
então isso é complicado, tu como trabalhador se sente desrespeitado porque
falta de condição e apoio no trabalho.E8
Isso faz com que os trabalhadores se sintam desmotivados para agir em prol de
mudanças efetivas na realidade em que desenvolvem seu trabalho.
Desafios da interação entre enfermeiro e usuários
Obter acesso aos serviços e um atendimento resolutivo é o esperado pelos
usuários. Porém quando necessitam acessar a ESF, encontram principalmente barreiras
organizacionais, como relacionadas á espera prolongada, insuficiência quanto à
possibilidade de agendamento de novas consultas, as filas para conseguir ficha para
consulta médica, a demora na marcação do atendimento especializado,entre outros.
Frente a isto e devido dificuldade de compreender o fluxo da unidade e
comunicação com a gestão, levando ao enfermeiro suas queixas e esperando que o
44
mesmo sane suas necessidades, como se fossem os únicos responsáveis pelos obstáculos
enfrentados pelo usuário. Pelo fato da desarticulação entre o enfermeiro e a gestão e por
entender que não é apenas de sua responsabilidade, mas sim estando ligada a toda rede
de atenção à saúde, os trabalhadores sentem-se pressionados, impotentes e sofrendo por
não conseguir garantir a integralidade e resolutividade no atendimento ao usuário.
[...] as vezes a falta da gente não conseguir ter essa resolutividade por causa
da burocracia e do que não depende da gente, isso estressa um pouco. Por
exemplo, o encaminhamento para o Hospital Universitário de Santa Maria,
para o especialista. A gente faz todo o processo, quando chega lá na
Secretaria o papel tranca, daí pessoa precisa esperar dois anos um neurologista, entendeu, daí ela vem e pergunta se está contigo, sim está
comigo, mas o que é que eu vou fazer, não depende só da gente. Daí a gente
explica, mas ele tem uma dificuldade de entendimento do fluxo, na Secretaria
às vezes também não dizem as mesmas coisas que a gente, sabe, então tem as
pessoas que vão lá e conseguem, outras vão e não conseguem, e os usuários
dizem: ah é falta de vontade de vocês! Sabe, tudo isso dificulta bastante. E7
Transparece para os trabalhadores que os usuários dos serviços de saúde, os
enfermeiros, são os trabalhadores responsáveis por resolver todos os problemas
demandados pela comunidade. E o usuário, por vezes, acaba não tendo
corresponsabilidade, pouca adesão ao tratamento, burlam regras, exigem, agridem
verbalmente e pouco reconhecem o trabalho do enfermeiro.
[...] as vezes, há falta de entendimento do que a gente está trabalhando. Para
fazer um curativo, demora meia hora, então o que não é uma coisa que devia
gerar sofrimento absurdo, às vezes gera, às vezes xingam, as vezes ofendem
a gente. Eles têm uma visão de que a gente está para tocar a ficha entendeu,
não importa o que aconteça. E7
[...]eles dão os telefones para a gente avisar as consultas, quando chega no
dia, a gente não consegue ligar para o telefone da pessoa, depois a pessoa
vem aqui reclamar [...] mas eles não entendem, acham que agente tem que ir
lá e entregar, só que eles não tem uma corresponsabilidade deles, de dizer,
eu sou responsável por deixar atualizado meu telefone. E1
Na visão do trabalhador, ele não pode falhar, precisam atender a tudo o que lhes
é solicitado e o trabalho real que desenvolve não o permite, pois o trabalhador apresenta
dificuldade para cumprir as demandas, principalmente por não ter condições de ordem
organizacional e pouco apoio da rede, especialmente da gestão do município, para
desempenhar seu trabalho de maneira adequada e resolutiva. Os fragmentos elucidam
esta questão:
[...]a gente está com uma população dobrada e é isso que mais dificulta, a
gente não consegue aumentar muito o número de consultas do SUS, então
acaba sendo dobrada os acolhimentos, o número de vacinas, dobrado o
45
número de curativo. Então todo o nosso território é muito extenso, isso
dificulta um pouco, isso estressa um pouco e, as vezes, a falta da gente não
conseguir ter essa resolutividade por causa da burocracia e do que não
depende da gente, como por exemplo, o encaminhamento para o especialista
do Hospital Universitário de Santa Maria. E7
[...]é claro que a população cobra da gente, eles cobram de nós, eles não
vão cobrar da gestão. Então, se falta alguma medicação eles cobram da
gente.E5
Foi possível verificar o pouco reconhecimento por parte dos usuários, embora
os trabalhadores relatem que o principal reconhecimento advém dos mesmos. Porém
este é baseado no julgamento de utilidade ocorre apenas eventualmente, o que pode
dificultar a transformação do sofrimento no trabalho em prazer, valorização e satisfação
profissional.
[...] chegam os usuários aqui na unidade e colocam a culpa em nós, chegam
aqui a gente orienta qual é a rotina da unidade, realmente tem razão,
poderia ter mais atendimento, mas a gente é sobrecarregado por que a gente
tem doze mil habitantes e tem duas estratégias, devia ter mais uma pelo
menos. Daí eu converso com eles, tento explicar, que não dá para fazer
nada. E, muitas vezes, eles não reconhecem o nosso trabalho, o nosso
empenho. E11
Outro fator relacionado aos usuários é a violência verbal e moral que os
trabalhadores relatam em suas falas, como fator que gera desgaste, compromete a
segurança, bem-estar e saúde destes, conforme os fragmentos a seguir:
[...]um senhor que estava aqui agora há pouco, já entrou porta a dentro e
disse: não vai me atender! [...] E por telefone a gente já ouviu desaforo de
usuários, a gente já cansou de ouvir desaforo. E12
[...] Deus nos livre, se alguém precisa retira remédio e tu pede para
aguardar, só se o posto tiver cheio eles entendem. Se tiver vazio e mesmo que
tu esteja fazendo outra coisa importante, eles não conseguem entender. A
gente tem toda a parte burocrática que não é vista, a gente perde muito
tempo fechando relatório, digitando, enviando coisas. Então, parece para
eles que se não tiver paciente, não estão trabalhando e já começam a
xingar.E7
Descompasso entre o trabalho do enfermeiro e do Agente Comunitário de Saúde
Os trabalhadores também mencionaram a dificuldade de coordenar o trabalho
dos ACS como uma das características da organização do trabalho que se traduz em
sofrimento aos enfermeiros. Conforme os trabalhadores, algumas vezes se torna
―pesado‖ a responsabilidade de supervisionar os ACS, principalmente pelo pouco apoio
46
dos gestores, gerando desgaste e problemas de relação interpessoal, embora saibam que
está é uma atividade inerente a sua profissão, o que se destaca na fala a seguir:
[...]nessa questão do trabalho do enfermeiro mesmo, essa questão de tu ter
uma hierarquia, tu precisa ser supervisionado por alguém e não é muito
confortável essa posição porque recém cheguei [...] isso me incomoda um
pouco, porque eu sinto deles (ACS), aquela visão de que: Meu Deus estou há
dez quinze anos aqui e preciso ser cobrado por alguém que recém entrou e ainda com o pouco apoio dos gestores. E3
Observa-se, no registro das falas, a dificuldade encontrada pelos trabalhadores,
para desenvolver o trabalho em equipe, principalmente na interação com os ACS para
continuarem desenvolvendo suas atribuições. Com falhas na comunicação, pouco
reconhecimento do trabalho que o enfermeiro e demais membros da sua equipe
desenvolvem, é dificultada a realização de ações mais eficazes, gerando cobranças
excessivas e sobrecarga ao trabalhador enfermeiro.
[...] tem cobranças muito grandes dos agentes de saúde muito grande que eu
estou tentando mostrar pra eles que o enfermeiro, ele não é só
assistencialista, que ele não é só pra estar ali só fazendo um curativo,
atendendo, ele é pra tudo e a maioria deles não tem essa visão, então eles te
cobram porque tu não vai em todas as visitas com eles [...] E6
A falta de apoio e comprometimento dos ACS também dificulta a realização
de ações na comunidade. Os enfermeiros esperam um maior entrosamento entre os
membros da equipe, mais entendimento, fortalecimento das relações interpessoais,
afirmando ser necessário discutir e planejar junto à equipe, para que a assistência a ser
prestada seja integral, resolutiva e que os motivem a realizar novas ações em equipe.
A gente às vezes faz determinada atividade, tu se entusiasma, e eles (ACS)
não valorizam não indo junto, não abraçando junto. Tu acaba ficando mais
desmotivado. E2
Outro fator associado é o pouco apoio da gestão na supervisão das atividades dos
ACS, ficando a cargo apenas do enfermeiro a tomada de decisões e advertências quando
o trabalho dos ACS não é eficaz. Assim, os trabalhadores sentem-se desmotivados e
sem respaldo da gestão.
[...] a gente faz determinada ação, sabe que tem que contar com
determinados profissionais, tem que contar com o agente, e aí o agente se
nega [...] tu não consegue ter o apoio de alguém de fora (gestão), que possa
te apoiar e dizer, fulano a ação é essa vocês vão fazer por esse caminho. E1
47
[...] eu consigo separar, de vir atender um pré-natal, em ter que ir para uma
visita, porque não envolve os agentes. No que envolvê-los, não tem
entusiasmo. As outras ações, é tranquilo, faço com gosto. E2
Na sequência, os trabalhadores mencionam que além de destes fatores geradores
de sofrimento, há o prazer, que permeia sua dinâmica de trabalho e os motivam para
seguir atuando e convivendo com os obstáculos e sofrimento do trabalho em ESF,
evitando danos maiores a saúde física e psíquica.
Prazer em meio à (des)organização do trabalho em ESF
Os trabalhadores da ESF relatam fatores que geram prazer em meio à
(des)organização do trabalho em ESF por meio de três subcategorias: gostar do que faz
e retorno positivo do trabalho que desenvolve; ações na comunidade; apoio e suporte
entre os membros da equipe, conforme pode ser visualizado na ilustração 02.
Figura 02 – Ilustração elaborada pela autora.
Também ficou claro nas falas que no prazer, fator que motiva os trabalhadores a
enfrentarem os desgastes gerados pelas falhas na organização do trabalho, (a mesma
representada pela corda na Figura 02) destaca-se: prazer relacionado a escolha
profissional, ações na comunidade e o apoio e suporte entre os membros da equipe, os
quais são fatores que dão equilíbrio (representado pela vareta na figura 02) para o
trabalhador enfrentar as situações de sofrimento, minimizando-o a partir da adaptação
ao ambiente de trabalho e busca pelo que lhe gera prazer.
Prazer relacionado à escolha profissional
48
Durante a entrevista, os trabalhadores quando relatavam sobre seu trabalho
afirmam que “o gostar” da profissão tem sido um dos fatores determinantes para
continuarem exercendo a mesma em meio aos desafios. Impulsionando-os a realizar
ações em busca de melhorias na organização e dinâmica de trabalho, consequentemente
busca pelo que lhe traz prazer, sublimando assim o sofrimento inerente em seu cotidiano
de trabalho. O fragmento que ilustra essa questão:
[..] eu amo o que eu faço, para mim, estar aqui, estar fazendo o que eu faço é
bom, eu gosto de fazer desde uma lista de pedido, de conferir de material, de
organizar. Eu fiquei realizada agora porque eu troquei as salas aqui.[...]
então me sinto feliz. Pois tu consegue fazer as coisas do mais perto do que
tem que ser, então tudo isso são as conquistas, isso me faz feliz. Faz bem, com certeza, dá vontade de voltar e fazer de novo[...] E8
Por outro lado, além de ―gostar do que faz‖, os trabalhadores fazem referência a
fatores da organização do trabalho em ESF que geram prazer, no que diz respeito
ao turno e horário de trabalho por trabalharem oito horas diárias, por não necessitar
trabalhar finais de semana, feriados e no turno da noite. Isto faz com que possam ter
mais tempo para realizar suas atividades pessoais, realizar o autocuidado e passar mais
tempo em família.
Também relatam a respeito do trabalho ligado ao retorno financeiro, o qual é
convertido em um local para morar, segurança e satisfação das necessidades básicas,
como alimentação, educação, saúde, fontes de motivação e prazer. Com relação a isso,
expressam que:
[...]o que me faz bem no cotidiano é saber que entro as oito e saio às 17
horas, é isso aí meu trabalho e é isso aí que eu tenho que fazer, a equipe é
aquela ali que eu vou trabalhar, é sempre aquela ali, posso contar com eles independente de horário. É a coisa boa que eu tenho, depois fico livre para
fazer minhas coisas e cuidar da família. E9
O que me dá mais força é pensar que tenho minha filha, que ela tem que ter
futuro, que eu tenho que trabalhar para dar esse futuro para ela, isso que me
motiva para trabalhar, mesmo estando estressada tenho que continuar
fazendo porque tenho uma pessoa que depende de mim e é isso que me
motiva, a minha família em si, até porque eu tenho uma mãe que precisa de
mim. E1
Importância do trabalho na comunidade e retorno positivo das suas ações.
O trabalhador de enfermagem reconhece a importância do trabalho junto á
comunidade, pois o mesmo compreende o ser humano como um todo, acolhe e
identifica as necessidades e expectativas dos usuários, primando pela integralidade e
resolutividade na assistência ao usuário e comunidade. Sendo assim, fonte de prazer e
49
satisfação pessoal; de interação, reconhecimento social, realização pessoal e
transformação social, faz com que os trabalhadores sintam-se motivados para seguir
atuando, devido este ―compromisso com a comunidade‖, conforme os fragmentos a
seguir:
[...]o que mais me motiva é isso que eu te falei, é o compromisso, eu tenho
compromisso com aquelas pessoas, eu sei que elas tão me esperando todos
dias [...]E14
[...]é a questão do resto da população, porque eu sei que tem gente que está
aqui, tem pessoas que vem de madrugada tirar ficha aqui para o
atendimento. Então, as vezes, é complicado tu sair, virar as costas e não dar
satisfação para ninguém, as vezes tem gente precisando, então é bom[...]. E5
Na verdade, o entusiasmo não existe, existe só motivação que é um motivo.
Por exemplo, qual é o motivo de tentar resolver isso, é porque , eu estou
locada aqui , então vou, pretendo continuar locada aqui, então a gente tem
que procurar melhorar, para a população. E1
O estabelecimento de vínculo, criação de laços de compromisso,
corresponsabilidade entre profissional - usuário e o reconhecimento por vezes do
usuário, possibilita que o sofrimento no trabalho seja minimizado, oportunizando
prazer e realização.
O resultado satisfatório do seu trabalho, visto que o trabalho do enfermeiro é
consumido no ato de sua produção; no momento da prestação da assistência, tanto
individual como grupal, é visto como ―um motivo para voltar no outro dia‖. Assim,
referem que:
É a possibilidade de estar, na verdade, no cotidiano das pessoas, é quando a
gente conhece as pessoas, quando tu vai na casa delas. É que eu gosto, não é
dar o pão, não é dar o peixe, é ensinar a pescar, trabalhar com a autonomia
do sujeito, que essa pessoa possa fazer por si, saber que a gente está junto,
que a gente está aqui, mas que ela faça por ela. E2
[...] a gente faz pré-natal e isso é uma coisa que eu acho muito boa para
trabalhar, uma pessoa, uma gestante que está tendo um filho, eu acho uma
coisa que gratifica muito, a puericultura também, tu fez o pré-natal da
criança, depois ela nasce, tu tem o acompanhamento isso eu acho que motiva
o vínculo com os usuários também. Motiva o bom vínculo, a assistência
básica, o preventivo é uma coisa que eu gosto de fazer, é o que motiva muito.
E11
O que faz bem é o reconhecimento da população, um que diz muito obrigada,
e daí final de ano eles trazem presente [...] então eles virem participar dos
grupos de hipertensos e diabéticos, agradecer pelo atendimento, já é mais um motivo para voltar no outro dia. E16
Apoio e suporte entre os membros da equipe
50
Pelas características desgastantes da dinâmica de trabalho da ESF, os
trabalhadores se fragilizam e buscam o suporte na própria equipe. Os resultados
demonstram que há uma relação de confiança e cooperação entre os trabalhadores que
pode ser observada nas falas durante as entrevistas quando usam repetidamente a
expressão ―a gente‖ ao invés do ―eu‖ para responder os questionamentos, evidenciando
que seus planejamentos e ações não são realizadas de forma solitária e sim com a
participação de outros membros da equipe.
Da mesma forma, se dá a relação de reconhecimento do trabalho do outro, o
que gera incentivo, motivação e fortalece as relações interpessoais. Embora essas
relações apresentam-se limitadas, quando observado que na fala dos trabalhadores não é
mencionado uma união de esforços em prol de mudanças efetivas nos fatores geradores
de sofrimento, apenas procuram ―se apoiar‖ para seguir atuando em meio ao sofrimento.
Eu tento me apoiar nos colegas, porque eu vejo que além de mim, eles
também estão nesse barco junto comigo, então a gente tenta sempre um
ajudar o outro para conseguir continuar, porque a gente sozinho é muito
complicado. E13
[...] mas a equipe ajuda bastante, um ajuda o outro, valoriza o que o outro
faz, isso é bom. Apesar das desavenças, dessas coisas, tu nota que tem isso
na equipe, não sei se é porque ela é pequena e é mais fácil de ter isso, mas ajuda bastante sim. Isso alivia essa troca que a gente faz, porque tu vê que
não é só tu que vai resolver o problema dela, o outro vai te ajudar, o outro
que as vezes nem é da área tem uma ideia, claro, respeitando sempre a ética
das pessoas enfim, .mas aquela pessoa vai poder te ajudar de tal maneira,
que tua cabeça está tão cheia com outras coisas também que tu não pensou
naquilo, e o outro ajuda, esse exercício de fazer essa troca, alivia bastante.
E6
E frente às vivencias de prazer e sofrimento, eles reconhecem seus limites e
demonstram preocupação com os possíveis as doenças do trabalho que podem
desenvolver com o passar do tempo se a dinâmica e a organização do trabalho não
forem modificadas.
Por ―serem novos no trabalho‖ ainda conseguem criar estratégias frente ao
sofrimento e, por consequência, conseguem manter sua saúde física e mental, embora
alguns já relatem algum tipo de impacto em sua saúde. Consideram importantes os
meios de prevenção e promoção á saúde do trabalhador, embora existam poucas ações
no Município, como elucidam os fragmentos:
[...] de tu pegar pó todos dias, adquiri uma rinite alérgica e uma sinusite
quase crônica, pelas condições ambientais do trabalho. E6
51
[...]dai eu via que a minha pressão ia lá em cima, chegava a 20 por 10, dai
eu começava a fica com tontura, náusea, dor de cabeça e dor na nuca, e era
só de estresse. E13
Não tenho problema de saúde que envolva o trabalho por enquanto não,
ainda não, mas eu acredito que logo a gente comece até porque uma carga
de estresse em cima da gente, a gente tem que estar sempre no limite de
incomodo, de sofrimento por não levar o trabalho como deveria sabe, tem
conhecimento pode fazer, só não faz porque não tem condições. Não sei até quando, porque os enfermeiros de ESF entraram agora, mas eu ainda por
enquanto ainda não.E9
A gente sempre nas reuniões dos coordenadores quando sai (que é uma ou
duas vezes por mês), a gente sempre fala: e quem é que cuida de nós?, quem
é cuida do trabalhador? Então esse parece que é o único espaço que se tem
também para os outros profissionais. Tem para levar até a gestão isso ou
num encontro informal com alguma pessoa dentro da secretaria E13
Portanto, mesmo apresentando sofrimento devido à desorganização do trabalho,
também há manifestações de prazer relacionadas, principalmente, a escolha da
profissão, ao exercício da mesma, ao reconhecimento e ao trabalho em equipe, fatores
que motivam o mesmo a seguir atuando e contribui para minimizar os danos a sua
saúde.
DISCUSSÃO
O perfil da população estudada é jovem, o que leva a refletir que os mesmos
tiveram sua formação pautada em um modelo de saúde proposto a partir de 1988, com
movimentos que provocaram mudanças na educação em enfermagem, apontando a
necessidade do compromisso com princípios da Reforma Sanitária Brasileira e do
Sistema Único de Saúde.
A maioria dos trabalhadores são do sexo feminino, reforçando a ideia que a
prática de cuidar é um atributo do público feminino, visto como um processo
―naturalizado‖, originando-se essencialmente da construção cultural do papel da mulher
na sociedade, identificado como portadora de maiores habilidades para o cuidado
(LOPES,2005).
Outro estudo que apresentou uma população de trabalhadores
predominantemente feminina em Unidades Convencionais de Saúde (UCS) e Unidades
de Saúde da Família (USF), ressalta a relevância de ampliar as reflexões a saúde do
trabalhador, devido à divisão sexual do trabalho, a partir de um discurso culturalmente
construído e socialmente aceito da fragilidade e sensibilidade feminina. As
52
características psicológicas do gênero feminino diferenciam-se do masculino, portanto,
elas vivenciam de maneira diferente, o impacto da organização do trabalho, o
sofrimento psíquico e os sistemas defensivos (GOBATTO, 2013).
O tempo de serviço pode ser relacionado com o conhecimento das atribuições,
diretrizes, metas, objetivos da ESF, assim como da organização do trabalho e, segundo
as falas, o pouco tempo de atuação pode estar relacionado também ao não adoecimento
do trabalhador, pois as estratégias defensivas contra o sofrimento ainda conseguem
amenizar o mesmo.
Outro fato a ser pensado, é quando os trabalhadores discorrem que já se
―acostumaram‖, ou seja, banalizam a forma organizacional e as condições de trabalho;
seu próprio sofrimento, mesmo tendo pouco tempo de atuação. Justificado também, que
por mais que a busca pelo aprimoramento do trabalho seja constante para oferecer uma
assistência atualizada e qualidade das atividades desenvolvidas. Esta é impulsionada
devido o retorno financeiro, sendo pouco utilizada para mobilizações coletivas, na busca
pela (re)organização do trabalho, o que poderia proporcionar prazer e satisfação.
Os trabalhadores, quando questionados de sua participação em conselhos de
saúde, conselhos da categoria profissional e participação política, pode-se constatar, o
pouco empoderamento político destes trabalhadores sobre a sua práxis, pouco se
posicionam ativamente e refletem criticamente o produto do seu processo de trabalho.
Segundo Arendt (2010), um dos fatos que justificam o pouco empoderamento
político do enfermeiro na sua prática é consequência de uma dinâmica de trabalho
permeado pela insatisfação, frustração, sofrimento, conformismo, desmotivação,
podendo ser explicada pelo comportamento que substituiu o agir, como principal forma
de relação humana, ou seja, o espaço da política, da diversidade e da democracia tende a
perder sua concretude.
Porém, os mesmos não participando, não considerando algo relevante e como
parte de sua atuação profissional, como poderão instigar a população a lutar por seus
direitos? Como instigar melhorias para a comunidade e o controle social? Como
aproximar os laços entre gestores e profissionais? Como querem que suas necessidades
sejam ouvidas e valorizadas se os mesmos não lutam por elas? Como mudar a realidade
que o faz sofrer, sem iniciativas?
A participação dos trabalhadores é fundamental na organização e planejamento
das ações da ESF, é a participação da comunidade e dos profissionais nas decisões
políticas de saúde nos espaço de negociações para ganhar visibilidade e destaque por
53
meio de suas deliberações, assim podendo auxiliar nas diretrizes da política de saúde
local e cobrar ações de melhorias tanto para a rede de saúde, comunidade e para seu
trabalho.
Outro ponto a ser considerado, é o relato dos trabalhadores a respeito da
violência em seu trabalho originária, principalmente, dos usuários, gerando desgaste,
sentimento de desvalorização e sofrimento ao mesmo.
A violência no trabalho é vista como um problema de saúde pública a nível
mundial e representa um dos principais riscos no trabalho quando comparada com
drogas, tabaco, álcool e Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV / AIDS). A mesma
pode comprometer a segurança, bem-estar e saúde dos trabalhadores e destaca-se por
constituir-se em um problema crescente nas instituições de saúde, particularmente para
os trabalhadores enfermeiros (COKER et al. 2002).
O estudo de Oliveira (2012), apresenta resultados semelhantes ao relato destes
trabalhadores, identificando a violência no trabalho da ESF, sob forma de ameaças,
como provocação, intimidação e assédio sexual, sendo que a maior parte dos
trabalhadores considerou que o ambiente de trabalho pode melhorar em relação à
segurança.
Condições inadequadas de atendimento por falta de recursos humanos, longo
tempo de espera pelo atendimento dos serviços, insuficiência de espaço físico, dentre
outros fatores, podem influenciar na qualidade do atendimento, aumentando as queixas
e violência por parte dos usuários (FONTANA, 2011).
A violência gera sofrimento e frente a isto, torna-se necessário empenho de
gestores e trabalhadores para que este fenômeno saia da invisibilidade e não se torne
banalizado nas práticas de saúde. O desenvolvimento de medidas que possam tornar o
trabalho mais saudável e seguro, melhorando assim a resolutividade e a acessibilidade
dos usuários aos serviços podem ser estratégias de prevenção de agravos e de promoção
da saúde do trabalhador (OLIVEIRA; FONTANA, 2012).
Ampliando a discussão a respeito da violência, ligada à organização do trabalho,
entende-se que as condições de trabalho, as formas de organização e produção colocam
os trabalhadores em situações específicas que podem por em risco a sua saúde ao serem
―naturalizadas‖, não sendo vistas como violência. Portanto, entendem que uma vez
evitável, a ocorrência dos efeitos negativos do trabalho é considerado uma violência
(DEJORUS, 2011).
54
Pode-se observar que os trabalhadores não citam quando questionados sobre
violência no trabalho, violência das condições de trabalho ou violência organizacional,
embora em outros questionamentos tragam as questões organizacionais e de condições
de trabalho como principais fatores geradores de sofrimento, porém não são
caracterizadas como violência do trabalho. Outro fator mencionado, gerador de
sofrimento diz respeito da discriminação, quando os usuários apresentam resistências
para realizar a consulta de enfermagem, sendo mais valorizadas as consultas médicas.
No âmbito da ESF, a Consulta de Enfermagem se constitui uma ferramenta
essencial para o atendimento das necessidades de saúde da população adstrita. Contudo,
ainda há muito para se avançar nesta a perspectiva. O estudo de Caixeta (2009), mostra
que o número de consultas médicas se sobressai em relação às de enfermagem. Este
dado pode ser indicativo de que a busca por atendimento na atenção básica é ainda, em
sua maioria, para procedimentos realizados pelos médicos, mais próximo do modelo
curativista de saúde. Sendo assim, pode justificar a pouca adesão dos usuários as
consultas de enfermagem.
Em suma, os depoimentos dos trabalhadores, dizem respeito às situações
vivenciadas, condições e circunstâncias do seu cotidiano, corroborando com a visão de
Dejours sobre o sofrimento no trabalho, o qual relaciona à organização do trabalho,
apresentando como fatores de riscos o ritmo impostos, cobranças, condições do
ambiente físico de trabalho, sobrecarga, o sistema hierárquico, dentre outros
(DEJOURS, 1992).
Sob o impacto de um trabalho que lhes coloca exigências de todo tipo, os
resultados mostraram que os trabalhadores procuram ir além de seus conhecimentos e
habilidades, fazendo um pouco de tudo, muitas vezes deixando de lado suas atribuições
específicas. E o diagnóstico que conseguem fazer diante dessas exigências para a
multifuncionalidade é a deficiência de recursos humanos, espaço físico inadequado,
falta de equipamentos e o pouco apoio da gestão.
Resultados semelhantes foram encontrados em estudos (ERMEL; FRACOLLI,
2006, MATUMOTO et al., 2011; GOBATTO, 2013) que demonstram que o trabalhador
da enfermagem desempenha várias atividades desde suas atribuições, atividades
organizacionais, administrativas e gerenciais, dentre outras, que por vezes extrapolam o
prescrito, intensificando o ritmo de trabalho e o sobrecarregando.
Deste modo, o trabalho destes fica bastante determinado de um lado pelo
cumprimento do que estabelecem os protocolos e as atividades burocráticas e de outro
55
pela necessidade de atender rotineiramente a inúmeros problemas não previstos no
planejamento de suas ações. Isso faz com que os trabalhadores sejam expostos ao
desgaste e sofrimento advindo da organização do trabalho (GEHRING et al,2007;
SILVA et al, 2012).
Ao avaliar o trabalho dos enfermeiros na Atenção básica de saúde (ABS), Beck
et al. (2010, p.494) entendem que:
há entraves no cotidiano laboral que podem ser traduzidos como problemas de difícil solução, o que pode comprometer a saúde do trabalhador e o
desenvolvimento das atividades. Executar o trabalho na tentativa de burlar
essas dificuldades, trabalhar com falta de recursos materiais e humanos, além
do descontentamento da comunidade, é uma tarefa árdua e pode contribuir
para a sobrecarga física e mental do trabalhador.
Nota-se que a insatisfação dos trabalhadores com a sobrecarga de trabalho e suas
condições precárias levam o trabalhador à exaustão física e mental, baixa autoestima e
perda de interesse pelo atendimento integral aos usuários (GEHRING et al,2007).Em
consequência, tornam seu trabalho invisível tanto à equipe, comunidade e
principalmente aos gestores, imprimindo uma sensação de incompletude, de que não se
realizou tudo aquilo que se desejava.
Com a implantação recente da Portaria nº 2.355 de 10 de outubro de 2013, a
qual orienta que as equipes devem ser responsáveis pelo cuidado de uma população
menor que a recomendada, ou seja, de aproximadamente 2.000 pessoas. Acredita-se que
esta medida ajude a reduzir a sobrecarga dos trabalhadores, porém, somente esta medida
isolada não será resolutiva.
Além destas afirmativas, os trabalhadores relatam sobre a estrutura inadequada
para o desenvolvimento das atividades cotidianas de trabalho. Entende-se que o
ambiente de trabalho pode atuar direta ou indiretamente no rendimento do trabalho, bem
como na qualidade de vida, saúde física e psíquica dos que o executam. Um ambiente
desconfortável com excesso de calor, ruídos, vibrações, aumenta os acidentes de
trabalho, causa desgaste, sofrimento e pode causar danos à saúde do trabalhador (FELLI
2012; DEJOURS, 1994).
Assim observa-se o (des)compasso entre trabalho prescrito (tarefa) e o trabalho
real (atividade). Mesmo que os trabalhadores se esforcem na realização de
procedimentos, ações de promoção, prevenção à saúde, na tentativa do atendimento
integral e humanizado a comunidade, os usuários apresentam as mesmas queixas,
56
acarretando ao trabalhador uma sensação de trabalho desgastante e impotência
(FERREIRA; BARROS, 2002).
A principal queixa dos mesmos é a necessidade de uma melhor organização do
serviço, para que seja mais eficaz, ágil e resolutivo. A existência de grandes filas de
espera, poucos recursos humanos e materiais, causam entraves no serviço, tornando-o
mais lento e pouco resolutivo (FONTANA, 2011). Outro fator que gera dificuldades na
organização do trabalho e queixas pelos usuários é a demora no atendimento,
principalmente o especializado e o excesso de burocracia que reflete na qualidade do
serviço.
Os enfermeiros estão intensamente envolvidos com o trabalho e no seu cotidiano
tem expectativas para solucionar os problemas e, ao mesmo tempo, se deparam com a
impossibilidade de oferecer respostas para os problemas trazidos pela população
(SANTOS, 2007).
Assim, a desorganização do trabalho e as precárias condições de trabalho no
serviço público geram sofrimento, pois o trabalhador se vê impotente em relação à
qualidade da assistência, o que gera insatisfação e ainda um rompimento na sua
dinâmica de trabalho (MEDEIROS, RIBEIRO, FERNANDES, VERAS; 2006).
Portanto, a organização do trabalho exerce sobre o homem uma ação específica,
cujo impacto ocorre no aparelho psíquico, podendo emergir um sofrimento que pode ser
atribuído ao choque entre uma história individual, portadora de projetos, de esperanças e
de desejos e uma organização do trabalho que os ignora (DEJOURS;1992).
Analisando os dados, verifica-se que os enfermeiros buscam nas ações realizadas
e no reconhecimento o sentido para o desgaste vivenciado, o que o motiva para seguir
trabalhando em meio aos desafios e sofrimentos cotidianos. Portanto, diante do trabalho
real, os trabalhadores buscam no reconhecimento o sentido para o sofrimento,
transformando-o em prazer (DEJOURS; 1993).
Porém, os trabalhadores relatam serem pouco reconhecidos, sendo a fonte
principal, o usuário. Sabe-se que os trabalhadores se esforçam para fazer o melhor,
sendo justo que esse seu esforço seja reconhecido, pois ―quando passa despercebido em
meio a indiferença geral ou é negado pelos outros, isso acarreta em sofrimento‖
(DEJOURS; 2006, p. 34).
―O reconhecimento se mostra decisivo na dinâmica da mobilização subjetiva da
inteligência e da personalidade no trabalho, o que é classicamente designado em
psicologia pela expressão: motivação no trabalho‖ (DEJOURS; 2006, p.34). Quando o
57
trabalhador se sente reconhecido, seus esforços, as angústias, decepções, desânimos
adquirem sentido e evitam o adoecimento.
O cotidiano da ESF evidencia uma série de desafios com características
diversas.Outro desafio mencionado relaciona-se à necessidade de coordenar a equipe e
supervisionar os ACS, o que é determinado pelo Ministério da Saúde, na Portaria Nº
1.886, de 18 de dezembro de 1997 (BRASIL, 1997), a qual preconiza que o enfermeiro
instrutor/supervisor deva desenvolver ações específicas na coordenação dos ACS.
Estudos como de Spagnollo (2007) e de Rodrigues (2008), apontam que o
desempenho da coordenação e liderança, é visto como uma das dificuldades
frequentemente encontradas pelos enfermeiros. Sentem-se despreparados, e com
dificuldades para conduzir a equipe multiprofissional. Tais fatos aliados a pouca
autonomia e pouco apoio para lidarem com os conflitos emergentes podem desencadear
o sofrimento.
O enfermeiro possui a gerência como instrumento de trabalho e, por muitas
vezes, o que deveria ser de responsabilidade de todos os membros da equipe, se torna
responsabilidade apenas do mesmo (COSTA; MIRANDA, 2008).
Os resultados demonstram que embora as principais decisões sejam tomadas
pelo enfermeiro, há solidariedade, confiança mútua e cooperação entre os trabalhadores,
além de liberdade para expressarem-se em relação ao trabalho, o que os ajuda a
enfrentar os desgastes e sofrimentos da dinâmica e organização do trabalho.
Essa união entre a equipe é considerada um aspecto fundamental para que os
problemas encontrados na execução do trabalho real sejam objeto de ação coletiva, para
que corroborem para a produção de prazer no trabalho (CLOT, 2006; MENDES, 2007).
Embora, essas ações coletivas sejam pouco usadas pelos trabalhadores para modificar
efetivamente a organização do trabalho, como demonstra o relato dos enfermeiros
pesquisados neste estudo.
Portanto, o trabalhador necessita deste ―suporte social‖, para seguir atuando em
meio à desorganização do trabalho, como uma forma de relacionamento interpessoal,
que gera um sentimento de proteção e apoio capaz de propiciar redução do estresse e
bem-estar psicológico (CAMPOS, 2005).
Deve-se considerar a lógica da ESF que propõem um trabalho integrado, em
rede, em que é necessário considerar o conjunto de demandas e necessidades, numa
ótica que contemple os interesses dos trabalhadores e da coletividade. Em vista disto, a
58
realidade do trabalho na ESF e a articulação entre os trabalhadores que fazem parte
desta rede, torna-se um grande desafio principalmente à gestão dos serviços de saúde.
Por meio da descentralização que teve seu ápice na Reforma Sanitária, o papel
do gestor do SUS municipal cresceu em importância e responsabilidade. Assim, para
alcançar melhores resultados durante a gestão local do Sistema, o gestor necessita
possuir habilidades para responder aos múltiplos desafios inerentes a esta função
(SANTOS; MELO, 2007). O mesmo necessita conhecimentos políticos, técnicos, para
negociar e pactuar com os outros membros envolvidos na gestão e tecnicamente, para
viabilizar a efetividade da política de saúde e garantir melhores condições de trabalho as
equipes de saúde (SCHERER; PIRES; SCHWARTZ, 2009).
No município de Santa Maria, a gestão é Plena da atenção básica, pela Portaria
n.2.023/GM em 23 de Setembro de 2004, que define que os Municípios e Distrito
Federal sejam responsáveis pela gestão do sistema municipal de saúde, na organização e
na execução das ações da atenção básica. Assim o município de Santa Maria, é
responsável pelo planejamento, acompanhamento e gerenciamento das ações e serviços
de saúde em cooperação técnica, financeira e operacional com o gestor estadual e
gestores municipais da Micro e Macrorregião de saúde (PLANO MUNICIPAL DE
SAÚDE, 2013).
Os gestores possuem um papel fundamental no processo de implantação e
acompanhamento do programa, bem como de proporcionar condições adequadas para
os trabalhadores sejam valorizados em seu trabalho e os usuários tenham seus direitos
garantidos. Cabe a eles conduzi-lo, proporcionando respaldo para que os profissionais
de saúde sintam-se motivados a realizar as melhorias e inovações necessárias (DANIEL,
2012).
No contexto pesquisado, conforme a fala dos enfermeiros há pouco vínculo e
apoio dos gestores, o que pode estar relacionado às freqüentes trocas das pessoas que
ocupam estes cargos. Assim, frente esta desarticulação entre os atores, a proposta da
ESF fica prejudicada, bem como a atuação dos trabalhadores, gerando sentimentos
negativos como desgaste e impotência.
Assim, o pensar e o fazer saúde requerem uma nova lógica e organização de
trabalho compartilhada, uma abordagem questionadora, que estimule a comunicação
horizontal, permanente e o vínculo entre as partes. O trabalho em conjunto é
consequência determinante nas práticas em saúde, permeadas pela centralidade no
59
usuário e relações dialógicas, potencializado pelos processos formativos e favorecido
por uma gestão colegiada (DUARTE et al, 2012).
Em contrapartida aos fatores da (des)organização do trabalho que geram
sofrimento destes trabalhadores, os mesmos afirmam que o trabalho também lhes
proporciona vivencias prazerosas, as quais são fatores de motivação para seguir atuando
neste meio.
Entende-se que,
o prazer-sofrimento é uma vivência subjetiva do próprio trabalhador,
compartilhada coletivamente e influenciada pela atividade de trabalho. Nessa
perspectiva analítica, todo o trabalho veicula implicitamente um custo
humano que se expressa sob a forma de carga de trabalho, e as vivências de
prazer-sofrimento têm como um dos resultantes o confronto do sujeito com
essa carga que, por conseguinte, impacta no seu bem-estar psíquico
(FERREIRA, MENDES; 2001,p.94)
Assim, pode-se inferir que o prazer e o sofrimento coexistem no ambiente de
trabalho, podendo haver predomínio de um sobre o outro, implicando um movimento
constante de luta do trabalhador na busca do equilíbrio psíquico (DEJOURS, 2007).
Os enfermeiros pesquisados referem fatores de prazer, o qual são motivacionais
em seu trabalho, entre eles destaca-se o gostar do que faz. Também pelo fato do
trabalho propiciar uma remuneração satisfatória para o cargo exercido, que é convertido
em benefícios para o mesmo e sua família, por terem horário fixo de trabalho,
facilitando a organização de suas atividades pessoais e a relação com os membros da
equipe, na maioria das vezes, harmoniosa, possibilitando assim o crescimento pessoal e
por vezes o reconhecimento, refletindo em prazer, realização pessoal e motivação.
A satisfação e o prazer no trabalho são a somatória de diferentes elementos que
compõem o mundo pessoal e profissional, bem como o resultado da avaliação que o
trabalhador tem acerca de seu trabalho. Assim, o grau de satisfação e motivação de uma
pessoa é uma questão que pode afetar a harmonia e a estabilidade psicológica dentro do
local de trabalho (NUNES; TRONCHIN; MELLEIRO; KURCGANT, 2010).
Outro fator apontado pelos enfermeiros como prazer no trabalho está ligado à
possibilidade de trabalhar com população adstrita, oportunizando conhecer as famílias e
dos aspectos sociais; poder fazer um plano de tratamento; procurar realizar atendimento
de qualidade, a visualização dos resultados do trabalho, o vínculo com a comunidade.
Estes pontos positivos do seu trabalho imprimem uma sensação de completude e prazer
no trabalhador, neutralizando o sofrimento e motivando-o a seguir atuando.
60
Nesse sentido, considera-se que os trabalhadores utilizam as relações
interpessoais com a comunidade como instrumento privilegiado de trabalho, obtendo
assim maior realização pessoal, pois a mesma auxilia na capacidade de comunicação,
resolução de problemas, cooperação, empatia e assertividade e a sua falta ou limitação
pode acarretar distanciamento e conflitos, impedindo o estabelecimento do cuidado
qualificado em saúde (FORMOZO; OLIVEIRA; COSTA; GOMES, 2012). Nessa
direção, ratifica-se que a cooperação, a confiança e a sensação de utilidade social, as
quais são aspectos essenciais no sentimento de prazer no trabalho (DEJOURS;
ABDOUCHELI; JAYET,1994).
Compreender a enfermagem como prática social significa ultrapassar suas
dimensões técnico-operativas. Para isso, os enfermeiros da ESF, necessitam
desenvolver visão compreensiva e interativa das questões sociais e da saúde, em
consonância com a complexidade dessas áreas e as pluralidades da sociedade atual
(AZAMBUJA, 2007).
Assim, é preciso que o enfermeiro no cotidiano do trabalho tenha a compreensão
do contexto social, identificação das necessidades de saúde e expectativas das pessoas,
potencialização das qualidades dos indivíduos, engajamento político na transformação e
instigue a interação entre usuários, equipe e comunidade (FORMOZO; OLIVEIRA;
COSTA; GOMES, 2012).
Além das relações entre usuário, comunidade e profissionais, esses
trabalhadores vêm fortalecendo relações interpessoais com a equipe, a fim de
compartilhar as tarefas e as dificuldades da dinâmica do trabalho, tendo como
consequência o prazer e motivação pelo fato de não se sentirem sozinhos, ao enfrentar
os desafios cotidianos do trabalho na ESF.
Porém, nas falas fica evidente que a relação destes trabalhadores com a equipe,
não se dá da mesma forma com todos os membros, uma vez que, por exemplo, o médico
e o odontólogo não são mencionados. O apoio para enfrentar os desgastes
organizacionais vem do técnico de enfermagem, enfermeiro quando a equipe é dupla,
colega da mesma categoria profissional de outra ESF, secretária e agente comunitário
com quem tenha afinidade.
Isso pode ser indicativo de uma visão ainda hierárquica, onde principalmente o
médico, parece ser poupado dos problemas cotidianos. Também reflete no desafio de
trabalhar em equipe multidisciplinar.
61
O trabalho de equipe em saúde é uma rede de relações entre pessoas, produzidas
permanentemente no dia a dia. Nesse contexto, ―a equipe, define uma proposta de
trabalho compartilhada, um desejo comum de cuidar, delimitando papéis e
compartilhando atividades que possam garantir ações de cuidar-ser-cuidado
coletivamente‖ e assim enfrentar os desafios cotidianos em união (MARTINI et al.,2012
p.48; MATUMOTO S. et al, 2005).
O apoio mútuo que surge entre os membros, o sinergismo que vem de pessoas
trabalhando juntas, é fator importante para manter o entusiasmo e apoio, mesmo em
tempos difíceis. Quando uma equipe funciona harmoniosamente, os membros podem
concentrar-se em melhorar o processo como um todo e encontrar forças para prosseguir
suas atividades, sem que as tensões do trabalho interfiram em sua saúde (SOUSA;
CAMPOS; RAMOS, 2001).
Ainda, frente ao cenário da organização do trabalho, ao prazer e sofrimento
desencadeado, alguns trabalhadores já apresentaram problemas de saúde relacionados
ao trabalho e outros relatam que se as condições de trabalho e organização continuarem
intactas, sentirão o impacto negativo em sua saúde.
Abranches, (2005) estudando as condições de trabalho de enfermagem em uma
Unidade Básica de Saúde destacou que esse trabalho é gerador de situações de risco à
saúde. Conforme os resultados obtidos, 50,0% das trabalhadoras tinham hipertensão
arterial, 75,0% estavam com o peso acima do ideal, a maioria relatava excesso de
atividades demandadas pela população em relação ao número de profissionais atuando,
como um fator predisponente ao estresse e, ainda a violência ocupacional interferindo
na sua qualidade de vida.
Camelo; Angerami, (2007) ao analisar os riscos dos trabalhadores de equipes de
saúde da família constatou que os principais relacionam-se: sobrecarga, deficiência de
recursos materiais e humanos, entre outros. Assim, evidencia-se a necessidade de
mudanças neste cenário, a partir de esforços coletivos e ampliações das ações de
prevenção e promoção a saúde do trabalhador no Município.
Investimentos na saúde do trabalhador, propiciam a crítica e o (re)pensar em
formas de compreensão e intervenção em torno da relação trabalho e saúde. A saúde do
trabalhador é ―colocada como uma responsabilidade pública do Estado, devendo ser
realizada por toda a rede de serviços do SUS‖ (EVANGELISTA; PONTES; SILVA e
SARAIVA, 2011 p.1012).
62
Assim, frente ao exposto, salienta-se a necessidade de um olhar e ações voltadas
para a saúde dos trabalhadores da ESF que estão inseridos em um cenário com grandes
desafios e, mesmo com pouco tempo de atuação, já sentem o impacto em sua saúde.
Torna-se necessário, além de uma gestão responsável e boa vontade política, a
participação efetiva dos usuários e trabalhadores da rede nas discussões e decisões para
o encaminhamento resolutivo das ações voltadas para a saúde do trabalhador.
Portanto, espera-se que este estudo possa contribuir para novos estudos, com
perspectiva na intervenção, ampliando as possibilitando de vivencias mais prazerosas,
facilitando a reorganização do trabalho e instigando a corresponsabilização dos
trabalhadores, na busca de minimizar os riscos de doenças relacionadas ao trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observa-se a partir dos relatos, que a organização do trabalho apresenta um
ritmo intenso, permeado de desafios na qual o enfermeiro, por muitas vezes, realiza as
atividades de outros profissionais, o que repercute em sobrecarga, somando-se a isso a
responsabilidade de gerenciar a unidade e a equipe e em outros precisa coordenar ações,
sem o respaldo e apoio da gestão.
Juntamente, com as cobranças da comunidade, pouco reconhecimento, limitado
apoio dos gestores em prol de melhorias físicas, para o aumento do quadro de
trabalhadores, as restritas ações voltadas à saúde do trabalhador, estes são os principais,
fatores que levam ao sofrimento e desgaste relatado por estes trabalhadores.
Ao mesmo tempo, o trabalho lhes proporciona prazer e satisfação pessoal a
partir da interação com a comunidade, o reconhecimento, sobretudo por parte do usuário
e o apoio mutuo entre os trabalhadores da equipe. Outro ponto destacado na fala deles é
o receio de apresentarem no futuro doenças relacionadas ao trabalho.
Também se pode salientar, a importância de realizar ações que aproximem todos
os atores envolvidos na rede, principalmente gestores municipais-CEREST-
trabalhadores-usuários, bem como se estenda a formação de novos trabalhadores, para
que as ações possam ser tecidas em conjunto, instigando o fazer e pensar coletivo, a
partir de uma comunicação que proporcione o maior entendimento entre os membros.
Isso pode gerar mudanças organizacionais neste cenário, implicando assim em
63
sentimentos de pertinência ao grupo, compromisso, realização e prazer no trabalho,
trazendo benefícios para os trabalhadores, comunidade e sociedade.
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68
ARTIGO 02
ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS FRENTE AO SOFRIMENTO NA
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO EM ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA
RESUMO
O estudo tem como objetivo identificar as estratégias defensivas que os enfermeiros da
Saúde da Família utilizam frente ao sofrimento para conduzir o seu trabalho. Trata-se de
um estudo exploratório-descritivo estruturado em uma abordagem qualitativa. O cenário
pesquisado foi as Unidades de Estratégia Saúde da Família do Município de Santa
Maria-RS, o qual possui dezesseis equipes de ESF. Foram convidados todos os
enfermeiros que atuam nas Unidades Estratégia Saúde da Família do Município, os
quais totalizaram 16 sujeitos. Referente às estratégias defensivas que utilizam frente ao
sofrimento, emergiram as individuais (planejamento e descentralização das ações e
tarefas; iniciativas e adaptação; reconhecimento de suas limitações; fortalecimento da
espiritualidade; banalização, racionalização; negação e fuga). As estratégias coletivas
destacam-se: alocação de recursos próprios para resolver dificuldades; diálogo como
ferramenta de trabalho e momentos de descontração. Dessa maneira, minimizam os
danos á sua saúde e salientam a relevância de ações coletivas que visem à saúde do
trabalhador.
Palavras-chave: Enfermagem. Saúde do Trabalhador. Atenção Primária à Saúde. Saúde
da Família.
INTRODUÇÃO
O trabalho do enfermeiro da Estratégia Saúde da Família (ESF) engloba como
principais elementos: seus desejos, a subjetividade no cuidados ao usuário, suas
necessidades múltiplas, de dimensões físicas, psicológicas, sociais e espirituais,
vivencias de prazer e sofrimento, o uso de estratégias defensivas e mobilização,
articulados a organização de trabalho (SIQUEIRA et al, 2012).
Devido às condições de trabalho e à peculiaridade de suas atividades, faz-se
necessário que esses trabalhadores da saúde estejam atentos a sua saúde física e mental,
pois disso depende e determina a conduta do trabalhador e a qualidade de seus
atendimentos (SIQUEIRA; FONTANA, 2009).
A desorganização do trabalho, como a falta de estrutura física para o
desempenho de atividades, o pouco reconhecimento, alta demanda de atendimentos, a
interrupção de suas tarefas antes delas serem completadas e as dificuldades de parcerias
69
com os demais atores envolvidos, dentre outros, podem acarretar em sofrimento a eles
trabalhadores e pode interferir na saúde dos mesmos (SIQUEIRA et al, 2012)
De igual modo, a saúde dos trabalhadores, na referida área, tem sido a
preocupação crescente por parte do Sistema Único de Saúde (SUS), que através de
políticas com o olhar para o processo de trabalho em saúde, a fim de que não seja
promotor de sofrimento e desgaste, mas sim local de promoção da saúde também para
os profissionais envolvidos, minimizando assim os riscos de doenças relacionadas ao
trabalho (DAVID et al, 2009).
Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) consideram que a organização do trabalho
resulta das relações intersubjetivas e sociais dos trabalhadores com as organizações. Por
organização do trabalho entende-se a divisão do trabalho, o conteúdo da tarefa, o
sistema hierárquico, as modalidades de comando e controle, as relações de poder, as
questões de responsabilidade, definição de cadências, o modo operatório prescrito.
Portanto, entende-se que cada categoria profissional está submetida a um modelo
específico de organização do trabalho, o qual pode conter elementos facilitadores ou
não da saúde mental e/ou física do trabalhador. Desse modo, as condições de trabalho
influenciam na saúde física do trabalhador, enquanto as questões relacionadas à
organização do trabalho atuam no nível de funcionamento psíquico, pois o trabalhador
então reage de forma diferente frente às dificuldades das situações de trabalho
(MENDES, 2007).
Para que o trabalhador possa seguir atuando sem adoecer é necessário realizar
reajustes e reinterpretações do sofrimento advindo da organização do trabalho. Diante
do real, cabe ao trabalhador fazer uso de estratégias defensivas, a fim de neutralizar o
que lhe causa sofrimento (DEJOURS; ABDOUCHELI e JAYET, 1994).
O sofrimento no trabalho repercute na vida dos trabalhadores, interfere na sua
subjetividade e história de vida. ―Entre a organização do trabalho e o funcionamento
psíquico se interpõem, portanto, estratégias defensivas.‖ (DEJOURS, 1994, p.153).
Assim, as estratégias defensivas representam uma tentativa de evitar o
sofrimento buscando transformar, modificar e minimizar sua percepção da realidade que
o faz sofrer, sendo um processo exclusivamente mental, já que não modifica a realidade
na qual está inserido (MENDES, 2007).
Elas se diferenciam da mobilização subjetiva, pois implicam um papel ativo do
trabalhador diante das imposições e a partir dessa, tem-se a possibilidade de transformar
concretamente as situações da organização do trabalho (MENDES, 2007).
70
O uso das estratégias defensivas ocorre no momento em que o trabalhador não
tem a possibilidade de utilizar o processo de mobilização subjetiva, ou sentir prazer
resultante do investimento sublimatório, seja por restrições de sua estrutura de
personalidade, seja por imposições do modelo de organização do trabalho (DEJOURS;
ABDOUCHELI e JAYET, 1994).
Essas estratégias podem ser individuais ou coletivas, sendo que no primeiro tipo,
elas se encontram interiorizadas e quando são insuficientes para lutar contra o
sofrimento surgem às coletivas, as quais dependem da presença de condições externas, e
precisam ser validadas pelo grupo de trabalhadores.
Também, classificada como estratégias de defesa podem ser de adaptação, de
proteção e de exploração. As defesas de proteção são modos de pensar, sentir e agir
compensatórios, no qual as situações geradoras de sofrimento são racionalizadas. O
trabalhador consegue evitar o adoecimento se alienando das causas do sofrimento, não
agindo sobre a organização do trabalho (MENDES, 2007, p. 39).
As defesas de adaptação e de exploração são, na maior parte das vezes,
inconscientes, têm nas suas bases a negação do sofrimento e a submissão ao desejo da
produção. O trabalhador mantém a produção através da direção dos seus modos de
pensar, sentir e reagir somente para atender ao desejo da produção, não levando em
conta seus desejos (MENDES, 2007).
A repercussão dessa estratégia de defesa na vida do trabalhador, segundo
Mendes (1996), está em considerar que estas permitem, por um lado, a convivência com
o sofrimento e, por outro, um processo de alienação das verdadeiras causas do
sofrimento.
O fracasso das estratégias de defesa pode levar ao adoecimento, pois deixa os
trabalhadores frente a frente com o sofrimento, que não mais poderá ser negado, tendo
lugar os sintomas psicossomáticos ou psicopatológicos, podendo levar ao adoecimento
do trabalhador (MENDES, 2007).
Frente a vivencias desafiadoras do cotidiano da ESF, e ao entender a necessidade
dos trabalhadores do uso de estratégias defensiva para manter-se saudável, tem-se por
objetivo conhecer as estratégias defensivas, que o enfermeiro da Saúde da Família
utiliza frente ao sofrimento para conduzir o seu trabalho.
71
PERCURSO METODOLÓGICO
Trata-se de um estudo exploratório- descritivo estruturado em uma abordagem
qualitativa de pesquisa, inserido no Grupo de Pesquisa Trabalho, Saúde, Educação e
Enfermagem, na Linha de Pesquisa Trabalho e Gestão em Enfermagem e Saúde e na
temática Saúde/Sofrimento psíquico do trabalhador, do Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria- UFSM (PPGENF).
O estudo foi realizado nas Unidades de Estratégia Saúde da Família do
Município de Santa Maria-RS, o qual possui dezesseis equipes de ESF, sendo que duas
Unidades possuíam as equipes duplas e uma mesma equipe realiza a cobertura de duas
unidades.
No que se refere aos sujeitos do estudo, foram convidados todos os enfermeiros
que atuam nas Unidades Estratégia Saúde da Família (ESF) do Município, totalizam 16
sujeitos.
Foram utilizados como critérios de inclusão: ser enfermeiro concursado pelo
município e atuante na ESF por mais de seis meses (tempo considerado para adaptação)
e como critérios de exclusão: os enfermeiros que estiverem em licença de qualquer
natureza ou férias durante o período de coleta de dados. O estudo foi desenvolvido no
ano de 2013, com inicio de coleta de dados, no dia 31 de Janeiro e término no dia 25 de
Abril do mesmo ano.
A coleta de dados teve início após a aprovação do Comitê de Ética, parecer n.
183.570, CAAE: 12251112.1.0000.5346. Optou-se pelo uso da entrevista
semiestruturada. No roteiro para entrevista havia questões de caracterização
sóciodemográficas que foram analisados por meio de estatística descritiva.
As entrevistas foram realizadas na própria unidade no final do turno, na
Universidade, na casa do trabalhador e na casa da pesquisadora, levando em conta a
privacidade dos sujeitos. Houve algumas resistências dos enfermeiros para participarem
do estudo, as quais foram justificadas pela sobrecarga de trabalho e pelo número de
pesquisas desenvolvidas no serviço sem o retorno dos resultados para os participantes,
neste caso foram feitas 03 tentativas, obtendo a aceitação. A duração das entrevistas
variou entre 40 minutos e 01hora e 40 minutos.
Para realizar análise temática são propostas três etapas: pré-análise, exploração
do material e tratamento dos resultados obtidos, etapa na qual também acontece a
72
interpretação dos dados (MINAYO, 2010). Para isso, foi inicialmente realizada uma
leitura flutuante dos dados, agrupamento das falas semelhantes, nova leitura dos dados
na integra e a realização de um esquema que resumisse os resultados que respondiam a
questão de pesquisa.
Para a etapa de apresentação dos resultados, optou-se associar a uma fala
ilustrativa. No intuito de manter o anonimato dos sujeitos de pesquisa, os pesquisados
foram identificados pela letra ―E‖ correspondente a enfermeiro, seguido por um número
conforme a ordem de realização das entrevistas. Na discussão dos resultados foram
utilizados, como base teórica, os estudos de Dejours e demais autores que trabalham
com a temática da Psicodinâmica do Trabalho.
RESULTADOS
Breve caracterização dos trabalhadores e do seu contexto de trabalho
A população estudada é jovem, a maioria do sexo feminino e solteiro. Dedicam-se
exclusivamente ao trabalho na ESF, cumprem oito horas de carga horária diária de
trabalho e todos os entrevistados atuam no serviço a mais de um ano.
Os trabalhadores, quando discorrem sobre seu ambiente de trabalho, relatam
principalmente as limitações de cunho organizacionais, estruturais e gerenciais.
Descreveram que desenvolvem atividades que vão além de suas atribuições,
acabam sobrecarregados, com muitas responsabilidades assumidas, sentem-se por vezes
desmotivados em inovar seu ambiente de trabalho, pois contam com pouco apoio e
reconhecimento principalmente da gestão do município.
Também citam o prazer no trabalho, apontando como principais fontes: o gostar
do trabalho que desempenham, o apoio entre os membros da equipe, a responsabilidade
social e atuar com a comunidade, o que dá suporte para o trabalhador enfrentar as
situações de sofrimento, minimizando-o a partir da busca pelo que lhe gera prazer. Isso
os motiva a enfrentarem os desgastes gerados pelas falhas na organização do trabalho e
afasta o adoecimento.
Sendo assim, a própria organização, as condições e as relações de trabalho
assumem papéis fundamentais para a origem, intensidade e as particularidades das
estratégias defensivas e mobilizações subjetivas que são utilizadas no cotidiano desses
trabalhadores, a fim de ―continuarem‖ trabalhando sem adoecer física ou mentalmente.
73
Os resultados, depois de organizados e analisados, sucederam no tema central
―organização do trabalho e as estratégias defensivas‖ do qual emergiram duas categorias
temáticas: estratégias defensivas coletivas e estratégias defensivas individuais, seguidas
de suas subcategorias. A figura abaixo explicita as categorias temáticas que emergiram
frente ao sofrimento na organização do trabalho.
Figura 01 – Ilustração elaborada pela autora
Devido os trabalhadores relatarem principalmente as limitações de cunho
organizacionais, estruturais e gerenciais, para continuarem imersos neste cenário sem
adoecerem utilizam estratégias defensivas contra o sofrimento. Na figura relacionam-se
os pratos com o sofrimento advindo da organização do trabalho, o qual foi evidenciado
em suas falas. As hastes de madeira usadas para equilibrar os pratos, representam as
estratégias defensivas utilizadas e se essas hastes pararem de girar por falha nas
estratégias, os pratos cairão e assim surgirá o adoecimento do trabalhador. Dessa forma,
o trabalhador precisa estar constantemente ―equilibrando‖ os sofrimentos a partir das
estratégias defensivas para seguir trabalhando, sem que prejudique sua saúde física e/ou
mental.
A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E A ESTRATÉGIA
DEFENSIVA INDIVIDUAL
Frente aos fatores que geram sofrimento devido à organização do trabalho, os
trabalhadores, utilizam como estratégias defensivas individuais:
74
Figura 02 – Ilustração elaborada pela autora
Planejamento e descentralização das ações e tarefas
Uma das ferramentas utilizadas pelos trabalhadores na tentativa de minimizar os
desgastes e sofrimentos da (des)organização do trabalho é o planejamento e
descentralização das ações e tarefas. Eles entendem a gerência como uma das
atividades que deve ser desenvolvida pelo enfermeiro, a qual permite a resolução de
problemas e das dificuldades inerentes às atividades administrativas e gerenciais,
mediante a reorganização da Unidade; implantação de programas, fluxo e assistência;
utilização de recursos de forma sistematizada. Estabelecer prioridades, metas de curto,
médio e longo prazo; objetivos; ação; recursos de pessoal e material; avaliação do
resultado final, com vistas a intervenções eficazes e efetivas na comunidade em que
atuam são tarefas inerentes a este processo.
Para isso, procuram organizar suas atividades, com vistas no trabalho real que
executam, dividindo tarefas, diminuindo o ritmo de trabalho, descentralizando ações,
respeitando seus limites, como estratégia individual, para minimizar o sofrimento
relacionado à organização do trabalho.
[...] ter expectativas demais gera frustrações, então tem que ser objetivo: é
isso aqui que dá para fazer em curto, médio, e longo prazo, daí dá para ti
lutar pelas coisas. E9
diminuo o ritmo quando estou cansada, nessa semana diminui o ritmo, pedi
para a residente de enfermagem assumir um pouco mais [...]E1
[...] algumas coisas de coordenação da unidade eu levei para a reunião da
equipe, daí a gente conversa [...] E9
75
Iniciativas e adaptação
Os trabalhadores relatam que é necessário tomar de iniciativas, liderar, ter
autonomia para decidir e implementar estratégias para resolução dos problemas,
intermediar as relações entre a equipe durante a dinâmica de trabalho que, por vezes, se
torna uma estratégia, para evitar o sofrimento, o fato de buscarem resolver o quanto
antes as pendências, “se acontece a gente tenta resolver na hora, assim se não dá,
depois, eu fico pensando, como eu deveria ter falado, é pior” E8.
Outra forma utilizada é adaptar sua dinâmica de trabalho com o que tem
disponível para minimizar as barreiras que encontram para desenvolver suas atividades,
a fim de que seu trabalho não seja prejudicado ou impedido de ser realizado, evita
desgaste e sofrimento. Isso, por vezes, gera desmotivação para inovar e empreender no
seu ambiente de trabalho.
[...] eu tento resolver com o material que eu tenho, eu não posso também
exigir coisas que no meu cotidiano não tenham, porque daí o que acontece,
se eu começar a dizer, mas ah se eu tivesse tal material eu ia conseguir
resolver melhor, daí eu vou ficar frustrada, então eu tenho que tentar
resolver os problemas com o que eu tenho em mãos. E geralmente dá certo
.E1
[...] eu faço o que é possível e boto na minha consciência, procuro ter a
minha consciência tranquila, bom eu procuro fazer tudo ao meu alcance, eu
estou pedindo para quem é responsável [...] mas eu não fico encucando com
aquilo ali. Tu não podes desistir de fazer as coisas certas, mas tu vai ter que
fazer, te adaptar ao ritmo daquele ambiente então se tu fica querendo fazer as coisas muito quadradinha, muito certinha, tu enlouquece, com certeza.E8
Reconhecimento de suas limitações
Porém, mesmo não medindo esforços para adaptar as suas condições
organizacionais, a fim de executá-lo da melhor forma e obter resultados positivos,
ficando com a ―consciência tranquila‖, o trabalhador reconhece suas limitações e as
usa como forma de prevenir o desencadeamento de um sofrimento maior, ao passo que
delimita até onde ele consegue superar as dificuldades. Alguns fragmentos foram
selecionados para elucidar essa questão:
[...] eu faço o que é possível, eu aprendi nesse meu tempo de serviço, que tem
coisas que me competem e tem coisas que não. Então eu procuro fazer tudo o que está ao meu alcance e aí eu fico com a minha consciência tranquila, que
nem tudo eu vou conseguir fazer, não adianta, se a gente for carregar para
76
gente a responsabilidade, aí tu surta, aí tu enlouquece, aí tu faz uma
besteira, porque não depende só dá gente. E8
[...] até dizem: tu não parece tão preocupada. Não é tão preocupada é que
não adianta eu botar os pés pelas mãos que eu não vou resolver igual, faz
quatro mês que os vidros da Unidade tão quebrados[...]eu disse para as
gurias se alguma coisa pior acontecer não vai ser porque a gente não deu o
encaminhamento, porque existe uma responsabilidade por trás que a gente
tem que saber o nosso limite, mas não deixar de ir atrás do que precisa.E6
É que eu tento entender eles, eu não levo isso para o meu lado, para mim,
esse problema é da gestão, não é um problema meu. Qualquer reclamação
que eles têm, que não tem mais consulta médica, que não tem medicação,
isso não é um problema que eu posso resolver, claro o que eu posso é levar
isso na coordenação, para gestão, dizendo o que está acontecendo, mas não
é um problema que cabe a mim resolver, então é isso que eu penso.E11
Fortalecimento da espiritualidade
Os trabalhadores também tentam amenizar seu sofrimento a partir da fé, pois
tentam ―esquecer‖, ―não pensar‖ são ações que aliviam o sofrimento temporariamente,
não muda a realidade e para tentar resolver os desafios da melhor maneira se
fortalecem espiritualmente.
[...] eu acho que a espiritualidade é fundamental na vida de qualquer ser
humano, para mim foi o que me deu sustentabilidade, estabilidade nesses
momentos, para mim foi fundamental. E8
[...] mas eu penso bastante, reflito bastante, rezo bastante. Se não tem uma
religião específica que eu acredito, mas (risos), mas eu peço luz enfim, pra
as coisas se elucidarem para mim. E6
Além dessas, os trabalhadores apresentam estratégias de banalização,
racionalização, negação e fuga.
Banalização
Em meio às dificuldades referentes à organização do trabalho, os trabalhadores
banalizam a situação por meio de duas subcategorias: indiferença e conformismo;
estagnação, como demonstra a figura a seguir.
77
Figura 03 – Ilustração elaborada pela autora
Indiferença e conformismo
Os trabalhadores, por vezes, aceitam a realidade e condições a que estão
expostos, afirmando que ―que é assim mesmo‖, ―não depende só de nós‖, ―é a obrigação
do enfermeiro‖, ―tem que improvisar‖, ―a gente tem que fazer‖, o que nesse contexto
representa como uma estratégia defensiva. A seguir os fragmentos que evidenciam essa
questão:
[...] tem que fazer, a gente pensa assim: poderia ser diferente, só que se não
é, a gente tem que fazer. Ah, não tem recepcionista, sim, nós temos que nos
virar como recepcionista. Ah, porque nós não vamos atender, porque não
tem recepcionista, não, a população não tem culpa, quem tem culpa é a
administração, é o governo que não nos proporciona isso[...].E1
[...] tem duas opções: ou eu me estresso ou eu deixo assim, ultimamente eu
tenho deixado assim, porque me estressar não tem resolvido, então assim eu viro as costas e abafo, vou fazer o meu trabalho, não querem arrumar a luz,
enfim, vou fazer o que eu posso, é assim que funciona, mais ou menos (risos).
E10
Frente às condições físicas do local de trabalho, eles apresentam o mesmo
comportamento, por vezes banalizando o desconforto, insegurança e sofrimento no
desempenho de suas funções.
Levando a um ―acostumar‖, habituaram-se à realidade do trabalho e ao que lhes
causa sofrimento na organização dele. Assim, aquilo que fazia sofrer foi adaptado para
mascarar/diminuir esse sofrimento e o sofrimento real acaba sendo esquecido,
banalizado; ―a gente vai se acostumando com isso‖.
78
[...]é que lá não tem como funcionar por enquanto, porque entrou água
(risos),então eu peguei o foco do preventivo. Então se dá um jeito, improvisa.
Nos postos é assim, improviso total, não dá uma coisa, dá outra, então é
assim que a gente faz. E14
Até tu te acostuma com isso. É ruim falar isso, mas é assim que eu vejo,
digamos para não sofrer mais, eu me acostumo. E11
Eu acho que eu consigo lidar da melhor forma, porque, sinceramente, a gente vai se acostumando com isso, a gente vai vendo o que está errado, a
gente fala com as pessoas, a gente fala com a coordenação e não tem retorno
nenhum, a gente está aqui para trabalha, e eu vou levando. E16
Estagnação
Nas falas, mencionam quem por várias vezes, pediram auxílio à gestão e como
não obtiveram resposta satisfatória, afastaram-se por não serem ―ouvidos‖. Por isso
―cansam‖, acomodam-se, sentem-se desmotivados, paralisados ―deixando assim‖,
―trabalhando assim mesmo‖, como expressam os fragmentos:
Então eu acabo sempre insistindo, ligo, corro atrás, mas assim isso vai
cansando e vai dando um desgaste que é bem complicado para tentar seguir
em frente. [...] muitas coisas eu ignoro para tentar seguir.E13
Nós já pedimos recepcionista para o secretário três ou quatro vezes,só que
eles não nos mandaram. Daí não tem o que fazer, tu tem que esperar que
aconteça [...] não é conformado, mas é que assim, se vou estar brigando com
uma coisa que não vai resolver daí eu fico mais estressada. E2
Racionalização
Para enfrentar os sofrimentos que permeiam sua dinâmica de trabalho, os
trabalhadores pesquisados utilizam o mecanismo de defesa da racionalização. Nessa
racionalização, atribuem explicações coerentes para uma atitude, ação, sentimento. A
racionalização é apresentada por meio de três subcategorias: realizar o trabalho por
vocação; manter a calma e evitar o conhecimento da gestão, como pode ser observado
na figura abaixo:
79
Figura 04 – Ilustração elaborada pela autora
Realizar o trabalho por vocação
Os trabalhadores, por hora, apresentam uma racionalização baseada na
concepção de que esse trabalho é realizado “por vocação”, portanto por ―escolha
pessoal‖. Referem que o sofrimento proveniente da organização do trabalho e as
condições deste são naturais, é algo inerente à profissão, é obrigação do enfermeiro lidar
e adaptar-se com as condições reais do trabalho. Assim, banalizam seu próprio
sofrimento.
Acho que a formação de Enfermagem te dá um pouco isso, tu quer assumir
tudo [...] me incomoda, me atrapalha, atrapalha o meu trabalho, mas não adianta tem que existir alguém que faça, alguém que assuma para poder
funcionar [...]eu acho que sofrimentos assim de trabalho tu tem que
vivenciar, porque tu estudou uma vida para ter isso, quer dizer tu estuda e
daqui a pouco tu não quer sofrer com alguma responsabilidade de
Enfermeiro, então é por isso que eu não sofro muito assim. E3
Eu gosto de trabalhar na área de enfermagem, com certeza. [...] a
Enfermagem é uma vocação, a gente tem que gostar do que a gente faz,
senão a gente não faz bem feito. E4
Tem que seguir, tem que atender. Tem que fazer de conta que nada aconteceu, mas quando acontece isso, que daí a gente pensa porque que eu
fui fazer Enfermagem (risos), é por isso. É devia ter escolhido outra
profissão (risos), é nesse momento que eu penso. E10
No seu cotidiano, com vários problemas organizacionais, com inúmeras
atividades para desempenhar, número excessivo de usuários para acolher, entre outros
desafios, observa-se que a maioria dos problemas que ocorrem durante o período de
trabalho, embora os outros membros da equipe possam sentir-se incomodados, quem
toma iniciativa para resolução ou tenta minimiza-lo é o Enfermeiro.
Manter a calma
Assim, os trabalhadores relatam que é fundamental manter a calma: ―respirar
fundo‖, ―tomar uma água‖, ―contar até dez‖ e apoiar-se nos colegas para contornar as
situações mais difíceis.
As relações interpessoais caracterizadas durante as falas dos trabalhadores
refletem-se e são fundamentadas em atributos éticos, do respeito, da responsabilidade e
solidariedade, funcionam como um suporte social para controlar o sofrimento, a
80
realidade de trabalho, que se torna suportável devido essa relação com os colegas. O
sofrimento é verbalizado entre os membros da equipe, falam em cansaço, falta de
reconhecimento, dor física e moral, dividem angústias e reclamam do pouco apoio por
parte da gestão do município.
Os trabalhadores discorrem que:
[...] Às vezes, as pessoas não tem muita paciência de esperar ali na frente
[...] Eu contei até dez, respirei bem fundo, fui bem educada com ela [....].
Então, são essas situações que a gente acaba remanejando desse jeito. Por
isso que eu te digo, muitas vezes, a gente acaba engolindo aquilo, acaba
absorvendo aquilo ali naquele momento. E4
[...] é difícil, a gente respira fundo e tenta. Teve um dia que aconteceu uma
coisa bem difícil que eu tive até que chamar a polícia, teve tipo um desacato,
então foi bem difícil. A sorte é que daí a gente começa pegar apoio com os
colegas, um vem abraça, o outro vem te acalma, dá uma palavrinha de
incentivo, mas é isso, às vezes da vontade de pegar as coisas e ir embora. E5
Evitar o conhecimento da gestão
Este “evitar que chegue a gestão” pode ser considerado uma estratégia
defensiva utilizada pelos trabalhadores, por sentir suas queixas banalizadas. Isso se
torna um motivo para seguirem trabalhando nas condições que encontram no trabalho,
sem modificá-las. Assim, não existem melhorias permanentes devido à falta de pró-
atividade e coletividade em suas ações, bem como por não terem apoio e motivação
necessária por parte dos gestores do município.
Geralmente quando eu vou lá, eu volto sem resposta nenhuma, então a gente
volta mais irritada ainda do que a gente foii. Eu procuro nem ir, eu estou
num ponto que eu estou procurando nem ir lá. E5
[...] porque mandar memorando ou solicitando alguma atividade a gente
nunca recebe a resposta. Então, muitas vezes, a gente acaba cansando
realmente e muitas vezes nem mandando, porque a gente já sabe que não vai vir essa resposta. E13
Negação
Os trabalhadores se utilizam de estratégias de defesa de negação através de
subcategorias: não pensar em nada; esquecer o sofrimento, conforme a ilustração a
abaixo.
81
Figura 05 – Ilustração elaborada pela autora
Não pensar
Os trabalhadores apenas continuam trabalhando levados pelas inúmeras
atividades, sem refletirem criticamente, não pensam nos danos a sua saúde, não se
mobilizam para mudar a realidade que lhes causam sofrimento, preferem ―não pensar‖,
seguem pelos usuários por ser forte o sentimento de utilidade e compromisso com o
local que estão trabalhando e com seus colegas de trabalho, pois todos estão no ―mesmo
barco‖. Isso se configura como uma estratégia defensiva de negação, com intuito apenas
de desfocar dos fatores que lhe geram sofrimento.
Aconteceu alguma coisa ali tu tens que partir pra outra, daí tu vai pra outra,
por que não tem o que tu fazer, não tem como tu fugir, tu pode levantar,
tomar uma água, tentar ir ao banheiro se não tiver ninguém, respirar fundo,
tu vai faz outra coisa e dependendo já ameniza, um pouquinho[...]mas tu tem
que continuar, o pessoal está todo aí te esperando, porque tu sabe que é tu
que atende, que tem uns ali que estão só te esperando, então vai ficar se
lamentando com o que aconteceu, não dá, continua. E14
Continuo, sigo, [...] tem que esperar que aquele dia passe e no outro as
coisas se resolvam, não tem como. E1
[...] não sei, eu acho que também é um pouco defesa, eu não tenho procurado pensar muito. Na verdade tu protela, mas é uma válvula de
escape, de defesa, mas não tenho procurado pensar muito, mas é claro que
angústia. E2
82
Esquecer o sofrimento
Outro fator mencionado somente pelas trabalhadoras que pode ser caracterizado
como uma estratégia defensiva de negação remete quando ao retornar do trabalho para a
casa, relativo à necessidade de cumprir suas atividades como mãe, dona de casa, esposa,
por entender como obrigação da mulher, algo natural, onde essas atividades não podem
ser atrapalhas ou interrompidas para refletir sobre o seu trabalho e ao mesmo tempo é
visto como a uma estratégia defensiva de negação como uma ―válvula de escape‖. No
momento que relata que se ―envolver com outra coisa‖, acaba tornando-se necessário,
para esquecer o sofrimento no trabalho, evita elaborar esse sofrimento, fato que
impulsiona-o a retornar no outro dia ao trabalho mesmo sabendo que o sofrimento não
resolvido, permanece permeando a sua dinâmica de trabalho. A essência dessas
reflexões se expressa nos fragmentos que seguem:
[...]é aquela coisa, angustiou, fala um pouco, sai daqui e esquece, faço
questão de esquecer.E2
[...] se eu tenho algum problema eu arrumo o máximo de serviço para poder
trabalhar, mas tem horas que tu que fica parada daí fica remoendo, então eu
desconto um pouco assim na organização, eu tenho que estar trabalhando, é
melhor.E3
Fuga
A categoria ―fuga‖ é evidenciada pelos participantes por meio de sete
subcategorias: focando no desempenho de suas funções privativas; tentando não levar o
sofrimento para casa; buscando atividades físicas e de lazer; trocar de emprego; tirar
folga; pensar no final do turno de trabalho; aguardar o final de semana, feriados e as
férias.
83
Figura 06– Ilustração elaborada pela autora
Focando no desempenho de suas funções privativas
Durante seu turno de trabalho, por vezes, a fuga também se apresenta como uma
estratégia, quando acabam focando no desempenho de suas funções privativas de
enfermeiro, as quais consideram como fonte de prazer, evitando realizar as tarefas que
não lhe trazem o mesmo prazer e motivação para seguir realizando seu trabalho real.
Tem uma criança esperando eu vou deixando o outro para escanteio sabe
(risos), daí eu faço aquilo que eu gosto, daí aquilo vai esperando, vai
esperando, quando eu termino as minhas crianças, se tiver ainda gente
esperando pego aquele outro caso, às vezes eu tenho sorte e alguém já
atendeu, daí isso é bom, isso me ajuda. E14
Alguma coisa que eu faço mais e que demoro mais porque eu gosto de fazer é
vacina.[...] eu entro lá na sala e esqueço que tem um monte de gente lá
esperando[...] isso me dá prazer [...].E10
Tentando não levar o sofrimento para casa
Outra forma de fuga é quando os trabalhadores verbalizaram o desgaste no corpo
biopsíquico, muito cansaço físico e mental, levando-os a querer apenas ir para casa e
não fazer mais nada e, às vezes, desencadeando problemas de saúde como hipertensão,
alergias, como relataram. Desse modo, lidam com o sofrimento basicamente se
afastando, “tentando não levar isso para casa”.
[...]eu tento fazer tudo no meu horário de trabalho, se é o artigo se é alguma
coisa que eu tenho que ler, eu tento fazer no horário de trabalho, mesmo que
não dê tempo. Mas, a partir do momento que eu chego a casa, eu desligo,
então eu procuro fazer aquilo que eu gosto, descansar ou não fazer nada ou sair.E3
[...] eu aprendi a não levar tanto para casa, aprendi que existe um limite de
horário [...] no início comecei a levar coisas para casa, alguma coisinha tu
tem que levar para digitar, para imprimir, coisinhas digamos simples não
coisas mais... que levem um tempo, que tenha que te estender muito, o que eu
estou tentando fazer para ter forças para voltar no outro dia é desligar
[...]mas comecei a repensar isso diante do que eu passei anterior a minha
experiência aqui, porque eu estava ficando digamos doente literalmente,
doente que eu digo de físico sabe. E6
No ambiente de trabalho, optam por ir à cozinha tomar uma água, conversar
rapidamente com colega de trabalho e seguem realizando suas atividades até final do
turno, esforçam-se para que o atendimento da população não fique prejudicado.
Conforme os fragmentos a seguir:
84
[...] acontece de manhã e tu não pode sair dali, tu tem que ficar, tipo...tu vai
um pouco para cozinha, toma um café, toma um chimarrão, pede...às vezes
até explica para o paciente, vou tomar uma água, já retorno para te atender
melhor. Eu me isolo alguns minutos para retomar, foi essa alternativa que eu
achei assim, mesmo sem espaço. E6
[...] na unidade não tem muito como tu descontrair, tu tem que absorver
aquilo ali, se teve algum problema, algum sofrimento que a gente não
consegue dar conta, absorve, senta um pouco, respira, relaxa, toma um pouquinho de água e toca pra frente, porque se tu não anda, do lado da tua
porta tem pessoas te esperando[...]relaxa dá uma respirada e tenta segui o
trabalho, não dá para parar. E9
Buscando atividades físicas e de lazer
Quando retornam para seu lar, procuram não falar sobre trabalho, procuram se
envolver com atividades de lazer. Como uma forma para aliviar as tensões após o
trabalho, buscam atividades físicas e de lazer, pois ajudam a minimizar o sofrimento,
embora ainda expresse uma estratégia de compensação mais próxima da defesa. Essa
estratégia, bem como as apresentadas, apenas evitam contato com o sofrimento advindo
das situações de trabalho, não buscando mudanças das causas do sofrimento, mas
formas de controle.
[...]se eu tivesse um outro trabalho, eu não sei se eu aguentaria trabalhar
porque ele desgasta muito, te exige muito pela falta de condição de trabalho,
então a hora que tu vai pra casa para relaxar mesmo, então isso eu acho que
ajuda muito, isso pra mim, volta pra casa, toma um mate, ler, fazer uma
coisa diferente, ler um jornal, nada muito ligado ao trabalho. Isso me ajuda
a aliviar. E9
às vezes eu preciso desesperadamente um banho, quando chego em casa,
para ver se eu melhoro um pouco aquela sensação, tem dias que é aquela
sensação de parecer que chuparam a gente de canudinho. Daí um pouco, eu
vou lá e brinco com as crianças e tal, que é meio isso assim sabe, até o
momento do silêncio assim sabe, aqui é muita correria, então tu não fica um
segundo sem ouvir um barulho, daí quando tu consegue ficar em silêncio dá
um alívio. E7
[...] me envolvo com as coisas, com a questão da atividade física, com a
minha filha, faço alguma coisa com meu companheiro, vou à casa dos meus
pais, vou à casa dos meus amigos, faço alguma atividade assim, faço
academia, atividade física, muay thai (luta) e tem a minha filha, ajuda. Para
mim, essa parte fora do trabalho é muito tranquilo, consigo esquecer. E2
[...] eu procuro ter uma vida fora do trabalho, é o que tem me sustentado,
sem dúvida. E8
Pensar em trocar de emprego
Quando os outros tipos de fuga não dão conta de minimizar o sofrimento do
trabalho, o mesmo torna-se mais intenso, causando prejuízos a saúde física e mental
85
surgindo outras ―válvulas de escape‖ como denominam as estratégias defensivas. Com
relação a pensar em trocar de emprego ou mudar de profissão, realizar um novo
concurso, nenhum trabalhador tomou essa decisão ainda, fato que justificam no decorrer
da fala como: ―o que me dá mais força é pensar que tenho minha filha, que ela tem que
ter futuro, que eu tenho que trabalhar para dar esse futuro para ela‖, ―tenho contas para
pagar ‖, ―quem vai ficar no meu lugar se já falta profissionais‖, ―a comunidade não tem
culpa‖.
Quando eu posso eu vou à secretaria e tento falar com quem tem a gerência
lá. Olha quando que a gente vai resolver? Quando tu podes resolver? Mas
mesmo assim ouvimos coisas que nos deixam chateados, dá vontade de
fazer concurso em outra cidade, dá vontade de achar outra profissão, sair,
mas daí tu pensa mas se todo mundo fizer assim, quem é que vai ficar? E9
Então isso daí acaba te frustrando que tu pensa em procurar outro serviço,
se não melhorar realmente, não sei, só daí eu fico pensando se eu saí daqui
como é que vai ser, será que vão chamar alguém para o meu lugar? Mas se
não chamarem vai ficar só a técnica de enfermagem e a médica aqui, e aí
tem que fechar o posto (risos), que horror, é bem complicado. E4
[...]um dia eu pensei: quer saber, vou lá na Prefeitura, vou botar meu cargo
a disposição, aquilo veio naquele momento. E6
Tirar folga
Também procuram ―tirar folga” que é sua por direito, porém, ficam reservadas
para esses momentos de maior desgaste, ou para prolongar o final de semana e feriados,
que são aguardados com entusiasmos pelos trabalhadores, pois podem realizar suas
atividades de lazer, fugir dos problemas do trabalho, ou seja, assim buscam prazer e
evitam o sofrimento.
Já me obriguei a fazer assim, dizer para as gurias, tu desmarca agenda que
eu não tenho condições de ir amanhã, porque a gente tem as folgas, a gente
trabalha no sábado e cada sábado trabalho são 02 folgas, então já precisei
sim, não tenho condições. Eu preciso fica em casa, às vezes, a gente tem
essas necessidades.E7
[...] eu tentei resolver, eu fiz tudo que era possível, que estava ao meu
alcance eu não consegui resolver, eu tentei. Daí eu tirei folga, um dia. E8
Pensar no final do turno de trabalho
Os mesmos relatam também que ao final do turno principalmente quando seu
trabalho exige muitos esforços ou surge algum fator que lhes causa sofrimento,
angústia, insegurança durante o desempenho de suas tarefas, o fato de “pensar no final
do turno de trabalho”, ou ―contar os dias para que chegue o final de semana‖ bem
como, ―os dias que faltam para as férias‖, faz com que seu sofrimento seja sublimado.
86
Isso faz suportar até o final do turno ou chegar até a sexta-feira mantendo seu ritmo de
trabalho. Os fragmentos que ilustram esta questão:
[...] mais no fim do dia quando começa a diminuir as pessoas, estou
atendendo o último, o antepenúltimo, daí tu começa a lembrar o que
aconteceu de manhã, graças a Deus está na hora de ir embora, então é difícil
quando acontece alguma coisa chega perto do horário, daí tu começa a ficar
mais tranquila, daí de manhã tu já vai tranquila, tem um pico, começa a vim
um problema pesado, daí quando chega mais perto do horário já alivia,
tenho que ir embora, parece que o problema terminou, nem que amanhã tu
resolva, veja o que tu vai fazer. Mas é isso: se aconteceu alguma coisa pesada tu vai levar, mas vai vir outras coisas que vai fazer esquecer por
algum momentos, daí quando tu está indo embora tu lembra. Deixa isso aí,
amanhã é outro dia, daí no outro dia tu tem outros problemas daí tu nem
lembra dele, parece que uma coisa vai tapando a outra, não fica só isso na
memória .E14
Eu já vejo o final de semana como um momento obrigatório de descanso.
Então por não trabalhar final de semana eu, se estou cansada, eu conto as
horas pra que eu possa chegar ao final de semana e realmente me desligo
daqui, isso é muito bom, por isso que às vezes a gente opta por trabalhar na
atenção básica, essa questão de tu ter a semana, mas tu sabe, ter a certeza
que o final de semana é aquele que tu não vai ter trabalho, já te dá um conforto. E3
Aguardar o final de semana, feriados e as férias
Eles se sentem incomodados, desanimados, sofrem, com maior intensidade
quando se aproxima o final da semana ou período de férias, devido suportarem por uma
semana toda, a sobrecarga, a falta de recursos materiais e humanos e dificuldades
organizacionais. Por isso, referem que o final de semana, feriados e as férias são
aguardados com muita expectativa, visto como uma premiação por conseguirem
suportar o sofrimento durante o cotidiano de trabalho, onde podem ―esquecer de tudo‖
temporariamente.
Foi difícil, a gente só pensava no horário de saída, está terminando, está
quase. Também conversando com as pessoas que a gente tem afinidade eu
sei que tal coisa eu posso conversar com o fulano, e daí se reunia. Preciso te
contar tal coisa, daí isso aliviava, um com o outro aliviava bastante, e essas
foram as estratégias de enfrentamento. E14
[...] agora, por exemplo, eu vou entrar em férias, sexta feira é meu último
dia. Eu penso assim, acontece alguma coisa, ou tem aquele paciente vip, que
vem praticamente todos os dias, pedem isso, pedem aquilo e pedem uma
coisa e outra, sempre tem alguma coisa. Penso, Graças a Deus sexta feira eu
estou em férias. Ou quando a tarde a gente pensa; ai tá, sexta feira, chega final de semana, chega feriado, é mais ou menos assim. E10
[...] a gente fica uns dias estressada, e como eu te disse vai tudo
acumulando, é o serviço, é o mau funcionamento da Secretaria, então
acumula tudo. E esses dias eu estava a ponto também de sair fora da casinha
como eu digo, então eu entrei em férias, hoje recém estou voltando, então
87
hoje já estou bem mais tranquila, mas se eu não tivesse saído de férias, eu
acho que eu tinha pirado. E5
Desse modo, os trabalhadores encontram formas de justificar tais sentimentos,
utilizando estratégias, expresso em atitudes e comportamentos que neutralizam o
sofrimento da (des)organização do trabalho.
ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS COLETIVAS
Além das estratégias individuais para suportar o desgaste provocado pela
subtração do prazer no trabalho, os trabalhadores necessitam fazer uso de estratégias
coletivas, tais como:
Figura 07 – Ilustração elaborada pela autora
Alocação de recursos próprios para resolver dificuldades
Para minimizar os problemas referentes à organização física do trabalho, os
trabalhadores tornaram quase que natural à alocação de recursos próprios para dar
conta do trabalho quando às condições físicas comprometem a qualidade do mesmo.
Não usam a força coletiva para obterem mudanças duradouras, que facilitem a
realização de suas atividades, que mude seu ambiente de trabalho, que traga valorização
e dignidade para o trabalhador.
Apenas buscam unir esforços para improvisar os materiais que lhe faltam,
através das ―vaquinhas‖ (cada trabalhador contribui com uma quantia de dinheiro para
comprar o que precisa na unidade), mudança de salas, trazem equipamentos de casa,
88
compram com o próprio dinheiro seguindo uma lógica de hierarquia, onde o enfermeiro
compra o mais caro e o técnico o mais barato, ou revezam entre a equipe os gastos com
a Unidade, o que lhes gera um certo conforto temporário. E ao mesmo tempo, como
uma estratégia para que essas questões não cheguem até a gestão, pois isso geraria um
sofrimento maior, segundo os fragmentos a seguir:
Aqui tem muita coisa que eu fiz, a gente faz com recursos próprios, tem a
colocação de ar, essas coisas, esse ar eu consegui por conta própria. A gente
que fazer a festinha das crianças, de Natal, Páscoa, essas coisas, a gente
corre atrás de apoio, de doações, porque eles não dão nada, então a gente
faz uma “vaquinha” aqui. E5
[...] nós ficamos um dia sem água, daí eu disse que não, a gente até fica aqui
dentro, a gente cumpre o horário mas sem procedimento, eu me recuso de
fazer um procedimento sem poder lavar a mão e foi só assim para eles
arrumarem [...] agora eu tento ver cada caso, se uma situação que eu tenho como arrumar da minha maneira mais tranquila, sem estressar tanto, eu vou
resolver, se não dá eu faço o que é possível, mas evito de pedir. E8
Acordos com a equipe de trabalho
Quanto às relações interpessoais que são intrínsecas a dinâmica do trabalho, para
poder minimizar os conflitos relacionais entre a equipe, o respeito entre os trabalhadores
por vezes é adquirido por regras e pactos criados pelos mesmos, principalmente
quando se trata da relação entre Agentes Comunitários de Saúde e Enfermeiro. Percebe-
se que o trabalhador no seu dia a dia, busca compartilhar saberes, compreender e
respeitar as ações dos demais profissionais, acadêmicos e residentes que realizam
atividades na Unidade de ESF.
Outra regra adotada com maior frequência entre as equipes duplas, é ―falar a
mesma língua‖, para que não haja informações opostas, evitando conflitos nas relações
interpessoais e, por consequência, o sofrimento. Isso está expresso nos fragmentos:
[...] a nossa equipe, é bem unida e as gurias da residência se integraram bem
na equipe tanto que a gente acha que elas são parte da equipe mesmo.
Qualquer coisa que tiver que resolver, alguma coisa que eu não estou, a
enfermeira que é residente resolve, a residente nutricionista está sempre
disposta, então não tem muita controvérsia sabe, se uma fala uma coisa a outra não desdiz, nem que depois que a pessoa saia, a gente diz: não fulana,
não era assim que tinha que ser, mas vamos resolver, quanto a isso a gente é
bem tranquilo. E1
Eu vejo assim, eu e a outra enfermeira, a gente consegue se apoiar, a gente
fala a mesma língua. A gente se apoia, o que uma falar de determinada coisa
a outra também apoia e, Graças a Deus, isso é tranquilo e é bom. [...] as
relações que a gente cria aqui dentro, as relações de apoio, relações de
confiança. E2
89
A realização de reuniões semanais, com a participação de todos os membros da
equipe para debaterem sobre as dificuldades organizacionais e as demais que surgem
durante o cotidiano do trabalho, também se torna uma estratégia para que seja mantida a
unidade, a união do grupo evitando assim, mal entendido, informações contrárias,
desrespeito, por isso é seguido a risca o que foi acordado pela maioria, durante o
encontro, como elucidam os fragmentos a seguir:
A gente tem a reunião de equipe que a gente faz sempre uma vez por semana,
então assim nessa reunião de equipe a gente procura conversar, a gente faz
todas as quartas-feiras à tarde a gente tem a reunião e eu procuro não
deixar de fazer, porque é o momento que a gente tem pra conversar com todo
mundo, e às vezes até tem umas coisas que acontecem um com o outro, um
não agradou, o outro fez tal coisa, então nessa reunião é o momento da gente
coloca tudo... “os pingos no is”, então esclarecer tudo. E5
[...] procuro fazer e procuro tratar tudo dentro dessa reunião da equipe, às
vezes tu vê que tem um nariz meio torcido, mas todo mundo concorda, tudo
foi conversado, tudo foi discutido, todo mundo optou, a equipe chego a um
consenso, a gente vai ter que se adaptar. E8
Diálogo como ferramenta de trabalho
Além, de desfrutarem da liberdade para expressarem-se em relação ao trabalho
entre os colegas, sem que haja julgamento, apenas ajuda mútua, utilizam também a
“conversa”, como uma ferramenta para resolver alguma dificuldade tanto referente
às relações interpessoais, como de usuários, ACS, com intuito que a mesma seja
resolvida com transparência e não tome maiores dimensões, o que se transforma em
uma estratégia coletiva, corroborando para o alivio do sofrimento.
Esses momentos também são espaços para que a equipe ou para um profissional
específico da equipe, para que possa compartilhar seu sofrimento, podendo assim ser
também uma estratégia individual de defesa, pois a partir disto o trabalhador, sente-se
―aliviado‖ para seguir realizando seu trabalho no próximo turno ou nos próximos dias,
como demonstram os fragmentos:
Na equipe, o problema era com as agentes, algumas queriam desrespeitar,
então a gente conversou na reunião, eu disse para equipe: aqui dentro e no
horário de trabalho, todo mundo tem que se respeitar [...] foi importante
conversar com elas para poder organizar essas questões. E12
[...] é o que eu faço, eu converso com a minha equipe, eu converso com a
técnica, com as gurias, com as residentes, a gente conversa bastante, até a
gente faz uma terapiazinha que conversa tudo que é coisa, para resolver o
problema da outra, é assim que a gente não leva os problemas adiante. [...]
A gente senta e resolve tudo, para depois poder continuar, alguma coisa de
90
relacionamento de equipe, alguma coisa de sentar e conversar como eu falei,
para não ficar de tititi. E1
Momentos de descontração
Outra estratégia utilizada pelos trabalhadores frente ao sofrimento são
momentos onde possam descontrair, como durante as atividades educativas grupais,
festinhas comemorativas, reuniões e jantares fora do ambiente do trabalho com
membros da equipe que tenham maior afinidade, o que é elucidado nos fragmentos a
seguir:
[...] eu acho que essas atividades fora daqui do ambiente de trabalho, por
exemplo, tu fazer um grupo de ginástica, tem grupo de artesanato também
das gurias que é bem bom, as gurias também já falaram que elas se
desestressam bastante nesse grupo. E4
[...] a gente faz uma confraternização, Páscoa, uma entrega de chocolate,
festa de final de ano, para encerrar as atividades. Essas coisas assim que a
gente faz para aliviar um pouco também o estresse, aí toma um suco ou
cerveja, essas coisas ajudam. E7
[...] o bom são as risadas que eu dou com meus colegas, a gente brinca
bastante, a gente dá bastante risada, a gente fala bastante besteira, isso é
muito bom, eu brinco que a saúde mental, principalmente quando tu vê
resultado nas coisas que tu faz, tu chega no fim do dia, e daí pensa tudo o
que eu tinha pra fazer hoje eu consegui fazer hoje. E8
Os trabalhadores, quando levam as questões de organização e condições de
trabalho para a gestão com intuito de obterem um apoio e resolução do que precisam,
não obtêm resposta da gestão que não cumpre com seu papel, e os trabalhadores
sentem-se desamparados, ignorados e desvalorizados.
Diante disso, procuram o apoio entre os colegas de trabalho, que ―estão no
mesmo barco‖, porém não se mostra como uma estratégia com poder de modificar o que
lhe causa sofrimento, apenas minimizá-lo, pois esse diálogo se dá entre os pares ou fica
apenas entre a equipe, não saindo desse espaço.
Pode-se justificar o uso de algumas estratégias supracitadas, devido os
trabalhadores mencionarem que não há espaços que possibilitem a discussão, a
participação e a escuta entre os trabalhadores, gestão e responsáveis pela saúde do
trabalhador sentindo-se distantes.
[...] eu percebo que a dor pra nós enfermeiros, técnicos, quem compõe ali a
equipe, apesar de ter no município de saúde do trabalhador a gente não se
91
sente acolhido, vinculado a esse serviço. Parece que ele é tão distante do
trabalhador, tão distante de nós, parece que a gente só consegue acionar o
serviço se a gente tem algum acidente de trabalho, porque picou com alguma
agulha, tu te cortou com algum material contaminado, porque ele parece tão
distante dos outros serviços, porque não tem essa articulação da Atenção
Básica como CEREST que é o centro especializado e referência a saúde do
trabalho do município, então é muito desarticulado e o que a gente vê é
muito focado se tu te picou, se tu te cortou e não assim em promover
atividades em que o trabalhador possa falar sabe o que que tá sentindo, expor quais são ao seus sentimentos, isso aí não existe, não é valorizado isso
e eu nem sei se é nesse serviço que trabalha também. E13
Impactos na saúde
Observou-se que alguns trabalhadores já apresentam manifestações em sua
saúde e outros temem adquirir doenças relacionadas ao trabalho, tanto físicas como
mentais:
[...] ai é complicado, a gente vai levando, por isso que eu te disse eu até já
parei num psicólogo, porque não é fácil. E16
[...] daí eu adoeci, eu cheguei a esse ponto ano passado, eu cheguei a
emendar 04 “ites” uma na outra eu fiz uma pielonefrite, eu fiz otite, eu fiz
faringite, e depois eu fiz uma sinusite. E8
[...]a gente tem que trabalhar com o que a gente tem e o sofrimento a gente
não sabe ate quando a gente vai aguentar, porque as equipes são novas, elas
estão trabalhando relativamente bem, são pessoas que entraram agora e têm
muita estrada pela frente, mas eu não sei ate quando esse sofrimento vai
passa despercebido, pelos trabalhadores, porque um dia ele vai aparecer.
E9
Reconhecem que, por serem trabalhadores com pouco tempo de serviço, ainda
conseguem evitar maiores danos em sua saúde física e/ou psíquica, mas refletem que se
continuarem imersos no mesmo ritmo e nas mesmas condições reais do trabalho
poderão surgir.
DISCUSSÃO
O trabalho materializa-se por meio do processo e organização de trabalho
englobando condições objetivas e subjetivas, sendo as duas relevantes, e a última
caracterizada como as aspirações e possibilidades exercidas pelo trabalhador de acordo
com o significado e o sentido que o trabalho adquire em sua vida (DEJOURS,
ABDOUCHELLI e JAYET, 1994).
92
Assim, ―trabalhar é não apenas ter uma atividade, mas também viver: viver a
experiência de pressão, viver em comum, enfrentar a resistência do real, construir o
sentido do trabalho, da situação e do sofrimento‖ (DEJOURS, 2006 p.103).
O trabalho pode ser gerador de sentimentos diversos, ora sofrimento, ora prazer,
mas nunca é neutro em relação à saúde, pois favorece seja a doença ou a saúde
(DEJOURS, 2011). O trabalhador é o responsável por ―dar forma‖ ao seu trabalho, isso
pode ocorrer através do efeito da pulsão que se desdobra em inteligência prática ou
através do sofrimento e leva o trabalhador a buscar sentido em suas vivências
(DEJOURS, 1992).
Convém salientar que as dimensões do trabalho implicam ―sutileza,
inventividade e ações para transformar, neutralizar, amenizar ou até esconder as
adversidades e o sofrimento vivenciado no trabalho, entendidas como mobilização
subjetiva e estratégias defensivas‖ (MERLO, MENDES, MORAES, 2012 p.100).
Na origem do sofrimento que leva à criação de estratégias defensivas, está a
significativa distância entre o real e o prescrito, bem como a organização do trabalho
com as pressões exercidas, constantemente sobre o trabalhador e as pressões do
ambiente de trabalho.
O trabalhador exposto a essas pressões que culminam no sofrimento utiliza
estratégias defensivas que se manifestam por meio de comportamentos próprios de cada
indivíduo, pois cada um reage de maneira particular a cada situação. Pode-se
compreender que a defesa consiste na criatividade usada para transformar o sofrimento
aumentando a resistência do trabalhador ao risco de desestabilização psíquica e dos
riscos físicos. Nesse caso, o trabalho funciona como mediador da saúde (DEJOURS,
1992).
Diante disso, pode-se dizer que o trabalhador segue atuando sem adoecer, a
partir da lógica da normalidade sofrente, a qual é caracterizada como uma conquista
resultante da criação de estratégias individuais e coletivas de defesa dos trabalhadores
frente ao sofrimento, porém a normalidade não implica em ausência do sofrimento
(DEJOURS, 2006).
Assim, as estratégias defensivas cumprem um papel paradoxal, sendo positivas à
medida que protegem o sujeito contra o sofrimento causado pelas situações de trabalho
geradoras de conflito, mantendo o equilíbrio psíquico e evitando adoecimento. Em
contrapartida, essas defesas tornam-se negativas quando tornam tolerável o intolerável,
imobilizando-o. Essa forma de proteção, pode com o passar do tempo, esgotar-se
93
favorecendo o aumento da precarização na organização do trabalho e como não se
enfrenta o sofrimento, ele pode se intensificar aumentando o risco de adoecimento do
trabalhador (DEJOURS, 2006; MENDES, 2007).
Nessa dinâmica de enfrentamento do sofrimento e busca do prazer, Dejours
(DEJORUS, 2011) afirma que as estratégias de defesa para enfrentar o sofrimento
podem ser de proteção, de adaptação e de exploração.
Tendo em vista essa classificação, torna-se importante registrar que a partir da
analise dos resultados obtidos, optamos por não utilizar esta classificação, devido à
amplitude dos dados, embora as estratégias apresentadas se enquadrem nessa
classificação.
Frente às demandas cotidianas da sua dinâmica de trabalho, a qual exige do
trabalhador iniciativas, planejamento, agilidade e resolutividade, para realizar suas
atividades e na tentativa de evitar que o sofrimento se sobressaia ao prazer, os
trabalhadores relatam o uso de algumas estratégias defensivas individuais utilizadas.
Um elemento de consenso entre os trabalhadores está no fato de que o trabalho
em equipe implica o compartilhar do planejamento, a divisão de tarefas, a cooperação e
a colaboração, para que ao somar esforços, aja redução da sobrecarga e ritmo de
trabalho, podendo dar espaço para a realização de um trabalho mais eficaz, gratificante
e prazeroso.
Entende-se que o processo de trabalho gerencial toma como objeto a
organização do trabalho e os recursos humanos, na busca de criar e programar
condições adequadas de cuidado dos usuários e de desempenho para os trabalhadores
(ARAUJO; ROCHA,2007).
Os trabalhadores inferem que o planejamento a curto, médio e longo prazo, a
divisão de tarefas, principalmente os momentos das reuniões de equipes, são
importantes para a construção de propostas de intervenções multidisciplinares tanto para
melhorias voltadas a comunidade como para local de trabalho, na tentativa de reduzir os
condicionantes que interferem nos resultados do seu trabalho, que lhes causam
sofrimento, angustias e sensação de incompletude.
O enfermeiro tem papel gerencial no seu local de atuação, providenciando meios
e recursos facilitadores, para viabilizar a execução do trabalho da enfermagem e da
equipe multiprofissional, num processo de complementaridade com as diretrizes
organizacionais (JESUS, 2006).
94
Outra forma encontrada por esses trabalhadores, para minimizar a consequência
das inúmeras atividades que se envolve durante o turno de trabalho, é o fato de delegar
em atividades, sendo uma forma de diminuir a sobrecarga de trabalho e de sobrar mais
tempo para o cuidado ao usuário e realizar as atividades privativas dos enfermeiros,
considerada meio de prazer.
A delegação é parte integrante do processo de divisão do trabalho e é entendida
como a transferência de poder de decisão para a execução de tarefas específicas,
considerando que a atividade de delegar funções para membros da equipe de
enfermagem faz parte do cotidiano das atividades deste trabalhador (JONAS;
RODRIGUES; RESCK, 2011).
Desse modo, o planejamento e descentralização das ações e tarefas é uma
competência significativa na tentativa de aliviar a sobrecarga de atividades e incentivar
a co-responsabilização de toda a equipe na produção do cuidado (ALVES, 2007;
COSTA; FRACOLLI E CHIESA,2007).
Além disto, os trabalhadores apresentam em sua fala a necessidade da tomada de
iniciativas, com uso da criatividade, na tentativa de adaptar sua dinâmica de trabalho,
para minimizar as barreiras que encontram para desenvolver suas atividades, sem perder
a motivação e seguirem na busca pelo prazer e realização no trabalho.
Os mesmos, exercem o papel de líder na unidade, sendo referência para os
demais integrantes da equipe multiprofissional, tendo o papel de facilitador e articulador
das ações e atividades a serem implementadas pela unidade de saúde e mediador nas
relações interpessoais, na tentativa de evitar maiores conflitos e desgastes para equipe
de trabalho (JONAS; RODRIGUES; RESCK, 2011).
Todavia, mesmo não medindo esforços para reorganizar as suas condições
organizacionais, reconhecem os seus limites, e assim minimizam o sofrimento por
entender que sem articulações dos outros atores envolvidos na rede de atenção a saúde,
não é possível obter resultados adequados que proporcionam sensação de completude e
satisfação.
Almeida e Mishima (2001, p.9), destacam que ―dadas as características da ESF,
o núcleo de competência de cada profissional, isoladamente, não dá conta da
complexidade do atendimento das necessidades de saúde‖.
Assim, para atuar na ESF é relevante que os trabalhadores conheçam a realidade
do trabalho, suas limitações e possibilidades e que, diante disso, desempenhem seu
95
trabalho de forma ética, criativa e inovadora, sabendo lidar com as adversidades
(ROECKER; BUDO; MARCON, 2012).
Além dessas estratégias, os trabalhadores do presente estudo, estão usando
alternativas como ter fé, no auxílio para continuar desempenhando suas tarefas,
afastando a sensação impotência e sofrimento, diante dos fatos vivenciados no seu
cotidiano de trabalho.
Em estudo com trabalhadores de enfermagem em unidades criticas, identificou-
se que uma das estratégias defensivas utilizada é o apego à religiosidade, sendo que esta
crença ajuda a lidar com os sentimentos advindos das situações difíceis que enfrentam
cotidianamente (BECK; GONZALES; LEOPARDI, 2002).
Cada profissional encontra sua forma de lidar com o sofrimento, a utilização da
espiritualidade no trabalho pode auxiliar na melhora organizacional e a satisfação no
trabalho. Esse tipo de enfrentamento no trabalho, por meio da fé, representa uma
ferramenta a mais para o trabalhador enfrentar o sofrimento, seja de forma individual,
seja coletiva, por meio da religião e/ou da espiritualidade (SILVA, 2008).
Ademais, os resultados evidenciados a partir do relato dos trabalhadores,
indicam para a banalização do sofrimento, onde acabam se conformando com a situação
do trabalho real, sem mobilização para alterar essas situações.
Esse processo de banalização se concretiza por meio da passividade, indiferença,
resignação à injustiça e ao sofrimento. A banalização do sofrimento é como se o
trabalhador não percebesse o seu real significado, na tentativa de amenizá-lo, porém o
mesmo pode vir a adoecer, pois o sofrimento mesmo sendo banalizado, não deixa de
existir (DEJOURS, 2006; MACHADO; MERLO, 2008).
No cenário pesquisado, é como se o corpo do trabalhador estivesse anestesiado
para suportar a sobrecarga de trabalho, as cobranças da comunidade, os desafios da
relação interpessoal entre os membros da equipe, o pouco apoio da gestão e demais
fatores que vão se naturalizando no cotidiano de trabalho da ESF enquanto as
estratégias defensivas seguirem mediando sua saúde.
No estudo de Beck (2001), mesmo em um cenário diferente, os trabalhadores
seguem a mesma tendência, a banalização das situações difíceis na crença de que ―um
dia serão melhoradas‖. Essa banalização baseada na naturalização do sofrimento, aponta
para o entendimento ―do que estava posto, é o que deveria se esperar, seja relacionado à
organização do seu trabalho, à saúde do paciente, ao relacionamento com a sua família
ou até mesmo á sua integridade física, mental ou espiritual‖ (BECK, 2001 p.188).
96
Porém, o uso dessas estratégias conduzem as trabalhadoras a um estado de
―paralisação‖, sem apresentarem reação frente ao que está posto. Desta forma, a
motivação para pró-atividade parece esgotada, eles ―cansaram‖, a motivação que
apresentam serve apenas como se fosse uma dose homeopática para voltar ao trabalho e
suportar novamente os sofrimentos da mutante (des)organização do seu local de
trabalho. A cada dia precisam adaptar-se ao real, utilizando altas doses de criatividade
para dar conta do prescrito, na busca para desempenhar sua função sem que isto interfira
em sua qualidade de vida.
De acordo com a psicodinâmica do trabalho: ―quando as tensões e as ideologias
defensivas estão estabilizadas após certo tempo, surgem então o desencorajamento e a
resignação diante de uma situação que não gera mais prazer e não ocasiona senão o
sofrimento e sentimentos de injustiça‖ (DEJOURS,1994, p.58).
O trabalhador se sente impotente quando, ao usar seus mecanismos de defesa,
constata que é incapaz de mudar a tarefa ou de encontrar uma significação ao realizá-la
e banalizam a situação causadora de sofrimento. Nesse contexto, os mecanismos de
defesa ou as estratégias defensivas têm como principal objetivo camuflar o sofrimento
existente, o que explica o fato de trabalhadores apresentarem características de
normalidade aparente mesmo estando em processo de sofrimento psíquico (DEJOURS,
1992).
Para enfrentar esse sofrimento, os trabalhadores pesquisados parecem usar
também a racionalização como estratégia de defesa. Essa racionalização é um
mecanismo no qual se atribuem explicações coerentes para uma atitude, ação, idéia ou
um sentimento, e que ―consiste em dar a uma experiência, a um comportamento ou a
pensamentos reconhecidos pelo próprio sujeito como inverossímeis uma aparência de
justificação‖ (DEJOURS, 2006, p.72).
O uso da racionalização neste estudo assemelha-se ao estudo com bancários
(MENDES, COSTA e BARROS, 2003), no qual há uma ao justificativa baseada na
racionalização, ao afirmarem não haver o que fazer, pelo fato do banco não oferecer
espaço para tal modificação, além de ser impossível lutar contra o poder político que
controla essa empresa. Assim, verifica-se que a passividade dos atos é justificada pelo
uso da lógica.
A análise indica que as estratégias defensivas utilizadas pelos trabalhadores
deste estudo, apontam para racionalização, na medida em que apresentam a concepção
97
de que o seu trabalho é realizado ―por vocação‖, por ―escolha pessoal‖ e, portanto o
sofrimento é entendido como inerente a sua profissão.
Frente às pressões no trabalho, as cobranças e o desrespeito dos usuários, o
trabalhador necessita manter uma postura baseada na ética, sendo necessário ―manter a
calma‖ para que a relação de vínculo com a comunidade não seja prejudicada e isso
acarrete em um sofrimento maior.
A estrutura organizacional do trabalho na ESF é baseada em uma relação de
interdependência entre os profissionais da rede, comunidade e os gestores. A percepção
de falta de comunicação e a maior aproximação do gestor no que tange às condições e à
organização do trabalho causam desconforto ao trabalhador e o mesmo passa a sentir-se
afastado das decisões do seu próprio trabalho, sem conseguir os avanços desejados para
o desempenho do seu trabalho.
No entanto, os trabalhadores discutem sobre a organização do trabalho entre si
ou com outros enfermeiros das demais unidades de ESF, sem ir além de vagas
reclamações entre si, ou seja, ficam com esses sofrimentos retidos entre os pares, não
usam sua força de mobilização grupal para que estas questões sejam levadas aos
gestores e que as mesmas recebam a atenção e resolutividade devida, dando espaço às
vivencias de prazer.
O fato de apenas dialogarem entre os membros da equipe sobre seus sofrimentos
e reclamações demonstra ser, por um lado, um mecanismo eficaz, já que mantém o
grupo alerta, coeso, ajudando a minimizar o sofrimento. Por outro lado, um mecanismo
de defesa que já demonstra que outras estratégias estão fracassando, contribuindo assim
com o conformismo, a estagnação dos trabalhadores e, assim, não fortalecem o vínculo
com os gestores municipais (HALLACK, SILVA, 2005).
A organização do trabalho é um compromisso resultante da negociação social
simultânea entre os pares e os diferentes níveis hierárquicos. Assim, considera-se que
tanto os modelos de organização do trabalho prescrito, como as relações subjetivas dos
trabalhadores com o trabalho, têm relação com as vivências de prazer, com
consequências para a produtividade e suporte na saúde do trabalhador (FERREIRA;
MENDES, 2001; FERREIRA; MENDES, 2003).
Portanto, o sofrimento e as defesas se instalam no momento em que os
trabalhadores não têm a possibilidade de utilizar o processo de mobilização subjetiva,
ou sentir prazer resultante do investimento sublimatório. Assim, evidencia-se a
necessidade de investimento na área física das unidades, recursos humanos,
98
reconfiguração do processo de trabalho em saúde, gestão eficiente e serviços
compatíveis com as necessidades da comunidade e os desejos dos trabalhadores, a fim
de que os mesmos possam diminuir a distância entre o trabalho prescrito e real, evitando
desgastes e sofrimentos, preservando sua saúde física e psíquica (MERLO; LAPIS,
2006; FLACH et al 2009).
As estratégias defensivas, muitas vezes inconscientes, individuais e/ou
compartilhadas por um grupo específico de trabalhadores, caracterizam-se por
mecanismos de negação do próprio sofrimento e do sofrimento alheio no trabalho,
retratados principalmente pela naturalização do sofrimento (FERREIRA; MENDES,
2003).
Identifica-se que esses trabalhadores utilizam estratégia de defesa de negação
quando não pensam em nada, nem no trabalho, temem outros assuntos. Pode-se inferir
que o trabalhador acaba negando sua própria dor, negando o que causa danos a sua
saúde, mesmo tendo consciência disso, prefere suportar seu sofrimento, banalizar sua
sede por mudanças, seu desejo de um trabalho com condições dignas que possa ser
atingidos resultados realmente esperados a população, visto que ele precisa responder
por esta e para isso o trabalhador deposita todas suas forças para que o resultado do seu
trabalho seja efetivo que traga benefícios à comunidade em que atua.
O trabalhador se vê no meio desse cenário, deposita todas suas energias, sem ter
o reconhecimento, apoio, motivação, necessários para se sentir pertencedor a
organização de trabalho, parte única, singular, essencial do processo de trabalho, porém
não se sente assim, precisa negar seu sofrimento para evitar um sofrimento maior ao
ver que não tem válvulas para aliviar seu sofrimento, não dispõem de um simples
espaço para ser ouvido, no qual suas queixas tenham repercussão.
Também o fato de optarem por ―esquecer o sofrimento‖ vivenciado durante a
dinâmica de trabalho, pode ter relação com o gênero por serem trabalhadores
predominantemente do sexo feminino, o qual pode estar ligado ao pouco adoecimento
relacionado ao trabalho, a partir dos relatos dos trabalhadores estudados.
Beck (2001) demonstra que, durante a observação realizada no estudo, as
enfermeiras após o termino do plantão noturno, não deixavam transparecer o cansaço
físico e mental, pois tinham outra jornada pela frente, como mães, donas de casa, entre
outros. A autora remete a este fato, a ―negação do cansaço, do sofrimento, a negação do
direito e do desejo de repousar‖ (BECK, 2001 p.96), após plantões desgastantes.
99
Neste estudo, além de ser natural a realização de atividades domésticas após
turno de trabalho, os trabalhadores, buscam se ocupar com essas atividades, na tentativa
de impedir que sobre tempo para refletir sobre o sofrimento vivenciado, negar o
sofrimento facilita o retorno ao trabalho, mesmo que seja necessário se deparar com o
mesmo fator gerador de sofrimento nos próximos dias de trabalho, até que seja sanado.
Durante o turno de trabalho também optam por realizar diversas atividades para
se manterem envolvidos, na tentativa de seguir negando o sofrimento vivenciado para
que isso não interferisse no atendimento a população e tivessem forças para seguir
atuando até o final do turno de trabalho.
Também passam a utilizar como estratégia de fuga, na busca por realizar
predominantemente atividades privativas de sua profissão, pois isso lhes gera prazer,
sentimento de utilidade, afastando o sofrimento.
A fuga é caracterizada como um mecanismo de defesa para evitar ou livrar-se do
medo e das sensações desconfortáveis. Intencionalmente, o ser humano busca uma
conduta fugitiva, para superar a situação, libertando-se dela sem sofrer maiores danos
(CICERI, 2004).
Nessa mesma perspectiva, os estudos da Psicodinâmica mostram que o prazer no
trabalho pode ser obtido por via direta, decorrente da identificação com o trabalho,
verifica-se que os enfermeiros buscam na efetividade das ações realizadas o sentido e
alivio para o desgaste vivenciado. O estudo de Gobatto (2013), identificou também que
o prazer vivenciado pelos enfermeiros da atenção básica, associa-se à relação que
estabelece com os usuários e o desempenho de suas tarefas.
Além disso, para enfrentar a sobrecarga do trabalho, o desgaste consequente da
desorganização do trabalho e da busca incessante por novas estratégias de
enfrentamento para seguir atuando sem adoecer, os trabalhadores, fazem uso de meios
psiquicamente saudáveis de enfrentamento, como espaço para brincadeiras durante o
turno de trabalho, lanche coletivo, musica ambiental, palavras cruzadas, horta no pátio
da unidade.
Há alternativas externas ao ambiente de trabalho, através do envolvimento com
atividades de lazer, aproximação de amigos e familiares, caminhadas, leitura, exercícios
físicos, entre outros fatores que mesmo sendo caracterizado como uma estratégia de
fuga, a qual não transforma o sofrimento, mas se mostra necessário esse envolvimento
diário com outras atividades que não remetam ao trabalho para que ele possa manter sua
qualidade de vida e distanciar-se do adoecimento.
100
Outro estudo (MENDES; COSTA; BARROS, 2003), com resultados nesta
mesma perspectiva descreve que os bancários utilizam, principalmente, atividades
físicas e terapia como forma de enfrentar essa sobrecarga de trabalho, através de
comportamentos de fuga e racionalização.
O estudo de Padilha (2000) destaca que trabalhadores procuram a compensação
nas atividades de lazer quando o trabalho não proporciona ao trabalhador o equilíbrio de
sua personalidade. Aquino e Martins (2007, p.481) acrescentam que: ―no caos entre
necessidades econômicas e existenciais, o homem contemporâneo se vê dividido entre
as obrigações impostas por suas atividades laborais e o desejo de libertar-se dessas
tarefas e, assim, poder usufruir um tempo para si‖.
Dessa maneira, ―concebe-se o lazer como algo dotado de poderes mágicos
capazes de solucionar ou acabar com as frustrações das desagradáveis condições de
vida, principalmente do trabalhador‖ (PADILHA, 2000, p.60).
Camargo (2003) complementa que a maioria das atividades de lazer implicam
um gasto financeiro e devido à carência de serviços públicos, o principal instrumento de
lazer é o espaço doméstico, uma vez que a maior parte do tempo livre ou disponível das
pessoas é vivido no espaço da própria casa.
Desse modo, para amenizar o sofrimento físico e psíquico, torna-se importante
traçar estratégias, como exercícios físicos, distribuição do tempo, terapias, técnicas de
relaxamento são respostas adaptativas eficazes (FARAH, 2001).
Além disto, os trabalhadores utilizam estratégia de fuga quando controlam os
minutos que faltam para terminar o turno de trabalho, contam os dias para a chegada do
final de semana ou a chegada das férias, ou até mesmo pensam como seria bom uma
troca de emprego, fazendo com que eles tenham sensação de prazer imediata e pouco
duradoura, porém eficaz para desfocar o sofrimento.
Buscam conscientemente essa fuga em momentos de situações extremas de
sofrimento, na qual precisam alienar-se por vontade própria, pois tentar solucionar não
seria uma saída eficaz, mas fator gerador de maior sofrimento no momento por verem
que possuem pouco suporte na rede, sem espaços de discussão, escuta e elaboração do
sofrimento bem como metas para erradicação deste.
Afora essas estratégias, os trabalhadores utilizam as estratégias coletivas pois as
mesmas podem permitir ao sujeito uma ―estabilidade na luta contra o sofrimento, que,
em outras situações, seria incapaz de garanti-la apenas com as suas defesas próprias‖
(DEJOURS, ABDOUCHELLI e JAYET, 1994 p.129).
101
Utilizam como estratégia defensiva coletiva, o planejamento e descentralização
de tarefas, para que não gere maior sobrecarga de trabalho, evitando assim que o ritmo
seja mais desgastante, diminuindo ainda mais o prazer ao realizar as atividades.
Essencialmente, o trabalho em equipe constitui a base proposta da ESF.
Pressupõe, portanto, uma relação recíproca de comunicação e interação, em busca de
consenso entre os trabalhadores, que se traduz na qualidade da atenção integral à
comunidade. Do contrário, corre-se o risco de repetir a prática fragmentada, desumana e
biologicista (ARAUJO; ROCHA, 2007).
Para que se estabeleça a cooperação entre os trabalhadores, é necessário haver a
discussão das competências dentro de um registro ético e de comunicação. ―As regras
de trabalho definem e organizam todas as relações entre os trabalhadores de uma
equipe‖ (DEJOURS, 2011 p.356).
A interação entre os trabalhadores implica o compartilhar do planejamento,
prática comunicativa que através da linguagem buscam compreensão e consenso mútuo
em torno de um projeto comum, a divisão de tarefas e a colaboração (ARAUJO;
ROCHA, 2007).
Assim, o diálogo possibilita uma visão mais global e coletiva do trabalho, sendo
utilizada conforme o relato dos trabalhadores estudados, como um meio de manter as
relações interpessoais, pautadas na ética e respeito mútuo frente nos momentos de
desacordo entre membros da equipe, evitando que os laços interpessoais sejam
rompidos, ou que seja gerado um conflito maior ao de origem, o que dificultaria mais
ainda o desempenho do trabalho.
Vale destacar que essa união também favorece momentos de maior
aproximação e descontração entre os trabalhadores, os quais são geradores de prazer.
Esses dados corroboram com o estudo (BARROS; MENDES, 2003) no qual demonstra
que os trabalhadores da construção civil enfrentam o sofrimento por meio de
brincadeiras, canções e conversas, que são compartilhadas entre o grupo de trabalho,
sendo que as relações sociais de trabalho parecem minimizar o sofrimento vivenciado
pelos trabalhadores, aliviando a ansiedade e fazendo-os continuar a produzir.
Apesar disso, não à ressignificação e transformação dos aspectos nocivos
presentes a partir das estratégias de mobilização coletiva no contexto de trabalho
(BARROS; MENDES, 2003).
Ainda frente às demandas organizacionais, os trabalhadores muitas vezes
necessitam levar relatórios para finalizarem em seu lar devido a grande demanda diária.
102
E para poder seguir trabalhando sem que as condições físicas do ambiente de trabalho,
prejudique o desempenho de suas funções, reúnem esforços para comprar o que falta na
Unidade ou realizar algum evento com a comunidade local, o que faz com que eles
minimizem o sofrimento gerado pela falta de condições adequadas de trabalho e
consigam ter mais prazer ao realizar suas tarefas.
O mesmo ocorre com os trabalhadores de outro estudo (SANTOS; CAMPOS,
2007) em um Programa Saúde da Família (PSF), que demonstra que devido às
demandas e pressões organizacionais, os trabalhadores enfermeiros além de por muitas
vezes necessitarem levar trabalho para casa para cumprir com as demandas de ordem
burocrática, os mesmo juntamente como os de mais trabalhadores da equipe, tornam
quase natural a alocação de recursos próprios para dar conta do trabalho.
Essa atitude representa também uma estratégia que os trabalhadores encontraram
para que as dificuldades enfrentadas no cotidiano de trabalho, não necessitem ser
solucionadas com auxilio dos gestores do Município, pois isso acarretaria em um ―duplo
sofrimento‖. Sofreriam por não ter as condições necessárias para desempenhar seu
trabalho e por ver suas reivindicações sem resolução.
Alguns trabalhadores já apresentaram problemas de saúde ligados ao trabalho e
outros temem adoecer futuramente. Chiodi e Marziale, (2006) realizaram uma revisão
bibliográfica sobre os riscos ocupacionais dos trabalhadores de saúde de unidades
básicas de saúde e encontraram que os riscos psicossociais foram identificados em todos
os trabalhos analisados e os biológicos em 66,7% dos estudos. A partir da análise dos
trabalhos as autoras destacou-se a importância de um diagnóstico da situação da saúde
dos trabalhadores nesse cenário e da implantação de medidas preventivas para a
promoção da saúde desses profissionais.
Barboza e Soler, (2003) mencionam que os profissionais de enfermagem que
trabalham em condições inadequadas, estão sujeitos a problemas de saúde que podem
ser de diversas naturezas gerando transtornos alimentares, de sono, de eliminação,
diminuição do estado de alerta, de desorganização no meio familiar, entre outros. Essas
condições podem ser também geradoras de causas de acidentes de trabalho e de
afastamento do serviço por licença médica.
O Município de Santa Maria possui CEREST um serviço de abrangência
regional, especializado na área de saúde do trabalhador, tendo como principal objetivo a
prevenção de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho. Composto por equipe
multiprofissional organizada em 03 núcleos de atuação: núcleo de educação, vigilância
103
e assistência e abrange os municípios que compõe a Quarta Região Sanitária. Porém, os
trabalhadores referem um distanciamento, sendo acessado apenas em momentos de
acidentes de trabalho.
Assim, infere-se que devido o município proporcionar pouco espaço que
possibilite a discussão, participação e cooperação dos trabalhadores, dificulta as ações
para modificar a organização do trabalho o que traz a sensação ao trabalhador de estar
desarticulado e isolado da organização do seu próprio trabalho.
Dessa maneira, para que o sofrimento possa ser transformado em iniciativa e
mobilização criativa, é preciso o uso da palavra onde às opiniões tornem-se públicas e
transformem-se em ações concretas a partir de esforços de um todo (MARTINS, 2002).
Nessa mesma perspectiva, o Ministério da Saúde considera que a ESF, é um
espaço de trabalho que ―exige criatividade e iniciativa para trabalhos comunitários e em
grupo‖ (BRASIL, 1998, p.13).
Para isso, faz-se necessário que o diálogo aconteça em todos os níveis
hierárquicos e em uma relação de igualdade. Uma organização com espaço de liberdade,
implica que o trabalhador adapte às suas necessidades de forma criativa, descobrindo
novas fontes de prazer (GRISCI, 2007).
Assim, a importância da expressão do trabalhador:
falar e ser ouvido parece ser o modo mais poderoso de pensar e portanto, de refletir sobre a própria experiência, desde que se esteja comprometido em
relação dialógica, intersubjetiva, na qual se acredita que o outro esteja de
fato tentado a compreender. É ao explicar a outrem o meu sofrimento, a
minha relação com o trabalho, que eu, perplexo, me ouço dizer coisas que eu
não sabia, até tê-las dito (Dejours, 1999, p. 176).
Sendo assim, há necessidade deste espaço e aproximação com o CEREST e
gestores, para que o trabalhador possa implementar novas formas de trabalho mais
condizentes com o real, diminuindo as distâncias do real e preceito, transformando de
forma efetiva o sofrimento, afim de afastar os riscos á sua saúde.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As vivencias relatadas pelos trabalhadores demonstram que precisam utilizar
estratégias defensivas frente à (des)organização do trabalho da ESF. Tais estratégias são
utilizadas por eles para se protegerem, atenuar o sofrimento do trabalho e, assim, evitar
prejuízo a sua saúde.
104
A partir deste estudo, tendo em vista que a formação acadêmica em enfermagem
tem direcionado para uma formação pautada nos princípios do SUS e compromisso com
a transformação social, acredita-se que conhecer as estratégias defensivas que os
enfermeiros atuantes da ESF utilizam para defender-se do sofrimento decorrente de seu
contexto de trabalho, ajudará a pensar em ações a serem desenvolvidas durante a
formação dos enfermeiros.
Será possível gerar subsídios para ampliar a reflexão e discussão no meio
acadêmico acerca das questões que dizem respeito a tais sofrimentos e, dessa maneira,
minimizar o sofrimento destes futuros trabalhadores no seu contexto de atuação
profissional.
Identifica-se o predomínio de estratégias defensivas no trabalho e o pouco uso
de estratégias de enfrentamento de mobilização, esta dificuldade de enfrentar desta
maneira esse sofrimento possivelmente encontra-se atrelada à organização do trabalho.
O sofrimento, então, não é resignificado pela fala coletiva sobre a organização
do trabalho, mesmo apresentando a interação entre os trabalhadores da equipe e demais
ESF e sendo uma estratégia válida para aliviar o sofrimento, se mostra insuficiente no
momento que não utilizam a mobilização coletiva para mudanças. Ou seja, a realidade
de trabalho é a mesma, embora mais facilmente suportável principalmente devido a boa
relação interpessoal com os de mais trabalhadores e a possibilidade de dividir as
angustias com os colegas que vivem a mesma realidade, diminuindo a sensação de
solidão em meio a (des)organização do trabalho.
O que significa que a permanência das estratégias defensivas não tem um papel
mobilizador, por mais que ajudem a manter o equilíbrio psíquico. Acredita-se que a
criação de grupos de discussão, seja de grande valia, para que em conjunto
desenvolverem mobilizações coletivas eficazes para amenizar as dificuldades do
cotidiano e o distanciamento dos gestores.
105
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109
DISCUSSÃO INTEGRADORA
Os trabalhadores inseridos na Atenção Básica de Saúde (ABS), são os que
estabelecem o primeiro contato com os usuários deste sistema. Para atender as
demandas da comunidade os trabalhadores, além do conhecimento técnico, necessitam
de habilidades para a comunicação, relacionamento socioprofissional, trabalho em
equipe, entre outras (DAVID et al., 2009).
No cotidiano da ESF, para atender, a grande demanda populacional e as
diretrizes que orientam as políticas de saúde, esses trabalhadores ficam submetidos
tanto a situações geradoras de prazer quanto de sofrimento no trabalho, em relação à
organização do trabalho, frente às relações sociais de trabalho com equipe e
comunidade (DAVID et al., 2009).
Os trabalhadores estudados, embora relatem situações de prazer, como o apoio
entre a equipe, atuação com a comunidade e o reconhecimento por vezes dos usuários,
fatores que os motiva a seguir atuando e evita o adoecimento.
Destacam também alguns problemas, decorrentes da falta de recursos, pouco
entendimento dos gestores. Descompassos entre trabalhadores e comunidade;
trabalhadores e ACS, diante do sistema e de seu funcionamento. Tendo como
consequência a desmotivação, desvalorização, insatisfação e sofrimento dos
trabalhadores.
Assim, organização do trabalho não é neutra ao trabalhador, podendo ser
responsável pelos danos físicos e psíquicos que causam adoecimento e pode trazer
consequências para a qualidade dos serviços prestados, bem como, podem proporcionar
prazer e satisfação ao trabalhador (DEJOURS,1992).
Como visto, dadas às limitações das condições e organização do trabalho, os
trabalhadores da ESF, tendem a lançar mão de estratégias defensivas, que lhes
possibilitem lidar com as questões geradoras de sofrimentos, na tentativa de seguir
atuando, sem prejuízos no desempenho de sua tarefa e em sua saúde. Assim, utilizam
estratégias defensivas individuais e coletivas.
Pelo fato de os trabalhadores estudados terem pouco tempo de atuação na ESF e
apresentarem muitas expectativas em relação ao trabalho, quando as expectativas não
são atendidas, podem causar sofrimento e adoecimento, se não forem criadas as
estratégias defensivas (ANCHIETA et al., 2011). Porém, as estratégias, podem tornar os
110
trabalhadores rígidos e resistentes a mudanças para se protegerem deste sofrimento que
experimentam (SHIMIZU; COUTO; MERCHAN-HAMANN, 2011).
Também, a falta de diálogo e a falta de decisões conjuntas e compartilhadas são
desfavoráveis no que tange o relacionamento interpessoal e a organização do trabalho.
Reflexões e discussões coletivas sobre a forma como o processo de trabalho está
organizado, as dificuldades e desafios, são relevantes para o desenvolvimento das
estratégias defensivas dos trabalhadores (KESSLER; KRUG, 2012).
Assim, para que haja fortalecimento da rede de saúde e das ações coletivas,
torna-se imprescindível, o empoderamento político dos enfermeiros, o entendimento da
interdependência existente entre os atores da rede de saúde, onde se sintam como
trabalhadores corresponsáveis na resolução das questões que interferem na saúde do
trabalho.
E a partir de uma gestão hábil, articulada com os demais trabalhadores,
incluindo a comunidade, sejam tomadas decisões assertivas, criativas e inovadoras, que
beneficiem a coletividade, fortaleçam a rede de atenção à saúde do trabalhador e
reflitam na redução das doenças físicas e psíquicas relacionadas ao trabalho.
111
CONSIDERAÇÕES GERAIS
Ao término desta pesquisa, pode-se inferir que os trabalhadores demonstram que
a organização do trabalho é permeada pelo prazer e sofrimento. Citam-se como
principais fatores de prazer o fato de desempenhar as atividades privativas do
enfermeiro, as relações de confiança e apoio entre os trabalhadores da equipe, o vínculo
e o reconhecimento por parte dos usuários e o sentimento de utilidade ao trabalhar com
a comunidade. Em contrapartida, o sofrimento está relacionado à sobrecarga de
trabalho, as condições físicas do ambiente de trabalho, ao pouco reconhecimento e a
desarticulação entre o trabalhador e gestores municipais.
E para minimizar do sofrimento gerado neste cenário e o distanciamentos entre o
trabalho prescrito e real, o mesmo necessita utilizar estratégias defensivas como medida
de proteção às doenças relacionadas ao trabalho e como busca pelo prazer e motivação
para seguir atuando, sem perder a qualidade na excussão de suas tarefas.
Porém, para que as causas do sofrimento sejam reduzidas ou até mesmo
eliminadas, entende-se que não basta somente o uso de estratégias ou melhoria da
infraestrutura e ampliação do quadro profissional. É necessário que os trabalhadores das
diferentes categorias assumam um compromisso coletivo, reformulando seu fazer
profissional, transcendendo o cotidiano burocratizado, apresentando ações de
mobilização coletiva, sendo traduzidas na melhoria da qualidade da dinâmica e
organização de trabalho.
Infere-se como pontos positivos da pesquisa, o fato de realizar o estudo com
todos os enfermeiros que atuam nas Unidades Estratégia Saúde da Família, utilizando a
entrevista semiestruturada. Ao término da mesma, alguns participantes relataram ter
sido um momento importante, julgaram como um espaço ―para ser ouvido‖, onde
ressaltaram que seria relevante a criação de espaços que propiciassem a escuta e
motivação como uma forma de ―aliviar o sofrimento‖.
É interessante ressaltar que houve algumas dificuldades para a realização deste
estudo ligadas as várias tentativas para agendar a entrevista, pois por muitas vezes, o
telefone da Unidade não funcionava no período de férias. Outro aspecto é que quando o
local de coleta de dados era a Unidade onde estava alocado o trabalhador, por vezes foi
necessário reagendar a entrevista, devido a imprevistos. A distância geográfica para
chegar às unidades foi outro fator dificultador e a soma desses extrapolou a data prevista
no cronograma para a coleta de dados.
112
Outro desafio foi a busca por artigos atuais que estudassem as estratégias
defensivas utilizadas por enfermeiros que atuam na Estratégia Saúde da Família, uma
vez que a maior parte dos estudos está em forma de dissertações e teses.
A partir deste estudo foi possível trazer novas reflexões em busca de
modificações na formação do enfermeiro, minimizando os distanciamentos entre a
academia e o mundo do trabalho. É essencial que durante a graduação, sejam
trabalhadas questões referentes à saúde do trabalhador, valorizando a subjetividade do
acadêmico quando o mesmo entra no mundo do trabalho, especialmente no papel de
estagiário.
Isso pode auxiliar para que o enfermeiro aprenda a lidar da melhor forma com os
sentimentos de prazer e sofrimento advindos da organização do trabalho, seja pró-ativo
para modificar a mesma e invista em ações conjuntas na melhoria do serviços de saúde,
minimizando os sofrimentos dele e de uma sociedade que espera e necessita de um
sistema de saúde resolutivo, mantendo-se assim saudável mental e fisicamente e
trabalhando com prazer.
Destaca-se também, a importância de outras pesquisas com grupo de
trabalhadores pesquisados com enfoque nas estratégias e mobilizações utilizadas,
devido principalmente alguns trabalhadores com pouco tempo de atuação, relatarem que
já sentiram algum impacto em sua saúde e temem adoecer futuramente. Portanto,
entende-se que os mesmos se encontram entre os limites da normalidade sofrente e a
patologias, pelo fato de ainda suas estratégias defensivas e mobilizações subjetivas
serem ―novas‖ e não chegaram ainda a sua exaustão e falha, o que acarretaria em
adoecimento.
Este estudo pode instigar novas pesquisas com foco na intervenção, assim como
a formação de grupos de escuta e reflexões, ações que favoreçam maior aproximação
destes trabalhadores com o CEREST do município e os gestores, para que possa pensar
em estratégias para melhorias efetivas no trabalho dos profissionais que atuam na ESF,
contribuindo para melhor qualidade de vida e evitando o adoecimento futuro destes,
bem como ampliando esta discussão em outros cenários ainda pouco estudados.
113
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117
APÊNDICE A - Questões Norteadoras para Entrevista Semiestruturada
- Relate seu cotidiano de trabalho
- Fale sobre o que o motiva para trabalhar em uma ESF
- Como você sente em relação ao seu trabalho
- Como você avalia suas condições de trabalho
- Conte como é o trabalho em equipe
- Conte alguns fatos do teu cotidiano de trabalho que fazem sentir-se bem.
- Conte alguns fatos do teu cotidiano de trabalho que não te fazem sentir-se bem.
- Conte como você lida com isto.
- Você já pensou em trocar de emprego? Por quê?
- Relate o que você faz para potencializar sua satisfação no trabalho ou diminuir seu
sofrimento.
- Fale sobre algum problema de saúde que você relaciona ao trabalho
- Conte o que você faz para conviver com isso e continuar trabalhando
Informações complementares:
Idade: _________
Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino
Estado Civil: ( ) Solteiro ( ) Casado ( ) Separado/Divorciado
( ) Viúvo ( ) União Consensual
Tem filhos? Quantos?
( ) Sim nº:______ ( ) Não
Nível de formação: _________________
Tempo de serviço: __________________________
Outro vínculo empregatício:
( ) Não
( ) Sim onde?________________________ Quantas horas? ______________
Além da Enfermagem,você exerce outras atividades? ( ) Sim ( ) Não
Especifique-as: ______________________________
Você tem algum emprego em outro Município?
( ) Sim ,quantas horas?:____ ( ) Não
Após se formar, realizou ou está realizando alguma complementação da
graduação?
( ) Sim, qual(ais): _______________________________________________
( ) Não
Tira férias regularmente? Com que frequência? ( ) Sim ( ) Não
118
( ) De seis em seis meses
( ) Anualmente
( ) De dois em dois anos
( ) De três em três anos
Realiza atividades físicas regularmente? ( ) Sim ( ) Não
Realiza exames médicos de rotina, prevenção? ( ) Sim ( ) Não
Nesses últimos 12 meses, sofreu algum tipo de acidente de trabalho? ( ) Sim ( )
Não
Informe os tipos de acidente de trabalho que já sofreu: ______________________
Já sofreu algum tipo de violência no trabalho? ( ) Sim ( ) Não
( ) Institucional
( ) Psicológica
( ) Física
( ) Sexual
( ) Verbal
Em seu ambiente de trabalho você sofre ou já sofreu alguma discriminação? Que
tipo?
( ) Sim ( ) Não
( )Gênero
( )Orientação sexual
( )Racial
( )Peso
( )Portador de necessidades especiais
( )Outro:
119
PÊNDICE B – Ofício ao Núcleo de Educação Permanente em Saúde da Secretaria
de Município da Saúde de Santa Maria/RS
Sr. Rodrigo Silva Jardim.
Núcleo de Educação Permanente em Saúde – NEPS
Santa Maria/RS
Assunto: Realização de Pesquisa.
Prezado Senhor
Ao cumprimentá-lo cordialmente, dirijo-me a Vossa Senhoria, na intenção de
solicitar permissão para desenvolver uma pesquisa junto aos enfermeiros da Estratégia
Saúde da Família – ESF do Alto da Boa Vista, Arroio do Só, Bela União, Pains, Parque
Pinheiro Machado, Roberto Binato, Santo Antão, São João, São José, Vila Lídia, Vila
Maringá, Vila Santos, Vitor Hoffman, Vila Urlândia. O presente estudo tem por
objetivo geral conhecer as estratégias defensivas, que o enfermeiro da Saúde da Família,
utiliza frente ao sofrimento, para conduzir o seu trabalho. Este estudo insere-se na Linha
de Pesquisa Trabalho e Gestão em Enfermagem e Saúde - Saúde/Sofrimento psíquico
do trabalhador, do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSM (PPGENF).
Tal pesquisa dará origem à dissertação de mestrado, a qual faz parte das
exigências do Coordenador do curso de Pós- Graduação em Enfermagem da
Universidade Federal de Santa Maria, do qual sou aluna mestranda. A relevância do
estudo está no fato do mesmo poder constituir-se em subsidio para os gestores de
serviços de saúde, enfermeiros supervisores e profissionais de saúde nos diferentes
espaços de atuação do SUS, para (re)pensar as ações no cotidiano do trabalho.
A abordagem do estudo será qualitativa, do tipo descritivo exploratória e a coleta
de dados será feita a partir de entrevista semiestruturada .
Assumo o compromisso de, tão logo a pesquisa esteja concluída, retornar os
resultados da pesquisa para os participantes e para os gestores municipais.
As atividades acima referidas de coleta de dados serão desenvolvidas no ano de
2013, com início provável para o mês de Janeiro e término em Maio do mesmo ano.
Na certeza do deferimento desse pedido,
Atenciosamente,
_____________________________
Carmem Lúcia Colomé Beck
Orientadora
Santa Maria, RS,_____de______________, 201_.
120
APÊNDICE C - Termo de Confidencialidade, Privacidade e Segurança de Dados
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIENCIAS DA SAÚDE
CURSO DE GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
Projeto de Pesquisa: O Enfermeiro da Saúde da Família e as estratégias defensivas
diante do sofrimento no trabalho. Pesquisadora: Paula Hübner Freitas
Orientadora: Profa. Dra. Carmem Lúcia Colomé Beck
Co-orientadora: Profa. Dra. Teresinha Heck Weiller
TERMO DE CONFIDENCIALIDADE, PRIVACIDADE E SEGURANÇA DE DADOS
Os pesquisadores envolvidos na produção de dados da pesquisa intitulada: O
Enfermeiro da Saúde da Família e as estratégias defensivas diante do sofrimento no trabalho,
comprometem-se com as questões éticas que envolvem as pesquisas com seres humanos. Firma-
se este compromisso referente à confidencialidade, privacidade e segurança de dados, no que
diz respeito ao uso exclusivo dos dados obtidos com a finalidade científica e garantia de
preservação da identidade das pessoas pesquisadas, quando da divulgação. Os dados coletados
serão guardados pela pesquisadora, na sala 1305B, do Centro de Ciências da Saúde, no
Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), localizada na
Avenida Roraima, Cidade Universitária, podendo ser utilizado como banco de dados para
possíveis pesquisas posteriores. Após um período de cinco anos, os mesmos serão incinerados.
______________________________
Carmem Lúcia Colomé Beck
Orientadora
____________________________
Paula H. Freitas Pesquisadora/Mestranda
Santa Maria, RS,_____de_____________________de 201_.
121
APÊNDICE D - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
Projeto de Pesquisa: O Enfermeiro da Saúde da Família e as estratégias defensivas
diante do sofrimento no trabalho. Pesquisadora: Enf. Mda. Paula Hübner Freitas
Orientadora: Profa. Dra. Carmem Lúcia Colomé Beck
Co-orientadora: Profa. Dra. Teresinha Heck Weiller
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu _____________________________________________ informo que fui esclarecido, de
forma clara e detalhada, livre de qualquer forma de constrangimento ou coerção, que aceito participar da
pesquisa ―O Enfermeiro da Saúde da Família e as estratégias defensivas diante do sofrimento no
trabalho‖, de autoria de Paula Hübner Freitas, que tem como objetivo geral conhecer as estratégias defensivas que o Enfermeiro utiliza para conduzir o trabalho em uma Estratégia Saúde da Família.
Ressalta-se que a participação nessa pesquisa pode causar algum tipo de desconforto ao respondente ao
refletir sobre seu trabalho. Em caso de desconforto o respondente poderá interromper a entrevista e optar
por retomá-la ou não em outro momento, sendo encaminhado para avaliação e acompanhamento no
serviço de psicologia do município, se desejar.A coleta de dados será por meio de um levantamento de
dados sócio-demográficos e de uma entrevista semiestruturada. Todos os dados coletados, depois de
organizados e analisados pelos pesquisadores, poderão ser divulgados e publicados, ficando estes (os
pesquisadores) comprometidos em apresentarem o relatório final nesta instituição, para que possamos,
efetivamente, conhecer a nossa realidade.
Fui igualmente informado de que tenho assegurado o direito de:
- receber resposta a todas as dúvidas e perguntas que desejar fazer acerca de assuntos referentes ao desenvolvimento desta pesquisa;
- a qualquer momento, retirar meu consentimento, e deixar de participar do estudo sem constrangimento e
sem sofrer nenhum tipo de represália;
- não ter minha identidade revelada em momento algum da pesquisa;
- os pesquisadores desta investigação se comprometem a seguir o que consta na Resolução nº 196/96
sobre pesquisas em seres humanos.
- minha participação é isenta de despesas e minha assinatura representa o aceite em participar
voluntariamente do estudo.
Ciente e de acordo com o que foi anteriormente exposto, estou de acordo em participar desta pesquisa,
assinando este consentimento em duas vias, ficando com a posse de uma delas.
Santa Maria, ____ de ____de 201_.
Assinatura do informante e N° do RG Paula Hübner Freitas
Pesquisadora/Mestranda
_____________________________
Carmem Lúcia Colomé Beck
Orientadora
Para maiores informações:Enf. Mda. Paula H.Freitas. Tel: (55)32208263; e-
mail:[email protected] Profa. Dra. Carmem L. C. Beck. Tel: (55) 32208263; e-mail:
[email protected] Se você tiver alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, entre
em contato: Comitê de Ética em Pesquisa – CEP-UFSM. Av. Roraima, 1000 – Prédio da Reitoria – 7º
andar – Campus Universitário – 97105-900 – Santa Maria-RS. Tel: (55) 3220 9362. E-mail:
122
ANEXO A- PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP
123
124