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Estratégias Educativas paraa Prevenção da Violência

Rosario Ortega e Rosario del Rey

Brasília, novembro de 2002

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As autoras são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos neste livro,bem como pelas opiniões nele expressas, que não são necessariamente as da UNESCO,nem comprometem a Organização. As indicações de nomes e a apresentação do materialao longo deste livro não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte daUNESCO a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região oude suas autoridades, nem tampouco a delimitação de suas fronteiras ou limites.

Título original: Estrategias educativas para la prevención de la violencia:

mediación y diálogo

Publicado originalmente pela Cruz Roja Juventud � España.

�UNESCO 2002

�UNESCO 2002 Edição brasileira

A edição brasileira foi publicada pelo Escritório da UNESCO no Brasil

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Estratégias Educativas paraa Prevenção da Violência

Rosario Ortega e Rosario del Rey

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edições UNESCO BRASIL

Conselho Editorial da UNESCO no BrasilJorge WertheinCecilia BraslavskyJuan Carlos TedescoAdama OuaneCélio da Cunha

Comitê para a Área de Ciências Sociais e Desenvolvimento SocialJulio Jacobo WaiselfiszCarlos Alberto VieiraMarlova Jovchelovitch Noleto

Tradução: Joaquim OzórioRevisão:Mirna Saad VieiraRevisão Técnica:Marlova Jovchelovitch Noleto e Maria Fernanda PiresAssistente Editorial: Larissa Vieira LeiteDiagramação: Fernando BrandãoProjeto Gráfico: Edson Fogaça

Copyrigth ©2002, UNESCO

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a CulturaRepresentação no Brasil

SAS, Quadra 5 Bloco H, Lote 6,

Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9º andar.70070-914 � Brasília � DF � Brasil

Tel.: (55 61) 321-3525

Fax: (55 61) 322-4261E-mail: [email protected]

Ortega-Ruiz, Rosario

Estratégias educativas para a prevenção da violência / Rosario

Ortega e Rosario del Rey; tradução de Joaquim Ozório � Brasília

: UNESCO, UCB, 2002.

170p.

Título original: Estrategias educativas para la prevención de la

violencia: mediación y diálogo.

ISBN:

1. Problemas Sociais 2. Juventude 3. Violência 4. Educação

5. Cultura de Paz I. Del Rey, Rosario II. UNESCO III. Título

CDD 361.1

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NOTA SOBRE AS AUTORAS

ROSÁRIO ORTEGA é catedrática da Escola Universitária emSevilha e presta serviços também como catedrática naUniversidade de Córdoba. Além disso, dirige o projeto�Andalucía Anti-Violencia Escolar: SAVE� e coordena o projetoeuropeu �Tackling Violence in Schools on European-wideBasis�. Em 2000, publicou �Educar la Convivencia para Prevenirla Violência� e, atualmente, é parceira do �EuropeanObservatory of Violence in Schools�.

ROSÁRIO DEL REY é bacharel em Pedagogia. Atualmente,é professora colaboradora interina do Departamento dePsicologia Evolutiva e de Educação da Universidade de Sevilha.Além disso, publicou diversos artigos e participou do projetode investigação Peer Support Project no Center for the Studyof Peer and Family Relationship in School of Psychology andCounseling da Universidade Survey de Londres.

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SUMÁRIO

Prefácio ..................................................................................................... 9

Abstract ................................................................................................... 13

Introdução .............................................................................................. 13

1. OS PROBLEMAS DA CONVIVÊNCIA: FALTADE MOTIVAÇÃO, NATUREZA CONFLITUOSAE VIOLÊNCIA ESCOLAR ...................................................... 15Subsistemas de relações interpessoais: a ecologiahumana do centro educacional .................................................. 20O problema da motivação para o estudo e oclima de conflito escolar ............................................................. 24O clima de conflito e o risco de violência escolar .................. 29Trabalhar a convivência para prevenir o clima deconflito e a violência .................................................................... 32

2. ENFRENTAR O CLIMA DE CONFLITO,PROJETANDO A CONVIVÊNCIA ..................................... 37Ensinar ou educar? ...................................................................... 39A convivência não é plana .......................................................... 42Alfabetização emocional e vida em comum ............................ 44Como desenhar um projeto de educação paraa convivência? ............................................................................... 48Primeira fase: análise do contexto e avaliação préviadas necessidades ........................................................................... 48Explorando o clima de conflito escolar ................................... 51Segunda fase: compreender a situação e priorizara intervenção ................................................................................. 52Terceira fase: planejamento e desenho das açõesa serem desenvolvidas ................................................................. 55Quarta fase: o desenvolvimento das atividadese a seqüenciação das mesmas ..................................................... 60Quinta fase: Avaliar como um processo de reflexãocrítica estimula o avanço ............................................................. 61

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Fase Final: elaboração de um relatório e publicaçãoda experiência ............................................................................... 64

3. CONVIVÊNCIA E FORMAÇÃO DOS DOCENTES:O DIÁLOGO COMO INSTRUMENTO ............................. 67O curso curto: uma estratégia de sensibilização,iniciação e aprofundamento ....................................................... 69Atividade 1: Sentir é um passo mais do que conhecer ........... 75Atividade 1: Buscando uma imagem clara de nossosistema de convivência ................................................................ 85Atividade 2: Analisando os dados de um questionário .......... 90Atividade 3: Hierarquizar a informação e priorizaras linhas de intervenção .............................................................. 92Atividade 4: Desenhar um banco de atividades ...................... 95Para concluir ............................................................................... 102

4. ATIVIDADES PARA MELHORAR O DIÁLOGOE A CONVIVÊNCIA NA SALA DE AULA ..................... 105Atividade 1: a vida nas salas de aula ........................................ 108Atividade 2: a vida nas salas de aula II .................................... 112Atividade 3: E tu, como farias? ................................................ 116Atividade 4: Declaração Universal dos Direitos da Turma.... 119Atividade 5: O que quero ser quando crescer? Regressandoao futuro ...................................................................................... 122Atividade 6: Abusos verbais são abusos reais ........................ 125Atividade 7: Falar por falar ....................................................... 128Atividade 8: Não se pode fazer nada ...................................... 131Atividade 9: É melhor deixar acontecer? ................................ 133Atividade 10: Conhecidos, companheiros e amigos ............. 135

5. APRENDER A PEDIR AJUDA: MEDIAÇÃOEM CONFLITOS ..................................................................... 139O conflito interpessoal no cenário da escola obrigatória .... 140A mediação: uma estratégia de ajuda externa ........................ 143Quando e como implantar um programa demediação escolar? ....................................................................... 145O tempo, o espaço, os papéis e as condições da mediação ... 146Formação, atitudes e habilidades do mediador escolar ........ 149O desenvolvimento de um programa de mediação .............. 152Um processo de mediação ........................................................ 156

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PREFÁCIO

Miriam Abramovay1

A violência na escola é um fenômeno complexo e múl-tiplo. Como aponta Debarbieux2 , existem escolas que são his-toricamente violentas e outras que passam momentaneamen-te por tais situações. Há violências que são ocasionais, outrasque são permanentes e elas dependem tanto das condiçõesinternas quanto externas da escola. Por isso, o combate e aprevenção à violência não podem ser feitos de maneira deter-minista nem fechada, mas requerem estratégias que modifi-quem o padrão de relacionamento na comunidade escolar, aqual é composta por alunos, professores, diretores e pais.

Um aspecto fundamental para reverter um quadro deviolência é a construção de um senso de pertencimento àcomunidade. Na publicação Violênc ias nas Escolas3,constatou-se que este é um dos fatores mais importantepara a construção de uma cultura de paz. Mas, para que essesenso de pertencimento exista, é imprescindível que a escolatenha regras claras e uma estrutura democrática a fim de quetodos se sintam parte desta estrutura e representados no grupo.

No entanto, não é isso que tem acontecido, como sepercebeu na publicação. Em vez de ser um lugar seguro e deintegração social, de socialização e de resguardo, a escola setornou um cenário de ocorrências violentas. Ela tem semostrado como um lugar onde as várias modalidades de

1 Professora da Universidade Católica de Brasília.2 DEBARBIEUX, Éric. La violence en milieu scolaire; la désordre des choses.Paris: ESF éditeur, 1999.

3 ABRAMOVAY, Miriam e RUA, Maria das Graças (Coord.). Violências nasescolas. Brasília: UNESCO, 2002.

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violência � físicas e simbólicas - se manifestam de maneiraparticularmente intensa. Isso se deve, de um lado, ao fato deque a escola reflete tensões, frustrações e problemas queocorrem do lado de fora de seus muros e que interferemnegativamente na vida da comunidade. De outro, os grandesdiscursos sobre princípios e valores da educação já nãoencontram ressonância na sociedade. A escola não preparamais para o mercado de trabalho, nem é mais única ouprincipal fonte de transmissão de conhecimentos sobre oacervo cultural da humanidade. Além disso, a escola nãocorresponde à expectativa de abrir possibilidade de um futuropara os jovens.

A percepção de que uma escola é violenta é manifes-tada nos discursos de alunos, professores, diretores e pais.Em seus relatos, na pesquisa citada anteriormente, os alu-nos expõem, muito claramente, sua insatisfação em relação àinfra-estrutura dos prédios, reclamam da falta de vínculoentre o conteúdo das disciplinas e suas necessidades existen-ciais e profissionais e dizem que não gostam de seus profes-sores. Os docentes, de sua parte, reclamam dos alunos, queclassificam como indisciplinados e desinteressados. Cria-se,então, um clima de conflito, transformando a escola em umlugar de sofrimento para alunos e professores. Prevalece afalta de diálogo e a convivência se torna difícil, tensa e impe-ra nas relações sociais a �lei do silêncio�, tão conhecida nomundo do tráfico de drogas.

Depois de muitos estudos, análises e tentativas de com-preender os �comos� e os �porquês� da violência nas esco-las, o momento atual é o de buscar soluções e alternativaspara esse problema. No Brasil e em diversas partes do mun-do, pesquisadores e estudiosos começam a se debruçar so-bre o tema, na tentativa de encontrar estratégias que sejameficazes no sentido de melhorar o relacionamento entre osatores da comunidade escolar.

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É dentro desse contexto que se insere o livro Estraté-gias Educativas para a Prevenção da Violência � Mediação e

Diálogo. Ele se apresenta como uma ferramenta valiosa, quepermite abordar a questão de forma inovadora, pois consisteem um guia para lidar com os conflitos por meio de um con-junto de estratégias educativas e de prevenção. A meta émodificar o padrão de relacionamento entre os atores dacomunidade escolar, visando à melhoria da convivência.

A publicação mostra que a mudança de padrão de com-portamento implica uma renovação dos relacionamentos demodo a alterar as relações interpessoais, a fim de que todasas partes envolvidas se sintam representadas, ouvidas e par-ticipantes do ambiente no qual elas convivem. Para que issoocorra, é imprescindível fazer uma investigação e uma ob-servação crítica do processo, a fim de detectar quais são ascondições e os problemas específicos de cada estabelecimen-to, como defendem os organizadores do guia. Isso é neces-sário porque, embora sejam específicos, esses problemas sãocomplexos e surgem em uma teia de relações e atividadessociais que não se dão no vazio. E, mais do que isso, nemsempre tudo é explicitado por meio dos discursos: nas rela-ções interpessoais estão envolvidos sentimentos, emoções quenem sempre são verbalizados.

Em outras palavras, as relações pessoais não são entesabstratos, mas processos concretos em que as pessoas se vêemenvolvidas, dadas as condições e formas de comunicação quesomos capazes de ativar e manter. Assim sendo, a melhoriado clima no ambiente da escola e da convivência entre aspessoas depende das possibilidades de cada um expor o quepensa e sente, permitindo que se solucionem os problemasconforme eles surgem � afinal, a comunidade e a convivên-cia escolar são dinâmicas.

É nesse âmbito que a proposta do guia é inovadora epode funcionar como um instrumento valioso para educa-

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dores e membros da comunidade escolar no Brasil, pois nãopropõe fórmulas prontas e acabadas: em primeiro lugar, por-que ele parte do pressuposto de que qualquer intervençãodeve ser feita de acordo com o que cada unidade consideraser o seu principal problema. Segundo, porque ele propõealgumas estratégias de �alfabetização emocional e de vidaem comum� que são construídas e aplicadas no dia-a-dia.Finalmente, é fundamental que as linhas de intervenção nosconflitos e em outros incidentes violentos que ocorrem naescola envolvam a maioria dos agentes educativos e, se pos-sível, a maioria dos estudantes.

Afinal, a forma como interpretamos os conflitos e pro-blemas que necessariamente fazem parte da vida social é umdos fatores mais importantes para avançar com boas ou másrelações sociais. E como as boas ou más relações não se dãono plano abstrato, mas são tecidas no dia-a-dia da convivên-cia; elas são processos concretos e como tais devem (e po-dem) ser trabalhados. É, portanto, um trabalho preventivoem grupo e cooperativo, de educação sentimental e moral.

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ABSTRACT

This book primarily aims to establish a set ofprocedures, both theoretical and practical, for the mediationof conflicts within the school environment. The authorsprovide an ecological and a community approach to analyzethe uprising of school violence. Due to its content, the bookis mainly directed to teaching staff in their daily routine.

According to the authors, the prevention of conflictsthat arise in schools must be understood and dealt with by amulti-disciplinary approach (e.g. creating a network to supportschool activities, thus avoiding isolation).

The book is divided in eight chapters. They focus onthe identification of conflicts; the means to overcome them;the alternatives to face and prevent them from occurring;and it contains a discussion of didactic strategies for theschool context.

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INTRODUÇÃO

Em uma sociedade como a atual, submetida a mu-danças tecnológicas tão aceleradas, é difícil saber quais vãoser as necessidades imediatas para o dia de amanhã; domesmo modo, é difícil tomar decisões sobre onde colocaro rol de aspirações de qualidade de vida. O que aconteceno âmbito das sociedades desenvolvidas é que, quanto maioro estado de bem-estar, maior consciência social se produzcom relação à melhoria das condições de vida. Já no casodos que vivem nas regiões pobres e muito pobres, ocorrealgo diferente, ou seja, a aspiração justa costuma ser a bus-ca de um mínimo que permita ir resolvendo as necessida-des básicas, sem a qual não será possível falar do respeitoaos Direitos Humanos.

A distribuição desigual da riqueza e os níveis dedesenvolvimento tão extremamente diferentes entre regiõese países que estão em permanente comunicação, mediante

1. OS PROBLEMAS DACONVIVÊNCIA: FALTA DEMOTIVAÇÃO, NATUREZACONFLITUOSA E VIOLÊNCIAESCOLAR

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sofisticados sistemas técnicos de distribuição da informação,fazem com que seja muito complicado afirmar que o que ébom para um lugar não seja claramente insuficiente paraoutro; ou que aquilo que é imprescindível numa localidadenão o seja em outra, por ser considerado pouco relevante egeneralizado. Contudo, em todas as comunidades, qualquerque seja sua cultura, as pessoas têm uma aspiração comum: abusca da paz, a eliminação definitiva da guerra e da violência,e a luta diária para melhorar a própria qualidade de vida e ados que os rodeiam.

Esta aspiração adquire diferentes formatos, de acordocom a formulação que lhe seja dada num determinado con-texto cultural, econômico ou social, mas, em geral, versa so-bre a base da necessidade de melhorar a qualidade de vidaatual. Este conceito está relacionado a um conjunto maisamplo de fatores, alguns dos quais não dependem diretamentedas pessoas que se vêem afetadas. Por exemplo, a base eco-nômica, complexa em si mesma, neste mundo globalizadoem que vivemos, não depende, quase nunca, daquelas quedesejam melhorar a qualidade de vida das pessoas. Dessemodo, é preciso levar em conta todas essas variantes, pois,caso contrário, nossos discursos e nossas práticas podempecar por ingênuos.

O FATOR HUMANO, O NÚCLEO DAQUALIDADE DE VIDA

A qualidade de vida e a aspiração pela sua melhoriadeveriam ser interpretadas como um processo, no qual, mes-mo que existam fatores de difícil alteração, há outros nosquais podemos intervir. Felizmente, nem a cultura nem asociedade são realidades fixas; são, pelo contrário, realida-des em contínua mudança, às quais o indivíduo deveria sentir

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que tem livre acesso, ou seja, deveria sentir que pode ir mu-dando com seu esforço individual e coletivo. É importanteeste ponto, porque, quando falamos de melhoria da quali-dade de vida, através da educação, em seu sentido maisamplo, convém saber que, ao mesmo tempo, estamos ten-tando progredir na liberdade e na autonomia. E, emboranem tudo dependa diretamente de nossos esforços, umaparte substantiva é passível de ser mudada. Assim, aindaque, nem tudo possa ser controlado, há alguns fatores im-portantes, que não sendo controláveis, podem ser modifi-cáveis. Tal é o caso do importante fator humano presenteem todos os sistemas de vida.

O fator humano parece uma generalidade excessiva,mas, se for considerado como um elemento de comunida-des de convivência e de relações sociais, fica mais simplesde ser entendido.

De fato, a vida é sempre uma vida social, composta pordiferentes redes de relações interpessoais, que integram os ce-nários ordinários em que vivemos. As condições de vida e aatividade conjunta ou dependente de uns com respeito a outrosnos proporcionam um entremeado de relações, nas quais en-contramos não só a origem de alguns de nossos problemas, comoa possibilidade de resolvê-los e melhorar nossas próprias condi-ções. Ninguém se desenvolve no vazio social; ninguém age iso-ladamente; e as dificuldades, que, com freqüência, aparecem,não foram geradas na solidão.

Neste sentido, adotar uma posição teórica comunitárianão é um privilégio sofisticado; é arrancar de uma base � ada necessidade de progresso e de melhoria da vida, em todosos cenários � e ir em busca de melhoria daquilo que, por serparte de nossa identidade pessoal e coletiva, sempre é umrecurso do qual disporemos.

Aprender a fazer uma análise comunitária das dificulda-des que nos assolam, além de evitar o desânimo e a culpa �

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muitas vezes paralisadoras e pouco funcionais � colocam-nosnuma boa posição em direção à melhoria, pois aprenderemosa ver-nos, a nós mesmos e aos demais, como potencial de trans-formação e aperfeiçoamento. Análises individualistas, forte-mente psicologicistas, economicistas ou abstratamente políti-cas, muitas vezes necessárias, nem sempre nos permitem visu-alizar recursos e instrumentos de mudança. É por isso quenós (Ortega, 2000) adotamos uma perspectiva comunitária eecológica em nossa análise da convivência escolar.

REDES SOCIAIS, CONVIVÊNCIA EQUALIDADE EDUCACIONAL

Chamaremos de redes sociais de participação o entre-meado de relações interpessoais, em que cada um está envol-vido, ao participar de atividades, não importa de que nature-za, não somente as de caráter individual, mas, também, aque-las que implicam compartilhar comunicação, idéias, sentimen-tos, emoções e valores. As redes sociais de participação po-dem ser produzidas pela decisão livre de fazer algo com ou-tras pessoas porque o sistema institucional � o que organizanormalmente as sociedades � impõe cenários, nos quais serealiza uma atividade conjunta. Desde a família, como o gru-po mais próximo, no qual cada um nasceu, até a inclusão emassociações e partidos políticos, assim como em grupos dereferências auto-escolhidos, os seres humanos vivem muitotempo em cenários de convivência.

A ação conjunta, quando complexa e culturalmenteorganizada, ao se converter numa verdadeira atividade, pro-porciona sentido pessoal e significado social a tudo o quecada um faz, diz, pensa e expressa. A comunicação com osoutros vai estabelecendo o discurso próprio e compartilha-do e nos traz, pouco a pouco, certos sinais de nossa identi-

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dade social. Finalmente, os conhecimentos, emoções e sen-timentos, compartilhados com os demais, permitem-nos iralimentando o processo de desenvolvimento e as aprendiza-gens que a vida nos oferece. Consideraremos aqui a aprendi-zagem e o desenvolvimento não como processos muito con-cretos e regulamentados, mas como elementos da trajetóriade vida das pessoas, quando aspiram à melhoria de suas con-dições de vida e, de uma ou outra forma, a busca de bem-estar e de felicidade.

Considerando desta forma tão ampla os processos de de-senvolvimento e aprendizagem, a educação pode ser vista comoo conjunto de sistemas, mais ou menos formais, dos quais nosdotamos para obter o aperfeiçoamento possível de nós mesmose de nossas condições de vida. Ora, regressando ao ponto departida a educação é, em grande parte, um processo que acon-tece nos âmbitos de atividade e comunicação em que vivemos.Âmbitos esses, nos quais, além do cenário mais ou menos fixo,composto pelas condições que nos são dadas, como se disseantes, e que são condições determinadas por fatores econômi-cos, culturais e políticos � nem sempre por nós controlados �estão presentes, permanentemente, as redes de relações interpes-soais, que compõem o tecido humano no qual vivemos, e sobre oqual poderíamos ter uma influência mais objetiva. São os siste-mas de relações entre as pessoas o núcleo básico da convivên-cia, do qual, em grande parte, dependemos e sobre o qual pode-mos influir, à medida que vamos adquirindo consciência de comosão essas relações e de como poderiam ser melhoradas.

A forma com que administramos nossa relação em co-mum, com que nos dirigimos aos outros e permitimos que osoutros se dirijam a nós, como impomos nosso critério ou des-cobrimos o critério alheio, as expectativas que provocamos nosdemais, e as que nós fazemos de como os demais se comporta-rão ou nos tratarão, constituirão um fator importante em nos-sos projetos de aprendizagem emelhoria das condições de vida.

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Isto é possível porque as relações interpessoais têmtodas, além de componentes que nos são alheios e que nemsempre conhecemos e tampouco dominamos, um compo-nente interpsicológico. Ou seja, estão compostas pelos siste-mas de comunicação, poder, atividade, conhecimentos e afe-tos compartilhados, que permitem o entendimento positivoe, portanto, o progresso na percepção de satisfação pessoal,ou, pelo contrário, podem ser foco de desencontros, confli-tos e problemas que afetarão nossa vida pessoal, dificultan-do a melhoria de bem-estar e a aspiração de felicidade. Nos-sas relações interpessoais não são um elemento estritamenteobjetivo, ainda que sejam um elemento estritamente real econstatável de nossa vida; nossas relações interpessoais sevêem permanentemente conotadas por sentimentos e emo-ções que afetam nossa identidade subjetiva. Assim, repetiu-se até à saciedade que um componente tão importante, comoo é a auto-estima, requer uma contínua alimentação do afetopositivo e a estima dos que nos rodeiam.

Não somos sujeitos fechados, mas em permanentecontato com os outros. Muitas vezes, somos parte da iden-tidade social daqueles com os quais convivemos emborasem a verdadeira consciência disso. Ser membro de um pe-queno grupo ou de um coletivo nos traz características econdições que devemos aprender a integrar como uma zonaaberta de nós mesmos, porque estas não nos pertencem porinteiro. Ser membro de uma rede social bem articulada jános garante o estímulo necessário para enfrentarmos tare-fas difíceis de executar sozinhos, mas também nos colocadiante da necessidade complementar de cuidar da rede, jáque os problemas que a afetam terminarão nos afetandopessoalmente.

Por sua vez, estas relações, tanto pela própria naturezapsicológica dos seres humanos como porque as necessida-des individuais e os estilos próprios de ser e estar são muito

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diversos, nunca são simples nem estáticas. Conflitos de todaordem, problemas conjunturais ou permanentes, tensões, mal-entendidos, paixões pouco reflexivas, amores e ódios, assimcomo amizades e altruísmos são o próprio molho onde secozinha a vida social interpessoal. A forma como interpreta-mos os conflitos e problemas, que, necessariamente, vão sur-gir em nossa vida social, será um dos fatores mais importan-tes para ir avançando com boas ou más relações sociais.

As boas e as más relações interpessoais não são entesabstratos, mas, sim, processos concretos nos quais nos ve-mos envolvidos, devido à capacidade que tivermos de ativare de manter as formas de nos comunicar com os outros. Nestesentido, é importante não esquecer que a vida em comum tam-pouco acontece no vazio, mas em cenários concretos. Assim,ação conjunta, comunicação e vida afetiva em comum serãotrês elementos que atravessam os eventos da vida de cada umnos cenários físicos e simbólicos em que vivemos.

Contudo, ocorre com freqüência que se encontra, noâmbito das instituições educacionais � leia-se a família, a es-cola e as instituições sociais, que têm alguma função de aju-da ou apoio social � um discurso expresso sobre até que pontoa qualidade da vida é um fator decisivo na obtenção de ou-tras qualidades como a educacional. Pelo contrário, não acon-tece isso nos âmbitos como o da proteção sanitária ou soci-al. No recente relatório europeu, elaborado por um amplogrupo de especialistas (Salomaki e outros, 2001) �Proposalfor an Action Plan to Combat Violence in Schools�, sob osauspícios da Comissão Européia e em colaboração com oCentro de Promoção da Saúde da Finlândia, do qual tivemosa oportunidade de participar (Ortega, 2001), faz-se a menção,de forma clara, de que o combate da violência escolar devecontar com instrumentos de melhoria das relações que, atuan-do de forma preventiva no processo da convivência escolar,terminem por evitar a violência juvenil; ou seja, em contextos

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de saúde e de desenvolvimento social, menos especializados nainstrução e mais abertos ao modelo de análise comunitária doque o até agora seguido na educação formal, vai-se estabelecen-do a busca do bem-estar mais como parâmetro de melhoria davida de relação interpessoal do que de intervenção direta.

Entretanto, considerando que a escola é, além de umcenário de instrução, um âmbito de convivência, cada vezmais é preciso entender que seus efeitos não devem limitar-se a saberes concretos, mas que se necessita também estaratento para seus efeitos na formação geral da personalidadeindividual e social de seus protagonistas e agentes. Comoveremos mais adiante, estamos pensando nos estudantes, masnão deixamos de pensar na trajetória profissional dos do-centes que, também, são afetados pela alta ou baixa qualida-de do sistema de convivência que as escolas estabelecem.

Aprender a conviver é um seguro de habilidades soci-ais para o presente e para o futuro; é, portanto, um indicadorde bem-estar social. Por sua vez, visto de seu lado negativo,o efeito de risco, situado na permanência por tempo prolon-gado em cenários e sistemas de convivência muito conflitu-osos, quando não claramente violentos, aumenta, de formaimportante, outros riscos sociais, como a tendência ao con-sumo de produtos nocivos à saúde, hábitos de consumo defumo e álcool, etc.

Deste modo, retornando brevemente às orientações deprevenção do relatório europeu, que comentamos anterior-mente, é preciso resumir algumas idéias e recomendações,que aparecem em seu preâmbulo e que aqui vamos conside-rar decisivas. São as seguintes:

� a abordagem da prevenção dos conflitos associadosà violência deve ser interdisciplinar; desde os servi-ços de saúde mental às instituições de proteção so-cial e os centros de educação formal deveriam seenvolver na prevenção;

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� todo plano de ação deve ser global e coordenado:das instituições de saúde às educacionais e às de pro-teção e solidariedade;

� é fundamental a formação do magistério, em todos osníveis, para que a prevenção venha incluída nos planoseducacionais, diretamente vinculada ao currículo.

Interdisciplinar, para nós, significa que, quando o as-sunto é tão importante e suas possíveis conseqüências sobrea população tão sérias e graves, como é o alto grau de natu-reza conflituosa da sociedade, suscetível de se tornar umambiente de cultivo de fenômenos de violência, nenhum gru-po profissional ou de poder deve atribuir a si o controle totalsobre sua análise e seus métodos de trabalho. Nada fez maisdano à escola do que seu isolamento do curso geral dos me-lhores valores sociais, como são a sensibilidade para a mu-dança, a atenção às camadas mais desfavorecidas da popula-ção, o papel primordial em programas de ajuda a outros, etc.A escola não pode estar isolada, ainda que precise, em gran-de parte, de um espaço próprio e de certas condições especí-ficas. A escola tem que estar aberta à ajuda que lhe vem defora, de outros organismos sociais e solidários.

Global significa aqui que é preciso considerar que to-dos os sistemas, agentes, recursos e protagonistas devem sertomados como importantes, tanto na hora do estudo do fe-nômeno como, principalmente, na hora das propostas de in-tervenção. Neste sentido, é preciso considerar que a escolanão é um limite fechado, que pertence exclusivamente aosdocentes e aos alunos; não só as famílias, mas também asentidades sociais, que rodeiam os cenários educacionais, têmresponsabilidade nos fenômenos e devem ser chamadas parabuscar a solidariedade e o apoio que a escola necessita pararesolver seus conflitos.

Finalmente, é necessário ter presente que nada podeser feito sem contar com a clara consciência profissional dos

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docentes, seus desejos de atuar e seu entusiasmo para mudaras coisas. Para isso, é preciso que o magistério se sinta apoi-ado pela sociedade, ajudado em suas tarefas e com recursossuficientes para atuar em planos inovadores e de progresso.

SUBSISTEMAS DE RELAÇÕESINTERPESSOAIS: A ECOLOGIA HUMANADO CENTRO EDUCACIONAL

A comunidade educacional está composta por um sis-tema de redes de relações interpessoais, de diferente nature-za, que se articulam tanto aos sistemas de atividades quantoaos sistemas sociais de status, papéis e funções escolares.Neste sentido, distinguimos (Ortega e Mora-Merchán, 1996)três grupos: o composto pelos docentes e, em geral, pelopessoal do estabelecimento escolar, com responsabilidadesacadêmicas, da direção, administração, segurança, auxiliares,etc., o que poderíamos chamar sistema dos adultos respon-sáveis pela atividade. Não nos deteremos aqui na análise des-te importante subsistema de relações interpessoais que, tam-bém, dá lugar a um número considerável de conflitos, en-quanto cumpre a importante tarefa de ser a própria via emque acontece a parte mais relevante da atividade acadêmica:o planejamento e o desenvolvimento do currículo.

O segundo é o que se organiza em torno do desenvolvi-mento efetivo do currículo, onde ocorrem relações verticais ehierarquizadas acerca do vínculo entre os(as) professores(as)e seus (suas) alunos(as). Aqui a unidade central é a relaçãoprofessor/aluno(a). Dentro deste subsistema, altamente pre-sidido pela exigência de se obter resultados acadêmicos, as re-lações são hierarquizadas em termos de poder e comunicação,as expectativas de uns com respeito a outros estão muito co-notadas pelas convenções e normas que foram estabelecidas,

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dada a função instrutiva da atividade e, finalmente, os confli-tos e problemas, que possam aparecer, tendem a ser resolvi-dos, de certo modo, com procedimentos de diálogo e negoci-ação, nos quais não existe, de fato, a reciprocidade.

O docente tem um papel de autoridade real e delega-da da sociedade e, mesmo quando a exerce com o máximorespeito ao outro, não é igualitária quanto ao(à) aluno(a). Mui-tos conflitos e problemas vão acontecer no seio deste sub-sistema de relações; entre eles, um dos mais importantes, doqual trataremos em seguida, é o da falta de motivação para astarefas acadêmicas dos estudantes e o da indisciplina escolar,mas, também, o desânimo profissional dos docentes sobre oque não trataremos aqui.

Além destes subsistemas de relações interpessoais, aecologia social do estabelecimento escolar deve contar, cadavez mais, com o terceiro grupo, ou seja o subsistema dosiguais. Os grupos dos iguais, como agentes socializadores,não despertaram interesse até muito recentemente (Ortega,1994); contudo, os iguais são importantes como construto-res de atitudes e capacidades de relação. São os companhei-ros e companheiras, com os quais se encontram os meninose meninas nos estabelecimentos escolares e nos lugares detempo livre. Os iguais, como esperamos deixar evidente maisadiante, constituem redes sociais que, dada sua composiçãoe tipo de sentimentos e emoções que tecem entre si, apre-sentam-se como uma das estruturas sociais de participaçãomais importantes na hora de se estudar e compreender osconflitos e problemas que podemos encontrar nos estabele-cimentos escolares.

Não obstante, junto aos problemas, os iguais são tam-bém a fonte de onde podem vir as respostas. Nada mais po-tente que os grupos de companheiros e companheiras em-penhados em levar adiante projetos comuns de ajuda a ou-tros. Fiel reflexo disso estamos vendo, atualmente, nos gru-

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pos de jovens voluntários que se apóiam em atitudes, conhe-cimentos e valores compartilhados.

A reciprocidade afetiva e a responsabilidade sobre os atospróprios são condutas que a maioria dos escolares aprendemno âmbito das relações com seus companheiros e companhei-ras. A imensa maioria aprende, de forma espontânea, na trans-formação das relações com os outros, a compreender e a prati-car as leis da solidariedade e da amizade ou, ao menos, do res-peito ao outro, no mesmo nível em que deseja ser respeitada.Mas uma significativa minoria não só não aprende a ser amávele solidária com seus companheiros, como pode estar aprenden-do exatamente o contrário: a não ser amável, a ser agressiva ouinjustificadamente cruel com seus iguais.

Quando se produz um forte desequilíbrio na distribui-ção do poder social dos iguais, que, teoricamente pelo me-nos, deveria estar regido por pautas de equidade e sentimen-tos de fraternidade, começa um processo que pode terminarem obscuros fenômenos de assédio, hostilidade e maus tra-tos, que convertem o conflito entre iguais num problemamuito mais sério do que imaginamos.

Assim, um olhar ao contexto e às atividades que aconte-cem no microssistema dos iguais nos mostra, junto com umazona diáfana, uma zona muito obscura, caracterizada pela apa-rição e manutenção de graves problemas de violência interpes-soal, dos quais trataremos mais adiante.

Em todo o caso, o que não podemos esquecer é que,entre os(as) companheiros(as) escolares, do mesmo modo queentre os docentes e entre estes e os estudantes, surgem confli-tos, e deve-se aprender a resolvê-los no dia-a-dia em que apa-recem. Assim, vai depender do êxito na resolução dos con-flitos para que a ecologia do centro seja equilibrada e avancede forma satisfatória para todos(as), ou que apareçam sinais,mais ou menos evidentes, de clima de conflito, más relaçõesou violência escolar.

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Contudo, a percepção do tipo de problemas sociais, quesurgem na convivência diária, não é homogênea. Enquanto osestudantes podem estar sentindo que sua vida está sendo afeta-da mais pelas relações com seus iguais, os docentes podem estarinterpretando que está havendo um problema de falta de moti-vação, ausência de disciplina ou rejeição geral à vida acadêmica.

A partir deste marco conceitual básico, entendemos ofenômeno do clima de conflito como um processo reversível,ou seja, como um problema complexo, que nos mostra atéonde as más relações interpessoais podem nos levar quandonão se está consciente da natureza social, cultural e psicológi-ca das relações interpessoais. Porém, por sua vez, é um fenô-meno suscetível de sofrer intervenção com estratégias educa-cionais não alheias à própria cultura escolar. Um bom exem-plo desta forma de ver as coisas é observar como os conflitosque, em si mesmos, não deveriam ser considerados um pro-blema fixo, podem dar lugar a verdadeiros fenômenos de vio-lência, quando não se dispõe de instrumentos de análise e deatuação para desativar as zonas escuras em que acontecem.Um exemplo do que consideramos complementar é observarcomo a intervenção, que melhora a resolução de conflitos, con-seguindo que as pessoas aprendam a resolvê-los de forma di-alogada, pode melhorar o clima na rede de convivência e, as-sim, prevenir os fenômenos violentos.

O PROBLEMA DA MOTIVAÇÃO PARA OESTUDOEOCLIMADECONFLITOESCOLAR

Infelizmente, a pesquisa (Defensor del Pueblo, 2000)nos mostra que o que mais preocupa o magistério é a origemdo conflito escolar e suas diferentes causas. Assim, diante dafalta de motivação para o estudo e para as tarefas escolares,vista como um dos problemas atuais dos estabelecimentos

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escolares, especialmente os de ensino médio, podemos cons-tatar que se escondem processos um pouco mais complexos,que se fazem menos presentes como explicação. Analisemosum deles, o problema da falta de motivação dos estudantes,como causa do clima de conflito na escola, considerando que,em outras ocasiões, a falta de motivação também pode serconsiderada como problema de ambiente escolar conflituo-so, ou seja no sentido contrário.

A motivação para o estudo e o respeito às normas sãoconstituídos de atitudes sociais, que fincam suas raízes em pro-cessos psicológicos nada fáceis de serem explicados, porque,por sua vez, também se apóiam em outros processos, dos quaisa cultura escolar não tem estado, de hábito, muito consciente.Estar atentos às explicações do professor, tratar de compreen-der conteúdos acadêmicos, que estão quase sempre acima doque a atenção do(a) aluno(a) pode captar sem esforço, estudar eresolver conflitos cognitivos requerem um esforço intelectualque significa dominar, ao mesmo tempo, muitas coisas.

A motivação para o esforço intelectual é sempre umamotivação intrínseca, gerada no entusiasmo, e as atitudes po-sitivas, quando se percebe que o esforço a ser feito terá umarecompensa, alcançarão sucesso. Deve haver um mínimo deauto-estima para poder perceber que o benefício do estudo,sempre a longo prazo, será algo que redundará numa melho-ria da própria identidade pessoal. Assim, considerando queos benefícios diretos nem sempre podem ser vistos, muitosalunos, que não recebem apoio externo de suas famílias oude seus professores, não podem encontrar essa motivaçãointerna que se exige. A motivação para o estudo brota comoconseqüência do êxito prévio. Contudo, o sistema de trabalhoescolar, particularmente tendente para os resultados diretos,deixa alguns meninos e meninas � por vezes muitos � à mar-gem do fluxo da estima acadêmica e do benefício direto doêxito escolar, que é o que alimenta a auto-estima.

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A estima acadêmica supõe o reconhecimento social deque o esforço do estudante em seu trabalho foi reconhecidopela sociedade como um esforço que é importante, quandose mostra positivo, através de boas notas, o que inclui umaespécie de mensagem simbólica de que tudo vai bem e queestão sendo cumpridas as expectativas que nele foram deposi-tadas. Contrariamente, o fracasso acadêmico alimenta a sensa-ção de fracasso geral, de queda da auto-estima pessoal; condi-ções em que a motivação interna falha e o desânimo impera.

Muitos meninos e meninas, que não encontram nasatividades e tarefas escolares sentido prático e que tampou-co dispõem da paciência e necessário controle de seu pró-prio projeto vital para esperar uma demorada recompensa,entram num processo de rejeição das tarefas, de tédio diantedas iniciativas dos professores ou de claro afastamento. Tra-ta-se de um tipo de atitude de rejeição aos valores escolares,que não tem sempre as mesmas causas, mas que é visto pelosprofessores como desânimo e falta de aceitação de suas pro-postas. Diante dos alunos, parece causa suficiente de expres-são de desânimo e confusão, o que dá lugar a fenômenos deafastamento, rebeldia injustificada, falta de atenção e de res-peito, quando não de clima de conflito difuso e permanenterejeição ao estilo das relações que se estabelece.

Muitos dos conflitos interpessoais dos docentes com seusestudantes têm uma origem no mal entendido sobre expecta-tivas de rendimento acadêmico, formas de apresentação dasatividades, avaliações mal interpretadas, quando não direta-mente no desprezo de uns para com os outros, consideradosseus respectivos papéis no processo de ensino.

Tudo isso não significa que a escola deva deixar de ava-liar e proporcionar a cada estudante a valorização que mere-ce seu esforço; contrariamente, significa que esta operaçãotem que ser feita com elevado respeito ao esforço que o es-tudante realiza, fazendo-o ver o que está executando bem e

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o que tem que mudar e, sobretudo, informá-lo dos recursose instrumentos de que dispõe para que melhore seu rendi-mento, sem que sua estima pessoal seja abalada.

É difícil não estar de acordo com os docentes, quan-do se queixam da falta de motivação e de interesse de umconjunto, às vezes muito numeroso, de meninos e meni-nas, que adotam uma atitude passiva e pouco interessadadiante do trabalho escolar. De fato, este é um dos proble-mas mais freqüentes com os quais os profissionais têmque lidar. Contudo, é paradoxal a escassa consciência que,freqüentemente, ocorre sobre a relação entre a falta demotivação estudantil e os sistemas de atividade acadêmi-ca. É como se fosse difícil reconhecer, por um lado, que aaprendizagem é uma atividade muito dura, que exige ní-veis de concentração altos e condições psicológicas idô-neas e, por outro, que o ensino, igualmente, é uma tarefacomplicada, que precisa ser planejada de forma amena,interessante, variada e atrativa.

Não se trata, pois, de responsabilizar um ou outropólo do sistema relacional professores/alunos/currículo,mas de compreender que estamos diante de um processomuito complexo, cujas variáveis não só precisam ser co-nhecidas, porém, manipuladas de forma inteligente e cria-tiva. É fácil culpar o estudante que não estuda, tão fácilcomo culpar de incompetente o profissional do ensino; odifícil, mas necessário, é não culpar ninguém e começar atrabalhar para eliminar a falta de motivação e os conflitosque esta traz consigo.

Ainda que a motivação para o estudo e para as ativida-des escolares não possa ser, ou não deveria ser, em si mesma,fator desencadeante de conflitos sociais, já que, como vimos,mais que problemas são assuntos de competência e comple-xidade profissional, o certo é que muitos problemas no cli-ma de conflito incluem o assunto da motivação.

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As iniciativas de melhoria da convivência, quando têmêxito, provocam melhoria nas atitudes, mas não necessaria-mente incrementam a motivação de êxito acadêmico nosalunos, que não a tinham antes. Na cultura escolar, muitosprocessos estão articulados, mas não tanto para que a atua-ção redunde em efeitos diretos em todos eles. Com isto,queremos dizer que não se pode esperar dos programas demelhoria da convivência o milagre de que resolvam o défi-cit no planejamento e desenvolvimento da instrução e, por-tanto, no êxito acadêmico de quem não tem interesse pelasatividades escolares, ou não é suficientemente estimuladopara elas.

Em resumo, ainda que a falta de motivação dos alu-nos para assumir o esforço intelectual, que a vida acadêmi-ca exige, não tenha por que ser mais problemática do queoutros assuntos difíceis do ensino e da aprendizagem, ter-mina sendo um problema de relações porque cria um per-verso sistema de culpabilidades não reconhecidas, não as-sumidas e não eliminadas. Consideraremos, pois, a falta oua queda da motivação como um dos fatores que incide, ne-gativamente, no clima social do estabelecimento escolar eque torna mais agudos os problemas de maus relaciona-mentos em todos os sentidos, mas, especialmente, na rela-ção entre professores e alunos.

A DISCIPLINA ESCOLAR E O CLIMA DECONFLITO

A disciplina se refere ao sistema de normas que umaorganização se proporciona a si mesma e à obrigatoriedade,ou não, de que cada membro do grupo social cumpra algu-mas convenções que, para que sejam passíveis de serem as-sumidas, devem ter sido democraticamente elaboradas e

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revisadas criticamente por todos os membros da comunida-de. Ocorre isto com as normas disciplinares da escola? Nemsempre, e não em todos os seus aspectos, nem em todos osestabelecimentos. Commais freqüência do que reconhecemos,os alunos não participaram na elaboração dos códigos de con-duta da escola, nem nos sistemas de agrupamento, nem nodesenho das atividades, nem são conhecedores dos problemasfuncionais que o cumprimento das normas implica, nem selhes mostrou o caminho adequado e democrático para resol-verem os conflitos que a dinâmica da convivência produz.

Trata-se de uma forma de exercício do poder que, nãosendo democrático, provoca disfunções no reconhecimentoda identidade social dos que dele participam. Se o que estábem ou está mal, o que se pode ou não se pode fazer não pôdeser discutido, é difícil assumi-lo como próprio. Quando os alu-nos se sentem sujeitos passivos em assuntos que os afetam,não se identificam com o esforço que é preciso fazer para ocumprimento de normas que vêem como alheias.

Desta forma, a elaboração das normas e convençõesque devem ser assumidas, e que constituem a base da disci-plina escolar, converte-se num problema que gera um climade conflitos difícil de se definir, mas muito bem percebidocomo uma deterioração da convivência. Os docentes sen-tem que, sem um mínimo de ordem e aceitação de certasnormas, não é possível trabalhar, enquanto que os alunos,por não terem participado da elaboração das regras e con-venções, não reconhecem como próprias as obrigações e res-ponsabilidades que lhes cabe assumir.

Assim, a compreensão da natureza do tecido social,que compõe o ecossistema humano escolar, não é fácil; re-quer o aprendizado da descrição e a análise das estruturas departicipação assim como as dinâmicas de poder, comunica-ção, sentimentos, emoções e valores que se desencadeiamno dia-a-dia da convivência escolar

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Compreender que nem todos os problemas têm um fun-do idêntico, mas que muitos deles se cruzam e se alimentamentre si, permite-nos a adoção de uma posição multicausal, semque isso signifique confusão. Compreender que o clima de con-flito, que deriva da falta de motivação para a tarefa, a ausênciade normas claras e democraticamente elaboradas, já é um avan-ço; entretanto, é preciso analisar, também, outros fenômenosque acontecem no convício escolar e que podem ir além doclima de conflito inespecífico, que até agora descrevemos.

O CLIMA DE CONFLITO E O RISCO DEVIOLÊNCIA ESCOLAR

A partir do exposto, queremos concentrar-nos, agora,em um dos fenômenos mais sérios que pode aparecer noestabelecimento escolar, quando não se planeja e não se dáatenção à convivência, não se abordam os conflitos de for-ma dialogada e democrática, ou se desconhecem tais chavesocultas, que, às vezes, o microssistema de relações interpes-soais dos alunos entre si encerra.

Muitas vezes, por diferentes razões, o sistema de rela-ções dos iguais se configura com uma certa estabilidade mi-crocultural, sob um esquema de domínio-submissão, que in-clui convenções moralmente pervertidas e injustas, em que opoder de uns e a obrigação de obedecer de outros constitu-em esquemas rígidos de pautas a seguir.

Protegidas pelo isolamento, estas rígidas pautas de po-der e controle adotam formas variadas, mas, em seu conjun-to, são características, porque nelas uma pessoa é dominantee outra é dominada, uma controla e outra é controlada, umaexerce um poder mais ou menos abusivo e a outra deve sub-meter-se a normas que não compartilha, das quais não parti-cipou e que a prejudicam claramente.

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Trata-se do problema do abuso ou da prepotência so-cial; um tipo de vinculação interpessoal evidentemente per-verso, que é freqüente em instituições fechadas, que se do-tam de disciplinas muito rígidas e de modelos gerais de atitu-des sociais baseadas no exercício injusto do poder. Esta é aforma mais grave de clima de conflito que, contudo e porsorte, só afeta um número reduzido de alunos (Ortega yMora-Merchán, 2000).

Esta relação asfixiante entre os iguais pode terminarconduzindo, em pouco tempo, a uma relação de violência emaus tratos sustentados. Trata-se de um tipo de rede social,caracterizado em seu foco central pelo par agressor-vítima, erodeado por um conjunto de papéis complementares, que otornam um fenômeno complexo, de natureza sócio-culturale com efeitos perversos para todos os que dele participam.São vítimas agressores e espectadores mais ou menos ativos,já que uns animam o(s) agressor(es), outros tratam de ajudara vítima, nem sempre com êxito, e outros, finalmente, ficaminibidos num tipo de perplexidade moral que, com o tempo,provoca dano ao desenvolvimento e ao aprendizado de valo-res de sociabilidade e atitudes morais necessárias.

O(a) menino(a) que é prepotente com o companheiroou companheira mais fraco, ou com menor capacidade deresposta a suas agressões, apresenta a justificativa com a acu-sação de que foi provocado pela vítima, ou afirmando que setrata apenas de brincadeira. Este(a) menino(a) busca a cum-plicidade de outros e, em certas ocasiões, consegue a tole-rância dos adultos, mediante a minimização da intencionali-dade de ferir. Mas não devemos esquecer que o que agrideimpunemente o outro, o que abusa de seus iguais, atuando àmargem do respeito às normas de convivência, está-se soci-alizando com uma consciência de clandestinidade, que afetagravemente seu desenvolvimento social e pessoal; vai-se con-vertendo, pouco a pouco, num(a) menino(a) que acredita que

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as normas estão para serem infringidas e que, não cumpri-las, pode chegar a proporcionar um certo prestígio social.Tudo isso se torna prejudicial para sua auto-imagem e suacapacidade de valoração moral; assim, vai-se deteriorandoseu desenvolvimento moral e aumentando o risco de aproxi-mação à pré-criminalidade, se não forem encontrados emtempo elementos educacionais de correção que redirecionemseu comportamento anti-social.

Algumas vítimas de maus tratos de seus iguais, quandose percebem sem recursos para sair dessa situação, terminamaprendendo � também se aprende o que é mau � que a únicaforma de sobreviver é a de converter-se em violentos e de-senvolver atitudes de maus tratos para com outros. Os vio-lentos, diante da falta de defesa da vítima e da passividadedos espectadores, reforçam suas atitudes abusivas e transfe-rem tais comportamentos a outras situações sociais. O pro-blema se agrava e adquire uma dinâmica de incontrolabilida-de, surgindo a falsa crença da inevitabilidade da violênciaque, a partir de uma posição teórica, devemos negar.

Por outro lado, a escassez de habilidades sociais da ví-tima e/ou a brutalidade dos agressores são responsáveis porque alguns alunos permaneçam numa situação social que ter-mina sendo devastadora para ambos, mas, também, tremen-damente negativa para os espectadores. Os espectadores va-lorizam o problema como muito mais grave e freqüente doque os próprios afetados o consideram, o que nos faz pensarque esta relação social prejudicial provoca escândalo e medonos(as) menino(as) que estão com melhor disposição psico-lógica para dela escapar.

Aprender que a vida social funciona com a lei do maisforte pode ser muito perigoso, tanto para os que se colocam nolugar do forte como para os que não sabem como sair do papelde fraco, que a estrutura da relação lhes atribui, especialmente,se isto ocorre quando se está construindo a personalidade social,

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que é uma das finalidades da escolaridade obrigatória. Aspesquisas (Olweus, 1993; Smith e outos, 1999; Ortega y Mora-Merchán, 2000) indicam que o abuso e a vitimização podem terefeitos a longo prazo. Este tipo de problema é um dos fatoresmais relevantes na deterioração da convivência e uma das causasdo clima de conflito escolar que estamos aqui analisando.

TRABALHAR A CONVIVÊNCIA PARAPREVENIR O CLIMA DE CONFLITO E AVIOLÊNCIA

De nossa parte (Ortega, 1997; Ortega e Del Rey,2001), consideramos que a intervenção deve estar ligada àpesquisa e à observação crítica do processo. Considerandoque este é um problema complexo, impõe-se uma reflexãoteórica a partir da qual pode-se interpretá-lo; e esta refle-xão pode indicar seus fatores, suas formas e elaborar hipó-teses sobre suas causas e suas conseqüências; e, em segun-do lugar, impõe-se o estabelecimento de programas educa-cionais escolares, de caráter preventivo, que evitem a apari-ção de problemas de violência.

Ao longo do texto, expusemos a compreensão de queexistem três fenômenos, que precisam ser interpretados deforma diferente, ainda que estejam inter-relacionados: as másrelações ou problemas de convivência, os conflitos interpes-soais e a violência escolar. Esta forma de ver o clima de con-flito escolar e o risco da aparição de fenômenos de violêncianos permitem uma leitura que estimula a busca de estratégiasde intervenção, de acordo com o que, em cada estabelecimen-to escolar, seja considerado o problema principal, sabendo quea atuação, em qualquer dos níveis indicados, pode ter um efei-to positivo e secundário nos outros, focalizando, porém, aatenção no que se valorize como mais importante e urgente.

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De nosso ponto de vista, o primeiro passo para a abor-dagem educacional do clima de conflito na escola deve sera exploração; depois disso, poderemos aspirar que sejamimplementados projetos de estabelecimentos escolares decaráter global, que incluam várias linhas de intervenção eque envolvam a maioria dos agentes educacionais e, sendopossível, a maioria dos alunos. As linhas de intervenção,que propusemos ao longo deste livro, partem da experiên-cia acumulada no desenvolvimento de dois projetos prévi-os: o Proyecto Sevilla Antiviolencia Escolar (SAVE) e omais aberto e amplo, Proyecto Andalucía Antiviolencia Es-colar (ANDAVE), os quais desenvolvemos entre 1996 e1999, o primeiro, e entre 1997 e 2001, o segundo.

Nestes projetos, propusemos (Ortega e colab., 1998;Ortega e Del Rey, 2001) a adoção de duas linhas de traba-lho. A linha de ação preventiva, que trataria de melhorartanto o sistema geral de convivência, estabelecendo pro-gramas de gestão democrática da convivência, trabalho emgrupo cooperativo e educação sentimental e moral, e a li-nha de atuação direta, onde a intervenção está sustentadano tempo e convenientemente avaliada, tendo em vistaaqueles(as) meninos(as) que estão numa situação de risco,ou que já estão implicados em situações de violência comovítimas, agressores ou espectadores diretos. Não é este olugar de estender-nos nestes programas; basta dizer, con-tudo, que requerem um certo grau de treinamento, devemser privilegiados quanto a recursos para que sejam susten-tados no tempo sem segregar ou se impor de forma diretaaos envolvidos. Trata-se sempre do que se chamou de umaaproximação sem culpa (Cowie, 1999).

O projeto de convivência, que agora apresentamos,está focalizado no conflito interpessoal e sua dissolução di-alogada tem como foco de atenção qualquer dos subsiste-

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mas de relações sociais que distinguimos no contexto edu-cacional. Nele valorizamos a aprendizagem da resolução deconflitos como a meta principal à medida que considera-mos o conflito como um dos problemas ocultos dentro dossubsistemas de relações no estabelecimento escolar. Maisconcretamente, estamos sugerindo a implantação de umprograma de mediação de conflitos como estratégia privi-legiada para todos os que sintam não conseguirem, por seuspróprios meios, enfrentar a resolução espontânea de seusconflitos interpessoais.

Mas esta proposta não é uma linha de trabalho isoladanem uma estratégia independente de outras. Tem em comum,com os projetos anteriores de nossa equipe, tanto a filosofiaglobal e ecológica como a atenção para a atividade instrucio-nal e para as relações interpessoais, como a inclusão de li-nhas de exploração, avaliação em processo, objetivação dedados e resultados, autoformação do magistério, inovaçãoeducacional, etc. Consideramos, e cremos que assim vimosdemonstrando neste material, que o magistério deve decidira implementação de um processo educacional desta nature-za, e que cada centro deve assumir, de forma colegiada, seupróprio projeto de trabalho, do mesmo modo que assume,em geral, seu próprio plano educacional.

Neste documento, destinado a apoiar, com sugestõese exemplos, as iniciativas de melhoria da convivência, apren-dendo a resolver os conflitos de forma dialogada, vamosfocalizar o conflito e a estratégia de mediação, mas semesquecer que o clima de conflito tem muitas facetas, desdea mais genérica, vista, por exemplo, como indisciplina, fal-ta de motivação, etc., até a mais concreta e obscura: a vio-lência interpessoal.

Não abordaremos aqui, porque já o fizemos anterior-mente (Ortega, 1997; Del Rey e Ortega, 2001), a interven-

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ção em problemas de violência, mas devemos deixar regis-trado que isso requer tratamentos específicos. Por saber-mos que não se trata de conflitos entre as pessoas, que têmentre si relações de homogeneidade quanto a seu status so-cial e, portanto, estão em condições de abordar o conflitomediante o diálogo, mas, ao contrário, que se trata de pes-soas, cujo vínculo inclui o abuso, o assédio e os maus tra-tos, nossas estratégias de intervenção não deveriam con-tornar esta diferença.

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2. ENFRENTAR O CLIMA DECONFLITO, PROJETANDO ACONVIVÊNCIA

Parece uma opinião generalizada considerar que o cli-ma de conflito, nos estabelecimentos escolares, provém daobrigatoriedade de freqüentar o colégio ou instituto, inter-pretando-se como uma espécie de rebeldia frente a uma nor-ma que se costuma, deste modo, colocar no subentendido.Entretanto, não existem dados que provenham de pesquisasconfiáveis, que nos façam pensar que uma parte da popula-ção escolar quer vingar-se dos legisladores que os obrigam air dois anos mais a um estabelecimento escolar. Em nossopaís, felizmente, a maioria dos jovens entre 14 e 16 anos fre-qüentou algum tipo de estabelecimento educacional nos úl-timos decênios. Qual é, pois, o problema? A resposta é com-plexa. Os problemas são múltiplos e diversos, mas, dentreoutros, é preciso indicar, como origem da impressão de cli-ma de conflito, o descuido em que, até agora, esteve o plane-jamento da educação para a convivência.

As pesquisas revelam que os meninos e meninas, nosanos de escolaridade primária, são mais suscetíveis de se ve-rem envolvidos em problemas de más relações, intimidaçõese maus tratos (Ortega e Mora-Merchán, 2000); contudo, a

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crença geral é a de que os estabelecimentos de ensino médiosão mais problemáticos. Não há dúvidas de que, quando amaioria das pessoas assim o interpreta, alguma razão haverá,mas cabe a pergunta sobre o que se faz para evitar esse climaconflituoso em suas múltiplas facetas.

Muitos docentes estão reclamando ajuda neste senti-do. Em nosso caso (Ortega, 1997; Ortega e colab. 1998;Ortega e Del Rey, 2001), temos feito a sugestão da realiza-ção de projetos educacionais como linhas de trabalho de in-tervenção e pesquisa para a prevenção da violência e melho-ria do clima social de convivência escolar. Trata-se de fugirdas receitas e assumir que a complexidade da vida escolarexige que a equipe docente assuma, como parte do trabalhoprofissional, o desenho e a realização de seu próprio projetode convivência. Esta é uma fórmula um pouco mais ampla emais difícil que a aplicação de medidas concretas, urgentesou maravilhosas. É uma fórmula que consiste em ajudar osdocentes a compreender que o trabalho sobre convivência,mesmo sendo difícil, pode resultar num desafio apaixonan-te, caso seja assumido como um processo de pesquisa.

Assumir-se como um profissional reflexivo, que enfren-ta a tarefa educacional a partir da indagação sobre as condi-ções de seu trabalho a partir da compreensão das necessida-des concretas dos(as) alunos(as), da utilização de recursos eprocedimentos inovadores, e da tomada de decisões negoci-adas e valorizadas como interessantes, no contexto da equi-pe docente, tem alguns benefícios que não foram ainda sufi-cientemente divulgados. Efetivamente, só com uma atitudepesquisadora e um espírito crítico diante da realidade e daspróprias opiniões, é possível se fazer frente aos fenômenosde um clima conflituoso, atualmente presentes nas salas deaula e nos contextos educacionais.

Neste capítulo, trataremos de oferecer uma orientaçãobásica para colocar em prática um projeto de trabalho no

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qual a educação para a convivência ocupe um lugar central,sem que isso implique desviar a atenção daquilo que para acultura escolar é essencial: a construção de conhecimentos eo progresso geral dos alunos. Trata-se de assumir que a convi-vência é o ar psicológico, social e moral que se respira e, dar-lhe, portanto, a necessária atenção, sem que seja preciso seesquecer das tarefas intelectuais e formadoras que o currículoexige. Um projeto educacional de melhoria da convivênciapoderia, se feito com cuidado, converter-se no motor de mu-dança que afetará, não só e diretamente o que se busca � aqualidade nas relações interpessoais � mas, possivelmente, astarefas acadêmicas e, previsivelmente, a prevenção de fenô-menos de violência.

ENSINAR OU EDUCAR?

Ao longo de um curso acadêmico, a equipe docente eos alunos compartilham muitas horas, muitas atividades ecomplexos processos destinados, formalmente, ao progressointelectual dos escolares e ao desenvolvimento profissionaldos professores. A imensa maioria das atividades e tarefastem um formato e derivam de objetivos cognitivos; contu-do, as grandes finalidades educacionais se referem à forma-ção da personalidade social e moral dos alunos. É evidenteque algo é preciso ser pensado a esse respeito: se o quebuscamos é só o rendimento acadêmico e se não prestamosatenção ao desenvolvimento social, não temos razões paranos queixar da escassa riqueza ou até da pobreza do com-portamento e das atitudes dos(as) alunos(as). Isso se reco-nhece em muitos setores profissionais, de múltiplas formas.Uma delas costuma expressar-se em termos de preocupa-ção pela escassa atenção à dimensão humana ou humanísti-ca da educação.

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Como já indicamos anteriormente, a dimensão maishumana da educação tem sido um pouco esquecida duranteos últimos decênios, possivelmente porque temos sido parti-cularmente respeitosos da liberdade de cada um na hora deescolher atitudes e valores. Fugindo de ser excessivamentenormativos, quem sabe nos descobrimos agora órfãos de cri-térios claros sobre a necessidade de regular nossos própriossistemas de relações de vida em comum. A ausência de com-preensão do papel das normas, democraticamente elabora-das e estabelecidas, produz sensação de confusão, insegu-rança e, às vezes, medo de não saber até onde ir com o con-trole próprio e alheio de tudo aquilo que, evidentemente,observamos como melhorável ou mau.

Porém, pouco a pouco, especialmente nestes últimosanos, e certamente como conseqüência da visibilidade dosconflitos internos e externos no sistema educacional, pareceque se vai abrindo passagem para uma consciência mais cla-ra de que é preciso aceitar que a vida em comum necessita deuma regulação, para o quê é imprescindível dedicar tempo eespaço real, além de trabalho profissional e atenção social.

Sem estar conscientes de que a escassa atenção presta-da ao clima social, em seu sentido mais amplo, tem efeitosnegativos tanto no desenvolvimento social como nos pro-cessos de ensino e aprendizagem, não se pode avançar nacompreensão da natureza e dos problemas da convivência.Como afirmamos no capítulo anterior, é impossível ensinaralunos e alunas sem que eles queiram e tenham interesse emaprender, porque aprender não é tarefa fácil, mas requer umesforço para o qual é preciso dispor de um certo nível deentusiasmo e de bons motivos. Mas, para que os estudantesestejam motivados e invistam entusiasmo na tarefa, é neces-sário que o estabelecimento escolar, ou seja, os professores eo próprio sistema de atividades e tarefas, faça com que elescompreendam que suas necessidades são levadas em conta,

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suas atitudes observadas e respeitadas, quando não são per-niciosas, seus desejos aceitos, quando são respeitáveis e suaspreocupações e problemas considerados como próprios.

Alguém poderia replicar estar afirmações, argumentan-do que se vai à escola para aprender; uma coisa não só certa,mas básica. Não devemos esquecer, contudo, que o aprendi-zado e o ensino se produzem num cenário institucional, re-gulado por convenções e regras sociais, que assinalam quaissão os papéis que cada um tem que desempenhar. Ser pro-fessor ou professora, como ser aluno ou aluna, é algo maisque ser a gente mesmo(a); é desempenhar um papel no mar-co de uma instituição que tem uma função social muito cla-ra, mas não tão fácil de abordar: o progresso e o desenvolvi-mento dos alunos, seguindo as diretrizes marcadas pela soci-edade. Compreender e praticar diariamente as diretrizes es-tabelecidas fora do contexto escolar não é coisa fácil paraprofessores(as) e alunos(as), que devem enfrentar sua tarefaem cenários recheados de mais responsabilidades e obriga-ções do que de ajudas e compreensão.

Deste modo, parece claro que os(as) professores(as)compreendam e assumam ser preciso realizar um trabalhodiário, que se apresenta como obrigações para alunos e alu-nas, sob a suposição implícita de que tal atividade e esforçosão bons, ou o serão no futuro. Não obstante, estes nem sem-pre têm bem claro o interesse sobre o que devem aprender epor que esforçar-se. Devido a isso, as relações interpessoaisentre os professores e os alunos estão, com freqüência, atra-vessadas por um conflito comum, que não é outra coisa se-não a compreensão do sentido e da idoneidade das ativida-des escolares e, por outro lado, é o nexo que os une e o quedá razão à sua relação. Além disso, os professores, freqüen-temente, observam tais fenômenos sob o prisma de seus pró-prios objetivos e finalidades profissionais, sempre louváveis,mas nem sempre bem expressos e bem compreendidos pe-

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los alunos que, também, tendem a interpretar os aconteci-mentos não tanto como parte do desenvolvimento curricu-lar, mas como eventos quotidianos, nos quais se sentem pro-tagonistas, de algum modo.

Poder-se-ia dizer que é difícil levar tantas coisas em con-ta. Certamente! Mas, considerando que todas são importantes,ter-se-á primeiro que saber quais são, e logo aprender a dar aprioridade justa a cada uma delas. O que não é possível é conse-guir, sem esforço, a existência de níveis ótimos de motivação einteresses escolares, particularmente se os estabelecimentos es-colares e suas estruturas só os observam e tratam dos mesmosem sua dimensão cognitiva, por ser esta muito importante. Osjovens pré-adolescentes e adolescentes têm necessidades afeti-vas, emocionais e sociais que é preciso levar em conta; igual-mente, os professores e professoras têm necessidades pessoaise profissionais que não devem deixar de exigir e que, quandoentram em colisão com as dos estudantes ou de suas famílias, éimportante resolvê-las. Não se trata de sobrecarregar as costasnem as consciências dos(as) professores(as), mas trata-se de as-sumir que a tarefa é complexa e que nela é preciso empregaresforço, porém sem exageros.

A CONVIVÊNCIA NÃO É PLANA

A convivência comunitária não é plana; criam-se con-flitos que precisam ser resolvidos; é a dinâmica de aparição edissolução de conflitos entre as pessoas, entre as pessoas esuas atividades e tarefas, entre as metas e as condições e re-cursos para abordá-las; o que proporciona a rede social departicipação em que se inscrevem a vida quotidiana das salasde aula e o estabelecimento escolar. A instituição escolar,como âmbito de convivência e atividade, está cheia de difi-culdades. A própria atividade escolar, tomada em seu con-

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junto, cria um contínuo fluir de exigências pessoais e gru-pais, que se tornam conflitos aos quais é preciso atender,utilizando saberes e habilidades, que se mostram, às vezes,ineficazes diante de problemas que surgem sempre como algonovo, algo diferente.

O fato de viver e de trabalhar juntos cria um mundosocial, cuja natureza ultrapassa o âmbito da decisão indivi-dual, para converter-se num âmbito comunitário. Docentes,alunos, famílias, orientadores e conselheiros escolares com-põem unidades de convivência com objetivos educacionais;mas, ainda que todo mundo compreenda isto, quando se ex-plica em detalhe, fica muito difícil manter um critério comu-nitário para se interpretarem, no dia-a-dia, os processos derelações sociais que acontecem no âmbito da vida escolar.

Por tudo isso, a convivência se vê submetida a diver-sos tipos de problemas, que nem sempre podem ser resol-vidos por si mesmos, nem de forma imediata, porque apa-recem como dificuldades novas, para as quais nem a tradi-ção nem a formação pedagógica parecem ter receitas. Asequipes docentes enfrentam, por vezes, dificuldades que,ainda que não necessariamente geradas na escola, afetam odesenvolvimento normal das tarefas educacionais. Assim, agestão da convivência, que não está sendo uma área priori-tária do trabalho escolar, e nem se encaixa bem no desen-volvimento clássico do currículo, converte-se, pela efetivi-dade dos fatos, em uma necessidade urgente.

Abrir-se caminho na análise da convivência sempre édifícil. Contudo, a urgência dos problemas obriga os docen-tes a ter que tomar decisões muito concretas, que não costu-mam ser planejadas. É preciso estabelecer e saber sustentarum estilo de relação democrática e justa. É necessário exibiruma atitude compreensiva e solidária, mas também firme eafetivamente coerente. Urge assumir que o comportamentoadulto é um espelho, no qual se miram nossos(as) alunos(as),

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o que produz tensões entre a auto-imagem que todo docentedeve ter de si mesmo, como profissional, e a que projeta, sempoder controlá-la, diante de seus alunos e alunas. O professornão só é responsável pelo que ensina, mas também pelos pro-cessos ligados ao exercício do poder que exerce diante dos(as)alunos(as). É neste nó de atuações que é preciso entender opapel do docente para compreender até que ponto sua ativi-dade é complexa e tem efeitos na convivência.

Tudo isso num contexto em que, além do mais, o as-sunto principal é outro ou, pelo menos, é visto como diferen-te: conseguir que os estudantes cheguem a dominar os con-teúdos curriculares. Uma espécie de espada de Dâmocles pa-rece pairar sobre a atividade profissional dos docentes; nestesentido, sem um mínimo nível de qualidade nas relações inter-pessoais, a tarefa principal se torna muito difícil e, sem queesta se realize com um certo êxito, espalha-se o desânimo e seempobrecem as relações, porque se tem a impressão de quenão se faz o que se tem que fazer; o que leva ao fracasso norendimento acadêmico, à falta de motivação, à indisciplina e atudo o que parece estar sob o clima de conflito. Não é deestranhar que seja a profissão docente uma das áreas profissi-onais mais afetadas pela síndrome da ansiedade profissional.

ALFABETIZAÇÃO EMOCIONAL E VIDA EMCOMUM

Já dissemos antes que, para avançar neste caminho,devemos ter bem definidos quais são os componentes daconvivência, como se articulam entre si e que resultados têmas formas em que estes fatores interagem. Hábitos, atitudes,estilos afetivos, domínio e equilíbrio emocional são elemen-tos psicológicos a serem levados em conta, ainda que a cul-tura escolar esteja pouco habituada a contar com eles; ou

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não os considere relevantes ou, quando o faz, não os inter-preta em sua justa medida. Trata-se de componentes psico-lógicos pessoais, mas que exercem uma grande influência nacomposição e no desenvolvimento da vida dos grupos.

Tampouco se trata de que a escola precise de trata-mento psiquiátrico, mas de que os docentes disponham deuma certa alfabetização afetiva, social e de atitude. Isso per-mitiria fazer leituras das situações de conflito, sabendo dis-tinguir as coisas que, num determinado momento, cada indi-víduo pode controlar, quais os fenômenos internos do gru-po e quais estão tão conotados emocionalmente que podemser estímulo para comportamentos violentos ou muito pre-judiciais para as pessoas. Essa alfabetização emocional, afe-tiva e social não é, por outro lado, muito complicada nemrequer grandes treinamentos; às vezes, basta tomar consci-ência de que a vida afetiva e social é um fenômeno que nascee cresce no grupo e que, com freqüência, não conhecemosos códigos da formação e desenvolvimento dos grupos; es-pecialmente, se estes são de pré-adolescentes e adolescentes.

Nem sempre os professores podem penetrar nos sis-temas de relações que os alunos estabelecem entre si, muitasvezes repletos de pequenos ou grandes conflitos, conside-rando o conjunto de crenças, hábitos e atitudes que se cons-troem e aos quais o docente não tem acesso de forma direta.Já vimos até que ponto estamos lidando aqui com um mun-do social complexo. Sempre é difícil saber qual é a causa daescassa informação que os docentes costumam ter sobre avida afetiva dos alunos, sobre suas atitudes e valores, masuma origem possível teria que ser buscada na crença culturalgeneralizada, que tem considerado, tradicionalmente, o mun-do das emoções e dos sentimentos mais como um obstáculopara o rendimento intelectual, do que como um estímulo ouum impulso para o esforço cognitivo.

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Nos últimos anos, estas crenças populares estão semodificando e, finalmente, parece que se começa a assumiro importante papel da vida afetiva, não só no bem-estar dosindivíduos, mas também como condição prévia e necessáriano enfrentamento das tarefas e das atividades.

A gestão da convivência se apresenta, quando se acei-ta que se deve ir além da organização de agrupamentos deestudantes, como um desafio que exige o domínio dos códi-gos referidos de como as emoções e os sentimentos se en-volvem com as estruturas formais da comunicação, na for-mação de amizades que a apóiam e a facilitam ou na estrutu-ração de desafeições e rivalidades, que a entorpecem e a tor-nam conflituosa. Trata-se de saber buscar, com fórmulas sim-ples de exploração, a construção de esquemas descritivossobre o que é relevante em termos da estrutura social departicipação dos estudantes e o que é secundário. Trata-sede aprender a encontrar, nos formatos dos agrupamentos,os elementos um pouco mais ocultos, que compõem a vidaafetiva do grupo e, portanto, encontrar justificação concei-tual para a exibição de valores e atitudes que, ainda que pare-çam estranhos, aparecem sob as formas superficiais da es-truturação formal que se impõem para a realização da ativi-dade instrucional em geral.

A gestão da convivência requer pensar nos formatosde atividades e tarefas e não esquecer que, por debaixo des-tas, na comunicação formal e informal, estão-se produzindoafetos e emoções, que conotam, com diversos matizes, a vidados que trabalham juntos. Trata-se de compreender que, alionde se trabalha e se permanece muito tempo com os de-mais, está-se desenvolvendo um cenário compartilhado, po-voado de vínculos positivos, mas também de vínculos nega-tivos, que provocarão mais de um conflito.

Já na escola de educação primária e, em seguida, nocolégio de educação média, é preciso levar em conta este

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tipo de necessidade, ainda que, para isso, seja essencial umacerta formação técnica de seus agentes de intervenção psi-copedagógica. Não se trata de fazer um curso sobre a vidaemocional, que, às vezes, é preciso, mas de saber utilizar taisconhecimentos para ter representações funcionais de seu efei-to no desenvolvimento curricular. Igualmente deve-se des-cobrir a necessidade de se empregarem instrumentos de ex-ploração para se dispor de uma imagem adequada do queestá acontecendo na realidade da convivência.

Neste sentido, o difícil não é só levá-lo à prática, umavez descoberto, mas compreender que é preciso contar comisso, no dia-a-dia. Muitos docentes se sentem aliviados, quan-do descobrem a natureza complexa dos conflitos e se sen-tem liberados, quando tomam consciência de que não é faltade habilidade sua ou escassa preparação profissional o queestá interrompendo o desenvolvimento das tarefas acadêmi-cas, mas é a própria articulação da rede social de participa-ção dos estudantes, ou a que estes estabelecem com os(as)professores(as) nas tarefas e atividades que se propõem.

Ensinar convivência não é um tema, mas uma prática,uma lição viva e diária; por isso, o único caminho é a coope-ração, o diálogo e a confrontação crítica e respeitosa de idéi-as. Tudo isso se consegue melhor quando se trabalha em gru-po e em cooperação. O trabalho em grupo cooperativo su-põe partir de que o pensamento é individual, mas se constróino diálogo; que a responsabilidade é individual, mas só seexercita em cooperação; que o esforço é individual, mas oêxito compartilhado. A cooperação é, por definição, moral-mente boa e a competição, ocasionalmente, bem sucedida,mas não necessariamente proveitosa. Não se trata de dissol-ver o indivíduo num ente desconhecido, chamado grupo, masde tomar consciência de que a vinculação ao grupo nos aportaà verdadeira dimensão social e ao único referencial real so-bre nosso comportamento intelectual, afetivo e moral.

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Trabalhar em grupo cooperativo, sem que isso signifi-que perder o próprio estilo e a individualidade, que acompa-nham a participação pessoal numa tarefa comum, é a únicavia de se aprender a fundo os benefícios da convivência pa-cífica e democrática. Tudo isso requer o desenvolvimento deum processo no qual, passo a passo, vamos avançando naqualidade das relações interpessoais em nosso estabelecimen-to escolar. Em nossa opinião, nada disso se improvisa nempode ser reduzido a uma receita de comida rápida, mas, épossível fazê-lo, sempre que planejarmos cuidadosamente.É por isso que nossa proposta tem sido o convite à equipedocente, como gerente da comunidade educacional, para quedesenhe e desenvolva um projeto de convivência.

COMO DESENHAR UM PROJETO DEEDUCAÇÃO PARA A CONVIVÊNCIA?

A partir daqui, apresentaremos alguns recursos e es-tratégias organizacionais para desenhar, desenvolver e avali-ar um projeto de melhoria da convivência, com o objetivode aprender a resolver pacífica, dialogada e democraticamenteos conflitos e prevenir os fenômenos de violência. Ainda queagora nós o apresentemos de forma sintética, iremos nos re-metendo a outros parágrafos deste livro, nos quais encontra-remos exemplificações e recursos para cada um dos grandespassos ou fases em que nos propomos atuar.

Primeira fase: análise do contexto e avaliaçãoprévia das necessidadesAntes de abordar qualquer tipo de intervenção educacio-

nal, é necessário conhecer a realidade global em que vamos in-tervir. No caso de um estabelecimento educacional, e pensandona intervenção em convivência, é necessário conhecer as carac-

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terísticas sociais, culturais e psicológicas em que nos movere-mos. Trata-se de explorar � para dispor de informação objetiva� as condições econômicas e culturais da população com quemtrabalhamos, ainda que não se faça uma pesquisa exaustiva detodos os fatores, mas se consiga uma imagem aproximada, comdados que a apóiem, das condições de vida e do desenvolvi-mento social dos alunos. Mas, além desta imagem sociológica, énecessário o aprofundamento no que chamaremos de �leiturapsicológica�, ou seja a análise de como as condições de vidavêm influindo em nossos alunos e suas famílias, para que sepossa estabelecer um certo quadro geral das características dasrelações interpessoais que ali acontecem.

Finalmente, terá que ser explorado, com algum deta-lhe, o formato que adquirem as relações no estabelecimentoescolar / famílias e sociedade. Como são os encontros entreambas as instituições, quando e como se comunicam, quecrenças e expectativas têm uns dos outros, são informaçõessobre as possibilidades que teremos para que as mudançasprojetadas sejam ou não efetivas. Sem a família, entendidaesta de forma concreta � a família dos(as) meninos(as) comos(as) quais trabalhamos � de forma geral � a família como aoutra grande instituição educacional � a potencialidade demudança da escola é muito menor.

Uma exploração sobre o contexto pode ser feita deformas diferentes, mas, em todo caso, convém saber qual é ocaminho escolhido. Desde a entrevista espontânea, com umnúmero significativo de pessoas, até o trabalho em questio-nários ou outros instrumentos exploratórios são procedimen-tos úteis. Em todo caso, convém saber que a informação pre-cisa ser selecionada e ordenada, ou seja, saber qual é a quenecessitamos e para que é preciso registrá-la, ou ainda en-contrá-la e dispor dela num formato de fácil acesso para quan-do for necessária; e é preciso elaborá-la para que os dadosapresentem o conhecimento requerido. Quando se faz uma

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exploração de qualquer fenômeno, mas muito mais se se re-fere ao escorregadio assunto da dinâmica de relações inter-pessoais, é imprescindível esta última fase de ordenamentoda informação. Sem ela, corremos o risco de interpretar malinformações parciais e aumentar a confusão.

Do mesmo modo, antes de começar a desenvolver umprograma de intervenção, devemos conhecer a história do es-tabelecimento escolar; ainda que acreditemos que hoje come-ça tudo, deveremos estar conscientes de que já havia começa-do algo um tempo antes. As instituições parecem dispor deuma cultura histórica que, muitas vezes, é vista por seus atuaismoradores como um passado do qual sentem orgulhoso e sau-dade e tratam de rivalizá-lo, ou como um problema que searrasta tanto tempo, que é impossível se encontrar uma solu-ção. O fato de conhecer, anotar e valorizar, na devida medida,o passado da instituição, as crenças que sobre ela se têm e opeso dos valores acrescentados � tudo isso nos permitirá com-preender o ecossistema social em que vivemos. Saber se jáhouve intervenções anteriores, na mesma linha, e como funci-onaram, se o estabelecimento escolar tem uma tradição inova-dora ou conservadora, também serão aspectos importantes,não pelo dado em si mesmo, mas porque nos permitirão situ-ar de que ponto poderíamos partir.

Finalmente, recordar que, considerando que o objeti-vo é trabalhar com alunos e alunas � muitas vezes imersosem problemas sérios de relações interpessoais e que poderi-am estar psicologicamente abalados � é muito necessário sa-ber até que ponto a instituição dispõe de recursos humanossuficientes para abordar trabalhos que vão exigir uma certaestabilidade do sistema. É melhor fazer um pequeno estudoda realidade de nosso estabelecimento escolar em relação àvida social e conhecer, com um pouco de detalhe, quais sãoos pontos fortes e quais não o são, para com eles poder con-tar na hora de desenhar nossas intervenções.

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EXPLORANDO O CLIMA DE CONFLITOESCOLAR

Uma vez explorado o sistema, é necessário explorar anatureza do clima de conflito com a qual parece que nosdefrontamos. Já escrevemos (Ortega, 1998) que não é bomconfundir entre si os diferentes problemas de relações in-terpessoais que podem acontecer no estabelecimento edu-cacional. Saber que estamos diante de uma situação de faltade interesse e de falta de motivação para o estudo, e queisso tem grande influência no clima social do estabeleci-mento escolar, é diferente de saber que existe uma falta deatenção real e uma falha na gestão da organização socialque interage com problemas de disciplina.

Tudo isso é, por sua vez, diferente de reconhecermosque se trata do surgimento de sérios problemas de violênciainterpessoal ou de problemas de ruptura e agressão à culturaescolar por parte de um grupo localizado � interno ou exter-no � de pessoas, sejam estas estudantes ou não.

Igualmente, pode ser esclarecedor saber que o mais re-levante não é nem o déficit de organização nem os proble-mas de violência, mas a ausência de vias razoavelmente bemdesenhadas para que as pessoas, alunos e professores, resol-vam, de forma pacífica, dialogada e democrática, seus con-flitos. Em resumo, é preciso estudar as tendências do climade conflito e buscar um certo quadro do que é mais impor-tante no momento em que se aborda o tema, o que é com-plementar e o que, ainda que seja muito grave, não podere-mos, por nossos próprios meios, abordar de imediato. Esta-mos propondo realizar um estudo de diagnóstico prévio que,numa primeira impressão, teríamos denominado clima deconflito ou problemas de convivência.

Já propusemos, em outro lugar (Ortega, 2000),procedimentos de pesquisa para a realização de estudos gerais

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sobre o estado da convivência. No presente material,apresentamos um conjunto de instrumentos simples e de fácilinterpretação, que poderiam ser utilizados, fundamentalmente,para estabelecer até que ponto o clima de conflito, queobservamos em nosso estabelecimento escolar, inclui, de umaforma predominante, redes de participação deterioradas pelosproblemas de falta de motivação e de indisciplina ou falta deorganização das normas. Ou se se trata, pelo contrário, deculturas escolares que não assumem a natureza dos conflitos eque não aprenderam a resolvê-los de forma satisfatória, ouque, infelizmente, a convivência se deteriorou tanto que osurgimento de fenômenos de violência já é um fato.

Segunda fase: compreender a situação e priorizara intervençãoUma vez recolhida, codificada e analisada convenien-

temente a informação e tendo transformado-a em conheci-mento claro, simples e discutível, é preciso decidir o quefazer, para conseguir destacar, entre todos os processos, osque se apresentem como mais globais, por um lado, e comomais urgentes, por outro. Para os mais globais, deveríamoster medidas gerais de caráter preventivo e, para os mais ur-gentes, medidas muito específicas, que eliminassem logo oproblema. Um exemplo de medidas globais é a decisão dese estabelecer uma política geral (whole policy) nova paraatuar em todas as frentes. Um exemplo de medidas concre-tas, quando se tenha detectado que existe um déficit de pro-cedimentos dialogados de resolução de conflitos, é a im-plantação de um programa de mediação, como veremos maisadiante (ver cap. 5).

A informação que saiu dos membros da comunidadeeducacional deve retornar a eles, agora enriquecida pela aná-lise e elaboração que a equipe do projeto realizou. É precisoquestionar como transmitir a informação, para que ela che-

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gue a todos e sirva para que todos tenham um melhor nívelde consciência sobre a vida social do centro. Pequenos e cla-ros relatórios, acompanhados de gráficos daqueles dados maisrelevantes, podem servir para preparar reuniões de trabalho,atividades de sala de aula, palestras e conferências que pro-voquem um estado de opinião interessante e estimulante so-bre a atividade que está sendo realizada no projeto.

Esta fase de trabalho social e comunicativo com a in-formação obtida deve ser muito bem planejada, utilizando-se todo o tempo necessário para que todos os membros dacomunidade se percebam convenientemente informados arespeito de algo que partiu deles(as). O efeito que a tomadade consciência tem a sobre as pessoas, a respeito do que cadaum pensa, sente e opina é tão positivo como a própria inter-venção. Mais ainda o é numa matéria onde o que se deveestudar e conhecer não é algo alheio, mas algo que faz parteda vida de cada um(a).

Com respeito à própria equipe docente, o acima ex-posto aumenta ainda mais seu aspecto positivo. É por issoque proporemos (ver cap. 3) um processo paralelo de forma-ção permanente. Fazer um projeto de convivência requerincluir uma atitude de mudança, também, por parte dos pro-fessores; uma atitude de mudança que, para os profissionaisda docência, só pode ser realizada com sua colaboração sin-cera, retroalimentada com a análise do que se descobre comoprogresso e o que se detecta como inútil ou difícil. É porisso que termina sendo muito interessante uma linha de for-mação permanente, do tipo seminário de aprofundamento,que mais adiante abordaremos (ver cap. 3).

Os dados obtidos devem ser convertidos, com a parti-cipação de todos, num discurso não derrotista, mas estimu-lante; não esqueçamos que, em qualquer momento, nossacapacidade de reflexão é colorida de emoções, provocadaspelo que descobrimos. Sabemos até que ponto elas influem

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nas atitudes e comportamentos, o que termina se conver-tendo numa espécie de �estado de opinião�. É preciso re-conhecer, pois, quais são as tendências desse novo estadode opinião e saber como isto retroalimenta, estimula ou de-tém o processo. Necessitaremos de um discurso que reco-lha a opinião dos diferentes grupos, voltado à realização deum trabalho novo: a intervenção.

Um recurso interessante é fazer uma lista dos pontosfortes e fracos de nossa convivência para podermos decidirem que focos vamos intervir. É muito importante ter presenteque a intervenção deste tipo é muito onerosa e os resultadossão vistos a médio e longo prazos. Os pontos fortes nos serãoúteis para desenharmos as linhas de intervenção.

Deve-se assumir que a intervenção não pode abordartudo ao mesmo tempo. É preciso estabelecer prioridades,ou seja, saber o que deve ocupar o primeiro, o segundo e oterceiro lugar de atuação; uma escolha que deve ser feitacom critérios claros, os quais a equipe de trabalho tenhadecidido, e que sejam os mais relevantes no momento.

Priorizar significa saber que não poderemos fazer tudoo que consideramos necessário, mas que serão estabeleci-das as ações em relação a uma ordem lógica, baseada nãotanto no mais grave � ao que se deve atender de formaurgente, concreta e curta no tempo � mas no que convém amédio prazo e naquilo que avaliamos que terá efeitos dire-tos positivos e efeitos indiretos, igualmente interessantespara mudanças futuras.

É importante, também, pensar em atuações em umnível diferente, em diferentes cenários e com diferentes ob-jetivos, sempre sobre um esquema de hierarquização dasnecessidades que vão sendo vistas e aprovadas por todoscomo as mais convenientes. Por exemplo, ainda que descu-bramos que a prioridade é a melhoria geral da convivência

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e se estabeleça uma nova política de gestão, se perceber-mos, também, que existe um déficit na forma com que seresolvem os conflitos, instaurar um programa paralelo, aoqual se dedicarão alguns recursos concretos, é algo que podeser feito de forma compatível. Mas, se também se descobreque um grupo pequeno de meninos(as) está particularmenteabalado por problemas de violência, e mesmo sabendo que éurgente atuar, esta atuação deve ser considerada pontual, enão deve acumular todos os nossos recursos e nossa energia,ainda que também seja aberto um programa de trabalho comvítimas e agressores (Ortega, 2000).

Não há dúvida de que não se pode fazer tudo ao mes-mo tempo; algumas das iniciativas poderão ficar na reserva eir-se preparando o momento de colocá-las na ativa, enquan-to outras serão vistas como urgentes, ou percebidas comosuscetíveis de serem abordadas de imediato.

Terceira fase: planejamento e desenho das ações aserem desenvolvidasA partir deste momento, a atuação de cada estabele-

cimento escolar dependerá dos resultados do estudo de ne-cessidades que tenhamos realizado antes e das linhas deatuação prioritárias que tenham sido decididas. Em todocaso, como não foi possível a realização do estudo explora-tório, serão de grande valia e apoio os materiais que propo-mos neste livro, já que são recursos para trabalhar, tantocom os(as) alunos(-as) como com os docentes, com o obje-tivo de melhorar a convivência do estabelecimento de ensi-no e da sala de aula.

Para o desenvolvimento desta fase, devemos ter presen-te que a qualidade da convivência está no relacionamento pes-soal do dia-a-dia com as atividades, com os encontros e reuni-ões, com os espaços e com os tempos conjuntos, o que exigetempo, preparação e um certo espírito crítico e construtivo

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(ver cap. 3). Portanto, não só valerá para atividades concretas,mas, também, pode demandar uma mudança em nossos afa-zeres diários com os(as) alunos(as). Do mesmo modo, deve-mos estar conscientes de que não existem receitas para isso,ainda que haja caminhos e iniciativas possíveis (ver cap. 4).

Em nosso trabalho (Ortega e Del Rey, 2001), propuse-mos três linhas programáticas para a prevenção e um con-junto de estratégias concretas para a intervenção direta. Pen-sando na prevenção, propusemos três programas, aos quaisdemos o nome de acordo com o foco de trabalho docente aser desenvolvido: o programa de gestão democrática da con-vivência, para enfrentar a vida em comum; o programa detrabalho em grupo cooperativo, para os processos instrucio-nais; e o programa de educação em sentimentos, emoções evalores, para a formação social e moral dos alunos.

Insistimos que não é necessário desenvolver as três li-nhas programáticas de forma conjunta e � não paramos deinsistir � que não se trata de aplicar mecanismos e artifíciospedagógicos desenhados fora. Trata-se de que cada equipedocente pense em modificar aspectos da convivência, penseem quais são suas próprias finalidades e desenvolva suas pró-prias ações, sem esquecer que a vida em comum requer tra-balho, tempo, espaço e participação pessoal.

Não deixaremos de insistir que os professores tambémtêm que estar conscientes de que, sem enfatizar a função deensino e aprendizagem na escola, não é possível mudar nada,porque esta é a função principal dos docentes e dos alunos.E, finalmente, devemos pensar que não se pode falar de va-lores sem incluir a vida sentimental e emocional, além dacognitiva. O sentido de moral e de justiça se adquire e seconsolida num mundo em que as pessoas são tratadas afeti-vamente de forma positiva, são respeitadas em seus direitose, consideradas em suas emoções e sentimentos.

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Como já mencionamos antes, nossa proposta é aberta,ecológica e global, além de fugir das receitas e da �aplicacioni-te� que, muitas vezes, invade o mercado da educação. Não épreciso aplicar, mas, sim, construir os instrumentos própriospara as necessidades próprias, deixando-se ajudar; e acrescen-tando criatividade ao projeto do estabelecimento escolar. Issonão significa que não seja interessante receber ajuda de fora.A partir de nossa experiência, propomos que sejam conside-rados, no mínimo, os aspectos a seguir, de acordo com a linhade intervenção que venhamos a desenvolver.

Sugestões para desenvolver uma linha de GestãoDemocráticaPara desenvolver um projeto de gestão democrática da

convivência, não se poderia esquecer, pelo menos, o seguinte:� buscar-se-á implantar canais de informação, para quetanto os agentes educacionais como os alunos te-nham acesso aos aspectos relacionados à vida inter-na e externa do estabelecimento escolar, desde a to-mada de decisão até os conteúdos;

� potencializar a participação de todos nas atividades,fazendo com que cada um se sinta protagonista, res-ponsável por algum aspecto a ser mudado;

� basear a tomada de decisões no consenso, no diálo-go, mas também na responsabilidade do cumprimen-to dos acordos;

� estabelecer mecanismos concretos de revisão dosprocessos de relações estabelecidos para a melhoriada convivência;

� vincular as normas, claras e obtidas por consenso,ao respeito de direitos básicos que não devem serapresentados de forma abstrata e sofisticada, mascomo hábitos e atitudes sensatas e positivas;

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� buscar a coerência entre as atividades instrucionaise os objetivos a serem conseguidos, fazendo comque os alunos vejam, com clareza, as conseqüênciasdo que precisa ser feito e as desvantagens da faltade envolvimento.

Sugestões para se desenhar uma linha deTrabalho em Grupo CooperativoPara desenvolver um projeto de trabalho acadêmico,

que termine fortalecendo a solidariedade e os laços sociaispreventivos do aparecimento de conflitos, devemos partirdo fato de que não há fórmula para se aprender a ser solidá-rio, respeitoso para com o outro e pacífico, se a atividadebásica, que é a aprendizagem, tem uma apresentação com-petitiva e ausente de solidariedade. Por isso, propomos tra-balhar de forma cooperativa, o que significa considerar:

� a cooperação como instrumento de trabalho na salade aula, permitindo que os alunos se conscientizemde que os resultados obtidos em grupo são muitomais ricos que os que se conseguem mediante o tra-balho individual;

� o diálogo como meio para comparar idéias, defen-der nosso ponto de vista, argumentá-lo e justificá-lo racionalmente; que os(as) alunos(as) percebamque existem muitas formas de ver as coisas, masumas são melhores que as outras;

� a valorização do(a) aluno(a) em si mesmo(a); a auto-estima e a motivação pessoal são imprescindíveispara se perceber que seus aportes são importantespara o grupo e que cada um tem algo a oferecerpara o enriquecimento de todos;

� a reflexão e o pensamento crítico, oferecendo tempo erespeito às idéias dos(as) alunos(as), para que aprendama pensar por si mesmos; sem racionalidade não háforma de compreender a democracia e dela participar;

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� a necessidade de estimular, de forma direta e simples,a melhoria das relações interpessoais entre os(as)companheiros(as); trata-se de favorecer o conhecimen-to e o afeto mútuo; mas isto só é possível quando osalunos podem observar que, também, existe isso entreos professores e entre eles e suas famílias.

Sugestões para se desenhar uma linha deEducação de Sentimentos, Atitudes e ValoresFinalmente, devemos estar conscientes de que não há

meios de se chegar a ter um critério e um comportamentomoral, cívico e honesto se não se aprender a respeitar e a serrespeitado; e isto só é possível se for sendo desenvolvidauma adequada educação específica, no âmbito da vida emo-cional, das atitudes e dos sentimentos, motivo por que:

� tratar-se-á de conseguir que os alunos percebam que aeducação não é só a mera instrução, mas que elacompreenda o desenvolvimento sócio-moral dos(as)alunos(as), atividade na qual o papel dos docentes adquiregrande relevância como modelos a serem seguidos;

� os(as) alunos(as) aprendam a expressar suas emoções,a tomar consciência de seus sentimentos e a assumiratitudes de respeito para com as emoções dos outros;

� deve-se desenvolver a empatia, ou capacidade de co-locar-se cognitiva e sentimentalmente no lugar dooutro, e de perceber seus sentimentos;

� é preciso saber o alcance que pode chegar a ter a vidaafetiva e social dos(as) alunos(as); conhecer as con-seqüências emocionais que a forma de se relacionarcom seus (suas) companheiros(as) pode evidenciar;

� é necessário potencializar a afirmação dos tímidose inseguros e reduzir a bravata dos atrevidos e abu-sados; trata-se de expressar, claramente, que a in-solência e o despotismo não são bons nem moralnem socialmente;

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� a vida emocional dos jovens adolescentes está entreseus iguais; é um mundo complexo que devemosproteger da agressividade injustificada, da violênciae do abuso de poder.

Quarta fase: o desenvolvimento das atividades ea seqüenciação das mesmasUma vez escolhida uma linha de atuação, é preciso

desenhar as atividades concretas, que serão realizadas ao lon-go do tempo em que se trabalha no programa. O desenho deatividades e sua seqüência no tempo são unidades de traba-lho que devem ser realizadas previamente à implantação dosprogramas, se bem que podem ser modificadas durante oandamento do programa, se o futuro da atividade assim oaconselhar. De nossa parte, propomos, como forma de exem-plo (ver cap. 4), um conjunto de atividades de diversos tipos,que poderiam servir de modelo, mas não tentamos, com isso,suplantar o que nos parece básico: as atividades concretasdevem ser desenhadas pelas pessoas que delas vão partici-par, para que estejam bem contextualizadas e respondam aosinteresses concretos dos que nelas se vêem implicados.

Uma vez estabelecido um número mínimo, mas sufici-ente, de atividades desenhadas, e que estiverem claros os cri-térios de seqüência, é preciso pôr em execução o programa;mas, antes, deve-se decidir se a pessoa que vai desenvolveras atividades vai ser um professor qualquer do grupo, o(a)tutor(a), o(a) orientador(a) ou uma pessoa alheia aosalunos(as), embora a decisão possa ser diferente de caso paracaso. Do mesmo modo, devemos ter prontos os materiaisque serão necessários, porque, caso contrário, pode aconte-cer que, antes de começar a atividade, percamos um tempodo qual venhamos a precisar quando estivermos para con-cluir essa atividade.

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Cada docente que realizar as atividades com os(as)alunos(as) deve anotar os incidentes e as estratégias que uti-lizou para resolvê-las. Desta maneira, ajudaremos uns aosoutros, antecipando-nos a possíveis contratempos e adap-tando as propostas, tendo uma prática anterior com o outrogrupo de alunos(as). É recomendável, se for possível e se osdocentes se dispuserem a isso, simular o desenvolvimento daatividade com o grupo de professores, já que, deste modo,podem ficar patentes os pontos fracos da atividade e, assim,serem corrigidos. Tais pontos fracos podem ser a má ade-quação ao tempo programado, falta de conexão entre umatarefa e outra, ou possíveis respostas ou perguntas dos(as)alunos(as), que sejam complexas na abordagem.

É recomendável fazer uma parada no meio do cami-nho, no meio do processo de intervenção, e realizar uma re-flexão sobre o que estamos fazendo, se continuamos traba-lhando nos objetivos que tínhamos proposto ou se, pelo con-trário, as circunstâncias provocaram mudanças. Falamos, nestecaso, de �exploração em processo�. Em certos momentos, amultidão de mudanças, que a realidade nos exige, pode nosdeixar desorientados; um momento de reflexão e de ordem deidéias é uma carga de energia positiva que pode nos ajudarmuito em momentos de perda. Este processo de revisão podeser feito pouco a pouco; contudo, é recomendável dedicaruma sessão do grupo coordenador do programa apenas paraa revisão e adaptação das atuações.

Quinta fase: avaliar como um processo dereflexão crítica estimula o avançoUma intervenção sem avaliação pode ficar no esqueci-

mento, ou pode provocar mais problemas que benefícios. Oque se faz, de forma consciente e planejada, deve ser avalia-do de maneira crítica e com projeção de futuro.

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A intervenção deve ser submetida a processos de con-trole. Este não deve ser um controle frio e distante, mas maispróximo das metas e processos que foram ativados. Por ou-tro lado, a avaliação, no meio do caminho e ao final, deve,como explicação inicial, contar com processos de objetiva-ção e, para isso, é necessário desenhar instrumentos precisosde avaliação. Estamos entendendo por instrumentos os ob-jetivos, as atividades e as tarefas que produzam uma infor-mação suscetível de contrastar as crenças e as percepçõessubjetivas que o desenvolvimento do programa proporcionaa seus protagonistas. Queremos dizer que, ainda que saiba-mos que as opiniões dos participantes da implantação sejammuito importantes e proporcionem uma informação muitorelevante, é preciso estabelecer os procedimentos para obje-tivar tais opiniões, para se obter uma versão algo mais fria(por exemplo, numérica) dos fatos e para poder concluir nossoprocesso de inovação educacional. Recordemos que, ao tra-balhar através de uma pesquisa-ação, devemos avaliar o prin-cípio do processo, intervir e, a seguir, avaliar as possíveis mu-danças que esta intervenção tenha provocado.

O uso de um questionário final, que contenha camposde informação idênticos ou muito semelhantes aos que seestabeleceram para a avaliação inicial, é uma estratégia decontrole que, sem ser infalível, é muito interessante. Con-trastar o que pensavam os alunos, os docentes e as famílias,antes do desenvolvimento do programa e o que pensam de-pois, é uma maneira de avaliar, com um grau razoável deobjetividade, se houve mudança em algo ou quais são as pos-síveis tendências para essa mudança.

São, também, interessantes, as medidas indiretas, comoobservar efeitos sobre o clima, registrando medidas sobre no-vos funcionamentos da comunicação, a tomada de decisões, aorganização dos espaços e tempos de debate. Evidentemente,também são importantes os registros relativos aos processos

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diretos que tratamos de modificar: a cooperação, quando de-senvolvemos uma seqüência de atividades de grupo coopera-tivo; a expressão de sentimentos e atitudes, quando o progra-ma que se seguiu estava centrado sobre isso, etc.

Avaliar é uma tarefa que permitirá ao quadro docenteconhecer os objetivos que foram atingidos e os que não o fo-ram, e talvez algumas das causas ou a origem dos fenômenossobre os quais se fez a intervenção, ainda que, no momentoinicial, não saibamos por que nem como foram gerados. Alémdisso, a avaliação, entendida como um processo intimamentevinculado à intervenção, tem o benefício de converter-se numretroalimentador de informação, que vai preenchendo lacu-nas de conhecimento, que não se dominam, necessariamente,desde o começo.

Evidentemente, a avaliação nos mostrará o impacto queprovocaram, no estabelecimento escolar, as intervenções re-alizadas, em termos do que saiu bem e do que saiu mal, doque manter e do que mudar, etc. Dessa forma, a avaliaçãoem processo, se realizada ao mesmo tempo dos programas,serve tanto para enriquecê-los, quanto para elevar o entusi-asmo de quem está inovando, porque se pode observar, jun-to com o que não funciona, o que funciona e ainda está atempo de melhorar. Para isso, não é preciso dispor de siste-mas sofisticados: os simples e funcionais são muito adequa-dos. Por exemplo, é muito recomendável a utilização de umdiário de campo, com um item especial em que se possa ano-tar cada vez que uma sessão de trabalho da equipe ou umaatividade específica do programa chega ao fim, como tudotranscorreu, quais foram as dificuldades e quais os aconteci-mentos novos, e os efeitos sobre a tarefa prevista, as inquie-tações e as esperanças novas.

Como comentávamos antes, para a avaliação podemser utilizadas diferentes estratégias, das mais qualitativas,como entrevistas com professores(as), alunos(as) e famílias,

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até as mais quantitativas, que são os questionários. Mas, ten-do em conta a mais que provável falta de tempo, uma pro-posta interessante é celebrar diferentes tipos de reuniõestransversais: os responsáveis por um programa concreto po-dem entrevistar pessoas que não têm responsabilidade nele,mas que estão recebendo seus efeitos. Pode-se fazer entre-vistas com um pequeno conjunto de pessoas, bem escolhi-das, ainda que não se façam entrevistas com todos, caso seescolham adequadamente os critérios de seleção.

Pensando já em instrumentos mais formais, os questi-onários são particularmente úteis, sempre que sejam elabo-rados com critérios claros sobre o que queremos saber, porque e para que utilizaremos tal informação. Por exemplo, seestamos pensando na avaliação em processo, são imprescin-díveis perguntas como as seguintes: O que mudou nas rela-ções do estabelecimento escolar? Estamos nos relacionandomelhor? Para que serviram as coisas que fizemos? Há coisasque não serviram para nada? O que poderíamos melhorar?Que atividades teríamos incluído no programa?

É evidente que devemos, também, pensar em perguntasque nos permitam saber se houve mudanças reais naquilo quequisemos modificar. Assim, é preciso aplicar um questionárioemprocesso, que seja semelhante ao questionário inicial e referentea um dos problemas no qual estamos fazendo a intervenção.

Fase Final: elaboração de um relatório epublicação da experiênciaAlgumas formalidades são, aparentemente, pouco úteis,

mas, quando levadas à prática como uma necessidade verda-deiramente sentida pelas pessoas, que estão numa tarefa con-junta, revelam-se muito úteis. É o que pensamos da elabora-ção, por escrito, de um relatório sobre o projeto e as linhasdo programa realizadas.

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Na nossa opinião, é importante colocar por escrito oprocesso desenvolvido e os resultados da avaliação, bemcomo todas as incidências que tenham surgido e as propos-tas de melhoria para próximas intervenções. Deste modo,será facilitada uma possível futura intervenção e se poderáutilizar assim a análise de todos os fatores, incluído o valordas atitudes pessoais e outras, que não são fáceis de seremexpressas, mas que traduzem, na forma que ao final adqui-rem, o que os protagonistas pensam que foi o mais impor-tante e o secundário. O efeito do relatório escrito e publi-cado tende, como afirmava Bruner (1997), a elevar a auto-estima de quem vê reconhecido, publicamente, um traba-lho no qual investiu seus esforços.

Caso se consiga, finalmente, a meta de publicar o traba-lho realizado e receber a opinião de pessoas e grupos alheios,interessados e bem intencionados, ter-se-á coberto um certociclo, que inclui a necessidade de que o trabalho docente ino-vador receba a retroalimentação que toda função pública tem.

Assim, escrever um pequeno artigo e enviá-lo para umarevista ou publicação educacional pode ser um final provisório,muito acertado ao trabalho de equipe que os docentes tenhamrealizado. Não se trata de publicar por publicar, mas de tornarvisível o trabalho realizado, estar atento às opiniões de outros eir progredindo com a incorporação da crítica sadia e estimulante.

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3. CONVIVÊNCIA E FORMAÇÃODOS DOCENTES: O DIÁLOGOCOMO INSTRUMENTO

Trabalhar sob a pressão da insolência, desobediência efalta de respeito, quando não da agressividade injustificada,não só não é razoável, mas é prejudicial para a auto-estimaprofissional do docente. Os(as) professores(as) têm queaprender a proteger, com conhecimento e habilidades pro-fissionais, sua identidade pessoal do conjunto de transfor-mações, às vezes imprevisíveis, às quais se vêem expostos.

Os docentes devem aprender a colocar uma distânciaprofissional entre sua própria personalidade e as tarefas, porvezes duras, do exercício de sua atividade. Apenas com umarazoável segurança de que dominam as situações, que são,não raras vezes, complexas, mas que precisam ser enfrenta-das, poderão assumir tarefas para as quais não foram prepa-rados, na maioria dos casos, durante sua formação universi-tária. Deste modo, a atualização dos conhecimentos se con-verte não apenas num elemento que enriquece sua atividade� o que de fato ocorre � mas num tipo de garantia de queestão preparados para novos desafios.

Em nosso país, são os Centros de Professores �CEP �,(em outros lugares chamados Centros de Professores e

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Recursos), os que se encarregam da necessária formação emserviço. Os CEPs organizam, principalmente, cursos curtos eseminários de formação, prolongados no tempo. Contudo, parao que aqui estamos tratando, isto é, a convivência e os possíveisconflitos que a assolam, exige-se um sistema de formação quepossa ser ativado a partir do próprio centro. Um sistema aberto,que permita ter sempre recursos disponíveis e ajuda paraabordar os problemas, muitas vezes imprevisíveis, que podemsurgir no andamento da vida quotidiana do estabelecimento.

Entretanto, o processo de desenho e coordenação daformação profissionalizante dos professores não é nada fá-cil. O grupo de professores é um coletivo que sabe muitosobre a prática educacional e, quando demanda ferramentaspara solucionar dificuldades, é porque não encontra, por per-to, outros recursos. Uma dificuldade é que não se visualiza aajuda externa, oferecida como um complemento eficaz paraa prática diária.

Por outro lado, na formação permanente, como emtodo processo de aprendizagem, é preciso ter presente oponto de motivação do qual se parte. Não será igual partirde necessidades básicas de sensibilização e aproximação aotema da convivência, ou partir de um nível alto de motiva-ção em resolver problemas já detectados que exigem atitu-des e comportamentos muitos comprometidos com a práti-ca. Por isso, consideraremos que, tanto o curso curto de ini-c iação ou apr ofundamento , como o seminário pr olongadono tempo constituem dois formatos adequados; na verdade,cada um deles é mais indicado para um momento concretodo trabalho de melhoria da convivência.

De nossa parte, com respeito à convivência escolar,vamos propor sugestões não só de sensibilização, para o quenos basearemos no modelo curso curto, como também de im-plementação de um programa de formação ligado à implan-tação de um projeto de estabelecimento escolar. Nesse caso,

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sugeriremos o modelo seminário permanente, prolongadoao longo do tempo e realizado de forma paralela ao desen-volvimento do projeto de convivência.

O CURSO CURTO: UMA ESTRATÉGIA DESENSIBILIZAÇÃO, INICIAÇÃO EAPROFUNDAMENTO

Os cursos de formação são aconselháveis quando serequer que os docentes se aproximem de um conhecimentonovo ou se pretende que atualizem conhecimentos prévios.Os professores, no exercício de sua prática profissional diá-ria, tendem a usar esquemas cognitivos, crenças e atitudesque precisam ser enriquecidos. Neste sentido, os cursos de-senhados para a aquisição de informação ou melhoria de co-nhecimentos, que só posteriormente podem ser convertidosem conhecimento profissional, são idôneos.

O curso de formação, cuja extensão pode ser de dez etrinta horas, tem certas potencialidades, sobretudo se os pa-lestrantes escolhidos e as dinâmicas e estratégias propos-tas se tornarem atraentes, bem estruturadas e seu desenvol-vimento condizente com a sensibi l idade dos(as)professores(as). Mas apresenta limitações, ao se pretenderque seus efeitos sejam duradouros. Um trabalho concentra-do no tempo, na informação e na possibilidade de se fazeralgum tipo de prática exerce o impacto da novidade, masnão é muito provável que se produza uma mudança nem nopensamento profissional, nem sequer nas grandes linhas decrenças educacionais dos(as) professores(as).

Se o que se persegue é sensibilizar, informar, delimitarcertos esquemas conceituais, chamar a atenção sobre as pró-prias crenças, etc., o curso pode ser efetivo, mas é preciso le-var em conta, também, suas próprias limitações. Não é razoá-

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vel esperar de um curso a mudança sustentável de atitudese comportamentos, já que, para isso, se requer a vinculaçãodas aprendizagens, que tenham sido ativadas durante o cur-so, com as práticas docentes; coisa difícil de se alcançar noperíodo de tempo em que ele dura. Em troca, se o propósi-to é sensibilizar para a inovação, despertar iniciativas ou,simplesmente, informar sobre assuntos de interesse relaci-onados com o âmbito teórico-prático que se quer abordar,o curso curto é um modelo adequado. Assim, para um cur-so curto de sensibilização ou de iniciação, poderíamos assi-nalar o seguinte:

Objetivos possíveis de um curso desensibilização e iniciação:� aquisição de nova informação sobre conhecimen-tos profissionais;

� esclarecimento sobre conceitos relevantes, que po-dem ter ficado antiquados;

� informação sobre procedimentos e estratégias deintervenção;

� transmissão de modelos de projetos, programas etécnicas concretas;

� estabelecimento de marcos conceituais recém-lançados;

� treinamento em procedimentos e estratégias espe-cializadas;

� qualquer outro em que se considere que a ajuda pon-tual de um especialista sirva para estimular a mudança.

Pensando concretamente sobre a convivência esco-lar e sobre os objetivos gerais antes mencionados, um cur-so de sensibilização poderia tomar por referência os temasa seguir, chamados de conteúdo, que poderiam ser trans-formados em núcleos centrais, sobre os quais seria possívelprogramar o curso.

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Sugestões de conteúdos para um curso sobreconvivência:� esquemas conceituais claros e operacionais sobreo que é convivência;

� fatores, causas e conseqüências do clima de con-flito na escola;

� o que é a violência, quando surge e como se produz;� ecossistemas humanos, atividade educacional e cli-ma do estabelecimento escolar;

� estrutura social de participação: redes e subsiste-mas de relações;

� o que é alfabetização emocional e como se capacitarnesse assunto;

� vínculos afetivos, hábitos, atitudes e valores;� projetos e programas de intervenção em conflitos;� estratégias e programas de prevenção da violência;� estratégias de incremento de habilidades sociais;� estratégias para o desenvolvimento da empatia;� estratégias de aprendizagem da afirmação positiva;� estratégias de mediação em conflitos;� estratégias de desestruturação de redes;� e todos os que, sendo um conhecimento específi-co, possam colocar-se a serviço da otimização doclima social do estabelecimento escolar.

Sugestões para o desenho de um curso deconvivênciaNinguém renuncia à segurança que lhe proporciona o

conhecido, a não ser que o novo lhe apareça como mais idô-neo e ofereça a impressão de que permite explorar novoscaminhos, ou se forem apresentados aspectos que não tinhamsido aprofundados até o momento. O especialista que minis-tra o curso deveria poder apresentar a novidade da informa-ção ou o conhecimento como se fosse uma outra forma dever as coisas.

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Um curso de sensibilização e iniciação não pode partirdo zero, com respeito ao conhecimento anterior dos docen-tes, mas deve oferecer, necessariamente, informação maiselaborada, mais clara, mais complexa ou, simplesmente, umaforma nova de enfrentar problemas velhos. Para isso, cre-mos que são sugestões úteis:

� unir teoria e prática, tentando que o palestrante sai-ba como exemplificar o que descreve;

� ordenar a informação em esquemas, quadros ou re-presentações gráficas;

� estruturar o tempo de intervenção, para que os as-sistentes possam participar;

� propor exercícios e atividades relacionadas com a teoria;� aportar exemplos que sejam reconhecidos pelos as-sistentes ou fazer com que eles acreditem no que éproposto;

� desenhar bem a seqüência da comunicação, nos di-ferentes momentos de diálogo:� escutar o palestrante;� esclarecer as dúvidas;� propor debate geral, com opiniões, réplicas etréplicas;

� elaborar síntese do que foi proposto;� propiciar conversação em pequenos grupos;� fazer resumos individuais;� outras contribuições.

Mas, num assunto como o que estamos tratando, noqual não só importa o conhecimento, como também é es-sencial a tomada de consciência sobre a importância social emoral dos problemas de convivência, torna-se necessárioprogramar, num curso de sensibilização, a transmissão deatitudes e provocar a reflexão emocional. Assim, são pro-postos objetivos de atitude, tais como:

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� aprender a avaliar, sentimentalmente, as emoções;� compreender os matizes pessoais das relações in-terpessoais;

� compreender o que são conflitos não resolvidos eseu efeito;

� distinguir a agressividade em geral da agressividadeinjustificada;

� ampliar a sensibilidade moral diante dos maus tra-tos e seus efeitos;

� aprender as características do assédio, do abuso eda prepotência;

� iniciar-se na necessidade de alfabetização emocional.Entretanto, além disso, é conveniente não esquecer que

devem ser incluídos, também, objetivos de informação e co-nhecimento novo, tais como:

� aprender a considerar e a valorizar a convivênciacomo uma matéria principal dentro de nosso níveleducacional;

� reconhecer a comunidade educacional como agen-te global protagonista da convivência no estabeleci-mento escolar;

� reconhecer os diferentes subsistemas da convivên-cia: a ecologia humana do estabelecimento escolar;

� analisar o papel das atitudes dos(as) professores(as),no tocante à convivência escolar;

� conhecer as estratégias de intervenção de melhoriada convivência e debater sobre elas;

� conhecer e estudar estratégias concretas de media-ção de conflitos.

Tais objetivos devem dar lugar a conteúdos que podemser apresentados em formato de perguntas, cujas respostas osdocentes devem ir aprendendo a elaborar, com a ajuda do espe-cialista, o qual assume a responsabilidade de ministrar o curso.Assim, poder-se-ia pensar em conteúdos como os seguintes:

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� O que é convivência escolar? Como a estamos abor-dando?

� Como dispor de esquemas claros sobre a estruturasocial de participação?

� Que instrumentos podemos empregar para descre-ver o sistema global de convivência?

� Que dificuldades se apresentam na análise da dinâ-mica escolar?

� Como fazer umprojeto para amelhoria da convivência?� Como trabalhar a convivência na sala de aula?� Como construir normas de forma democrática?� O que é um programa de mediação de conflitos:aspectos gerais;

� Estratégias para implementar um projeto de media-ção de conflitos;

� O papel do mediador, o papel do supervisor e a es-colha de mediadores.

Procedimentos possíveis:� exposições teóricas� colóquios e debates sobre as mesmas� técnicas de intervenção com grupos� elaboração de casos práticos� estudo de experiências prévias� exercícios de afirmação positiva� exercícios de empatia� exercícios de alfabetização emocional� simulações e jogos de papéis� etc.Embora não nos detenhamos no desenho completo de

um curso, apresentamos uma atividade possível de ser realizada,no marco do curso curto de iniciação, tendo claro que, além dosobjetivos de conteúdo cognitivo, desejamos cobrir objetivos desensibilização emocional diante da convivência escolar.

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ATIVIDADE 1:SENTIR É UM PASSO MAIS DO QUECONHECER

JustificativaO grau de sensibilização das pessoas diante de uma

problemática social depende, em grande parte, de quão per-to nos sintamos, emocionalmente, dela. Por isso, é precisorefletir sobre acontecimentos que se sucedem nos centroseducacionais, analisando-os do ponto de vista mais emocio-nal e sentimental possível, de modo que possamos nos apro-ximar do ponto de vista dos protagonistas que estão vivendoa situação; lugar no qual nos será mais fácil ajudar a resolvertal situação.

Objetivos da atividade:� traduzir em sentimentos e emoções o que são fatos:começar a alfabetização emocional;

� realizar uma leitura sentimental dos comportamen-tos e atitudes das pessoas: os vínculos;

� aprender a escolher, explicitar e trabalhar um casoconcreto e a ler seus ensinamentos;

� aprender a transferir conhecimento a outras situa-ções e casos;

� compreender a complexidade psicológica dasatitudes;

� distinguir elementos cognitivos, afetivos e compor-tamentais nas atitudes;

� distinguir o núcleo crítico de um conflito;� aprender a diferenciar conflito, falta de motivação eindisciplina;

� distinguir entre conflito e violência interpessoal;� concretizar as possíveis vias gerais de intervençãoem um dos problemas referidos;

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Recursos e materiaisA leitura e o comentário sobre casos concretos, quan-

do utilizados como instrumento para se aprofundar na vidaemocional das pessoas, trazem a descoberta de que somosmais ricos em nossa análise do que habitualmente expres-samos; mas é preciso praticá-los para compreendê-los.

� Do livro Educar la Convivencia para prevenir laviolencia (Ortega, 2000), extraímos o caso de Sô-nia, mas pode ser, também, criado um novo ou tirá-lo da literatura. Convém, ainda, apresentá-lo deforma que estimule a atenção dos assistentes paraque se motivem a realizar adequadamente a tarefa.

Texto do caso Sônia�Quando voltei do banheiro, não podia acreditar no

que estava vendo: minha pasta estava aberta, mas não tinha

nada dentro; só o caderno de Linguagem, todo amassado e

com as poucas folhas que lhe restavam, ainda meio arranca-

das. Os livros estavam espalhados pelo chão. O estojo, sem

lápis, jogado na lixeira; alguns cadernos, pisoteados e sujos,

encontrei debaixo das cadeiras. O recipiente de minha meren-

da, feito uma bola, voava pelos ares, enquanto Xavier dava

gargalhadas, olhando-me e olhando para os outros, fingindo

que nada tinha com isso, enquanto comia o último pedaço de

meu desjejum. Eu sabia, tinham sido eles de novo, parecia que

estavam dispostos a tornar minha vida impossível. Eu já esta-

va sem saber o que fazer, nada me vinha à mente, não sabia

para quem denunciar, só tinha vontade de chorar e de fugir

dali, de nunca mais voltar ao colégio�. Sônia (12 anos).Comentário do palestrante, com relação à teoria previ-

amente apresentada para que os assistentes entendessem osentido da tarefa:

�Xavier e sua turma acham que fizeram uma brincadei-ra superengraçada, mas Sônia se sente muito mal; está verda-

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deiramente angustiada, porque não sabe como acabar com esta

situação, já que todos parecem acreditar no que Xavier e seus

amigos contam. Quando ela se queixa, eles dizem que foi ape-

nas uma brincadeira, mas para ela não foi nada disso. Trata-se

aqui de um caso de abuso ou um conflito interpessoal?�

Instruções e sugestões úteis:� uma pessoa lê o texto detidamente, repetindo mes-mo, para que todos os assistentes o entendam bem;

� faz-se um breve comentário, procurando não entrarmuito em causas e detalhes, o que nos afastaria da tarefa;

� de forma individual, cada assistente deve fazer umalista das emoções que lhe parecem que poderiamestar sentindo cada um dos protagonistas: Sônia,Xavier e alguns(mas) amigos(as), a quem já se podecomeçar a dar nomes;

� depois de elaborar a lista, reunidos agora em grupo,tratar-se-á de completar o mapa de sentimentos decada personagem (serão bem-vindos modelos ori-ginais de representação);

� os mapas emocionais dos personagens devem sercomparados entre si, buscando as chaves sentimen-tais para resolver a pergunta principal, que, segun-do o texto é: o caso de Sônia e Xavier é um conflitoou um fenômeno de abuso?

� debate sobre a pergunta principal, com argumentosa favor e contra: um conflito? Por quê? Um caso deabuso? Por quê?

Recursos complementares:Lista de sentimentos extraída e adaptada deOrtega (2000)� assustado, com medo;� feliz, radiante;� indiferente, sem emoção;� ressentido, chateado;

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� humilhado, ofendido;� furioso, enlouquecido;� com inveja, enciumado;� frustrado;� aborrecido, crítico;� deslocado;� nervoso, intranqüilo;� preocupado;� chateado;� incomodado, irritado;� interessado, excitado;� surpreso, atônito;� triste, desanimado;� angustiado;� confuso;� orgulhoso;� diferente

Lista de perguntas pertinentes para contribuir para odiálogo:

� De que se trata?� Trata-se de um conflito?� Quando começou?� Por quê?� Quais são as motivações dos protagonistas?� E seus pontos de vista?� Qual é o núcleo do problema?� Que sistema de comunicação está-se empregando?E qual?

� Onde falha a comunicação?� O que acontecerá se tudo continuar como está?� Como seria possível uma mudança espontânea?� Podemos esperar que se produza a mudança semintervenção?

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� Quem deveria intervir?� Como deveria fazê-lo?� Que expectativas são pertinentes?� É preciso interromper alguma coisa?� É justo deixar as coisas como estão?� Deve-se fazer algo indireto?� Seria adequado um processo de mediação?� Como preparar os protagonistas para a mediação?� Quem deve decidir isso?� Em que fases é conveniente trabalhar?� Etc. ...

Divisão dos temposO curso não costuma durar mais do que trinta horas.

Isso significa que é adequado que se pense numa divisão detempos em função dos objetivos, em unidades que incluamvárias atividades relevantes, e estas, em tarefas concretas, aserviço de objetivos mais precisos. Neste sentido, propomos,a seguir, tarefas adicionais, que podem ser escolhidas alter-nativamente, para completar a atividade.

Tarefas complementaresCaso se deseje aprofundar nesta linha, ao longo do

curso, podem ser programadas outras tarefas, tais como:� Tarefa 1: Criação de um texto alternativo, no qual ospapéis sejam outros, o cenário ou a trama diferentes;deve-se responder à mesma pergunta ou a outra: Tra-ta-se de conflito? Existe um problema de falta de in-teresse acadêmico? Não estão claras as normas? etc.

� Tarefa 2: De forma individual, para logo comparti-lhar com os(as) companheiros(as), traçar um mapade emoções compartilhadas e outro de emoções di-vergentes dos personagens de uma história semelhan-te, exemplo: Que emoções compartilham Xavier e

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seus amigos? Quais são as de Xavier e as de Sônia?Quais são as de Sônia e as de seus amigos?

� Tarefa 3: O que sentem e pensam os pais dos protago-nistas? Continuar a elaboração dos mapas emocionais,mas agora aumentando o círculo da rede social.

� Tarefa 4: O que sabem, pensam e sentem os profes-sores dos personagens em conflito ou em situaçãode assédio? Emoções e sentimentos compartilhadose divergentes. Qual o papel que ocupa o conheci-mento profissional na interpretação dos fatos?

� Tarefa 5: O que sabemos e pensamos da rede de iguaisque rodeia Sônia e Xavier? Como é o círculo deamigo(as) Podemos esperar ajuda? O que acontece-ria se estabelecêssemos um sistema de mediação?

� Tarefa 6: Perfis de personalidade fria e calorosa.Dando um passo a mais, fazer perfis protótipos depersonagens inventados, de acordo com o que acre-ditamos ser frios e calorosos na expressão de suasemoções (Vale inspirar-se em personagens popula-res, não presentes).

� Tarefa 7: Distorcemos as opiniões e crenças, influí-dos pelas emoções e sentimentos? Buscar exemplosde egocentrismo intelectual que provocam conflitosinterpessoais. Escolhido o exemplo, criar a �históriado conflito X�.

� Tarefa 8: Bom e mau. Criar um dilema moral baseadoem pontos de vista distintos sobre o que é bom e oque é mau. Elaborado o dilema, justificar bondade emaldade com argumentos racionais e com argumen-tos sentimentais. Refletir sobre nossa consideração dooutro , com nossos argumentos diante de um conflito.

� Tarefa 9: Dois sentimentos extremos: a felicidade e ador. Descrever com detalhes o que é a felicidade e oque é a dor (não só a física). Interpretar a diversidadede descrições em termos intelectuais e afetivos.

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Avaliação da atividadeEsta atividade requer participação pessoal, além daquela

que se tornou habitual nos trabalhos de formação, motivopor que se deve buscar a consecução dos objetivos, e darvalor ao envolvimento dos participantes. Falar de sentimen-tos é tarefa difícil, razão por que não se deve ser muito exi-gente. Também devemos pensar na atitude dos docentes paraa elaboração de possíveis intervenções.

Sugestões para a dinamização de atividades etarefas em cursos de iniciaçãoNão é fácil programar e desenvolver cursos em que a

teoria e a prática estejam juntas; entretanto, na formaçãopermanente � e para estimular iniciativas e mudanças � issose torna necessário.

Na atividade que aqui exemplificamos, o especialistadeve ser, também, um dinamizador das atividades práticas;ele deve promover o diálogo e estimular a participação nodebate, sugerindo que os participantes realizem os exercíci-os pessoais propostos.

Do mesmo modo, deve evitar camuflar sentimentosde culpabilidade, rancor ou violência, cujo afloramento nãoé lógico, mas poderia surgir. A identificação empática comos personagens de uma história deve passar o mais distantepossível, sempre sob a proteção do condutor da atividade,que não deve permitir a aparição de tensões entre as pesso-as, em função de suas opiniões ou sentimentos.

COMENTÁRIOS GERAIS

� O que quisemos exemplificar é a potencialidade for-mativa de um curso de iniciação ao tema da convi-vência escolar. Detivemo-nos em uma atividade, das

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muitas que podem ser desenvolvidas, mas propuse-mos tarefas alternativas que podem ser implemen-tadas dentro dos objetivos da atividade sugerida.

� Escolhemos uma atividade que permite alcançar ob-jetivos teóricos e práticos e demos exemplos, basi-camente, de como realizar os práticos, já que os te-óricos dependem, sobretudo, da habilidade do pa-lestrante de expressar, de forma clara e atraente, asidéias que quer transmitir.

� No caso de nosso exemplo, essas idéias deveriam es-tar associadas � conforme expresso nos conteúdosescolhidos � aos conceitos básicos, como: o que é oclima de conflito e o que é violência interpessoal.

� Trabalhar com atividades e tarefas é interessante, porquepermite unir, de forma coerente, a teoria e a prática.

O seminário permanente ligado ao desenvolvimentodo Projeto de Convivência: uma estratégia deformação em estabelecimentos escolaresExiste uma crença, da qual compartilhamos, de que a

verdadeira inovação educacional só se torna efetiva quandose realiza um trabalho continuado de uma equipe docente,enfocando sua atividade inovadora para uma mudança pro-fissional, trabalhando em colaboração com os que são seus(suas) companheiros(as) de profissão e compartilham de suasresponsabilidades concretas.

Com isto, queremos afirmar que é o trabalho inovadorprolongado e a reflexão que sobre ele se realiza que produ-zem os benefícios máximos, tanto para a experiência de mu-dança como para a formação em serviço dos docentes. Se aisso se acrescenta, em fase avançada, a elaboração de proje-tos de pesquisa ligados à prática, teremos concluído um ci-clo de formação da máxima potencialidade.

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Como mencionamos anteriormente, assistir a cursossó se torna relevante quando se põe em prática o que se apren-deu, mas esta implementação é muito difícil, se não se contacom a colaboração efetiva de um grupo de companheiros(as),nos quais deve-se apoiar para mudar as práticas e rotinasquotidianas. O trabalho que aqui estamos exemplificando �o seminário permanente ligado ao estabelecimento de umprojeto educacional para a melhoria da convivência � é con-siderado a via régia para a formação.

O seminário permanente ligado ao desenvolvimento do

Projeto de Convivência pode ser realizado de forma autôno-ma pelos docentes que dele participam, mas não dispensa acolaboração de um agente externo. Neste sentido, é precisodestacar o esforço do agente externo, com um grupo de do-centes, dotados de um nível de motivação e formação sufici-ente para trabalhar na melhoria da convivência � mediante aimplementação de programas concretos. O agente não devetentar a informação nova; ao contrário, deve conduzir a equi-pe a mobilizar seus próprios recursos para seguir a seqüênciadas fases e elaborar atividades interessantes, dentre outras.

Quando a equipe docente, constituída já como grupo detrabalho e decidida a executar um projeto concreto, estima serconveniente realizar, de forma paralela, sua própria formação, éapropriado oferecer-lhe ajuda para que faça um seminário per-

manente ligado ao desenvolvimento do Projeto de Convivência.O seminário é um espaço simbólico, ou seja, o planeja-

mento e o desenvolvimento de uma seqüência de reuniõesperiódicas, em que os assistentes vão estabelecendo as ativi-dades e tarefas que consideram oportunas. A idéia principalé que as reuniões periódicas se prolonguem durante todo otempo que dura o desenvolvimento do projeto de convivên-cia. Outra idéia básica é que o seminário sirva para que sejacolocada em prática a reflexão conjunta, crítica e sustentadasobre o progresso na implementação do projeto.

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Voltamos a utilizar os conceitos de atividade e tarefa,porque nos parecem que são boas ferramentas, quando sequer articular teoria e prática. Cada equipe docente podedesenhar as atividades que considere oportunas e fazer aseqüência delas nas tarefas que lhe pareçam adequadas. Osdocentes não são aplicadores de instruções externas, mascriadores de seu próprio conhecimento profissional.

A atividade é uma elaboração construída, que estamosutilizando em seu sentido vigotskiano, ou seja, para nós, ati-vidade significa fazer coisas que têm importância em relaçãoaos objetivos teóricos e práticos a que nos propomos. Umaatividade se desdobra numa seqüência de tarefas que podeincluir uma ou várias tarefas: para alcançar o desenvolvimento,de forma adequada, da atividade que desejamos, obrigamo-nos a certas tarefas. Uma tarefa é uma ação interna num pro-cesso de atividade; é, assim, uma unidade de aprendizagem,uma conotação de obrigatoriedade, de exercício, de treina-mento e de processo curto, claro e fácil de executar.

O projeto SAVE (Ortega, 1997) estabeleceu seminá-rios permanentes dos docentes de cada estabelecimento es-colar, que eram celebrados com uma periodicidade sema-nal ou bi-semanal, por um lado; e os seminários de coorde-nadores de projeto, celebrados com uma periodicidade men-sal, ordinariamente nos locais dos Centros de Professores,ou na Universidade. Participava desses seminários, pelo me-nos, um representante, ou seja, o(a) coordenador(a) de cadauma das equipes do estabelecimento escolar. Os resultadosdeste modelo foram positivos (Ortega e Del Rey, 2001); épor isso que decidimos aconselhar que esta estratégia sejaconsiderada apropriada.

A seguir, são apresentadas sugestões de atividades quepoderiam ser realizadas dentro do seminário permanente doestabelecimento escolar. Neste caso, as atividades que propo-

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mos, sob forma de exemplo, mantêm uma seqüência temporalparalela ao desenvolvimento do projeto de convivência que su-pomos estar sendo desdobrado no estabelecimento escolar.

É evidente que, além das atividades que exemplifica-mos, ao longo do seminário, podem ser realizadas outras, eque cada uma delas inclui tarefas diversas. Não especifica-mos aqui as tarefas, porque entendemos ser o seminário muitobaseado na autonomia dos docentes; cada estabelecimentoescolar vai escolhendo sua forma particular de trabalhar. Denossa parte, propomos, sob forma de exemplo, um conjuntode atividades que seguem uma certa seqüência de tempodentro do seminário de formação permanente.

ATIVIDADE 1:BUSCANDO UMA IMAGEM CLARA DENOSSO SISTEMA DE CONVIVÊNCIA

JustificativaA inquietação, ao intervir diante da sensação de uma

possível existência de dificuldades, na convivência em umestabelecimento escolar, deve partir do conhecimento da si-tuação. Conhecê-la provocará a sensibilização de quem ain-da não está interessado pelo tema, o entusiasmo daquelesque possam estar desmotivados e o esclarecimento de quemesteja intervindo, pois, às vezes, estes encontram-se em situ-ações de incompreensão diante de alguns efeitos que taisatuações possam estar provocando.

Objetivos da atividade:� estabelecer um esquema básico conceitual e opera-cional sobre como é a convivência no estabeleci-mento escolar;

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� refletir sobre o conhecimento real que temos dosfenômenos sociais que acontecem no estabelecimen-to escolar;

� refletir sobre a idoneidade de se realizar uma explo-ração para indagar a visão que têm os professores,alunos e famílias sobre a saúde da convivência noestabelecimento escolar;

� dispor de dados sobre como é cada um dos subsis-temas de relações interpessoais no estabelecimentoescolar;

� detectar os problemas mais importantes de convi-vência que existem no estabelecimento escolar: for-mato mais freqüente dos conflitos, nível de falta demotivação ou indisciplina escolar, fenômenos demaus tratos ou abuso entre alunos, etc;

� detectar os aspectos positivos da convivência e va-lorizá-los como pilares para apoiar a intervenção;

Condições e recomendações� É condição necessária assumir que a formação per-manente, no estabelecimento escolar, deve ser umespaço de reflexão, análise e tomada de decisão, porparte de todos os docentes.

� É necessário que a equipe de direção do estabeleci-mento escolar não só esteja informada, mas queaceite e assuma o trabalho de formação dos docen-tes, como parte da atividade geral dos mesmos. Nãose trata só de conseguir a aprovação, mas o apoiode todos.

� Os professores devem ter, com certa antecedência,uma ordem do dia, onde constem o tema e os pon-tos a tratar. Nas atividades desta fase, também énecessário dispor dos instrumentos com os quais sefarão as explorações (cap. 6).

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� As reuniões com as famílias, caso ocorram nesta fase,devem ser programadas em horários em que os pais emães possam comparecer ao estabelecimento escolar.

� Responsabilidades específicas para cada tarefa devemser assumidas por pessoas atuantes no seminário, asquais devem participar da exposição da informaçãoadquirida em cada uma das tarefas exploratórias. Porexemplo, o responsável pelos questionários dealunos(as) deve ser quem apresenta a informação emantém o debate sobre resultados obtidos.

Recursos e materiais� Textos e documentação sobre outras experiênciasdeste tipo.

� Questionários e outros instrumentos exploratórios.� Sugestões para a aplicação dos questionários.� Protocolos para realizar entrevistas.� Endereços web onde encontrar sugestões e instru-mentos.

Sugestões� Embora afirmemos que uma ordem do dia de cadasessão seja necessária, isso não deveria tornar buro-crática e rígida a discussão.

� Um responsável de tarefa é muito importante; ele(a)deve sustentar a coordenação do debate quando sediscute sobre esse assunto.

� Cada sessão deve ser introduzida com uma revisãodo que se fez antes.

� Os dados e relatórios devem ser apresentados porescrito, de forma esquemática, mas com informa-ção idêntica para todos os membros.

� Ninguém deveria monopolizar a palavra.

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� Conclusões e revisão de tarefas para a próxima reu-nião são necessárias.

� Conflitos verbais devem ser resolvidos durante o pro-cesso, ou assumir que existem pontos de vista diferen-tes, sem que isso seja um problema intransponível.

� Uma priorização de necessidades imediatas e se-cundárias é importante.

� Não convém tomar muitas decisões em cada reu-nião, mas poucas e bem planejadas no tempo.

� Um(a) coordenador(a) do seminário é importante;caso se o fizesse de forma rotativa, deveria ser man-tida uma tarefa que homogeneizasse a atividade, porexemplo, a de levar um diário de sessões.

� As decisões relativas a calendário e agenda devemser precisas, sem pecar por rigidez ou burocracia.Se algo não sai a tempo, é preciso que seja recoloca-do na agenda.

� As decisões referentes ao trabalho direto com osestudantes, por exemplo, passar os questionários,devem ser programadas com todo detalhe para nãointerromperem as atividades de instrução.

� As reuniões com as famílias devem ser preparadascom rigor, selecionando-se os conteúdos e preven-do-se os detalhes.

� A informação que vai ser proporcionada às famíliasou aos estudantes deve ser idêntica e, para isso, épreciso ser discutida e preparada e, se possível, apre-sentada por escrito.

Sugestões de auto-avaliaçãoTodas as atividades do seminário deveriam estar sub-

metidas a certos fluxos de avaliação; mas seria interminávelfazer aval iações formais de cada um dos passos a

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seguir.Contudo, é recomendável, indicar pontos de auto-ava-liação, referidos pelo menos nos seguintes aspectos desta faseda atividade do seminário:

� Foram trabalhados os questionários?� Como tem sido a resposta das famílias?� Qual foi a reação dos(as) alunos(as)?� Como se fez a análise?� Foram empregados os instrumentos oportunos?� É preciso repetir medidas das quais desconfiamos?� São relevantes estes dados para nossos propósitos?� Como tem sido o processo de cada tarefa?

Outras sugestõesPara levar a cabo a análise dos resultados, podem-se

utilizar várias estratégias. Por exemplo, convocar uma reu-nião onde todos os docentes juntos procedam à sistematiza-ção dos dados; ou que cada tutor(a) analise os do seu grupo;ou ainda criar um grupo ou comissão que se encarregue dis-so, onde os(as) professores(as) de matemática, tecnologia,etc., possam ser de grande valia.

Outra alternativa pode ser utilizá-los em sala de aula,com os(as) alunos(as) para aprender a realizar estatísticas, oupara aprender a realizar percentuais ou médias, de acordo como nível acadêmico com que se esteja trabalhando. O impor-tante é que, ao final, tenhamos um relatório onde fique refle-tida uma fotografia da convivência do estabelecimento esco-lar, suas dificuldades e as vias para melhorá-la, na opiniãodos(as) alunos(as), dos docentes e, se possível, das famílias.

Durante o processo, é conveniente medir as energiasque se dedicam a cada tarefa e não seria prudente que seperdesse todo o entusiasmo e tempo com a elaboração dorelatório, já que, posteriormente, talvez seja necessária a de-dicação a outros aspectos da intervenção.

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A inclusão de alunos(as) neste processo pode ser degrande utilidade, sobretudo para aumentar sua motivação, porestarem realizando uma tarefa onde está clara a sua participa-ção e onde possam ser protagonistas, tal como os docentes.

ATIVIDADE 2:ANALISANDO OS DADOS DE UMQUESTIONÁRIO

JustificativaOs resultados de um estudo sobre a realidade de nosso

estabelecimento escolar são informações muito relevantes,que podem cair no esquecimento, se não forem trabalhadasde forma criteriosa. Propomos, para isso, como atividade doseminário, fazer aprofundamentos, com uma �leitura� refle-xiva sobre os dados obtidos, procurando envolver o restantedos(as) professores(as), os(as) alunos(as) e, caso possível, asfamílias também. Tentar-se-á conseguir que a informação setransforme em conhecimento e este em consciência de von-tade de mudança.

Objetivos da atividade:� conhecer, com algum detalhe, aspectos concretosda convivência no estabelecimento escolar;

� refletir sobre as causas e conseqüências dos fatosque acontecem;

� envolver a maior parte possível da comunidade edu-cacional;

� motivar para a participação na intervenção de me-lhoria da convivência;

� reconhecer como próprios os êxitos de tudo o queestá funcionando bem.

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Condições e recomendações para esta atividade� Estudar os dados no interior dos subsistemas:alunos(as), professores(as), etc.

� Fazer sessões de intergrupos que rompam as roti-nas de agrupamento. Por exemplo, professores(as)com alunos(as) aos quais não dão aula, etc.

� Intercambiar informação: que os(as) alunos(as) conhe-çam os dados dos docentes e das famílias, e vice-versa.

� Fazer apresentações formais dos resultados e con-clusões, depois do estudo dos dados e dos debatesem grupo.

� Buscar, nestes debates, a fixação de inferências prá-ticas, que sirvam como modelo para tomar decisões,posteriormente.

� Localizar, na apresentação de inferências práticas,pessoas dispostas a trabalhar pela mudança.

Recursos e materiais� Dispor de uma boa classificação sobre os pontos-chave da informação que o instrumento oferece.Por exemplo, pensando-se no questionário geral so-bre convivência, ter-se-ia que ordenar a informa-ção em torno de:

� autopercepção das relações interpessoais (pergun-tas 1-4);

� percepção sobre estilos docentes de normas (per-gunta 5);

� percepção sobre relações família-escola (pergun-tas 6-7);

� indicadores de clima interpessoal (itens da pergunta 8);� sentimentos de estar sendo afetados pelo clima so-cial do estabelecimento escolar (pergunta 9);

� propostas de envolvimento em atividades e iniciati-vas (perguntas 10-12).

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Determinação dos temposEsta atividade se prolonga no tempo, numa seqüência

de várias tarefas, que devem ser planejadas no seminário. Aatividade exploratória, com questionários, pode chegar a durarentre um e três meses.

Sugestões de avaliaçãoUm processo exploratório, inserido na dinâmica da vida

quotidiana das salas de aula e do estabelecimento escolar,deve ser organizado como se fosse um seminário permanen-te. Requer uma avaliação em si mesmo para que, por um lado,não interrompa a atividade escolar e, por outro, para que aprópria atividade exploratória redunde em benefício para aconvivência. Assim, ter-se-ia que avaliar:

� a implicação dos participantes: professores(as),alunos(as) e famílias;

� a atuação de crítica construtiva;� os efeitos em atitudes e comportamentos que pro-duziram as novas informações;

� o surgimento de pessoas dispostas a envolver-seno processo de intervenção;

� o surgimento de novos líderes sociais e de tarefa.

ATIVIDADE 3:HIERARQUIZAR A INFORMAÇÃO EPRIORIZAR AS LINHAS DEINTERVENÇÃO

JustificativaQuando a equipe docente concluir a fase de explora-

ção prévia, tendo buscado envolver todos os subgrupos dacomunidade escolar, deve iniciar um período de reflexão,

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que permita, ao seu final, dispor de idéias claras sobre quaissão as prioridades para o restante do curso acadêmico.

Esta é uma atividade que também pode subdividir-seem tarefas. Em algumas delas deveriam colaborar osalunos(as) e as famílias, mas nós nos centraremos, aqui, ecomo exemplo, na que a própria equipe docente deve reali-zar no seminário permanente.

Objetivos� Estabelecer um esquema teórico dos pontos fortese dos pontos fracos da convivência escolar. Porexemplo, se os estudantes, em geral, se sentem bemtratados pelos docentes, este deve ser um ponto for-te. O reconhecimento mútuo é uma das chaves dasolidez do vínculo professor/alunos. O contráriodeve ser anotado como um ponto fraco, que podeser convertido numa dificuldade acrescentada ao de-senvolvimento do programa de intervenção.

� Ordenar, hierarquicamente, os pontos fracos, ouos aspectos avaliados como negativos, e qualificá-los de urgentes, menos urgentes e de longo prazo.

� Deixar claro quais os recursos tanto humanos comode procedimento e avaliar sua capacidade de se-rem postos em prática.

� Avaliar as possibilidades de incluir alunos(as) emdiferentes unidades da dinâmica que se poderia de-senhar, sem se esquecer de anotar e planejar o pos-sível treinamento de que estes necessitem.

� Avaliar criticamente os próprios recursos humanose não descartar a possibilidade da própria forma-ção específica, por exemplo, em programas que fo-ram considerados idôneos, mas que não são com-pletamente dominados.

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� Tomar decisões de forma paulatina e reflexiva, semnecessidade de controlar todo o processo, mas sa-bendo quais são as vias programáticas. Um pro-grama deve dispor de meios para a sua correção,se a experiência demonstrar que se tornou neces-sária uma mudança imprevista.

ConteúdosDe uma forma ou de outra, tomando-se todo o tempo

que for necessário, esta atividade deve ser focalizada no fatode que se coloque, sobre a mesa de trabalho, os seguinteselementos:

� dispor de um Plano de Ação: ou seja, marcar as li-nhas de atuação gerais, como também as atuaçõesconcretas;

� estabelecer uma adequada distribuição de respon-sabilidade, sem que isso signifique fazer comparti-mentos estanques, que deixem cada um na solidãodo trabalho atribuído; o objetivo do seminário é,em parte, evitar o isolamento em que os docentesse vêem obrigados a trabalhar;

� estabelecer critérios compatíveis entre as diferenteslinhas programáticas e as atividades concretas, quese supõem que devam ser desenvolvidas; por exem-plo, se foi decidido fazer um programa de apoio àauto-estima de certos(as) alunos(as), isto não é com-patível com um estilo de ensino autoritário;

� estabelecer circuitos e sistemas de controle sobre acompatibilidade de novos programas com os velhosusos e costumes; por exemplo, se decidirmos esta-belecer um programa de gestão democrática da con-vivência, não poderá ser mantido o estilo autoritá-rio de tomar decisões;

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� designar, de forma democrática, os gestores do pro-jeto, de tal forma que a função de coordenação fi-que bem clara; muitos problemas surgirão e é preci-so que se tenha um referencial ao qual se possa re-correr; tal coordenação pode ser rotativa, mas semque se perca no caminho a função de articulaçãoque deve ser coordenadora;

� o reconhecimento institucional é imprescindível; aequipe de direção, o conselho escolar e o conjuntodos professores devem ser informados sobre o pro-jeto, o qual deve ser assumido como parte das prio-ridades do projeto docente.

ATIVIDADE 4:DESENHAR UM BANCO DE ATIVIDADES

Uma vez tomadas as decisões mais importantes, porqueforam estabelecidas as prioridades de atuação, é o momentode serem desenhados os programas de atuação. Por exemplo,no projeto SAVE (Ortega, 1997), planejamos três linhas deprograma: gestão da convivência; educação sentimental; eensino cooperativo. Quando tiver sido decidida a linha ou linhasde trabalho, desenvolve-se, ao longo das sessões do semináriopermanente, um banco de atividades, na medida do possível,convenientemente formalizadas ou, pelo menos, escritas emforma esquemática. Um banco de atividades que sirva de guiapara a atuação.

Ou seja, cada programa deve ser visualizado em ter-mos de coisas que podem ser feitas para se desenvolver oprograma. As intenções são fundamentais, mas não bastam.Não basta decidir mudar a forma de tomar as decisões emsala de aula; é preciso planejar, na medida do possível, por

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escrito, as tarefas e atividades para colocar em prática odecidido.

O banco de atividades, pelo formato que se pode atri-buir-lhe como base de dados, fichas ou qualquer outro sis-tema de anotação, pode ser importante porque nos permitevisualizar como se coloca em prática o ideal que foi plane-jado; apontando os erros cometidos.

Condições e recursosAntes que cada docente ou pequeno grupo de docen-

tes comece a desenhar atividades para cada um dos progra-mas escolhidos, convém não esquecer que é preciso partirdas seguintes condições:

� reunir critérios sobre a relação entre objetivos, con-teúdos e procedimentos;

� esclarecer conceitos e atitudes sobre o valor de cadaprograma e suas finalidades gerais e particulares;

� adequar instrumentos e colocá-los a serviço de cadaprograma;

� desenhar seqüências e agenda de trabalho para queas atividades sejam submetidas a ordens gerais dedesenvolvimento do currículo;

� apoiar-se na supervisão dos processos de desenhoe de colocação em prática das atividades;

� distribuir tarefas e responsabilidades, deixandoabertos sistemas de colaboração informal.

Sugestões para desenhar atividades idôneaspara o programa de Gestão Democrática daconvivênciaUma vez esclarecidos os pontos fortes e os fracos da

convivência, o programa de gestão democrática deve estabe-lecer como funciona cada uma das formas de gestionar a con-vivência. Assim, convém saber que, na gestão autoritária:

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� as normas são impostas por um superior;� as sanções são vistas como castigos;� o medo do castigo ou sanção é o motor documprimento da tarefa;

� o lugar de controle é externo; é regulado de forapara dentro;

� o modelo de comportamento entre os membroscostuma ser competitivo;

� a motivação de êxito costuma ser individual e sa-turada de rivalidade.

A gestão difusa: não se sabe como nem porquem as normas são estabelecidas:� os membros não distinguem entre convenções enormas;

� a gestão é invisível; ninguém é responsável por nadaem especial;

� trata-se de uma situação de não-gestão, mas dedomínio de alguns;

� o grupo funciona com convenções mais ou menosarbitrárias;

� o grupo pode chegar ao governo autoritário sob alei do mais forte;

� o grupo tende a desmembrar-se em subgruposafetivos;

� é difícil, para os membros, ativar uma linha demotivos.

Enquanto que a gestão democrática supõe que:� as normas sejam discutidas, negociadas e avaliadasperiodicamente;

� as convenções e os costumes sejam analisados ecriticados;

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� os membros saibam qual é a origem das normas edas convenções;

� haja um parâmetro de avaliação e cumprimento dasnormas;

� as normas estejam a serviço das necessidades do grupo;� seja conhecido o responsável pelo cumprimento dasnormas;

� a sanção seja exercida em nome do bem comum;� não se veja a sanção como um castigo, mas comouma responsabilidade;

� todos tenham o direito de criticar e discordar dasnormas;

� uma vez tomada a decisão em comum, a norma sejacumprida como regra básica do jogo democrático;

� sejam analisadas e reconhecidas as conseqüênciasdo descumprimento das normas;

� as normas importantes são poucas, claras e bemdefinidas; o restante deve ser livre;

� deve ser clara a tradução da norma em hábitos esistemas de comportamentos e atitudes pessoais;

� as decisões sobre quais convenções serão transfor-madas em normas, quais serão postas à livre inicia-tiva e regulação espontânea devem ser tomadas pelogrupo;

� não se tomem decisões normativas que não tenhamsido compreendidas por todos os membros;

� uma vez tomadas as decisões, deve-se estabelecerum mecanismo de comunicação e exemplificação,para que terminem incorporadas à conduta socialdos membros do grupo;

� toda norma deve ser o reflexo de finalidades de con-vivência e que todos os membros a considerem jus-ta, eqüitativa e proveitosa para todos;

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� as decisões sejam tomadas por maioria e, emboradeva-se reconhecer a existência de minorias a se-rem respeitadas em sua liberdade, isso não significaque elas possam impor critérios normativos que nãosejam fruto de consenso;

� o grupo passe a ser o responsável por fazer cumprire controlar as normas;

� cada membro do grupo assuma os comportamen-tos, atitudes e sanções que tenham sido objeto dedecisão, quando da elaboração das normas;

� os membros do grupo se sintam intrinsecamentemotivados e responsáveis pelo cumprimento dasnormas, por parte de todo o grupo;

� o próprio grupo deve estabelecer os processos deregulação e modificação de normas e convenções.

Partir destas reflexões pode ser de grande ajuda para ogrupo de trabalho encarregado de preparar atividades degestão democrática da convivência, ao mesmo tempo queseus desenhos sejam fáceis de serem levados à prática, arti-culando-se bem com o restante das atividades e tarefas desala de aula ou do estabelecimento escolar (ver cap. 4). Paraisso, é preciso que toda a atividade:

� parta da motivação, da necessidade sentida dos mem-bros do grupo; deve ficar claro, na justificativa daatividade, que é fácil partir da colaboração dos es-tudantes para o desenvolvimento dessa atividade;

� seja realizada com a participação de todos os mem-bros da sala de aula; a gestão, em seu nível de toma-da de decisão, por exemplo, elaboração de normas,deve ser tarefa de todos;

� desenhe tarefas de tomada de decisão, tarefas de re-visão e controle, de sanção e de êxito, de diálogoaberto e de debate pautado, etc.

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Sugestões para desenhar atividades de ensinocooperativoO SAVE (Ortega, 2000) estabeleceu uma linha progra-

mática, baseada no ensino cooperativo e desenhou atividadespara esse fim, em que os objetivos e os conteúdos não sãodiferentes dos próprios objetivos e conteúdos curriculares.

Neste sentido, os responsáveis pelo planejamento dotrabalho cooperativo deveriam levar em conta que todo pro-cesso de instrução busca a construção de conhecimentos porparte dos(as) alunos(as). Uma construção que não pode serfeita de modo solitário, porque tanto o cenário como os pro-cessos que levam a construir conhecimento novo são, no meioescolar, processos sociais.

Propusemos uma seqüência de atividades que permitaque o discurso da sala de aula, quando se está trabalhandoconteúdo curricular, passe, a todo momento, por três níveis:a reflexão e o trabalho individual, o trabalho em grupo pe-queno em tarefas que exijam cooperação e o trabalho emgrupo grande, em tarefas que exijam que se escutem os ou-tros, quando falam, e que cada um se expresse, de formaindividual, quando tem que manifestar sua opinião.

Este formato de atividade instrutiva, quando pratica-do com assiduidade, tem o efeito de fazer com que osoutros(as) alunos(as) aprendam a atender e a respeitar a opi-nião dos outros, tanto como a sua própria, sem confundiropinião com conhecimento. Ademais, esta forma de ensinogera nos(as) alunos(as) segurança em si próprios e respeitopara com as idéias e motivos dos demais, sem desvirtuar orelevante papel dos conteúdos específicos que tenham queaprender, promovendo:

� motivação intrínseca diante do conhecimento, quenão se confunde com a opinião;

� percepção do processo interno de elaboração do co-nhecimento;

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� segurança pessoal e auto-estima acadêmica;� entusiasmo diante das boas idéias dos outros, o queestimula o desejo de aprender;

� controle sobre o processo social de construção deconhecimentos;

� percepção do êxito social, mediante externalizaçãode resultados compartilhados;

� surgimento de líderes de tarefa, e neutralização delíderes tirânicos;

� auto-regulação dos processos de aprendizagem eprogressiva independência do controle que o do-cente exerce sobre o êxito dos estudantes;

� reconhecimento das idéias prévias dos(as) alunos(as)e visualização da mudança;

� diversificação do papel do(a) professor(a) que deveatender a diferentes funções, como as de:� guiar e ajudar quem necessite de apoio;� comprovar que os grupos funcionam;� assistir aos alunos quando seja necessário;� avaliar o indivíduo, o grupo e a sala de aula;� envolver os(as) alunos(as) na avaliação.

Sugestões para desenhar atividades para educarsentimentos, atitudes e valoresComo vimos no item anterior de iniciação e aprofunda-

mento, para abordar esta linha de intervenção, é necessário queos próprios docentes enfrentem atividades em que tenham queidentificar, refletir e debater sobre o papel das emoções e dossentimentos nas ações quotidianas, das quais participamos. Noseminário permanente, deve-se discutir se se pode abordar aeducação sentimental dos escolares, com um certo domínio paracompreender e modular nossa própria capacidade sentimentale viver, de forma idônea, nossa vida emocional.

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Certamente que o desenho deste tipo de atividade émais difícil, porque é entrar no terreno não explorado den-tro da cultura escolar. Contudo, nossa proposta lança o de-safio, para que sejam os próprios docentes os que se aventu-rem a escolher os objetivos e conteúdos deste tipo de ativi-dades, e a administrá-los paulatinamente à medida que se sin-tam seguros de suas iniciativas (ver cap. 4).

Sugerimos o mundo da literatura, o drama, o cinema equalquer outro formato narrativo, como o lugar cultural deonde partir para desenhar estas atividades; desde o conto atéas séries televisivas, os filmes e as novelas, podemos escolherum conjunto tão amplo de materiais nos quais são apresen-tados sempre os seres humanos vivendo, amando, odiando,sofrendo ou sendo felizes; assim, só é preciso ser um poucocurioso e sagaz para encontrar recursos de onde partir.

PARA CONCLUIR

Neste capítulo, quisemos oferecer duas estratégias deformação permanente, que podem ser úteis a uma equipedocente, que toma a decisão de melhorar a convivência deseu estabelecimento escolar.

A primeira estratégia, a mais comum e generalizadaem nosso país � o curso curto ministrado por um especialis-ta � pode ser de alguma ajuda para os docentes, quando de-senhado e realizado levando-se em consideração que o co-nhecimento profissional dos docentes parte da prática, re-quer reflexão teórica, mas retorna para a prática.

Assim, o modelo que consideramos mais idôneo é oque denominamos seminário permanente, ligado à realiza-ção do projeto de convivência. Este é um modelo que re-quer que os docentes construam seus próprios conhecimen-tos profissionais, enquanto desenvolvem o projeto de convi-

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vência. Para isso, devem ir executando, no contexto de umseminário que se estende paralelamente aos desdobramen-tos do projeto inovador, um trabalho autoformativo, que lhespermita aproveitar o desenvolvimento dos programas de tra-balho, que são implementados com os(as) alunos(as), paraconvertê-los em material, conteúdos e recursos para sua pró-pria formação.

Trabalhar desta forma, caso se queira algo complexo edirigido à prática, não exclui nem os cursos e cursinhos deaprofundamento, nem o trabalho individualizado de um do-cente particular, mas focaliza todos os esforços para o êxitodo projeto. Um êxito que, do nosso ponto de vista, depende,basicamente, da atuação dos docentes em todos os âmbitos,inclusive no cuidado de si mesmos, de sua auto-estima pro-fissional e de sua formação.

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4. ATIVIDADES PARA MELHORARO DIÁLOGO E A CONVIVÊNCIANA SALA DE AULA

Como vimos em capítulos anteriores, um dos focos doclima de conflito pode aparecer no subsistema de relaçõesprofessor/aluno. O fato de que seja este o vínculo social maisimportante, para o desenvolvimento da atividade acadêmica,converte-o também a ser mais exposto ao surgimento deconflitos de todo tipo. Nem sempre é fácil detectar, compre-ender e tratar de dissimulá-los, porque, muitas vezes, envol-vem tanto a atividade profissional dos docentes, como aaprendizagem dos estudantes.

Muitas vezes, o professor sente que, se admitir existir umconflito de relações com seus (suas) alunos(as), isso representa-rá uma forma de reconhecer seus problemas como docente, jáque, com freqüência, ele estará sendo acusado, e isso deteriora-rá sua autoridade. Do mesmo modo, o(a) aluno(a) e/ou grupode alunos(as) podem interpretar as dificuldades de comunica-ção com os professores como um sinal de que eles não sãolevados a sério e, por isso, perdem interesse nas tarefas e afas-tam-se afetivamente do(a) professor(a). O risco de perda ou de-terioração da confiança mútua pode se converter em sentimen-tos de impotência e de falta de estima profissional e acadêmica.

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Quando o conflito consegue ser interpretado como talpelo docente ou por um grupo avançado de alunos(as), e se épercebido como um conflito determinado, o melhor é abordá-lo diretamente ou mediante ajuda externa. Neste sentido, pro-pusemos a mediação (ver cap. 5) como um dos instrumentosidôneos; embora seja importante reconhecer que a mediaçãoentre um docente e um grupo de alunos(as) deve ser feita porum especialista externo, escolhido pelas partes, que seja da con-fiança de ambos. Mas nem sempre é fácil reconhecer conflitosjá estruturados como tais e nem sempre professor e alunos(as)estão em condições de assumir sua responsabilidade comparti-lhada. Na maioria das ocasiões, o que temos é um problemaque não sabemos definir e que se mostra com sinais de um cli-ma de conflito encoberto, más relações, dificuldade no diálogoe entorpecimento no desempenho das tarefas acadêmicas. Esta,que é a situação comum e mais freqüente, pode ser abordadamediante processos de enriquecimento do diálogo espontâneo.

Neste capítulo, propomo-nos a mostrar alguns exemplosde atividades para potencializar o diálogo e enriquecer as viasde comunicação entre o(a) professor(a) e seus (suas) alunos(as)na sala de aula.

Tendo como ponto de partida a exploração inicial deque falávamos em capítulos anteriores, e dispondo de umaimagem sobre os problemas de convivência detectados, po-demos fazer uso de um banco de atividades previamentedesenhadas que ajudem a melhorar este vínculo social. Mas,mesmo que não tenham realizado uma exploração prévia,estas atividades podem ser desenvolvidas em sessões de tu-toria ou durante as aulas ordinárias, quando se detectam ní-veis de um clima de conflito, como falta de comunicação,dificuldades para o diálogo de forma competente ou tensõesemocionais que vão sendo criadas durante a vida em comum.

As atividades que continuam, apesar de tudo, sustenta-das numa série de objetivos e princípios básicos se reportam

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ao relacionamento interpessoal, cujo compartilhamento é ne-cessário. Do mesmo modo, uma atitude positiva para a liber-dade de expressão, isto é, o direito de todos(as) e de cadaum(a) de poder dizer o que pensa e sente e o respeito a taisopiniões, sempre que se expressem com correção e sem ferirninguém, deve ser compartilhado por parte da equipe do-cente que deseja desenvolver este tipo de trabalho. Trata-sede algumas atividades que incidem diretamente na vida afe-tiva e emocional das pessoas e cujos efeitos, se não forembem observadas as formas e os conteúdos, podem abrir feri-das sentimentais anteriores. Trabalhar com as emoções, ati-tudes e valores pessoais ou se faz com um cuidado extremode respeito mútuo, ou não se deve fazê-lo.

Assim, estas atividades se fundamentam nos seguin-tes princípios:

� atribuição de valor e importância à prática do res-peito mútuo e do diálogo;

� modos de expressão verbais simples, diretos e res-peitosos, que não firam a sensibilidade de ninguém;caso necessário, devem ser estabelecidas regras cla-ras neste sentido;

� reconhecimento e explicitação aos(às) alunos(as),por parte do docente, de que sua liberdade de ex-pressão não pode incluir insultos ao outro, especi-almente se o outro é um adulto, ao qual se deveconsideração e respeito como professor(a);

� avaliação e desejo de fazer uma apresentação ob-jetiva dos fatos, o que exige não atribuir intencio-nalidade distorcida ao que se fala;

� valorização do ambiente de grupo caracterizadopela cooperação e pelo diálogo;

� compreensão das situações sociais de forma objetiva,valorizando a expressão do ponto de vista do outro;

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� estabelecimento de normas de sala de aula obtidaspor consenso, mediante o diálogo, em que partici-pem todos os(as) alunos(as) e que incluam, também,a opinião e as necessidades docentes;

� delimitação do tempo, do espaço e dos recursos paraque as atividades se desenvolvam espontaneamente,mas enriquecidas pelo planejamento prévio de tudo oque seja necessário;

� cuidado com o cenário real e com a justa distribui-ção de papéis, para que ninguém se sinta excluído,marginalizado ou anulado;

� cuidado com o processo, de tal forma que todos(as)e cada um(a) tenham oportunidade de sentirem-seprotagonistas de sua própria voz, embora estejamfazendo atividades de grupo;

� conhecimento passo a passo do formato que vai adqui-rindo a comunicação para não ter expectativas que sefrustrem; quando a tarefa é individual, deve haver silên-cio, para que cada um possa dialogar consigo mesmo;mas, se a tarefa é de pequeno grupo, haverá ruído nasala de aula; finalmente, nas sessões de diálogo coletivo,aquele que fala deve ser escutado por todos(as).

Pautando-se nestas linhas gerais, propomos o desen-volvimento das atividades a seguir.

ATIVIDADE 1:A VIDA NAS SALAS DE AULA

JustificativaA simplificação de uma situação nem sempre facilita

sua compreensão, já que, desta forma, costumamos contornara maioria das antecedentes e possíveis causas que tenham

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contribuído para provocá-la. Por isso, quando uma situaçãose torna incompreensível para nós, é de grande utilidaderetornar para a complexidade da partida e analisar aquantidade de fatores que tenham provocado tais posturas.

Esta atividade é útil para o desenvolvimento de umprograma de Educação de Sentimentos, bem como para in-cluir a experiência de Trabalho em Grupo Cooperativo.

Objetivos� Analisar a quantidade de causas que pode ter umasituação social.

� Potencializar a capacidade de análise diante de situ-ações socialmente difíceis.

Fixação de tempoEntre 2 e 4 horas, aproximadamente.

Seqüência de tarefasa) Tarefa individual:Leitura do texto �Sempre assim� (ver Recursos, Con-dições e Recomendações) e conclusão da descriçãoda situação. Cada aluno(-a) deverá inventar um pos-sível final da situação.

b) Tarefa de pequenos grupos:Os(as) alunos(as) apresentarão os finais das redaçõesque tenham escrito e deverão debater sobre as possí-veis causas que a situação tenha gerado. Para procederà analise detalhada dessa situação, colocamos aos(às)alunos(as) a possibilidade de fazer um esquema, base-ando-nos na proposta de círculos de qualidade (Smithe Sharp, 1994), seguindo a estrutura de por quê? porquê? (ver Recursos, Condições e Recomendações).

c) Tarefa do grupo grandeCada grupo, através de seu(sua) coordenador(a),apresentará ao restante dos(as) companheiros(as)

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as causas, em diferentes níveis, que tenham podi-do potencializar o surgimento da situação de par-tida. Enquanto cada grupo apresenta seus traba-lhos ao grande grupo, o secretário da turma deveir escrevendo e compondo, no quadro-negro ouem um papel, o esquema de análise da turma. Aatividade terminará com o consenso sobre o es-quema final e a avaliação da complexidade que podehaver por trás de qualquer situação que, em prin-cípio, pode parecer uma bobagem.

d) Tarefa de avaliaçãoA avaliação da atividade deve estar centrada na partici-pação dos(as) alunos(as) durante a resolução das tare-fas que se propõem, na cooperação que tenham podi-do demonstrar e na diversidade de causas que o grupotenha encontrado. Muito positivo seria se o grupo, aofinal, pudesse chegar a identificar em que situações desala de aula não se deu a devida importância, e quepodem ser mais complicadas do que parecem.

Papel do dinamizadorDevem ser levados sempre em conta os objetivos da

atividade e de cada uma das tarefas e tentar, ao final de cadauma delas, que os(as) alunos(as) estejam conscientes do quepuderam aprender. O importante é que cooperem, que se-jam sensíveis para as necessidades dos outros e que potenci-alizem sua capacidade de análise diante de diferentes situa-ções que a vida diária do colégio lhes coloca.

Recursos, Condições e Recomendações� Os pequenos grupos podem ser de, no máximo 3 a4 alunos(as), já que a tarefa exige o diálogo direto e,em grupos maiores, isto não seria possível.

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� O esquema por quê? por quê? pretende explicitar ascausas gerais que podem atuar no desdobramento destasituação. Por exemplo, se os(as) alunos(as) consideramque uma causa é a indiferença geral, o seguinte nívelde análise seria: e por que há essa indiferença? Daí sur-giriam as várias respostas possíveis, que deveriam sertambém questionadas e, assim, sucessivamente.

Por quê? por quê? ��Causa 1 ��Causa 1.1��Causa 1.2��Causa 1.3

��Causa 2 ��Causa 2.1��Causa 2.2��Causa 2.3

��Causa 3 ��Causa 3.1��Causa 3.2��Causa 3.3

� Na tarefa do grande grupo, e depois da apresentaçãodas contribuições do primeiro pequeno grupo, pergun-tar ao restante dos participantes se encontraram asmes-mas possíveis causas e subcausas para ir completando,no quadro-negro ou num papel, sob a condução deum(a) secretário(a), o esquema da turma que sempreserá melhor que o de cada pequeno grupo.

� Seria adequado realizar a atividade A vida nas salasde aula II.

� Texto para a atividade individual: �Sempre assim�.

Um professor de inglês de ensino médio obrigatório vai

da sala de professores à sala de aula, onde lhe cabe dar a aula

seguinte, pensando: �este tipo de trabalho é impossível de se

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agüentar; antes de entrar já estou me perguntando sobre o que

vou encontrar por lá hoje; qualquer um perde a vontade de

fazer qualquer coisa! Nem sequer entendem as normas básicas

de comportamento, não se sentam, não escutam e menos se res-

peitam uns aos outros. Ainda por cima, estão todo o dia falan-

do de seus direitos e nunca de seus deveres...�. Quando o profes-

sor se dispõe a entrar na sala de aula, continua sua conversação

íntima: �Como todos os dias! Sempre tenho que entrar em aula,

juntando crianças pelo corredor. Da próxima vez, nem os dei-

xo entrar�. Durante estes mesmos segundos, os(as) alunos(as) que

estavam no corredor: �este cara é um chato�, �eu nem estou li-

gando�, �estou com fome�, �que confusão!�, etc. No momento

em que já estavam todos na sala de aula, dois(duas) alunos(as),

que estavam no corredor, começaram a fazer brincadeiras sobre

o professor e a ignorar as orientações, inicialmente, e, depois, os

gritos do professor para que fizessem silêncio e se sentassem...

� Para a tarefa do pequeno grupo� Para a tarefa do grande grupo

O objetivo desta tarefa é realizar um esquema comumda turma, analisando as possíveis causas que podem estar in-fluenciando a situação da qual cada um partiu individualmen-te, em seguida a compartilhou com os(as) companheiros(as) e,finalmente, terminam criando algo no meio da turma toda;coisa que não teria sido possível se todos os(as) alunos(as) ti-vessem começado a trabalhar juntos desde o começo.

ATIVIDADE 2:A VIDA NAS SALAS DE AULA II

JustificativaAs dinâmicas sociais que se vêem contagiadas, às ve-

zes, pelo que chamam de crises ou doenças, devem ser cura-

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das a partir da origem de suas causas e não a partir dos efei-tos, já que curar os sintomas não supõe eliminar a doença.

Objetivos� Propor atividades a serem desenvolvidas para evitaras causas de situações complicadas na sala de aula.

� Envolver os(as) alunos(as) no desenho e desenvol-vimento das atividades para melhorar a convivên-cia.

� Priorizar as atuações.� Desenhar planos de atuação.

Fixação dos temposEntre 2 e 4 horas.

Seqüência de tarefasa) Tarefa individual:Apresenta-se o esquema resultante da atividade Avida nas salas de aula (atividade 1) e cada aluno(a) deveescolher uma causa suscetível de ser modificada, pelomenos em parte, pelo grupo. O(a) aluno(a) terá cer-ca de dez minutos para escrever e concretizar o pla-no de ação para intervir sobre essa causa (ver Re-cursos, Condições e Recomendações).

b) Tarefa do pequeno grupo:Em pequenos grupos, cada aluno(a) descreverá suaestratégia de atuação e o restante do grupo deve ten-tar ser crítico, mas não criticador, com a proposta decada um(a) dos(as) companheiros(as). Desta manei-ra, cada grupo contará com uma pequena lista de ati-vidades que terão sido completadas com as propos-tas dos membros do grupo. Uma vez melhoradas aspropostas, o grupo deve decidir se é compatível levá-las a cabo. Nesse caso, teriam que desenhar a seqüen-

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ciação das diferentes atuações, ou decidir se o grupodeve desenvolver algumas atividades em prejuízo deoutras ou desenhar uma nova atividade, partindo dasvárias já existentes.

c) Tarefa do grande grupo:Cada grupo, através de seu (sua) coordenador(a), apre-sentará ao restante dos(as) companheiros(as) o planode ação que desenharam e esses(as) companheiros(as)devem averiguar as causas às quais tentam dar solu-ção. Por último, o grupo deve decidir se vai ser de-senvolvida alguma das propostas e como executá-la(ver Recursos, Condições e Recomendações).

d) Tarefa de avaliaçãoDeve-se avaliar o envolvimento dos(as) alunos(as)na solução de problemas. Muito positivo seria ter-minar a sessão com um plano de ação realista e ajus-tado às características do estabelecimento escolar eda sala de aula.

Papel do dinamizadorPlanejar e desenvolver atividades é uma tarefa complicada

e o dinamizador deve ajudar os(as) alunos(as) a fazê-lo, masprocurando que eles(as) tenham a iniciativa de dirigir o desenho.

Recursos, Condições e Recomendações� O esquema como como pretende facilitar as deci-sões de um grupo, após explicitar as causas gerais eas específicas de uma situação problemática, por in-termédio de: medida de prevenção e diagnóstico dasituação. Por exemplo, se a causa é os alunos nãomotivados, o que pode estar ocorrendo por diferen-tes razões, o grupo deverá decidir como tentar moti-vá-los, bem como quem será a pessoa responsávelpela atuação, quando será feita, onde, etc.

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� Os(as) alunos(as) não devem saber as causas que orestante de seus companheiros(as) escolheram, por-que, no final, deverão averiguá-las. Deste modo, ve-remos o ajuste entre as causas e as intervenções quetenha sido desenhado.

� Caso se queira realizar esta atividade, mas não se tenhatido tempo, A vida nas Salas de Aula, pode-se começarescolhendo uma situação problemática, buscando aspossíveis causas, mediante uma �brainstorm�, basean-do-se no esquema por quê? por quê? (ver materiais e re-cursos da atividade A Vida nas Salas de Aula).

� Caso se tenha decidido levar a cabo algum plano deação, não esquecer de revisá-lo com os(as) alunos(as).

Para a tarefa individual

Para a tarefa do grande grupoO objetivo desta tarefa é realizar um plano de ação

para evitar um tipo determinado de situação, onde ospróprios(as) alunos(as) tenham responsabilidade tanto em seudesenho como em seu desenvolvimento. Para o desenho decada atuação a ser desenvolvida, deve-se ter sempre presentea necessidade de concretizá-la ao máximo, para poder asse-gurar seu desenvolvimento. Para isso, servirão de ajuda asseguintes perguntas:

� O que se vai fazer?� Com que ordem, quais os passos?� Quem irá fazer o quê?� Onde?� Quando?� Que materiais, espaços ou recursos são necessários?� Quem vai ser o professor ou adulto responsável?� Etc.

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Como, Como ��Atividade 1 ��Atividade 1.1��Atividade 1.2��Atividade 1.3

��Atividade 2 ��Atividade 2.1��Atividade 2.2��Atividade 2.3

��Atividade 3 ��Atividade 3.1��Atividade 3.2��Atividade 3.3

ATIVIDADE 3:E TU, COMO FARIAS?

JustificativaÀs vezes, os(as) alunos(as) parecem perceber o(a)

professor(a) como uma espécie de parte contrária, que seempenha em obrigá-los a trabalhar. Existe um grande desco-nhecimento, por parte dos(as) alunos(as), acerca dos senti-mentos e preocupações de seus (suas) professores(as). Estaatividade está orientada para tentar que os(as) alunos(as) avan-cem um pouco na capacidade de colocar-se no lugar do ou-tro; neste caso, na de compreender a posição do professor(a).

Objetivos� Analisar a variedade de estilos de ser professor(a).� Compreender os sentimentos e emoções que umprofessor pode sentir.

� Estudar as expectativas que o(a) professor(a) des-perta entre seus (suas) alunos(as).

� Compreender as expectativas mútuas: professor/alunos.

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� Compreender o(a) professor(a) em seu papel dedinamizador(a) da turma.

� Refletir sobre a perda de tempo.� Potencializar a capacidade de análise e de crítica.

Fixação de tempoUma sessão de uma hora, aproximadamente.

Seqüência de tarefasa) Tarefa individual:Atribuir a cada aluno(a) o papel que deverá desem-penhar (ver Recursos, Condições e Recomendações).Cada aluno(a) terá dez minutos para preparar seupapel. Para isso, deverá escrever a lista de compor-tamentos que irá manifestar durante a explicação queum de seus (suas) companheiros(as) desenvolverácomo professor(a), ao preparar sua aula (ver Recur-sos, Condições e Recomendações).

b) Tarefa do grande grupo:O(a) aluno(a) � professor(a) começará a sua expli-cação e cada aluno(a) vai manifestar o que constaem sua lista de comportamentos. Uma vez concluí-da a tarefa, é o momento de se analisar a situação: oque foi que aconteceu? Por que cada um se com-portou desse modo? Como se sente cada um emseu papel? Como poderiam ser evitadas estas cir-cunstâncias? Eu, como teria feito?

c) Tarefa de avaliaçãoA avaliação será positiva se os(as) alunos(as) tive-rem participado da atividade e, sobretudo, das re-flexões que se seguem à representação. Para isso,podemos ter presentes os objetivos desta atividade.

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O papel do dinamizadorEnquanto os(as) alunos(as) estão preparando seus pa-

péis, seria conveniente ir ajudando-os, principalmente o(a)aluno(a) � professor(a), e vendo o que realmente estão fa-zendo, já que é difícil expressar-se por escrito, mas é interes-sante para depois comparar o que tinham planejado e o querealmente fizeram. Caso se observe que a representação estásendo frutífera, é preciso animá-los para que continuem, masnão por muito tempo, já que o mais interessante da atividadeé a reflexão, momento em que deverá ser potencializada aparticipação do maior número de alunos(as) possível.

Recursos, Condições e Recomendações� Para a divisão de funções, deve-se proceder à retira-da de papeizinhos dobrados, onde apenas o(a)aluno(a) em questão possa ver sua tarefa. Poderiamser usadas duas estratégias, ou dar a cada um o pa-pel: �seja você mesmo�, ou distribuir aleatoriamen-te os diferentes perfis que assinalaremos mais adi-ante. Se a atividade for pensada para várias salas deaula do estabelecimento escolar, é preferível não usara opção �seja você mesmo�, já que, na troca de tur-ma, a maioria dos(as) alunos(as) saberá que cadaum(a) se comportará tal como é.

� Caso se acredite que vai ser difícil para o(a) aluno(a)descrever seu papel, pode-se ajudá-lo no que preci-sar, menos na estratégia didática que irá utilizar.

� Durante o princípio de atividade no grande grupo,não se deve conter a dinâmica. Embora se arme umagrande confusão, só se pode desafiar o(a) aluno(a)� professor(a) para que controle a turma e deixe queo restante se comporte conforme sua função esti-ver indicando.

� Material para preparar a aula (aluno(a) � professor(a)).

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Escolha um tema que você domine e que acredite quea maioria dos(as) companheiros(as) não dominam completa-mente e tente explicá-lo em dez minutos. Para escolher otema, você tem que levar em conta que é o(a) professor(a) eque está dando aula para uma turma de seu nível.

� Possíveis perfis de alunos(as).� Eu passo e nem olho.� Só faço o que me interessa; vou fazer outra coisa.� Tenho fome e vou comer.� Vou atirar aviõezinhos de papel nos(as) colegas.� Vou zombar do(a) professor(a) ele(a) não é ninguémpara dizer-me nada.

� Quero aprender .� Estou interessado e vou me comportar bem.� etc.

ATIVIDADE 4:DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOSDA TURMA

JustificativaCostuma haver consenso quanto à idéia de que a fi-

xação de normas para a aula é fundamental para seu bomfuncionamento. Entretanto, não existe muito acordo sobreas normas e como elas são estabelecidas. Para que os(as)alunos(as) respeitem as normas, devemos fazer esforço paraque eles(as) as conheçam, que saibam as razões de sua exis-tência e, na medida do possível, que sejam agentes ativosem seu desenho e em seu cumprimento. Do mesmo modo,devemos distanciar-nos da idéia de proibições e estabele-cer o sistema de disciplina em função de direitos que todostêm que respeitar. Respeitar o direito do outro é uma obri-gação indireta.

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Objetivos� Estabelecer os direitos dos membros da turma.� Concretizar as vias de revisão de respeito dos direitos.� Desenhar estratégias para zelar pelos direitos dosdemais.

Fixação de tempoVárias sessões de uma hora, aproximadamente.

Seqüência de tarefasa) Tarefa individual:Cada aluno(a) deve escrever uma lista de direitosque não estão sendo desfrutados pela turma, acom-panhados de argumentos os quais considera que de-veria usufruir, e possíveis caminhos concretos parazelar por eles.

b) Tarefa do pequeno grupo:Os(as) alunos(as) compartilharão suas reflexões, ten-tando chegar a acordos sobre os direitos que real-mente não estejam sendo respeitados. É muito im-portante que estejam conscientes de que, às vezes,pensamos que temos direito a algo específico, esque-cendo-nos de que podemos estar infringindo um di-reito geral de outra pessoa. Nesta discussão do gru-po, todos os componentes precisam se colocar deacordo com uma lista de direitos que devem ser ze-lados para o bom funcionamento da aula. Uma vezdescritos os seus direitos, podem incluir os dos do-centes, que devem ser compatíveis com os seus.

c) Tarefa do grupo- sala de aula:Cada grupo, através de seu (sua) coordenador(a),apresentará a lista de direitos, as razões pelas quaisnão é possível seu respeito e as possíveis vias parafacilitar seu cumprimento pelo grupo-sala de aula.

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Esta socialização da lista poderá ser concluída coma escolha de um número determinado de direitospelos quais vamos zelar durante um período especí-fico, como, por exemplo, um mês ou um trimestre.

d) Tarefa de avaliaçãoPara esta atividade, é importante avaliar a possívelmudança que os(as) alunos(as) podem experimentar,durante a sua execução. É provável que, no começo,listem muitos direitos, mas que, durante a atividade,comecem a tomar consciência de que o respeito deum direito implica um compromisso de todos paracom cada um e de cada um para com os demais. Umobjetivo a mais a levar em conta na avaliação é a listade estratégias que os alunos tenham estabelecido paraatuarem em defesa dos direitos da turma.

Papel do dinamizadorDurante o trabalho em pequeno grupo, o dinamizador

pode ir ajudando-os a refletirem sobre diferentes direitos,caso observe que estão centrados num só tipo. É necessárioque, ao estabelecerem as vias para zelar pelos direitos, pen-sem, além deles, nos demais participantes como protagonis-tas de tais direitos. No momento de determinação dos meca-nismos de atuação, tentar que os(as) alunos(as) sejam prag-máticos, que façam propostas possíveis de serem realizadase suscetíveis de revisão e avaliação.

Recursos, Condições e Recomendações� Esta atividade pode ser realizada algumas semanasdepois do início do curso.

� Para servir de apoio para a atividade, pode-se partirde alguns artigos da Declaração Universal dos Di-reitos Humanos ou da Convenção das Nações Uni-das sobre os Direitos da Criança (30 de novembrode 1990).

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� Lembrar que os(as) professores(as) também sãomembros da turma.

� Seria muito adequado estabelecer sistemas de revi-são das estratégias para o respeito dos direitos.

ATIVIDADE 5:O QUE QUERO SER QUANDO CRESCER?REGRESSANDO AO FUTURO

JustificativaUm dos grandes problemas do ensino médio de nos-

sos colégios é que os(as) alunos(as) não encontram o sentidode estar tantas horas nas salas de aula e de aprender os con-teúdos que lhes são impostos. Os(as) alunos(as) pensam noagora, esquecendo a utilidade e a repercussão que podem teras coisas, que estão fazendo no presente, no seu futuro. Tra-balhar com os(as) alunos(as) sobre seu futuro pode motivá-los e incitá-los a refletir sobre sua situação atual.

Objetivos� Refletir sobre nosso comportamento em sala de aula.� Buscar nossas metas pessoais.� Tomar consciência da repercussão de nossos com-portamentos.

� Aprender a relação entre atitudes e comportamentos.� Desenhar um mapa objetivo de nossas atitudes.

Fixação de tempoEntre 2 e 4 horas, aproximadamente.

Seqüência de tarefasa) Tarefa individualCada aluno(a) deve imaginar que já se transcorre-

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ram dez anos desde o momento em que se encontraatualmente, e, com toda sinceridade, descrever-setal como se vê, não como gostaria de ser. Para isso,deverão levar em conta suas circunstâncias, atitudese comportamentos atuais (ver Recursos, Condiçõese Recomendações). Uma vez descritos como sevêem, é o momento de se descreverem como gosta-riam de serem vistos.

b) Tarefa do pequeno grupo:Sem que seja imprescindível que cada aluno(a) mos-tre suas descrições aos (às) companheiros(as), o gru-po deve encontrar as razões das possíveis diferençasentre uma e outra descrição (o que viu e o que gosta-ria de ver) e as razões destas diferenças. O que é ne-cessário para chegar ao que eu gostaria de ser?

c) Tarefa do grande grupoO trabalho em grande grupo deve servir de refle-xão das duas tarefas prévias, de modo que, após aapresentação de cada coordenador(a) de seu traba-lho conjunto no pequeno grupo, o grupo de sala deaula deva tentar responder, por exemplo, às seguin-tes perguntas:� Depende de nosso comportamento e atitude oque seremos quando crescer?

� Já parei para pensar sobre aquilo a que quero mededicar?

� O que estamos fazendo para cumprir nossos de-sejos?

� Por que faço as coisas?� Há muita diferença entre o que você viu e o quegostaria de ver?

� Caso exista, o que você pode fazer para que nãohaja diferenças?

� etc.

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d) Tarefa de avaliaçãoO envolvimento dos(as) alunos(as) em atividades des-se tipo deve ser muito satisfatório, porém, mais ain-da, se os(as) alunos(as) chegarem a considerar queseu comportamento na sala de aula pode repercutirna consecução de suas metas pessoais, no caso de tê-las; caso contrário, esta atividade deverá potencializara reflexão dos(as) alunos(as) sobre este assunto.

Papel do dinamizadorO dinamizador deve incentivar o debate e a reflexão,

sem obrigar os(as) alunos(as) a tornar públicas suas descri-ções pessoais, já que podem trazer prejuízo para sua intimi-dade. De grande utilidade é apresentar exemplos que fomen-tem o debate.

Recursos, Condições e Recomendações� Valorizar as descrições positivas dos(as) alunos(as).� Se os(as) alunos(as) têm dificuldades de elaborarum texto escrito, podem elaborar listas, em lugardo texto.

Aspectos a serem incluídos numa descrição� Em que e onde trabalho.� Que relação tenho com meus (minhas) compa-nheiros(as) e com meus chefes.

� Que família tenho.� O que penso, quando acordo pela manhã e quandome deito.

� Como percebo, como acho que os outros me vêem.� Com que ocupo meu tempo livre.� Como são meus (minhas) amigos(as).� Quais são minhas aspirações.� etc.

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ATIVIDADE 6:ABUSOS VERBAIS SÃO ABUSOS REAIS

JustificativaQuando nos encontramos num ambiente educacional,

no qual são normais os insultos de uns para com outros(as)para buscar sua atenção ou a de outra pessoa ou grupo, pode-se considerar assim que esta é uma forma a mais de comuni-car-se. Apesar de que isto possa ser verdade, não devemosaceitar esta realidade, mas trabalhar com os(as) alunos(as)para incentivar a mudança em sua forma de expressar-se ecomunicar-se com os demais.

Objetivos� Sensibilizar os(as) alunos(as) para diferenciar entrebrincadeiras e insultos.

� Buscar outras formas de expressão aceitas pelo alunado.� Usar estas formas de expressão alternativas.� Estimular a capacidade de reflexão dos(as) alunos(as)sobre seus comportamentos e atitudes para com seuscolegas.

Fixação de tempoEntre 2 e 4 horas, aproximadamente.

Seqüência de tarefasAntes de começar a atividade, é necessário explicar aos

(às) alunos(as) que vamos trabalhar com as diferentes for-mas que podemos usar para nos expressar para que estejamorientados sobre o objetivo que se persegue.

a) Tarefa individualOs alunos recebem um número de um a quatro epede-se a eles que escrevam um exemplo, o mais re-

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alista possível, das conversações que são desenvolvi-das em cada uma das situações que lhes é proposta(para os de número um, que pensem na saída para orecreio; os de número dois, sobre os intercâmbios nasala de aula, enquanto não estiver presente nenhum(a)professor(a); os de número três, durante o tempo li-vre, como, por exemplo, o recreio; e os de númeroquatro, quando estiverem com seus colegas, fora doestabelecimento escolar). Não deverão faltar nas con-versas as palavras usadas para se dirigirem aos de-mais e as usadas para chamarem os colegas.

b) Tarefa do pequeno grupoOs grupos serão formados com um(a) aluno(a) decada número, ou seja, em cada grupo haverá quatroalunos(as) com os números identificativos diferentese, portanto, cada membro do grupo terá trabalhadosobre uma situação diferente. A tarefa deverá come-çar com a leitura que cada um deve fazer da conver-sação descrita. A seguir, deverão fazer uma lista daspalavras que usam para se dirigirem à pessoa comquem querem falar ou, com quem estão, de fato, fa-lando; e as que usam para identificar terceiras pesso-as, como, por exemplo, um(a) colega sobre o(a) qualestão falando, o que está acontecendo por perto, etc.Por último, discutirão quais palavras da lista elabora-da podem ser consideradas insultos. Para isso, pode-rão ser levadas em conta as circunstâncias que rodei-am a conversação, o tom da voz, a vinculação exis-tente entre as pessoas envolvidas., etc.

c) Tarefa do grande grupoO trabalho de sala de aula deverá estar enfocado nasocialização das listas de cada grupo e na reflexãosobre por que o uso destas palavras que podem in-comodar os(as) colegas, as possíveis conseqüências

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que podem ter em algum deles e na proposta deformas para evitá-las ou, caso continuem usando-as, explicitar que são de brincadeira, sempre que apessoa a quem se dirigirem estiver de acordo. (verRecursos, Condições e Recomendações).

d) Tarefa de avaliaçãoSerá positiva a avaliação desta atividade se os(as)alunos(as) tiverem mostrado interesse nas reflexões,se tiverem se envolvido na busca das causas e conse-qüências do uso de insultos ou palavras de desprezopara com os demais. Para que, ao longo do tempo,seja observada uma mudança no uso da linguagem,será necessário lembrar aos (às)alunos(as), em dife-rentes momentos, das conclusões desta atividade.

Papel do dinamizadorO dinamizador deverá estar atento para que os(a)

alunos(as) sejam realistas e não idealizem as conversações queestão transcrevendo. Durante o trabalho em pequeno grupo ede sala de aula, deve valorizar a reflexão e a discussão entreos(as) alunos(as), mas cuidando para que nenhum(a) menino(a)seja ridicularizado(a) e ninguém se sinta mal pelos comentári-os feitos. Também deverá valorizar a autocrítica, fazendo re-flexões em voz alta sobre o que os grupos vão elaborando.

Recursos, Condições e RecomendaçõesSeria de grande ajuda que se fizessem gravações em

fita de vídeo ou de cassete de pequenos trechos das conver-sações que os(as) alunos(as) têm das situações propostas, jáque, em muitas ocasiões, os(as) alunos(as) são levados(as) aidealizar as situações reais. De qualquer forma, se não forpossível a gravação, propomos fazer anotações de algumasexpressões que os(as) alunos(as) utilizam para, no caso deque não venham à tona os insultos, coloquem exemplos davida real que os(as) alunos(as) não tardarão a identificar.

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Para a tarefa do grande grupo:� Que outras palavras poderíamos usar em lugar dosinsultos ou palavras de desprezo?

� Por que o mesmo insulto pode ofender um(a) cole-ga e outro(a) não?

� Cremos que os insultos podemprovocar conseqüênciasnegativas nas pessoas a quem são dirigidos.

� Pode ser que as brincadeiras provoquem muitos mal-entendidos, terminando em brigas entre os(as)alunos(as).

ATIVIDADE 7:FALAR POR FALAR

JustificativaQuando um grupo de pessoas passa muitas horas jun-

to, muitas vezes tendem a falar um dos outros, a indagaremsobre o que pode ser suas vidas fora do contexto que os une,a emitir juízos de valor sobre a idoneidade ou não de seuscomportamentos, pensamentos, atitudes ou, enfim, sobre suasopções de vida. Estas tendências podem provocar efeitosnegativos sobre essas pessoas, inclusive porque costumamterminar na criação de boatos, contaminando as relações en-tre as pessoas com as quais estão convivendo.

Objetivos� Refletir sobre as possíveis conseqüências de nossoscomentários acerca dos demais.

� Valorizar a análise crítica dos(as) alunos(as) diantedos comentários negativos ou boatos que se criamem torno do(a) colega.

� Buscar vias de enfrentar este tipo de situação.

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Fixação de tempoEntre 2 e 4 horas, aproximadamente.

Seqüência de tarefasa) Tarefa individualDistribui-se a cada aluno(a) o texto da jornalistaRosa Montero (ver Recursos, Condições e Reco-mendações) ou deve-se ditá-lo para, posteriormen-te, ser lido em voz baixa, tentando descrever umasituação em que uma pessoa ou grupo utilizou apalavra no seu sentido negativo contra a outra. Adescrição deve ser escrita duas vezes. A primeira,do ponto de vista da pessoa que fala mal da outraou das outras, a segunda, do ponto de vista da pes-soa que está sofrendo este mau uso da palavra. Seconsiderarmos oportuno, podemos esclareceraos(às) alunos(as) que esta última pessoa pode nãoestar consciente de que estejam falando mal dela.

b) Tarefa do pequeno grupoO grupo deve compartilhar suas histórias e discu-tir sobre as possíveis causas que podem levar umapessoa a comportar-se desse modo. Também devediscutir sobre a maneira que a pessoa afetada res-ponde; deve pensar, inclusive, nas possíveis for-mas de comportar-se, se cada um se encontrassediante de uma situação semelhante a alguma dasdescritas. Neste debate, pode surgir a idéia de queeste tipo de problema não irá acontecer a qualquerum, momento em que deverão analisar as circuns-tâncias que rodeiam as pessoas suscetíveis de se-rem objeto deste tipo de situação.

c) Tarefa do grande grupoA socialização dos trabalhos dos grupos pode ser

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realizada em função de: possíveis formas de se fa-zer um mau uso da palavra, razões para este mauuso, condições que rodeiam a pessoa suscetível deser objeto de boatos, falsos ou não, formas de res-ponder a este tipo de situação.

d) Tarefa de avaliaçãoA avaliação deverá estar centrada no envolvimen-to dos(as) alunos(as) na atividade, na diversidadede situações que tenham sido capazes de descre-ver e na qualidade de suas reflexões em torno dascircunstâncias que podem rodear este tipo de com-portamento. Por último, um aspecto a ser lavadoem conta seria se o grupo chegou à conclusão deque a sala de aula ou o estabelecimento escolarpode ser cenário destes maus usos da linguagem.

Papel do dinamizadorO dinamizador deverá evitar conflitos entre os(as)

alunos(as), o que será de grande valia, pois evita-se que sejamcitados os nomes de colegas envolvidos neste tipo de situa-ção. Recordemos que buscamos a reflexão e a autocríticados(as) alunos(as) a partir de suas próprias experiências e dasde seus colegas.

Recursos, Condições e RecomendaçõesPara o trabalho individualA jornalista Rosa Montero escreve no livro Solidári-

os 100 por 100 (VVAA, 1998): �As palavras são uns estra-nhos artefatos. Por um lado, é a palavra que nos faz huma-

nos e que nos permite definir nossos sonhos e aspirar a ser

melhores do que somos . Mas, por outro , nas palavras se

aninham as mentiras, a falta de substância e a traição�.

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ATIVIDADE 8:NÃO SE PODE FAZER NADA

JustificativaTemos tendência de sentir pena das pessoas que so-

frem por culpa de outras, mas nos habituamos a refugiar-nosneste sentimento, descartando a possibilidade de intervir paramudar, com nossa ajuda, essa situação. Certamente, muitasvezes, não se pode evitar tais acontecimentos, mas o que po-deríamos mudar, com nosso apoio, seria a forma de sentir dapessoa que está sofrendo.

Objetivos� Incentivar o apoio dos(as) alunos(as) para comos outros.� Valorizar a atitude autocrítica sobre nossa atitude di-ante de situações injustas.

� Diminuir o possível apoio que possam estar encon-trando os(as) alunos(as) que atuam contra algum(a) doscolegas.

Fixação de tempoEntre 1 e 2 horas, aproximadamente

Seqüência de tarefasa) Tarefa individualCada aluno(a) deverá buscar materiais para relatarsituações, nas quais uma pessoa está tratando mal,ignorando ou ameaçando outra, na presença de ou-tros. Este material pode ser a letra de uma canção,uma poesia, um filme, ou de sua própria criação,caso assim decida o(a) aluno(a).

b) Tarefa do pequeno grupoO trabalho começará com a socialização dos mate-riais de cada um e, a partir daí, deverão identificar

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os diferentes tipos de espectadores que estão pre-sentes na cena (ver Recursos, Condições e Recomen-dações). Uma vez decididos os tipos de espectado-res, os(as) alunos(as) analisarão as respostas que cadaum tem diante de uma situação que, de começo, éinjusta. Por último, analisarão de que forma um es-pectador pode reagir diante deste tipo de situação,partindo de suas histórias, e acrescentando outrasque lhe ocorram.

c) Tarefa do grande grupoEste trabalho deve estar centrado na criação de umesquema de diferentes formas de responder dianteda observação de situações injustas como as que vêmsendo comentadas. Uma vez realizada a socializa-ção e construção conjunta do esquema, iniciar-se-áuma reflexão sobre como cada um se comporta di-ante de situações parecidas, ainda que adaptadas àsnossas circunstâncias; e quais podem ser as razõesque nos levam a tomar a decisão sobre o que fazer.

d) Tarefa de avaliaçãoA avaliação estará enfocada no envolvimento dos(as)alunos(as) nas diferentes tarefas que se propõem,além da observação se o grupo chegou a identificarque este tipo de situação está acontecendo entre nós,no próprio colégio, e que muitas vezes nos compor-tamos de uma forma impensada em relação ao quepoderíamos estar fazendo para outra pessoa.

Papel do dinamizadorO dinamizador deverá trabalhar com pequenos grupos,

ajudando-os a encontrar as diferentes formas de ser especta-dor e, na reflexão final, tomar consciência de que julgar osprotagonistas de uma história é fácil, mas, não o é tanto quan-do se trata de ter uma atitude crítica para conosco mesmos.

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Recursos, Condições e Recomendações� O trabalho individual deverá ser solicitado comolição de casa, para o dia anterior ao desenvolvi-mento da atividade.

� Os tipos de espectadores para o trabalho em pe-quenos grupos deverão estar condicionados ao tipode cenas escolhidas, mas poderiam ser: quem passae nem sequer se dá conta do que está acontecendo;quem vê, mas faz como se não visse; as pessoas quefogem, que vão correndo; quem reclama e fica qui-eta; os que chamam alguém para buscar ajuda; equem tenta ajudar ou defender a pessoa que estásendo objeto da situação injusta.

ATIVIDADE 9:É MELHOR DEIXAR ACONTECER?

JustificativaEm todos os grupos existem meninos e meninas que

se relacionam melhor com os colegas e que chegam a ter, deforma explícita ou implícita, um grande poder de influênciasobre os outros. Quando esta influência se converte em as-pectos positivos para o grupo, ou seja, em atividades con-juntas, na organização de brincadeiras ou das atividades es-tudantis, etc., não costumamos dar muita atenção. O proble-ma costuma aparecer quando os(as) alunos(as) que influemnas atitudes de seus (suas) companheiros(as) o fazem no sen-tido negativo, como isolar um(a) aluno(a), ameaçá-lo, etc.

Objetivos:� refletir sobre nossos comportamentos com os(as)companheiros(as) que estão tratando mal o outro;

� valorizar a tomada de decisão pessoal, embora paraisso contemos com o apoio dos demais;

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� diminuir o apoio, ativo ou passivo, que têm os(as)alunos(as) em relação a comportamentos ameaça-dores ou discriminatórios para com alguns(mas)companheiros(as);

Fixação de tempoEntre 1 e 2 horas, aproximadamente.

Seqüência das tarefasa) Tarefa individualCada aluno(a) escreverá sobre situações em que su-ponha que alguma pessoa está se deixando levar poroutra ou apoiando-a quando está incomodando aoutra, ameaçando-a ou discriminando-a. Por exem-plo, quando um colega acha graça de outro, acom-panha-o na brincadeira.

b) Tarefa do pequeno grupoDepois de cada aluno(a) explicar a seus colegas osexemplos que descreveu, o grupo discutirá, para cadacaso: as razões que levam um(a) companheiro(a) aofender ou ridicularizar o(a) outro(a), razões que le-vam um colega a acompanhá-lo na brincadeira, e ossentimentos de cada um dos protagonistas da histó-ria (para encontrar exemplos, ver Recursos, Condi-ções e Recomendações).

c) Tarefas do grande grupoA reflexão do grande grupo deve partir do trabalho pré-vio realizado e deverá pretender responder a perguntascomo: o que podemos fazer para que este tipo de situa-ção não volte a acontecer? Por que acontecem estascoisas? Quem pode estar sendo o responsável?

d) Tarefa de avaliação:A avaliação será positiva se os(as) alunos(as) se en-volverem no trabalho, aparecerem expressões na dis-

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cussão da injustiça que supõem que esteja aconte-cendo com algumas pessoas. Também será feita aavaliação para perceber se os(as) alunos(as) desco-brem a capacidade que têm os(as) colegas para evi-tar este tipo de situação e se identificam que as pes-soas que o fazem necessitam, muitas vezes, pelomenos do consentimento daqueles que os rodeiam.

Papel do dinamizadorO dinamizador deverá conduzir o debate-reflexão do

grande grupo para chegar à conclusão de que ao apoiar, deuma maneira ou outra, os colegas que se comportam malcom os demais estará promovendo o reforço de tal situação.

Recursos, Condições e RecomendaçõesAlguns exemplos em que encontramos um(a) aluno(a)

ridicularizando o outro(a):� um menino(a) obriga o outro(a) a fazer alguma coisa;� nunca deixa o outro participar das atividades feitasem grupo: uma festa, marcar encontros, etc;

� ameaça alguém dizendo que, se não fizer algo, vaiapanhar;

� atira cuspes pelo vão da escada;� sempre ridiculariza o mesmo colega.

ATIVIDADE 10:CONHECIDOS, COMPANHEIROS E AMIGOS

JustificativaMuitos problemas que surgem entre os(as) alunos(as)

podem estar sendo provocados porque as expectativas queuns têm dos outros são errôneas, ou, pelo menos, diferentes.O que se pode esperar de um(a) amigo(a), ou o que ele pode

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oferecer, não pode ser o mesmo que um(a) colega conhecido(a)chegará a dar, no caso de se manter essa relação. Aprofundaro significado da amizade e do companheirismo pode valori-zar um bom clima de convivência na sala de aula.

Objetivos:� definir entre os alunos(as) o significado da amizade,companheirismo e conhecimento;

� estimular a reflexão pessoal sobre as relações quemantemos com as pessoas que nos rodeiam;

� valorizar a criação de expectativas reais dealguns(mas) alunos(as) para com outros(as);

Fixação de tempo:Entre 2 e 3 horas, aproximadamente.

Seqüência de tarefasa) Tarefa individualCada aluno(a) escreverá três listas de nomes. A pri-meira de seus amigos e, ao lado de cada nome, des-creverá o processo de como chegou a conhecê-lo(a)e como chegaram a ser amigos(as). A segunda listaserá de seus(suas) colegas, descrevendo como che-garam a se tornar colegas. Por último, a terceira lis-ta será igual às anteriores, mas sobre os(as)conhecidos(as).

b) Tarefa do pequeno grupoNo trabalho em grupo, cada aluno(a) apresentaráos processos de descrição de como chegou a teramigos, colegas e conhecidos, sem ter necessidadede dizer os nomes das pessoas sobre quem está fa-lando. A partir destas descrições, o grupo deverápromover debates e concluir sobre o que é ou o quecaracteriza um(a) amigo(a), um(a) colega e um(a)

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conhecido(a). Apresentará, também, o que se podeesperar de cada um deles e o que eles nunca nosfariam.

c) Tarefa do grande grupoA reflexão do trabalho do grande grupo irá enfo-car, no debate e possível consenso, as definições dassituações de amizade, coleguismo e conhecimento;e, também, das expectativas que devemos ter de cadagrupo dessas pessoas que consideramos amigos,colegas ou conhecidos. A conclusão deve girar emtorno de que coisas nos afetam, sua origem; por-tanto, nossas relações com os demais devem partirdo conhecimento ou, pelo menos, do questionamen-to de que tipo de relação nos une com os demais.

d) Tarefa de avaliaçãoA avaliação estará centrada na participação dos(as)alunos(as) na atividade, mas, sobretudo, que elespercebam que a amizade, o coleguismo, e o conhe-cimento são distintas formas de manifestação; o quenão significa que uma seja melhor que a outra.

Papel do dinamizador.O dinamizador deve valorizar a reflexão, fugindo de

comentários que possam ferir algum(a) aluno(a) como, porexemplo, que um diga a outro que não tem amigos(as), argu-mentando que são coisas da vida pessoal que ninguém temque saber. Na atividade individual, deverá estar atentoàqueles(as) alunos(as) que possam ter dificuldades para dife-renciar a relação existente entre as pessoas, deixando, no en-tanto, a possibilidade de que, talvez, para eles a pessoa sejaum(a) amigo(a) ou um(a) colega, por exemplo.

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5. APRENDER A PEDIR AJUDA:MEDIAÇÃO EM CONFLITOS

Como vimos afirmando, quando se respira um clima deconflito num estabelecimento escolar, e seus agentes educaci-onais têm dificuldades para saber o que está acontecendo, énecessário pensar no que fazer para mudar essa situação. In-dependentemente de que existam problemas mais sérios, comoatitudes de prepotência, maus tratos e fenômenos de vitimiza-ção, o que é quase certo é que existirão conflitos que não es-tão sendo resolvidos de forma dialogada e democrática.

O conflito emerge em toda situação social em que secompartilham espaços, atividades, normas e sistemas de po-der e a escola obrigatória é um deles. Um conflito não é ne-cessariamente um fenômeno da violência, embora, em mui-tas ocasiões, quando não abordado de forma adequada, podechegar a deteriorar o clima de convivência pacífica e geraruma violência multiforme na qual é difícil reconhecer a ori-gem e a natureza do problema. Diante dos conflitos, são úteisdiversas vias de trabalho, mas, dentre elas, destaca-se, comoparticularmente interessante, a chamada �mediação escolar�(Torrego e outros, 2000).

Atualmente, existe uma proliferação bibliográfica ricae variada sobre a mediação, que está produzindo pelo menos

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dois efeitos. O primeiro deles é proveitoso e permite que aopinião pública, em geral, e os agentes sociais, em particular,conheçam a existência de procedimentos bem estruturadospara buscar soluções, quando as pessoas vivem situaçõespessoais e/ou interpessoais de tensão, que não podem resol-ver por si mesmas. Isso permite visualizar a ajuda social epsicológica como um recurso possível, contribuindo paraproporcionar aos atingidos a esperança de que existem ca-minhos possíveis de enfrentamento pacífico do conflito.

O segundo efeito, nem tão benéfico, é o risco de seconverter a convivência num cenário de transtornos do com-portamento e na tendência a introduzir, na instituição esco-lar, um modelo clínico que não é necessário, nem conveni-ente. A ajuda que a mediação pode oferecer às pessoas, cujosconflitos com outras não cedem com seus esforços espontâ-neos, não deveria ser entendida como uma ajuda diante deuma patologia, mas como uma ajuda de especialista, no mar-co da convivência ordinária.

De nossa parte, propusemos (Ortega, 2000) um mo-delo de mediação que não venha a romper com o esquemabásico da cultura escolar, ou seja, um modelo não clíniconem psicopatológico. No restante do capítulo, trataremos deaprofundar este modelo e de trazer sugestões de procedi-mentos e estratégias concretas para torná-lo efetivo.

O CONFLITO INTERPESSOAL NOCENÁRIO DA ESCOLA OBRIGATÓRIA

O conflito interpessoal, ou entre grupos, que não cedecom o esforço espontâneo, não só é indesejável, mas é, pordefinição, uma situação crítica. Entendemos por situação crí-tica uma posição de extrema tensão na dinâmica das relações

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entre as pessoas. Já comentamos como as relações sociaisestáveis, baseadas na vida comum, deveriam, mesmo emmomentos de conflito, ser fluidas, afetivas e solidárias, mastambém insistimos que, em muitas ocasiões, não o são.

A vida quotidiana e o trabalho conjunto criam siste-mas de conhecimento compartilhado, afetos e emoções quepodem-se deteriorar para níveis muito mais profundos doque aqueles que unem as pessoas que não convivem entre si.Os afetos e as emoções, que conotam as relações estáveis,afetam muito a comunicação e o entendimento mútuo, parao bem ou para o mal (Ortega e Mora-Merchán, 1996). As rela-ções estáveis criam uma espécie de expectativa com respeitoao interlocutor que, muitas vezes, é a origem do bom entendi-mento mútuo, mas também podem-se converter na causa demal-entendidos, sempre mais profundos, produzindo tais con-flitos críticos, que se resolvem mal, se na forma espontânea.

As relações interpessoais produzem tensões entre osgrupos e as pessoas, quando estas devem freqüentar, comassiduidade, os mesmos cenários, submeter-se a normas co-muns e realizar atividades em conjunto, de forma quotidia-na. A informação que se compartilha, os sentimentos que secriam e as emoções que emergem diante de situações difíceisvão gerando tensões que deterioram os formatos de comu-nicação, inibem sentimentos, transformam a empatia em res-sentimento, com a conseqüente deterioração da rede de vín-culos sociais.

Embora o sistema de relações interpessoais mais calo-roso em afetos e emoções seja o familiar, outros, como oescolar na fase infantil e juvenil, e o de emprego, no restanteda vida, são também muito importantes na existência daspessoas. Neles surgem afetos e emoções que podem dar lu-gar a conflitos e tensões que provocam um grande desgastepsicológico. A escola é, neste sentido, um cenário no qual aconvivência é literalmente uma rede de relações em que é

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imprescindível dispor de instrumentos e recursos para resol-ver, de forma espontânea, os conflitos que surgem no de-senrolar diário da vida em comum.

Embora, tradicionalmente, a escola tenha buscado for-mas de resolver os conflitos e, de fato, para isso, foi estabele-cendo os sistemas normativos e disciplinares, estes nem sem-pre foram eficazes, por diferentes razões. Um problema re-lativamente comum é que o sistema normativo nem semprefoi elaborado com a participação de todos; nem sempre ébem entendido por todos ou nem sempre inclui vias de solu-ção do conflito. Nem tudo pode ser regulado mediante nor-mas; existe um espaço importante para a espontaneidade, quecada um administra em relação aos outros e, nestes espaços,felizmente de liberdade, é onde aparecem conflitos, própriosda relação concreta dos que têm que fazer coisas em comum.

Os sistemas disciplinares, que emanam da construçãode normas e convenções sociais, devem � para de fato res-ponderem aos interesses de todos � ser realizados medianteprocessos negociadores, que ativem uma visão positiva doconflito, ou seja, que assumam que o conflito é positivo quan-do estimula a comunicação e o diálogo construtivo e, muitonegativo quando a tensão emocional e o desafeto perturbama comunicação ou a tornam inviável.

Um estabelecimento escolar, que construa uma cultu-ra de diálogo e de negociação diante da tomada de decisõese que dedica tempo e espaço a isso, tende a ser uma comuni-dade em que os conflitos interpessoais não se fixam nemparalisam a convivência. Contudo, infelizmente, mesmo emestabelecimentos escolares que dispõem de uma ideologiapositiva diante do conflito, surgem, entre as pessoas e os gru-pos, certas disputas que são vistas pelos protagonistas comode difícil solução pela sua forma espontânea; nestes casos, épreciso pensar numa estratégia de mediação.

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A MEDIAÇÃO: UMA ESTRATÉGIA DEAJUDA EXTERNA

No sentido estrito, a mediação é a intervenção, pro-fissional ou profissionalizada, de um terceiro � um especia-lista � no conflito travado entre duas partes que não alcan-çam, por si mesmas, um acordo nos aspectos mínimos ne-cessários para restaurarem uma comunicação, um diálogoque, por outro lado, é necessário para ambas. Contudo, nãoé imprescindível que esta intervenção se conclua com o des-fecho de amor ou de amizade íntima � que será bem-vinda,se assim acontecer � mas, simplesmente, com o reconheci-mento da responsabilidade individual de cada um no con-flito e o acordo sobre como agir para eliminar a situação decrise, com o menor custo de prejuízo psicológico, social oumoral para ambos os protagonistas e suas repercussões emrelação a terceiros envolvidos.

É importante partir de um conceito claro de media-ção, se não quisermos nos perder no caminho que tentamosseguir. Nem sempre duas pessoas ou grupos que têm confli-tos estão motivados para resolver seus problemas e restaurarassim suas relações. Nem sempre pensam que é importantereparar uma comunicação, que talvez já não desejam, nemseja obrigatório que o façam, embora seja recomendável. Poroutro lado, os terceiros, sejam estes mais ou menos especia-listas, não têm, estritamente, o direito de intervir se as partesnão o desejam; ou se uma instituição de ordem superior nãoo exige, ainda que seja um bem-comum ou uma necessidadepara as pessoas que se vêem diretamente envolvidas.

Como conseqüência do que se disse anteriormente,podemos afirmar que a mediação, como um processocomplexo e tecnicamente bem desenhado, a serviço da ajuda,só tem sentido no marco institucional; ou seja, em situaçõesem que os envolvidos desejem restaurar a comunicação ou a

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instituição considere conveniente que o façam e sugira aosenvolvidos que o tentem, a partir da mediação de um terceiro.

Portanto, para pensar em conflitos com possibilidadesde mediação, o primeiro passo que se deve levar em conta éque os protagonistas sejam, entre si, pessoas com experiên-cia em relações estáveis, até o momento em que o conflito sedesencadeia, e estejam dispostas a mudar. Entretanto, nemsempre é tão clara a estrutura do conflito, nem tão evidentea relação de seus componentes.

Outro aspecto a levar em conta é se a instituição, nes-te caso o estabelecimento escolar, dispõe ou não dos instru-mentos de regulação adequados para resolver os conflitosquotidianos, antes que se convertam em conflitos críticos, eque requeiram estratégias de especialistas, como a que aquiestamos propondo. Com isto, queremos voltar a reconside-rar o conceito ordinário ou positivo do conflito, em termosdo que já vimos dizendo: no desenrolar da atividade e davida em comum, surgem continuamente conflitos interpes-soais e de grupo que deveriam ser abordados com as ferra-mentas comuns do diálogo, tais como a discussão prolonga-da e bem planejada, a socialização de idéias e critérios e aforma democrática de tomar decisões.

Não obstante, quando os instrumentos de regulaçãopara a abordagem de conflitos quotidianos � que estão im-bricados na organização social da instituição e nos sistemasestáveis de reuniões, assembléias, grupos de trabalho e ativi-dades comuns ao desenvolvimento curricular � não são sufi-cientes para resolver certos conflitos em situação crítica, faz-se necessário um dispositivo de mediação no estabelecimen-to escolar. Com isso, queremos insistir, por um lado, na es-pecificidade dos programas de mediação e, por outro, nanecessidade de que se desenhem, com todo rigor e controle,processos que sejam adequados para os fins educacionais aque a escola se propõe.

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Se, num estabelecimento escolar, ficar decidida a in-trodução de um programa de mediação, é preciso levar emconta que isso não é outra coisa senão um instrumento amais, dentre outros que podem ser ativados para se aborda-rem e desativarem os conflitos, que resistem a soluções es-pontâneas e que � como assinalados anteriormente � são odiálogo e o consenso democrático. A consideração da me-diação como uma estratégia específica e a formação do(a)mediador(a) escolar, bem como o controle sobre o proces-so concreto de cada mediação garantem que esta tenha osucesso que se busca. Assim, esta estratégia não pode, nemdeve ser considerada de modo leviano. A mediação, comodispositivo de resolução de conflitos, que não cedem deforma espontânea nem preventiva, deve ser reservada paracasos em que outros meios mais próximos à cultura educa-cional geral, como o diálogo espontâneo, as redes deamigos(as) e os grupos de ajuda entre iguais, não tenhamconseguido resultados a curto prazo.

QUANDO E COMO IMPLANTAR UMPROGRAMA DE MEDIAÇÃO ESCOLAR?

Antes de implantar um processo de mediação, deve-remos dispor de critérios de ação, além de um suporte teó-rico para desenvolver as seguintes idéias:

� ter bem delimitados seus objetivos mínimos e má-ximos, no sentido de saber, aproximadamente, atéonde se pode chegar e de onde partir;

� todo processo de mediação deve ser solicitado eos protagonistas devem expressar seu desejo de quetal processo tenha lugar, assumindo as regras sobas quais essa mediação deve ser realizada;

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� todo processo mediador deve estar limitado notempo; trata-se da atenção a uma situação especí-fica de conflito e esta é concreta, ou deve ser con-cretizada.

� dispor de condições físicas e ambientais, igualmen-te mínimas, mas suficientes, para que os trabalhosde mediação sejam possíveis.

O TEMPO, O ESPAÇO, OS PAPÉIS E ASCONDIÇÕES DA MEDIAÇÃO

Os fundamentos desta estratégia incluem o fato de que,uma vez estabelecido o programa de mediação, este deve cui-dar de sua imagem de entidade séria, responsável e a serviçodas pessoas que dele necessitem, vislumbrando, assim, um ca-minho de segurança e ajuda, e não uma entidade de solvênciaduvidosa, que as pessoas não compreendam. Para que assimse suceda, serão responsáveis, além dos mediadores, a equipediretora do programa, que não deveria ativar um sistema noqual não acredita e que não esteja disposta a valorizá-lo.

Para isso, serão estabelecidos alguns espaços e esque-mas de tempo que não perturbem a dinâmica organizacionaldo estabelecimento escolar, mas que se encaixem na situa-ção adequadamente. É óbvio que este espaço e estes temposdevem ser respeitados escrupulosamente. Qualquer mudan-ça não suficientemente justificada e informada, menos aindaarbitrária e não decidida em conjunto com a equipe respon-sável pelo programa, do qual, desde sua formação, devemparticipar os mediadores, será um elemento de perturbação,e, posteriormente, de deterioração do programa.

Temos falado do espaço e do tempo. Este último, den-tro de um processo mediador concreto, deve estar limitado.Nenhum trabalho de mediação deve se prolongar além de

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um tempo razoável, passado o qual, ter-se-á que considerarque o processo não teve êxito e que o compromisso entremediador(a) e mediados deve ser dissolvido. Esta e outrasregras de mediação devem estar disponíveis, como normasgerais, no programa, e terem sido suficientemente difundi-das entre os(as) alunos(as). Não é má idéia que tais normasgerais estejam estabelecidas por escrito, num documentosobre o programa que deve ter um tratamento público e defácil leitura para todos(as).

Mas, quanto tempo deve durar uma mediação? Qual é olimite de tempo razoável? É difícil estabelecer um limite con-creto, mas, em todo caso, um número de sessões nunca inferi-or a três e não superior a oito ou dez, sempre com um interva-lo de tempo entre uma e outra que permita aos protagonistasir maturando sua possível mudança de atitudes, comportamen-tos e formas de comunicar seus sentimentos e iniciativas. Nãoesqueçamos que, do ponto de vista psicológico, o que se bus-ca com uma mediação é o êxito de uma aprendizagem, to-mando-se por referência como gerir a própria vida emocional,para se obter um nível de comunicação com as outras pessoas,especialmente, com as que se entra em conflito.

Com respeito ao espaço e às condições, a atividade demediação, além de algumas seqüências temporais adequadas,exige um espaço igualmente idôneo. Um espaço que preser-ve a intimidade, cujas condições não provoquem incômodoe onde os protagonistas possam ser escutados entre si, e omobiliário facilite o contato visual direto.

Temos feito referência às normas gerais do programade mediação e, embora devam ser elaboradas pelos respon-sáveis pelo programa, a elas não devem faltar os seguinteselementos descritos a seguir.

� Confidencialidade: o(a) mediador(a) se comprome-te, diante das pessoas às quais presta ajuda, a guar-dar sigilo sobre o conteúdo das conversações.

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� Intimidade: os protagonistas do conflito não serãoforçados a falar mais do que considerem parte desua intimidade; se bem que se comprometem a sersinceros e a responder, com honestidade, às pergun-tas de seu interlocutor.

� Liberdade de expressão: os protagonistas se compro-metem a expressar-se com liberdade, mas assumin-do que, nos diálogos, estão proibidos os insultos eataques verbais, físicos ou psicológicos. Tudo podeser expresso verbalmente e tudo deve ser expressoa partir da própria autoria verbal: eu sinto, eu creioou eu supus; nunca, porém: tu pensas, tu sentes outu crês.

� Imparcialidade: o(a) mediador(a) se compromete anão tomar partido em nenhuma das partes em con-flito. Embora perceba que, mais do que um confli-to, é um problema de maus tratos, assédio, ameaça,perseguição ou qualquer tipo de violência interpes-soal, deve ter a liberdade de levar ao conhecimentodos responsáveis pelo programa a natureza do su-posto conflito e, caso necessário, mudar ou aban-donar a mediação e propor outra estratégia de in-tervenção ou outro(a) mediador(a).

� Compromisso de diálogo: os protagonistas se compro-metem a falar de suas dificuldades e conflitos nassessões de trabalho, assumindo que a oferta de aju-da é limitada no tempo e que é sua responsabilidadetentar, cada um em separado, aportar esforços pararesolver a situação.

Do mesmo modo, e retomando idéias já expostas, épreciso saber que, em toda mediação, três papéis sociais sedestacam, os quais interagirão uns com os outros, quando amediação for implementada. São eles: os dois protagonistasdo conflito, cuja condição deve estar suficientemente defini-

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da, de tal modo que tanto eles mesmos como o próprio am-biente social imediato os reconheça como tais, e o(a)mediador(a), cuja condição também deve ser reconhecidacomo tal pelo ambiente social, pelo menos num nível sufici-ente, para que os três percebam, com uma certa nitidez, ospapéis que estão desempenhando, e se vejam assim protegi-dos dos possíveis conflitos que surgirem no processo.

FORMAÇÃO, ATITUDES E HABILIDADESDO MEDIADOR ESCOLAR

A escola é um cenário público, submetido às normassociais e jurídicas de proteção dos direitos dos(as) alunos(as),e são os docentes e os agentes educacionais vinculados aosestabelecimentos escolares os que devem dar conta de todoo processo de intervenção educacional; neste sentido, a me-diação escolar é uma delas.

Como descrevemos anteriormente, a mediação é umtrabalho de especialista, realizado por terceiros, a pedido, oucom o consentimento expresso das pessoas em conflito, queaceitam a ajuda externa e se comprometem a assumir as re-gras do jogo mediador. Regras gerais, que devem ser infor-madas antes de começar, e regras concretas para cada medi-ação em particular, que devem ser pactuadas com sua cola-boração e na sua presença. Por isso, podemos dizer que todamediação é um diálogo entre pessoas em conflito crítico,protegido pela presença de uma terceira pessoa, que age ga-rantindo aos verdadeiros protagonistas um nível mínimo enecessário de comunicação, sobre o qual tenta-se restaurar adeterioração do vínculo. Trata-se, basicamente, de proteger denovos ataques um vínculo social danificado pelo efeito que apassagem do tempo provocou, tanto nos canais de comunica-ção como nos sentimentos e emoções dos protagonistas.

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Trata-se de conseguir que os que tinham rompido sualinha de diálogo possam continuar falando e negociando osdiferentes pontos de vista, confrontando seus interesses oudificuldades para o entendimento comum, ainda que a con-versação passe por momentos difíceis. Em outras palavras, amediação é a oportunidade, protegida pela presença de umterceiro especialista, de continuar dialogando, quando as pes-soas acreditam que o diálogo comum e espontâneo perdeusua capacidade de comunicação e compreensão mútua.

Dado o caráter especialista do trabalho mediador, amediação não deve ser desempenhada nem pela direção ins-titucional nem pelos(as) professores(as), nem pelas pessoasnão formadas expressamente para isso, já que a mediaçãorequer o domínio de habilidades e capacidades que tanto osprotagonistas como o ambiente social devem reconhecerno(a) mediador(a). Igualmente, a instituição ou o cinturãosocial, que rodeia o processo, deve dispor de elementos decontrole e de segurança. Ou seja, dado que a mediação su-põe a ativação, por parte dos protagonistas, de aspectos con-flituosos de sua relação, e dado que o(a) mediador(a) nãodeve, em nenhum caso interagir a favor de um ou de outro, énecessário que a instituição disponha de um elemento de su-pervisão e de controle. Este elemento de controle, na medi-ação conjugal, costuma ser o próprio grupo profissional dosmediadores; a instituição judicial, na mediação escolar, deveser a equipe docente responsável pelo estabelecimento esco-lar. Por exemplo, pode ser encarregado do programa o De-partamento de Orientação, mas sempre com o conhecimen-to e a aceitação da equipe docente. Tratar-se-á de que os(as)mediadores(as) se sintam protegidos(as) pela instituição e queesta confie nos mediadores como especialistas.

A mediação escolar, por outro lado, não pode ser de-senvolvida como um modelo mais formal e pautado, como é

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exigido para a mediação conjugal ou trabalhista, mas issonão deve ser desculpa para não atribuir-lhe todos os seuscondicionantes e atributos. Deste modo, é preciso saber que,para ser mediador(a), além de estar motivado, tem que rece-ber treinamento para isso.

A implantação de um sistema de mediação, em queparticipem alunos(as), exige, antes de mais nada, a formaçãoespecífica daqueles que irão exercer o papel de mediador(a)e o registro deles, na organização do estabelecimento esco-lar, como pessoal especialista, disposto a exercer a função demediador(a) em conflitos, a pedido das partes ou por nome-ação da instituição.

Caso se decida que haja mediadores(as) que sejam alu-nos e alunas do estabelecimento escolar, devem eles não sóser treinados e dispor de um tempo de práticas supervisiona-das, mas também devem estar sempre sob a supervisão dosagentes educacionais, que serão os responsáveis pelo progra-ma de mediação. Serão os(as) professores(as) e os(as)orientadores(as) escolares que deverão assumir a supervisãodos programas de mediação escolar; o que não quer dizer quedevam ser eles(as), necessariamente, os(as) mediadores(as).

De nossa parte, a proposta que aqui fazemos é a deincluir um programa de mediação como estratégia específi-ca, dentro do marco de um projeto de melhoria da convi-vência, planejado e desenvolvido pela equipe docente do es-tabelecimento escolar. Assim, quando a equipe docente de-cidir incluir entre suas atividades o programa de mediação,sejam eles mesmos os(as) mediadores(as), ou caso decidamabrir o programa a alunos(as), mediadores(as), tal programaadquirirá todo seu significado de ser uma estratégia concretaa serviço de um projeto geral.

O(a) mediador(a) deve adquirir uma espécie de conhe-cimento especializado, que requer uma atenção sustentada por

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parte dos responsáveis pelo programa. Nem todo mundo deveser um(a) mediador(a), o que não quer dizer que as atitudes deescuta responsável e objetiva, de tolerância diante dos senti-mentos dos demais, de imparcialidade diante de fenômenosque não lhe competem, de liberdade de expressão e de riquezade sentimentos e emoções, que acompanham ou devem acom-panhar a formação de mediador(a), não devam ser instruídaspara todos. É o papel social e sua condição durante a media-ção o que deve ser reservado para a execução de um processomediador. Confundir este papel com seus atributos e caracte-rísticas e acreditar que todos(as) somos mediadores(as) sem-pre, nada mais é que expressar até que ponto não se entendeuo valor deste instrumento.

O DESENVOLVIMENTO DE UM PROGRAMADE MEDIAÇÃO

Sensibilização e informaçãoO programa de mediação deve ser conhecido pelos

possíveis usuários, reconhecido como instrumento útil e suascondições aceitas pelos protagonistas. Torna-se imprescin-dível, pois, uma fase de ampla difusão do serviço, no qual seespecifique a quem está dirigido e as suas vantagens.

Cartazes informativos, folhetos ou mensagens claraspor parte dos docentes ou da própria equipe de mediaçãopoderiam ser desenhados e distribuídos, para que os(as)alunos(as) e docentes conhecessem, com clareza, as possibi-lidades que o programa lhes oferece e como fazer uso dele.

No desenvolvimento dos materiais e na organizaçãonecessária desta fase, poderemos incluir os candidatos vo-luntários a mediadores, que não tenham sido escolhidos parao processo de formação. Desta forma, todas as pessoas queestejam interessadas em participar do programa de media-ção poderão fazê-lo de uma ou de outra forma.

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Testes, simulações, apresentações e uma boa documen-tação de divulgação podem ajudar a criar a cultura de medi-ação, para que as pessoas saibam quando devem procurar oprograma, buscando a ajuda do(a) mediador(a).

Esta fase será desenvolvida junto com as duas descri-tas a seguir: a escolha dos candidatos e a formação dos(as)mediadores(as).

Escolha dos mediadoresUma vez tornada pública e transmitida de forma cla-

ra em que consiste a execução do programa, os candidatosdevem se inscrever e saber que poderão ser escolhidos ounão, sem que isso signifique nenhuma diminuição de seuvalor social. Existem muitas formas de se fazer isso, porexemplo, como já mencionamos, na participação em tare-fas complementares do programa ou informando, desde ocomeço, que o programa necessita de um número concretode mediadores e que os recursos de que se dispõem para aformação não são ilimitados.

Quando se apresentam os candidatos, a quem se pôdeministrar alguns instrumentos de avaliação de atitudes, cren-ças e valores, os pré-selecionados, nessa situação, deveriam re-alizar uma entrevista individual com algum dos responsáveispelo programa, onde seriam exploradas suas atitudes para coma tarefa e, muito especialmente, suas habilidades sociais, capa-cidade de diálogo e de estabilidade emocional, para a garantiade que não estamos incluindo meninos(as) que tenham fortesdificuldades consigo mesmos(as) e/ou com os demais, o queos tornaria, pelo menos provisoriamente, maus candidatos.

Certamente, tais decisões devem ser funcionais e nuncadefinitivas. Ou seja, um menino motivado a ajudar os demaisde forma desinteressada, embora não esteja em condições defazê-lo num momento determinado, é um candidato futuro,que não pode ser esquecido, mas deve-se continuar levando-o

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em consideração até poder incorporá-lo. Também é impor-tante não incluir entre os(as) mediadores(as) meninos(as) que,no momento de começar o programa, estejam em situação derisco social, por qualquer circunstância.

Em resumo, a escolha dos(as) mediadores(as) deveriaser feita, levando-se em consideração, pelo menos, os seguintescritérios:

� deve ser uma atividade voluntária e desejada pelo(a)candidato(a);

� devem ser consideradas as atitudes e habilidades sociais;� são importantes as atitudes de solidariedade e capa-cidade de diálogo;

� é necessária a disponibilidade de tempo, tanto parao treinamento como para o desenvolvimento demediações futuras;

� é interessante que o potencial mediador(a) seja um(a)menino(a) bem aceito(a) socialmente;

� não se exige a condição de líder, mas ser uma pes-soa que goze de aceitação social;

� é muito recomendável um bom nível de auto-estima ouo reconhecimento de que é importante lutar por isso;

� é exigível a aceitação das características e normasbásicas do programa institucional de mediação.

Formação dos mediadoresUma vez selecionada a equipe de mediadores(as), é

muito importante que eles se reconheçam como tais, saibamqual é seu papel na instituição e estejam dispostos a agir,quando solicitados para isso.

A formação deve incluir, por um lado, lições claras ebem organizadas, referidas, entre outros, a processos de de-senvolvimento e à apresentação da vida afetiva, à empatia, àcapacidade de diálogo, à natureza do conflito e à escuta ati-va. A natureza dos aspectos que se incluem é tanto teórica

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como prática, embora o conhecimento seja fundamentalmen-te procedimental e estratégico.

Mas a chave da formação consiste em seu caráter emi-nentemente prático, já que um(a) mediador(a) é um especia-lista em relações interpessoais que sabe � porque para issofoi treinado � estar, escutar, compreender, dizer e fazer. Dessemodo, sem diminuir o que os protagonistas devem dizer, fa-zer, pensar, decidir e reformular, eles podem contribuir paraa melhoria das relações dos envolvidos nesse processo. Por-tanto, um(a) mediador(a) deve dispor de uma informaçãocapaz de transformar-se em conhecimento e domínio de al-guns procedimentos, ao ser utilizada estrategicamente, parase adaptar aos casos concretos.

Durante o processo de formação, deve-se garantir quesaberão, em cada momento, o que pode estar ocorrendo coma tarefa que assumiram e o nível de responsabilidade social aque se comprometeram; mas devem saber reconhecer, tam-bém, quando uma tarefa supera suas capacidades, porqueeles(as) mesmos(as) podem entrar em conflitos críticos comas pessoas as quais ajudam.

Devido à especificidade do treinamento, este deve serrealizado por pessoas previamente especializadas, cuja for-mação inclua conhecimentos científicos de Psicologia. Por-tanto, os(as) formadores(as) poderão ser pessoas treinadas,tanto psicólogos(as), psicopedagogos(as), pedagogos(as)como docentes que tenham tido experiência profissional nocampo da orientação escolar, psicologia clínica, psicopeda-gogia e assessoramento. Mas, sobretudo, é de particular im-portância que o treinamento específico seja mais do que umcurso de fim de semana, nas mãos de pessoal pouco especi-alizado. Por isso, é recomendável um curso intensivo de, pelomenos, quarenta horas, trabalhando com especialista em me-diação, que domine, também, os instrumentos técnicos e deprocedimento para formar os candidatos.

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Como já mencionamos, não trataremos aqui da forma-ção dos agentes educacionais adultos � orientadores escola-res, psicólogos(as) e psicopedagogos(as), docentes com for-mação específica � porque se supõe que, quando qualificama si próprios como tais, é porque receberam a formação opor-tuna e sabem como exercer, convenientemente, essa função.Insistiremos em que, caso se queira implantar em um estabe-lecimento escolar um programa de mediação, do qual parti-cipem os(as) alunos(as), estes devem receber treinamentoconcreto. Devem estar conscientes de que estão amparadospela Equipe de Orientação Educacional, de forma que � tam-bém de maneira concreta e claramente especificada em ter-mos de reuniões de supervisão de suas tarefas � exista umapoio em casos difíceis, mesmo de interrupção do processo,quando se considerar necessário.

Para a formação dos(as) mediadores(as)-alunos(as), nãofaremos aqui uma descrição do curso inicial, já que existemmateriais para consulta (ver Torrego e outros, 2000). Entre-tanto, não deixaremos de insistir que a formação requer ho-ras de treinamento, já que se propõe a abordar processosque se apresentam de forma original, cada vez que: os con-flitos envolverem muito profundamente a personalidade dosque dele participam. Isso requer saber ler e compreender,em cada ocasião, a natureza do conflito atual e suas possibi-lidades de solução ou melhoria.

UM PROCESSO DE MEDIAÇÃO

Escolha do mediadorSe nos perguntássemos, quem escolhe, a melhor res-

posta seria: os protagonistas do conflito, já que é impor-tante que o mediador seja selecionado entre os mediadoresdisponíveis. Portanto, é necessário que o programa dispo-

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nha de um mecanismo de acesso aos(às) mediadores(as),bem como de um sistema de escolha que, por um lado, dei-xe a salvo a liberdade dos usuários e que, por outro, permi-ta � caso necessário � que seja o próprio programa que de-termine o(a) mediador(a). Por exemplo, não deverá ser o(a)mediador(a) uma pessoa que tenha maior afinidade, porexemplo, amizade, com uma parte do que com a outra.

Dado que, no contexto escolar, existe escassa culturade tornar explícito o conflito, pode acontecer que as pesso-as, designadas para tal serviço, tenham dificuldade para re-conhecer sua situação e não se sintam preparadas para isso.Nada mais útil para o êxito da mediação do que a escolhavoluntária do(a) mediador(a); isso suporia um nível de cons-ciência sobre a natureza interpessoal do conflito que é, porsi mesma, parte do bom andamento do processo.

De qualquer forma, quando se detecta um conflito aser tratado mediante um processo de mediação, tanto a equi-pe docente como outras instâncias de responsabilidade doestabelecimento escolar � leia-se, a equipe de orientação,os membros da equipe de direção, os tutores ou as famílias� podem levar o caso aos responsáveis pelo programa demediação e solicitar-lhes que proponham um(a) mediador(a).Uma vez aconselhada a mediação aos protagonistas do con-flito, é essencial a sua aceitação e o seu compromisso deassumir as normas desse processo.

Em resumo, a mediação é solicitada pelos protago-nistas ou sugerida pela instituição ou grupo de responsá-veis pelo programa e nunca é realizada sem o consentimen-to ou aceitação plena das pessoas em conflito, que serãoprotagonistas do processo.

Primeira sessãoA primeira sessão de um processo de mediação é de ex-

traordinária importância. Nela devem se tornar explícitas as

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normas gerais e as condições concretas dessa mediação jámencionadas. Muitas vezes, convém repetir, de modo muitoclaro, estas normas gerais e como elas estarão presentes a todomomento; assim como a capacidade do(a) mediador(a) parainterromper o processo se os protagonistas não as cumpri-rem. Tudo deve ser apresentado pelo(a) mediador(a) com umaexpressão verbal e psicológica não ameaçante, saudável e comuma atitude de segurança e confiança.

Com respeito às normas concretas para cada media-ção, é imprescindível estabelecer, através do diálogo com aspartes, chegando-se a um acordo ao menos provisório, osaspectos a seguir:

� Quantas sessões durará o processo. Caso se decidanão fixar um número exato, mas aproximado, deve-se determinar quando se tomará a decisão. Por exem-plo, pode-se negociar entre as partes um número xde sessões, passadas as quais se tomará a decisão defixar um número complementar para terminá-las. Éimportante que os protagonistas tomem consciên-cia de que esse é um tempo de ajuda, do qual elesdesfrutarão e que devem aproveitar para tentar re-solver seus problemas. Não convém ser mesquinho,nem tão pouco interpretar que existe todo o tempodo mundo, porque poderia ser afetada a dinâmicaconcreta do trabalho mediador.

� Deve ficar claramente explicitada, pelos protagonis-tas, a expressão de que a mediação se faz sobre umacordo voluntário das partes. Este acordo deve seranotado como um primeiro êxito do trabalho medi-ador, ao mesmo tempo em que é uma condição sema qual não é possível continuar o processo.

� Também deve ficar explicitamente anotada a expres-são clara de que a tarefa central dos protagonistasserá a de buscar soluções e tratar de superar a atual

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crise, para o que devem ativar sua melhor vontadede diálogo, e não se negar a expressar suas idéias,opiniões e sentimentos no fluir da conversação.

� Deverá tornar-se explícita a disposição de ajudado(a) mediador(a) através de sua presença pontualnas sessões, sua atitude de escuta ativa e reflexivae seu compromisso de ser um facilitador da con-versação entre os protagonistas.

� Ficará claro que o(a) mediador(a) não imporá nun-ca seus próprios critérios aos dos protagonistas,salvo quando seja necessário recordar as normasou recorrer a elas para interromper agressões oupontos mortos no diálogo.

� Deve-se sublinhar, e as partes devem estar consci-entes de que se comprometem a isso, a exclusãode qualquer ataque direto ou indireto, durante otempo em que perdure a mediação.

� Deve ser explícita, e anotada como uma das con-dições, a exclusão da culpabilidade e do xingamentocomo forma de expressão. Lembre-se de que doisem conflito assumem que cada um deles é respon-sável pela situação crítica pela qual passam.

Sessões intermediáriasO processo de mediação passa por diferentes fases,

dentre as quais convém distinguir três momentos: o come-ço, o desenvolvimento e o final. Embora pareça algo sim-ples, muitas das atividades sociais � e a mediação é umadelas � em que nos envolvemos são percebidas como umahistória e as histórias têm uma estrutura temporal, que lhesdá parte de seu sentido. Os limites são necessários, maisainda para os que estão vivendo situações de conflito.

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Não tem sentido acreditar que a mediação pode ser inde-finida, nem tampouco perceber, emocionalmente, que não hátempo nem espaço para arrumar as coisas. Assim, é necessárioque o(a) mediador(a) transmita isso aos protagonistas, que têmseu tempo e seu espaço próprios, protegidos mediante sua pre-sença e as normas que regulam o diálogo, para, pouco a pouco,ir abordando o que não se pôde fazer de forma espontânea.

Por isso, as sessões intermediárias devem ter uma estru-tura de trabalho em que se possa apreciar como, aos poucos, osinterlocutores vão aprendendo a expressar seus sentimentos, aprincípio carregados de ansiedade, de medo, de frustração oude ressentimento, de forma mais clara e objetiva. O(a)mediador(a) deve estimular a sinceridade, evitando a agressãoao(à) outro(a). Desta forma, muito rapidamente, cada um apren-de a falar de sua própria visão das coisas, assumindo que esta éuma visão parcial ou privada, e que há outros ângulos, dos quaisse vê o mesmo assunto.

Durante o processo de mediação, deve ser avaliado, pelomenos da parte do(a) mediador(a), como o formato da conver-sação vai-se modificando, tendo em vista que os protagonistasvão assumindo suas próprias emoções desagregadoras como tais,compreendendo que também o outro tem percepções angusti-osas. Como já mencionamos anteriormente, não é necessárioque esta compreensão inclua afeto positivo ou amizade, bastaque inclua a compreensão emocional e intelectual de que o ou-tro é um ser humano que merece respeito em suas apreciações,embora não compartilhem das mesmas idéias.

Se o(a) mediador(a) puder descrever esta evolução, oprocesso estará em bom caminho. Contudo, quando o(a)mediador(a) for incapaz de apreciar qualquer tipo de modifi-cação na estrutura das mensagens, na apropriação das emo-ções pessoais e na sua avaliação, na capacidade de pedir des-culpas, caso tenha ofendido sem a intenção de estragar a re-lação ainda mais, deve-se questionar o que está fazendo mal

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ou se se escolheu bem o caso para ser tratado com uma es-tratégia mediadora.

Sessões finaisA mediação pode ter êxito ou não. Em todo caso, não

deve durar muito além do tempo pactuado na primeira ses-são ou na sessão de reedição do pacto inicial. Passadas essassessões de trabalho, é preciso ir finalizando, e o(a) mediador(a)deve avisar os protagonistas de que o processo está termi-nando para eles assumirem a sua conclusão.

A mediação requer uma ou duas sessões de fechamen-to, dependendo se tal desfecho puder ser avaliado como deconclusões e adoção de um novo pacto de convivência entreos protagonistas, ou se, pelo contrário, for preciso encerraresta parte da ajuda para assumir outra, ou aceitar que não seconseguiu alcançar as metas propostas e que um novo cami-nho terá que ser trilhado. Este novo caminho correspondeao que os protagonistas decidiram com a ajuda do mediadorou com a intervenção de uma pessoa externa, por exemplo,o responsável pelo programa de mediação, que poderia com-parecer à sessão de encerramento, caso necessário.

Em todo caso, nas sessões finais, é preciso ajudar osprotagonistas a assumir o êxito do processo como uma con-quista de suas novas atitudes e comportamentos, ou a com-preender que necessitam ir pensando em outras fórmulas deenfrentar seus problemas, caso as relações interpessoais, pe-las condições em que vivem, não possam ser evitadas.

Esta ajuda não consiste tanto em informar os protago-nistas sobre suas atitudes, mas, sobretudo, que cada um façaa própria avaliação sobre o que aportaram de bom para oprocesso; o que devem aos demais, incluída a pessoa comquem estavam em conflito, e até que ponto podem assumirque aprenderam a fazer as coisas de outra forma, especial-mente a usar o diálogo como instrumento de comunicação.

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Portanto, uma mediação acaba com êxito quando osprotagonistas assumem que existem formas mais úteis de secomunicar e de se relacionar e se comprometem moralmen-te, diante do(a) mediador(a), que utilizarão, a partir de agora,a via do diálogo para resolver seus conflitos.

Além da resolução de conflitos: os benefícios damediaçãoTodos os envolvidos em uma mediação mudam, graças

ao processo. Concretamente, o que muda é a forma de expres-sar as idéias, as emoções e os sentimentos. Do mesmo modo,variam � ou deveriam fazê-lo � em ambos os protagonistas, asatitudes e os comportamentos que tornam difícil ou impossívelo entendimento com o outro. Mas não devemos esquecer que aaprendizagem, referente ao modo de administrar as idéias e sen-timentos pessoais, para tornar fluida a comunicação com os(as)outros(as), não é algo que tenhamos aprendido em um dia enão é, portanto, algo que possamos desaprender e aprender deuma só vez; motivo por que não tem sentido esperar algumamudança estável de um processo pontual, que dura alguns mi-nutos ou que acontece uma só vez.

Por outro lado, quando uma instituição, como tal, ins-taura a mediação como uma estratégia de resolução de con-flitos, está-se aparelhando de um instrumento altamente po-deroso, não só para resolver conflitos concretos, mas paraenriquecer a cultura do diálogo e da negociação pacífica dasdificuldades interpessoais. Isso significa que, dispor de umprograma de mediação e fazer que este funcione de formaequilibrada e, sobretudo, se esta se sustenta durante um perí-odo de tempo prolongado, tudo isso proporciona à culturaescolar um benefício não específico, com um enriquecimen-to do clima de relações, um funcionamento fluido da organi-zação e um bem-estar difícil de se avaliar, mas muito agradá-vel de se perceber.

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Ao mesmo tempo, quando uma instituição se acostu-ma a usar instrumentos formais de ajuda entre as pessoas,como é a mediação, está proporcionando a si mesma umcuidado e uma atenção, valorizando sua própria imagem ins-titucional e sua própria avaliação como tal.

Outro fator de auto-estima institucional é importanteporque tem influência entre todos os membros da comuni-dade. Uma imagem e um conceito da instituição, como umaentidade que cuida de seus membros, que reconhece que podeter conflitos e dispõe de instrumentos para sua resolução,fazem com que se perceba-a segura e estável. Esta percep-ção influi na segurança e na estabilidade de todos e todas eestimula outros mecanismos de boas relações, como o respei-to geral de uns para com outros, a ajuda entre seus membros ea percepção de que os sistemas de normas, democraticamenteescolhidas, são assumidos com respeito e tolerância.

Assim, dispor de um programa de mediação bem de-senhado e definido, cuidado, sempre supervisionado e me-lhorado é, simplesmente, um sinal de qualidade educacional.

O que não é a mediação nem convém que sejaEm sentido estrito, já dissemos, anteriormente, a medi-

ação está indicada para situações de conflito pertinaz e crítico,mas nunca para casos de violência, abuso, maus tratos, assé-dio, hostilidade ou perseguição de uns para com outros, noscasos em que se conheça, com total evidência, que tal coisaexiste. A razão principal, evidenciando o uso da mediação comoinadequado a este tipo de relações, está nos papéis e condi-ções muito opostos dos implicados nessa situação.

A mediação é um processo de ajuda em situação de re-ciprocidade psicológica, real ou simbólica, que a violência nãotem. A vítima prolongada de um assediador pertinaz não é,pelo menos durante o tempo em que está ocorrendo o assé-dio, um interlocutor paritário e, portanto, não pode ser tratada

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em termos de igualdade, com respeito a seu agressor. Ade-mais, quando estão acontecendo os atos de violência interpes-soal, o diálogo tampouco alcança os limites de reciprocidadeque se exigem para que a compreensão da posição do outroseja um instrumento eficaz: colocar-se no lugar de carrasco,por mais sensível, inteligente e compreensiva que seja a víti-ma, não é algo que deva ser solicitado, pelo menos, enquantose estiver sofrendo, fora do marco das sessões de mediação,os efeitos da violência. O uso da mediação, neste tipo de cir-cunstância, converte ou poderia convertê-la em mais um ce-nário, no qual a vítima se visse obrigada a utilizar ferramentasde defesa das quais, em geral, não dispõe, e o agressor pode-ria, mesmo sem muito controle, aumentar sua prepotência ouseu domínio psicológico.

Por outro lado, os sentimentos de culpa, ou, em suafalta, o cinismo moral do agressor, não são bons matizesemocionais para que uma pessoa, que está exercendo açõesreprováveis, esteja em condições de enfrentar, frente à suavítima atual, um diálogo sincero. Isso não quer dizer que entreduas pessoas, que tenham vivido uma experiência de violên-cia interpessoal, nunca se possa mediar, já que, caso se tives-se conseguido deter a agressividade entre ambos, e se tivesseem andamento um processo de revisão da violência anterior,poderia, assim, ser acertada a sua utilização. De qualquer for-ma, estes são casos particularmente difíceis, que devem fi-car, mais que os comuns, nas mãos de especialistas e comresponsabilidade institucional, já que é muito difícil para o(a)mediador(a) controlar seus próprios valores morais e emo-ções quando o desequilíbrio entre as partes é muito grande.Não devemos esquecer que, ao abordar conflitos que irrom-pem em violência interpessoal � sobretudo se esta for pro-longada no tempo e relativamente estável entre as pessoasenvolvidas � exigem-se processos metodológicos diferentesao que estamos descrevendo como mediação em conflitos.

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Assim sendo, tanto vítimas como agressores terminam comcerto dano psicológico.

É certo que um(a) mediador(a) bem treinado deveriasaber detectar esta situação e atuar coerentemente, entre ou-tras coisas, interrompendo a mediação e pedindo ajuda aosresponsáveis pelo programa. Mas nem sempre é fácil detec-tar tais processos que se revestem de uma certa proteção dapressão psicológica exercida por um sobre o outro. Apesardisso, pode acontecer que, se um estabelecimento escolarescolher e sustentar, de forma adequada, um instrumentocomo a mediação, os conflitos encontrem vias de solução.Assim, ao mesmo tempo, estaríamos reduzindo os proble-mas de violência embora não devêssemos confundir o ins-trumento em si com sua potencialidade e sua função.

Por último, gostaríamos de destacar que a mediaçãonão é parte da vida quotidiana da instituição nem tem, em siprópria, função ordinária na cultura do estabelecimento es-colar. Do mesmo modo que uma comissão de crise, a medi-ação está pensada para o conflito, e este é, por definição,passageiro. É preciso ter um cuidado extremo para que amediação, que pode chegar a fazer parte da cultura escolar,não se desvalorize como estratégia e perca o sentido que temde intervenção pontual, a serviço de conflitos que não seresolvem espontaneamente.