Estruturas de gestao_publica_aula_4

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Estruturas de Gestão Pública Instituto Serzedello Corrêa Aula 4 Estado Regulador Março, 2012

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Curso de estruturas de gestão pública, EAD oferecido pelo Tribunal de Contas da União

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Estruturas de Gestão Pública

Instituto Serzedello Corrêa

Aula 4

Estado Regulador

Março, 2012

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RESPONSABILIDADE PELO CONTEÚDO

Tribunal de Contas da União

Secretaria Geral da Presidência

Instituto Serzedello Corrêa

2ª Diretoria de Desenvolvimento de Competências

Serviço de Planejamento e Projetos Educacionais

CONTEUDISTA

José Arimathea Valente Neto

TRATAMENTO PEDAGÓGICO

Violeta Maria dos Santos Galvão

RESPONSABILIDADE EDITORIAL

Tribunal de Contas da União

Secretaria Geral da Presidência

Instituto Serzedello Corrêa

Centro de Documentação

Editora do TCU

PROJETO GRÁFICO

Ismael Soares Miguel

Paulo Prudêncio Soares Brandão Filho

Bianca Novais Queiroz

DIAGRAMAÇÃO

Herson Freitas

Cláudio Holanda

Paulo Arthur C. Alves

Brasil. Tribunal de Contas da União. Estruturas de gestão pública : Aula 4 : Estado regulador -

2.ed. / Tribunal de Contas da União. – Brasília : TCU, Instituto Serzedello Corrêa, 2012.

18 p. : il.

1. Administração pública, estudo e ensino. 2. Administração pública - descentralização. I. Título.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Ministro Ruben Rosa

© Copyright 2012, Tribunal de Contas de União <www.tcu.gov.br>

Permite-se a reprodução desta publicação, em parte ou no todo, sem alteração do conteúdo, desde que citada a fonte e sem fins comerciais.

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[ 3 ]Aula 4 – Descentralização de atividades para outras instituições públicas e privadas

Aula 4 – Descentralização de atividades para outras instituições públicas e privadas

Vimos anteriormente que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu uma quantidade muito grande de deveres ao Estado.

Como o Poder Público não é capaz de satisfazer todos esses deveres sozinho, começou a descentralizar a realização de algumas atividades para o setor privado.No entanto, mesmo que essas atividades sejam realizadas por entidades particulares, o Estado precisa exercer controle e supervisão, pois a responsabilidade pela prestação dos serviços é originariamente sua.

É nesse contexto que surge a função de Estado Regulador, em que o Poder Público interfere nas relações econômicas, para garantir a satisfatória prestação dos serviços e o equilíbrio dos interesses das partes envolvidas.

Quais medidas podem ser adotadas na função de Estado Regulador?

Quais são as instituições responsáveis por essa função?A União pode rever as decisões das

instituições que realizam regulação?

Para responder a essas questões, precisamos entender algumas características do Estado Regulador e das instituições responsáveis por realizar a regulação.

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[ 4 ] Estruturas de Gestão Pública

1. Introdução .................................................................................................................................... 52. Estado Regulador ...................................................................................................................... 53. O surgimento das agências reguladoras ......................................................................... 64. Características das agências reguladoras ....................................................................... 8

4.1 Independência .................................................................................................................... 84.2 Resolução de conflitos .................................................................................................. 114.3 Regulamentação ............................................................................................................. 124.4 Características mais comuns ..................................................................................... 14

5. Exemplos de agências reguladoras ................................................................................ 15Síntese ............................................................................................................................................. 18

A fim de facilitar o estudo, esta aula está organizada da seguinte forma:

Ao final dos estudos desta aula, esperamos que você tenha condições de identificar as características do Estado Regulador e descrever funções das instituições que realizam regulação na Administração Pública Federal.

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[ 5 ]Aula 4 – Descentralização de atividades para outras instituições públicas e privadas

1. Introdução

Vimos, na aula anterior, que o modelo de administração gerencial começou a ser implantado, no Brasil, no início dos anos 90.

Esse modelo baseia-se na idéia de que o Estado deve concentrar-se apenas na prestação das atividades imprescindíveis à população e que, por sua natureza, dependem da presença do Poder Público, como por exemplo a prestação jurisdicional, a elaboração legislativa, a defesa nacional, as relações diplomáticas, entre outras.

Segundo o modelo gerencial, o setor privado realizaria com mais eficiência a prestação das atividades cuja presença estatal não é essencial, como os serviços de natureza puramente econômica.

Na medida em que a iniciativa privada começa a realizar as atividades prestadas anteriormente pelo Estado, surge a necessidade de promover a regulação das relações econômicas, decorrentes dessa mudança, a fim de proteger os interesses de todos os agentes envolvidos: o próprio Estado, as empresas prestadoras, os usuários dos serviços e a sociedade em geral.

Para exercer a regulação das relações econômicas, o Estado utiliza diversas entidades. As mais comuns são as chamadas agências reguladoras.

Nesta aula, veremos como a regulação é exercida pelo Estado e quais são as características das entidades que exercem essa função.

2. Estado Regulador

Por que a regulação exercida pelo Estado é tão importante?Em quais áreas o Estado exerce a regulação?

Depois das reformas administrativas, o Estado deixou de prestar inúmeros serviços e passou a funcionar como garantidor da prestação desses serviços de forma adequada.

A premissa básica da necessidade de intervenção do Estado no domínio econômico é que o mercado não pode regular, por si próprio, a prestação de serviços e a produção de bens em todos os setores dos quais o Poder Público decidiu ausentar-se.

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[ 6 ] Estruturas de Gestão Pública

Se o Estado abdicasse totalmente do poder de interferir na prestação de serviços públicos privatizados e na correspondente estrutura empresarial, sérias conseqüências poderiam advir, como, por exemplo:

Setores essenciais para o país, como os setores elétrico, de transportes e de telecomunicações, poderiam entrar em colapso, por falta de planejamento e investimento.

Práticas anticoncorrenciais poderiam ser adotadas, porque o mercado não é capaz de impedi-las sozinho.

Os usuários, parte mais fraca da relação de consumo, ficariam desprotegidos.

Poderia não haver a universalização dos serviços públicos, pois as empresas tenderiam a investir apenas em áreas rentáveis.

Por isso, costuma-se atribuir a denominação de Estado regulador para referenciar as atribuições que o Poder Público adquire com o exercício da intervenção no domínio econômico.

Comumente, há confusão entre a atuação do Estado Regulador e o processo de privatização de empresas estatais.

Embora a desestatização da prestação de alguns serviços públicos provoque a necessidade de regulação, nem toda atividade regulatória do Estado advém desse processo, pois o Poder Público regula diversas atividades econômicas, em setores como o sistema financeiro, o mercado de petróleo e combustíveis, o sistema portuário, o serviços suplementares de saúde, entre outros. Muitos desses setores sequer foram explorados, algum dia, diretamente pelo Estado.

Assim, a regulação do Estado é bem mais abrangente que a mera privatização, podendo incidir, por exemplo, quando:

a prestação dos serviços públicos tenha sido outorgada, como na concessão e na permissão;

a prestação dos serviços públicos seja incentivada pelo próprio Poder Público, como nas OS e OSCIP;

a prestação dos serviços públicos seja controlada pelas próprias entidades empresariais, como na livre concorrência.

Estado regulador não é

uma entidade, é apenas a

denominação de uma das

funções do Estado.

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[ 7 ]Aula 4 – Descentralização de atividades para outras instituições públicas e privadas

3. O surgimento das agências reguladoras

Fator de grande influência na atuação do Estado Regulador é a velocidade com que as inovações tecnológicas são operadas, exigindo respostas rápidas e tecnicamente adequadas.

A alta complexidade das matérias objeto da regulação impossibilitou, na maioria das vezes, utilizar ou criar órgãos na estrutura das entidades políticas (Administração Direta), sujeitos a fortes influências hierárquicas e à flutuação de conveniências políticas.

O Estado regulador, para ser operacionalizado, necessitava, entre outras coisas, de profissionalismo, capacidade técnica, autonomia administrativa, eficiência. Essas características indicavam que somente por meio dos mecanismos de descentralização administrativa seria possível ao Poder Público exercer o seu papel com presteza.

Por isso, as agências reguladoras, criadas para exercer as funções de Estado regulador, assumiram, no Brasil, a natureza de autarquia em regime especial, integrando a Administração Indireta dos entes estatais.

Logo, elas não se consubstanciam em entidades novas no ordenamento jurídico brasileiro. São meramente entidades já previstas na legislação, que assumem características peculiares para estarem aptas a exercer a função de regulação.

Para o surgimento das agências reguladoras, o pontapé inicial foi a promulgação das Emendas Constitucionais 8 e 9, em 1995, que tratam dos setores de telecomunicações e petrolífero, respectivamente.

Legalmente, o marco inicial para se implantar o modelo de regulação sob a responsabilidade das agências foi a Lei 9.491/1997, que redefine o Plano Nacional de Desestatização.

Outros normativos importantes são:Lei 9.986/2000, que dispõe sobre a gestão de recursos humanos

das agências reguladoras;Lei 10.871/2004, que dispõe sobre a criação de carreiras e

organização de cargos efetivos das agências reguladoras.

Falaremos sobre algumas disposições dessas leis mais adiante, quando tratarmos das características das agências.

Agências reguladoras são

entidades administrativas

com alto grau de especiali-

zação técnica, integrantes

da estrutura formal da

Administração Pública,

instituídas sob a forma

de autarquias de regime

especial, com a função de

regular um setor específico

de atividade econômica, ou

de intervir de forma geral

sobre relações jurídicas

decorrentes dessas ativi-

dades, que devem atuar

com a maior independência

possível perante o Poder

Executivo e com imparcia-

lidade em relação às partes

interessadas (Estado, seto-

res regulados e sociedade).

A atividade regulatória não

é exclusiva das agências

reguladoras.

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[ 8 ] Estruturas de Gestão Pública

Como visto, a criação de agências (entidades autárquicas) é ideal para o exercício da regulação a cargo do Estado, mas existem órgãos integrantes da Administração Direta e outras entidades da Administração Indireta que também exercem função de Estado Regulador. Eis alguns exemplos:

Concorrência e direitos do consumidor

Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, por meio do seu Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), Procons estaduais e municipais.

Mercado de capitais

Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Sistema Financeiro Nacional

Banco Central do Brasil (Bacen), Conselho Monetário Nacional (CMN).

Meio Ambiente

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Educação e ensino

Ministério da Educação (MEC).

Indústria e comércio, patentes, normalização e padronização

Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO).

Ciência e Tecnologia

Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e seus conselhos e comissões: Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT), Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA), Conselho Nacional de Informática e Automação (CONIN), Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), Comissão de Coordenação das Atividades de Meteorologia, Climatologia e Hidrologia (CMCH).

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[ 9 ]Aula 4 – Descentralização de atividades para outras instituições públicas e privadas

4. Características das agências reguladoras

Vimos a definição de agências reguladoras e como elas surgiram.Agora, para compreendermos a atuação dessas entidades, vamos conhecer as suas características.

Quais características são importantes para que as agências reguladoras exerçam suas atividades com efetividade?

As características são iguais para todas as agências?

4.1 Independência

Entre as características das agências reguladoras, talvez a mais marcante seja a ampliação de sua autonomia, conferida pela independência administrativa, orçamentária, política e financeira.

É certo que nem todas as agências têm características idênticas, pois a lei instituidora da entidade é quem deve definir as prerrogativas outorgadas a ela.

A maioria das agências possui prerrogativas semelhantes, para garantir a independência de sua atuação. A título de exemplo, a Lei 9.472/1997, que criou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), dispôs, no § 2º do art. 8º, que a agência gozaria de:

Independência administrativa frente ao ente político.Ausência de subordinação hierárquica a qualquer outra instância

administrativa.Mandato fixo de dirigentes.Autonomia financeira.

Ao analisar esses exemplos de prerrogativas e características, entendemos que a independência conferida às agências visa garantir imparcialidade de ação, que dificilmente seria alcançada se a regulação fosse exercida por órgãos governamentais sujeitos a influências políticas.

A doutrina aponta o mandato fixo e a estabilidade dos dirigentes como os mais importantes instrumentos para assegurar imparcialidade aos atos dos agentes públicos e às decisões das agências reguladoras.

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[ 10 ] Estruturas de Gestão Pública

O art. 6º da Lei 9.986/2000 prevê que a lei instituidora de cada agência deve fixar a duração do mandato dos seus dirigentes.

A mesma lei também introduziu uma previsão geral de estabilidade para os dirigentes, conforme a o art. 9º:

“Art. 9º Os Conselheiros e os Diretores somente perderão o mandato em caso de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar.

Parágrafo único. A lei de criação da Agência poderá prever outras condições para a perda do mandato.”

Assim, cabe à lei instituidora da agência criar outras exigências para que ocorra a perda do mandato. Isso torna variável, de acordo com cada caso, o grau de independência das agências perante o Poder Executivo.

A Lei 9.986/00 deu maior ênfase à necessidade de somente se levar em conta critérios técnicos para a escolha dos dirigentes das agências reguladoras, ao preceituar que:

“Art. 5º O Presidente ou o Diretor-Geral ou o Diretor-Presidente (CD I) e os demais membros do Conselho Diretor ou da Diretoria (CD II) serão brasileiros, de reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de especialidade dos cargos para os quais serão nomeados, devendo ser escolhidos pelo Presidente da República e por ele nomeados, após aprovação pelo Senado Federal, nos termos da alínea f do inciso III do art. 52 da Constituição Federal.”

Observa-se que, além de haver a exigência de “elevado conceito no campo de especialidade”, a lei também tornou composto o ato de nomeação dos dirigentes, vez que necessita do aval do Senado Federal.

Os dirigentes das agências devem possuir alta especialização técnica. Quem não se lembra do caos aéreo brasileiro, ocorrido nos anos de 2006 e 2007? Naquela ocasião, as investigações constataram que alguns dirigentes da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) foram nomeados com base em critérios políticos, em vez de técnicos. Esse fato contribuiu para o agravamento da crise, pois os dirigentes não eram especializados e não eram plenamente capazes de tomar as decisões técnicas corretas.

A independência das agências deve ser absoluta, tanto em relação ao ente político, quanto em relação aos consumidores dos serviços e às empresas prestadoras.

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[ 11 ]Aula 4 – Descentralização de atividades para outras instituições públicas e privadas

Especificamente quanto aos agentes econômicos (empresas), o risco de que essa independência seja quebrada é maior. O imenso poder econômico dos agentes do setor regulado pode desvirtuar a atuação do ente regulador, que pode passar a atuar tendenciosamente em favor dos interesses desses agentes. Tal desvirtuamento é chamado, pela doutrina, de “risco de captura”.

Uma das formas mais eficazes de impedir o risco de captura são os mecanismos de impedimento do recrutamento, pelos regulados, de dirigentes do órgão regulador (a chamada quarentena). Desse modo, impede-se que os dirigentes sofram intenso assédio dos agentes regulados, já que possuem informações extremamente privilegiadas.

Para tentar evitar o risco de captura, a Lei 9.986/00 prevê o seguinte:

“Art. 8º O ex-dirigente fica impedido para o exercício de atividades ou de prestar qualquer serviço no setor regulado pela respectiva agência, por um período de quatro meses, contados da exoneração ou do término do seu mandato.”

A lei instituidora de cada agência pode estabelecer prazo de quarentena maior que o previsto na norma acima, vez que se trata de prazo mínimo a ser obedecido.

Vimos a necessidade de independência da agência frente ao Poder Executivo e aos agentes regulados. Podemos observar essa independência, também, quanto a todos os Poderes do Estado, pois:

Em relação ao Poder Legislativo, as agências são independentes porque dispõem de função normativa, o que justifica o nome de agência reguladora.

Em relação ao Poder Executivo, são independentes porque, além de seus dirigentes gozarem de estabilidade, suas normas e decisões não podem ser alteradas ou revistas por autoridades externas ao quadro da agência .

Em relação ao Poder Judiciário, as agências são independentes porque dispõem de função quase jurisdicional, já que resolvem litígios entre os integrantes dos setores regulados.

Essa independência, logicamente, não é integral. Como exemplo, podemos mencionar que:

a agência não pode sobrepor-se às leis criadas pelo Legislativo, bem como recusar-se à submissão ao controle externo, exercido com auxílio do Tribunal de Contas da União;

A independência a ser

garantida às agências,

inclusive como forma de

tranqüilizar os investidores

que desejam atuar no setor

regulado, pode ser quebra-

da pela atuação dos pró-

prios agentes econômicos.

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[ 12 ] Estruturas de Gestão Pública

a agência, apesar de não ser subordinada ao Poder Executivo, pode ser supervisionada por ele, a fim de garantir que não haja desvirtuamento das funções da entidade;

o art. 5º da CF garante o princípio da inafastabilidade da atuação judiciária, o que faz com que as decisões da agência possam ser contestadas.

4.2 Resolução de conflitos

Já se falou sobre a competência que as agências reguladoras têm de solucionar os conflitos entre os interessados na atividade objeto de regulação (o próprio Estado, o setor econômico regulado, os usuários dos serviços e a sociedade em geral).

Ficou claro, também, que o controle judicial é inafastável. Assim, mesmo que as agências possuam a função de resolução de conflitos, suas decisões sempre poderão ser revistas judicialmente.

Por que atribuir a função de resolução de conflitos às agências, vez que o Judiciário já detém essa função?

A solução de conflitos efetuada pelas agências reguladoras possui características peculiares, que tornam as suas decisões mais receptivas aos interessados no processo de regulação.

Primeiramente, temos o fato de seu corpo técnico, inclusive os agentes encarregados da apreciação dos litígios, ser altamente especializado nas matérias de que resultam os conflitos.

Na maioria das vezes, os conflitos envolvem matéria de extrema complexidade, o que torna as agências reguladoras o foro natural de mediação e solução dos litígios, aos olhos das partes diretamente interessadas.

A resolução de conflitos pelas agências também se torna mais interessante, se comparada à atuação do Poder Judiciário, pelas seguintes características:

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[ 13 ]Aula 4 – Descentralização de atividades para outras instituições públicas e privadas

Agências Reguladoras

Atuam de forma homogênea e sistemática, pois são dadas soluções similares para casos que envolvem a mesma matéria, pois usam critérios técnicos e objetivos.

Atuam na prevenção do surgimento dos conflitos, mediante controle prévio e acompanhamento constante da atuação das empresas reguladas.

Atua de forma assistemática e aleatória, pois cada juiz

tem autonomia para decidir conforme sua convicção, a partir de fatos e provas constantes do processo.

Atua somente quando provocado.

Poder Judiciário

Assim, a solução de conflitos feita pelas agências é cada vez mais aceita, já que esses órgãos são considerados os mais técnica e estruturalmente preparados para tomarem as decisões nas matérias objeto da regulação.

4.3 Regulamentação

O poder normativo conferido às agências é visto com cuidado e receio por parte da doutrina.

Na primeira aula, vimos que a diferença essencial entre as autarquias (gênero do qual as agências reguladoras fazem parte) e os entes políticos (União, estados, DF e municípios) é a capacidade de legislar, que não é competência das entidades autárquicas.

Entretanto, o poder normativo das agências permite a elas expedirem normas técnicas e setoriais, as quais muitas vezes inovam no mundo jurídico.

Assim, o motivo do receio é que uma autarquia, entidade da Administração Indireta, estaria legislando, atribuição reservada, a princípio, somente para o poder central do Estado.

Qual a justificativa para as agências poderem expedir normas?

Alguns autores, como Lucas Rocha Furtado, entendem que a competência de edição de normas para regulamentar a execução das leis é privativa do Presidente da República, com base no art. 84, IV, da CF.

Art. 84, IV, da CF: Compete

ao Presidente da Repúbli-

ca sancionar, promulgar e

fazer publicar as leis, bem

como expedir decretos e

regulamentos para sua fiel execução.

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[ 14 ] Estruturas de Gestão Pública

Nesse entendimento, o poder de regular das agências enquadrar-se-ia no poder discricionário conferido ao administrador público por lei, a ser exercido nos estritos limites legais.

Assim, considerando a impossibilidade de o legislador definir, a priori, a melhor solução a ser adotada para todas as situações concretas, as normas expedidas pela agência enquadram-se na manifestação de conveniência e oportunidade conferida à atuação do administrador público, devendo estar, porém, em estrita consonância com a legislação.

Outros autores, a exemplo de Marcelo Alexandrino e Marçal Justen Filho, por sua vez, entendem que outras entidades da Administração Pública, como as agências reguladoras, têm capacidade para regulamentar a execução das leis.

Nesse entendimento, as agências poderiam editar normas, de natureza estritamente técnica, desde que exista uma lei (geralmente a lei instituidora da agência) que, em termos expressos:

autorize a elaboração normativa;estabeleça claramente os assuntos sobre os quais ela poderá

ser exercida (delimitação das áreas de competência da agência reguladora);

fixe as diretrizes, parâmetros e metas que devem ser observados pelo órgão técnico.

De um ou de outro modo, hoje em dia a doutrina aceita o poder normativo conferido às agências, sobretudo porque se trata de assuntos técnicos, nos quais as agências são altamente especializadas.

Naturalmente, o poder regulamentar das agências não significa outorgar-lhes independência absoluta. Além de dever ser exercido nos estritos limites legais, como dito antes, também está sujeito ao controle do Poder Judiciário e dos Tribunais de Contas, inclusive sob o aspecto da operacionalidade, pelo qual até a economicidade dos atos é analisada.

É certo que parte da liberdade que as agências têm no poder regulamentar é ampliada pelo fato de que as leis que definem as suas atribuições utilizam, muitas vezes, conceitos genéricos, estabelecendo apenas princípios ou parâmetros a serem observados pelas entidades.

O entendimento mais razoável a ser dado a essa liberdade é o termo “discricionariedade técnica”. Este termo relaciona-se à necessidade de

Controle: O TCU exerce nor-

malmente suas competências

de controle externo, previs-

tas no art. 71 da CF, sobre as

agências reguladoras.

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[ 15 ]Aula 4 – Descentralização de atividades para outras instituições públicas e privadas

certas normas ou decisões administrativas considerarem um nível de especialização tal que somente aquele agente, entidade ou órgão teria elementos necessários para indicar a solução a ser adotada.

É importante ressaltar que, embora as agências tenham discricionariedade técnica para decidirem pelas melhores soluções, a atribuição de definir as políticas públicas relativas aos setores regulados é exclusiva das entidades políticas. Por exemplo, cabe aos entes políticos definir as políticas tarifárias, bem como os mecanismos e os parâmetros de revisão das tarifas.

4.4 Características mais comuns

No modelo brasileiro, apenas duas agências têm base constitucional expressa:

o art. 21, XI, da CF prevê que a lei deve dispor sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;

o art. 177, § 2º, III, da CF determina que a lei deve dispor sobre a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União, em matérias relativas a petróleo.

Assim, a Lei 9.472/1997 criou a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), ao passo que a Lei 9.478/1997 instituiu a Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Afora essas duas agências, todas as outras foram criadas exclusivamente por lei. Como o texto constitucional não cuidou de definir as características inerentes e este tipo de entidade, cabe a cada lei específica pronunciar-se sobre as peculiaridades inerentes a cada agência.

Já vimos as características apontadas pela doutrina como necessárias para que as agências exerçam a atividade de regulação adequadamente.

Vimos, também, que a Lei 9.986/00 regulou a gestão de recursos humanos de todas as agências reguladoras federais.

Embora as leis instituidoras definam algumas características distintas para essas agências reguladoras, podemos identificar características comuns, tais como:

A discricionariedade téc-

nica deve ser condizente

com as características das

entidades especializadas

nas matérias dos setores

que devem regular.

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[ 16 ] Estruturas de Gestão Pública

Exercem função regulatória sobre determinado setor de atividade econômica, ou concernente a determinadas relações jurídicas decorrentes das atividades econômicas em geral.

Contam com instrumentos que asseguram razoável autonomia perante o Poder Executivo.

Possuem amplo poder normativo, no que concerne às áreas de sua competência.

Submetem-se, como qualquer outra entidade integrante da Administração Pública, aos controles judiciais e parlamentar plenos.

Existe outra característica comum a todas as agências reguladoras. A Lei 10.871/2004, que dispõe sobre a criação de carreiras e organização de cargos efetivos das agências, prevê que os agentes encarregados das atribuições típicas dessas agências devem ser servidores públicos estatutários, sujeitos ao regime jurídico da Lei 8.112/1990.

Essa é outra disposição que tenta dar mais independência à atuação das agências, pois o regime estatutário garante mais estabilidade ao servidor que o regime celetista.

A mesma Lei 10.871/04 estabelece, em seu art. 3º, parágrafo único que a esses agentes, no exercício das atribuições de natureza fiscal ou decorrentes do poder de polícia, são asseguradas:

“(...) as prerrogativas de promover a interdição de estabelecimentos, instalações ou equipamentos, assim como a apreensão de bens ou produtos, e de requisitar, quando necessário, o auxílio de força policial federal ou estadual, em caso de desacato ou embaraço ao exercício de suas funções.”

Assim, fica claro que o legislador tentou garantir a independência inclusive dos servidores das agências reguladoras, para dar mais efetividade à atuação dessas entidades.

As pessoas que trabalham

na atividade fim das

agências reguladoras

devem ser servidores

públicos estatutários.

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[ 17 ]Aula 4 – Descentralização de atividades para outras instituições públicas e privadas

5. Exemplos de agências reguladoras

Vimos as funções do Estado Regulador e algumas características das instituições que realizam a regulação. Veremos, agora, exemplos de algumas agências reguladoras federais.

Agência Nacional de Águas (ANA)

Criada pela Lei 9.984/2000, a Agência Nacional de Águas (ANA) é vinculada ao Ministério do Meio Ambiente. Tem a finalidade de implementar, em sua esfera de atribuições, a Política Nacional de Recursos Hídricos, integrando o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC)

Criada pela Lei 11.182/2005, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) é vinculada ao Ministério da Defesa. Tem competência para regular e fiscalizar as atividades de aviação civil e de infraestrutura aeronáutica e aeroportuária.

Agência Nacional do Cinema (ANCINE)

Criada pela Medida Provisória 2.228-1/2001, a ANCINE foi inicialmente vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, mas hoje em dia é vinculada ao Ministério da Cultura. A ANCINE tem competência para realizar o fomento, regulação e fiscalização da indústria cinematográfica e videofonográfica.

Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)

Criada pela Lei 9.427/1996, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) é vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Tem por finalidade regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do Governo federal.

Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)

Criada pela Lei 9.478/1997, a Agência Nacinal do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) é vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Tem por finalidade promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis.

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[ 18 ] Estruturas de Gestão Pública

Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)

Criada pela Lei 9.961/2000, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é vinculada ao Ministério da Saúde. Tem por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País.

Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL)

Criada pela Lei 9.472/1997, a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) é vinculada ao Ministério das Comunicações. Tem competência para adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade.

Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)

Criadas pela Lei 10.233/2001, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e a Agência Nacional de Transportes Terrestres ANTT são vinculadas ao Ministério dos Transportes. Têm por finalidade regular ou supervisionar, em suas respectivas esferas e atribuições, as atividades de prestação de serviços e de exploração da infraestrutura de transportes, exercidas por terceiros. Essa regulação preservou o interesse público, os objetivos dos usuários, das empresas concessionárias, permissionárias, autorizadas e arrendatárias, e de entidades delegadas, arbitrando conflitos de interesses e impedindo situações que configurem competição imperfeita ou infração da ordem econômica.

Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)

Criada pela Lei 9.782/1999, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) é vinculada ao Ministério da Saúde. Tem por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, bem como da fiscalização dos  ambientes, dos processos, dos portos, dos aeroportos e das fronteiras e da incorporação de novos insumos e tecnologias aos produtos e serviços regulados.

Para saber mais, consulte:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Outros/Legassunto.htm

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[ 19 ]Aula 4 – Descentralização de atividades para outras instituições públicas e privadas

Síntese

Nesta aula, vimos algumas características do Estado Regulador e das instituições que realizam a regulação.

A necessidade do Estado Regulador surge da descentralização de atividades para o setor privado. Assim, a intervenção no domínio econômico tem o objetivo de garantir a prestação satisfatória dos serviços e o equilíbrio dos interesses das partes envolvidas: o próprio Estado, as empresas prestadoras e os usuários dos serviços.

Vimos que a regulação não decorre, necessariamente, da privatização de serviços públicos, pois a atividade regulatória é exercida também em setores que o Estado nunca prestou serviços, como o de saúde suplementar.

O tipo mais comum de instituição que realiza regulação são as agências reguladoras (autarquias de regime especial). A essas entidades deve ser garantida a maior independência possível. Eis alguns exemplos de medidas que visam garantir essa independência:

autonomia financeira;mandato fixo de dirigentes;nomeação de dirigentes com base em critérios técnicos;quarentena para os dirigentes poderem ser recrutados pelas

empresas do setor.

As agências reguladoras, por serem bastante especializadas, têm sido consideradas o foro natural para a resolução de conflitos entre as partes, pois as matérias tratadas geralmente são bem complexas.

Ademais, as entidades reguladoras têm competência para expedir normas aos respectivos setores, desde que nos estritos limites estabelecidos pela lei (geralmente a lei instituidora da agência).

Embora o modelo de agências reguladoras (autarquias) seja o ideal para se exercer a regulação, vimos que existem outros órgãos e entidades que também são responsáveis por essa função, como a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça e os Procons estaduais e municipais.

Embora as agências reguladoras sejam entidades bastante peculiares, vimos que se submetem normalmente aos controles dos Poderes Legislativo e Judiciário, inclusive ao controle externo exercido pelo TCU.