Estruturas Elementares do Parantesco

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Estruturas Elementares do Parantesco FICHAMENTO: LÉVI-STRAUSS, Claude. "Os Sistemas Clássicos", in: As Estruturas Elementares do Parentesco, Petrópolis: Vozes, 1982. O autor tratará, neste capítulo, dos sistemas de troca restrita onde o grupo se divide em pares de unidades de troca do tipo duas metades, quatro seções, e oito subseções. Estes tipos serão analisados basicamente quanto às regras de matrimônio que envolvem. Lévi-Strauss começa atestando que a passagem do sistema mais simples, de metades exogâmicas, para o de quatro seções (através da sobreposição de uma dicotomia fundada em um dos modos de filiação, matrilinear ou patrilinear, a uma dicotomia fundada no outro) não necessariamente modifica a regra de casamento entre os primos: continua interdito o casamento entre os paralelos, e autorizada a união entre os primos cruzados. Assim, a questão levantada pelo autor no início do capítulo, e que continua em aberto no final dele, é por que essa passagem não introduz uma dicotomia baseada no reconhecimento da diferença entre os primos cruzados matrilineares e patrilineares? Os exemplos etnográficos são de tribos australianas, e nosso autor introduz, aqui, as interpretações divergentes de Radcliffe-Brown e Lawrence para seus sistemas de parentesco. Radcliffe-Brown identificou o grupo patrilinear territorial local (horda) como unidade sociológica fundamental. Já Lawrence, apesar de também admitir a ação de duas dicotomias (matri e patrilinear) no território australiano, parte da noção de troca das irmãs, portanto da dicotomia matrilinear, como forma constante. Lévi-Strauss considera essas divergências uma mera questão de método. O acento colocado em um ou outro tipo torna- se secundário quando se amplia a noção de troca: "em sua forma

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Estruturas Elementares do Parantesco

FICHAMENTO: LÉVI-STRAUSS, Claude. "Os Sistemas Clássicos", in: As Estruturas Elementares do Parentesco, Petrópolis: Vozes, 1982.

O autor tratará, neste capítulo, dos sistemas de troca restrita onde o grupo se divide em pares de unidades de troca do tipo duas metades, quatro seções, e oito subseções. Estes tipos serão analisados basicamente quanto às regras de matrimônio que envolvem. Lévi-Strauss começa atestando que a passagem do sistema mais simples, de metades exogâmicas, para o de quatro seções (através da sobreposição de uma dicotomia fundada em um dos modos de filiação, matrilinear ou patrilinear, a uma dicotomia fundada no outro) não necessariamente modifica a regra de casamento entre os primos: continua interdito o casamento entre os paralelos, e autorizada a união entre os primos cruzados. Assim, a questão levantada pelo autor no início do capítulo, e que continua em aberto no final dele, é por que essa passagem não introduz uma dicotomia baseada no reconhecimento da diferença entre os primos cruzados matrilineares e patrilineares?

Os exemplos etnográficos são de tribos australianas, e nosso autor introduz, aqui, as interpretações divergentes de Radcliffe-Brown e Lawrence para seus sistemas de parentesco. Radcliffe-Brown identificou o grupo patrilinear territorial local (horda) como unidade sociológica fundamental. Já Lawrence, apesar de também admitir a ação de duas dicotomias (matri e patrilinear) no território australiano, parte da noção de troca das irmãs, portanto da dicotomia matrilinear, como forma constante. Lévi-Strauss considera essas divergências uma mera questão de método. O acento colocado em um ou outro tipo torna-se secundário quando se amplia a noção de troca: "em sua forma generalizada, ela pode se processar tanto em hordas patrilineares como em metades matrilineares" (p.191).

Por outro lado, tomando a análise de Kroeber da regra de residência como parte de uma estrutura primária, Lévi-Strauss conclui que não se trata de estabelecer uma hierarquia entre os fenômenos, mas de compreender as relações que se estabelecem entre eles. Além disso, ele resolve a contradição entre perspectiva histórica e lógica, observada nesses autores, também através da ampliação da troca: "a passagem da concepção restrita da troca à concepção generalizada elimina esta aparente contradição, e ... a análise lógica e a análise histórica tornam-se igualmente possíveis a partir do grupo local" (p.193).

O autor trata, em seguida, do problema da relação entre os tipos de sistema matrimonial. Começa afirmando que não há uma seqüência evolutiva ou hierárquica: um sistema com

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classes não é superior a um sem classes, e a passagem de um tipo de divisão em classes para outro não só é logicamente possível, como se trata de um dado empírico. Toma, então, o caso dos Murimbata como exemplo de difusão dos sistemas matrimoniais, mostrando que existe um problema de adaptação entre o "sistema tradicional" e o "sistema tomado emprestado", e que os nativos, para consertar eventuais distorções, se valem de artifícios como utilizar o antigo tratamento patrilinear da filiação dentro de um sistema que é agora matrilinear. Assim, Lévi-Strauss conclui que "os sistemas não devem ser tratados como objetos isolados ... por trás dos sistemas concretos ... há relações mais simples que permitem todas as transições e adaptações" (p.196), quais sejam, as "relações elementares".

O autor toma, então, o exemplo dos Kariera para analisar a divisão em quatro seções. Ele nota que, na comparação entre esse sistema e o sistema de metades exogâmicas matrilineares, a única diferença é o acréscimo de uma divisão perpendicular em metades patrilineares. Além disso, na tentativa de definição dos métodos de determinação do cônjuge, nota-se a falta de coincidência rigorosa entre uma determinação pelas classes ou pelo parentesco. Assim, "se considerarmos a estrutura geral anexa, percebe-se que [o sistema de quatro seções] não difere, tanto quanto se poderia esperar, da estrutura de um grupo dividido em duas metades" (p.201). Lévi-Strauss conclui que a diferença fundamental, introduzida junto com a superposição de uma dicotomia patrilinear, é a determinação da residência (ou da origem local). Para esclarecer melhor o significado desse novo elemento, nosso autor toma o exemplo hipotético de um sistema de quatro classes na França. Nesse caso, como no caso do sistema Kariera, "nada de novo se produz quanto à relação de parentesco dos possíveis cônjuges"; no entanto, "à dialética da filiação acrescentar-se-á, desmultiplicando e estreitando ao mesmo tempo os vínculos sociais, uma dialética da residência." Assim, arremata: "Os vínculos são menos numerosos, mas a quantidade de coisas ligadas aumentou" (p.203).

Todavia, o mesmo não se observa no caso dos sistemas de oito subseções. Em primeiro lugar, a passagem de um sistema de quatro para um de oito seções exclui duas vezes mais cônjuges possíveis do que as metades e as seções (entre as quais essa relação não se altera). Além disso, construído o modelo lógico desse sistema, observa-se que não é possível aos primos cruzados se encontrarem em classes de intercasamento; de outro lado, essa relação não só é possível, como é automática, entre os primos descendentes de cruzados.

Lévi-Strauss conclui resumindo "o estado da questão das relações entre classes matrimoniais e sistemas de parentesco". Esses últimos teriam papel preponderante na determinação positiva da prescrição do cônjuge, enquanto as primeiras agiriam no sentido negativo de dissuadir a violação da exogamia de classe.

No sistema de metades, divide-se todos os homens e mulheres entre cônjuges possíveis e proibidos (através da dicotomia dos primos cruzados e paralelos). No sistema de oito

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subseções, efetua-se uma separação ulterior entre os primos cruzados de primeiro e segundo grau, dividindo novamente pela metade o número de cônjuges possíveis. O mesmo não ocorre no sistema de quatro seções. Em uma progressão lógica, entre o sistema de metades e o de oito subseções deveria haver um estágio no qual se distinguisse entre os primos cruzados patrilineares e matrilineares. Contudo, isso não é observado no sistema de quatro seções. O autor conclui o capitulo, portanto, deixando em aberto e levantando a necessidade de abordar a questão de por que não há nenhum estágio correspondendo à distinção entre os tipos de primos cruzados.

PS. No lugar de escolher um parágrafo mais importante e comentá-lo, preferi fazer um apanhado geral do texto citando, quando relevante, trechos dispersos dentro do capítulo.

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