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ESTUDO DA MACROTEXTURA DO PAVIMENTO A PARTIR DE ENSAIOS DE MANCHA DE AREIA E DRENABILIDADE EM CONJUNTO COM ANÁLISE DA SUPERFÍCIE POR ESTEREOSCOPIA André Kazuo Kuchiishi Sérgio Copetti Callai Tiago Vieira Liedi Légi Bariani Bernucci Universidade de São Paulo Escola Politécnica RESUMO O conhecimento profundo referente à textura do pavimento é de grande importância, pois está relacionada a aspectos econômicos, sociais e ambientais. Neste trabalho são abordados os ensaios de mancha de areia e drenabilidade para diferentes amostras asfálticas e suas medidas são estatisticamente correlacionadas. Tendo em vista as limitações existentes em cada ensaio, também foi realizada uma análise indireta da superfície a partir de técnicas de fotometria e estereoscopia com o objetivo de expor aspectos da textura do pavimento que nem o ensaio de mancha de areia nem o de drenabilidade são capazes de evidenciar. Deste trabalho, destaca-se a importância de uma caracterização mais detalhada da superfície, da qual parâmetros como curtose e assimetria obtidas de análises indiretas não podem ser negligenciadas. Além disso, comprova-se a correlação entre dados de mancha de areia e drenabilidade, sendo possível aplicar a mesma metodologia para diferentes drenômetros. ABSTRACT A deeper knowledge about the pavement texture is considered important, for the reason that it is related to economic, social and environmental aspects. In this paper, the sand patch and outflow method were carried out for different pavement mixtures, and its measures were statistically correlated. Due to the limitations of both methods, an indirect texture analysis was also carried out with photometric and stereoscopic techniques, with the goal of highlighting some surface characteristics that cannot be witnessed in the sand patch and outflow methods. From this paper, the importance of a more detailed surface characterization is emphasized, from which parameters as kurtosis and skewness, obtained by indirect texture analysis, should not be neglected. In addition, the sandpatch and outflow results correlation was confirmed, being possible to apply this method for different outflow meters. 1. INTRODUÇÃO A superfície do pavimento é o meio pelo qual ocorre a interação direta entre o pneu e o pavimento, sendo assim fundamental para caracterizar o desempenho da infraestrutura das rodovias. As condições da superfície de um revestimento asfáltico influenciam aspectos como segurança e eficiência viária, resistência à derrapagem, consumo de combustível, geração de ruído, desgaste de pneus. A interação pneu-pavimento está diretamente relacionada com a textura do pavimento em si, podendo ser classificada em categorias que aproximam as asperezas da superfície por senóides (Wambold et al., 1995). Alguns estudos já comprovam a existência de uma significativa correlação entre a macrotextura de pavimentos com taxas de acidentes nos Estados Unidos (Pulugurtha et al., 2011). Outros estudos desenvolvidos na Austrália, por exemplo, evidenciam uma relação exponencial entre taxas de acidentes e macrotextura de pavimentos (Cairney e Bennett, 2008). No Brasil, por sua vez, foi observada a redução do índice de acidentes após a substituição de concreto asfáltico por uma superfície de microrrevestimento na rodovia Fernão Dias, BR-381 (Marcandali et al., 2011). Estudos similares a esses também foram realizados na França (Gothié, 2001) e no Reino Unido (Roe et al., 1991). A construção de vias com características impróprias de textura também podem influenciar no desgaste de pneus. Tendo em vista a previsão de estudos apontando que a demanda por pneus

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ESTUDO DA MACROTEXTURA DO PAVIMENTO A PARTIR DE ENSAIOS DE

MANCHA DE AREIA E DRENABILIDADE EM CONJUNTO COM ANÁLISE DA

SUPERFÍCIE POR ESTEREOSCOPIA

André Kazuo Kuchiishi

Sérgio Copetti Callai

Tiago Vieira

Liedi Légi Bariani Bernucci Universidade de São Paulo

Escola Politécnica

RESUMO

O conhecimento profundo referente à textura do pavimento é de grande importância, pois está relacionada a

aspectos econômicos, sociais e ambientais. Neste trabalho são abordados os ensaios de mancha de areia e

drenabilidade para diferentes amostras asfálticas e suas medidas são estatisticamente correlacionadas. Tendo em

vista as limitações existentes em cada ensaio, também foi realizada uma análise indireta da superfície a partir de

técnicas de fotometria e estereoscopia com o objetivo de expor aspectos da textura do pavimento que nem o ensaio

de mancha de areia nem o de drenabilidade são capazes de evidenciar. Deste trabalho, destaca-se a importância de

uma caracterização mais detalhada da superfície, da qual parâmetros como curtose e assimetria obtidas de análises

indiretas não podem ser negligenciadas. Além disso, comprova-se a correlação entre dados de mancha de areia e

drenabilidade, sendo possível aplicar a mesma metodologia para diferentes drenômetros.

ABSTRACT

A deeper knowledge about the pavement texture is considered important, for the reason that it is related to

economic, social and environmental aspects. In this paper, the sand patch and outflow method were carried out for

different pavement mixtures, and its measures were statistically correlated. Due to the limitations of both methods,

an indirect texture analysis was also carried out with photometric and stereoscopic techniques, with the goal of

highlighting some surface characteristics that cannot be witnessed in the sand patch and outflow methods. From

this paper, the importance of a more detailed surface characterization is emphasized, from which parameters as

kurtosis and skewness, obtained by indirect texture analysis, should not be neglected. In addition, the sandpatch

and outflow results correlation was confirmed, being possible to apply this method for different outflow meters.

1. INTRODUÇÃO

A superfície do pavimento é o meio pelo qual ocorre a interação direta entre o pneu e o

pavimento, sendo assim fundamental para caracterizar o desempenho da infraestrutura das

rodovias. As condições da superfície de um revestimento asfáltico influenciam aspectos como

segurança e eficiência viária, resistência à derrapagem, consumo de combustível, geração de

ruído, desgaste de pneus.

A interação pneu-pavimento está diretamente relacionada com a textura do pavimento em si,

podendo ser classificada em categorias que aproximam as asperezas da superfície por senóides

(Wambold et al., 1995). Alguns estudos já comprovam a existência de uma significativa

correlação entre a macrotextura de pavimentos com taxas de acidentes nos Estados Unidos

(Pulugurtha et al., 2011). Outros estudos desenvolvidos na Austrália, por exemplo, evidenciam

uma relação exponencial entre taxas de acidentes e macrotextura de pavimentos (Cairney e

Bennett, 2008). No Brasil, por sua vez, foi observada a redução do índice de acidentes após a

substituição de concreto asfáltico por uma superfície de microrrevestimento na rodovia Fernão

Dias, BR-381 (Marcandali et al., 2011). Estudos similares a esses também foram realizados na

França (Gothié, 2001) e no Reino Unido (Roe et al., 1991).

A construção de vias com características impróprias de textura também podem influenciar no

desgaste de pneus. Tendo em vista a previsão de estudos apontando que a demanda por pneus

em 2015 será de aproximadamente 3,3 bilhões de unidades (Freedonia Group, 2012) bem como

outros estudos afirmam que a borracha é considerado um material não-biodegradável (Fang,

Zhan, Wang, 2001), estudar a superfície do pavimento e sua interação com os pneus torna-se

bastante relevante. Picos angulosos e acentuados presentes na superfície do pavimento

acarretam no desgaste excessivo dos pneus, comprometendo sua vida útil (Moore, 1975). Ainda

é possível acrescentar que tais picos podem implicar em um desgaste três vezes maior dos

pneus, como foi observado por Lowne (1970). Dessa forma, um desgaste excessivo de material

elastomérico em conjunto com a crescente demanda por pneus, pode se tornar um problema de

consequências ambientalmente e economicamente severas.

Algumas políticas como a regulamentação de pneus já foram adotadas em países da União

Europeia, como reflexo da preocupação com a qualidade do desempenho dos pneus. São

utilizados selos que avaliam o desempenho por meio de três fatores: (i) Eficiência no Consumo

de Combustível, (ii) Resistência a Hidroplanagem e (iii) Ruído Externo ao Rolamento, aspectos

estes fundamentais para a caracterização da borracha (EC, 2009).

Além disso, a superfície também está relacionada com a geração de ruído, seja ela por

mecanismos aerodinâmicos ou estruturais, como os fenômenos stick-slip e stick-snap

(Sandberg, 1997). Há também consequências relacionadas a fatores de saúde. De acordo com

a Agência de Proteção à Saúde do Reino Unido (HPA, 2009), níveis de ruído muito elevados

podem acarretar um aumento de hormônios de estresse como cortisol, distúrbios de sono,

aumento de frequência cardíaca e pressão sanguínea, implicando assim em maiores riscos de

doenças cardiovasculares. Além disso, pesquisas da Agência de Proteção ambiental

Dinamarquesa (EPA, 2003, apud FEHRL, 2006), indicam uma correlação entre o aumento do

ruído com a desvalorização de imóveis da região.

Observa-se, portanto, que um estudo mais aprofundado a respeito da textura do pavimento

permite efetuar análises mais complexas de fenômenos e eventos de cunho social, econômico,

ambiental e político. Para isto, serão explorados inicialmente dois ensaios bastante difundidos

na engenharia de transportes para análise de macrotextura: (i) mancha de areia e (ii)

drenabilidade. Para ambos os ensaios são evidenciadas suas limitações e a necessidade de uma

caracterização melhor da textura de pavimentos. Além destes, um terceiro ensaio de análise

indireta de superfície também está presente neste trabalho, e se utiliza do equipamento PTA

(Pavement Texture Analyzer), sendo detalhado mais adiante.

Este trabalho é uma continuação da pesquisa de Vieira et al. (2013), a qual correlaciona dados

de mancha de areia e drenabilidade utilizando sete amostras de revestimento correspondentes à

dois tipos de mistura asfáltica, microrrevestimento e gap-graded. Uma das diferenças presentes

neste trabalho em relação ao anterior é a adição de outras misturas asfálticas na análise, seguida

da verificação de um modelo mais abrangente, tendo em vista as limitações existentes em cada

ensaio. Além disso, é feita uma análise mais profunda em relação à distribuição de altura das

asperezas e como isto pode influenciar resultados de mancha de areia e drenabilidade por meio

de um ensaio de análise de superfície por fotometria e estereoscopia.

2. REVISÃO

De acordo com a classificação proposta por Wambold et al. (1995), a textura do pavimento

pode ser classificada em quatro categorias ilustradas na Figura 1. As asperezas presentes nessas

superfícies podem ser comparadas com uma série de senóides, com diferentes amplitudes e

comprimentos de onda equivalentes.

Figura 1 - Ilustração das quatro categorias de textura (Adaptado de Sandberg, 1997)

Segundo Whitehouse (2002), é mais eficiente realizar análises diretamente na superfície, apesar

de a forma mais realista para avaliar características de desempenho da via seja por meio de

experimentos que simulem sua funcionalidade, como o ensaio de roda travada. Devido às

inúmeras variáveis existentes neste ensaio, sua realização torna-se pouco eficiente. Saleh et al.

(2010) ainda acrescentam que as características das superfícies de pavimentos são bons

indicadores de seu desempenho relativos à resistência à derrapagem, drenagem e geração de

ruído.

Apesar de não fornecerem dados específicos relativos à forma das asperezas, os ensaios de

mancha de areia e drenabilidade são bastante utilizados devido à rapidez de execução e baixo

custo de realização. Estes são denominados ensaios de contato, pois dependem da interação

entre as esferas de vidro e a superfície do pavimento no ensaio de mancha de areia, e do contato

entre a água e a superfície no ensaio de drenabilidade

Com o intuito de correlacionar os valores de mancha de areia (Mean Texture Depth, MTD) e

de drenabilidade (Outflow Time, OFT), Moore (1975) propôs a equação 1 apresentada a seguir.

𝑀𝑇𝐷 = 𝐾𝑜𝑓𝑚 (ϑ

𝑡√𝑁′)14⁄√(𝑁′)𝑃 (1)

em que Kofm: constante do instrumento;

ϑ : viscosidade absoluta da água [N.s/m²];

t: tempo de drenagem [s];

N’: número de asperezas por unidade de área [1/m²]; e

P: perímetro médio dos canais da macrotextura [m].

A norma relativa à drenabilidade (ASTM E2380, 2005), propõe uma simplificação da equação

de Moore, apresentada na equação 2.

𝑀𝑇𝐷 = 3,114/𝑂𝐹𝑇 + 0,636 (2)

Vale ressaltar que o drenômetro utilizado nessa pesquisa foi desenvolvido no Laboratório de

Tecnologia de Pavimentação da USP e baseado no drenômetro da ISETH (Institut für Strassen,

Eisenbahn und Felsbau des Eidgenössischen Technischen Hochschule Zürich), que por sua vez,

se baseou no trabalho de Moore (1966). Por este motivo ele se diferencia do drenômetro da

ASTM, invalidando a correlação proposta pela norma (Vieira et al., 2013). Ainda é possível

acrescentar que para misturas asfálticas muito porosas, essa equação também não é válida. Isto

ocorre, pois o fluxo de água no ensaio de drenabilidade não fica restrito à macrotextura do

pavimento, sendo também observado pelos poros da amostra ensaiada (ASTM E2380, 2005).

Das variáveis existentes na equação teórica de Moore (1975), observa-se que a textura e o modo

em que as asperezas estão distribuídas pela superfície são fatores determinantes para a

caracterização da interface de contato do revestimento. Analisando-se o perfil de uma

superfície, é possível caracterizá-la a partir de uma distribuição estatística das alturas das

asperezas em relação a uma altura média, definida como a média aritmética das alturas do perfil

(Whitehouse, 2002). Na Figura 2, “x” é um ponto ao longo do perfil e “y” é a altura do mesmo.

Figura 2 - Esquema representativo do perfil (linha contínua) e da altura média (linha tracejada) (Vieira, 2014).

Essa distribuição de alturas do perfil pode ser descrita por uma função densidade de amplitude,

na qual relaciona-se a probabilidade “p(y)” de se encontrar no perfil um ponto de altura “y”

(Hutchings, 1992). Dessa função, parâmetros podem ser utilizados para caracterizá-la, como a

skewness ou assimetria (Sk), relacionada com a própria assimetria da distribuição; e a kurtosis

ou curtose (Ku), com o grau de achatamento do pico da curva de distribuições.

Valores de Sk positivos indicam maior concentração de probabilidade de pontos com alturas na

direção positiva do eixo “y”, enquanto Sk negativos indicam maior concentração de

probabilidade de pontos com alturas na direção negativa do eixo “y”, como ilustra a Figura 3.

Figura 3 - Representação da textura em função do valor de assimetria

Para os valores de curtose, temos que para Ku menores que três, o pico da função é achatado

(curva platicúrtica); para Ku maiores que três, o pico é mais afinado (curva leptocúrtica); e para

Ku igual a três, o pico é semelhante ao de uma curva normal (curva mesocúrtica), como ilustra

a Figura 4.

Figura 4 - Tipos de curva com valores diferentes de curtose (Fonte: www.studyblue.com)

Alguns estudos propõem que essa distribuição de alturas se aproxima de uma normal

(Greenwood-Williamson, 1966; Greenwood-Tripp, 1970), como mostra a Figura 5. Nesses

casos, o Sk é igual a zero e o Ku igual a três.

Figura 5 - Função densidade de amplitude para um determinado perfil (Adaptado de Hutchings, 1992)

Em pavimentos asfálticos, porém, as alturas das asperezas podem não ser normalmente

distribuídas, apresentando assim valores distintos de Sk e Ku. Analisando e combinando esses

dois parâmetros de maneiras diferentes, a superfície do pavimento apresenta configurações

distintas, como mostra a Figura 6.

Figura 6 – Superfície do pavimento em função da assimetria e curtose (Adaptado de Tayebi, Polycarpou, 2004)

3. METODOLOGIA

Para a realização dos ensaios foi utilizado um total de 22 amostras circulares de revestimento

asfáltico, nomeados de SA até SV. Sete dessas amostras possuem 250 mm de diâmetro e foram

extraídas da Rodovia dos Bandeirantes (SP-348), sendo cinco delas de microrrevestimento e

duas de gap-graded com asfalto borracha (SE e SF). As outras 15 e novas amostras restantes

de 200 mm de diâmetro foram extraídas da Rodovia Anhanguera (SP - 330) e são divididas em

quatro tipos de composição asfáltica: Tennessee, de SH a SK; BBUM de SL a SO; SMA com

fibra C-25 de SP a SR e SMA com fibra Premiun de SS a SV, dentre as quais as duas primeiras

misturas, por não serem tão comuns no Brasil, serão sucintamente explicadas a seguir.

A BBUM (béton bitumineux ultra mince) de origem francesa, apesar de não ser normatizada na

França, segue as recomendações de composição da mistura asfáltica da BBTM, béton

bitumineux três mince (XP P 98-137, 2001b), sendo caracterizada pela descontinuidade na

granulometria com o intuito de elevar a interação entre grãos. Além disso, para sua aplicação é

realizado um tratamento superficial a partir de um filme de ligante contínuo com o objetivo de

oferecer a adesão e impermeabilidade necessária à camada de revestimento (Reis, 2012).

Segundo Reis (2012), a Tennessee corresponde a uma faixa granulométrica da mistura

descontínua RAUD (Revestimento Asfáltico Ultra Delgado), sendo este um termo mais

adequado devido às adaptações da BBUM de modo a atender as especificações de cada país. A

caracterização do Tennessee segue recomendações do Departamento de Transportes do

Tennessee (TDOT, 2004).

Os ensaios de mancha de areia foram realizados de acordo com a norma (ASTM E965, 1996),

porém a determinação da área foi feita de maneira diferente. Ao contrário do cálculo proposto

através da determinação de um diâmetro médio de mancha, foi utilizada a técnica de fotometria.

Dessa forma, o valor da área é obtido diretamente a partir de um software de tratamento de

imagens (Vieira et al., 2013).

Os ensaios de drenabilidade também foram realizados de acordo com a norma (ASTM E2380,

2005). Novamente, de modo a verificar a influência da saturação, as 22 amostras permaneceram

submersas em um tanque com água por pelo menos 10 minutos, antes do início dos ensaios.

Esses resultados foram comparados com os valores de drenabilidade sem saturação e serão

discutidos mais adiante.

Para a análise de textura do pavimento de modo indireto, foi utilizado um equipamento

desenvolvido no Laboratório de Tecnologia de Pavimentação da EPUSP entre 2010 e 2011, e

patenteado sob o número de registro BR102013013198-9. O método de cálculo e o equipamento

foram desenvolvidos pela Profª. Dra. Liedi L. B. Bernucci, MSc. Sérgio C. Callai, MSc. Tiago

Vieira e Renato Peixoto.

O equipamento utiliza-se de um conceito já difundido, denominado estereoscopia. O dispositivo

é composto por uma caixa preta de material anti-reflexivo e quatro lâmpadas posicionadas

internamente com defasagem angular de 90º. O corpo de prova é colocado no interior da caixa,

que em seguida é tampada, apresentando um orifício apenas para a ocular da câmera

responsável pela captura da intensidade das imagens. A amostra é iluminada quatro lâmpadas

individualmente e as quatro imagens capturadas são utilizadas para gerar o modelo

tridimensional da textura em software. A imagem do equipamento e do modelo gerado para

uma superfície de pavimento estão ilustrados na Figura 7 a, e b, respectivamente.

(a) (b)

Figura 7 - Disposição das lâmpadas no interior do equipamento (a) e exemplo de modelo tridimensional gerado pelo

computador (b)

4. RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta os resultados obtidos de todos os ensaios: mancha de areia, drenabilidade

(condição saturada e não saturada) e PTA. Vale ressaltar que as variáveis SSk e SKu

correspondem aos valores de Sk e Ku calculados para toda a superfície do pavimento, não

considerando apenas um perfil.

Tabela 1 - Resultados dos ensaios de mancha de areia, drenabilidade e PTA.

Amostra Mancha de Areia

Drenabilidade PTA

Não saturado Saturado

Área (mm²) MTD (mm) OFT (s) Desvio Padrão (s) OFT (s) Desvio Padrão (s) SSk SKu

SA 121,00 1,03 1,60 0,03 1,69 0,04 0,3410 3,9760

SB 173,00 0,72 4,47 0,06 4,32 0,05 0,2400 3,3230

SC 114,30 1,09 1,76 0,05 1,73 0,04 0,1320 4,7460

SD 117,50 1,06 3,78 0,05 3,68 0,02 0,5910 3,3580

SE 152,00 0,82 6,81 0,06 7,08 0,04 -0,2840 3,1090

SF 165,40 0,76 8,76 0,05 8,43 0,03 -0,3662 2,9370

SG 139,00 0,90 3,77 0,04 3,66 0,03 0,1510 3,6820

SH 9920,68 0,35 15,65 0,05 13,39 0,26 -0,0051 1,5890

SI 8176,73 0,42 10,44 0,05 10,33 0,18 0,0004 1,8188

SJ 7454,58 0,47 9,47 0,34 10,23 0,14 0,0001 2,1763

SK 7084,14 0,49 9,48 0,10 8,47 0,28 -0,0043 2,3373

SL 7187,80 0,48 10,07 0,20 9,09 0,11 0,0043 1,9806

SM 7312,37 0,47 10,44 0,15 10,66 0,21 0,0078 1,7174

SN 9303,79 0,37 16,61 0,36 16,61 0,29 0,0123 2,5181

SO 8676,06 0,40 14,27 0,04 13,38 0,24 -0,0088 2,2759

SP 8703,26 0,80 7,19 0,17 7,04 0,05 -0,0089 2,3959

SQ 7497,16 0,93 4,71 0,06 4,49 0,23 -0,0065 2,5334

SR 7989,97 0,87 5,43 0,17 5,51 0,15 -0,0129 2,2812

SS 8865,78 0,78 5,29 0,12 4,97 0,12 0,0012 1,0918

ST 9121,76 0,76 6,63 0,35 6,37 0,12 -0,0050 2,6128

SU 9993,31 0,69 7,38 0,21 6,82 0,12 -0,0045 2,0062

SV 7037,17 0,99 4,20 0,10 3,50 0,10 -0,0154 2,3442

5. ANÁLISES

Os valores de mancha de areia e drenabilidade foram analisados estatisticamente na condição

saturada e não saturada de modo a verificar a influência de ambas as condições nos resultados

obtidos. Os dados de MTD foram correlacionados com (1 𝑂𝐹𝑇⁄ )1/4, considerando a equação

teórica de Moore (1975) a partir de um modelo do tipo 𝑀𝑇𝐷 = 𝑎 + 𝑏. (1 𝑂𝐹𝑇⁄ )1/4. Os dados

plotados estão apresentados na Figura 8 e a análise da regressão encontra-se na Tabela 2.

Figura 8 - Correlação entre dados de mancha de areia e drenabilidade

Tabela 2 - Valores da regressão para as duas condições de saturação

Não

Saturado

Preditor Coeficiente Desvio Padrão p-value

Constante -0,5914 0,159 0,10%

1/OFT0.25 2,0577 0,2478 0,00%

Saturado

Predictor Coeficiente Desvio Padrão p-value

Constante -0,6298 0,1583 0,10%

1/OFT0.25 2,0995 0,2447 0,00%

0,000

0,200

0,400

0,600

0,800

1,000

1,200

1,400

0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1

MTD

(m

m)

(1/OFT)^0,25Não-saturado Saturado Linear (Não-saturado) Linear (Saturado)

Observa-se que, com nível de significância de 5%, tanto o intercepto ‘a’ quanto o coeficiente

‘b’ são significativos para a análise realizada. Porém, a existência de um intercepto na regressão

não condiz com a correlação física dos dois ensaios de macrotextura. Sabendo que o MTD se

relaciona com o inverso de OFT pela equação de Moore, quando o valor de OFT tende ao

infinito, ou seja, a superfície é idealmente lisa e impede o fluxo de água, o MTD tende a zero

teoricamente. Assim, apesar da alta significância dos valores do intercepto para os dois casos

de saturação, a existência do parâmetro ‘a’ no modelo é inválida fisicamente. Portanto, de

maneira e obter um modelo adequado e coerente, uma nova regressão foi realizada de maneira

a forçar o intercepto nulo em um modelo da forma 𝑀𝑇𝐷 = 𝑏. (1 𝑂𝐹𝑇⁄ )1/4. O resultado da

regressão encontra-se na Tabela 3 e foi realizada com nível de significância de 5%.

Tabela 3 - Valores de regressão forçando o intercepto nulo

Não

Saturado

Predictor Coeficiente Desvio Padrão p-value

1/OFT0.25 1,14743 0,04954 0,00%

Saturado Predictor Coeficiente Desvio Padrão p-value

1/OFT0.25 1,13773 0,04927 0,00%

Dos valores do coeficiente ‘b’ é possível inferir que o modelo não apresenta diferenças

significativas de uma condição de saturação para outra, uma vez que seus intervalos

determinados pelo desvio padrão são coincidentes. Finalmente, foi realizada uma análise dos

resíduos das regressões como mostra a Figura 9. Observa-se que com nível de significância de

5% é possível afirmar que os resíduos são normalmente distribuídos, validando assim as

regressões com intercepto nulo.

Figura 9 - Análise dos resíduos das regressões nas duas condições de saturação

Da Figura 8, dois pares de pontos se destacam por estarem mais afastados do modelo e

correspondem às amostras SA e SC tanto na condição saturada quanto na não saturada. Em uma

análise matemática simples, valores elevados do recíproco de OFT implicam necessariamente

em valores reduzidos de OFT. Ou seja, as duas amostras em questão apresentam tempo de

drenagem muito menores em comparação aos outros corpos de prova. De maneira a tentar

explicar esses resultados, foram analisados os valores de SSk e SKu.

Observando os valores da Tabela 1, tanto a amostra SA quanto a amostra SC apresentam valores

positivos de Sk. Logo, a borracha presente na base do drenômetro toca o pico das asperezas,

característico de uma textura positiva. Além disso, as mesmas duas amostras apresentam os

maiores valores de SKu iguais a 3,976 e 4,746, respectivamente, indicando picos mais

acentuados em comparação com as outras amostras. Assim sendo, pode-se afirmar que por

possuírem os dois valores máximos de curtose, o fluxo de água no ensaio de drenabilidade é

mais elevado, pois os espaços existentes entre as asperezas superficiais também são maiores. A

Figura 10 ilustra de maneira esquemática essa relação entre OFT e SKu para uma textura

positiva com SSk maior que zero. A região preenchida pelos pontos corresponde à área molhada

no escoamento.

(a) (b)

Figura 10 - Desenho ilustrativo do fluxo de água em uma superfície com Ku baixo (a) e Ku elevado (b)

6. CONCLUSÕES

Dada a importância da superfície de pavimentos, sua análise não pode ser negligenciada, uma

vez que está direta ou indiretamente relacionada com fatores como segurança viária, consumo

de combustível, desgaste de pneus, entre outros. Para este trabalho, foi verificada a correlação

entre os dados de mancha de areia e drenabilidade para diferentes amostras de pavimento. Além

da verificação da influência da saturação dos corpos de prova no ensaio de drenabilidade,

também foram analisados resultados de ensaios indiretos com a utilização do equipamento

PTA. Constatou-se a relevância de parâmetros como curtose e assimetria para a caracterização

de textura dos pavimentos, e que não podem ser obtidos em ensaios tradicionais como a mancha

de areia e drenabilidade, já mencionados anteriormente.

Por se utilizar de uma série de dados com maior quantidade de amostras ensaiadas, é possível

dizer que a regressão obtida é mais abrangente, porém, só é válida dentro do intervalo de 95%

de confiança. Com um modelo de regressão adequado, pode-se estimar valores de MTD em

situações nas quais seu valor extrapola o limite aceitável e determinado por norma de 0,5 mm

a 1,2 mm (ASTM E965, 1996). Além disso, em casos de inviabilidade de ensaio de mancha de

areia, como a situação de pista molhada, a regressão pode ser utilizada como medida

complementar ao MTD.

Ainda é possível acrescentar que o ensaio de mancha de areia está sujeito a erros do operador

que manipula o disco espalhador e efetua as medidas necessárias. A utilização de técnicas

fotométricas e softwares de tratamento de imagens fornecem valores de área mais precisos.

Além disso, o ensaio de drenabilidade contribui com uma medida direta da capacidade de

drenagem superficial, diferentemente do ensaio de mancha de areia sujeito a erros intrínsecos

como o tamanho finito das esferas (Vieira et al., 2013). Ainda da análise da regressão é possível

afirmar que o modelo não possui diferenças significativas do caso saturado para o caso não

saturado.

Dos ensaios de macrotextura realizados para esse trabalho, a mancha de areia não fornece uma

análise completa da superfície do pavimento, pois a partir do valor médio de MTD não é

possível inferir se a textura é positiva ou negativa. Da regressão, constata-se que a partir do

conceito físico de drenabilidade é possível compreender a relevância da orientação da textura

do pavimento, uma vez que possibilitou a identificação e explicação de pontos relativamente

afastados da reta de regressão. Moore (1975) indica a importância desses parâmetros ao

adicionar em sua equação variáveis como o perímetro médio dos canais da macrotextura (P) e

o número de asperezas por unidade de área (N’). Portanto, diferentemente do ensaio de mancha

de areia, o drenômetro pode ser utilizado para diagnosticar resultados imprevistos juntamente

com uma análise mais detalhada de textura que o equipamento PTA é capaz de fornecer.

Vale ressaltar que o modelo de regressão obtido é válido para as condições de ensaio deste

trabalho. O uso de um drenômetro com outras dimensões, por exemplo, exige a construção de

outro modelo. De maneira recíproca, a equação proposta pela norma (ASTM E2380, 2005), não

é válida para este trabalho, devido à utilização de outro tipo de drenômetro (Vieira et al., 2013).

Isto pode ser explicado pela constante 𝐾𝑜𝑓𝑚 da equação de Moore (1975) correspondente à

constante do instrumento, que varia de um equipamento para outro.

Assim, observa-se que devido às limitações intrínsecas existentes nos ensaios de mancha de

areia e drenabilidade, uma caracterização mais detalhada da superfície torna-se necessária.

Apesar da correlação evidente entre os dados desses dois ensaios, a utilização de parâmetros

como curtose e assimetria, obtidos da análise indireta da textura, pode contribuir para a

elaboração de modelos mais precisos e realísticos.

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André Kazuo Kuchiishi ([email protected])

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