ESTUDO DA OMISSÃO IMPRÓPRIA EM FACE DA ATUAÇÃO DO BOMBEIRO ... · responsabilidade civil. ......
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CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DE MINAS GERAIS
ACADEMIA DE POLÍCIA MILITAR
CENTRO DE ENSINO DE GRADUAÇÃO
CURSO DE FORMAÇÃO DE OFICIAIS
CURSO DE BACHARELADO EM CIÊNCIAS MILITARES
ESTUDO DA OMISSÃO IMPRÓPRIA EM FACE DA ATUAÇÃO DO
BOMBEIRO MILITAR
ALAN GONÇALVES BARBOSA
Belo Horizonte
2011
1
ALAN GONÇALVES BARBOSA
ESTUDO DA OMISSÃO IMPRÓPRIA EM FACE DA ATUAÇÃO DO
BOMBEIRO MILITAR
Monografia apresentada ao Curso de
Formação de Oficiais Bombeiros Militares
do Corpo de Bombeiros Militar de Minas
Gerais, como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharel em
Ciências Militares.
Orientador: Juiz Militar André de Mourão
Motta
Belo Horizonte
2011
2
Dedico este trabalho a Gisele, minha
esposa, e a Aline, minha filha, pelo apoio
incondicional nas dificuldades surgidas
em razão do curso. E a meus pais, Edson
e Helena, que sempre me incentivaram a
conquistar meus objetivos.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por ter me concedido saúde e sabedoria para contornar as
dificuldades e aprender com elas. Agradeço a meus pais por terem me educado e
apoiado sempre, dedicando anos de suas vidas para minha formação moral e
intelectual. Agradeço a minha esposa e a minha filha, pois nelas sempre me inspirei
para obter sucesso nesta empreitada e delas recebi apoio incondicional durante
todos os anos do Curso de Formação de Oficiais do Corpo de Bombeiros Militar de
Minas Gerais. Agradeço ao senhor Juiz Militar André de Mourão Motta pelo tempo
cedido na orientação que muito contribuiu para a realização desse trabalho.
4
”E, aproximando-se, atou-lhe as feridas,
deitando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o
sobre a sua cavalgadura, levou-o para
uma estalagem e cuidou dele.” (BÍBLIA, N
T. A parábola do bom samaritano, Lucas
10:34)
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RESUMO
Este trabalho tem por tema o estudo da omissão de socorro sob a ótica da atuação do bombeiro militar. Esse profissional tem diversas missões a cumprir, sendo seus serviços de suma importância para a sociedade que dele espera uma atuação de forma efetiva, diante de uma solicitação de socorro. Por meio de uma revisão bibliográfica, objetiva compreender a omissão penalmente relevante, quando o bombeiro militar tem o dever de agir prestando socorro à vítima, e suas consequências tanto para o bombeiro militar quanto para o Corpo de Bombeiros Militar, visto como órgão da administração direta do Estado. Assim, quando uma pessoa necessitar de seu auxílio, o bombeiro militar não pode abster-se de atuar, visto ser seu dever legal. Com a finalidade de estudar a omissão imprópria, será analisada a legislação penal, conforme previsão do art. 13, § 2º do Código Penal Comum e art. 29, § 2º do Código Penal Militar, confrontando-a com as previsões legais de atuação do bombeiro militar, buscando exemplificar situações nas quais esse profissional pode cometer um crime comissivo por omissão imprópria por estar na função de garante, bem como definir as consequências jurídicas decorrentes da omissão. Nesse contexto, constata-se como resultado da pesquisa que, caso o bombeiro militar seja omisso, estando na função de garante, estará sujeito a ser processado e condenado pelo cometimento de um crime, bem como estará sujeito à responsabilidade civil. Também o Estado, considerando sua responsabilidade civil objetiva, poderá ser responsabilizado civilmente, sendo obrigado a indenizar possíveis danos oriundos da omissão por dolo ou culpa de seu agente, o bombeiro militar.
Palavras-chave: Omissão imprópria, garante, socorro, dever de agir, responsabilidade civil objetiva.
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ABSTRACT
The theme of this work is to study aid omission when it comes to the work of military firefighters. Those professionals have several missions to accomplish, and the services provided by them are of vital importance to society, which expects an effective actuation when facing an aid situation. Through a bibliographic research, the aim was to understand penalizible omission, when aid to the victim is needed, for both the firefighter himself and for the Military Fire Department, seen as an organ of the direct administration of the State. When aid is required, military firefighters cannot abstain in acting, since this is their legal duty. To study inappropriate omission, penal legislation will be analyzed, according to the art. 13, § 2nd from the Ordinary Penal Code, and to the art. 29, § 2nd from the Military Penal Code, along with legal predictions regarding actuation of military firefighters. By doing so, the goal will be to exemplify situations in which this professional could commit a crime due to inappropriate omission, as well as define the judicial consequences of the omission. In this context, one can conclude that, if a firefighter omits aid, when in duty, he could be condemned of a crime, as well as accused of infringing civil responsibility. The State, giving its objective civil responsibility, will be held responsible as well, obliged to indemnify possible damages that might result from bad faith omission of its agents, military firefighters.
Key words: Inappropriate omission, guarantees, aid, duty to act, objective civil responsibility.
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LISTA DE SIGLAS
CBMMG Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
CCBM Corregedoria do Corpo de Bombeiros Militar
CE/89 Constituição do Estado de Minas Gerais de 1989
CFO Curso de Formação de Oficiais
CP Código Penal
CPM Código Penal Militar
CR/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
DIAO Diretriz Integrada de Ações e Operações do Sistema de Defesa
Social
DIOR Divisão de Ouvidoria e Requisições do CCBM/CBMMG
EUA Estados Unidos da América
ITO Instrução Técnica Operacional do Corpo de Bombeiros Militar de
Minas Gerais
SAMU Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
START Simple Triage and Rapid Treatment (Simples Triagem e Rápido
Tratamento)
STM Superior Tribunal Militar
WTC World Trade Center
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..........................................................................................10
1.1 Justificativa .................................................................................................11
1.2 Situação-problema .....................................................................................13
1.3 Formulação de Hipóteses...........................................................................13
1.4 Objetivos.....................................................................................................13
1.4.1 Objetivo Geral.............................................................................................13
1.4.2 Objetivos Específicos .................................................................................14
2 METODOLOGIA .......................................................................................15
3 HISTÓRICO................................................................................................17
4 A OMISSÃO NA PRESTAÇÃO DE SOCORRO .......................................22
4.1 Previsão legal .............................................................................................23
4.2 Da causa na omissão .................................................................................24
4.3 Tipos de omissão .......................................................................................26
4.3.1 Omissão própria .........................................................................................27
4.3.2 Omissão imprópria .....................................................................................29
4.3.2.1 Garantidor...................................................................................................31
5 ATRIBUIÇÕES DO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR .........................33
5.1 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ...........................33
5.2 Estado de Minas Gerais .............................................................................35
5.2.1 Constituição do Estado de Minas Gerais....................................................35
5.2.2 Lei Complementar nº 54 .............................................................................35
5.2.3 Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais .....................................37
5.2.4 Da Jornada de Trabalho no Corpo de Bombeiros Militar de Minas
Gerais ...................................................................................................................39
9
6 A OMISSÃO NA PRESTAÇÃO DE SOCORRO NO SERVIÇO DO
BOMBEIRO MILITAR ...............................................................................41
6.1 Na Atividade Operacional...........................................................................44
6.1.1 Modalidade dolosa .....................................................................................45
6.1.2 Modalidade culposa....................................................................................48
6.1.2.1 A culpa na omissão decorrente do serviço do bombeiro militar..................51
6.2 Na área de formação e de treinamento ......................................................52
6.3 Recusa de atendimento pela vítima ...........................................................54
6.4 Multiplicidade de vítimas ............................................................................56
6.5 Notícias acusando bombeiros de omissão na prestação de socorro..........57
6.6 Denúncias recebidas pelo Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais ...58
7 DO DEVER DE AGIR EM FACE DO PODER AGIR .................................60
7.1 Casos reais envolvendo bombeiros: O ataque terrorista às Torres
Gêmeas do “World Trade Center” nos Estados Unidos da América e o
ataque terrorista na Noruega......................................................................64
8 COMPETÊNCIA ........................................................................................67
9 RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO ....................................70
9.1 Direito de regresso contra o servidor omisso .............................................72
10 CONCLUSÃO ...........................................................................................75
REFERÊNCIAS .....................................................................................79
10
1 INTRODUÇÃO
Este estudo tem por tema a análise da omissão de socorro sob a ótica da atuação
do bombeiro militar.
Verificando que uma pessoa está em situação de perigo, cabe ao bombeiro militar
atuar, dentro de suas obrigações legais, buscando salvá-la, por meio do emprego de
técnicas adequadas.
Um bombeiro militar recebe treinamento especial que busca capacitá-lo para atuar
em situações nas quais deva salvar vidas e minimizar consequências de eventos
danosos.
Dentro desse quadro, esse profissional assume, perante a sociedade, a função de
garantidor da segurança e da vida das pessoas, devendo destinar seus esforços ao
cumprimento de sua missão.
Estando na função de garantidor, uma vez que não venha a socorrer a pessoa
necessitada, o bombeiro militar estará sujeito às previsões legais que podem levá-lo
a ser responsabilizado penal e civilmente por danos decorrentes de sua omissão e
gerar obrigações de cunho indenizatório para o Estado, por sua responsabilidade
objetiva, visto que a corporação do Corpo de Bombeiros Militar é órgão da
administração estadual.
Cabe ressaltar que a obrigação legal que determina ao bombeiro militar que faça
algo deve submeter-se à possibilidade momentânea de fazê-lo. Não há como obrigá-
lo a fazer o que não lhe é possível fazer em determinado momento e em
11
determinadas circunstâncias. As situações devem ser objeto de análise, caso a
caso.
Assim, este trabalho estudará a omissão penalmente relevante cometida por
bombeiros militares, quando não socorrerem pessoas que necessitem de seu
auxílio, dentro do cumprimento de sua missão.
1.1 Justificativa
O serviço do bombeiro militar é de suma importância para a sociedade, que conta
com sua eficaz atuação na busca da garantia e da proteção da vida.
Quando uma pessoa em situação de perigo avista um bombeiro militar ela acredita
que dele obterá ajuda imediata, tamanha é a confiança depositada no profissional.
O bombeiro militar deve estar ciente de seus deveres e de como e quando deve
atuar, sob o risco de vir a ser responsabilizado penalmente pela ocorrência de um
crime, comissivo por omissão, pois, em tese, está obrigado a prestar socorro
àqueles que dele necessitarem, exercendo a função de garante.
Além do mais, o Estado é responsável pela atuação de seus servidores, no caso os
servidores militares do Corpo de Bombeiros Militar, o que poderá implicar em sua
responsabilidade civil objetiva.
Diante disso, este trabalho pretende estudar a omissão imprópria, analisando
pormenorizadamente a legislação penal sobre a atuação do bombeiro militar,
estando na posição de garante (ou garantidor), analisando as normas definidoras
12
das competências de atuação desse profissional e confrontando-as com as
doutrinas e outros documentos de relevância jurídica.
Busca-se maior aprofundamento no tema e consequente disseminação do
conhecimento por meio dos cursos de formação e aprimoramento das instruções
para os militares do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG),
evitando-se também que o Estado sofra processos judiciais de cunho indenizatório
decorrente da omissão.
O bombeiro militar deve estar ciente de seus deveres e das consequências de sua
omissão. Poderá decidir qual atitude tomar, avaliar que a omissão na posição de
garante tem consequências jurídicas danosas a sua imagem e à da corporação que
representa, podendo influir na aprovação popular, tendo em vista a generalização
que se costuma fazer de um fato isolado.
Sua inércia, além de gerar transtornos à imagem institucional do Corpo de
Bombeiros Militar, atingirá diretamente a pessoa que não foi socorrida, a qual sofrerá
os danos advindos da omissão do bombeiro em lhe prestar o socorro.
Nesse contexto, este estudo, é necessário à formação de conhecimento do tema
entre os bombeiros militares, estimulando a correção de atitudes e formando um
senso crítico de seu quadro de obrigações. Por meio de pesquisas bibliográficas e
documentais, buscar-se-á uma conclusão esclarecedora, influindo na
conscientização dos bombeiros militares sobre sua grande responsabilidade tendo
em vista a confiança que a sociedade neles deposita.
13
1.2 Situação-problema
A ocorrência da omissão penalmente relevante, com a omissão de socorro à vítima
pelo bombeiro militar, gerará quais consequências penais e civis?
1.3 Formulação de Hipóteses
Naquelas situações em que o bombeiro militar estiver obrigado a atuar em
decorrência de suas atribuições legais, definidas em lei (sentido amplo), a ocorrência
da omissão na obrigação de prestar socorro à vítima será penalmente relevante,
gerando responsabilização penal conforme o tipo de lesão sofrida, podendo gerar,
inclusive a responsabilização civil caso se caracterize dolo ou culpa. Além disso, o
Estado (representado pelo Corpo de Bombeiros Militar) também poderá ser
responsabilizado civilmente, devendo indenizar a vítima da omissão de seu agente.
1.4 Objetivos
1.4.1 Objetivo Geral
Compreender a omissão penalmente relevante, quando o bombeiro militar tem o
dever de agir prestando socorro à vítima, e suas consequências tanto para o
bombeiro militar quanto para o Corpo de Bombeiros Militar, visto como órgão da
administração direta do Estado.
14
1.4.2 Objetivos Específicos
a) desenvolver estudo jurídico sobre a ocorrência da omissão penalmente
relevante e trazê-la para a realidade das obrigações do bombeiro militar;
b) identificar as normas que definem as obrigações legais do bombeiro
militar;
c) avaliar as responsabilidades do Estado em decorrência da omissão na
prestação do socorro oriunda da inércia do bombeiro militar.
15
2 METODOLOGIA
A natureza da pesquisa será aplicada. Existem estudos sobre o tema mas há
necessidade de aprofundá-los e aplicá-los aos bombeiros militares.
Para atingir os objetivos, será realizada uma análise exploratória, por meio do
estudo das teorias e documentos encontrados sobre o tema, buscando compreender
as informações, procurando chegar a uma resposta satisfatória a respeito da
omissão penalmente relevante na ótica do serviço do bombeiro militar.
Assim, a pesquisa será bibliográfica e documental em relação à ocorrência da
omissão imprópria. Para tanto, partir-se-á de situações gerais para uma particular, a
do bombeiro militar, valendo-nos do método dedutivo.
Para esse fim, o procedimento de trabalho consistirá na comparação dos
documentos e doutrinas encontrados a respeito do tema.
Inicialmente, serão identificadas as normas que disciplinam a omissão penalmente
relevante, quando há situação de garantidor, analisando e expondo doutrinas.
Em seguida, serão identificadas as normas que regem a atuação do bombeiro militar
para, posteriormente, confrontar as obrigações legais dos bombeiros militares
atinentes ao atendimento/salvamento de pessoas em situação de risco com a
previsão legal da omissão penalmente relevante, realizada por um garantidor.
Com base no item anterior, buscar-se-á elencar situações nas quais o bombeiro
militar será garantidor e poderá ser responsabilizado pela omissão na prestação de
16
socorro às pessoas que necessitem de sua assistência.
Por fim, serão analisadas consequências para o Estado representado pelo órgão
público da administração direta, o Corpo de Bombeiros Militar, verificando-se sua
responsabilidade civil em face da teoria do risco administrativo.
Para a coleta de normas referentes ao serviço do bombeiro militar, será feita
pesquisa na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CR/88),
Constituição Estadual de Minas Gerais de 1989 (CE/89), na Lei 5301 que institui o
Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais (EMEMG) e suas alterações, bem
como outras normas estaduais e Resoluções do Corpo de Bombeiros Militar de
Minas Gerais (CBMMG) que definam as obrigações dos bombeiros militares no
Estado de Minas Gerais.
Doutrinas sobre o tema serão pesquisadas, analisadas, selecionadas e
confrontadas, buscando-se pontos comuns e divergentes a respeito do tema do
trabalho, traçando-se elo com a atividade do bombeiro militar e suas obrigações
legais.
Por fim, buscar-se-á concluir em quais situações os bombeiros militares têm de agir,
vez que a inação gerará responsabilização penal decorrente da omissão penalmente
relevante por ocuparem a função específica de garantidores bem como gerará
consequências civis para o Estado e possivelmente para o militar omisso.
Para o desenvolvimento do trabalho, serão utilizados: textos de livros de
doutrinadores jurídicos; textos das normas vigentes na área penal comum e militar;
jurisprudências/julgados e outros documentos que esclareçam o tema.
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3 HISTÓRICO
Para a sociedade perdurar, é necessário que as pessoas se protejam umas às
outras, cabendo, a cada uma, o “dever de solidariedade” (GRECO, 2010, Vol. II, p.
341).
Porém, segundo Oliveira, M. (2010) a solidariedade entre os homens no que tange à
omissão de socorro na forma de conduta delituosa não era encontrada em tratados
e legislações antigas como ocorre hodiernamente. O desenvolvimento das
sociedades levou à inclusão da omissão de socorro na legislação penal. Mas isso
não significa a falta de punições em decorrência da omissão, pois, em tempos
antigos, já se cominavam penas por falta de solidariedade humana.
Prado (2008) lembra que o Código de Manu1 previa punição àquele que nada
fizesse em auxílio às cidades saqueadas ou inundadas. No Egito, a pena de morte
era imposta também àquele que se omitisse de salvar uma pessoa agredida,
podendo salvá-la naquela circunstância. O caráter inicial era antes punitivo do que
voltado a estimular a solidariedade das pessoas.
Oliveira, M. (2010, p. 16) lembra também a responsabilidade dos patrões no Direito
Justiniano:
Pelo Direito Justiniano, os patrões deviam impedir os crimes dos próprios servos; se podendo, não o faziam, tornavam-se responsáveis perante o ofendido, a quem era dado intentar contra eles a ação penal privada.
1 Segundo Oliveira, A. (1993) o Código de Manú teve origem na Índia. “Escrito em sânscrito e elaborado entre o século II a.C. e o século II d. C., o Código de Manú é a legislação mais antiga da Índia. [...] O código era bastante detalhado e meticuloso e previa vários tipos de problemas, nos campos penal, civil, comercial, laboral, etc., trazendo ao início uma extensa série de artigos sobre administração da justiça, modos de julgamento e meios de prova. Esse código objetivou favorecer a casta brâmane, que era formada pelos sacerdotes, assegurando-lhes o comando social [...]” Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3549/a-codificacao-do-direito>. Acesso em: 21 set. 2011.
18
Prado (2008) expõe que, no Direito Canônico, quem não prestava socorro, podendo
fazê-lo, se equiparava ao co-autor da lesão.
No Brasil colônia, havia previsão de figuras omissivas, sendo citada, por Oliveira, M.
(2010, p.16) “a que tornava obrigatória a prévia denúncia de algum delito a ser
cometido por terceiros”.
Segundo lembra Costa Júnior2, “a legislação penal brasileira sempre distinguiu ação
de omissão”.
Assim, o Código Criminal do Império previa, em seu art.2º, a modalidade omissiva
de crime:
Art.2º. Julgar-se-há crime ou delicto: §1º toda a acção ou omissão voluntaria contraria às leis penaes. (TINOCO, 2003, p. 9)
Tal como no Código Criminal do Império, o “Codigo Penal da República dos Estados
Unidos do Brazil” também trata a omissão como forma de cometimento de um crime:
Art. 2º A violação da lei penal consiste em acção ou omissão; constitui crime ou contravenção. (SOARES, 2004, p.5)
Apenas a partir do Código Penal de 1890, foi criada a figura criminal da omissão de
socorro em seu art. 293, § 2º, incluindo o crime de omissão de socorro no Título IX –
Dos crimes contra a segurança do estado civil, mostrando seu cunho de proteção à
personalidade civil em vez da vida. Já o Código Penal (CP) de 31 de dezembro
2 COSTA JÚNIOR, Heitor. Teorias acerca da omissão. Revista dos Tribunais , São Paulo, ano 73, vol.587, p. 287, Setembro de 1984.
19
de1940, deu maior amplitude à omissão de socorro, colocando-a entre os crimes de
periclitação da vida e da saúde, objetivando a solidariedade entre as pessoas
(PRADO, 2008, p.182). Porém, não tratava da omissão quando havia o dever de
impedir o resultado.
O Decreto-Lei nº 1004, de 21 de outubro de 1969, que criava o novo Código Penal,
após vários adiamentos de sua entrada em vigor, acabou por ser revogado pela Lei
nº 6578 de 11 de outubro de 1978. Porém cabe ressaltar que sobre a omissão dita
imprópria, quando há o dever de agir, o mesmo já trazia a inovação, como se lê em
seu Art. 13, § 2º:
§ 2º A omissão é relevante como causa quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; a quem, de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; e a quem, com seu comportamento anterior, criou o risco de sua superveniência.
Assim, percebe-se que a omissão, quando há o dever de agir, já era pauta de
discussões entre nossos doutrinadores do direito e legisladores, buscando atualizar
a legislação penal pátria com o que havia de mais moderno no cenário mundial.
Porém essa atualização, na seara penal comum, só veio com a promulgação da Lei
nº 7209 de 11 de julho de 1984.
A Lei nº 7209/1984 deu nova redação à Parte Geral do CP, alterando do art. 1º ao
art.120. Essa mudança deu novo rumo à aplicação da responsabilização da omissão
para além dos crimes específicos. Assim, a nova Parte Geral passou a
responsabilizar aqueles que tinham o dever de agir e se abstinham de sua
responsabilidade.
20
Na Exposição de Motivos da nova Parte Geral do Código Penal, nas palavras de
Abi-Ackel (1984?), referindo-se à inclusão da omissão relevante no texto penal, lê-
se:
No art. 13, § 2º, cuida o Projeto dos destinatários, em concreto, das normas preceptivas, subordinados à previa (sic) existência de um dever de agir. Ao introduzir o conceito de omissão relevante, e ao extremar, no texto da lei, as hipóteses em que estará presente o dever de agir, estabelece-se a clara identificação dos sujeitos a que se destinam as normas preceptivas.
Gomes Neto (198?) analisou a mudança imposta na Parte Geral. Segundo o autor, a
nova lei:
Acresce ao anterior § 2º, considerando penalmente relevante a omissão quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. E, taxativamente – já que o Direito Penal não pode ser interpretado ampliativamente ou por analogia –, estabelece a quem incumbe o dever de agir. (GOMES NETO, [198?], p.54).
Quanto à legislação penal militar, nota-se que Decreto-Lei nº 1001, de 21 de outubro
de 1969, que instituiu o atual Código Penal Militar (CPM), já trazia em seu texto a
previsão da omissão imprópria (quando há o dever de agir) em seu art. 29, § 2º.
Esse Código foi elaborado contemporaneamente ao Código Penal oriundo do
Decreto-Lei nº 1004 (que nunca chegou a vigorar), sendo que a Comissão Revisora
do CPM foi influenciada pelo texto do CP que não entrou em vigor, como se vê na
Exposição de Motivos do Código Penal Militar, elaborada pelo então Ministro da
Justiça, Luiz Antônio da Gama e Silva (1969?):
O acompanhamento dos trabalhos da Comissão Revisora do Anteprojeto do Código Penal Comum teve por objetivo dar o máximo de unidade às leis substantivas penais do Brasil, evitando a adoção de duas doutrinas para o tratamento do mesmo tema, a fim de se estabelecer perfeita aplicação das novas leis penais em todo o território nacional.
21
Disto nota-se que o texto atual constante do § 2º do art. 29 de CPM é o mesmo do §
2º do art. 13 do CP do Decreto-Lei nº 1004, sendo que a legislação penal militar foi a
primeira a ter norma penal válida e aplicável no que tange ao instituto da omissão
imprópria, onde há o dever de agir.
22
4 A OMISSÃO NA PRESTAÇÃO DE SOCORRO
Segundo Houaiss (2009, p. 1386), omissão é, em termos jurídicos, “ato ou efeito de
não fazer o que moral ou juridicamente se deveria fazer, e de que resulta, ou pode
resultar, prejuízo para terceiros ou para a sociedade.” Assim, cometerá uma omissão
aquele que tiver uma obrigação, quer seja moral ou jurídica, e não agir, não fizer o
que deveria fazer.
Já socorro, para Houaiss (2009, p. 1762), é o “ato ou efeito de socorrer”, “auxílio,
benefício, ajuda ou assistência a alguém que se acha em situação de perigo,
desamparo, doença etc”. Disto, nota-se que socorro é agir em assistência a quem
precise de ajuda, que esteja em situação de dificuldade.
Omissão de socorro , unindo-se as definições de Houaiss (2009), é deixar de
ajudar, de socorrer alguém em dificuldade; é presenciar alguém em uma situação de
risco e nada fazer em seu auxílio.
Todavia, como se verá adiante, o termo “omissão de socorro” não é adequado
quando há a obrigação de agir em decorrência da posição de garantidor, como
ocorre com o bombeiro militar.
Assim, sendo este trabalho voltado para a análise da omissão onde o bombeiro
militar deixou de socorrer alguém, estando na função de garantidor, cometendo uma
omissão penalmente relevante, mais correto juridicamente seria falar-se em omissão
imprópria na prestação de socorro.
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4.1 Previsão legal
A omissão penalmente relevante, para fins deste trabalho, será analisada conforme
previsão do Código Penal (CP) e do Código Penal Militar (CPM).
O Código Penal, em seu art. 13, caput, explicita que “causa é toda ação ou omissão
sem a qual o resultado não teria ocorrido.” Assim, a causa de um crime pode ser
decorrente da omissão do agente.
O mesmo artigo do Código Penal explicita em seu § 2º a relevância da omissão:
§ 2º A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
O art. 29 do Código Penal Militar trata semelhantemente a omissão, nos seguintes
termos:
Art. 29. O resultado de que depende a existência do crime somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. [...] § 2º A omissão é relevante como causa quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem tenha por lei a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; a quem, de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; e a quem, com seu comportamento anterior, criou o risco de sua superveniência.
Deve-se acrescentar que existe o tipo penal “omissão de socorro”. No Código Penal,
está previsto no art. 135 e, no Código Penal Militar, no art. 201. Como alertado,
esses tipos penais não são o foco principal do trabalho, pois serão buscados
24
maiores detalhes sobre a omissão na prestação de socorro decorrendo de uma
omissão imprópria, onde deveria haver uma atuação de um bombeiro militar.
4.2 Da causa na omissão
Como mostrado, o art. 13 do CP traz em seu caput que a causa de um crime é toda
ação ou omissão sem a qual o resultado lesivo não teria ocorrido.
Segundo Prado (2000), o Código Penal Brasileiro adota a teoria da equivalência das
condições, onde, pelo método indutivo hipotético de eliminação, a causa do
resultado seria aquela condição que, se suprimida mentalmente, impediria a
existência daquele resultado. Ou seja, se aquela ação não tivesse ocorrido, não
haveria como se chegar ao resultado.
Disso decorre a afirmação de que a omissão não causa nada, não podendo gerar
um resultado material a falta de ação. Mas, a questão da causalidade na omissão é
motivo de divergência na doutrina. (PRADO, 2000)
Nesse sentido, Capez (2007, p.142) afirma que a omissão é um não fazer, que “a
omissão não interfere dentro do processo causal, pois quem se omite não faz
absolutamente nada, e, por conseguinte, não pode causar coisa alguma.” Por isso, a
omissão, dentro da teoria normativa, é “não fazer o que devia ter feito”, havendo
uma norma impondo uma atitude. A ausência dessa norma impediria a imputação de
crime ao omisso.
Já para Greco (2010, v.2), a omissão também é causa do resultado, havendo o
dever jurídico de que se impeça ou ao menos se busque impedir o resultado. Disso
decorre que, para a legislação penal, o que interessa é que a inércia do omisso em
25
face do que tinha de fazer com base no ordenamento jurídico será considerada
causa do resultado. Segue afirmando que:
Não se deve cair naquela discussão estéril de que “do nada, nada surge”. Não se trata, aqui, do fato de o agente não fazer absolutamente nada, mas sim de não fazer aquilo que a lei determinava que fizesse. (GRECO, 2010, v.2, p. 221)
Capez (2007, p.141) afirma que a omissão decorre de “uma forma independente de
conduta humana, suscetível de ser regida pela vontade dirigida para um fim.” Para
ele, a lesão da norma seria, então, decorrente da omissão em face da conduta
ordenada.
Nesse contexto, basta que ocorra a omissão na prestação de socorro, quando a
previsão legal obrigasse a ação na tentativa de evitar o resultado, sendo possível
agir naquela circunstância, que estará configurada essa omissão, própria ou
imprópria conforme o caso. Nesse sentido, Noronha (2004, p.117) afirma:
Mas quando a omissão deve ser considerada causa no terreno jurídico? A resposta é que só é causal a omissão quando há o dever de impedir o evento, o dever de agir.
Porém, para se configurar como causa do resultado exige-se a presença de alguns
elementos da conduta, enumerados por Capez (2007, p. 140): “vontade”;
“finalidade”; “exteriorização” e “consciência”.
Ainda nos ensinamentos de Capez (2007), verifica-se que, se há ausência de
voluntariedade, há ausência de conduta. Havendo a coação moral irresistível, estará
atingida a culpabilidade pois, segundo o autor, ainda resta um resíduo de vontade, a
vis compulsiva, embora seja a conduta viciada. Como exemplo, se por coação, um
26
bombeiro deixa de socorrer uma vítima, sua conduta será objeto de exclusão da
culpabilidade.
Já se tratando da coação física (vis absoluta), estará excluída a ilicitude, pois não há
o elemento volitivo, pois há uma força física atuando sobre a pessoa. O exemplo
está no bombeiro que é segurado por seus colegas que temiam o risco do
salvamento, sendo impedido de salvar uma criança (CAPEZ, 2007).
A omissão pode ocorrer na forma dolosa e na culposa. Na forma dolosa, além do
efetivo conhecimento da situação típica e da previsão da causalidade, faz-se
necessário, na omissão imprópria, que o sujeito esteja ciente de sua posição de
garantidor, o que não significa que deverá conhecer os deveres inerentes dessa
posição. Deve também reconhecer que lhe é possível impedir o resultado lesivo,
interrompendo a causalidade que chegaria ao resultado. Sobre a forma culposa, seu
conceito não sofre alteração na omissão, sendo decorrente da violação do dever de
cuidado (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2007).
4.3 Tipos de omissão
Deve-se levar em conta que a omissão, para gerar efeitos penais, deverá ser
penalmente relevante. Segundo Capez (2007, p. 143), “a omissão penalmente
relevante é constituída de dois elementos: o non facere (não fez) e o quod debetur
(aquilo que tinha o dever jurídico de fazer).”
Na legislação penal comum e na militar, há a previsão da ocorrência da omissão na
prestação de socorro sob dois enfoques. Um deles ocorre quando a omissão está
elencada em um tipo penal, ou seja, a conduta negativa (omissiva) é prevista como
um crime específico. Assim, o Código Penal Comum prevê o crime de “omissão de
socorro” no art. 135 e o Código Penal Militar no art. 201. Por outro lado, existe
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também a situação em que a pessoa devia e podia agir para evitar o resultado,
surgindo daí a posição de garante, tornando, nessa situação, a omissão penalmente
relevante (art. 13, § 2º do CP e art. 29, § 2º do CPM).
Na primeira vertente, a omissão na prestação de socorro é denominada pela
doutrina de crime omissivo próprio, puro ou simples e, na segunda, crime omissivo
impróprio, ou comissivo por omissão.3
4.3.1 Omissão própria
A omissão própria, segundo os ensinamentos de Capez (2007, p. 144), configura-se
por uma conduta que não exige o segundo elemento, “o dever jurídico de agir”, não
existindo a norma criando vínculo jurídico. Dessa forma, só se configura essa
modalidade de omissão quando há previsão legal incriminadora.
A omissão própria é, então, aquela decorrente de um tipo penal. Está
expressamente previsto o crime na lei, tal como ocorre na previsão do crime de
omissão de socorro, conforme art. 135 do CP:
Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único. A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.
3 Dentre eles, GRECO (2010) e CAPEZ (2007).
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Essa previsão penal visa a tutela de um bem indisponível, ou seja, a vida e a saúde
do ser humano. Por essa razão, não protege outros bens jurídicos que possam estar
em perigo, como o patrimônio ou a honra (PRADO, 2008).
No delito próprio, não se exige a posição de garante, respondendo o autor do crime
por omissão de acordo com a previsão no tipo penal incriminador, não se valendo do
uso da norma de extensão do § 2º do art. 13 do Código Penal (GRECO, 2010, v.2).
Tanto é assim que Zaffaroni e Pierangeli (2007, p. 465) afirmam que “são chamados
omissões próprias ou tipos de omissão própria aqueles em que o autor pode ser
qualquer pessoa que se encontre na situação típica”, o que não implicará em seu
posicionamento jurídico como garante.
As normas existentes em um crime de omissão própria são de natureza
mandamental, onde o tipo penal prevê o comportamento omissivo, o qual deve ser
evitado pelo agente, que deve fazer algo para evitar o resultado previsto. As normas
mandamentais impõem a prática de um comportamento, contrariamente das normas
proibitivas, que proíbem um comportamento (ex. art. 121 do CP que proíbe matar
alguém) (GRECO, 2010, v.2).
Especificamente, quanto ao crime previsto no art. 135 do CP, verifica-se que a
omissão de socorro está voltada a proteger uma pessoa, ordenando que outra faça
algo, se puder fazê-lo.
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4.3.2 Omissão imprópria
Os crimes omissivos impróprios, via de regra4, não estão previstos de forma direta
pela legislação penal. Para que se configure o crime omissivo impróprio, se faz
mister o uso da norma de extensão, o art. 13, § 2º do CP ou art. 29, § 2º do CPM,
como explica Greco (2010, v.2, p. 342):
Na verdade, somente podemos visualizar o comportamento omissivo do agente no tipo penal em razão do fato de que a norma que transforma o agente em garantidor é considerada como norma de extensão, vale dizer, aquela que tem por finalidade ampliar a figura típica, a fim de que nela sejam abrangidos casos que ela não previu expressamente.
Como afirma Franco (2007), a omissão imprópria é um delito comissivo por omissão
de tipo aberto, necessitando da ação integradora do juiz, pois não se aplica a
qualquer um e sim àqueles que possuem um vínculo jurídico com o bem tutelado.
Porém, o autor faz crítica referente a sua constitucionalidade:
Em conclusão, a não descrição, por tipos da Parte Especial, dos crimes comissivos por omissão e o recurso adotado pela maior parte dos Códigos Penais de englobá-los, num tipo único e aberto da Parte Geral com a utilização de cláusulas gerais idôneas a provocar assimilações analógicas, acarretam o surgimento de um dispositivo penal de duvidosa constitucionalidade por representar um flagrante agravo ao princípio da legalidade (FRANCO, 2007, p.126).
Zaffaroni e Pierangeli (2007, p.467) afirmam a impossibilidade de tipificação de
todas as hipóteses onde o sujeito se enquadraria na situação de ser um garantidor.
Mas, por outro lado, afirmam que a segurança jurídica pode sofrer “menosprezo” se
forem admitidos tipos omissivos que não estejam expressos, aparentando
ocorrência de uma exceção ao princípio da legalidade, “embora, de outra parte,
também se tenha a impressão de que a admissão dos tipos omissivos impróprios 4 ZAFFARONI; PIERANGELI (2007, p.466-468). Os autores mencionam alguns crimes previstos no Código Penal como crimes de omissão imprópria. Assim, exemplificam com o art. 314, 319 e 342 desse Código como crimes onde o autor está na posição de garantidor.
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não expressos não faz mais do que esgotar o conteúdo proibitivo do tipo ativo, que
de modo algum quis deixar certas condutas fora da proibição.”
Capez (2007) afirma que, nos crimes comissivos por omissão, o agente deixou de
fazer o que era obrigado a fazer, pois tinha um dever jurídico de agir. Assim, deve
haver uma norma dizendo o que ele deveria fazer e sua conduta (omissiva) deve
ocorrer por dolo ou culpa.
Disso decorre que o bombeiro militar tem a obrigação legal de realizar o salvamento
de uma pessoa, como exemplo, em um incêndio. Se não o fizer, podendo fazê-lo,
cometerá o crime comissivo por omissão penalmente relevante que poderá ser de
lesões corporais ou até homicídio. Nesse sentido:
Um exemplo de garantidor é o bombeiro militar que, ao se deparar com um incêndio, tem a obrigação de enfrentá-lo tentando debelar o fogo e, se necessário, entrar no prédio em chamas para dali retirar alguma pessoa. Caso o bombeiro militar assista inerte ao incêndio, sabendo que no prédio há ainda pessoas e essas venham a falecer, vítimas das chamas, responderá, não pelo delito de omissão de socorro previsto no art. 135, CP, mas pelo delito inserto no art. 121 do CP. É que o bombeiro militar tem por lei a obrigação de cuidado e proteção, tornando-se, por meio da norma de extensão, garantidor da não-ocorrência do resultado, ou garante (BOTREL, 2009, p. 155).
Como afirma Nucci (2010), as omissões próprias, tipificadas em crime específico,
como ocorre no crime de omissão de socorro do art. 135, são penalmente
relevantes. Porém, quando não há esse tipo prevendo a omissão especificamente,
somente será penalmente relevante se o omisso tiver o dever de agir, sendo que, do
contrário, não se poderia exigir tal conduta.
Adaptando-se um exemplo do autor citado ao serviço do bombeiro militar, caso
qualquer pessoa do povo presencie outra pessoa em um edifício em chamas, ela
pode agir diretamente, ou apenas buscar o socorro adequado, chamando o Corpo
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de Bombeiros. Mas, o bombeiro deverá agir se lhe for possível naquelas
circunstâncias, pois a ele cabe esse mister, é seu dever (NUCCI, 2010).
4.3.2.1 Garantidor
Para alcançar o conceito de garantidor, deve-se buscar responder às perguntas
feitas por Zaffaroni e Pierangeli (2007, p. 468): “Como se coloca um sujeito na
posição de garantidor? Quais são as fontes de que pode surgir essa posição?”
Garantidor (ou garante) é somente aquela pessoa que se enquadra nas situações
explícitas na legislação penal (comum ou militar) em ao menos uma das situações
elencadas no § 2º do art. 13 do CP (ou art. 29, § 2º do CPM):
a) tenha por lei a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
Nesse sentido, Teles (1996, p. 216) explica quem será um garantidor:
Estas pessoas – as que têm o dever legal de proteção, guarda e vigilância, as que de outra forma assumiram a responsabilidade de impedir o resultado, e as que, com comportamento antecedente, criaram a situação de risco de ocorrer o resultado – são denominadas garantes, e estão obrigadas a agir para impedir que o resultado aconteça. Se, podendo, não agem, respondem pelo resultado como se tivessem dado causa a ele. É esta a norma penal.
Bitencourt (2010, p. 285) ensina que “o dever de evitar o resultado é sempre
decorrente de uma norma jurídica, não o configurando deveres puramente éticos,
morais ou religiosos.”
32
A lição de Assis (2008, p. 74) é de que não há uma relação de causalidade entre a
omissão e o resultado e sim algo que a norma previu, pois “não existe nexo causal
entre a abstenção e o resultado, mas entre o resultado e o comportamento que o
agente estava juridicamente obrigado a fazer.”
Assim, a lei obriga o bombeiro militar a socorrer alguém em situação de perigo
(como exemplo, a pessoa que está se afogando), desde que ele possa naquela
situação socorrê-la.
Conclui-se, de todo o exposto, que o garantidor será aquele que, por força de
vínculo jurídico, se enquadrar nas situações explícitas no art. 13, § 2º do CP ou do
art. 29, § 2º do CPM, o qual estará imbuído do dever jurídico de agir em prol da
incolumidade do bem jurídico protegido, sendo-lhe possível agir na situação real.
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5 ATRIBUIÇÕES DO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR
Chega ao senso comum a informação primeira de que os corpos de bombeiros
foram criados, a princípio, para o combate aos incêndios e para o salvamento das
pessoas nos locais sinistrados.
Porém, hodiernamente, esses profissionais se veem com inúmeras atribuições
visando manter a vida das pessoas, seus bens e até o meio-ambiente.
Assim, os corpos de bombeiros militares têm atribuições diversas que lhes são
atribuídas pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CR/88) e
pelas Constituições Estaduais, bem como por outras normas que delimitam e
especificam sua atuação.
Lenza (2008, p. 581) menciona as obrigações legais dos corpos de bombeiros
militares, sendo:
[...] além das atribuições definidas em lei (por exemplo, prevenção e extinção de incêndios, proteção, busca e salvamento de vidas humanas, prestação de socorros em casos de afogamento, inundações, desabamentos, acidentes em geral, catástrofes e calamidades públicas etc.), incumbe a execução de atividades de defesa civil.
5.1 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
A CR/88 refere-se aos corpos de bombeiros em seu Título V – Da Defesa do Estado
e das Instituições Democráticas, Cap III – Da Segurança Pública, especificamente
no art. 144, V e §§ 5º e 6º.
34
Nota-se que o local reservado no texto constitucional para os corpos de bombeiros
já deixa a mensagem de que esses órgãos são de grande importância para a
manutenção do Estado e da democracia. Ao defini-los como órgãos da segurança
pública, fica evidente que o órgão é essencial a sua manutenção, ao lado dos
demais órgãos constitucionais.
Assim trata a CR/88 dos corpos de bombeiros:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: [...] V- polícias militares e corpos de bombeiros militares. § 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. § 6º As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. (grifo nosso)
Outro ponto a ser ressaltado é que a CR/88 já deixa claro que essas instituições são
de organização militar: “corpos de bombeiros militares”. Assim, a disciplina e a
hierarquia são pilares no desenvolvimento de suas atividades. Isso implicará na
aplicação de norma penal específica para os militares estaduais, ou seja, também
lhes será aplicado o Código Penal Militar (CPM), como afirma ROSA (2009, p. 14):
O Estatuto Penal Militar a princípio teve como destinatários os integrantes das Forças Armadas, e posteriormente também alcançou aos integrantes das Forças Militares Estaduais, Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, e também aos civis, brasileiros ou estrangeiros residentes no país que venham a praticar um crime militar previsto em lei.
35
5.2 Estado de Minas Gerais
5.2.1 Constituição do Estado de Minas Gerais
Tratando mais detalhadamente das funções a serem desempenhadas pelo Corpo de
Bombeiros Militar, assim dispôs a Constituição do Estado de Minas Gerais de 1989
(CE/89), no Titulo III – Do Estado, Cap. II – Da Organização dos Poderes, Seção V –
Da Segurança do Cidadão e da Sociedade, Subseção II – Da Segurança Pública:
Art. 142 - A Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar, forças públicas estaduais, são órgãos permanentes, organizados com base na hierarquia e na disciplina militares e comandados, preferencialmente, por oficial da ativa do último posto, competindo: [...] II - ao Corpo de Bombeiros Militar, a coordenação e a execução de ações de defesa civil, a prevenção e combate a incêndio, perícias de incêndio, busca e salvamento e estabelecimento de normas relativas à segurança das pessoas e de seus bens contra incêndio ou qualquer tipo de catástrofe.
Como visto, a CE/89 confirma a função do corpo de bombeiros militar de funcionar
como órgão da segurança pública, seguindo o previsto na CR/88.
Deixa claro também que ações como busca e salvamento, prevenção e combate a
incêndios, entre outras funções, são obrigações dos corpos de bombeiros.
5.2.2 Lei Complementar nº 54
Esclarecendo as atribuições do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Minas
Gerais (CBMMG), assim está estabelecido no art. 3º da Lei Complementar nº 54 do
Estado de Minas Gerais:
Artigo 3º - Compete ao Corpo de Bombeiros Militar:
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I - coordenar e executar as ações de defesa civil, proteção e socorrimento público, prevenção e combate a incêndio, perícia de incêndio e explosão em locais de sinistro, busca e salvamento; II - atender a convocação, à mobilização do Governo Federal inclusive, em caso de guerra ou para prevenir grave perturbação da ordem ou ameaça de sua irrupção, subordinando-se à Força Terrestre para emprego em suas atribuições especificas de Corpo de Bombeiros Militar e como participante da defesa interna e territorial; III - coordenar a elaboração de normas relativas à segurança das pessoas e dos seus bens contra incêndios e pânico e outras previstas em lei, no Estado; IV - exercer a polícia judiciária militar, relativamente aos crimes militares praticados por seus integrantes ou contra a instituição Corpo de Bombeiros Militar, nos termos da legislação federal específica; V - incentivar a criação de Bombeiros não militares e estipular as normas básicas de funcionamento e de padrão operacional; VI - exercer a supervisão das atividades dos órgãos e das entidades civis que atuam em sua área de competência; VII - aprimorar os recursos humanos, melhorar os recursos materiais e buscar novas técnicas e táticas que propiciem segurança à população.
O termo “compete” utilizado pela norma não deve ser interpretado restritivamente no
sentido jurídico, ou seja, como medida do poder jurisdicional. Aqui, deve ser visto em
sentido amplo, como atribuições legais que são objeto do trabalho dos corpos de
bombeiros.
Nota-se que a referida norma desdobra e amplia as funções constitucionais dos
corpos de bombeiros. Observa-se que termos amplos como ações de “proteção e
socorrimento público” são empregados, dando maior alcance das obrigações legais
atinentes ao órgão constitucional.
Fazendo-se um paralelo com as normas anteriores, já se percebe que o bombeiro
militar está imbuído de diversas funções/obrigações legais que o colocam
legalmente na posição de um garantidor.
Então, dependendo das possibilidades de ação, a inércia do bombeiro militar no
cumprimento de suas obrigações legais, em especial do inciso I, será um caso de
omissão na prestação de socorro penalmente relevante.
37
5.2.3 Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais
A Lei 5.301 de 16 de outubro de 1969 instituiu o Estatuto dos Militares do Estado de
Minas Gerais (EMEMG).
Essa norma especifica, em seu art. 2º, que são militares do Estado os integrantes da
Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar, deixando claro o vínculo entre os
militares do CBMMG e o Estado.
O art. 3º traz a situação em que o militar pode se encontrar em face do serviço
militar estadual. Assim, os militares podem estar na ativa, na reserva ou reformados,
como descreve a norma:
Art.3º - No decorrer de sua carreira pode o militar encontrar-se na ativa, na reserva ou na situação de reformado. § 1º - Militar da ativa é o que, ingressando na carreira policial-militar5, faz dela profissão, até ser transferido para a reserva, reformado ou excluído. § 2º - Militar da reserva é o que, tendo prestado serviço na ativa, passa à situação de inatividade. § 3º - Reformado é o militar desobrigado definitivamente do serviço.
Verifica-se, no texto do art. 3º e seus parágrafos, que os militares se desobrigam
definitivamente do serviço apenas ao serem reformados, estando, porém, inativos
quando se encontrarem na reserva. Nesse sentido, o art. 130 do Estatuto revela que
são inativos os militares da reserva e os reformados.
5 O Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais se refere em diversas passagens de seu texto ao militar estadual como “policial militar”. Embora, com a desvinculação do CBMMG da Polícia Militar, o termo mais adequado fosse o de “militar estadual”. Porém, sendo a norma aplicável aos militares estaduais, conforme previsto no art. 2º, deve-se entender também que o texto se refere ao militar do CBMMG.
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A exclusão do serviço ativo dar-se-á nas situações expressas no art. 146 do
EMEMG:
Art. 146 - A praça será excluída do serviço ativo da Polícia Militar nos casos seguintes: I - em face de transferência para a inatividade, nos termos deste Estatuto; II - em virtude de incapacidade moral, mediante indicação do Conselho de Disciplina, nos termos do Regulamento Disciplinar da Corporação; III - quando julgada incapaz definitivamente pela Junta Militar de Saúde e o tempo de serviço for igual ou inferior a 5 (cinco) anos; IV - quando incorrer na pena de exclusão disciplinar, prevista no Regulamento Disciplinar da Corporação. V - com baixa do serviço, na forma da lei: a) "ex-offício"; b) a pedido.
Analisando o texto desse artigo, verifica-se que o termo utilizado é o de “exclusão”.
Assim, estará excluído do serviço ativo aquele militar estadual que for transferido
para a reserva ou reformado. Porém, não há clareza sobre a desobrigação de atuar
na função de militar estadual.
Outro ponto relevante da norma para este trabalho é o tempo diuturno em que o
militar estará à disposição do serviço militar, no caso do serviço como bombeiro
militar.
Como especifica o art. 15 do EMEMG, o militar estadual deverá estar disposto a
atuar no cumprimento de sua missão a qualquer hora do dia ou da noite, como se
vê:
Art.15 - A qualquer hora do dia ou da noite, na sede da Unidade ou onde o serviço o exigir, o policial-militar deve estar pronto para cumprir a missão que lhe for confiada pelos seus superiores hierárquicos ou impostos pelas leis e regulamentos.
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Deve-se dar especial atenção à expressão “onde o serviço exigir”. Ela especifica que
o militar não está à disposição do cumprimento de sua função apenas quando de
serviço, mas sim em qualquer situação em que o serviço o exigir. Por isso, mesmo
em seus momentos de descanso, se uma pessoa necessitar de ajuda e se o
bombeiro militar puder ajudá-la, ele estará obrigado legalmente a ajudá-la, pois
estará na posição de garantidor.
Também merece destaque o Art. 23 do Estatuto, em que é especificado que os
militares estaduais têm “responsabilidade integral” em relação às decisões que
tomam e aos atos que praticam no cumprimento de suas missões. Essa
responsabilidade integral deve ser avaliada e não exclui por si a responsabilidade
objetiva do Estado, conforme se avaliará no decorrer deste trabalho.
Outro ponto relevante é o fato de estar ou não fardado quando o bombeiro militar se
deparar com uma pessoa que necessite de ajuda. Para chegar a uma resposta,
deve-se avaliar o previsto no art. 29 do Estatuto, segundo o qual “O militar, fardado
ou em trajes civis, tem as prerrogativas e as obrigações correspondentes ao seu
posto ou graduação.”
Deduz-se que, fardado ou não, o bombeiro militar deve cumprir sua missão, sendo
praça ou oficial, a qualquer hora do dia ou da noite, sendo responsável pelas
consequências de sua atuação ou de sua omissão, vez que na situação lhe fosse
possível agir.
5.2.4 Da Jornada de Trabalho no Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Conforme dito nos comentários sobre o disposto no Estatuto dos Militares do Estado
de Minas Gerais, lei nº 5.301/69, o militar mineiro está à disposição do cumprimento
de sua missão “a qualquer hora do dia ou da noite”, como reza o art. 15 da norma.
40
Complementando o sentido de alcance da norma, o CBMMG, por meio da
Resolução nº 108 de 03 de setembro de 2003, em seu art. 1º, trata de princípios
relativos à jornada de trabalho do bombeiro militar, especificados para o pessoal
militar:
I – Pessoal Militar: a) Regime de tempo integral, é o período em que o servidor deve estar disponível para o serviço a qualquer hora do dia ou da noite, onde o imponha o interesse da Corporação, no cumprimento de suas missões institucionais. b) Dedicação exclusiva, é o princípio disposto nas normas estatutárias, bem como o caráter de serviço público essencial peculiar ao Corpo de Bombeiros Militar. c) Permanência, é o princípio que determina a continuidade na prestação de serviços à comunidade. d) Generalidade, é a forma da Corporação prestar os seus serviços a todos os cidadãos, indistintamente. e) Eficiência, é o modo em que os serviços prestados pelo Corpo de Bombeiro Militar apresentem qualidade técnica satisfatória com resultados objetivos e que atenda à expectativa do público a que se destinam (CBMMG, 2003).
Assim, o serviço do bombeiro militar tem por princípio o regime de tempo integral
para o cumprimento de suas missões institucionais, cabendo ao mesmo a dedicação
exclusiva, segundo a norma, na prestação de serviço de caráter peculiar ao Corpo
de Bombeiros.
Dentro desses princípios, nota-se ainda que o serviço do Corpo de Bombeiros Militar
deve ser contínuo e para todos (geral), pautando-se na eficiência, implicando na
qualidade técnica de sua execução para a satisfação da sociedade.
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6 A OMISSÃO NA PRESTAÇÃO DE SOCORRO NO SERVIÇO DO
BOMBEIRO MILITAR
Analisadas as normas referentes às atribuições legais (sentido amplo) dos corpos de
bombeiros, pode-se traçar qual a missão que cada bombeiro militar tem de cumprir.
Nota-se que, no que tange ao salvamento de pessoas em situação de perigo, quer
estejam em locais incendiados, soterradas, sob escombros, presas em ferragens de
veículos em geral, em risco de contaminação por produto perigoso ou de
afogamento, caberá ao bombeiro militar seu salvamento, pois é sua obrigação legal
que o põe em condição de garantidor.
Para melhor compreensão das situações em que o bombeiro militar estará obrigado
a agir, vão ser levantados alguns pontos de seu serviço operacional e outros
decorrentes de seu cotidiano, como ocorre em treinamentos, para poder verificar seu
dever de agir na prestação de socorro às vítimas que precisem de sua ajuda.
Pelo previsto na Diretriz Integrada de Ações e Operações do Sistema de Defesa
Social (DIAO), mais especificamente nas ações de bombeiro voltadas diretamente
ao atendimento de vítimas (pessoas), as ações de busca e salvamento a serem
desempenhas pelos bombeiros militares são as seguintes:
a) Salvamento aquático:
- S 01.000 – salvamento,
- S 01.001 - salvamento de pessoa afogada,
- S 01.002 - busca de cadáver afogado,
- S 01.003 - acidente náutico,
- S 01.005 - salvamento de pessoa ilhada.
b) Salvamento terrestre:
42
- S 08.000 - salvamento terrestre,
- S 08.001 - acidente aéreo,
- S 08.002 - acidente ferroviário,
- S 08.003 - acidente com veículo automotor,
- S 08.004 - acidente com veículo de tração animal,
- S 08.005 - desabamento / desmoronamento,
- S 08.006 - soterramento, deslizamento ou rompimento,
- S 02.007 - queda de árvore,
- S 08.999 - outros salvamentos terrestres.
c) Salvamento em altura:
- S 09.000 - salvamento em altura,
- S 09.001 - salvamento em cisterna ou poço,
- S 09.002 - salvamento em fossa,
- S 09.003 - salvamento em elevador,
- S 09.004 - salvamento em teleféricos,
- S 09.005 - salvamento em gruta ou caverna,
- S 09.006 - salvamentos em encostas ou montanhas,
- S 09.007 - salvamento em torres, antenas ou ar,
- S 09.008 - salvamento em edificações,
- S 09.999 - outros salvamentos em altura.
d) Atendimento pré-hospitalar clínico:
- S 02.001 - acidente vascular cerebral (AVC),
- S 02.002 – convulsão,
- S 02.003 – dispneia,
- S 02.004 - distúrbio psiquiátrico,
- S 02.005 - dor precordial (coração),
- S 02.006 - acidente com militar em serviço,
- S 02.007 - intoxicação exógena,
- S 02.008 - mal não definido (distúrbio),
- S 02.009 - obstrução respiratória,
- S 02.010 - parada cardiorrespiratória,
- S 02.011 - parada respiratória,
- S 02.012 – parturiente,
- S 02.013 - síncope (desmaio),
43
- S 02.014 - transporte inter-hospitalar,
- S 02.999 - outros tipos de atendimento pré-hospitalar.
e) Busca / salvamento em local de difícil acesso:
- S 08.000 - pessoa extraviada / desaparecida em local de difícil
acesso.
f) Outros tipos de busca / salvamento:
- S 99.000 - outros tipos de busca / salvamento em local de difícil
acesso.
g) Atendimento pré-hospitalar de trauma:
- S 03.000 - atendimento pré-hospitalar de trauma,
- S 03.001 - resgate de motociclista,
- S 03.002 - resgate de ciclista,
- S 03.004 - vítima de agressão física com arma branca,
- S 03.005 - vítima de agressão física com arma de fogo,
- S 03.006 - vítima de agressão física sem uso de armas,
- S 03.011 - vítima de eletrocussão,
- S 03.012 - vítima de explosão,
- S 03.017 - vítima de queda de altura,
- S 03.020 - vítima de queimadura,
- S 03.023 - suicídio (tentativa),
- S 03.025 - resgate de vítima em veículo automotor,
- S 03.026 - vítima presa em ferragens,
- S 03.028 - vítima de ataque de insetos,
- S 03.029 - vítima de ataque de animal peçonhento,
- S 03.030 - vítima de ataque de cães,
- S 03.031 - vítima de ataque de demais animais,
- S 03.032 - vítima de corte por cerol,
- S 03.999 - outros tipos de busca / salvamento / atendimento pré-
hospitalar de pessoas e/ou bens.
h) Captura ou resgate de animais / insetos:
- S 04.003 - captura de animal doméstico atacando,
- S 04.004 - captura de animal silvestre perigoso.
i) Corte ou poda de árvore:
- S 05.000 - corte ou poda de árvore,
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- S 05.001 - corte / pode (sic) de árvore em risco de queda,
- S 05.002 - corte de árvore caída.
j) Pessoa extraviada / desaparecida:
- S 06.000 - pessoa extraviada / desaparecida.
Assim estão definidas algumas das modalidades de ocorrências que os bombeiros
militares atenderão, mostrando que, só na área de busca e salvamento envolvendo
pessoas, são previstos 66 (sessenta e seis) tipos diferentes de naturezas de
ocorrências a serem atendidas pelos bombeiros militares em seu serviço diuturno,
onde assim lhes for exigido.
Como exemplo de ocorrência na qual o bombeiro militar possa ser responsabilizado,
cita-se a captura de animal doméstico atacando (natureza S 04.003 - captura de
animal doméstico atacando) que, se não feita por omissão do bombeiro militar,
havendo pessoas feridas, o militar omisso poderá responder pela lesão como se
causador dela fosse (como ocorreria com o responsável pelo animal).
6.1 Na Atividade Operacional
A atividade operacional marca a realização prática das atividades de bombeiro, onde
os militares atuaram em prol da sociedade com suas atividades de combate a
incêndio, salvamento e atividades preventivas.
Cabe lembrar que, além do serviço operacional, os corpos de bombeiros necessitam
do desenvolvimento de atividades-meio, exigindo ações de administração pública e
de pessoal, assegurando que a atividade-fim possa ser plenamente exequível.
Contudo, deve-se sempre frisar que o servidor é antes de tudo um bombeiro militar e
que, mesmo que desempenhe atividades administrativas, em níveis estratégicos ou
45
não, sua atividade precípua é aquela legalmente regulamentada como visto
anteriormente.
Assim, adiante serão abordadas situações nas quais o bombeiro militar pode vir a
ser reconhecido como causador de um dano a uma pessoa em decorrência de sua
omissão no dever de prestar-lhe socorro, não observando dolosa ou culposamente
seu dever de garantidor. As situações levantadas são de caráter ilustrativo; não
exaurem as possibilidades de ocorrência de outros fatos nem confirmam que, em um
processo regular, o julgamento será o mesmo.
6.1.1 Modalidade dolosa
O dolo implica na vontade consciente de lesionar ou, no caso da omissão, na
vontade consciente de se deixar que a pessoa sofra lesão por mera vontade de vê-la
lesionada.
Segundo Nucci (2007), o dolo direto está configurado na vontade consciente de
praticar a conduta típica e o dolo indireto ou dolo eventual surge quando o agente
realiza uma conduta visando um resultado, admitindo, porém, que outro resultado
diferente possa ocorrer, assumindo assim, o risco da produção do resultado diverso.
O dolo eventual é, na prática, mais fácil de ser configurado em decorrência das
circunstâncias fáticas do que pela verificação da mente do agente.
Deve-se lembrar a lição de Zaffaroni e Pierangeli (2007) quando afirmam que,
embora parte da doutrina não aceite a existência do dolo na figura omissiva,
afirmando haver um “equivalente” ao dolo, que na omissão, a conduta proibida não
causa o resultado, entendem os autores que, na figura omissiva há um resultado
causal decorrente da omissão, podendo-se falar em verdadeira previsibilidade da
causalidade, da mesma forma que na tipicidade ativa.
46
Para a configuração do dolo na omissão imprópria se faz mister que o sujeito
conheça sua qualidade ou a condição de garantidor. Nesse sentido:
No aspecto cognoscitivo, dentro da estrutura típica omissiva, o dolo requer o efetivo conhecimento da situação típica e a previsão da causalidade. Quando se trata de uma omissão imprópria, requer ainda que o sujeito conheça a qualidade ou condição que o coloca na posição de garantidor (pai, enfermeira, guia, etc.), mas não o conhecimento dos deveres que lhe incubem, como conseqüência dessa posição. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2007, p. 469)
Assim, o bombeiro militar deve, desde sua formação, estar ciente de que possui um
dever legal especificado nas normas (sentido amplo) de impedir o resultado. Deve
poder, diante da situação concreta, verificar que legalmente está obrigado a agir por
ser garantidor. Não se exige para tanto que o bombeiro saiba especificamente quais
são as obrigações definidas e sim que ele possa perceber-se diante de uma
situação na qual tenha o dever de agir para impedir o resultado.
Adaptando-se o exemplo dos autores Zaffaroni e Pierangeli (2007), caso um
bombeiro, em função de guarda-vidas, na realização de seu serviço, aviste um
inimigo seu se afogando, deixa-o afogar-se, agirá com dolo de homicídio, estando
presentes os elementos: conhecimento da situação de perigo para a vítima; previsão
de que a água lhe causará a morte (afogamento); conhecimento de sua função de
guarda-vidas naquele local e, por fim, conhecimento de que tem capacitação para
salvar a vida de seu desafeto.
Outra situação dentro da atividade operacional dos bombeiros militares é a do atraso
no deslocamento e/ou no atendimento da vítima. Se o bombeiro militar for incumbido
de atuar em uma ocorrência em que uma pessoa corra risco de vida e retardar
voluntariamente seu deslocamento para o local, poderá cometer um crime comissivo
por omissão na modalidade dolosa, pois pode desde logo perceber-se que a
47
solicitação de socorro para uma pessoa não se deu em vão, e que a demora no
atendimento pode causar-lhe agravamento do quadro clínico em que se encontrava,
assumindo, assim, o risco do dano.
No serviço operacional, pode também o bombeiro militar cometer crimes comissivos
por omissão, na posição de garantidor, quando deixar de socorrer outro bombeiro
que precise de ajuda em situação de risco por ele criada.
Assim, se um sargento, comandando uma guarnição, sabendo da má formação de
um militar na área de mergulho, obriga-o a mergulhar e, caso ele venha a sofrer
lesões ou até a morte, estará assumindo o risco de que o resultado aconteça.
Podem-se antever também casos em que a central de recebimento de pedidos de
intervenção do Corpo de Bombeiros, no caso do CBMMG via telefone de número
193, deixa de empenhar uma guarnição em uma ocorrência, havendo disposição de
pessoal para atender a solicitação.
Para esclarecer, se uma solicitação é feita ao Corpo de Bombeiros para a captura de
um cão feroz que ameaça pessoas na rua e mesmo ciente do fato, o responsável
pelo empenho da viatura (despachante) não empenha uma guarnição para ir até o
local conter o animal. Logo em seguida, esse cão ataca uma criança e a fere. O
despachante agiu omissivamente, estando ciente dos riscos da falta de empenho da
guarnição de bombeiros no local, e era naquele momento garantidor da segurança
de todas as pessoas que pudessem ser atacadas naquele local por aquele cão.
Como, no caso, ele assumiu para si o risco de deixar o animal perigoso solto, há
indícios de que agiu com dolo eventual, assumindo o risco da ocorrência.
48
6.1.2 Modalidade culposa
Conforme afirma Assis (2008), a culpa constitui-se em uma modalidade menos grave
de responsabilização penal que o dolo.
A culpa deriva da falta de observância do dever objetivo de cuidado, onde há ação
ou omissão por imperícia, imprudência e/ou negligência, conforme está explícito no
art. 18, inciso II do CP, ser crime ”culposo, quando o agente deu causa ao resultado
por imprudência, negligência ou imperícia.”
A imprudência exige um comportamento ativo, que ocorre sem cautela. A
negligência é um comportamento passivo, onde por descuido ou desatenção, deixa-
se de observar o dever de cuidado. Já a imperícia se dá quando há falta de
conhecimento necessário para o desempenho de um ofício ou profissão (NUCCI,
2007).
Rosa (2009) afirma que, embora o Código Penal Militar não utilize em seu texto as
expressões imprudência, negligência ou imperícia, essa teoria não está afastada da
aplicação aos crimes militares praticados com o elemento subjetivo “culpa”.
Porém, conforme afirma Nucci (2007), o conceito legal de culpa é melhor definido no
Código Penal Militar, sendo bem mais completo do que aquele definido no CP.
Assim é o texto do inciso II do art. 33 CPM:
Art. 33 [...] II – culposo, quando o agente, deixando de empregar a cautela, atenção, ou diligência ordinária, ou especial, a que estava obrigado em face das circunstâncias, não prevê o resultado que podia prever ou, prevendo-o, supõe levianamente que não se realizaria ou que poderia evitá-lo.
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Percebe-se que a ocorrência da culpa está voltada para a ocorrência de um
comportamento voluntário desatencioso, onde o resultado ilícito era previsível,
embora não fosse desejado (NUCCI, 2007).
A culpa pode ser inconsciente ou consciente. Segundo Rosa (2009):
Na inconsciente ou comum, o resultado não é previsto pelo agente, embora previsível, visto que ele não empregou a cautela, atenção ou diligência. Na consciente o resultado é previsto pelo sujeito, que espera levianamente que não ocorra ou que possa evitá-lo. É chamada também de culpa com previsão (ROSA, 2009, p. 72).
Há que se distinguir a culpa consciente do dolo eventual (dolo indireto). Na culpa
consciente, embora haja a previsibilidade, o agente espera poder evitar o resultado.
Já no dolo eventual, ele não só previu o resultado, como admite a possibilidade
deste vir a se concretizar em decorrência de seu ato (NUCCI, 2007).
Segundo Zaffaroni e Pierangeli (2007, p.471) a culpa, na omissão, pode assumir
tanto a forma consciente como a inconsciente:
A culpa, dentro da estrutura omissiva, pode assumir tanto a forma de culpa consciente como inconsciente. Na omissão, a culpa inconsciente dá lugar aos chamados “delitos de esquecimento”, tais como o de quem causa lesões, ou morte, porque esquece a chave de gás aberta, ou de fazer um sinal de trânsito, ou de colocar um aviso que anuncie o perigo, ou acender as luzes para sinalizar um obstáculo, etc. A doutrina andou um pouco perdida a respeito dos “delitos de esquecimento” em algum momento, tendo-se chegado a afirmar que eram delitos em que não havia conduta (Manzini), quando, na realidade não são mais que condutas típicas omissivas culposas sem representação (ou omissão culposa inconsciente).
50
Zaffaroni e Pierangeli (2007, p. 471) enumeram casos em que pode ocorrer a culpa
omissiva:
a) Na apreciação da situação típica: viola o dever de cuidado quem escuta os gritos de alguém que pede ajuda, e sequer se preocupa em averiguar melhor o fato, acreditando tratar-se de uma brincadeira. b) Na execução da conduta devida: aquele que por atrapalhação joga gasolina ao invés de água para apagar o incêndio. c) Na apreciação da possibilidade física de execução: aquele que acredita, sinceramente, que não poderá salvar quem se está afogando, porque a água é profunda, sem tratar de comprovar este fato. d) No conhecimento de sua condição que o coloca na posição de garante: aquele que, por erro vencível (de tipo), ignora ser o médico plantonista da noite, ou a enfermeira que responde pelo turno.
Deve-se lembrar quanto à culpa que essa modalidade deve vir sempre expressa no
tipo penal incriminador para ser configurada, ou seja, para se cometer um crime
culposo, há a necessidade de o tipo prever a modalidade culposa. Caso contrário, o
fato apenas será crime se decorrente de dolo. Isso é facilmente confirmado pela
leitura, tanto do texto do parágrafo único do art. 33 do CPM, quanto do texto do
parágrafo único do art. 18 do CP: “salvo os casos expressos em lei, ninguém pode
ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente”.
Assim, a regra prevalente é a de que o crime será sempre doloso, salvo se a norma,
em caráter de exceção e especificamente, prevê a modalidade culposa, tal como
ensinou Assis (2008, p.96): “somente ocorrerá o crime culposo quando o fato for
previsto expressamente na lei, na forma culposa, pois a culpa não se presume.”
Segundo o referido autor, no CPM há, dentre outros, os crimes de homicídio culposo
(art. 206) e o de lesões corporais culposas (art.210), não havendo, porém, crime
culposo no desacato a superior (art. 298) devido à falta de previsão dessa
modalidade no tipo.
51
6.1.2.1 A culpa na omissão decorrente do serviço do bombeiro militar
Estudada a aplicabilidade da culpa no direito penal, passa-se agora a discorrer
sobre sua ocorrência na omissão do bombeiro militar em face de seu dever de
prestar socorro às pessoas necessitadas de seu auxílio.
Nesse contexto, caso o bombeiro militar seja abordado por um transeunte com
sinais de embriaguês alegando sentir-se mal e esse bombeiro, acreditando ser o
mau decorrente de sua embriaguês, não faz análise detalhada da queixa relatada
pelo transeunte, que logo a frente cai inconsciente. O militar poderá vir a ser
responsabilizado pela lesão sofrida pela vítima, se ficar provado que a recusa em
atendê-lo for derivada de sua culpa, por não empregar cautela, atenção, ou
diligência ordinária, ou especial, que estava obrigado a prestar naquele momento.
Também ocorrerá culpa se um bombeiro faz um nó mau feito durante uma
ocorrência, acreditando que o mesmo servirá ao fim específico. Porém, este se solta,
ferindo a vítima ou outro bombeiro militar. O bombeiro agiu com imperícia no socorro
à vítima, pois a confecção do nó é exigência para os bombeiros militares e vez que
tivesse dúvida, ou por cautela, deveria ter pedido auxílio para sua confecção.
Pode ocorrer falha culposa na apreciação da possibilidade física de execução de um
salvamento, onde o bombeiro militar acredita que o edifício irá ruir e não realiza o
salvamento de uma pessoa que vem a morrer queimada, quando uma análise visual
da estrutura indicava que o imóvel ainda estava em boas condições estruturais.
Por fim, levanta-se outra situação que pode gerar responsabilização do bombeiro
por omissão decorrente de culpa. Aquele bombeiro que não toma postos na viatura
que irá socorrer uma pessoa com quadro de parada cardiorrespiratória, quando
52
estava escalado e se enganou quanto à escala, sendo comprovado que sua falta na
guarnição causou danos à vítima.
6.2 Na área de formação e de treinamento
Na área de treinamento, verifica-se que o bombeiro militar, além do dever legal de
agir, pode ser aquele que criou a situação de risco com seu comportamento anterior.
Para esclarecer o ponto de foco neste momento, imagine-se a seguinte situação: um
instrutor de uma disciplina prática na área de formação de bombeiros, por exemplo,
natação, resolve realizar, com seus alunos, a travessia de uma lagoa com águas
frias, o que poderia causar hipotermia ou talvez câimbras. Ciente da possibilidade,
decide que a turma tem condições de realizar a travessia. Porém, durante o trajeto,
um aluno do curso sente fortes câimbras e ameaça se afogar. Cabe ao instrutor
providenciar meios para que a pessoa necessitada, no caso seu próprio aluno, seja
devidamente salvo, evitando-se sua morte.
Percebe-se que o instrutor de cursos de formação ou de qualificação de bombeiros
está imbuído de grande responsabilidade. Deve sempre buscar resguardo em suas
ações no treinamento, evitando situações de risco desnecessárias.
O risco é inerente à atividade dos bombeiros militares, mais sujeitos ao perigo do
que outros cidadãos. Nos treinamentos, buscando-se chegar o mais próximo
possível da situação real, haverá, então, riscos.
O que é pauta de discussão em caso de incidentes será o fator da segurança
mínima para se realizar o treinamento. Cabe ao instrutor ensinar a forma mais
equilibrada entre a segurança e a eficiência do método ou técnica que utilizará em
53
situações reais, valendo-se de situações de treinamento que possibilitem a aferição
desse equilíbrio.
Infere-se que, durante o treinamento, a segurança dos alunos é de responsabilidade
do instrutor e este deve sempre buscar deixá-los em situação mínima de risco para a
atividade. Também deverá tomar medidas auxiliares de segurança, como a
disponibilização de ambulâncias, médicos, salva-vidas, entre outras que possam
permitir o salvamento dos alunos em situação de risco decorrente da atividade.
Assim, estão citados a seguir julgados do Superior Tribunal Militar (STM) sobre a
responsabilidade do graduado para com seus subordinados durante a instrução:
Ementa : Homicídio culposo. Omissão causativa. Graduado que cria situação de risco ao desautorizadamente idear exercício (salto de viatura em movimento) desconsiderando as normas do plano de instrução e manutenção operacional, ministrando-o sem o equipamento elementar de segurança (capacete individual e a presença de assistência médica), promovendo, ainda, o desembarque em local inadequado, incorre em omissão causativa. Conjunto probatório harmônico - inclusive confissão -a sugerir responsabilidade penal liquida (sic). Apelo ministerial provido. Decisão unanime. (STM - Acórdão nº 1996.01.047770-5 - MS – Relator Min. Dr. Paulo César Cataldo. Publicado em 18/12/1996)6
Ementa : Lesões corporais culposas. Omissão causativa. Graduado que estimula recrutas a execução de exercício de risco (salto de uma ponte em arroio perigoso), visando testar a coragem de cada qual e a confiança no comando. Ao criar a situação de perigo o agente indutor atrai para si o dever jurídico de impedir o resultado lesivo. Não agindo de forma hábil, apta o bastante para inibir o evento, incorre em omissão causativa. Conjunto probatório harmônico a sugerir responsabilidade penal liquida (sic). Apelo improviso e condenação prestigiada. Decisão unanime. (STM – Acórdão nº 1993.01.047154-5 – RS - Relator Min. Dr. Paulo César Cataldo. Publicado em 09/05/1994)7
6 Disponível em: < http://www.stm.gov.br/cgi-bin/nph-brs?s1=&s2=&s3=Paulo+ADJ1+C%E9sar+ADJ1+ Cataldo&s4=&s5=&s6=&s7=&s8=&s9=&s10=&s11=&s12=&s13=&s14=&s15=&s16=&l=20&d=JURI&p=1&u=jurisprudencia.htm&r=8&f=G§1=NOVAJURI> . Acesso em: 23 ago. 2011. 7 Disponível em: <http://www.stm.gov.br/cgi-bin/nph-brs?s1=&s2=&s3=Paulo+ADJ1+C%E9sar+ADJ1+ Cataldo&s4=&s5=&s6=&s7=&s8=&s9=&s10=&s11=&s12=&s13=&s14=&s15=&s16=&l=20&d=JURI&p=4&u=jurisprudencia.htm&r=70&f=G§1=NOVAJURI>. Acesso em: 23 ago. 2011.
54
6.3 Recusa de atendimento pela vítima
Outro ponto relevante a ser analisado consiste na recusa da vítima em ser atendida.
Pode uma guarnição de bombeiros ser empenhada em uma ocorrência para prestar
socorro a uma pessoa. Porém, a pessoa a ser socorrida se nega ser atendida.
Vez que o bombeiro possui treinamento específico para analisar a gravidade do
quadro de saúde naquela situação da vítima, deverá realizar o atendimento mesmo
que esta não o queira, indicando que na situação ela não possui condições de
decidir o que é melhor para si.
Nesse sentido, estão os ensinamentos de Greco (2010, v.2, p.362) que aborda o
crime de omissão de socorro, adaptando-se no que couber à realidade da omissão
imprópria. Assim escreveu o autor:
Como a situação de perigo é grave, ou seja, causará um dano considerável à vítima, sua integridade física e sua saúde passam a ser consideradas indisponíveis, razão pela qual, mesmo contra sua vontade, deverá o agente prestar-lhe socorro (GRECO, 2010, v.2, p. 362).
Infere-se que a vida e a integridade física da pessoa são bens que não podem ser
dispostos, devendo atuar o garantidor mesmo que não queira a vítima, o seu
socorro.
Pode-se avaliar a veracidade dessa afirmação analisando o ponto extremo da
vontade de acabar com a própria vida, a tentativa de autoextermínio (suicídio). Está
prevista, como citado, a modalidade de ocorrência para atendimento do Corpo de
Bombeiros Militar de Minas Gerais a natureza de ocorrência S 03.023 - suicídio
(tentativa). Aqui, o bombeiro militar tentará evitar que se consuma o resultado
55
almejado pela vítima que é suicidar-se, buscando sempre o diálogo; mas, se
necessário, intervirá com uso da força para impedi-la de concluir seu intuito de
autoextermínio.
No CBMMG, o uso da força em situações de distúrbio do comportamento é
regulamentado da seguinte forma pelo Protocolo Operacional de Atendimento Pré-
Hospitalar, estabelecido pela Resolução nº 176 de 2005:
31. Distúrbios do Comportamento a) Situação de acesso 1) Evidência de perigo imediato. - Ao aproximar do local desligue a sirene e sinais luminosos da viatura; - Preocupe primeiro com a sua segurança; - Aproveite as oportunidades, se for necessário use a força; - Uma pessoa deve conversar calmamente e em tom baixo com a vítima, e outros deverão permanecer escondidos. 2) Sem perigo iminente. - Uma pessoa deve conversar com a vítima. - Este mesmo socorrista deve manter diálogo com a vítima o tempo todo, tentando acalmá-la. 3) Transporte - Transporte o paciente o mais confortável possível. - Não use a sirene e mantenha o paciente calmo. - Se o paciente estiver agressivo, imobilize-o. - Em caso da vítima estar agressiva são necessários, no mínimo, 03 socorristas, sendo que um ficará de cada lado da maca e outro na cabeça. - Em casos extremos você deve colocar a vítima em uma prancha longa e colocar a maca tipo colher por cima da vítima, imobilizando-a e evitando que possa agredir os componentes da UR (CBMMG, 2005).
Assim, o uso de força em situações de distúrbios do comportamento está autorizado,
conforme análise do referido Protocolo, devendo-se conter a vítima, protegendo sua
integridade física.
Não agindo, avaliando-se as circunstâncias, o bombeiro militar poderá estar se
omitindo no dever de socorrer a pessoa, não cumprindo seu dever legal.
56
6.4 Multiplicidade de vítimas
Outro ponto a ser observado é a existência de mais de uma vítima, quando o
socorro a uma pode minimizar as chances de sobrevivência de outras.
Nesses casos, o bombeiro militar deve se valer de técnicas de triagem de vítimas,
como exemplo, pelo método START (Simple Triage And Rapid Treatment: Simples
Triagem e Rápido Tratamento) que consiste na rápida triagem e rápido tratamento.
Por esse método, o socorrista não deverá perder tempo com vítimas que
apresentem lesões que obviamente lhe causarão a morte, pois enquanto tentar
prestar-lhe socorro, outra vítima que poderia sobreviver terá seu quadro agravado.8
Assim, se sua capacidade de socorrer for apenas uma pessoa, ele deverá, com
esses critérios, analisar a vítima que poderá sobreviver e envidar esforços para seu
salvamento.
Nesse caso, estará amoldado na situação prevista no § 2º do art. 13 do CP e no § 2º
do art. 29 do CPM, no qual o garantidor deverá agir se puder agir. Não lhe sendo
possível socorrer todas as vítimas, deverá socorrer todas que conseguir, valendo-se
de um método válido e aceito de triagem de vítimas, observando-se suas limitações
pessoais e profissionais.
Mas em relação às vítimas que não puder socorrer? Deverá, então, buscar auxílio
de outros profissionais ou de outros bombeiros, fazendo contato, por exemplo, por
meio do número de emergência do Corpo de Bombeiros ou outro órgão que tenha o
dever de prestar socorro às vítimas.
8 MÉTODO START. Disponível em: <http://www.bombeirosemergencia.com.br/start.html>. Acesso em: 28 ago. 2011.
57
6.5 Notícias acusando bombeiros de omissão na prestação de socorro
A seguir, estão dispostas algumas notícias veiculadas pela mídia, alegando a
omissão dos bombeiros:
a) No dia 10 de julho, em Mogi Guaçu, segundo notícia disponível no site
do Jornal Cidade9, em matéria da jornalista Gabriela Zacariotto, um
menino de nove anos teria morrido de aneurisma. Segundo a matéria, a
mãe teria relatado que o filho passou mal por volta das 04h40min e que
solicitou ajuda ao Corpo de Bombeiros, fazendo diversas ligações. Na
falta da chegada da viatura, conseguiu transporte com uma tia do menino,
levando-o ao hospital, aonde chegou por volta das 05h20min. Relatou ter
passado em frente da sede dos bombeiros e que havia uma viatura
parada. Uma viatura teria chegado a sua residência somente após
decorridos 20min que já estavam no hospital;
b) Em 22 de fevereiro de 2011, na região de Itaquera em São Paulo, uma
jovem de 24 anos que sofria de obesidade mórbida teria morrido ao se
sentir mal por volta das 15h e, segundo consta da notícia10, foram
solicitadas ambulâncias do Corpo de Bombeiros e do SAMU (Serviço de
Atendimento Móvel de Urgência), sendo que uma ambulância teria
chegado à residência somente às 17h50min, quando a jovem já estaria
morta. A Polícia Civil abriu investigação para verificar ocorrência ou não
de omissão na prestação de socorro por parte dos órgãos.
c) No dia 02 de outubro de 2011, em matéria televisiva exibida no Jornal
da Alterosa, o repórter Sid Marcus mostrou um acidente ocorrido na
rodovia BR 040, próximo ao Condomínio Miguelão, na cidade de Nova
Lima, Minas Gerais, onde veículos colidiram em decorrência da falta de
visibilidade causada por fumaça em vegetação às margens dessa
9 Disponível em: http://www.jcmogi.com.br/noticias/dia-a-dia/dia-a-dia/2839- . Acesso em: 29 ago. 2011. 10 Disponível em: <http:// www. spagora. com. Br / index . php ? option = com_content & view =article&id=2678:jovem-obesa-morre-aguardando-socorro-do-samu-e-bombeiros-na-zona-leste-de-sp& Catid=54:cidades&Itemid=78>. Acesso em: 29 ago. 2011.
58
rodovia. Segundo afirmativa de uma senhora não identificada na matéria,
foram feitas ligações para o Corpo de Bombeiros, naquele mesmo dia,
para extinguir o incêndio e não houve atendimento.
6.6 Denúncias recebidas pelo Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Segundo dados da Corregedoria do CBMMG11, esse órgão público recebeu nove
denúncias entre os anos de 2007 a 2011, nas quais constam reclamações de falta
de atendimento, conforme se vê abaixo:
O denunciado estando de serviço compareceu a uma UBS (Unidade Básica de Saúde), para remoção de um paciente, tendo, em tese, se referido de forma arrogante dizendo que “o carro dele não é táxi” e que esse tipo de transporte não era serviço dele. Posteriormente, a vítima veio a falecer. O denunciado teria tratado mal uma vítima durante o atendimento de ocorrência de queda da própria altura, sofrida dentro do banheiro, proferindo deboches e recusando efetuar a condução ao hospital, somente o fazendo após insistência de um parente da vítima. Após constatou-se fratura de fêmur. Ocorrência envolvendo guarnição do CBMMG e equipe do SAMU, em que houve conflito na prestação do socorro, no qual uma criança veio a óbito posteriormente atestado pelo hospital para onde foi conduzida. O militar estando de sentinela/telefonista, após receber um chamado de socorro, não teria providenciado o deslocamento da viatura para atender a solicitação da denunciante. Posteriormente a vítima veio a óbito. Recusa no atendimento de socorro a uma idosa que teria passado mal e o fato teria causado revolta na comunidade, virando alvo de denúncia em um jornal local. Recusa de atendimento de socorro teria contribuído, em tese, para o óbito de uma criança. Demora no atendimento de ocorrência, onde a denunciante, alega que ao solicitar o atendimento para seu genitor que se encontrava na cama, e necessitava de um transporte especializado, porém o atendente, em tese, mandou ligar para outro órgão, posteriormente a viatura BM compareceu ao local, mas já havia ocorrido o óbito da vítima.
11 CORPO DE BOMBEIROS MILITAR. Resumo de denúncias recebidas no período de 2007 a 2011 na Corregedoria do Corpo de Bombeiros Militar (CCBM): Omissão imprópria. Ofício nº 4156/11 – Divisão de Ouvidoria e Requisições (DIOR). [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por: [email protected]. Em 27 set. 2011.
59
Denunciante relata que ao solicitar socorro disse que qualquer viatura serviria e em tese teriam dito a solicitante para chamar um táxi. Denunciante relata que teriam se recusado a fazer contato com o pelotão no município em Itabira, para envio de viatura ao local de acidente automobilístico com vítima (CBMMG, 2011).
Pode-se verificar, então, que o CBMMG recebe denúncias acusando militares de
omissão na prestação de socorro, gerando risco de punição disciplinar e de
responsabilização penal e civil em decorrência da omissão, causando, inclusive,
prejuízo à imagem da instituição.
60
7 DO DEVER DE AGIR EM FACE DO PODER AGIR
Neste tópico será analisada a figura do dever de agir em face do poder agir,
buscando-se uma orientação sobre quando o bombeiro militar poderá deixar de
socorrer uma pessoa por não lhe ser possível socorrê-la naquela situação.
Em análise ao art. 13, § 2º do Código Penal, Greco (2010) conclui que, além do
dever legal de agir, há de existir a possibilidade de agir. A omissão na prestação de
socorro, quando penalmente relevante, gerará a responsabilização penal daquele
que tem o dever de agir, buscando evitar que o resultado danoso ocorra, sendo sua
ação possível naquele momento.
O fato de poder socorrer deve ser objeto de análise, caso a caso. Configurada a
impossibilidade momentânea de socorrer o necessitado, não haverá a posição de
garante, não ocorrendo a responsabilização pelo crime resultante da omissão pois
esta não será penalmente relevante.
Não se exige que o garante consiga incondicionalmente evitar o resultado. Deve
ocorrer a ação visando salvar a vítima, utilizando-se dos meios disponíveis naquele
momento e dentro dos limites do garante.
Por isso, adaptando-se um exemplo de Greco (2010), se um bombeiro militar, ao
tentar salvar uma pessoa que estava afogando, não consegue salvá-la por motivo
alheio a sua vontade (ou seja, queria realmente salvar a pessoa, utilizando os meios
então disponíveis, mas não conseguiu), não será responsabilizado.
Também no ensinamento de Greco (2010), deve-se levar em conta a possibilidade
física do agente, onde a impossibilidade física irá fatalmente afastar a
61
responsabilidade penal do garantidor. Nesse sentido está o ensinamento de Nucci
(2010, p. 159):
20. Alcance da expressão “podia agir”: significa que o agente, fisicamente impossibilitado de atuar, não responde pelo delito, ainda que tivesse o dever de agir. Assim, se o vigilante presencia um furto, mas não tem tempo de impedir o resultado porque sofre um desmaio, não será responsabilizado pelo evento.
Analisando o exposto, no caso de um bombeiro militar que estiver, por exemplo, com
problema de saúde que o impeça de realizar atividade aquática, cessaria para ele o
dever de salvar diretamente, a nado, uma pessoa que estivesse na iminência de se
afogar. Porém, deverá solicitar ajuda a um órgão competente ou a quem possa
salvá-la. Deve-se frisar que, se tiver como salvar a vítima de outro modo, não estará
cessado seu dever legal de agir, pois havia outro meio disponível para salvar a
vítima.
Sobre o tema, assevera Capez (2007, p. 145):
[...] Se o obrigado não estiver em condições de na situação levar a efeito essa tarefa, poderá servir-se de um terceiro, também obrigado, ou não, a cumpri-la.
Mas deve-se levar em consideração que a legislação penal não permite a alegação
de estado de necessidade quando está configurada obrigação legal de agir,
conforme arts. 24, § 1º do CP (“Não pode alegar estado de necessidade quem tinha
o dever legal de enfrentar o perigo”) e 43 do CPM. Assim é o texto do art. 43 do
CPM:
Art. 43. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para preservar direito seu ou alheio, de perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, desde que o mal causado, por sua
62
natureza e importância, é consideravelmente inferior ao mal evitado, e o agente não era legalmente obrigado a arrostar o perigo. (grifo nosso)
Neste sentido, Rosa (2009, p. 95-96) afirma que:
[...] A princípio o militar, federal ou estadual, não tem a possibilidade de alegar o estado de necessidade ainda mais quando é obrigado a arrostar o perigo [...]. No caso, por exemplo, dos bombeiros estes são obrigados a enfrentarem o incêndio não podendo alegar a ocorrência do estado de necessidade para prestar socorro a (sic) vítima. Mas existem situações nas quais o militar poderá alegar a ocorrência do estado de necessidade, como por exemplo, no caso de perigo certo e atual que não provocou e nem podia de outro modo evitar, como ocorre com o militar que se encontra de serviço e fica sabendo que sua mãe ou pai se encontra acometido de um mal grave e que necessita de sua presença. Em razão deste fato, o militar abandona o seu posto ou vem a se tornar desertor. Desde que consiga demonstrar a ocorrência desta situação, o militar poderá alegar e acabará sendo beneficiado com o reconhecimento do estado de necessidade estabelecido no CPM, conforme já decidiu de forma reiterada o Superior Tribunal Militar.
Já para Nucci (2007, p. 249) “o bombeiro não está obrigado a se matar, em um
incêndio, para salvar terceiros.” Segundo esse autor, a norma tem a finalidade de
evitar que as pessoas que tem o dever de enfrentar o perigo se furtem de enfrentá-lo
ao menor sinal de risco.
Nesse sentido também está o ensinamento de Bitencourt (2000, p. 258), ao afirmar
que:
[...] além do dever de enfrentar o perigo limitar-se ao período em que se encontra no exercício da atividade respectiva, esse dever não tem caráter absoluto, a ponto de negar-se qualquer possibilidade de ser invocado o estado de necessidade. A exigência de sacrifício no exercício dessas atividades perigosas não pode atingir o nível de heroísmo. O princípio do razoável também vige aqui, embora em sentido inverso: para salvar um bem patrimonial é inadmissível que se exija o sacrifício de uma vida.
Disso podemos inferir que se um bombeiro militar avistar uma pessoa se afogando
em uma lagoa sabidamente poluída, como exemplo, a Lagoa da Pampulha na
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cidade de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, ele deverá salvá-la, pois lhe é
razoável enfrentar o perigo. Porém, se for um bem patrimonial a ser salvo, o risco à
vida do bombeiro deverá ser levado em consideração, pois é um bem de maior valor
jurídico que o patrimônio12.
Também se pode por em discussão se o bombeiro militar tem de socorrer alguém
em um prédio em chamas que ameaça ruir a qualquer momento. Optando-se pela
entrada dos militares no prédio em chamas há o risco de que todos morram.
Optando-se por não entrar no prédio, pode-se deixar de salvar vítimas que poderiam
ser salvas. A decisão é bastante difícil de ser tomada e exige preparo do profissional
responsável pelo comando das operações para avaliar a situação estrutural da
edificação e não expor seus comandados a um risco de morte sem chances sucesso
no salvamento.
O risco é inerente ao serviço do bombeiro militar, porém isso não significa enviar
bombeiros para a morte certa, pois o direito à vida é assegurado a todos e não se
pode exigir a morte de uma pessoa. Comprovando o direito incondicional à vida,
está expresso na CR/88, no art. 5º:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]. (grifo nosso)
12 Está disposto na Instrução Técnica Operacional do CBMMG (ITO 12): “6.8.5.2 Um mergulho em
água com índice de poluição comprovadamente nocivo à saúde do mergulhador constitui uma
condição perigosa, podendo caracterizar dado suficiente para a não realização da operação.
Contudo, decidida a execução do trabalho submerso em águas acentuadamente poluídas, todo
mergulhador deverá receber proteção mediante roupa seca, com capacete próprio ou máscara de
face inteiriça, de forma que o operador não entre em contato com o meio líquido, constituindo tal
proteção pré-requisito para a realização do mergulho.”
64
7.1 Casos reais envolvendo bombeiros: O ataque terrorista às Torres Gêmeas
do “World Trade Center” nos Estados Unidos da América e o ataque terrorista na
Noruega
Para melhor exemplificar o dever de agir imposto aos bombeiros em face do poder
agir, analisam-se a seguir dois casos. Em um deles, os bombeiros enfrentaram
diretamente o perigo e sucumbiram; no outro, se resguardaram devido ao alto risco
de morte para as equipes de salvamento.
No ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 que causou a ruína das torres
gêmeas do “World Trade Center” (WTC) nos Estados Unidos da América (EUA),
foram ceifadas mais de 2500 vidas, sendo que, dentre elas, 341 bombeiros
morreram tentando salvar as pessoas presas na edificação e nos escombros13.
Na ocasião, os bombeiros entraram nas torres para salvar as pessoas, buscando
minimizar ao máximo o número de vítimas. Lobo (2007, p. 352-353) assim escreveu:
Apesar da coragem e empenho dos bombeiros e policiais de NY, pouco poderia ser feito para salvar as pessoas nas torres, em especial aquelas que estavam acima do ponto do impacto das aeronaves. Não era possível chegar com os helicópteros no topo das torres, como pôde ser feito durante o ataque de 1993. Foi possível ver as imagens desesperadoras na televisão de pessoas esperando o resgate aéreo, que nunca aconteceu. Os bombeiros relataram à Comissão, que, ao entrarem no edifício, devido à escala da tragédia, sabiam que poderiam vir a morrer, pela dimensão das construções e pela probabilidade, quase uma certeza, do colapso das torres devido ao incêndio e o poder destrutivo do impacto das aeronaves.
A decisão de entrar nas torres do WTC possibilitou o salvamento de muitas vidas,
mas muitos bombeiros morreram buscando salvá-las, em decorrência do
desmoronamento do WTC, sendo que no momento do ataque foi estimado que
13 Revista Emergência. Balanço das Dificuldades : Evento avalia problemas durante o resgate às vítimas do atentado ao WTC e propõe novas soluções para cenários semelhantes. Jul.2011, nº 28. p.42-44.
65
estivessem no complexo entre 16 e 18 mil pessoas (LOBO, 2007). Porém, assim que
uma das torres ruiu, a ordem foi de evacuação de todos os bombeiros da torre
remanescente que poderia desabar a qualquer momento.
Também em decorrência de ataque terrorista, no dia 22 de julho de 2011, uma
bomba atingiu Oslo, capital da Noruega, onde os bombeiros, diante do risco de
desabamento, não puderam ingressar às edificações para procurar outras possíveis
vítimas.
Em matéria exibida no dia 23 de julho de 2011, pelo Jornal Nacional, da Rede
Globo, o jornalista Pedro Bassan assim noticiou:
[...] As equipes de resgate não conseguiram entrar em todos os escritórios porque a estrutura dos prédios está abalada e existe o risco de desabamento, portanto, os bombeiros podem também correr perigo se entrarem para vasculhar todos os escritórios.14
O que se põe em análise aqui é que, em cada caso, há uma decisão sobre entrar ou
não na edificação e salvar as pessoas, pondo-se em xeque o dever de agir em face
do direito à vida dos bombeiros.
Como visto no caso do ataque ao WTC em Nova Iorque nos EUA, os bombeiros
entraram nas edificações e sua atuação permitiu que muitas vidas fossem salvas,
mesmo que, no decorrer do desastre, muitos bombeiros viessem a perder a vida em
decorrência da ruína das edificações.
14 Disponível em: <http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1574181-7823-
NUMERO+DE+ MORTOS+EM+ATAQUES+NA+NORUEGA+CHEGA+A,00.html> Acesso em: 29 ago. 2011.
66
Já em Oslo, lembrando-se que o atentado se deu quase dez anos após o atentado
ao WTC, a decisão dos líderes dos bombeiros no local foi a de que os prédios não
tinham segurança para a realização de buscas, que poriam os bombeiros em risco,
segundo anunciou a citada matéria do telejornal, sendo que não havia certeza da
existência de vítimas presas nas edificações.
O que tudo isso demonstra é que a decisão de ingressar em edificações com risco
de desabamento é complexa e exige grande preparo técnico e emocional do
comandante das operações de bombeiros, pois esse tem de avaliar se deve ou não
colocar em risco de morte seus comandados e se a atividade poderá salvar vidas ou
não, uma das razões da existência dos corpos de bombeiros por todo o mundo.
A lição que se pode tirar dessas tragédias é que as ocorrências passadas devem ser
fonte de estudo e de aprimoramento das decisões em situações parecidas, pois os
bombeiros têm o dever legal de agir e não podem alegar estado de necessidade,
como mostrado neste trabalho, porém não estão condenados à morte certa, quando
sua ação não trará retorno nenhum senão a sua morte.
67
8 COMPETÊNCIA
Considerando que o bombeiro militar está sujeito à legislação penal militar, cabe
estudar qual justiça terá competência de processar e julgar o militar quando incorrer
em crime decorrente da omissão imprópria.
Como já comprovado neste trabalho, a falta de socorro a uma pessoa pelo bombeiro
militar, ou seja, sua omissão imprópria diante do dever de prestar socorro gerará sua
responsabilização conforme o amoldamento ao tipo penal previsto na legislação
penal militar ou na comum.
Primeiramente deve-se ressaltar que, segundo o texto constitucional, quando se
tratar de crime doloso contra a vida, a competência é do tribunal do júri. Nesse
sentido, afirma Moraes (2011, p. 94):
A Constituição Federal reconhece, no art. 5º, XXXVIII, a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Já o texto do § 4º do art. 125 da CR/88, a saber, ao tratar da competência dos
Tribunais e dos juízes dos Estados:
§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.
Como afirma Lenza (2008, p. 488), se o julgamento do crime for de competência do
tribunal do júri, ou seja, vítima civil de crime doloso contra a vida, a competência
68
será do júri, mesmo que cometido por militar. “No entanto, se a vítima for militar, o
crime doloso contra a vida, praticado por outro militar estadual, continua sendo a
Justiça Militar.”
Nos demais casos, a omissão penalmente relevante do bombeiro militar, estando
presente seu dever de agir, deverá ser analisada em observância ao art. 9º do CPM,
possibilitando-se constatar tratar-se ou não de crime militar.
Avaliando o texto do art. 124 da CR/88 que institui que o crime militar é aquele
definido em lei, Loureiro Neto (2010) afirma que o art. 9º do CPM enumera as
hipóteses onde os crimes serão considerados como crimes militares em tempo de
paz. A seguir, o referido artigo:
Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I – os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial; II – os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar; f) Revogada. Lei no 9.299, de 7-8-1996. III – os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando- se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar; b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério Militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo; c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras; d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância,
69
garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior. Crimes dolosos Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum.
Assis (2008, p. 44-46) menciona existir ainda outra modalidade de crime militar, por
ele chamada de “crime militar em razão do dever jurídico de agir”. Sua afirmativa
está embasada em situações em que o policial militar comete crimes atuando em
decorrência de seu dever de agir, como exemplo, utilizando armamento particular
durante a folga para intervir em situação de flagrante. Lembra também que a
omissão passa a ser relevante como causa, configurando o previsto no § 2º do art.
13 do CP e no § 2º do art. 29 do CPM, em decorrência do dever de agir em face do
poder agir.
Tal colocação pode ser estendida ao caso do bombeiro militar, que se não socorrer
a vítima, quando devia e podia agir, incorrerá em crime, que poderá ser crime militar
ou comum, conforme o caso.
Assim, com ressalva do crime doloso contra a vida de civil, a competência da justiça
militar será definida pelo enquadramento da situação no texto do art. 9º do CPM,
observando-se que, enquadrado na referida norma, o bombeiro militar será
processado e julgado perante a justiça militar; do contrário, poderá sua omissão
configurar crime comum, de competência da justiça penal comum.
70
9 RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO
A CR/1988 prevê a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público por
danos causados a terceiros por seus agentes, no exercício de suas funções (art. 37,
§ 6º). Nesse sentido, também está o novo Código Civil, em seu art. 43, consagrando
a norma constitucional da responsabilidade objetiva com fulcro na teoria do risco
administrativo.
A teoria do risco administrativo baseia-se na diferença de poder do Estado frente ao
cidadão, buscando-se que a responsabilidade estatal seja previamente considerada.
A respeito da teoria do risco administrativo, Carvalho Filho (2008, p. 518) expressou
que:
[...] por ser mais poderoso, o Estado teria que arcar com um risco natural decorrente de suas numerosas atividades: à maior quantidade de poderes haveria de corresponder um risco maior. Surge, então, a teoria do risco administrativo , com fundamento da responsabilidade objetiva do Estado.
Assim, a omissão de socorro imprópria está diretamente ligada ao serviço do
bombeiro militar e esse serviço, por sua vez, é de responsabilidade do Estado,
pessoa jurídica de direito público interno, representado pelo Corpo de Bombeiros
Militar.
Esse risco pode ser subdividido em duas modalidades. Uma é a do risco integral,
como ocorre com a energia nuclear, onde o Estado será responsável,
independentemente de imprudência da vítima, caso fortuito ou força maior. A outra
vertente é o risco administrativo onde o Estado poderá ser responsável pelo dano
desde que não exista culpa exclusiva do particular ou de um terceiro, e também
quando ocorrer caso fortuito ou força maior (FURTADO, 2007).
71
Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou improcedente ação de
cunho indenizatório contra o Estado de São Paulo por culpa exclusiva do autor como
se vê a seguir:
Ementa : Responsabilidade Civil do Estado - acidente em ilha distante da costa - autor acidentado teve autorização para exploração do local para pesquisas - alegação de negligência no socorro por parte do Corpo de Bombeiros - área de não cobertura do Corpo de Bombeiros - informação de conhecimento prévio do autor que assumiu os riscos da sua profissão - culpa exclusiva do autor-risco inerente à atividade de exploração de ilhas, que é da própria profissão do autor. Ausência de nexo causal. RECURSO NÃO PROVIDO. (APL 994050986110 SP. Relator: José Luiz Germano. Data de Julgamento: 23/02/2010, 2ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 10/03/2010)15
Já quanto ao nexo de causalidade, assim se manifestou o Tribunal de Justiça de
Minas Gerais:
APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO - FALECIMENTO DE ENTE QUERIDO - INCÊNDIO - CASA DE ESPETÁCULOS - OMISSÃO DO PODE (sic) PÚBLICO - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE. Para a configuração da responsabilidade do Estado, necessário a comprovação do dano, do fato administrativo e do nexo de causalidade, sendo que, no caso de ato omissivo, também é prescindível a comprovação de que a Administração estava obrigada a impedir o prejuízo causado a terceiros. Não restou comprovado, ''in casu'', o nexo de causalidade entre a conduta omissiva do Município de Belo Horizonte, sob a assertiva de ausência de fiscalização, e a ocorrência do falecimento do genitor da autora, que decorreu do incêndio de uma casa de espetáculos, que teve como causas determinantes o show pirotécnico totalmente inadequado realizado ""clandestinamente"", já que o local não tinha alvará para funcionamento, com evidente superlotação, isto é, atos praticados por terceiros. (100240269902830011 MG 1.0024.02.699028-3/001(1), Relator: TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO, Data de Julgamento: 18/09/2008, Data de Publicação: 25/11/2008)16
Nos ensinamentos de Di Pietro (2007), a responsabilidade do Estado será sempre
de cunho civil (natureza indenizatória), sendo que será decorrente da ação ou 15 Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8067638/apelacao-apl-994050986110-sp-tjsp> Acesso em: 07 set. 2011. 16 Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5973212/100240269902830011-mg-1002402699028-3-001-1-tjmg> Acesso em: 23 ago. 2011.
72
omissão causando um dano a terceiro. Assim, o comportamento omissivo ou
comissivo de um agente do Estado que gere dano ao terceiro será fato gerador de
responsabilidade patrimonial do Estado. O agente deve fazer parte dos quadros
funcionais ou estar a serviço de pessoa jurídica de direito público ou também de
direito privado que preste serviços públicos, e sua ação ou omissão devem ocorrer
em decorrência de seu dever funcional, no exercício de sua atividade contratual para
com a pessoa jurídica.
Por isso, se o bombeiro militar está contratado pelo Corpo de Bombeiros Militar para
prestar serviços dentro das atribuições que a lei determina, estando nela incluída o
dever de socorrer uma pessoa que necessite de sua ajuda. Se não socorrê-la,
agindo por omissão, gerará ao Estado o dever de ressarcir o dano advindo de sua
omissão.
A responsabilidade é tida como objetiva porque não há obrigatoriedade de
comprovação da culpa do agente como fator condicionante da imputação da
responsabilidade civil do Estado. Ou seja, não é necessário comprovar a culpa do
agente público para se pleitear a indenização do prejuízo sofrido. Para tanto, basta
demonstrar o dano sofrido e o nexo de causalidade entre a conduta (ação ou
omissão) e o resultado (dano) (FURTADO, 2007).
O bombeiro militar poderá ser responsabilizado penalmente pela omissão de socorro
e o Estado poderá sofrer ação de indenização por danos oriundos da falta de
atuação do militar do Corpo de Bombeiros.
9.1 Direito de regresso contra o servidor omisso
Segundo leciona Di Pietro (2007), o Estado pode reparar os danos desde que
reconheça sua responsabilidade e haja consenso com a parte prejudicada quanto ao
73
valor da indenização. Porém, o servidor só poderá ser responsabilizado em regresso
quando tiver agido com dolo ou culpa, conforme previsto no art. 37, § 6º da CR/88:
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Lembra Carvalho Filho (2008, p. 532) que “além da responsabilidade civil, é possível
ainda, dependendo das circunstâncias do caso, que os agentes responsáveis pela
omissão sejam responsabilizados funcional e criminalmente”.
Nesse contexto, se o bombeiro militar for omisso no cumprimento de seu dever legal,
onde atua como garantidor e prestador de serviço público, deixando de socorrer uma
pessoa, estará sujeito, além de sofrer sanções administrativas e penais, a ressarcir,
em caráter indenizatório, os danos que causar à vítima, em razão dessa omissão
decorrente de dolo ou culpa.
Como ensina Furtado (2007, p. 1013) “[...] o particular que busque reparação pelo
dano sofrido em razão da atuação de agente público não pode demandar
diretamente contra este.” Isso significa que primeiramente deverá demandar contra a
pessoa jurídica que preste o serviço público.
Em sentido diverso Carvalho Filho (2008) entende que o sujeito passivo da lide não
está obrigado a buscar reparação somente perante o Estado, podendo também
acionar o agente que causou o dano. A responsabilidade objetiva do Estado seria
uma garantia e não uma regra rígida, podendo o autor propor a ação contra um,
pessoa jurídica, ou contra outro, agente causador do dano, podendo, inclusive
mover a ação contra ambos em litisconsórcio facultativo.
74
Embora admitindo ser controversa a discussão da possibilidade ou não da
denunciação da lide, trazendo ao processo o agente causador do dano, Furtado
(2007) opta pela vertente contrária à possibilidade desta, devido ao fato de contra o
Estado a responsabilidade ser objetiva e contra o agente ser subjetiva e, uma vez
admitida a denunciação, o processo teria que discutir a culpa, criando percalços
para a solução da lide.
No mesmo sentido, Carvalho Filho (2008, p. 554) assim se manifestou:
[...] Por fim, não teria cabimento desfazer indiretamente o benefício que a Constituição outorgou ao lesado: se foi ele dispensado de provar a culpa do agente, não teria cabimento que, no mesmo processo, fosse obrigado a aguardar o conflito entre o Estado e seu agente, fundado exatamente na culpa.
Caso não possa realizar a denunciação à lide, caberá ao Estado valer-se de seu
direito de regresso contra o servidor que tiver agido com dolo ou culpa. A
indenização ao Estado, em caráter de ressarcimento, poderá ser feita por via
administrativa mediante acordo, ou por meio judicial, se não houver acordo,
lembrando-se que não há legalidade na norma que autorize o Estado descontar por
iniciativa própria as parcelas indenizatórias diretamente dos vencimentos do servidor
(CARVALHO FILHO, 2008, p. 546)
Conclui-se que o bombeiro militar omisso em decorrência de dolo ou culpa deverá
ressarcir os danos oriundos de sua omissão. O Estado poderá fazer acordo com o
militar para ser ressarcido do valor da indenização paga à vítima ou, na falta desse
acordo, obter, por processo judicial, a condenação do militar a ressarcir seu prejuízo.
75
10 CONCLUSÃO
Em face do problema relativo à necessidade de saber quais consequências penais e
civis oriundas da ocorrência de omissão penalmente relevante, com a falta de
prestação de socorro à vítima pelo bombeiro militar, pesquisou-se neste trabalho a
omissão imprópria, estando o bombeiro militar na posição de garante, em conjunto
com normas que disciplinam os deveres de atuação desse profissional.
Quanto ao objetivo específico de realizar um estudo jurídico sobre a ocorrência da
omissão penalmente relevante, trazendo-a para a realidade do serviço do bombeiro
militar, foram estudados o art. 13, § 2º do CP e o art. 29, § 2º do CPM. Esses artigos
deixam claras as situações em que o garantidor está imbuído da missão legal de
agir para evitar o resultado lesivo, podendo agir em tais circunstâncias. Em análise
às atribuições legais dos bombeiros militares, confrontando com as normas em
questão, verifica-se que esses profissionais são garantidores das pessoas que
necessitem de seu auxílio. Assim o sendo, caso não atuem, estarão sujeitos à
punição decorrente de um crime comissivo pela omissão imprópria, respondendo
pela lesão efetivamente sofrida pela vítima não socorrida, estando a lesão prevista
como crime no CP ou no CPM.
O bombeiro não comete o crime de “omissão de socorro” quando está configurado
seu dever de agir, podendo cometer um crime omissivo impróprio. A denominação
de crime de omissão de socorro é, então, em termos jurídicos, incorreta quando se
trata do dever de agir, havendo a posição de garantidor. Por isso, a definição do
tema deste trabalho como “a análise da omissão de socorro sob a ótica da atuação
do bombeiro militar” é equivocada em termos jurídicos pois, como estudado, deveria
ser “a análise da omissão no dever de prestar socorro sob a ótica da atuação do
bombeiro militar.”
76
Constatou-se que o dever de agir está condicionado também à possibilidade de agir.
Mesmo que o bombeiro esteja obrigado a enfrentar o perigo, não lhe é obrigatório o
sacrifício de seu bem maior, a vida. Isso não significa covardia, mas sim evitar mais
mortes do que as inevitáveis.
Mesmo diante da vedação expressa no art. 24, § 1º do CP e art. 43 do CPM,
expressando a impossibilidade de alegação do estado de necessidade por aquele
que tem o dever de agir, vimos que essa não é absoluta. O bombeiro militar pode
em algumas situações se enquadrar na figura dessa excludente de ilicitude, sendo o
bem protegido superior ao bem a ser sacrificado.
Também foi constatado que, durante atividades de instrução, o bombeiro militar
pode criar situações de risco, gerando o dever de intervir para que o resultado
danoso não se concretize, verificando-se o previsto nos art. 13, § 2º do CP e 29, § 2º
do CPM, quanto ao dever de agir quando houver uma ação anterior criando a
situação de risco.
Quanto ao objetivo específico de identificar as normas que definem as obrigações
legais do bombeiro militar, conclui-se que a CR/88 define em contextos gerais, em
seu art. 144, V e §§ 5º e 6º, as atribuições dos corpos de bombeiros. No Estado de
Minas Gerais, a CE/89 explicita, em seu art. 142, II, as atribuições do Corpo de
Bombeiros Militar do Estado de Minas Gerais, sendo que a Lei Complementar nº 54
detalha e especifica essas atribuições.
Ainda nesse contexto, em referência à Lei nº 5.301 que institui o Estatuto dos
Militares do Estado de Minas Gerais, conclui-se que os bombeiros militares estão
obrigados a atuar a qualquer hora do dia ou da noite, fardados ou não, onde uma
pessoa necessitar de seu auxílio, dentro de suas atribuições regulamentares.
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Em referência ao objetivo específico de avaliar as responsabilidades do Estado em
decorrência da omissão na prestação do socorro oriunda da inércia do bombeiro
militar, conclui-se que, se houver a omissão, o Estado poderá ser responsabilizado a
ressarcir os danos causados pela inércia de seu servidor.
Uma vez obrigado a indenizar a vítima, caberá ao Estado o direito de cobrar do
servidor que tiver dado causa ao dano pela omissão decorrente de dolo ou culpa,
em direito de regresso, o ressarcimento da indenização paga, podendo esse
ressarcimento ocorrer mediante acordo entre as partes em esfera administrativa, ou
mediante processo judicial.
Diante das conclusões relativas aos objetivos específicos, pode-se concluir sobre o
objetivo geral de compreender a omissão penalmente relevante, quando o bombeiro
militar tem o dever de agir prestando socorro à vítima e suas consequências tanto
para o bombeiro militar quanto para o Corpo de Bombeiros Militar visto como órgão
da administração direta do Estado que, quando o bombeiro militar estiver obrigado a
agir prestando socorro à vítima, este deverá envidar esforços para que o socorro
seja prestado. Caso não o preste, estará sendo gerador de uma omissão imprópria,
por ocupar a posição de garante. Se o resultado da omissão constituir um crime, o
bombeiro militar poderá ser por ele responsabilizado.
Também se conclui que o Estado poderá ser responsabilizado civilmente pela
omissão do servidor que gerar danos à vítima, em decorrência da responsabilidade
civil objetiva. Porém, se ficar comprovado o dolo ou culpa do servidor, este poderá
ter que ressarcir o dano que o Estado indenizou, em virtude do direito de ação de
regresso contra o servidor.
Sugere-se que os corpos de bombeiros instruam suas tropas sobre a omissão
imprópria e que, nos cursos de formação dos oficiais e praças que desempenhem
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funções de comando, seja implementada a capacitação de avaliação da cena nas
ocorrências, dando-se ênfase prática na análise de estruturas.
Sugere-se, ainda, que sejam realizados novos estudos sobre a omissão imprópria
diante do desenvolvimento da atividade do bombeiro militar, buscando sempre sua
divulgação para toda tropa dos corpos de bombeiros, possibilitando-se novas
projeções e discussões jurídicas do tema e, nesse sentido, que o tema “dever agir”
seja estudado em trabalho monográfico, permitindo maior aprofundamento na
análise entre o dever de agir e o poder agir.
Por fim, sugere-se que sejam realizados trabalhos que especifiquem o grau de
conhecimento dos bombeiros sobre a omissão imprópria, possibilitando a avaliação
de necessidade de instrução conforme grau hierárquico ocupado pelo bombeiro
militar.
Este trabalho foi importante porque permitiu perceber o real alcance da
responsabilidade a que está sujeito o bombeiro militar, bem como as consequências
da falta de sua atuação. Permitiu também uma formação de senso crítico sobre a
necessidade de capacitação para comandar uma tropa e enviá-la para uma situação
de perigo, vez que um bom oficial deve ser capacitado para realizar avaliação de
cenário e sobrepesar as vidas em risco para verificar se é viável ou não o envio de
bombeiros para salvá-las, se será ou não possível o salvamento ou se apenas
colocará mais pessoas em risco de morte.
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