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1 O modelo de Cadeia de Valor da Inovação aplicado a uma empresa start-up: estudo de caso de empresa brasileira de telemedicina Autoria: Cely Ades, Adilson Castro de Souza Rocha, Guilherme Ary Plonsky, Mario Sergio Salerno Resumo O estudo apresenta o caso da empresa Quasar de telemedicina criada a partir de uma solução inovadora para controle à distância de glicemia, denominada Gliconline. O presente artigo explora a aplicabilidade a empresas nascentes (start-ups) e o grau de aderência do modelo da Cadeia de Valor da Inovação, de Hansen e Birkinshaw (2007). Além de abordar um caso de complementaridade entre inovação em produto e inovação em modelo de negócio, o estudo apresenta a sequência linear de etapas da Cadeia de Valor da Inovação e sugere fatores que podem interromper a sequência das fases do processo e disparar a recorrência de fases de maneira não ordenada, promovendo a repetição de algumas etapas. Destacam-se principalmente os seguintes fatores: a adoção e o ciclo da venda do produto inovador. Este caso leva a uma constatação de que o modelo da Cadeia de Valor da Inovação também pode ser aplicado a estes casos, mas as etapas verificadas não são tão claras e estruturadas. Também não há uma fronteira totalmente definida entre essas etapas, podendo haver certa sobreposição e algumas recorrências entre elas. Uma visão integrada do conjunto das ações inovadoras pode gerar resultados potencialmente maiores do que quando ações são avaliadas isoladamente. No modelo adaptado de Hansen e Birkinshaw (2007) elaborado, buscou-se representar a etapa de pré-ideia, onde ocorre um gatilho para a inovação e há o início de uma formação de rede de competências que será a base da futura empresa. Na fase de geração de ideias, não há uma gestão específica nem processos definidos; basicamente, há o amadurecimento de uma ideia que levará à constituição da nova empresa. Na fase de conversão, o pré-financiamento é representado pela incubação da empresa e o desenvolvimento ocorre como única atividade da empresa. Já a fase de difusão difere do proposto por Hansen e Birkinshaw (2007), pois não há uma “organização” na qual a inovação precisa ser disseminada. Ao invés disso, a opção foi a de representar uma fase de difusão entre parceiros e que, eventualmente, gera recorrências na fase de desenvolvimento do produto, a partir das interações que ocorrem nessa disseminação. Optou-se pela realização de um estudo correlacional entre o conceito proposto da cadeia de inovação de valor e as start ups. A operacionalização se deu por meio do estudo de caso. Apresentam-se diversas sugestões para que a teoria da inovação seja explorada em start-ups.

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O modelo de Cadeia de Valor da Inovação aplicado a uma empresa start-up:

estudo de caso de empresa brasileira de telemedicina

Autoria: Cely Ades, Adilson Castro de Souza Rocha, Guilherme Ary Plonsky, Mario Sergio Salerno

Resumo O estudo apresenta o caso da empresa Quasar de telemedicina criada a partir de uma solução inovadora para controle à distância de glicemia, denominada Gliconline. O presente artigo explora a aplicabilidade a empresas nascentes (start-ups) e o grau de aderência do modelo da Cadeia de Valor da Inovação, de Hansen e Birkinshaw (2007). Além de abordar um caso de complementaridade entre inovação em produto e inovação em modelo de negócio, o estudo apresenta a sequência linear de etapas da Cadeia de Valor da Inovação e sugere fatores que podem interromper a sequência das fases do processo e disparar a recorrência de fases de maneira não ordenada, promovendo a repetição de algumas etapas. Destacam-se principalmente os seguintes fatores: a adoção e o ciclo da venda do produto inovador. Este caso leva a uma constatação de que o modelo da Cadeia de Valor da Inovação também pode ser aplicado a estes casos, mas as etapas verificadas não são tão claras e estruturadas. Também não há uma fronteira totalmente definida entre essas etapas, podendo haver certa sobreposição e algumas recorrências entre elas. Uma visão integrada do conjunto das ações inovadoras pode gerar resultados potencialmente maiores do que quando ações são avaliadas isoladamente.

No modelo adaptado de Hansen e Birkinshaw (2007) elaborado, buscou-se representar a etapa de pré-ideia, onde ocorre um gatilho para a inovação e há o início de uma formação de rede de competências que será a base da futura empresa. Na fase de geração de ideias, não há uma gestão específica nem processos definidos; basicamente, há o amadurecimento de uma ideia que levará à constituição da nova empresa. Na fase de conversão, o pré-financiamento é representado pela incubação da empresa e o desenvolvimento ocorre como única atividade da empresa. Já a fase de difusão difere do proposto por Hansen e Birkinshaw (2007), pois não há uma “organização” na qual a inovação precisa ser disseminada. Ao invés disso, a opção foi a de representar uma fase de difusão entre parceiros e que, eventualmente, gera recorrências na fase de desenvolvimento do produto, a partir das interações que ocorrem nessa disseminação.

Optou-se pela realização de um estudo correlacional entre o conceito proposto da cadeia de inovação de valor e as start ups. A operacionalização se deu por meio do estudo de caso. Apresentam-se diversas sugestões para que a teoria da inovação seja explorada em start-ups.

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1. Introdução

A diabetes matou em 2007 tanto quanto a AIDS no mundo, gerou custos de mais de U$ 270 bilhões de dólares e é a maior causa de cegueira adquirida, nefropatias e suas conseqüentes hemodiálises, amputação de membros inferiores e incapacitação precoce. A International Diabetes Federation (IDF) prevê que os custos em 2010 ultrapassem US$ 376 bilhões em 2010. Foi demonstrado que 75% dos pacientes são inadequadamente tratados no Brasil (ROMERO, 2007). A jovem empresa Quasar Telemedicina, foi incubada em 2005 no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (CIETEC)1 a partir de uma solução inovadora para controle à distância de glicemia, denominada Gliconline.

A partir do estudo de caso dessa empresa, o presente artigo explora a aplicabilidade a empresas nascentes (start-ups) e o grau de aderência do modelo da Cadeia de Valor da Inovação, de Hansen e Birkinshaw (2007). Esse modelo tem como base de análise grandes empresas, bem estruturadas e com processos bem definidos. A contribuição que este artigo pretende é a de entender como ocorrem os processos de inovação no início de empresas em formação, criadas a partir de uma proposta de inovação tecnológica.

Este caso apresenta a trajetória desde a motivação para a criação até a difusão dessa inovação tecnológica, consubstanciada num serviço inovador no campo da saúde. Além de abordar um caso de complementaridade entre inovação em produto e inovação em modelo de negócio, o estudo apresenta a sequência linear de etapas da Cadeia de Valor da Inovação e sugere fatores que podem interromper a sequência das fases do processo e disparar a recorrência de fases de maneira não ordenada, promovendo a repetição de algumas etapas.

A premissa é que mudanças relacionadas a produtos, processos, marketing, organização2 ou em modelos de negócios podem potencializar o resultado de outras inovações e, por isso, são abordagens complementares de inovação. Uma visão integrada do conjunto das ações inovadoras pode gerar resultados potencialmente maiores do que quando ações são avaliadas isoladamente.

1. Revisão Bibliográfica

Drucker (1998 e 2003) associa a inovação ao desempenho econômico e à criação de novos valores e novas satisfações para o cliente. Schumpeter (1982) vincula a inovação ao desempenho organizacional e relaciona o termo inovação com as mudanças da vida econômica que não lhe foram impostas de fora, mas que surjam de dentro por sua própria iniciativa. Define desenvolvimento como uma perturbação do equilíbrio, que altera e desloca para sempre o estado previamente existente.

Existe uma preocupação dos autores com relação à abrangência da inovação, mas não há consenso sobre os requisitos básicos para que algo seja considerado efetivamente como inovador. Os resultados são, em linhas gerais, relacionados ao desempenho econômico e organizacional ou que agregue valor, critérios estes muitas vezes difíceis de serem mensurados.

Figueiredo (2009, p.28) ressalta que a inovação, em sentido econômico, emerge apenas quando ocorre a primeira transação comercial envolvendo o novo produto, processo ou sistema. Complementa afirmando que a invenção só se converte em inovação após a etapa de comercialização e inserção no mercado. Assim, a inovação consiste em um processo contínuo e não em simples episódios. Esse processo envolve a resolução de problemas de diferentes tipos de atividades, bem como estoques de capacidades e processos de aprendizagem específicos às empresas. Estes, por sua vez, são afetados pela natureza do contexto institucional em que elas nascem e crescem.

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2.1 O processo de inovação e a cadeia de valor da inovação

O processo de inovação deve ser visto como um ciclo e de forma sistêmica (LACERDA, 2001) e, assim sendo, pode ser definido como o uso produtivo de conhecimento manifestado no desenvolvimento próspero e na introdução de novos produtos, processos e/ou serviços. A inovação para Tidd et al. (2008, p. 23) é movida pela habilidade de estabelecer relações, detectar oportunidades e tirar proveito das mesmas. Por outro lado, Davila et al. (2007, p. 26) criticam a prática empresarial pois, apesar da existência de oportunidades, muitas empresas recorrem à inovação quando os recursos ou as abordagens mais tradicionais vão se esgotando.

O processo de inovação foi definido por Davila et al. (2007) como novas ideias, que são desenvolvidas e implementadas para atingir resultados desejados, por pessoas que se empenham em transações (relações) com outros, para mudar contextos institucionais e organizacionais.

Schumpeter (1982) propôs três fases básicas para o processo de inovação: (1) Invenção, como resultado de um processo de descoberta, de princípios técnicos novos, potencialmente abertos para exploração comercial, mas não necessariamente realizada; (2) Inovação, como o processo de desenvolvimento de uma invenção de forma comercial; (3) Difusão, como a expansão de uma inovação em uso comercial, novos produtos e processos.

O modelo de Cadeia de Valor da Inovação, de Hansen e Birkinshaw (2007), representado na figura 1, é uma visão de um processo linear de três fases: geração, conversão e difusão de ideias que se subdividem em seis fases encadeadas e permite uma análise dos processos relacionados à inovação, identificando pontos fracos e desafios. O modelo ressalta questões chave e indicadores chave de desempenho e contribui para a identificação de possíveis elos fracos nesta cadeia e que, consequentemente, tornam-se gargalos do processo; isto facilita a implementação de ações de melhorias nestes pontos. Os autores defendem a adoção de ações para melhoria dos pontos fracos ao invés de reforçar os pontos fortes na cadeia. Também é importante ressaltar que o modelo apresenta inicialmente a ideia de subfases subsequentes; entretanto, que podem ocorrer concomitantemente. A difusão, neste caso, diferente da visão de Schumpeter (1988), faz parte do processo de inovação.

Fonte: Hensen e Birkinshaw (2007) Figura 1 – Cadeia de Valor da Inovação

Com relação à estratégia empresarial, existe um debate entre as abordagens “racionalista” e “incremental” para as características de inovação tecnológica. Tidd (2008) defende a abordagem incremental como sendo a mais útil pela existência de complexidade e incertezas no processo de inovação. Os principais protagonistas dessas escolas são Ansoff (1993), da escola racionalista, e Mitzberg (1998), dos incrementalistas.

A estratégia “racionalista” foi fortemente influenciada pela experiência militar, que tem como equivalente corporativo a análise SWOT: a análise de forças e fraquezas empresariais à luz de oportunidades e ameaças externas. Essa abordagem tem por objetivo auxiliar a empresa (1) a ser

DifusãoConversãoGeração de ideia

Interna

Criação dentro da empresa

“Cross-Pollination”

Colaboraçãoentre unidades

da empresa

Externa

Colaboraçãocom

parceirosexternos

Seleção

Rastreio efinanciamento

inicial

Desenvolvimento

Movimentode ideias paraos primeirosresultados

Divulgação

Disseminação por toda a

organização

DifusãoConversãoGeração de ideia

Interna

Criação dentro da empresa

“Cross-Pollination”

Colaboraçãoentre unidades

da empresa

Externa

Colaboraçãocom

parceirosexternos

Seleção

Rastreio efinanciamento

inicial

Desenvolvimento

Movimentode ideias paraos primeirosresultados

Divulgação

Disseminação por toda a

organização

Interna

Criação dentro da empresa

“Cross-Pollination”

Colaboraçãoentre unidades

da empresa

Externa

Colaboraçãocom

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Seleção

Rastreio efinanciamento

inicial

Desenvolvimento

Movimentode ideias paraos primeirosresultados

Divulgação

Disseminação por toda a

organização

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consciente de transações comerciais no cenário competitivo; (2) a preparar-se para uma mudança futura; (3) a certificar-se de que atenção suficiente é centrada no longo prazo, dadas as pressões para a concentração do dia-a-dia; (4) a garantir coerência em objetivos e ações de empresas grandes, funcionalmente especializadas e geograficamente dispersas. Entretanto, o autor ressalta que os objetivos corporativos são diferentes dos militares e também as dificuldades de realizar uma análise realista da empresa.

A estratégia “incrementalista” defende que o total conhecimento da complexidade e da mudança é impossível de ser alcançado. O conhecimento prévio permite avaliar alternativas durante o processo, revendo constantemente as decisões, de acordo com cenários. O autor ainda destaca a importância da estratégia “racionalista” para grandes empresas, mas defende como mais eficiente a “incrementalista” (TIDD, 2008, p. 136).

Os autores Sommer e Loch (2004) comparam a abordagem de selecionismo com a de aprendizagem, baseada em tentativa e erro para a gestão de projetos de inovação, partindo da premissa de que as empresas que buscam inovação em ambientes dinâmicos enfrentam uma combinação de incertezas imprevisíveis e alta complexidade.

O planejamento financeiro é inserido na cadeia antes da fase de desenvolvimento, buscando dar agilidade, evitando situações em que boas ideias fracassem pela falta de recursos. Este ponto contraria a ideia de somente se financiar projetos que apresentem uma aprovação tendo como base critérios financeiros e de curto prazo. Por outro lado, Hamel (1999) defende o modelo adotado pelas empresas do Vale do Silício que atraem venture capital para seu crescimento e critica a prática de grandes empresas que aprisionam e bloqueiam ideias e talentos pela forma burocrática de alocar recursos.

Moore (2008), com base em práticas de empresas, apresenta o processo de inovação também com três fases, comparando ao processo de desenvolvimento de um ser humano: a infância, fase em que são geradas as ideias, a adolescência, fase de aprovação da ideia e a maturidade, sendo essa o equivalente ao desenvolvimento do produto. Defende que a etapa mais complexa desse processo encontra-se na adolescência, na qual as ideias passam pelas barreiras da cultura organizacional, estrutura e aspectos burocráticos da empresa para sua aprovação e alocação de recursos para o seu efetivo desenvolvimento.

Na fase de geração de idéias, Hansen e Birkinshaw (2007) enfatizam a importância do papel da comunicação, em qualquer das 3 subfases. Dessa forma busca-se desmistificar a idéia que a inovação nasce de pessoas de forma isolada (CROSS et al, 2007). A ideia surge quando os fragmentos de insights se integram, mas na realidade eles surgem de maneira desestruturada.

Os autores defendem a ideia de se construir redes externas de relacionamento e a criação de grupos multidisciplinares tanto externos à organização como internos. Hamel (1999) mostra como modelos de participação temporária em projetos podem contribuir com a troca de conhecimento e geração de idéias. Defende a idéia de formar grupos entre funcionários que tenham afinidades previamente identificadas. Para Cross et al (2007) as inovações são criadas por meio de networks, grupo de pessoas que trabalham orquestradamente.

Para que as empresas deixem de investir sem ter retorno com inovações, é necessário que eliminem as barreiras para a inovação e facilitem que seus funcionários teçam as suas redes de relacionamento: fale com seus pares, troque ideias e colabore.

Se não houver uma integração entre as áreas técnica, de marketing, P&D, e outras envolvidas no processo de inovação, os grupos promovidos internamente irão gerar inúmeras ideias que serão avaliadas isoladamente depois de um longo processo ao invés de serem vetadas logo no início.

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Cheng (2000) defende que é necessária uma arquitetura organizacional que promova uma integração interfuncional principalmente entre as áreas de Marketing, P&D/Engenharia e Manutafura. Os resultados são percebidos nas dimensões tempo, qualidade e custo. Apresenta que a integração e coordenação entre essas áreas podem ser de três formas: arranjo funcional, matricial e força-tarefa.

Complementando a abordagem dos autores acima descritos, Veltz e Zarifian (1993) abordam modelos de organizações como sendo construídos pelos atores participantes de um contexto, a partir de conceitos e conhecimentos assumidos e incorporados. A rigidez do modelo taylorista é criticada pelo seu foco na eficiência. O novo modelo adota princípios multidisciplinares e troca de conhecimentos da empresa com o externo que satisfazem dimensões sociais e cognitivas. O taylorismo, por outro lado, parte de premissas rígidas com a determinação de estrutura, que pode limitar a dimensão cognitiva e a integração de outras fontes de conhecimentos na organização. O terceiro modelo comentado parte de uma linha do tempo não contínua, na qual há uma menor complexidade, pois se sistematizam ideias e, mesmo ocorrendo descontinuidade, existe o resgate do conhecimento para a evolução.

Para Tidd et al (2008), é necessário maior estudo sobre a inovação nas PMEs mais especialmente sobre como gerenciar os problemas específicos que elas enfrentam. O autor acredita que existe um processo de inovação genérico, mas que deve ser modificado sob diferentes contingências organizacionais, tecnológicas e de mercado.

2.2 Abordagens ou formas de inovação

O conceito de inovação apresenta diferenças entre os autores e isso também se reflete ao classificarem tipos, formas, abordagens, finalidade ou intensidade da ação. Pelo fato de ocorrer o uso genérico do termo tipo para classificações diferentes do conceito, o presente estudo adotará o termo abordagem ou forma para se referir ao objeto no qual a inovação está focada.

Tidd et al. (2008), apresentam quatro tipos de inovações: de produto, de processo, de posição e de paradigma. Barbieri et al. (2004) denomina de inovação organizacional as novidades que modificam os processos administrativos, a maneira como as decisões são tomadas, a alocação de recursos ou ações relacionadas com a gestão da organização. Já no Manual de Oslo (OCDE, 2005) também são consideradas as inovações negociais que são de natureza organizacional e tem seu foco na relação da empresa com o seu ambiente de negócio. Para Barbieri et al. (2004) e Oslo (OCDE, 2005) há zonas cinzentas entre as inovações tecnológicas e organizacionais, principalmente quando uma decorre da outra.

Para Davila et al. (2007), existem duas formas básicas de inovação: em produto ou serviço e em modelo de negócio. Os autores inserem as mudanças de processos dentro dessas duas formas básicas de inovações. É necessário atentar para a sutileza da definição quanto à forma de inovação, pois uma abordagem de inovação de produto em uma empresa pode ser inovação em processo para outra empresa, bem como inovação em modelo de negócio para uma terceira empresa. (BARBIERI, 2004)

Este estudo irá adotar para efeito de classificação das abordagens as inovações em produto, processo, marketing, organizacional e em modelo de negócio, considerando a abordagem de Davila et al (2007).

A classificação quanto ao grau da inovação pode ser incremental e radical ou de ruptura (CHRISTENSEN, 2000; GUNDLING, 2000 apud BARBIERI, 2004; KIM e MAUBORGNE, 2005; SCHUMPETER, 1982; TIDD et al, 2008).

2.3 Fontes ou gatilhos de descontinuidade

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A orientação para inovações em produto, serviços, processos ou modelos de negócios é definida por diversos fatores. O tipo de inovação, incremental, semi-radical ou radical, também é influenciado pela estrutura da empresa, investimentos e outros elementos que estimulam ou bloqueiam a inovação nas organizações. O conjunto de ações na busca pela inovação forma modelos estratégicos que são adotados e alinhados às características da empresa e do setor. Cada modelo apresenta vantagens e desvantagens que, ao serem analisadas criteriosamente, podem indicar focos que necessitam desenvolvimento para o melhor alinhamento da empresa dentro de uma das opções estratégicas.

A Gestão de Desenvolvimento de Produto (GDP) é composta por duas dimensões: a primeira voltada ao planejamento, dando origem o eixo vertical. Nesse eixo, um dos extremos caracterizaria o plano estratégico e no outro o operacional. A segunda dimensão (eixo horizontal) representaria o ciclo de desenvolvimento de produto, que se inicia com a geração de ideias chegando, no outro extremo, no lançamento de produtos (CHENG, 2000).

Cheng (2000) o processo de desenvolvimento de novos produtos se inicia quando a empresa, por necessidade ou dificuldade, solicita ajuda externa, que realiza um diagnóstico sobre a empresa solicitante para identificar se a necessidade está a nível da empresa ou de projeto de desenvolvimento.

Barbieri et al. (2004) classificam o processo de inovação em modelo linear ou linear reverso. O primeiro ocorre quando a inovação é induzida pela oferta de conhecimentos e o segundo, pelas necessidades de mercado ou problemas operacionais observados nas unidades produtivas. Apresentam ainda o modelo de terceira geração que integra as duas outras concepções.

Segundo Tidd et al. (2008, p. 53), as fontes de descontinuidades são: surgimento de novo mercado, surgimento de nova tecnologia, surgimento de novas regras políticas, situação sem perspectiva, mudança de maré no comportamento/sensibilidade de mercado, desregulamentação, fraturas ao longo de “linhas falhas”, eventos imprevistos, inovação de modelo de negócio, alterações no paradigma tecnológico-econômico e inovação de arquitetura. Além disso, existem características das empresas denominadas impulsionadores de inovação em modelo de negócios e tecnologia que são: tecnologias capacitadoras que capacitam a empresa a executar sua estratégia com maior rapidez e melhor tempo e tecnologia da informação, que torna mais fácil o intercâmbio de informações entre os participantes da cadeia de valor.

Diversas mudanças na organização que são consideradas inovadoras são avaliadas isoladamente e não como um portfólio de ações que, em conjunto, podem promover resultado exponencialmente maior do que as ações inovadoras independentes. Davila et al (2007) ressaltam a importância da análise do portfólio da inovação na empresa e defende a ideia que inovações pontuais abafam inovações maiores. Defendem que uma inovação revolucionária precisa ser seguida por uma interminável corrente de inovações sucessivas, desde incrementais até as radicais.

3. Metodologia

Em vista do objetivo da pesquisa de campo, que por sua vez, contribui para o alcance do objetivo do estudo, optou-se pela realização de um estudo correlacional, pois objetiva avaliar a relação entre dois ou mais conceitos, categorias ou variáveis (SAMPIERI, 2006, p.103). A correlação entre o conceito proposto da cadeia de inovação de valor e as start ups, gerando resultado inovador, evidencia a variável independente e dependente do estudo. A operacionalização por meio do estudo de caso (YIN, 2001) se justifica por se tratar de um fenômeno contemporâneo, inseridos dentro de um contexto real.

Foi realizado um estudo de caso da empresa Quasar com a avaliação de quais tipos e formas de inovação ela apresenta, qual o nível de integração entre elas e como tem sido a gestão dos

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processos de inovação e resultados frente ao modelo da Cadeia de Valor da Inovação. Realizou-se entrevista semi-estruturada com dois dos principais gestores (de um total de quatro sócios) da empresa Quasar e análise documental em setembro de 2009.

4. Descrição do caso

A empresa Quasar Telemedicina Ltda. desenvolveu o sistema Gliconline, que automatiza a terapia de insulinização intensiva. O controle da dosagem de insulina no controle glicêmico e seu impacto na qualidade de vida dos pacientes foram medidos em pesquisa clínica realizada no Hospital das Clínicas – Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP), na qual mais de 9 entre 10 pacientes reportaram qualidade de vida com concomitante controle glicêmico.

4.1 A empresa

A idéia original do projeto veio da experiência pessoal de dois dos cinco sócios: um deles é MD PhD em endocrinologia e portador de Diabetes tipo I e outro especialista em arquitetura de sistemas e familiar de portador da doença. Em sua atividade profissional no NEAD, o primeiro sócio adotou como padrão de atendimento aos pacientes SUS/dependentes do HC-FMUSP um método de controle de glicemia desenvolvido por ele. Este método comprovou a possibilidade de, em curto espaço de tempo, o equilíbrio e a manutenção em níveis adequados da glicemia dos pacientes, fator primordial para a prevenção das complicações agudas e principalmente das complicações crônicas em portadores de diabetes.

Identificou-se que a principal restrição à disseminação em larga escala do método era a dificuldade prática de sua utilização cotidiana. Esta envolve a contagem dos carboidratos contidos na alimentação e cálculo da insulinização necessária para manutenção de níveis adequados de glicemia do paciente, determinados pelo médico, restrição importante frente ao nível cultural da população brasileira.

A associação com o terceiro sócio, engenheiro e empresário, trouxe o conhecimento de gestão e o relacionamento nas indústrias de Tecnologia da Informação e telecomunicações para definir uma solução que permitisse a disseminação do método para o usuário potencial.

O conhecimento mútuo transpôs o método para algoritmos e aplicações de suporte à distância do controle glicêmico dos pacientes, que permitem sua aplicação por pacientes de todas as classes sócio-econômicas. No processo de concepção da solução, foram analisados os stake-holders envolvidos nesse mercado, bem como seus benefícios diretos e indiretos, possibilitando a definição de produtos e serviços voltados à melhoria da qualidade de vida do paciente portador de diabetes.

Pelo fato da doença atingir 14% da população brasileira, o mercado potencial de consumo evidenciou um cenário estratégico favorável para o desenvolvimento do negócio.

A Quasar foi encubada no Centro Incubador de Empresas Tecnológico (CIETEC) da Universidade de São Paulo em 2005 e teve o apoio da FAPESP no Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe). O aporte financeiro ao projeto foi de R$ 569.792,85.

4.2 O produto

O sistema é composto de um prontuário eletrônico de acesso via internet, restrito aos médicos cadastrados, e de um programa para uso em celulares por pacientes. O programa nos celulares recebe a prescrição médica do prontuário eletrônico e, baseado nesta, automatiza a contagem dos carboidratos e os cálculos das doses de insulina. O sistema mantém registro sistemático dos dados de seguimento do tratamento, e permite a análise e intervenção pelo médico via internet,

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automaticamente replicando no celular do paciente qualquer alteração na sua prescrição. A figura 2 detalha o funcionamento do Gliconline:

Fonte: Quasar Figura 2 – Funcionamento do sistema de controle de glicemia à distância

O projeto utiliza a Telemedicina para o Diabetes focando o público de insulino-dependentes no Brasil. O sistema Gliconline tem, além da função de controlar o nível de insulina, a função de operar como canal de mídia segmentado, para uma comunidade e registro de padrões de comportamento dessa comunidade, em uma coleta automática de dados de uso de insumos e hábitos alimentares. Este sistema possibilita a comunicação direta com seus usuários: obtém dados e se estabelece como canal de relacionamento em um mercado compulsório. Os potenciais clientes se dividem em dois grupos: (1) a indústria de serviços e insumos ao tratamento (operadores de saúde e indústria farmacêutica), focadas na aquisição e fidelização de clientes em um mercado onde os concorrentes não têm diferenciais competitivos significativos; (2) as grandes empresas, seguradoras e governos, interessados em dados que lhes permita operar com mais eficiência e eficácia.

Como mídia de relacionamento, o sistema visa a comercialização de dados agregados tanto de comportamento dos usuários quanto de uso de insumos e de mala direta. Interessados imediatos nas informações agregadas de comportamento desta população são fornecedores de insulina e insumos ao tratamento, indústria alimentícia diet e operadores de saúde. O uso do sistema

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Gliconline implica em pelo menos uma visualização diária por usuário, o que garante a exposição das mensagens.

O crescimento da base amplia os interessados, pois o potencial de fidelização e aquisição de clientes do sistema Gliconline torna-o interessante para operadoras de telefonia celular e fabricantes de aparelhos. O sistema permite a troca de mensagens e imagens digitais de patrocinadores diretamente para os celulares escolhidos na base usuária, segmentada de acordo com o interesse do patrocinador (como por exemplo, insulino-dependentes de 18 a 24 anos, sexo masculino, residentes no Nordeste brasileiro).

A principal inovação deste projeto consiste na automação, integrando celular e internet, do método de insulinoterapia intensiva, com apoio da contagem dos nutrientes e cálculo individualizado de doses de insulina. A adesão a esta terapia é pequena em função das dificuldades de realização de cálculos e consultas a tabelas de alimentos a cada refeição, e de manter registro sistemático dos carboidratos ingeridos, doses de insulinas aplicadas e glicemias. O sistema substitui o porte de tabelas, calculadoras e livros de registro pelo celular. Mantém registro de todas as informações, automatiza todos os cálculos conforme a prescrição médica, e é fácil de usar (conforme demonstra a adesão medida na pesquisa realizada com pacientes do Ambulatório Didático de Diabetes do HC–FMUSP).

O controle glicêmico é a forma não só de melhorar a qualidade de vida dos portadores de diabetes, mas também de reduzir seu custo à sociedade. O mau controle glicêmico é diretamente relacionado à frequência elevada das complicações crônicas (nefropatia, retinopatia, amputações de membros inferiores, doença arterial coronariana, acidente vascular cerebral etc.), todas com custo elevado para tratamento, com comprometimento da qualidade de vida dos pacientes e causa dos altos índices de incapacitação precoce.

O sistema está alinhado com as principais tendências do mercado de saúde para o tratamento de doenças crônicas. Em termos mundiais, a oferta se alinha na formulação de serviços a uma população crescente, criada pela longevidade e o decorrente envelhecimento da população. Pacientes crônicos longevos implicam em custos crescentes no tempo, comprometendo o balanço financeiro das operações de saúde.

O estudo randomizado e cruzado realizado no HC-FMUSP, com 20 portadores de diabetes tipo 1, demonstrou redução significativa da hemoglobina glicada (0.32 %, p< 0,05), em apenas 3 meses de uso do sistema. Com a utilização do sistema tradicional de contagem de carboidratos e correção dos níveis glicêmicos não houve mudança na hemoglobina glicada. Neste estudo, também foi demonstrada a melhora em relação à satisfação com o tratamento, em 70% dos usuários do sistema, e 94% destes apontou melhoria na qualidade de vida com seu uso.

Em pesquisa publicada pela FAPESP, foi demonstrado que 75% dos pacientes são inadequadamente tratados no país. O sistema, ao mesmo tempo em que facilita a adoção e seguimento da terapia, é uma plataforma natural de registro de dados epidemiológicos, corroborando para o controle da doença.

As principais receitas da Quasar advêm da venda de informações de consumo e da comunicação com os pacientes. O sistema preserva toda a informação de um paciente, mas permite acesso a informação agregada. A empresa elaborou sua Política de Segurança por meio de contratação de equipe especializada para definição da mesma, para implementação ao longo do desenvolvimento e inspeções periódicas pós-início das operações púbicas.

4.3 O processo de inovação e o modelo de negócio

Para que gerar melhoria na qualidade de vida do diabético foi necessária a adoção da insulina de ação imediata ao invés de insulina de ação lenta, permitindo ao diabético uma flexibilidade

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quanto a horários de refeições e tipos de alimentos a serem consumidos. Para que a utilização deste tipo de insulina se torne constante, o usuário necessita de informações precisas e disponíveis de maneira imediata e de fácil acesso. Assim, a integração entre internet e telefonia móvel complementa o produto, provendo a solução para isso.

A interrupção do aporte financeiro como esperado pelos sócios de mais de R$ 200.000,00 pela FAPESP fez com que a Quasar se movimentasse em direção ao mercado na busca de clientes ou parceiros com o objetivo de captar recursos para a finalização do desenvolvimento do produto.

Inicialmente, o modelo previa a cobrança de tarifa de utilização diretamente do usuário, mas logo se tornou claro, por meio dos primeiros testes, que isso seria um fator inibidor. Um segundo modelo previa, então, uma participação financeira das operadoras de telefonia móvel, mas, novamente, testes e rodadas de negociação evidenciaram o fracasso deste modelo. Por fim, um terceiro modelo de negócio previu como fonte de rendimentos a venda de espaço em mídia para grandes indústrias do ramo farmacêutico com interesse no segmento de portadores de diabetes. Uma vez que o usuário precisa se cadastrar no sítio do produto Gliconline, a empresa estudada passa a ser detentora de uma ampla base de dados específica sobre diabéticos. Mediante consentimento, podem oferecer essas informações, de maneira segmentada ou não (por exemplo, diabéticos do sexo masculino com mais de 40 anos de idade), para que as empresas farmacêuticas possam realizar ações de marketing no momento em que o usuário acessa o sistema para uma consulta de dosagem de insulina. Este é o modelo que está sendo praticado atualmente.

4.4 Adoção do produto e estratégias futuras

O Gliconline foi introduzido em agosto de 2009 e teve um rápido crescimento na adoção por parte dos diabéticos conforme figura 3.

Fonte: Quasar Figura 3 – Funcionamento do sistema de controle de glicemia à distância

A Quasar tem no seu planejamento três estratégias futuras que consistem em: (1) alterar o modelo de negócio com novas parcerias para captação de mais recursos para implementação de inovações incrementais no produto; (2) internacionalizar a empresa e (3) licenciar a tecnologia.

5. Resultados da Análise

Este estudo de caso relata o caso de uma empresa brasileira no setor de telemedicina, que nasceu a partir de uma inovação em produto, complementada por uma inovação no modelo de negócios, conforme os conceitos de inovação sugeridos por Davila et al (2007), Drucker (1998; 2003),

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Hesselbein et al (2002/xi apud BARBIERI, 2004), IBM (2006) e Schumpeter (1982), apresentados na revisão da literatura. Podem ser caracterizadas como inovações radicais ou de ruptura (CHRISTENSEN, 2000; GUNDLING, 2000 apud BARBIERI, 2004; KIM e MAUBORGNE, 2005; SCHUMPETER, 1982; TIDD et al, 2008). Esta inovação é apresentada pelos sócios da empresa como pioneira no mundo, o que a caracteriza como inovação mundial, segundo o Manual de Oslo (OECD, 1997).

Inicialmente, verificou-se a ocorrência de uma fonte de descontinuidade (TIDD et al, 2008) como gatilho para o surgimento de uma inovação a partir da mudança de paradigma com a utilização de insulina de ação imediata ao invés da insulina de ação lenta.

Além da inovação em produto, foi observada a inovação no modelo de negócio. Em termos de processos de inovação, a proposição de Schumpeter (1988) de três fases básicas pode ser verificada neste caso:

a) A fase de Invenção, na qual, a partir de um problema de saúde de uma das sócias e da solução encontrada por ela (utilização de insulina de ação rápida), vislumbrou-se a possibilidade de comercialização de um produto baseado nessa solução.

b) A fase de Inovação ocorre com a estruturação da empresa, a partir da atração de sócios, formando uma rede de competências (CROSS et al, 2007), construída pelos participantes desse novo contexto, trazendo e incorporando novos conceitos e conhecimentos (VELTZ e ZARIFIAN, 1993). Nesta fase, também ocorre a incubação da empresa, com a atração de venture capital (HAMMEL, 1999).

c) A fase de Difusão, com a busca da comercialização do produto Gliconline, tem ocorrido com uma abordagem incremental (MINTZBERG, 1998; TIDD et al, 2008), devido à complexidade e às incertezas de um novo produto em um mercado pouco conhecido pelos sócios da empresa.

Com referência ao modelo de Cadeia de Valor da Inovação de Hansen e Birkinshaw (2007), foram observados dois pontos importantes no processo de inovação estudado:

a) O fluxo das três etapas e das suas respectivas fases não é necessariamente um fluxo linear. Embora o artigo de Hansen e Birkinshaw (2007) não afirme explicitamente que esse fluxo deve ser linear, a apresentação do modelo sugere isso, e não há uma discussão sobre possibilidades de sobreposições ou alterações de ordem das fases. Para o caso estudado, o que corresponderia a uma fase de “seleção de ideias” e seu respectivo “pré-financiamento” se confunde com o próprio momento de decisão de se constituir a empresa e de buscar o mecanismo de incubação, praticamente se sobrepondo à fase de “geração de ideias”. Ou seja, a geração da ideia, a partir da soma de competências dos quatro sócios da empresa, já incorpora a seleção de ideia e a um mecanismo de viabilização do financiamento do desenvolvimento do produto e do serviço a ser oferecido. E, para o caso de uma empresa que se inicia apoiada em uma ideia, não há sentido em se falar em uma etapa de “difusão”. Pode-se considerar que essa disseminação ocorre também nesse momento de discussão e amadurecimento da ideia do novo produto, do modelo de negócio e de empresa a ser constituída. Assim, o caso estudado apresentou duas grandes fases sob a perspectiva de inovação: uma primeira fase que engloba a geração da ideia, a difusão dos conceitos entre os sócios para a concordância em desenvolver o produto, seu modelo de negócio e, então, constituir a empresa, estando implícita a fase de seleção e busca de pré-financiamento; uma segunda fase é a de desenvolvimento do produto e de seu modelo de negócios, com uma clara divisão de papéis entre os sócios conforme suas competências específicas, nas áreas médica, de tecnologia de informação e de negócios.

b) Outro ponto importante diz respeito à recorrência entre etapas do modelo. Este tópico também não foi explorado no artigo de Hansen e Birkinshaw (2007), mas pode-se constatar

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neste estudo que a fase de difusão pode realimentar a fase de desenvolvimento do produto, ou seja, a partir de informações e rejeições identificadas na fase de difusão, e, contando ainda com informações oriundas de eventuais integrações inter-organizacionais (CHENG, 2000), a empresa pode alterar o modelo de negócio ou do próprio produto.

Além desta análise baseada no modelo de Cadeia de Valor da Inovação, há outro ponto importante a ser analisado, com relação a incertezas e complexidades até então pouco conhecidas pelos sócios da empresa. Segundo Sommer e Loch (2004), há duas abordagens para estas situações: selecionismo, quando a empresa pode disponibilizar diferentes alternativas de um produto e/ou serviço e verificar qual a escolha feita pelo mercado ao longo do tempo, e aprendizado por tentativa e erro, que se refere a ajustes e correções não planejados que são feitos ao produto e/ou serviços à medida que novas informações e respostas do mercado vão surgindo. Para o caso estudado, em que não se dispunha de nenhum tipo de informação ex ante, verificou-se uma situação de aprendizagem por tentativa e erro, com pelo menos dois fatores importantes: a grande restrição financeira para se gerar diversas variações do produto e a agilidade da empresa para detectar, analisar e efetivar mudanças a partir dos “erros” ocorridos. Assim, o modelo de negócio sofreu uma substancial mudança, pois a ideia original previa como fontes de receita tanto o paciente quanto as operadoras de telefonia móvel. A partir das diversas dificuldades enfrentadas com esse modelo de comercialização, principalmente com relação às empresas de telefonia móvel, houve a mudança para um modelo que prevê fonte de renda na comercialização de canal de mídia para as grandes indústrias farmacêuticas e afins com interesse no segmento de diabéticos.

6. Discussão dos resultados e conclusões

As abordagens de Schumpeter (1988) e de Hansen e Birkinshaw (2007) são bastante próximas, com uma visão de processos em três grandes etapas com boa dose de equivalência, caracterizando uma visão sistêmica (LACERDA, 2001). O modelo de Hansen e Birkinshaw (2007) apresenta, porém, fases características dentro de cada etapa, o que permitiu uma análise mais detalhada. Já o modelo de Moore (2008), com as fases comparadas ao desenvolvimento humano, parece não ter tanta aderência ao caso estudado, pois praticamente não há uma fase de “adolescência” da empresa: a maturidade (desenvolvimento do produto) praticamente sucede a infância (geração de ideias).

Este caso leva a uma constatação de que o modelo da Cadeia de Valor da Inovação também pode ser aplicado a estes casos, mas as etapas verificadas não são tão claras e estruturadas. Também não há uma fronteira totalmente definida entre essas etapas, podendo haver certa sobreposição e algumas recorrências entre elas. A ênfase é na etapa de “desenvolvimento de produto”, que representa praticamente o desenvolvimento da própria empresa, o que pode levar à seguinte visão do modelo, representado na figura 4:

DifusãoConversãoGeraçãoPré-ideia

Gatilho para inovação

Rede de competências

Início da empresa a partir de uma

inovação

Incubação e desenvolvimento do

produto

Difusão com parceirose não intraempresa

Eventuais recorrências

DifusãoConversãoGeraçãoPré-ideia

Gatilho para inovação

Rede de competências

Início da empresa a partir de uma

inovação

Incubação e desenvolvimento do

produto

Difusão com parceirose não intraempresa

Eventuais recorrências

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Fonte: os autores, baseados em Hansen e Birkinshaw (2007) Figura 4 – modelo simplificado da Cadeia de Valor da Inovação

Neste modelo, adaptado do modelo de Hansen e Birkinshaw (2007), buscou-se representar a etapa de pré-ideia, onde ocorre um gatilho para a inovação e há o início de uma formação de rede de competências (CROSS et al, 2007), que será a base da futura empresa. Na fase de geração de ideias, não há uma gestão específica nem processos definidos; basicamente, há o amadurecimento de uma ideia que levará à constituição da nova empresa. Na fase de conversão, o pré-financiamento é representado pela incubação da empresa e o desenvolvimento ocorre como única atividade da empresa. Já a fase de difusão difere do proposto por Hansen e Birkinshaw (2007), pois não há uma “organização” na qual a inovação precisa ser disseminada. Ao invés disso, a opção foi a de representar uma fase de difusão entre parceiros e que, eventualmente, gera recorrências na fase de desenvolvimento do produto, a partir das interações que ocorrem nessa disseminação.

Este estudo de caso de uma empresa iniciante, com um produto e modelo de negócio inovadores, demonstra um exemplo de aplicabilidade, embora de maneira simplificada, do modelo de Cadeia de Valor da Inovação para este tipo de empresa. Porém, cabe ressaltar que este estudo apresenta a limitação de ser baseado em um único caso e não pretende ter um caráter prescritivo, mas sim exploratório, buscando também identificar novos caminhos para pesquisas sobre o tema inovação.

O desafio de crescimento desse tipo de empresa passa pelo lançamento de outros produtos e, à medida que a empresa cresce e estabiliza seus processos, esta visão dos processos de inovação e seus encadeamentos se torna cada vez mais importante. Desta maneira, a evolução da utilização de um modelo simplificado para o modelo apresentado por Hansen e Birkinshaw (2007) pode ser oferecer um apoio significativo para o crescimento estruturado da empresa.

Embora este estudo de caso tenha apresentado estes resultados, deve-se ampliar a pesquisa para confirmá-los e aprofundá-los, principalmente com relação à recorrência entre as etapas do modelo e da extensão de sua aplicabilidade. Assim, algumas sugestões para futuras pesquisas são:

ampliar este estudo sobre empresas iniciantes e seus processos de inovação, verificando a aplicabilidade, parcial ou não, do modelo de Cadeia de Valor da Inovação de Hansen e Birkinshaw (2007) e a presença de recorrência entre as etapas;

pesquisar empresas que começaram a partir de um produto inovador e já amadureceram, para verificar se os processos de inovação apresentam algum tipo de evolução em direção ao modelo de Cadeia de Valor da Inovação;

pesquisar a maneira de estimar e administrar o ciclo de aceitação e amadurecimento de um novo produto, ou seja, até que momento uma empresa iniciante deve continuar insistindo na comercialização de seu produto – muitas vezes o único produto – e quando deve desistir desse produto e buscar novas alternativas. Sob a perspectiva de aprendizagem por tentativa e erro de Sommer e Loch (2004), há um desafio de, eventualmente, tomar uma decisão de abandonar ou postergar o lançamento de um produto e há um campo para pesquisas sobre quais seriam os indicadores para este tipo de decisão;

pesquisar como a empresa amadurece e busca a criação de um portfólio de inovação (DAVILA et al, 2007), para evitar a dependência com relação a um único produto. Buscar verificar quais mudanças organizacionais surgem a partir deste amadurecimento;

por fim, sob o ponto de vista de inovação organizacional, buscar estudar se empresas start-

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ups que apresentem algum tipo de inovação organizacional conseguem preservá-las ou ampliá-las quando ocorrer um amadurecimento por meio do lançamento de novos produtos.

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1 A razão social do CIETEC foi alterada para Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia. 2 Essas são as quatro dimensões de inovação reconhecidas pelo Manual de Oslo (3ª edição), da OCDE.