Estudo Do Livre-Arbítrio

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CONSULTA SOBRE O LIVRE-ARBÍTRIO Por Rev. Alan Rennê Um amigo e irmão em Cristo me enviou o seguinte questionamento: “Vou ser direto, mas você pode ser longo, se tiver tempo. Sabendo que apenas Adão e Eva tiveram LIVRE-ARBÍTRIO (capacidade de escolher, por si mesmo, entre fazer o bem ou o mal) e, devido ao pecado, temos hoje o que chamamos de LIVRE-AGÊNCIA (capacidade de decisão que não influi em nossa salvação). Teremos na GLÓRIA o LIVRE- ARBÍTRIO novamente? Por favor, mande uma resposta com referências bíblicas”. Abordarei a questão a partir do seguinte esquema: 1) Definições; 2) O Livre-Arbítrio no Éden; e 3) Livre-Arbítrio na consumação. I - DEFINIÇÕES Este é um assunto extremamente delicado. Isso se dá, principalmente, pelos usos distintos que arminianos e calvinistas fazem do termo “livre-arbítrio”. É necessário compreender que, “a expressão ‘livre-arbítrio’ não se encontra na Bíblia, e o conceito popular que se tem dele também não”. 1) Nesse termo, os conceitos de liberdade e vontade estão envolvidos. No caso, é a afirmação de que a vontade é livre. Quando os arminianos usam o termo “liberdade”, eles estão dizendo que a vontade é livre e independente de uma causa determinadora prévia. Os calvinistas falam em liberdade, mas não querem dizer que os atos da vontade sejam desprovidos de uma causa determinadora ou que sejam frutos do acaso. O mesmo se dá com o termo “vontade” ou “arbítrio”. Charles Hodge pontua que, “a palavra vontade em si é um daqueles termos ambíguos”. 2) Quando os arminianos falam em vontade, eles se referem a um poder independente e autônomo pelo qual podemos realizar escolhas. Já os calvinistas, ao falarem da vontade, referem-se simplesmente à função de escolher ou desejar algo, “não um poder independente da anatomia da alma humana”. 3) Gostaria de fazer duas observações: Primeira, a definição de livre- arbítrio apresentada não está incorreta, ou seja, trata-se “do poder inerente de escolha com a mesma facilidade entre alternativas”. 4) no caso, entre o bem e o mal. Nossa Confissão de Fé de Westminster assim se expressa a respeito do livre-arbítrio:

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CONSULTA SOBRE O LIVRE-ARBÍTRIO Por Rev. Alan Rennê

Um amigo e irmão em Cristo me enviou o seguinte questionamento:

“Vou ser direto, mas você pode ser longo, se tiver tempo. Sabendo que

apenas Adão e Eva tiveram LIVRE-ARBÍTRIO (capacidade de escolher,

por si mesmo, entre fazer o bem ou o mal) e, devido ao pecado, temos

hoje o que chamamos de LIVRE-AGÊNCIA (capacidade de decisão que

não influi em nossa salvação). Teremos na GLÓRIA o LIVRE-

ARBÍTRIO novamente? Por favor, mande uma resposta com referências

bíblicas”.

Abordarei a questão a partir do seguinte esquema: 1) Definições; 2) O

Livre-Arbítrio no Éden; e 3) Livre-Arbítrio na consumação.

I - DEFINIÇÕES

Este é um assunto extremamente delicado. Isso se dá, principalmente, pelos

usos distintos que arminianos e calvinistas fazem do termo “livre-arbítrio”.

É necessário compreender que, “a expressão ‘livre-arbítrio’ não se encontra

na Bíblia, e o conceito popular que se tem dele também não”.

1) Nesse termo, os conceitos de liberdade e vontade estão envolvidos. No

caso, é a afirmação de que a vontade é livre. Quando os arminianos usam o

termo “liberdade”, eles estão dizendo que a vontade é livre e independente

de uma causa determinadora prévia. Os calvinistas falam em liberdade, mas

não querem dizer que os atos da vontade sejam desprovidos de uma causa

determinadora ou que sejam frutos do acaso. O mesmo se dá com o termo

“vontade” ou “arbítrio”. Charles Hodge pontua que, “a palavra vontade em

si é um daqueles termos ambíguos”.

2) Quando os arminianos falam em vontade, eles se referem a um poder

independente e autônomo pelo qual podemos realizar escolhas. Já os

calvinistas, ao falarem da vontade, referem-se simplesmente à função de

escolher ou desejar algo, “não um poder independente da anatomia da alma

humana”.

3) Gostaria de fazer duas observações: Primeira, a definição de livre-

arbítrio apresentada não está incorreta, ou seja, trata-se “do poder inerente

de escolha com a mesma facilidade entre alternativas”.

4) no caso, entre o bem e o mal. Nossa Confissão de Fé de Westminster

assim se expressa a respeito do livre-arbítrio:

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“O homem, em seu estado de inocência, tinha a liberdade e o poder de

querer e fazer aquilo que é bom e agradável a Deus, mas mudavelmente,

de sorte que pudesse decair dessa liberdade e poder”.

5) Porém, ela ainda deixa algumas verdades pontuais descobertas. Por

exemplo, ela acaba pressupondo um estado de neutralidade moral por parte

do ente que realiza a escolha. E nós sabemos que não havia no homem

neutralidade moral por ocasião da sua criação: “Viu Deus tudo quanto

fizera, e eis que era muito bom” (Gênesis 1.31a). Note, que aqui a criação

do ser humano à imagem e semelhança de Deus já tinha sido realizada.

Assim sendo, a natureza humana era boa, santa e etc. Conclui-se, portanto,

que Adão não estava imbuído de neutralidade moral. Com isso em mente, a

melhor definição de livre-arbítrio que encontro é a seguinte: É a capacidade

de realizar escolhas contrárias à inclinação moral do indivíduo. No caso de

Adão, que possuía uma natureza santa e uma inclinação para o bem, o

livre-arbítrio consistiria na capacidade dele escolher aquilo que era

diametralmente oposto à sua natureza santa e boa: o mal.

A segunda observação diz respeito ao conceito de livre-agência. Esse

conceito aponta para o homem enquanto um agente livre e responsável por

suas ações e escolhas. O Dr. Héber Carlos de Campos define “livre-

agência” como segue: “a capacidade que todos os seres racionais têm de

agir espontaneamente, sem serem coagidos de fora, a caminharem para

qualquer lado, fazendo o que querem e o que lhes agrada, sendo, contudo,

levados a fazer aquilo que combina com a natureza deles”.

6) Em outras palavras, a livre-agência é a capacidade que os seres racionais

possuem de agirem de acordo com as inclinações dominantes das almas

deles. No caso de Adão e Eva e de todos os seres humanos após a Queda,

está correto em se afirmar que possuem livre-agência.

A natureza humana se tornou corrompida, totalmente depravada,

completamente inclinada para o mal: “Viu o SENHOR que a maldade do

homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo

desígnio do seu coração” (Gênesis 6.5). A livre-agência abrange o querer,

o gostar e a predileção dos seres racionais, sempre de acordo com as

inclinações dominantes da alma humana pós-queda. Isso significa que o

querer do homem é mau, seu gosto é por aquilo que é mau, sua predileção

está na corrupção, em virtude de ser continuamente má toda a inclinação da

sua alma.

E quanto ao convertido? Teria ele o livre-arbítrio restaurado, uma vez que

ele foi salvo e capacitado a desejar o bem? Não, de forma nenhuma! O

convertido possui apenas livre-agência.

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Ele possui duas naturezas. A nova foi implantada pela ação do Espírito

Santo ao aplicar nele os benefícios do sacrifício redentivo de Jesus. “O

convertido não tem livre-arbítrio porque age segundo a sua natureza.

Quando faz o bem, age segundo o Espírito que está nele; quando faz o mal,

age segundo a carne”.

7) Paulo afirma em Gálatas 5.16: “Digo, porém: andai no Espírito e jamais

satisfareis à concupiscência da carne”.

II – O LIVRE-ARBÍTRIO DOS NOSSOS PRIMEIROS PAIS

A grande questão, para mim, está na pressuposição de que Adão e Eva

possuíam o livre-arbítrio, como “a capacidade de fazer coisas contrárias à

sua inclinação moral”.

8) Tal tem sido a posição da maioria dos teólogos reformados. Alguns

questionamentos surgem, como por exemplo: Por mais que Adão e Eva

possuíssem essa capacidade, o que os levaria a escolherem o mal, se a

inclinação dominante de suas almas era para o bem? Como alguém santo,

desconhecedor do mal, escolheria o mal, se dentro de si sua inclinação era

santa? Quando colocada sob a óptica da absoluta soberania de Deus, tenho

dificuldades em admitir que nossos primeiros pais possuíam livre-arbítrio.

Concordo plenamente com Vincent Cheung, quando ele afirma o seguinte:

A liberdade é relativa – você é livre de algo. Dizemos que o homem não

possui livre-arbítrio porque ao discutir a soberania divina e a

responsabilidade humana, lidamos com a relação metafísica entre Deus e o

homem. De forma mais específica, a questão é de que modo e qual a

extensão do controle divino exercido sobre os pensamentos e as ações dos

homens. Dessa forma, nesse contexto, quando perguntamos se o homem

dispõe de livre-arbítrio, perguntamos se o homem é livre de Deus ou do

controle de Deus em qualquer sentido. pelo fato de o ensino bíblico ser que

Deus exerce controle constante e absoluto sobre todos os pensamentos e

ações dos homens, a conclusão necessária é que o ser humano não possui

livre-arbítrio. Sua liberdade é zero em relação a Deus.

9) É inadmissível a ideia de que Adão desfrutasse de algum grau de

liberdade em relação a Deus. De fato, as faculdades de sua alma agiram

para que ele pecasse contra Deus. Sendo santo, ele escolheu tomar do fruto

da árvore do conhecimento do bem e do mal. No entanto, essa liberdade

não foi exercida de forma autônoma, livre de Deus ou do seu controle.

Concordo com a bombástica declaração de Cheung:

Também, os calvinistas frequentemente afirmam que Adão foi livre antes

da Queda. Mas novamente, eu sempre falo de liberdade com relação à

Deus, e dessa perspectiva, eu diria que Adão não teve nenhuma liberdade,

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seja qual for, nem mesmo antes da Queda. Ser “livre” para pecar é

irrelevante. A questão é se Adão era livre de Deus para escolher

permanecer no pecado – ele não era. Em adição, eu não diria que

Deus permitiu Adão cair, mas que Deus causou essa queda. Muitos

calvinistas também discordariam comigo nisso.

10) É interessante observar que, nem mesmo Deus possui livre-arbítrio,

visto que é impossível que Ele escolha fazer algo contrário à sua inclinação

moral. Pergunto: Por que Adão teria? Se afirmarmos que Adão possuía

livre-arbítrio, que seja entendido como liberdade em relação a outros seres

e coisas que não Deus. Em Efésios 1.11, o apóstolo Paulo, falando sobre a

predestinação, afirma que Deus “faz todas as coisas conforme o conselho

da sua vontade”. Registre-se que o verbo traduzido como “faz” é o

verbo energeo, de onde vêm as palavras “energizar” e “energia”, que por

sua vez é uma propriedade positiva. O ponto, é que Deus energiza todos os

acontecimentos do cosmos criado, incluindo o episódio edênico. Em Atos

dos Apóstolos encontramos o mesmo conceito, quando Paulo, fazendo uso

da letra de uma canção do grego Arato em homenagem a Zeus, assevera

acerca do verdadeiro Deus: “pois nele vivemos, e nos movemos, e

existimos” (17.28). Não existe nenhum movimento à parte de Deus. Nem

mesmo Adão possuiu tal prerrogativa. Afirmar o contrário seria ser

incoerente com a doutrina da absoluta soberania de Deus! A forma como

Mc Gregor Wright coloca a questão é interessante:

Como pode uma vontade puramente espontânea (“automovida”) começar

uma ação? Se a vontade é “neutra” e não predeterminada para agir de um

modo ou de outro, o que faz com que ela aja? Se ela parte do neutro, como

ela pode sair desse centro morto? Se é dito que a vontade é “induzida” ou

“levada” ou “influenciada” para agir, devemos insistir que essas são

meramente palavras para diferentes tipos de causação.

11) O filósofo reformado e pressuposicionalista Gordon Clark cita alguns

exemplos de passagens bíblicas que mostram, de maneira inequívoca, que

Deus exerce controle sobre a vontade dos seres humanos e predestina suas

escolhas.

12) Êxodo 34.24; 2 Samuel 17.14; 2 Crônicas 10.15 e Filipenses 2.12,13.

Muitos teólogos se sentem desconfortáveis com isso, pois veem como algo

incompatível com a sua natureza santa, o fato de Deus decretar a escolha de

Adão e Eva. Nesse ponto, apenas confessamos a doutrina da

Incompreensibilidade de Deus. Não compreendemos as razões últimas dos

decretos divinos. Não obstante, não podemos negar sua onipotência e

soberania sobre todos os eventos do cosmos. Negar a soberania divina é

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abraçar a ideia de Platão, que negava que Deus[13]era a causa primeira de

todas as coisas. Eis suas palavras:

Deus, uma vez que é bom, não poderia ser a causa de tudo, como diz a

maioria das pessoas, mas causa apenas de um pequeno número das coisas

que acontecem aos homens, e sem culpa do maior número delas. Com

efeito, os nossos bens são menos do que os males, e, se a causa dos bens a

ninguém mais se deve atribuir, dos males têm de se procurar outros

motivos, mas não o deus.

14) Temos aqui uma negação clara de Deus como a causa primeira de todas

as coisas! Deus é soberano! Como coloca Gordon Clark, “o que quer que

Ele faça é justo, por essa mesma razão, porque Ele o fez”. 15) Para encerrar

minhas considerações a respeito do suposto livre-arbítrio de Adão e Eva,

gostaria de enfatizar que em nenhum lugar a Bíblia o afirma. Ele apenas é

pressuposto, mas não é provado. Isso se dá a partir de Gênesis 2.16,17,

quando Deus ordena ao homem: “De toda árvore do jardim comerás

livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás;

porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás”. Afirma-se

que, se Deus deu essa ordem, é porque Adão tinha a capacidade de fazer o

contrário.

Acontece que não existe na passagem nenhum indicativo de que Adão

estivesse imbuído de tal capacidade. O propósito da ordem dada pelo

Senhor a Adão era torná-lo responsável pela escolha decretada na

eternidade. O fato de Deus dar essa ordem não implica dizer que Adão era

capaz de contrariá-la. Implica dizer que, ele era responsável diante de

Deus. Tal entendimento não se coaduna com a teoria do livre-arbítrio de

Adão, pois “a teoria do livre-arbítrio destrói a responsabilidade mais do que

a apoia”. 16) ou, como observa Ronald Nash: “Comportamento errático,

impulsivo e ao acaso não é livre nem responsável”.

17) III – LIVRE-ARBÍTRIO NA GLÓRIA?

O questionamento acerca da “restauração” do Livre-Arbítrio na glória está

permeado pela pressuposição de que ele existiu no Éden. Nesse ponto, não

divirjo dos demais estudiosos reformados. Todos são unânimes em afirmar

que por ocasião da consumação de todas as coisas, quando Jesus retornar, o

homem será plenamente glorificado, ou seja, todo traço de pecado e de

imperfeição será eliminado tanto da sua vida quanto da criação.

Todas as faculdades constituintes do ser humano (intelecto, vontade,

afeições) serão glorificadas. Por causa do pecado, todo o ser do homem

“está contaminado pelo pecado, inclusive sua vontade, que agora é escrava

deste maldito vício. 18) Na vida por vir a nossa liberdade será plenamente

aperfeiçoada. O Pai da Igreja, Aurélio Agostinho, bispo de Hipona, afirmou

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que estaremos no estadonon posse peccare, que significa “não posso

pecar”. Em razão da nossa glorificação final, nossa vontade não se inclinará

para aquilo que é mau e corrupto. Ela se inclinará inteira e absolutamente

para aquilo que é bom, puro, santo e reto. O apóstolo Paulo expressou sua

esperança, quando delclarou: “Pois a criação está sujeita à vaidade, não

voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que

a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade

da glória dos filhos de Deus” (Romanos 8.20,21).

As afirmações do apóstolo João, em Apocalipse reforçam esse pensamento:

“Nela, nunca jamais penetrará coisa alguma contaminada, nem o que

pratica abominação e mentira, mas somente os inscritos no livro da vida do

Cordeiro” (21.27); “Nunca mais haverá qualquer maldição. Nela, estará o

trono de Deus e do Cordeiro. Os seus servos o servirão, contemplarão a sua

face, e na sua fronte está o nome dele. “Então, já não haverá noite, nem

precisam eles de luz de candeia, nem da luz do sol, porque o Senhor Deus

brilhará sobre ele, e reinarão pelos séculos dos séculos” (22.3-5). Observe

outras passagens, como: Efésios 4.13; Judas 24; 1 João 3.2.

Com isso em mente, afirmo que, na glória, “seremos enfim totalmente

livres”. 19) mas continuaremos a possuir apenas a livre-agência. Agiremos

consoante nossa inclinação dominante. E, uma vez que nossa inclinação

será completa e totalmente para o bem, faremos apenas o bem. Esse é o

ensinamento da afirmação da Confissão de Fé de Westminster: “É no

estado de glória que a vontade do homem se torna perfeita e imutavelmente

livre para o bem só”. 20) Concluo com a essência do comentário de

Archibald Alexander Hodge sobre esse trecho da Confissão:

4. Quanto ao estado dos homens glorificados no céu, nossa Confissão

ensina que continuam, como antes, agentes livres; contudo, os restos de

suas velhas tendências morais corruptas, sendo extirpadas para sempre, e as

graciosas disposições implantadas na regeneração, sendo aperfeiçoadas, e o

homem todo, sendo conduzido à medida da estatura do varão perfeito, à

semelhança da humanidade glorificada de Cristo, permanecem para sempre

perfeitamente livres e imutavelmente dispostos à perfeita santidade. Adão

era santo e instável. Os homens não regenerados são impuros e estáveis;

isto é, são permanentes na impureza. Os homens regenerados possuem duas

tendências morais opostas, digladiando-se pelo domínio em seus corações.

São lançados entre elas, contudo a tendência graciosamente implantada

gradualmente por fim prevalece perfeitamente. Os homens glorificados são

santos e estáveis. São todos livres e, portanto, responsáveis.

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Do Livre-Arbítrio Gordon Haddon Clark

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto Revisão: Rogério Portella

Seção I. Deus dotou a vontade do homem de tal liberdade natural, que ela nem é forçada para o bem nem para o mal, nem a isso é determinada por qualquer necessidade absoluta de sua natureza.1

Ref. Tg 1:14; Dt 30:19; Jo 5:40; Mt 17:12; At 7:51; Tg 4:7.

Quando uma discussão se torna acalorada, há duas explicações possíveis: Primeira, ela pode indicar que o assunto é de grande importância. Neste livro sobre a Confissão de fé Westminster, cada capítulo até aqui foi muito importante; e o livre-arbítrio é também um assunto importante; embora não o seja tanto quanto o capítulo anterior sobre Cristo, o Mediador. Segunda, a discussão acalorada indica que os debates não foram concluídos. Quando as pessoas envolvidas negligenciam distinções essenciais e continuam a discussão além de suas possibilidades, pode-se prosseguir sem chegar a bom termo e sem conclusão. Esse é, não raro, o caso dos debates sobre o livre-arbítrio. Por esse motivo, seria sábio consultar o que exatamente a Confissão diz.

Deus dotou a vontade do homem de tal liberdade natural, que ela nem é forçada para o bem nem para o mal, nem a isso é determinada por qualquer necessidade absoluta de sua natureza. Mas o que a Confissão quer dizer com o termo “liberdade natural”? Os presbiterianos afirmam o mesmo que os romanistas ou o arminianos, ao dizer que o homem é livre? Há vários conceitos de liberdade?

Sim, existem diversos conceitos de liberdade, e alguns deles têm pouco que ver com o tópico presente. Por exemplo, dizemos hoje que os cidadãos americanos são homens livres, e que as vítimas de governos comunistas não o são. A liberdade, nesse caso, tem sentido político e econômico, mas isso não nos interessa aqui. Reinhold Niebuhr em Faith and History [Fé e história] escreve várias páginas sobre a liberdade, porém nenhuma delas toca no assunto da livre-agência.

Relacionada intimamente com o livre-arbítrio está a questão de a vontade humana ser livre ou não do intelecto. Teólogos dos tempos passados discutiram esse assunto extensivamente. Todavia, a Confissão não infere que a vontade seja livre do intelecto. Calvino, por exemplo, afirmou que “o intelecto governa a vontade”. Charles Hodge disse: “a vontade [do homem] está sujeita à razão”. Robert J. Breckenridge ensinou que nossa concepção primária da vontade inclui sua direção pela inteligência. A teologia por trás de tudo isso pode parecer um pouco intricada, mas a questão foi mencionada apenas para provar que os

1 Todas as referências da CFW foram retiradas da 17ª. edição, publicada em 2001 pela Editora Cultura Cristã.

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presbiterianos não concebem a liberdade do intelecto quando afirmam o conceito de liberdade.

O que então a Confissão quer dizer por “liberdade natural da vontade”? O restante da seção citada responde esta pergunta tão bem quanto duas linhas poderiam fazê-lo. A vontade do homem “nem é forçada para o bem nem para o mal, nem a isso é determinada por qualquer necessidade absoluta de sua natureza”. Essas palavras foram escritas para repudiar as filosofias que explicam a conduta humana em termos da lei psicoquímica. Embora os teólogos de Westminster não conhecessem o behaviorismo do século XX nem Espinosa, eles provavelmente conheciam Thomas Hobbes, e certamente conheciam as antigas teorias materialistas. A Confissão nega que a conduta do homem seja determinada por forças inanimadas. O homem não é uma máquina; seus movimentos não podem ser descritos por equações matemáticas como as movimentações dos planetas. Suas esperanças, seus planos e atividades não são controlados por condições físicas. Ele não é determinado por nenhuma necessidade absoluta da natureza.

A liberdade da vontade sempre foi uma questão de interesse e discussão vigorosa. No século seguinte à composição da Confissão, dr. Whitby, um arminiano de grande erudição, atacou a posição calvinista, argumentando a favor de um tipo diferente de livre-arbítrio. Registrou-se que o dr. Whitby parecia tão convincente que os calvinistas foram acusados de não poderem responder-lhe. Nesse contexto, John Gill, pastor batista, mencionado anteriormente, escreveu The Cause of God and Truth [A causa de Deus e da verdade]. No capítulo V da parte III de seu livro ele apresenta uma argumentação extensa sobre o assunto. Embora John Gill, em sua resposta a Whitby, tenha examinado o determinismo materialista de Thomas Hobbes, e também o chamado fatalismo dos antigos estóicos, a questão mais importante, do ponto de vista da salvação, é o uso da alegada liberdade da vontade contra o pecado. Os arminianos, sem dúvida, concordam com os calvinistas na rejeição do materialismo, mecanismo, naturalismo e behaviorismo. A diferença entre os dois tipos de teologia diz respeito à liberdade para não pecar, obedecer à lei de Deus, e agir contrariamente aos decretos divinos. O homem pode desejar obedecer aos Dez Mandamentos? Essas e outras questões relacionadas serão tratadas nas seções seguintes.

II. O homem, em seu estado de inocência, tinha a liberdade e o poder de querer e fazer aquilo que é bom e agradável a Deus, mas mudavelmente, de sorte que pudesse cair dessa liberdade e poder.

Ref. Ec 7:29; Cl 3:10; Gn 1:26; 2:16, 17 e 3:6.

III. O homem, ao cair no estado de pecado, perdeu inteiramente todo o poder de vontade quanto a qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação; de sorte que um homem natural, inteiramente avesso a esse bem e morto no pecado, é incapaz de, pelo seu próprio poder, converter-se ou mesmo preparar-se para isso.

Ref. Rm 5:6; 8:7, 8; Jo 15:5; Rm 3:9, 10, 12, 23; Ef 2:1, 5; Cl 2:13; Jo 6:44, 65; 1Co 2:14; Tt 3:3-5.

IV. Quando Deus converte um pecador e o transfere para o estado de graça, ele o liberta de sua natural escravidão ao pecado e, somente por sua graça, o habilita a querer e a fazer com toda liberdade o que é espiritualmente bom, mas isso de tal modo que, por causa da corrupção ainda existente nele, o pecador não faz o bem perfeitamente, nem deseja somente o que é bom, mas também o que é mau.

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Ref. Cl 1:13; Jo 8:34, 36; Fp 2:13; Rm 6:18, 22; Gl 5:17; Rm 7:15, 21-23; 1Jo 1:8, 10.

V. É no estado de glória que a vontade do homem se torna perfeita e imutavelmente livre para o bem só.

Ref. Ef 4:13; Jd 24; 1Jo 3:2

Pode parecer que há um hiato entre as seções I e II deste capítulo, pois nada é dito a favor ou contra a liberdade do homem e sua capacidade de agir contra os decretos de Deus. Essa lacuna aparece porque o capítulo “Dos Decretos Eternos de Deus” já respondeu definitivamente a essa questão. Não era necessário repeti-lo na Confissão. Aqui, contudo, permita-me lembrar que o fato de o homem ser livre da lei psicoquímica não implica sua liberdade do decreto de Deus. Os dois tipos de liberdade são logicamente distintos.

Além do mais, ninguém pode acusar a Confissão de ir além da Bíblia ou impor-lhe o que inexiste. A Bíblia é tão definida quanto a Confissão, mediante exemplos muito mais específicos; e nesses exemplos é nítido o controle de Deus sobre a vontade humana.

O primeiro exemplo, interessante, ainda que obscuro, é encontrado em Êxodo 34:24: “Porque lançarei fora as nações de diante de ti e alargarei o teu território; ninguém cobiçará a tua terra quando subires para comparecer na presença do SENHOR, teu Deus, três vezes no ano”. Deus ordenou que os homens de Israel comparecessem diante dele três vezes ao ano. Essa ocasião daria aos inimigos de Israel uma excelente oportunidade para atacar. Portanto, para responder à objeção não verbalizada, o Senhor imediatamente assegurou aos israelitas que os inimigos não teriam o desejo de atacá-los durante esses períodos. Como isso poderia acontecer, a menos que o Senhor controlasse a vontade dos pagãos?

No capítulo III, a passagem de 2Samuel 17:14, referente a Deus trazer o mal sobre Absalão por meio do conselho infeliz de Husai, foi usada para mostrar que Deus preordena todos os acontecimentos. Aqui, novamente, enfatizamos que ele predestina não só os acontecimentos externos e visíveis, mas também as decisões e escolhas humanas. Absalão fez sua escolha porque Deus o fez escolher esse caminho.

De modo similar, em 2Crônicas 10:15,2 Deus fez Roboão adotar um conselho mau para cumprir sua promessa a Jeroboão.

Mais conhecido que esses casos são as palavras de Paulo em Filipenses 2:12, 13: “Desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade”. Certamente nós desenvolvemos nossa salvação e desejamos fazê-lo. Mas todas essas escolhas foram determinadas por Deus que opera em nós de acordo com sua boa vontade.

Como poderia ser diferente? A menos que Deus “governe todas as criaturas, todas as ações delas e todas as coisas”, como a Confissão V.I diz, ou “todas as suas criaturas e todas as ações delas”, como diz o [Breve] Catecismo, [resposta no.] 11, ele não seria onipotente e não poderia garantir o cumprimento das profecias. O homem, de fato, possui liberdade, oposta à natureza, que não é

2 “O rei, pois, não deu ouvidos ao povo, porque isto vinha de Deus, para que o SENHOR confirmasse a palavra que tinha dito por intermédio de Aías, o silonita, a Jeroboão, filho de Nebate”.

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reconhecida pela filosofia materialista; mas os cristãos nunca deveriam apoiar essa liberdade em detrimento da onipotência e da graça de Deus.

Tendo isso bem definido, podemos voltar à relação entre a liberdade e o pecado. A seção II declara que antes da queda, Adão era dotado da liberdade e da capacidade de agradar a Deus. Essa declaração não causa por si só nenhuma dificuldade. O ponto de discordância entre romanistas, arminianos e calvinistas é a profundidade do pecado e a extensão de seus resultados. Os primeiros dois grupos não levam o pecado tão a sério quanto os calvinistas. Na seção III as diferenças são desenvolvidas particularmente com referência ao romanismo; e neste século [XX] seu contraste com o modernismo é ainda mais perceptível.

O ponto da seção II é a perda da capacidade adâmica de desejar o bem — perdida na Queda. Daquele tempo em diante o homem tornou-se incapaz de desejar “qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação”. Na verdade, um homem pode querer ser honesto, sustentar sua família, desempenhar suas muitas obrigações como cidadão, mas essas não são coisas espiritualmente boas e não têm relação nenhuma com a salvação. Além disso, o homem não pode desejar ser salvo. Ele não pode se converter nem se preparar para a conversão. A simples razão é a morte no pecado.

A seção IV descreve uma nova capacidade recebida pelo homem na conversão. Antes, porém, uma palavra deveria ser dita sobre a conversão, ou mais precisamente, sobre a regeneração. Deve-se enfatizar ininterruptamente que a regeneração não é um ato do livre-arbítrio. Qualquer tentativa de explicar o novo nascimento como ato da vontade, faria do homem o próprio salvador. Por que o Novo Testamento usaria a metáfora do nascimento, se não para excluir todo o poder de ação do nascituro? Nem precisamos descansar na inferência traçada a partir da metáfora. Em linguagem inequívoca, João 1:13 declara que os filhos de Deus não nasceram do sangue (isto é, não por herança física), nem da vontade da carne, nem da vontade do homem. Seja qual for a distinção entre a vontade da carne (impulso físico?) e a vontade do homem (desejo de se tornar filho de Deus?), a expressão é tão ampla que exclui qualquer ação da vontade humana na regeneração. Trata-se de um ato divino.

No entanto, quando Deus regenera, ressuscita e converte o pecador, ele o livra da escravidão natural do pecado. Embora essa liberdade no início não esteja completa — santificação instantânea —, todavia, Deus capacita o cristão regenerado para desejar e fazer algum bem espiritual. O domínio do pecado foi quebrado, o processo de limpeza teve início, e o convertido invariavelmente crescerá na graça.

A santificação completa, a erradicação total do pecado, espera pela glorificação. No céu nos regozijaremos por não termos livre-arbítrio — no sentido arminiano do poder da escolha contrária. No céu haverá um tipo de coisa que com certeza não desejaremos fazer: pecar.

Visto que por toda a história da igreja o debate sobre o livre-arbítrio é tão vívido e exaltado, parece sábio concluir este capítulo com uns poucos parágrafos explicativos sobre alguns mal-entendidos que prejudicam o debate.

São três as principais fontes de confusão nas discussões sobre o livre-arbítrio. Primeira, permite-se o debate sem a definição dos termos-chave; segunda, presume-me a validade de algumas implicações que são, na verdade, falaciosas; e terceira, existe (especialmente nesta discussão teológica) a tentação de

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negligenciar as declarações bíblicas e de depender da filosofia não-inspirada, do senso comum e de suposições apressadas.

Quanto ao primeiro mal-entendido, sobre a definição dos termos: a definição arminiana3 de livre-arbítrio está associada ao senso comum. A idéia é que em qualquer situação — com todos os fatores e condições levados em conta —, o homem pode, com a mesma facilidade, optar por “isto” ou por “aquilo”. Supõe-se que o ato da vontade não influencie a escolha, isto é, a vontade não é determinada. Esta idéia recebe o nome “poder da escolha contrária”, e também “liberdade de indiferença”. Esta definição arminiana tem o mérito de pelo menos ser direta. A questão é se os homens podem, ou não, querer, desejar ou escolher “isto” tão facilmente quanto “aquilo”.

Pensando sobre o enunciado acima, quase todas as pessoas chegarão à conclusão de que essa descrição superestima a liberdade humana. A civilização em que nascemos (chinesa, africana ou americana) torna o desejo de realizar algumas coisas, e não o oposto, se não impossível, pelo menos extremamente difícil. Na sociedade americana, o treinamento cristão recebido na juventude pela pessoa tornará menos fácil para ela escolher roubar em vez de ser honesta. Infeliz, e às vezes, felizmente, a educação e criação exercem um poder causativo na vontade. Estranho seria se nosso caráter habitual e todos os fatores da vida não tivessem efeito sobre nossas escolhas. Mais estranho ainda seria se a graça divina e o poder do pecado não tivessem nenhum efeito sobre nós. Se Deus não pudesse controlar a vontade humana e nos dispusesse a obedecer-lhe, estaríamos em apuros, e Deus não seria soberano. Mostrou-se anteriormente que o poder do pecado aprisiona a vontade, de forma que o homem não-regenerado não busca a Deus (Romanos 3:11), nem se sujeita às leis dele (Romanos 8:7). Parece claro, portanto, que o homem não possui livre-arbítrio no sentido de poder fazer a escolha contrária.

A segunda causa de confusão é a aceitação da validade de implicações falaciosas. Algumas pessoas pulam para a conclusão de que se a vontade não for livre, o homem não possui vontade. Para elas “sem livre-arbítrio” significa “sem vontade e escolha”. Contudo, essas implicações descasam numa lógica impossível. A questão não é se o homem tem vontade, mas se a vontade humana e as escolhas que ele faz resultam de condições anteriores, como a educação na infância, o poder do pecado e a graça de Deus. Sem dúvida desejamos e escolhemos, mas é Deus quem atua em nós de acordo com sua boa vontade.

Outra falácia comumente sustentada é: a menos que a vontade seja livre, o homem não é responsável pelo que faz. Este erro, como o precedente, contém uma lógica absurda; mas ele também depende da ignorância bíblica. A Escritura indica em várias passagens a base para a responsabilidade: não é o livre-arbítrio. Considere três textos.

Em João 15:22 lê-se: “Se eu não viera, nem lhes houvera falado, pecado não teriam; mas, agora, não têm desculpa do seu pecado”. Lucas 12:47, 48 diz: “Aquele servo, porém, que conheceu a vontade de seu senhor e não se aprontou, nem fez segundo a sua vontade será punido com muitos açoites. Aquele, porém, que não soube a vontade do seu senhor e fez coisas dignas de reprovação levará poucos açoites. Mas àquele a quem muito foi dado, muito lhe será exigido; e

3 O movimento protestante, surgido na Reforma, dividiu-se em três grupos principais: luterano, reformado (que inclui as igrejas presbiterianas) e arminiano (identificado principalmente com as igrejas metodistas).

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àquele a quem muito se confia, muito mais lhe pedirão”. Nas duas passagens, o conhecimento é a base da responsabilidade. A terceira passagem é Daniel 5:22, onde lemos: “Tu, Belsazar, que és seu filho, não humilhaste o teu coração, ainda que sabias tudo isto”. Há outras passagens, incluindo o primeiro capítulo de Romanos, mas estas são suficientes por ora.

O parágrafo anterior sobrepõe e antecipa a terceira fonte de mal-entendidos na discussão sobre a vontade. A fonte é a dependência do senso comum em vez da pesquisa das Escrituras. A Bíblia, na verdade, nunca menciona o livre-arbítrio, como certamente teria feito se o livre-arbítrio fosse tão importante quanto julgam os arminianos. A única referência ao livre-arbítrio na Bíblia são as ofertas “voluntárias”.4 Elas não têm relação com a questão considerada aqui. Ofertas voluntárias complementam as estipuladas pela lei. Após alguém ter feito todas as ofertas prescritas pela lei, essa pessoa poderia, em sinal de gratidão, oferecer algo mais. Mas isto não tem nenhuma implicação na questão da liberdade de indiferença, o “poder da escolha contrária”, o poder causativo do intelecto sobre a vontade, a influência da civilização, ou algo mais pertencente à discussão.

Está além de qualquer suspeita que a Confissão registra corretamente o conceito dos protestantes reformados. No capítulo “Da Providência” foi feita uma citação de Jerônimo Zânquio. A passagem continua da seguinte forma:

Ninguém que alega conhecer em algum grau as obras de Lutero pode negar que esta era sua doutrina, particularmente no tocante ao tratado De Servo Arbitrio [Livre-arbítrio, um escravo] [...] Entre outras coisas, ele prova: “tudo quanto o homem faz, ele o faz necessariamente, embora não com alguma compulsão sensível. Podemos realizar somente o que Deus, desde a eternidade, desejou e previu que faríamos; a vontade de Deus tem que ser eficaz e sua previsão exata” [...], adicionando: “Por meio dela, como que por um raio, o livre-arbítrio do homem é destronado e destruído”.

Por fim, repetindo o que é patente: a Bíblia ensina que o homem possui vontade, faz escolhas e é responsável por elas; nada escrito aqui contradiz esse fato.

Fonte: What Do Presbyterians Believe?, Presbyterian and Reformed Publishing Co., p. 105-12.

Sobre o autor: Gordon Haddon Clark (31/8/1902 – 9/4/1985), filósofo e teólogo calvinista americano, foi o primeiro defensor do conceito apologético pressuposicional e presidente do Departamento de Filosofia da Universidade de Butler durante 28 anos. Especialista em Filosofia Pré-socrática e Antiga, tornou-se conhecido pelo rigor na defesa do realismo platônico contra todas as formas de empirismo e pela afirmação de que toda a verdade é proposicional e pela aplicação das leis da lógica.

Para saber mais sobre esse gigante da fé cristã, acesse a seção biografias do site Monergismo.

4 Free-will offerings (inglês). Free-will significa livre-arbítrio. Portanto, no caso das versões em português, de fato não existe nenhuma ocorrência da palavra livre-arbítrio. (N. do T.)

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Livre-Arbítrio: A Salvação Depende da Escolha da Pessoa?

Rev. Ronald Hanko

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto / [email protected]

No tempo da Reforma Protestante, Martinho Lutero escreveu um livro intitulado “The Bondage of the Will” [O Cativeiro da Vontade]. Este livro foi escrito contra um homem chamado Erasmo e seus ensinos de que o homem tinha livre-arbítrio, isto é, a capacidade de escolher se seria ou não salvo. Lutero disse a Erasmo que esta questão sobre o livre-arbítrio era o assunto mais importante da Reforma. Ele disse: “Você [Erasmo] não tem me importunado com assuntos irrelevantes sobre o papado, purgatório, indulgências, e coisas semelhantes, que são mais bagatelas do que assuntos... você, e somente você, tem visto a dobradiça sobre a qual tudo gira, e têm apontado para o ponto vital”.

A despeito do que Lutero escreveu, o ensino de Erasmo com respeito ao livre-arbítrio se tornou o ensino da maioria do Protestantismo de hoje. O livre-arbítrio é:

(1) Uma negação da predestinação. Predestinação significa que a vontade de Deus (a escolha de Deus) determina todas as coisas, incluindo quem serão salvos (Efésios 1:3-6). O livre-arbítrio ensina que a escolha do homem é o fator decisivo na salvação.

(2) Uma negação da verdade bíblica da fé salvífica como um dom de Deus (Efésios 2:8-10). O livre-arbítrio ensina que fé é uma decisão da própria pessoa de confiar em Cristo.

(3) Uma negação da verdade que Cristo morreu somente por seu povo (Mateus 1:21). O livre-arbítrio ensina que Cristo morreu por todos sem exceção, e que a salvação deles depende agora da aceitação que fazem de Cristo, isto é, de uma escolha do seu próprio “livre-arbítrio”.

A crença no livre-arbítrio também é manifesta no tipo de pregação e evangelismo que é mais popular hoje, o tipo que implora para os pecadores aceitarem a Cristo, que usa a chamada ao altar, os apelos, os momentos de decisão, o levantar de mãos, e outras táticas semelhantes para persuadi-los a agirem assim. Todas estas coisas pressupõem que a salvação de uma pessoa depende da sua própria escolha.

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Cremos que a vontade do homem está cativa ao pecado e que ele não somente não pode fazer o bem, mas nem mesmo pode desejar (querer) fazê-lo (Romanos 8:7-8). Particularmente, ele não pode praticar o maior de todos os bens, ou seja, escolher a Deus e a Cristo.

Cremos, portanto, que o homem não pode crer em Cristo, a menos que isso lhe “seja dado do alto” (João 6:44).

Cremos também que não é a vontade do homem, mas sim a vontade soberana e eterna de Deus (predestinação) que é o fator decisivo na salvação (Atos 13:48; Filipenses 2:13).

Então, qual é o objetivo de pregar o evangelho? Ele é “o poder de Deus para salvação” (Romanos 1:16), a maneira na qual Deus dá fé e arrependimento a todos aqueles a quem ele escolheu desde a eternidade, e remiu em Cristo. Que este poder seja para a salvação de muitos!

Rev. Ron Hanko

Fonte (original): Traduzido com permissão da PRC [http://www.prca.org/]

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Possui o Homem Livre-Arbítrio?

James Kennedy

“Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (João 8:36)

Possui o homem livre arbítrio? Penso que a maioria das pessoas reconhece que esse é um dos temas mais profundos que jamais ocuparam as mentes dos maiores pensadores do mundo. Teólogos e filósofos, igualmente, se têm concentrado em torno desse grande enigma: é o homem, realmente, possuidor de livre arbítrio? ou é ele, meramente, um títere, impelido para lá e para cá pelas forças do acaso? Parece ser uma contradição que um Deus todo-soberano e uma criatura livre possam coexistir dentro do mesmo universo. Pode parecer que, se um homem é livre, então Deus não controla todas as coisas.

Em primeiro lugar, perguntar se o homem desfruta de livre arbítrio é dar forma imprópria à indagação. Seria mais exato falarmos em um agente livre ou em uma alma livre, porquanto a vontade do homem nunca age independentemente de todas as suas demais faculdades. A vontade do homem não é alguma espécie de giroscópio interno, que se movimente e gire como bem quiser. Antes, faz parte integral do ser humano — a alma humana.

O que é a alma de um homem? A alma do homem é o seu intelecto, as suas emoções e a sua volição, ou, de modo mais simples, a sua mente, o seu coração e a sua vontade. Por conseguinte, quando o homem resolve agir, ou quer fazer algo, o impulso inicial ocorre em sua mente. Então, porque ele possui algum conhecimento, dentro dele surge um sentimento — os afetos e apetites humanos, que fazem parte do quadro total de sua personalidade.

Esses dois fatores, pois, atuam acerca de qualquer dada questão, e dizem à vontade o que é preciso fazer. A vontade, sem exceção alguma, faz aquilo que a mente e o coração lhe dizem para fazer. A vontade do homem, portanto, nunca age de modo contrário à sua mente e ao seu coração.

O segundo problema que envolve a pergunta: “Possui o homem livre arbítrio?”, é uma questão d semântica. Exatamente, o que queremos dizer com livre arbítrio? Porventura pretendemos dizer: o homem tem a capacidade de escolher qualquer coisa que queira fazer? A resposta é: Sim, ele tem! Essa é uma inalienável contribuição de Deus à alma humana — o homem faz, sempre e somente, o que lhe agrada. O homem é um agente auto-motivador. Ele pode originar ações e escolher o que melhor lhe agradar, em qualquer dada ocasião.

O Dr. John Gerstner escreveu que é impossível forçar a vontade do homem. Possuir um livre arbítrio forçado seria contrário ao sentido da expressão. Ele ilustra isso afirmando que se ele pusesse um livro na mão de alguém, para em seguida apontar uma arma de fogo para sua têmpora e dizer: “Deseje ler este livro ou eu lhe arrebentarei os miolos!”, nem assim conseguiria

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forçar a vontade desse alguém, já que tal pessoa acabaria tomando uma decisão. A mente dessa pessoa alimentaria certos fatos à sua consciência, às emoções e aos afetos, acerca de quanto ela ama ou não a própria vida. E o mais provável seria que essa pessoa ameaçada acabaria chegando à decisão de ler o livro!

Sob outras circunstâncias, que envolvam coisas mais significativas que a mera leitura de um livro, tem havido cristãos que têm chegado a outras conclusões. Com efeito, Nero disse a milhões de cristãos: “Ou vocês renunciam a Cristo, blasfemando de Seu nome, ou haverão de desejar que alguém lhes rebente o cérebro. Vocês serão pelados, cozidos em água fervente, entregues aos leões e postos em sacas com víboras e serpentes”. Diante de tais alternativas, centenas de milhares de cristãos tomaram a sua decisão! Suas mentes forneceram-lhes determinados fatos a respeito da vida presente e da eternidade, e a maioria deles pensou que seria melhor perder esta vida e ganhar a eternidade, do que conseguir sobreviver por mais alguns anos sobre a terra e perder a vida eterna. Os seus afetos penderam em favor de Cristo Jesus, a quem amavam mais que a própria vida. A decisão deles foi: “Pois que venham os leões!” Contudo, essa foi a escolha deles! Não foi algo forçado! Sem qualquer exceção, o homem faz aquilo que lhe parece melhor, à luz dos fatos e sentimentos envolvidos.

Reitero que o homem, em cada caso, é livre para fazer o que bem lhe aprouver. Mas daí não se deve concluir, necessariamente, que o homem é livre para fazer o que deveria moralmente fazer! Ora, qual é o dever moral do homem? O homem tem o dever moral de amar a Deus, de arrepender-se dos seus pecados, de aceitar a Jesus Cristo mediante a fé. O homem tem o dever moral de amar os mandamentos divinos, de desejar levar uma vida santa, de amar a pureza, a santidade, a retidão. O homem tem o dever moral de esforçar-se quanto a todas essas coisas. E, no entanto, a Bíblia deixa claro que nenhuma pessoa é livre para fazer o que, moralmente, deveria fazer.

A Bíblia revela-nos que Deus fez o homem — Adão e Eva — conferindo-lhe o poder da escolha contrária. Também conferiu aos nossos progenitores a capacidade de fazer o que é bom, de fazer o que é nosso dever moral. E o primeiro casal deveria ter obedecido a Deus e observado o mandamento que Ele lhes dera! Note bem: eles tinham a capacidade de praticar tanto o bem quanto o mal. Assim era o homem no estado de inocência, o seu estado primitivo, antes que tivesse a experiência do mal, enquanto ainda não fizera aquela escolha fatal.

As Escrituras descrevem o segundo estado do homem como um estado pecaminoso. Por causa de seu pecado, Adão mergulhou a raça humana inteira no pecado e na morte do pecado, o que significa que todos nós nascemos dotados da natureza caída de Adão. Depois de haver despedaçado e maculado a imagem divina, Adão produziu uma progênie com a sua própria imagem decaída. Algumas pessoas acreditam que o homem nasce dotado da mesma condição primitiva de Adão. Mas isso não é verdade. Adão foi criado no estado de inocência; desde então, todos os homens nascem em pecado.

A Bíblia descreve o homem pecaminoso chamando-o de homem natural, impelido pelo desejo natural de praticar o pecado. Isso não quer dizer, entretanto, que o homem sai por aí assaltando bancos! Mas significa que tudo

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quanto o homem faz é pecaminoso. A Bíblia assevera que “até a lavoura dos ímpios é pecado”. Quando o homem sai e põe-se a trabalhar em um emprego, isso é pecado. Quando ele almoça, isso também é pecado, porquanto assim obtém forças para continuar em sua rebeldia contra Deus. Em seu estado natural pecaminoso, tanto seu coração, como suas emoções, sua mente, seus motivos, suas finalidades, seus alvos e tudo quanto há no homem é contrário ao Senhor Deus.

As coisas que o homem natural põe em prática podem ser boas em si mesmas. Talvez ele contribua com um milhão de cruzeiros para fins caritativos; e, no entanto, fá-lo por razões erradas e motivos errados — quiçá para que obtenha certa dedução sobre o seu imposto de renda, ou para que seja louvado pelos homens. Jesus disse: “... amaram mais a glória dos homens do que a glória de Deus”. Com freqüência, os homens cultivam a falsa noção de que, de alguma maneira, estão comprando para si mesmos uma propriedade imóvel no céu. Porém, ensinam-nos as Escrituras: “... os que estão na carne não podem agradar a Deus”. Por conseguinte, é impossível para o homem natural fazer coisas boas sem primeiro conhecer a Cristo, sem que antes tenha nascido do alto, por atuação do Espírito Santo, e assim se tenha tornado uma pessoa remida.

A Bíblia ensina, igualmente, que o homem natural acha-se em estado de inimizade contra Deus; que tal homem não está sujeito à lei de Deus, e nem mesmo o pode estar. A Bíblia assevera que o homem está morto em seus pecados, que o homem ama a injustiça, e não a retidão, pois está preso ao seu pecado.

A pergunta que agora se impõe é a seguinte: Goza o homem natural da liberdade de preferir praticar o bem, de escolher a Jesus Cristo, de aproximar-se de Deus? A resposta é um inequívoco “Não!”

Muitos protestantes referem-se ao homem natural como se ele tivesse a capacidade de simplesmente deixar de ser injusto e ímpio, e de começar a viver piedosamente! Mas esse é um ensino romanista, e não o que Lutero ou outros reformadores ensinaram. Um dos maiores livros de Lutero intitula-se A Escravidão da Vontade. Foi Erasmo, o racionalista, quem escreveu a respeito da liberdade da vontade humana. Lutero declarou que o homem é prisioneiro do pecado e vive controlado por suas próprias paixões e desejos, não podendo abandonar a estes a fim de praticar o bem. Experimentalmente, Lutero sabia que essa era a sua própria condição. E Jesus ensinou a mesma coisa. Disse o Senhor: “Vós éreis escravos do pecado. Doravante, porém, não vos chamo mais servos, mas tenho-vos chamado amigos”. Jesus também declarou: “Todo o que comete pecado é escravo do pecado”. É interessante observarmos que Martinho Lutero apelidou-se de Martinho Eleutério, isto é, Martinho, o Livre. Ele fora escravo do pecado, agrilhoado às suas paixões e desejos; porém, encontrou com Jesus Cristo e foi libertado.

Jesus também declarou: “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres”. E também: “... conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Os escribas e os fariseus, entretanto, não gostaram desse conceito. A reação deles foi: “Somos descendência de Abraão e jamais fomos escravos de alguém...”. Mas Jesus retrucou: “Todo o que comete pecado é escravo do

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pecado”. A iniqüidade e a injustiça controlam a vida do homem natural, e ele pratica o que aqueles lhe recomendam que faça. Mas, se o Filho de Deus libertar alguém, esse alguém verdadeiramente será livre! Consideremos o que está subentendido nessa declaração — se o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres!

Em seu estado natural, o homem é escravo do pecado. Um escravo pode pensar que lhe é dado fazer qualquer coisa que quiser, mas a verdade é que o homem sempre prefere fazer o que é torto. Ponhamos uma Bíblia e uma garrafa de bebida alcoólica diante de um alcoólatra. Esse homem tem a liberdade de fazer o que bem entender; a dificuldade é que já sabemos o que ele sempre preferirá! Convidemos um toxicômano a uma festa de heroína ou a uma reunião de oração; ele tem a liberdade de fazer o que bem entender, mas o problema está naquilo que ele vai querer fazer! Ofereçamos uma caixa de bombons de chocolate a um glutão; ele tem a liberdade de comê-los ou não — mas, é ele, realmente, livre? Não! Pelo contrário, é controlado pelo seu apetite. É um escravo, e, por conseguinte, é servo de suas próprias emoções, afetos, desejos e paixões.

E que me seja dado salientar que ele pode preferir eliminar a prática de qualquer dessas coisas; todavia, não pode preferir ser santo. Pois mesmo que viesse a livrar-se de seu álcool, de seu tóxico e de sua glutonaria, ainda assim continuaria sendo um pecador profano, incapaz de escolher a Cristo Jesus. E por que se encontram essas pessoas nessas condições? É que a mente e o coração delas estão entenebrecidos pelo pecado. Sua mente e seu coração as enganam. Acham-se em estado de inimizade contra Deus.

Por qual motivo, pois, quando o homem natural contempla a Jesus Cristo, Aquele que é inteiramente amorável, nada vê nEle capaz de atrai-lo? É que seu coração e sua mente lhe enviam a mensagem errada. E assim, prefere não arrepender-se e entregar sua vida a Jesus Cristo. Tal homem não é livre. Antes, é um escravo, e acha-se no estado de pecaminosidade.

Não obstante, quando o homem natural acolhe a Jesus Cristo em seu coração, como seu Salvador e Senhor, toma-se um indivíduo regenerado, renovado, e passa a encontrar-se no estado de graça. Daí por diante torna-se capaz de praticar o bem. E, visto que agora dispõe da graça de Deus, é capaz de obter vitórias morais em sua vida, e, finalmente, chegará a atingir o estado de glória. Nesse estado de glória, que será a condição dos remidos, lá no céu, ele terá sido selado por Deus, tornando-se capaz de praticar somente o bem.

O ensino bíblico a respeito do homem, é: Inicialmente, o homem estava no estado de inocência — capaz de fazer o bem e capaz de cair no pecado. Mais tarde, já no estado de pecado, em sua natureza caída, ele tornou-se capaz somente de pecar. O homem é incapaz de alterar a sua natureza moral, incapaz de elevar-se para chegar à santidade. Em terceiro lugar, tendo-lhe sido conferido o estado de graça, o homem pode fazer ambas as coisas. E, em quarto lugar, quando atingir o estado de glória, haverá de ser selado para praticar somente o que é bom.

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Se até hoje você não recebeu a Jesus Cristo como seu Salvador, então eu lhe exorto a examinar-se a si mesmo e a perceber seu total desamparo, sua total incapacidade de fazer algo senão aquilo que serve somente para desagradar a Deus. Que você seja capacitado, pela graça divina, a clamar ao Filho de Deus para que Ele o liberte — a fim de que você verdadeiramente seja livre!

Ansiava minha alma detida em prisão Atada ao pecado e a natura trevosa. Teus olhos, porém, foram logo um clarão: Que na cela acordei vendo-a então luminosa’ E a masmorra se abriu e liberto me vi, Que saindo das grades então O segui.

Charles Wesley

Senhor Jesus, nós Te agradecemos que tenhas libertado aqueles que em Ti confiam. Que Tu tenhas feito de nós reis e herdeiros de Teu reino. Que nos tenhas libertado da servidão ao pecado e tenhas declarado que o pecado não mais exercerá domínio sobre nós, Pai, oro em favor daqueles que continuam na servidão que os amarra, aprisiona e puxa para baixo, cada vez a um pecado mais profundo. Pai, oro para que Tu os libertes dessas algemas, e que soltes os prisioneiros. Que possam sair da servidão e de suas trevas e de seu pecado para Aquele que pode libertá-los — Cristo, o grande Emancipador do pecado.

Amém.

Fonte: Verdades que Transformam, James Kennedy, Editora Fiel, páginas 19-26.

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Anjos são Robôs? James Spurgeon

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto / [email protected]

Parte da mitologia do livre-arbítrio declara que Deus criou o homem e lhe deu um livre-arbítrio, pois Deus não queria robôs. Deus queria alguém para adorá-lo por seu próprio livre-arbítrio, sem ser simplesmente programado para fazer isso. Ele queria alguém que escolhesse adorá-lo. Dependendo da versão que você ouve desta mitologia, o motivo disto é que (1) Deus precisava disto ou (2) porque o amor não é genuíno a menos que ele seja livremente dado ou (3) até mesmo (e este é um pelo menos um pouco mais inovador, penso eu) porque Deus recebe maior glória quando as pessoas escolhem adorá-lo livremente, ao invés de serem forçadas. Tudo isto não tem sentido, certamente, e em nenhum lugar da Escritura encontramos algo sobre isso. Esse é simplesmente um argumento circular... O que dizer sobre os anjos? Eles são simples autômatos? Bonecos sobre uma corda? Robôs? Os anjos são robôs? Eles não têm um livre-arbítrio? Pense sobre isto antes de responder – especialmente se você pertencer à escola de soteriologia do livre-arbítrio. De acordo com os defensores da teologia do livre-arbítrio, o livre-arbítrio é necessário ou o homem não pode ser considerado responsável. Para analisarmos o argumento, façamos uma concessão. Embora eu possa discordar com os defensores do livre-arbítrio em como o livre-arbítrio é definido, eu lhes concederei que o homem age livre de coerção da parte de Deus e que o homem é, portanto, responsável por suas ações. Isto significa que os anjos têm livre-arbítrio também? Afinal de contas, eles também são considerados responsáveis por suas ações. Judas 1:6 (ARA)

“E a anjos, os que não guardaram o seu estado original, mas abandonaram o seu próprio domicílio, ele tem guardado sob trevas, em algemas eternas, para o juízo do grande Dia”.

Como Deus pode considerá-los responsáveis e castigá-los, se eles não se rebelaram livremente? E se eles se rebelaram livremente, isto não prova que os anjos têm livre-arbítrio? E se os anjos têm livre-arbítrio, isto não significa que todos os anjos têm livre-arbítrio, incluindo aqueles que não se rebelaram? Num tempo determinado todos os anjos fizeram uma decisão baseada no livre-arbítrio: de se rebelar juntamente com Satanás, ou permanecer como servos fiéis e leais de Jeová. Todos os anjos no céu estão ali por escolha.

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Assim, o propósito pelo qual Deus criou Adão não pode ter sido para que Deus pudesse ter uma criatura que escolhesse livremente adorá-lo. Deus já tinha isso. Não pode ter sido para que Deus pudesse ter a necessidade de um amor livre e recíproco satisfeita. Deus já tinha isso. Não, o propósito de criar o homem e permitir a queda foi magnificar a glória de Deus em sua graça. É tudo sobre Deus, e não sobre o homem.

Nota sobre o autor: James T. Spurgeon é pastor batista na cidade de Golden, no Texas (Estados Unidos). Nas suas palavras: “Não, eu não sou um descendente direto de Charles Haddon Spurgeon – não fisicamente, de forma alguma. Provavelmente tenhamos ancestrais comuns em algum lugar, muito, muito distante. Contudo, eu sou um descendente teológico dele.

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Jesus, os Fariseus e o Livre-Arbítrio

John Piper

Para muitos, hoje em dia, é intrigante que Jesus coloque tal valor nos direitos soberanos da liberdade eletiva de Deus, a ponto de falar da maneira como o faz àqueles que O rejeitam. Ele fala de maneira a impedi-los de vangloriarem-se, como se pudessem anular os propósitos últimos de Deus. Em João 10.25-26, por exemplo, Jesus respondeu aos céticos que exigiam mais e mais provas: “Já vo-lo disse, e não credes. As obras que eu faço em nome de meu Pai testificam a meu respeito. Mas vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas”. Pense nisto por um momento. Pense acerca do que significa e no fato que Jesus proferiu tais palavras a pessoas incrédulas.

Imagine-se como um fariseu ouvindo a mensagem de Jesus e dizendo a si mesmo: se Ele pensa que eu vou ser sugado para dentro desse movimento junto com coletores de impostos e pecadores, está louco. Eu tenho vontade própria e poder para determinar o meu próprio destino. Em seguida, imagine Jesus, sabendo o que se passa no seu coração e dizendo: “Você se vangloria em seu íntimo porque acha que tem o controle de sua própria vida. Você pensa que pode frustrar os planos máximos de meu ministério. Você imagina que os grandes propósitos de Deus na salvação são dependentes de sua vontade vacilante. Em verdade, em verdade eu lhe digo que a razão final pela qual você não crê é porque o Pai não o escolheu para estar entre as minhas ovelhas”. Em outras palavras, Jesus está dizendo: “O orgulho final da incredulidade é destruído pela doutrina da eleição”. Aqueles a quem Deus escolheu, Ele também os deu ao Filho; e aqueles a quem Ele deu ao Filho, o Filho também os chamou; e para aqueles que foram chamados, Ele deu sua vida; e para esses Ele deu alegria eterna na presença de sua glória. Este é o prazer do Pai.

The Pleasures of God (Os Prazeres de Deus) (Portland, Multnomah, 1991), p. 137-139.

Fonte: Revista Fé para Hoje, Editora Fiel.

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Em que Sentido a Vontade é Livre?

R. K. Mc Gregor Wright

Os arminianos querem que a vontade seja livre de interferência externa. Freqüentemente dizem que, em particular, Deus nunca atropela nosso livre-arbítrio. Essa liberdade das causas externas é suposta para salvaguardar nossa integridade e assegurar nossa responsabilidade. Mas o que se entende por isso — a vontade ser livre de causação? Muitas vezes esse problema é contornado dizendo-se que a vontade é “autocausada”. Isso não significa que a vontade cria a si própria, mas que seus movimentos de escolher o curso de uma ação sobre outro são automotivados e espontâneos. A vontade é automovida em resposta ao que a mente conhece e pode causar tanto o agir em resposta às influências ou igualmente o resistir a elas. A vontade é livre para seguir ou resistir a qualquer que seja a opção que a mente lhe apresente.

O problema mais sério aqui é que essa espécie de espontaneidade é

indistinguível do acaso. Precisamos apenas perguntar: “O que faz com que a vontade escolha um caminho e não outro?” Se ela não é causada, ela é puramente acaso. Se ela é causada para agir, então ela não é livre de causação. Não faz diferença para este argumento se a causa é interna para a personalidade ou se a afeta de fora; contudo, visto que os arminianos estão oferecendo o livre-arbítrio como uma categoria de explicação de como os seres humanos funcionam, eles são obrigados a decidir sobre o que eles querem dizer por “livre”. Se eles admitem que as ações da vontade são causadas, eles escorregam para algum tipo de determinismo, mas se eles não admitem que a vontade seja causada, eles ficam num dilema pior, que esboçaremos agora em três partes.

Em primeiro lugar, os eventos do acaso não podem ser a essência do

caráter. Quando dizemos que as pessoas possuem um “bom caráter”, queremos dizer que elas são pessoas moralmente assertivas – que elas podem ser confiáveis para fazer o que é certo, mesmo que estejam debaixo de forte influência para fazer o que é errado. Uma pessoa que age ao acaso, cujas decisões morais não podem ser distintas dos eventos meramente fortuitos, não somente possuem um “mau caráter”, não sendo confiáveis, mas de fato podem não possuir um caráter discernível. Uma personalidade totalmente ao acaso seria indistinguível de uma personalidade desintegrada ou insana. Em outras palavras, se a vontade é meramente espontânea em suas ações, caráter algum poderia ser formado.

Em segundo, a menos que as ações da vontade estejam diretamente presas

ao caráter, como podemos ser considerados responsáveis por nossas ações? Como pode uma pessoa ser considerada responsável por eventos do acaso? Se os atos da vontade não são causados de modo que eles sejam realmente manifestações do caráter, como eles podem ser minhas ações mais do que o

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resultado do tirar a sorte com uma moeda? O fato é que não podemos ser considerados responsáveis por um evento do acaso, simplesmente porque não exercemos nenhuma influência causal. Eu posso ser considerado responsável por tirar a sorte com uma moeda, visto que eu provoquei o jogar da moeda, mas eu não posso ser responsável por fazer ela cair de um lado ou de outro. Em outras palavras, a verdadeira idéia de responsabilidade depende da causação. Portanto, a teoria do livre-arbítrio destrói a responsabilidade mais do que a apóia. O caso imaginário que vem a seguir é pertinente.

Lord Bertrand Russel viveu como ateu sua vida toda desde os 14 anos de

idade, até sua morte, em 1970, aos 98. Com freqüência debateu e escreveu contra o cristianismo. Suponha que ele chegue ao juízo final com o seguinte argumento: “Agora, eu percebo que estava errado a respeito de não haver nenhum Deus, mas eu não vejo como tu podes mandar-me para o inferno. Afinal de contas, tu me criaste com um livre-arbítrio e nunca fizeste qualquer esforço para que eu evitasse agir de acordo com os seus ditames. Este livre-arbítrio tem sido sempre autônomo de qualquer causação anterior e de teu controle em particular. Embora eu tenha pensado freqüentemente que talvez fosse melhor se o meu livre-arbítrio tivesse agido de acordo com o meu intelecto, algumas vezes o fez, mas outras não. De fato, ele não parece agir segundo qualquer padrão. Porque ele é uma causa não-causada de minhas ações, ele parece fazer todas as coisas ao acaso, sendo, portanto, imprevisível. Eu não tive nenhum real controle sobre ele, visto que tu o criaste autônomo. Simplesmente eu não sou responsável pelos eventos fortuitos que eu não posso controlar ou prever. Como podes tu enviar-me para o inferno por ações surgidas de um livre-arbítrio que, pelo fato de ele ser livre, não está também sob meu controle?” Deixaremos que os arminianos encontrem a solução para esse problema.

Terceiro, a pergunta a ser enfatizada é: Como pode uma vontade

puramente espontânea (“automovida”) começar uma ação? Se a vontade é “neutra” e não predeterminada para agir de um modo ou de outro, o que faz com que ela aja? Se ela parte do neutro, como ela pode sair desse centro morto? Se é dito que a vontade é “induzida” ou “levada” ou “influenciada” para agir, devemos insistir que essas são meramente palavras para diferentes tipos de causação. Somos novamente forçados a enfrentar o problema do que realmente se quer dizer por vontade ser livre de causação. Ou ela age puramente por acaso, ou parece que não o faz de forma alguma. Isso, naturalmente, oblitera completamente a possibilidade de crescimento em santidade, que foi uma preocupação especial dos arminianos posteriores.

Há outros problemas associados com o que “influências” realmente

significa. São a persuasão moral e o argumento baseado na razão causas da ação ou da direção da vontade? Alguns evangelistas arminianos seguem Finney na crença de que a vontade pode e deve ser movida à fé em Cristo pelo uso do raciocínio e dos exemplos morais. Portanto, eles fazem uso total das evidências e usam outros argumentos apologéticos para convencer o pecador a crer,

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arranjando histórias morais e freqüentemente emocionais para induzir a vontade à fé. O livre-arbítrio é, aparentemente, ainda capaz de fazer uma escolha livre entre a crença e a incredulidade.

Mas se a vontade age porque é convencida pela razão e induzida pela

emoção ou pelo exemplo moral, como isso realmente difere de ser causada por um ato ou manipulação exterior? Se é objetado que ela ainda age livremente quando as evidências lhe são apresentadas (i.e., as persuasões não foram causais), por que as evidências e as razões são ainda necessárias? Seria melhor deixar a vontade autônoma decidir por si mesma, sem ser influenciada por qualquer argumento. De fato, parece que, mesmo o fato de apenas ao ouvirmos um argumento, seria uma ameaça explícita à nossa autonomia, à nossa neutralidade moral. Se eu sou dominado ou empurrado por um argumento, decidindo ir com a correnteza, o empurrão se torna uma causa de minha direção — o argumento causou minha escolha. O fato de que eu cooperei não faz nenhuma diferença para o fato da causação.

A Bíblia toma claro em muitas passagens que a vontade não é moralmente

neutra. Em Romanos 14.23, Paulo conclui sua explicação da razão pela qual nós sempre devemos agir de acordo com a nossa consciência declarando que “tudo aquilo que não provém da fé é pecado”. Para Paulo, todos os movimentos morais brotam do princípio da fé ou, à revelia, da carne — meros atos da natureza pecaminosa. Portanto, não pode haver tais ações moralmente neutras, incluindo os atos da vontade. Em Hebreus 11.6, é nos dito, de modo semelhante, que “sem fé é impossível agradar a Deus”, mas isto parece novamente levar à conclusão de que todos os atos humanos são ou não motivados pela fé. Jesus diz no Evangelho de João que qualquer que não crê, “já está condenado”, e que se uma pessoa continua a rejeitar Cristo, “a ira de Deus permanece [continuamente] sobre ele” (3.18,36, ênfase minha). Isto não é o mesmo que dizer que a situação do pecador é neutra até que ele decida por Cristo, mas que ela já está estabelecida — cada pessoa é justificada ou está presentemente debaixo de condenação. Como pode haver qualquer território de neutralidade moral num universo criado por um Deus justo? Mais atenção será dada a este tópico no capítulo 6 (“Depravação e Eleição”).

Fonte: Soberania Banida, R. K. Mc Gregor Wright, Cultura Cristã, pág. 51-54.

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Comentário de Lutero Sobre o Estudo de Erasmo Acerca de Textos Que Negam o “Livre-arbítrio”

Argumento 1: Gênesis 6.3 Argumento 2: Gênesis 8.21 e 6.5 Argumento 3: Isaías 40.1-2 Argumento 4: Isaías 40.6-7 Argumento 5: Jeremias 10.23 Argumento 6. Provérbios 16.1 Argumento 7. João 15.5 Argumento 8. A cooperação do homem com Deus não comprova o “livre-arbítrio” Conclusão

Finalmente chegamos ao ponto onde você trata do texto que usei para provar que o “livre-arbítrio” é falso.

Argumento 1: Gênesis 6.3: “O meu espírito não agirá para sempre no homem, pois este é carnal”.

Em primeiro lugar, você argumenta que a palavra “carnal”, neste verso, significa a fraqueza humana. Todavia, o sentido desse termo é o mesmo de 1 Coríntios 3.1-3, onde Paulo chama os coríntios de “carnais” ou “mundanos”. Paulo não está se referindo à fraqueza, mas à corrupção. No trecho citado, Moisés está se referindo a homens que se casavam movidos por mera concupiscência, os quais estavam enchendo a terra de violência, ao ponto em que o Espírito de Deus não podia mais suportá-los. Você observará que, nas Escritaras, sempre que a palavra “carne” é contrastada com a palavra “espírito”, ela significa tudo aquilo que se opõe ao Espírito de Deus. Somente quando a palavra “carne” é usada isoladamente é que se refere ao corpo físico. A vista disto, essa passagem tem o seguinte significado: “Meu Espírito, que está em Noé e em outros homens santos, repreende os ímpios através da Palavra pregada, e através de suas vidas piedosas. Porém, isso é inútil, pois os ímpios estão cegos e endurecidos pela carne; e, quanto mais são julgados, piores se tornam”. Isso sempre acontece, e é óbvio que, se os homens vão de mal a pior, mesmo quando o Espírito de Deus opera entre eles, então, são totalmente impotentes sem o Espírito. O “livre-arbítrio” não pode fazer nada além de pecar.

Em seguida, você nos informa que o texto não se refere a todos os homens, mas somente àqueles que viveram naquela época. Mas, tal interpretação não é válida, pois Cristo afirmou acerca de todos os homens: “O que é nascido da carne, é carne...” (Jo 3.6). E Jesus acabara de sublinhar a seriedade dessa condição, ao dizer: “...se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus” (Jo 3.3).

Por fim, você assevera que o texto não salienta o juízo de Deus, mas a sua misericórdia. Porém, tudo quanto você precisa fazer é ler o que vem antes e depois do texto. Não pode haver dúvida de que estas são as palavras de um Deus indignado. Portanto, esse texto se opõe ao “livre-arbítrio” e demonstra que no homem não há poder para fazer o bem, mas somente para merecer o juízo de Deus.

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Argumento 2: Gênesis 8.21: “...porque é mau o desígnio íntimo do homem, desde a sua mocidade...” Ver também Gênesis 6.5: “...era continuamente mau todo desígnio do seu [do homem] coração”.

Você procura esquivar-se do sentido evidente desse texto, ao dizer que há uma disposição para o mal na maioria das pessoas, mas que isso não lhes furta a liberdade da vontade.

No entanto, Deus fala aqui sobre todos os homens e não somente acerca da maioria deles. Desde o dilúvio Deus está dizendo que não mais trataria os homens conforme eles merecem ser tratados. Se os tratasse assim, nenhum deles seria salvo. Tanto antes quanto após o dilúvio, Deus declarou que todos os homens são maus, e não apenas alguns deles. Você parece considerar o pecado no homem como coisa de pequena importância, como se fosse algo que pudesse ser facilmente corrigido. Entretanto, essa passagem está dizendo que toda a energia da vontade humana está em praticar o mal. Por que você não examina o texto hebraico original? Moisés de fato escreveu: “E viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra, e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente” (Gn 6.5). Isso não é meramente uma tendência para o mal. Deus ensina que coisa alguma, senão a malignidade, é concebida ou imaginada pelo homem, durante toda a sua vida. No entanto, você poderia retrucar: “Nesse caso, por que Deus dá ao homem tempo para arrepender-se, se o homem não é capaz de arrepender-se?” A resposta, conforme já reiteramos antes, é que o fato de Deus nos dar mandamentos não implica nossa capacidade para obedecer. Deus nos diz qual é nosso dever, não a fim de provar que podemos observá-lo, mas a fim de humilhar-nos, até que admitamos nossa incapacidade!

Argumento 3: Isaías 40.1-2: “Consolai, consolai o meu povo, diz o vosso Deus. Falai ao coração de Jerusalém, bradai-lhe que já é findo o tempo da sua milícia, que a sua iniqüidade está perdoada e que já recebeu em dobro da mão do Senhor por todos os seus pecados”.

Esta passagem significa que o perdão de Deus é dado àqueles que são totalmente incapazes de obtê-lo ou merecê-lo em qualquer sentido. Você, entretanto, discorda disso. Insiste que o que está em pauta é a vingança de Deus contra os nossos pecados, e não a sua graça. Contudo, quando voltamo-nos para o Novo Testamento, descobrimos que esse trecho fala sobre o perdão do pecado, proclamado pelo evangelho! Analisemos o texto.

Suponho que a palavra “consolo” não signifique a execução do julgamento de Deus! Em seguida o texto diz:

“Falai ao coração de Jerusalém...” Isso significa: Dizei a Jerusalém palavras de amor doces e gentis. Além disso, as palavras “...tempo da sua milícia” referem-se ao terrível peso da luta para se merecer o perdão, através da obediência à lei (At 15.7-10). Esse tempo havia chegado ao fim por causa do perdão gratuito de Deus. Aquele povo já havia recebido “em dobro”, da mão do Senhor, o que quer dizer que receberam tanto a remissão dos pecados quanto o livramento da terrível carga imposta pela lei. Por isso se lê que o perdão envolvia “todos os seus pecados”, o que dá a entender que aquele povo caracterizava-se pelo pecado e nada mais que o pecado. Acrescente-se a isso que a graça

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não é a recompensa pelas tentativas do “livre-arbítrio”. A graça divina é concedida apesar do pecado e de tudo quanto ele merece.

Argumento 4: Isaías 40.6-7: “Uma voz diz: Clama; e alguém pergunta: Que hei de clamar? Toda a carne é erva, e toda a sua glória como a flor da erva; seca-se a erva, e caem as flores, soprando nelas o hálito do SENHOR. Na verdade o povo é erva”.

Você diz que a palavra “hálito”, nesse trecho bíblico, indica a ira de Deus, e que a palavra “carne” indica a fraqueza do homem que não dispõe de qualquer poder contra Deus. Mas, será que a ira de Deus não teria outra coisa para atacar, senão a infeliz debilidade humana? Ou, pelo contrário, o homem não deveria ser fortalecido?

Depois disso, você afirma que as palavras “flor da erva” significam a glória que se deriva da prosperidade quanto às coisas materiais. Mas, é impossível que tal interpretação esteja correta. Os judeus gloriavam-se de seu templo, circuncisão e holocaustos. Os gregos gloriavam-se em sua sabedoria. Portanto, o que é disperso pelo sopro do Espírito de Deus é a assim chamada “justiça pelas obras”, bem como a sabedoria humana. Isso é confirmado pela alusão que Isaías faz a “toda a carne”. Somente algumas pessoas gloriam-se na prosperidade material, mas todos os homens, mui naturalmente, jactam-se de seus feitos e de sua sabedoria.

A essa altura, é importante darmos atenção ao trecho de João 3.6: “O que é nascido da carne, é carne; e o que é nascido do Espírito, é espírito”. Esse texto mostra-nos, claramente, que tudo aquilo que não nasceu do Espírito de Deus é carne. Isso não quer dizer que somente uma porção, ou mesmo uma grande porção do homem natural consiste em carne. E certamente também não significa que a porção mais excelente do homem seja a sua carne. Antes, significa claramente que todos os homens destituídos do Espírito de Deus são “carne”, e, por conseguinte, estão sujeitos ao julgamento de Deus.

Você pensa que isso não é verdade. Acredito que existem alguns homens que prefeririam morrer mil vezes, a praticarem um ato vil, ainda que fosse às ocultas e que Deus os viesse a perdoar. O fato é que você continua olhando somente para atos externos. Você precisa olhar para o coração humano. Mesmo que tais pessoas existissem, elas estariam operando para a sua própria glória, visto que, à parte do Espírito Santo, não teriam qualquer desejo de glorificar a Deus com as suas ações.

Você também indaga se tudo quanto é chamado “carne”, necessariamente precisa ser considerado ímpio. E eu respondo: Sim. Um homem é ímpio se ele está sem o Espírito de Deus. As Escrituras ensinam que o Espírito é dado com a finalidade de justificar o ímpio. Jesus disse que quem nasceu da carne não pode ver o reino de Deus. Não existe um estágio intermediário entre o reino de Deus e o reino de Satanás. Se alguém não faz parte do reino de Deus, certamente faz parte do reino de Satanás.

Em seguida, você pergunta: “Como posso ensinar que o homem não é nada, além de carne, mesmo quando é nascido do Espírito?” Onde você sonhou com tal coisa? Eu estabeleço uma clara distinção entre “carne” e “Espírito”. O homem que não nasceu do Espírito, é carne. A pessoa que nasceu do Espírito, é espírito – exceto apenas por aqueles elementos da natureza carnal que ainda restaram para perturbá-la.

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Argumento 5: Jeremias 10.23: “Eu sei, ó Senhor, que não cabe ao homem determinar o seu caminho, nem ao que caminha o dirigir os seus passos”.

Uma vez mais, você distorce o claro sentido do texto. Você afirma que essas palavras significam que Deus, e não o homem, é o causador de acontecimentos que têm um final feliz, e que isto nada tem a ver com a idéia do “livre-arbítrio”. Mas, porventura, as palavras de Jeremias precisam de qualquer explicação? É óbvio que Jeremias simplesmente quis dizer que a obstinação do povo, ao rejeitar a Palavra de Deus, o havia convencido de que o homem por força própria, é incapaz de praticar o que é direito.

Porém, mesmo supondo que a sua idéia esteja correta. Que benefício procede dela? Pois, se um homem não pode fazer os meros eventos naturais terminarem de modo feliz, como poderia fazer qualquer coisa proveitosa no que concerne ao seu destino espiritual?

Você ainda argumenta que muitas pessoas reconhecem a sua necessidade da graça de Deus para viverem corretamente, afirmando que elas buscam essa graça orando diariamente pela ajuda divina, e que, ao assim fazerem, estão lançando mão do esforço humano. Mas, nem por isso você está comprovando o poder do “livre-arbítrio”. Pois quem solicitará a ajuda do Senhor, senão aqueles em quem habita o Espírito Santo? Aquele que ora, assim o faz pelo Espírito de Deus (Rm 8.26-27).

Argumento 6: Provérbios 16.1: “O coração do homem pode fazer planos, mas a resposta certa dos lábios vem do SENHOR”.

Você pretende que essa declaração também faça alusão apenas aos acontecimentos comuns da vida. E uma vez mais retruco que mesmo que você estivesse com a razão, isso tornaria ainda mais difícil para nós podermos decidir, por nós mesmos, nosso destino espiritual. E o fato que tudo quanto acontecerá no futuro está decidido por Deus, deveria produzir dentro em nós o temor do Senhor.

Você vincula essa passagem a outros dois trechos extraídos do livro de Provérbios. Provérbios 16.4: “O SENHOR fez todas as cousas para determinados fins, e até o perverso para o dia da calamidade”. Você faz bem ao salientar que tais palavras significam que Deus nunca criou qualquer criatura má. Bravo! Eu nunca disse que Ele fez tal coisa!

Provérbios 21.1: “Como ribeiros de águas, assim é o coração do rei na mão do SENHOR; este, segundo o seu querer, o inclina”. Você comenta que a palavra “inclina” não significa “compele”. E também, diz que o rei inclina-se para o mal pela permissão divina, a qual deixa o rei dar vazão às suas paixões. Porém, não importa se você entende isso como sendo a permissão de Deus, ou a inclinação efetuada por Ele; continua sendo verdade que nada acontece fora da vontade e da operação de Deus. O texto refere-se a apenas um homem – o rei. O que é verdade acerca do rei, é verdade acerca de todos os demais homens.

Argumento 7: João 15.5: “Eu sou a videira, vós os ramos. Quem permanece em mim, e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer”.

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Esse foi o texto, acerca do qual eu disse que ninguém seria capaz de fugir, porém você se aproveita da palavra “nada”, para destruir seu significado. Você declara que “nada” significa nada “perfeitamente”, a fim de que o texto sagrado diga: “...porque sem mim nada podeis fazer perfeitamente”. A questão, porém, não é se esse texto pode significar isso, mas se ele realmente significa tal coisa. De acordo com a sua explicação, sem Cristo podemos fazer “um pouco, mesmo que imperfeitamente”. Desse modo, suponho que quando João 1.3 diz: “...sem ele nada do que foi feito se fez”, isto significa: “...sem ele, foi feito um pouco, mesmo que imperfeitamente”. Quanta ignorância! É extremamente perigoso manusear assim as Escrituras. Não é essa a maneira de chegar à consciência dos homens. Fique, portanto, claro que, nesse trecho, “nada” significa “nada”.

Sob o domínio de Satanás, a vontade do homem nem mais é livre, nem tem domínio próprio; antes, é escrava do pecado e de Satanás, só podendo desejar o que seu príncipe lhe determina. Você ignora o que se lê em seguida nesse trecho: “Se alguém não permanecer em mim, será lançado fora à semelhança do ramo, e secará; e o apanham, lançam no fogo e o queimam” (Jo 15.6). O homem, fora de Jesus Cristo, é totalmente inaceitável diante de Deus, e seu destino é ser lançado no fogo eterno.

Não posso compreender por que você também cita 1 Coríntios 13.2 em apoio à sua posição. “Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé ao ponto de transportar montes, se não tiver amor, nada serei”. Se alguém está destituído do amor, sinceramente, ele nada representa diante de Deus, porquanto esse amor é um dom da graça. A questão, enfim, resume-se no seguinte: “nada” significa nada, e nada é capaz de alterar isso! À parte da graça, o homem nada pode fazer. O “livre-arbítrio” nada pode fazer e nada é.

Argumento 8: A cooperação do homem com Deus no comprova o “livre-arbítrio”.

Você se utiliza de um bom número de ilustrações que descrevem a cooperação do homem com as operações divinas. Por exemplo: “o agricultor faz a colheita, mas é Deus que a dá”. E óbvio que tenho plena consciência da cooperação do homem com Deus, mas isso nada prova a respeito do “livre-arbítrio”. Deus é onipotente. Ele exerce total controle sobre tudo quanto Ele mesmo criou. E isso inclui os ímpios, os quais, à semelhança daqueles a quem Deus justificou e transportou para o seu reino, cooperam com Deus neste mundo. Todos os homens precisam seguir e obedecer aquilo que Deus intenciona que eles façam.

O homem em nada contribuiu para a sua própria criação. E, uma vez criado, o homem não faz qualquer contribuição para permanecer dentro da criação de Deus. Tanto a sua criação como a sua contínua existência são inteira responsabilidade do soberano poder e bondade de Deus, que nos criou e preserva sem qualquer ajuda nossa.

Antes de ser renovado, para fazer parte da nova criação do reino do Espírito, o homem em nada contribui para preparar-se para essa nova criação e reino. Por semelhante modo, quando ele é recriado, em coisa alguma contribui para ser conservado nesse reino. Somente o Espírito de Deus tanto nos regenera quanto nos preserva, sem qualquer ajuda de nossa parte. E como Tiago diz: “Pois, segundo o seu querer, ele nos gerou pela palavra da verdade, para que fôssemos como que primícias das suas criaturas” (Tg 1.18). Tiago está falando a respeito da nova criação. Não obstante, Deus não nos

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regenera sem que tenhamos consciência do que está sucedendo, porque Ele nos recria e preserva precisamente com esse propósito: que venhamos a cooperar com Ele.

E o que é atribuído ao “livre-arbítrio” em tudo isso? Que resta para o “livre-arbítrio”? Nada! Absolutamente nada!

Conclusão

Nesta controvérsia, não quero gerar mais calor do que luz. Porém, se cheguei a argumentar demasiadamente forte, reconheço a minha falta; se é que houve falta. Mas, não! Tenho a certeza de que o testemunho desta minha conduta é levado ao mundo em defesa da causa de Deus. Que Deus confirme este testemunho no Último Dia! Quem poderia sentir-se mais feliz do que eu? – aprovado pelo testemunho de outros, de haver defendido a causa da verdade, sem preguiça, nem enganosamente, mas com vigor suficiente e de sobra!

Se pareci por demais áspero contra você, Erasmo, peço-lhe que me perdoe. Não agi assim movido por má vontade, mas a minha única preocupação era que, devido à importância do seu nome, você estivesse danificando a causa de Cristo. E quem pode governar sempre a sua pena, especialmente na ocasião de demonstrar zelo? Você mesmo, freqüentemente, lança dardos inflamados contra mim. Mas essas coisas não pesam realmente no debate, e nós, que participamos dele, devemos perdoar-nos mutuamente por causa dessas coisas; somos apenas homens, e nada existe em nós que não faça parte das características da humanidade. Que o Senhor, a quem pertence esta causa, abra os seus olhos e o ajude a glorificá-Lo. Amém.

Extraído de Nascido Escravo, Martinho Lutero. Editora Fiel, 1984 (versão condensada do original, A Escravidão da Vontade, 1525).