ESTUDO INTERNACIONAL SOBRE AS SITUAÇÕES GERENCIAIS...

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1 ESTUDO INTERNACIONAL SOBRE AS SITUAÇÕES GERENCIAIS EM PROJETOS Daniel Leroy, responsável científico, Université François Rabelais de Tours (France) ([email protected]); Bruno Urli, Université du Québec à Rimouski (Québec, Canada) ([email protected]); Seydou Sane, Université Gaston Berger de Saint- Louis (Sénégal) ([email protected]); Antonio Cesar Amaru Maximiano, Université Sao Paulo (Brésil) ([email protected]); Khalid Benzakour, Institut Supérieur du Génie Appliqué (Maroc) ([email protected]) 1 INTRODUÇÃO No período 2011-2012, a equipe internacional que assina este relatório conduziu uma pesquisa nos cinco países de seus integrantes. A pesquisa foi feita por meio de questionários, preenchidos presencialmente ou online. Aos 832 respondentes se solicitou que indicassem em quais situações gerenciais se envolviam, de uma lista de 22. Todas as situações foram avaliadas pelos respondentes por meio de dimensões qualitativas, segundo sua percepção: ineditismo, imprevisibilidade, risco ou desafio (enjeu), domínio (non maîtrise), urgência, aprendizagem proporcionada e avaliação externa. Essas dimensões foram avaliadas por meio de uma escala de 1 a 4 pontos. Por exemplo, o respondente informou ter se envolvido com a situação coordenação de reunião estratégica e avaliou até que ponto essa situação, para ele, era inédita, imprevisível, oferecia risco ou desafio, era manejável, urgente, proporcionava aprendizagem e era avaliada por outras pessoas, de fora do projeto. Isso foi feito com todas as 22 situações gerenciais. Neste trabalho, são apresentados alguns resultados dessa pesquisa, que foi patrocinada pela Agence Universitaire de la Francophonie (AUF). O primeiro relatório tem 183 páginas e foi apresentado no Colóquio Internacional Gerenciamento por Projetos: o fator humano, realizado em Tours, França, no dia 7 de dezembro de 2012. OBJETIVOS A pesquisa teve como objetivos: Identificar e caracterizar as situações gerenciais vividas por pessoas alocadas temporariamente a projetos. Identificar e analisar a influência das variáveis moderadoras (explicadas adiante) sobre a experiência com as situações gerenciais. Analisar a influência da cultura nacional de países pouco estudados na literatura anglo-saxônica. Analisar as situações mais propensas a criar problemas e produzir stress nos atores-projetos. Identificar e analisar situações, combinações de situações, dimensões qualitativas e variáveis moderadoras que favorecem a aprendizagem gerencial e a maturação gerencial. 1 Participaram como assistentes de pesquisa: KAMA, Joseph Gniaka, doutorando na VALLOREM, Université de Tours e Université Gaston Berger de Saint-Louis du Sénégal e VIGNIKIN, K. Aristide, doutorando na VALLOREM, Université de Tours.

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ESTUDO INTERNACIONAL SOBRE AS SITUAÇÕES GERENCIAIS EM PROJETOS

Daniel Leroy, responsável científico, Université François Rabelais de Tours (France)

([email protected]); Bruno Urli, Université du Québec à Rimouski (Québec,

Canada) ([email protected]); Seydou Sane, Université Gaston Berger de Saint-

Louis (Sénégal) ([email protected]); Antonio Cesar Amaru Maximiano,

Université Sao Paulo (Brésil) ([email protected]); Khalid Benzakour, Institut Supérieur

du Génie Appliqué (Maroc) ([email protected]) 1

INTRODUÇÃO

No período 2011-2012, a equipe internacional que assina este relatório conduziu uma pesquisa nos cinco países de seus integrantes. A pesquisa foi feita por meio de questionários, preenchidos presencialmente ou online. Aos 832 respondentes se solicitou que indicassem em quais situações gerenciais se envolviam, de uma lista de 22. Todas as situações foram avaliadas pelos respondentes por meio de dimensões qualitativas, segundo sua percepção: ineditismo, imprevisibilidade, risco ou desafio (enjeu), domínio (non maîtrise), urgência, aprendizagem proporcionada e avaliação externa. Essas dimensões foram avaliadas por meio de uma escala de 1 a 4 pontos. Por exemplo, o respondente informou ter se envolvido com a situação coordenação de reunião estratégica e avaliou até que ponto essa situação, para ele, era inédita, imprevisível, oferecia risco ou desafio, era manejável, urgente, proporcionava aprendizagem e era avaliada por outras pessoas, de fora do projeto. Isso foi feito com todas as 22 situações gerenciais.

Neste trabalho, são apresentados alguns resultados dessa pesquisa, que foi patrocinada pela Agence Universitaire de la Francophonie (AUF). O primeiro relatório tem 183 páginas e foi apresentado no Colóquio Internacional Gerenciamento por Projetos: o fator humano, realizado em Tours, França, no dia 7 de dezembro de 2012.

OBJETIVOS

A pesquisa teve como objetivos:

Identificar e caracterizar as situações gerenciais vividas por pessoas alocadas temporariamente a projetos.

Identificar e analisar a influência das variáveis moderadoras (explicadas adiante) sobre a experiência com as situações gerenciais.

Analisar a influência da cultura nacional de países pouco estudados na literatura anglo-saxônica.

Analisar as situações mais propensas a criar problemas e produzir stress nos atores-projetos.

Identificar e analisar situações, combinações de situações, dimensões qualitativas e variáveis moderadoras que favorecem a aprendizagem gerencial e a maturação gerencial.

1 Participaram como assistentes de pesquisa: KAMA, Joseph Gniaka, doutorando na VALLOREM, Université de Tours e Université Gaston Berger de Saint-Louis du Sénégal e VIGNIKIN, K. Aristide, doutorando na VALLOREM, Université de Tours.

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Propor um esquema sólido para o desenvolvimento de um modelo de gestão do stress e da gestão da aprendizagem no contexto dos projetos, compreendendo aspectos da cultura nacional e do nível de desenvolvimento econômico.

Elaborar proposições para auxiliar o coaching dos atores-projetos.

Finalmente, propor um esquema global para melhorar a gestão dos recursos humanos que trabalham no contexto dos projetos.

A equipe assinala o caráter essencialmente exploratório da pesquisa nesta etapa. É por essa razão que foram apresentados os primeiros resultados para engajar um diálogo e o intercâmbio com colegas especialistas nessa área do conhecimento, que estiveram presentes no colóquio de Tours

SITUAÇÕES GERENCIAIS E AVALIAÇÃO QUALITATIVA

A originalidade da pesquisa repousa sobre a utilização do conceito de situações gerenciais, desenvolvido dentro da literatura francesa de gestão. Segundo Girin (1990), “uma situação de gestão, ou situação gerencial, se apresenta quando os participantes estão reunidos e devem completar, dentro de um período determinado, uma ação coletiva que conduz a um resultado submetido a julgamento externo”. O projeto de pesquisa, tomando por base essa ideia, preservou os componentes da definição de situação:

Situação coletiva.

Quadro espacial e duração determinada.

Expectativa de resultado.

Avaliação externa.

As situações gerenciais específicas estudadas nesta pesquisa nasceram de um trabalho conduzido por Leroy (2006, 2008, 2009). Usando a técnica dos diários com atores-projetos, participantes de programas de treinamento, Leroy identificou um conjunto de situações que são vivenciadas por atores-projetos – participantes de equipes de projetos, com ou sem posição de chefia (Figura 1).

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Figura 1 – Situações gerenciais vividas por participantes de equipes de projetos

As situações gerenciais são vividas de diferentes maneiras pelos atores-projetos, em função de sua maturidade, nível de formação e outras características pessoais. Qual o efeito dessas características sobre a forma como as situações são vividas? Essa pergunta é respondida por meio da análise qualitativa das situações.

O ponto de partida da reflexão sobre a avaliação qualitativa foi o questionamento sobre a noção de maturidade gerencial e seu aumento à medida em que há imersão significativa em atividades de projetos. Certas práticas de gestão de RH em projetos parecem sugerir que é isso o que ocorre em grandes empresas (EDF-GDF, por exemplo), que colocam seus jovens de alto potencial em posições de responsabilidade em projetos, para que eles amadureçam como gerentes. A questão aqui é como detectar e melhorar o que alguns autores chamam competência social e compreensão das especificidades do projeto e adesão a seus objetivos (Garel, 2003).

Considerando as sugestões de Girin (1990), de Dewey (1993), de Midler (1996), bem como, de forma geral, os aportes das ciências cognitivas a respeito da aprendizagem, optou-se por uma abordagem multicritérios de sete dimensões, para avaliar qualitativamente as situações (Figura 2).

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Figura 2 – Dimensões para a avaliação qualitativa das situações

TRABALHO DE CAMPO

Um questionário foi construído com as situações e as dimensões de avaliação qualitativa, além de variáveis moderadoras:

1. Dados sobre os respondentes – país, idade, sexo, nível de formação geral, função ocupada, tempo de experiência na função ocupada, grau de formação em gestão de projetos, experiência em projetos internos e/ou externos.

2. Organizações em que trabalham os respondentes: efetivo da empresa, efetivo no restante do mundo, estatuto (público/privado).

3. Projetos realizados pelos respondentes: natureza do projeto, tamanho das equipes, número de projetos em andamento, fase do projeto.

O questionário foi colocado no site survey monkey, com uma amostra mínima pretendida de 100 respondentes em cada um dos cinco países participantes. Uma amostra efetiva de 823 respondentes foi alcançada, produzindo 15.000 situações gerenciais, ou seja, 18 situações por respondente, em média.

RESULTADOS

1. Respondentes

Os participantes do Marrocos responderam por mais de 50% dos questionários preenchidos. O Brasil esteve bem representado, em segundo lugar, com 14% da participação (Figura 3).

Em todos os países, a maioria dos respondentes está na faixa de 26 a 34 anos (42% ou 307 pessoas). Em segundo lugar, estão 267 pessoas na faixa de 35 a

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49 anos (36%). Em terceiro, 84 pessoas na faixa de 20 a 26 anos (11%). Finalmente, 75 pessoas com mais de 51 anos (10%) completaram a amostra. A amostra do Brasil acompanhou essa tendência. O Marrocos é o país com a amostra mais jovem – 51% ou 212 pessoas na faixa de 26 a 34 anos.

Participaram menos mulheres que homens, mas, elas mais jovens que eles.

Em sua maioria, nos cinco países, os participantes têm nível de formação equivalente a mestrado ou MBA (BAC + 4 a BAC + 6 no sistema francês de ensino).

Os engenheiros ou encarregados de área técnica (chargé de mission/d’affaire) respondem por 35% da amostra global; em segundo lugar (16%) estão os responsáveis por produtos, serviços ou vendas; em terceiro (15%), estão os ocupantes de cargos de direção de serviços técnicos. Na amostra brasileira, os consultores (21 pessoas) formam a maioria.

Na amostra global, a maioria dos respondentes não tem nenhuma formação em administração de projetos. Quando se analisam os dados em cada país, verifica-se que na França o nível de formação é o mais alto: 75% dos franceses têm o equivalente ao nível de mestrado em projetos.

Na amostra global, a maioria dos respondentes trabalha em empresas que têm de 20 a 250 funcionários.

Na amostra global, a maioria dos respondentes trabalha em projetos de organização/administração (20%), novos produtos e serviços (18%) e P&D (10%).

Figura 3 – Participação dos países nas respostas

A maioria dos respondentes trabalha em equipes de pequeno porte – de 5 até 15 participantes.

Na amostra global, a maioria (65%) trabalha em apenas um projeto. No Brasil, a maioria da amostra está alocada em dois a cinco projetos simultaneamente. Na França, a totalidade da amostra trabalha em apenas um projeto de cada vez.

2. Envolvimento dos respondentes com as situações gerenciais

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A Figura 4 mostra as situações gerenciais em que se envolvem os integrantes da amostra global. A situação mais frequente é a prestação de contas ou reporting (situação 9); a menos frequente é a defesa de um projeto, provavelmente porque os projetos gerenciados são, em sua maioria, internos. Na amostra brasileira, as situações mais frequentes são: tomar decisões com base em informações imperfeitas ou insuficientes, animação/coordenação de colaboradores transversais e avaliação de colaboradores.

1. Tomar decisões com base em informações imperfeitas ou insuficientes, assumindo riscos

745

2. Coordenação ou liderança de colaboradores em estruturas transversais, sobre os quais não se tem autoridade, seja hierárquica ou técnica

767

3. Avaliação do desempenho de um colaborador, no quadro de sua participação no projeto

698

4. Motivação ou animação de um colaborador ou uma equipe 762

5. Desligamento ou dispensa de um colaborador, em função de seu desempenho no projeto

357

6. Negociação com atores de dentro da organização 761

7. Negociação com atores externos, como clientes ou fornecedores 726

8. Comunicação interna e externa 804

9. REPORTING – Prestação de contas e apresentação de relatórios para o cliente, a administração superior, o gerente do projeto, os comitês de controle etc.

815

10. Criatividade (ou incentivar a criatividade de um grupo, brainstorming etc.) 700

11. Coordenação de reunião estratégica (explicar objetivos, finalidades e justificativas das decisões do projeto...)

734

12. Coordenação de reunião informativa (descendente, ascendente, lateral) 715

13. Coordenação de reunião participativa (produção coletiva) 734

14. Estruturação de ação coletiva (plano de gerenciamento, plano de ações, WBS etc.)

681

15. Organização ou priorização do tempo (planejamento, gerenciamento de agendas, gerenciamento do stress...)

700

16. Gerenciamento de conflitos 702

17. Gerenciamento de crises ou problemas imprevistos 665

18. Questionamento da ordem (para esclarecer incertezas ou o problema a resolver, os objetivos do projeto, as necessidades a serem atendidas, além das expectativas apresentadas pelo cliente)

661

19. Defesa de um projeto “bottom up” (uma idéia que nasce fora da administração superior e da estratégia formal)

354

20. Delegação (receber ou delegar uma tarefa ou missão) 676

21. Auto-avaliação (fazer-se avaliar, avaliar seu próprio trabalho) 644

22. CAPITALISATION – Administração do conhecimento produzido pelo projeto, para benefício de outras pessoas além da equipe do projeto

675

Figura 4 – Envolvimento com situações gerenciais

3. Tratamento dos dados

Os dados produzidos pelos questionários foram tratados de quatro maneiras principais:

1. As situações foram analisadas individualmente, país por país, em relação a cada dimensão qualitativa. Assim, é possível saber, em cada país, até que ponto cada situação do quadro acima é inédita, imprevisível, arriscada etc., numa escala de quatro pontos.

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2. s situações foram analisadas em sua totalidade, para todos os países, em relação a cada dimensão qualitativa. Assim, é possível saber, em todos os países, até que ponto as situações, em seu todo, são inéditas, imprevisíveis, arriscadas etc.

3. As situações foram analisadas, em sua totalidade, país por país, em relação a cada dimensão qualitativa. Assim, é possível saber, em cada país, até que ponto as situações, em seu todo, são inéditas, imprevisíveis, arriscadas, etc.

4. As situações e sua avaliação qualitativa foram correlacionadas com as variáveis moderadoras. Assim, a análise focalizou, por exemplo, a aprendizagem de acordo com a idade, experiência etc.

Alguns dos dados obtidos são os seguintes:

Dimensão da novidade da situação – As situações, em sua maioria, para os brasileiros, numa escala de quatro pontos, são familiares (39% das respostas) ou bastante familiares (41% das respostas). O desligamento de um colaborador aparece como inédita ou relativamente inédita, assim como a avaliação de colaborador, a defesa de um projeto, a criatividade e a tomada de decisões com base em situações imperfeitas. Na amostra global, as situações são familiares em 37% das respostas e bastante familiares em 38% das respostas. A dimensão da novidade tem a média 1,83 na escala de quatro pontos, no caso do Brasil. A média mais alta da amostra global é a da França: 2,70.

Dimensão da imprevisibilidade – Na amostra global, 40% de todas as situações recebem o grau bastante previsível; 20% são avaliadas como altamente previsível (provoquée par vous = situação desencadeada pelo respondente, sobre a qual ele tem controle). No caso brasileiro, 67% das respostas indicam situações altamente ou bastante previsíveis. Na França, a porcentagem é 69% para as mesmas avaliações. O Senegal é o país em que a previsibilidade é maior: 86% de todas as situações caem nesses dois pontos. No entanto, a média da previsibilidade é mais alta no Marrocos: 2,22 na escala de quatro pontos. Questionamento da ordem, administração de crises e conflitos, criatividade, tomada de decisões com base em informações imperfeitas, com alto grau de imprevisibilidade, negociação e desligamento de colaboradores são as situações mais imprevisíveis no caso brasileiro.

Dimensão do grau de desafio (enjeu) – O conceito de enjeu (aposta ou o que está em risco, literalmente), nesta pesquisa, indica o grau de importância do resultado da situação para o projeto ou para as situações seguintes. Na amostra global, 40% de todas as situações recebem a avaliação mais alta na dimensão do grau de desafio; na avaliação imediatamente inferior, a porcentagem chega a 29% de todas as situações. Todas as situações, no caso brasileiro, oferecem algum grau de desafio. Comunicação interna/externa é a situação apontada como desafio pelo maior número de respondentes brasileiros (77), seguida de gestão de reunião estratégica (75) e gestão de conflitos (66). Considerando-se a totalidade das situações, 48% das situações no Brasil têm a avaliação mais alta nessa dimensão. O Senegal é o país em que ocorre a maior porcentagem de situações com avaliação mais alta nessa dimensão: 64%. É também o país com a média mais alta na escala de quatro pontos: 3,52.

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Dimensão domínio da situação – A dimensão do domínio da situação indica até que ponto o ator-projeto está preparado ou aparelhado, em termos de conhecimentos, habilidades e apoio, para enfrentar as situações. Na amostra global, os respondentes indicaram que estão relativamente preparados (relativement outillé) para enfrentar 42% das situações e bem preparados (bien outillé) para enfrentar 29% das situações. Os brasileiros julgam-se bem preparados e relativamente preparados para enfrentar a maioria das situações. Nas situações desligamento de um colaborador (23 + 31 respostas), estruturação da ação coletiva (18 + 16 respostas), gestão de reunião estratégica (16 + 14 respostas) e criatividade (6 + 39 respostas), os brasileiros julgam-se, respectivamente bastante ou relativamente despreparados. Consideradas todas as situações, os brasileiros consideram-se bem preparados e relativamente preparados para 71% das situações. Essa porcentagem é 93% no Senegal, 68% no Marrocos, 70% no Canadá e 69% na França. No Brasil, a média de 2,20, na escala de quatro pontos, é a mais alta dos cinco países. (No questionário francês, esta dimensão foi chamada non maitrise de la situation, o que indica despreparo do respondente para enfrentar a situação; o conceito foi invertido no caso brasileiro.)

Dimensão da urgência da situação – Consideradas todas as situações, na amostra global, 38% são urgentes e 30% pouco urgentes. No caso brasileiro, 42% de todas as situações são urgentes. Em termos específicos, todas as situações são avaliadas com graus muito urgente e urgente pelos brasileiros, destacando-se: gestão de crises e situações imprevistas (62 + 38 respostas, respectivamente), comunicação interna/externa (47 + 41 respostas), gestão de conflitos (52 + 39 respostas) e gestão de reunião estratégica (34 + 54 respostas). O Brasil é o país em que a urgência é mais alta: a média é 2,90 na escala de quatro pontos.

Dimensão da aprendizagem – Consideradas todas as situações, na amostra global, 67% classificam-se como de potencial relativo e alto potencial de aprendizagem (relativement appris + beaucoup appris). No caso brasileiro, todas as situações oferecem potencial de aprendizagem nos graus elevado e relativo, destacando-se gestão de crises e imprevistos (65 + 15 respostas, respectivamente), gestão de conhecimentos (52 + 24 respostas), gestão de reunião estratégica (52 + 26 respostas), gestão de conflitos (54 + 20 respostas) e negociação externa (51 + 28 respostas). O Senegal é o país em que as situações têm maior potencial de aprendizagem (50%), seguido pela França (39%). Na escala de quatro pontos, o Senegal tem a média mais alta: 3,31.

Dimensão do grau de avaliação externa da situação – Esta dimensão mede o grau de expectativa externa em relação ao desempenho do projeto. Na amostra global, 32% de todas as situações receberam a nota mais alta na escala de quatro pontos, significando intensidade mais alta de avaliação externa (fortement attendu); 33% de todas as situações receberam a avaliação intensidade relativa (relativement attendu). Todas as situações, na amostra brasileira, são avaliadas por instâncias que estão fora do âmbito do projeto. Nos graus de avaliação com elevada intensidade (fortement attendu) e intensidade relativa (relativement attendu), destacam-se as seguintes situações: reporting (65 + 26 respostas); gestão de crises e imprevistos (58 + 25 respostas) e coordenação de reunião estratégica (55 + 27 respostas). Na França, os números são 75 + 28 respostas para reporting; as demais situações são todas avaliadas externamente no grau de elevada intensidade. O país em

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que a avaliação externa é mais intensa é o Senegal: 3,13 na escala de quatro pontos.

4. Associações

As duas associações comentadas neste resumo ocorrem entre as situações gerenciais e (1) a aprendizagem, ou processo de aquisição de conhecimentos e habilidades proporcionada pela situação e (2) complexidade.

4.1. Aprendizagem

As diferenças nas médias de aprendizagem são significativas segundo o nível de formação. Aprendem mais os que não têm ou que dispõem de pouca formação num extremo e, no outro, aprendem mais os que estão em processo de formação num mestrado em gerenciamento de projetos. Os respondem com formação média, curiosamente, declararam ter aprendido menos com as situações que viveram.

Ocupantes de cinco tipos de funções reconheceram ter se beneficiado de aprendizagem importante, bem superior à média. Previsivelmente, é o caso dos profissionais da gestão de projetos, tais como os gerentes de projetos, os encarregados de negócios e os especialistas em gestão de projetos (integrantes de equipes). Mas, os integrantes da função de recursos humanos alcançaram a média mais importante (3,15), apesar de seu pequeno número (apenas 11 respondentes). As médias calculadas para os participantes das áreas de logística, suprimentos e manutenção, assim como para os especialistas de P&D e estudos técnicos são notáveis.

Aprende-se mais com os projetos externos que com os internos.

Aprende-se mais nas PME do que nas grandes corporações (embora a diferença não seja estatisticamente significativa).

Os projetos de capacitação de pessoas (formação) produzem mais situações com grande potencial de aprendizagem, seguidos pelos projetos de sistemas de informação. Todos os projetos com entregáveis físicos (infraestrutura, engenharia civil e engenharia industrial) oferecem grande potencial de aprendizagem.

Aprende-se mais nos projetos com equipes pequenas, com não mais que quatro pessoas. Acima disso, não há conclusão confiável.

Aprende-se mais na faixa de trabalho com cinco até nove projetos simultaneamente. Acima disso, a aprendizagem diminui.

Ao contrário do que dizem diversos trabalhos anteriores, não parece haver distinção entre as fases do projeto no que diz respeito à aprendizagem gerencial que proporcionam. O valor é um pouco mais alto na fase de término, provavelmente por causa do processo de tratamento do conhecimento no final do projeto.

É o contexto organizacional que cria a pressão para a aprendizagem. O ator-projeto fará o esforço de aprendizagem da situação gerencial que está vivendo na medida em que (1) a avaliação externa é intensa, (2) o desafio é considerado importante para a organização e (3) a resolução da situação é urgente.

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4.2. Complexidade

Neste estudo, o conceito de complexidade é interpretado por meio de três dimensões combinadas:

A dimensão «novidade», que indica a situação para a qual há pouca ou nenhuma rotina organizacional para lidar com ela e ninguém ou poucas pessoas capazes de lidar com ela.

Trajetória de um sistema complexo, correspondente a situações nas quais não se pode planejar os meios e recursos para enfrentá-las

A dimensão «domínio («non maîtrise»)», significando que o respondente estima que não dispõe suficientemente de aliados, ferramentas, métodos e apoios para dominar («maîtriser») a situação.

A complexidade é percebida de maneira homogênea no Marrocos, no Brasil e no

Canadá. Na França, a complexidade é maior; no Senegal, menor (Figura 5). A análise

da complexidade vem em seguida.

Figura 5 – Média da complexidade nos cinco países

A complexidade é função decrescente da idade. Os mais maduros percebem menos complexidade nas situações gerenciais dos projetos.

As mulheres percebem um pouco mais de complexidade que os homens nas situações gerenciais de projetos.

Não há correlação entre o nível de educação e a percepção da complexidade. No entanto, o grau de complexidade percebida é uma função crescente do grau de formação em gestão de projetos. Essa constatação corresponde à teoria da aprendizagem segundo a qual os que « sabem que não sabem » tentam passar para o nível dos que « sabem que sabem ».

Os profissionais da administração de projetos (especialistas, membros de equipes, gerentes) percebem a complexidade das situações vividas como sendo menor do que para os atores ocasionalmente alocados em projetos, e que trabalham em funções permanentes, como logística, compras, manutenção etc.

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A partir de 5-10 anos de experiência, a percepção de complexidade diminui de maneira sensível.

A experiência com projetos externos faz diminuir a percepção de complexidade, que se mantém significativamente elevada para aqueles que viveram apenas projetos internos – ou seja, nos quais o cliente e o fornecedor do proejto fazem parte da mesma entidade jurídica.

A percepção de complexidade aumenta com o tamanho da empresa, já que aumentam as interações e grau de formalidade da gestão. O ambiente organizacional parece desempenhar papel importante no grau de complexidade da situação.

As situações monoprojeto são percebidas como significativamente mais complexas do que as situações multiprojeto.

A percepção de complexidade diminui conforme o projeto avança.

As situações mais complexas são:

- gestão de crises e imprevistos.

- gestão de conflitos.

- tomada de decisão em situações de informação insuficiente.

- desligamento de colaborador.

- questionamento da ordem.

5. Situações mais problemáticas

Finalmente, a pesquisa procurou identificar as situações gerenciais mais problemáticas, por meio de seis dimensões (Figura 6). Emergiram três situações na amostra global, com as contagens mais altas nessas dimensões: desligamento de colaborador, gestão de conflitos e gestão de crises e imprevistos. Note-se a coincidência com as situações mais complexas.

CONCLUSÕES

O estudo internacional sobre situações gerenciais, aqui relatado de forma muito sucinta, pode ser caracterizado, em primeiro lugar, como teste bem sucedido de um conceito original. Estudar a gestão de projetos por meio das situações gerenciais é

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uma inovação na pesquisa, que complementa os modelos tradicionais, orientados para os processos gerenciais de planejamento, organização etc. As situações gerenciais personalizam a administração de projetos, transformando-a em ações e decisões associadas a pessoas alocadas a equipes de projetos, gerentes ou não, que as vivenciam segundo suas características pessoais e variáveis organizacionais, como a natureza do projeto, o tamanho da equipe e o tamanho da empresa. As respostas obtidas pelos questionários permitem concluir que os integrantes de equipes de projetos, independentemente da posição que ocupam, envolvem-se efetivamente em responsabilidades gerenciais, que percebem de diferentes maneiras. A primeira conclusão, desse modo, é a própria ideia de situações gerenciais como forma de interpretar de maneira diferente da tradicional o processo de gestão e o papel das pessoas nas equipes de projetos. A segunda conclusão importante é a variação nos modos como as pessoas vivenciam as situações. As dimensões de avaliação qualitativa capturam essas variações, revelando como as variáveis moderadoras atuam sobre esse processo.

Em terceiro lugar, o caráter internacional da pesquisa mostra as diferenças de contexto e seus impactos sobre as respostas. Essa perspectiva também é uma forma de complementar e enriquecer os modelos convencionais, que dão pouca atenção às questões culturais. Aqui também, os dados demográficos e as dimensões de avaliação qualitativa permitem entender como as situações variam de um país para outro, em função de variáveis locais, como, por exemplo, a quantidade de projetos gerenciados, que impacta a urgência com que as situações devem ser enfrentadas.

Quarto, os resultados escolhidos para constar deste resumo mostram ainda como as pessoas aprendem. Essa informação é valiosa para profissionais da educação em gerenciamento de projetos, assim como para formadores de recursos humanos em empresas e líderes de equipes de projetos, que tenham orientação para o desenvolvimento das competências de seus colaboradores. As constatações sobre aprendizagem indicam que áreas a formação de pessoas deve enfatizar.

Quinto, o estudo, em seus componentes aqui relatados, confirma que a ideia de complexidade, em parte, é subjetiva. A complexidade, pelo menos em alguns casos, está nos olhos do observador. É função de sua idade, maturidade e nível de treinamento, entre outras características pessoais. A complexidade varia com essas características e diminui com a aprendizagem.

Finalmente, sendo os integrantes da equipe deste estudo todos eles professores universitários, que conviveram durante dois anos e experimentaram, nesse processo, as situações gerenciais que estavam pesquisando, puderam extrair diversas lições. Destacam-se entre elas a própria aprendizagem da convivência num contexto de cultura diversificada, a construção coletiva e progressiva de um corpo de conhecimentos e técnicas, a gestão do esforço que produziu o resultado e, acima de tudo, a aquisição de novos conceitos e ferramentas que beneficia a formação de recursos humanos em diversos níveis: graduação, pós-graduação e especialização. Os programas desses cursos, nos cinco países envolvidos, têm incorporado essas ideias, renovando os modelos convencionais de estudar a gestão de projetos.

REFERÊNCIAS

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GAREL, G. (2003) Le management de projet. Paris: Editions La Découverte.

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GIRIN, J. (1990), L’analyse empirique des situations de* gestion: éléments de théorie et de méthode, in Martinet A.-C. (éd.), Epistémologies et Sciences de Gestion. Paris: Economica.

LEROY, D. (2006) Le recours à des structures temporaires de type projet est-il un vecteur de maturité managériale? Une approche par les situations managériales. XVII° Congrès annuel de l’Association francophone de Gestion des Ressources Humaines, Reims.

LEROY, D. (2008) Les projets, une école de management? Congrès francophone du management de projet, AFITEP. Paris: octobre.

LEROY, D. (2009) Gestão comportamental no gerenciamento de projetos, 9° Seminário Internacional de Gerenciamento de Projetos, Project Management Institute. São Paulo: octobre.

MIDLER, C. (1996) Développement de la logique projet, crises et mutations des fonctions techniques, in ECOSIP (éd.), Cohérence, pertinence et évaluation. Paris: Economica.