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Estudo sobre a coesão sequencial: os operadores argumentativos e sua abordagem didática em sala de aula

PEREIRA, Marli Fabichacki1 CORBARI, Alcione Tereza2

RESUMO: Este artigo, resultado do estudo do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) – 2012/2013 –, constitui-se em um instrumento de conclusão do processo do educador PDE. Tal estudo, embasado principalmente por pesquisadores da área da Linguística Textual, dando ênfase às contribuições de Koch (2003, 2004, 2009), enfoca a leitura e analisa a contribuição dos operadores argumentativos na construção do texto, visto que, por meio da análise dos enunciados marcados por esses elementos, é possível perceber o posicionamento do autor do texto, suas intenções e objetivos, e, portanto os efeitos de sentido pretendidos para o texto. A implementação da proposta didática na escola envolveu a reflexão de tais recursos em diversos gêneros textuais. Para tanto, selecionou-se os operadores em alguns gêneros textuais com o objetivo de verificar como essas marcas linguísticas contribuem para a construção do(s) sentido(s) e orientam a argumentatividade dos enunciados, como também sua importância para a construção dos possíveis sentidos de um texto. Considera-se que a abordagem didática desses conectivos, por meio da disciplina de Português, torna-se imprescindível, em atividades de leitura, análise linguística e produção textual, pois proporciona ao estudante ampliar sua capacidade/habilidade linguística-discursivas em atividades de uso da língua, tornando-o leitor mais competente e com possibilidades de tornar-se produtor de textos que ainda não domina.

. PALAVRAS-CHAVE: Coesão textual. Operadores argumentativos. Leitura. Análise

linguística.

1 Professora de Língua Portuguesa do Quadro Próprio do Magistério - SEED, lotada no Colégio Estadual

José de Alencar- EFMN, participante do curso referente ao Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE – 2012. 2 Professora Orientadora (UNIOESTE – campus de Cascavel). Doutora em Letras e Linguísticas pela Universidade Federal da Bahia.

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Introdução

A elaboração do presente artigo é o resultado de pesquisas realizadas no

Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE, oferecido pelo Governo do Estado

do Paraná e coordenado pela equipe da Secretaria de Estado da Educação (SEED).

Mais especificamente, trata-se do trabalho final apresentado como um dos requisitos

do Programa.

Dentre os objetivos estabelecidos para este texto, destacam-se: apresentar

alguns pressupostos teóricos sobre coesão textual sequencial, realizada por conexão;

refletir sobre a prática didática, que envolveu exercícios de leitura e análise linguística,

considerando os efeitos de sentido dos operadores argumentativos descritos por Koch

(2009) em diversos textos, visando a contribuir com a formação de leitores críticos e

conscientes das possibilidades da língua no que tange à coesão sequencial.

Vale ressaltar que o interesse em promover uma análise didática desses

elementos linguísticos é essencial na atividade de leitura, principalmente no ensino

fundamental, pois se acredita que essa prática possibilita aos alunos desenvolver

atividades com e na linguagem, além de privilegiar o processo de aquisição e

aprimoramento da linguagem. Parte-se do pressuposto que esta retrata um fenômeno

social, pois nasce da necessidade de interação entre os homens. O círculo de Bakhtin

defende que a linguagem está no processo de interação que a palavra significa, o ato

de fala é de natureza social (PARANÁ, 2008).

O homem, em seu meio, aprimora suas aptidões linguísticas, tendo em vista as

interações que estabelece. A tal processo, conforme Koch (2009), sempre subjaz uma

ideologia, a qual orienta as marcas que são postas na superfície linguística. A autora

salienta, ainda, que a língua é organizada pelo falante no intuito de agir sobre o

interlocutor. Assim, a linguagem traz, em seu interior, as marcas de argumentatividade

e relações ideológicas que são reveladas, em maior ou menor grau, em todos os

textos. Dentre os elementos linguísticos que deixam ver no texto tais efeitos, citam-se

os operadores argumentativos (KOCH, 2009), foco deste trabalho.

Cabe à escola trabalhar sistematicamente com tais marcas de forma a tornar o

aluno um leitor capaz de perceber as intenções dos autores de textos, por um lado, e

um produtor consciente das possibilidades da língua a que pode recorrer para garantir

que seus objetivos sejam alcançados, por outro.

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Assim, a proposta didática, cujo enfoque esteve centrado na coesão seqüencial

e no aprimoramento da competência linguística do aluno, possibilitam ao educando

uma inserção social mais produtiva, já que este poderá formular seu próprio discurso

para interferir no espaço em que está inserido, bem com ler criticamente o discurso do

outro.

Alguns apontamentos sobre a coesão textual

A coesão textual, conforme Koch (2009), refere-se ao modo como os elementos

linguísticos interagem gerando sequências correntes e direcionam os sentidos do texto.

Koch (2004, p.16) cita que “a cada ocorrência de um recurso coesivo no texto,

denominam ‘laço’, ’elo coesivo’”. Também esclarece que a coesão é recomendada e se

torna mecanismo de manifestação superficial da coerência. Ou seja, a coesão auxilia

na coerência, mesmo que não se manifeste explicitamente através de marcas

linguísticas.

Segundo Koch,

O conceito de coesão textual diz respeito a todos os processos de sequencialização que asseguram (ou tornam recuperável) uma ligação linguística significativa entre os elementos que ocorrem na superfície textual (KOCH, 2004, p. 18).

De acordo com a autora a coesão não constitui condição necessária e nem

suficiente para que um texto seja um texto, ou um produto de uma atividade discursiva.

Porém, em alguns gêneros, o uso de elementos coesivos torna o texto mais legível,

além de explicar os tipos de relações estabelecidas entre os elementos linguísticos que

compõem o discurso escrito/oral.

Koch (2004) propõe a existência de duas grandes modalidades de coesão: a

coesão referencial (referenciação, remissão) e a coesão sequencial (sequenciação).

Esta última é foco deste trabalho, e passa a ser abordada na próxima seção.

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Coesão Sequencial

Koch e Elias (2006, p. 151) diz que “chama-se sequenciação textual aos

diversos tipos de atividades realizadas pelo produtor para fazer o texto progredir,

mantendo o fio discursivo”. Conforme Fávero (1997), a coesão sequencial está

relacionada aos mecanismos empregados no texto para que ele possa progredir.

Dessa forma, o conceito de coesão sequencial diz respeito a todos os processos de

sequencialização que asseguram uma ligação significativa entre os elementos que

ocorrem na superfície do texto, principalmente em textos científicos, didáticos,

expositivos e opinativos.

Koch (2004, p. 53) subdivide a coesão sequencial em sequenciação parafrástica

e sequenciação frástica e apresenta os mecanismos que constituem fatores de coesão

textual, entre os quais se enquadra o encadeamento, que constitui um poderoso

recurso de sequenciação textual. O encadeamento ou entrelaçamento se subdivide em

justaposição e conexão.

Para Koch e Elias (2010), no primeiro caso, estabelece-se relações semânticas

sem a presença de conectivos. Já a conexão, foco de interesse deste trabalho, é

realizada por conectores interfrásticos, que, dependendo do tipo de relação que

estabelecem, podem ser do tipo lógico ou discursivo. De sua parte, Fávero (1997)

apresenta a sequenciação temporal e a sequenciação por conexão, sendo esta

estabelecida por operadores do tipo lógico, operadores do tipo discursivo e por pausas.

Dessas categorias apresentadas pelas autoras são considerados os operadores do tipo

discursivos, também denominados de operadores argumentativos (KOCH, 2006).

Um aspecto considerado importante sobre o estudo da coesão sequencial

refere-se ao enfoque dos operadores argumentativos em relação aos efeitos de

sentidos, tendo por foco o exercício da leitura. Trata-se de uma atividade de suma

importância e vem ao encontro da necessidade do aluno compreender que um texto é

uma unidade linguística com propriedades estruturais específicas (KOCH, 2004). Logo,

a presença de operadores argumentativos no texto introduz instruções de sentidos e

podem assumir papel relevante na eficácia do discurso.

Portanto, o trabalho com atividades de análise linguística dos operadores é

fundamental na formação do educando para torná-lo leitor consciente sobre o papel da

coesão na construção de sentidos(s).

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Operadores argumentativos

Os operadores argumentativos estão entre os mecanismos responsáveis pela

argumentatividade de um texto. Koch (2009) faz referência a Oswald Ducrot, criador da

Semântica Argumentativa, e usa o termo ‘operadores argumentativos’ para definir

certos elementos da gramática de uma língua, que têm como função mostrar a força

argumentativa dos enunciados e a direção (sentido) para o qual indicam, visto que os

operadores podem identificar a conclusão para a qual o enunciado serve de

argumento.

Para Koch (2009), as relações do tipo discursivo, denominadas também de

pragmáticas, argumentativas, retóricas ou ideológicas, “são responsáveis pela

estruturação de enunciados, cada um dos quais resultante de um ato de linguagem

particular. Esse encadeamento é feito, geralmente, por meio dos operadores

argumentativos” (KOCH, 2009, p. 130). Essas pistas linguísticas orientam seu sentido

em certa direção, constituindo-se em importantes marcas de orientação na

argumentação.

Em outras palavras, os operadores, ou encadeadores de discurso, são assim

chamados por terem a função de estruturar os enunciados em textos, por meio de

encadeamentos sucessivos de enunciados, sendo cada um desses encadeamentos

resultante de um ato de fala distinto (KOCH, 2004).

Conforme Koch e Elias (2006), entende-se que as relações discursivo-

argumentativas encadeiam atos de fala em que se enunciam argumentos a favor de

determinadas conclusões. São responsáveis pela estruturação dos enunciados em

textos, visa a justificar, explicar, atenuar, contraditar, enfim, têm suma importância para

melhor compreensão do funcionamento textual e das intenções do produtor do texto.

Segundo Koch (2004), tais elementos constituem-se com marcas lingüísticas

imprescindíveis para a enunciação.

Vale ressaltar que neste trabalho, adota-se a ideia de que

[...] a argumentação constitui atividade estruturante de todo e qualquer discurso, já que a progressão deste se dá, justamente, por meio das articulações argumentativas, de modo que se deve considerar a orientação argumentativa dos enunciados que compõe um texto como fator básico não só de coesão, mas principalmente de coerência textual (KOCH, 2009, p. 21).

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Nesse sentido, os operadores argumentativos encaminham a leitura em

qualquer gênero e não apenas naqueles ditos ‘argumentativos’.

Conforme Koch (2004),

[...] tais encadeamentos podem ocorrer entre orações de um mesmo período, entre dois ou mais períodos e, também, entre parágrafos de um texto: daí a denominação dada aos conectores por eles responsáveis de operadores ou encadeadores de discursos. Ademais, esses conectores, ao introduzirem um enunciado, determinam-lhe a orientação argumentativa. Por esta razão também são chamados de operadores argumentativos e as relações que estabelecem relações pragmáticas, discursivas ou argumentativas (KOCH, 2004, p. 72).

As reflexões de Ducrot (1987) sobre a argumentação permitem evidenciar que

muitos dos atos de enunciação têm uma função argumentativa por atribuir ao

enunciado um sentido, já que os atos objetivam levar o sujeito a certa conclusão ao

atribuir ao enunciado um sentido ou dela desviá-lo. Segundo o linguista

Essa função tem marcas na própria estrutura do enunciado: o valor argumentativo de uma frase não é somente uma conseqüência das informações por ela trazidas, mas a frase pode comportar diversos morfemas, expressões de termo que, além de seu conteúdo informativo, servem para dar uma orientação argumentativa ao enunciado, a conduzir o destinatário a tal ou qual direção (DUCROT, 1981, p. 178).

Ducrot (1987) afirma que a argumentação é um ato aberto e diz que um

enunciado argumentativo apresenta sua enunciação a admitir tal ou tal conclusão. Para

o autor, “o sentido é uma qualificação da enunciação, e consiste notadamente em

atribuir à enunciação certos poderes ou certas consequências” (DUCROT, 1987, p.

174).

Considerando que os operadores argumentativos orientam argumentatividade,

conforme aponta Koch (2009), em cada texto há a perspectiva de múltiplas

interpretações ou leituras. Ou seja, a atividade de interpretação do texto deve sempre

buscar as determinadas intenções do produtor, já que a compreensão adequada

depende da captação dessas intenções por parte de quem lê.

Porém, a própria língua direciona em grande medida a interpretação, como

demonstra Ducrot (1987) com este exemplo: “A diferença semântica mais clara entre

Ele ganha quase 1.000 cruzados e Ele ganha apenas 1.000 cruzados concerne ao tipo

de encadeamento permitido a partir da informação quantitativa dada pelo locutor”

(DUCROT, 1987, p. 75). Trata-se de dois sentidos completamente diferentes. Se

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alguém “disser quase, é o muito, e, se disser apenas, é o pouco” (DUCROT,1987, p.

75). O autor ainda sustenta “que o efeito, em uma frase, de morfemas como quase,

apenas, pouco, um pouco é de impor certas restrições sobre o potencial argumentativo

dos eventuais enunciados desta frase” (DUCROT,1987, p. 173). O também autor

esclarece que o significado atribuído ao enunciado leva em conta as diferenças de

situação, podendo cada ocorrência pode ter vários sentidos, segundo o ouvinte que a

interpreta.

Os operadores argumentativos, considerados neste estudo, são classificados em

nove tipos, conforme Koch (2004), de acordo com as funções (relações semânticas)

que desempenham. Conforme exposto a seguir:

a) operadores que assinalam o argumento mais forte dentro de uma escala que direciona para determinada conclusão: até, mesmo, até mesmo, inclusive. [...]

b) operadores que somam argumentos a favor de uma mesma conclusão: e, também, ainda, não só... mas também. [...]

c) operadores que introduzem uma conclusão relacionada a um argumento apresentado anteriormente: portanto, logo, pois. [...]

d) operadores que permitem introduzir argumentos alternativos e levam a conclusões opostas ou diferentes: ou, ou então, quer... quer. [...] e) operadores que estabelecem relações de comparação entre elementos, visando a atingir determinada conclusão: mais que, tão... como. [...] f) operadores que introduzem uma justificativa ou explicação: porque, já que, pois. [...]

g) operadores que contrapõem argumentos orientados para conclusões contrárias: mas (porém, contudo, todavia, entre outros), embora (se bem que, ainda que, posto que, entre outros). [...] h) operadores que introduzem conteúdos pressupostos: já, ainda, agora. [...] i) operadores que, de acordo com a maneira que foram empregados, podem tanto estabelecer uma conclusão positiva, quanto uma conclusão negativa: tudo, todos (afirmação), nada, nenhum (negação). [...] (KOCH, 2004, p. 30-44).

Koch (2003) ressalta que todos esses operadores fazem parte da gramática da

língua e necessitam de mais atenção nas aulas de Língua Portuguesa, pois são

exatamente essas “palavrinhas” as responsáveis, em grande parte, pela força

argumentativa dos textos.

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Algumas palavras sobre o ensino dos operadores argumentativos

A função dos operadores argumentativos, muitas vezes, passa despercebida

aos olhos do aluno, que se limita a decorá-los, sem lhes dar a atenção necessária.

Porém, esse fato pode ser prejudicial para a compreensão total do texto, já que grande

parte da força argumentativa está alicerçada nessas marcas.

Não se pode limitar o trabalho com a coesão à substituição de uma palavra por

outra no texto, porque nada funciona mecanicamente com base apenas em criar

sequência de ideias. Ao usar a língua, tem-se uma pretensão interativa, e a escolha de

um conectivo adequado pode contribuir para o sucesso no propósito da interação.

E nas aulas, principalmente de Língua Portuguesa, a abordagem dessas marcas

linguísticas deve ser analisada no texto e não em frases isoladas ou até

descontextualizadas, ou como uma simples atividade pedagógica do plano de trabalho

docente a ser cumprida. Para efetivar essa proposta de trabalho, é preciso embasar o

exercício de leitura em diferentes gêneros, cuja análise linguística pode orientar os

alunos a identificar as pistas linguísticas, e, especificamente, a perceber os efeitos de

sentido dos elementos coesivos, contribuindo, assim, para minimizar as dificuldades de

interpretação e mesmo de interação com o texto.

Nesse contexto, o ensino desses mecanismos linguísticos textuais possibilita

mostrar a existência de uma gramática que está presente no texto e que tais marcas

devem ser reconhecidas no processo de formação de sentido.

Koch ( 2009) enfatiza:

[...] no momento em que o educando se tornar capaz de descobrir tudo aquilo que se encontra, de algum modo, implícito no texto, em seus diversos níveis de significação, ser-lhe-á mais fácil fugir à manipulação, ou seja, reconhecer as manobras discursivas realizadas pelo emissor, com o intuito de conduzi-lo a uma determinada interpretação ou obter dele determinados tipos de comportamento ( KOCH, 2009, p. 161).

Dessa forma, os alunos devem ser incentivados constantemente nas aulas de

leitura a reconhecer os operadores argumentativos inseridos nos textos, construindo

novas significações em suas leituras, assumindo uma postura ativa diante de um texto.

Considera-se aqui que a leitura é

[...] uma atividade de interação entre sujeitos e supõe muito mais que a simples decodificação dos sinais gráficos. O leitor, como um dos sujeitos de interação, atua participativamente, buscando recuperar,

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buscando interpretar e compreender o conteúdo e as intenções pretendidos pelo autor (ANTUNES, 2003, p. 67).

Nessa perspectiva, o aluno deve ser preparado para descobrir as significações,

elaborar hipóteses, tirar conclusões. Nesse processo, a análise linguística de

elementos conectores toma papel importante, uma vez que

[...] palavrinhas que poderiam parecer menos importantes, como até, ainda, já, apenas e tantas outras, são pistas significativas em que devemos nos apoiar para fazer nossos cálculos interpretativos. Todo esforço para entender essas instruções - isto é, o que está sobre a folha de papel - só se justifica pelo que elas, as instruções, representam para a compreensão global do ato comunicativo do qual o texto é suporte (ANTUNES, 2003, p. 67).

Assim, é necessário e importante o estudo dos operadores argumentativos para

conscientizar o aluno sobre o papel que tais marcas desempenham no texto. Eles são

responsáveis não só por articular as informações, mas também por estabelecer a

orientação argumentativa de um texto.

Nesse sentido, cabe ao professor proporcionar condições e mediar a

aprendizagem desses elementos para formar um sujeito ativo em sua leitura. Essa

atividade de desvelar os recursos linguístico-discursivos capacita o estudante a

compreender o porquê do uso deste ou daquele recurso, para dele se valer em outras

situações de uso.

Conforme orienta Antunes (2003), um trabalho que considera tais questões

busca ultrapassar as atividades metalinguísticas, como a mera classificação das

orações em subordinadas e coordenadas ou a simples localização de conectivos ou

conjunções no texto, sem propor reflexão sobre o papel discursivo que desempenham

em dado contexto de interação. Para a autora,

[...] nenhuma regra gramatical tem importância em si mesma. Nenhuma regra gramatical tem garantida a sua validade incondicional. O valor de qualquer regra gramatical deriva da sua aplicabilidade, da sua funcionalidade na construção dos atos sociais da comunicação verbal, aqui e agora (ANTUNES, 2003, p. 89).

Portanto, o trabalho pedagógico exige cuidado, caso contrário, pode-se apenas

disfarçar o trabalho com a linguagem em um trabalho normativo da língua fora das

relações textuais. Logo, a concepção histórico-sociológica de Bakhtin (PARANÁ, 2008)

sobre a linguagem auxilia na abordagem didática da língua, porque coloca a interação

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como centro de preocupação dos estudos sobre a linguagem e mostra reflexão

interlocutiva situada no uso efetivo da língua.

Reflexões sobre a prática

O material didático produzido durante a pesquisa, no formato de unidade

didática, fundamentou-se nos estudos da Linguística Textual, e analisou os operadores

argumentativos com foco na leitura, segundo as orientações teóricas de Koch (2003,

2004, 2009).

Deve-se dizer que, no início, houve a intenção de fazer esse trabalho com

diferentes textos para exercitar os efeitos de sentido dos operadores argumentativos;

porém, a necessidade da cessão dos direitos autorais por parte dos autores e/ou seus

herdeiros limitou essa possibilidade àqueles que se mostraram favoráveis ao uso de

seus textos ou a uma mínima parte do texto. Nesse caso, produziu-se alguns, outros

foram parafraseados.

A unidade didática, composta por vários gêneros, propõe atividades a serem

desenvolvidas para ajudar o educando a aumentar seus conhecimentos sobre a

coesão sequencial, com foco nos operadores argumentativos e seus efeitos de sentido.

Esta proposta de trabalho com os operadores argumentativos foi direcionada a

alunos de 8º ano do Ensino Fundamental do Colégio Estadual José de Alencar –

EFMN, no Município de Braganey no primeiro semestre de 2013.

Para o desenvolvimento das atividades, primeiramente, investigou-se o

conhecimento dos alunos a respeito da coesão sequencial e dos operadores

argumentativos e também seus efeitos de sentido em um texto. Depois dessa

investigação, apresentou-se aos alunos os principais operadores argumentativos

(KOCH, 2003, 2004), considerando o efeito de sentido em alguns enunciados. Buscou-

se apresentar atividades que favorecessem a percepção de que os operadores, além

de ligar as partes de um texto, estabelecem efeitos de sentido, conforme as intenções

do produtor do texto. A proposta visava a levar o aluno a compreender e desvendar o

sentido dos operadores argumentativos no texto, desenvolvendo a capacidade crítica

de julgar o que leu e se tornar capaz de entender a intenção do locutor, muitas vezes

implícita no texto, considerando seus diversos níveis de significação (KOCH, 2009).

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Após uma análise do conhecimento e das expectativas dos alunos quanto à

coesão textual e os operadores argumentativos, foram realizadas atividades diversas,

visando a interpretar os operadores argumentativos nos textos selecionados, ajudando-

os a ampliar seus conhecimentos sobre o conteúdo.

O objetivo foi esclarecer a eles que a presença de marcadores argumentativos

tem relevância na construção de sentido(s) do texto e possibilita uma interpretação

mais aproximada das intenções do produtor. Para isso, o leitor deve perceber as

significações desses recursos linguísticos e utilizá-los com mais eficácia em diferentes

situações comunicativas.

Durante a leitura e análise dos operadores argumentativos nos textos, houve

uma preocupação em fazer uma reflexão linguística mais consciente sobre fenômenos

gramaticais e textual-discursivos, por meio de atividades da sistematização dos fatos

da língua, mostrando como se organizam esses marcadores discursivos, independente

da tipologia textual.

No decorrer da resolução das atividades sobre interpretação de texto e análise

linguística, pôde-se observar avanços no reconhecimento da função e valor semântico-

discursivo dos operadores.

A implementação da proposta de trabalho em sala de aula contribuiu de maneira

significativa para a aprendizagem e apropriação dos instrumentos de compreensão e

interpretação do aluno, que, além de perceber os efeitos de sentidos dos operadores

argumentativos em situações de interação diversas durante a leitura de um texto,

também ampliou sua capacidade linguístico-discursiva em atividades de uso da língua,

observando a argumentatividade da linguagem e a intencionalidade do enunciador.

Concomitante à aplicação do projeto em sala de aula, os professores PDE/2012

foram tutores de um Grupo de Trabalho em Rede – GTR, que ocorreu de forma virtual

a partir de março de 2013. Os professores da rede Estadual de Ensino tiveram como

fonte de leitura o projeto e o material didático elaborado. Sugeriu-se aos docentes que

analisassem e aplicassem o material pedagógico em suas respectivas aulas,

apresentando no fórum os resultados. Constatou-se nessas discussões a necessidade

de atividades que contemplem os elementos linguísticos no texto, para, assim, chegar

a melhores resultados em atividades de leitura e, consequentemente, de escrita de

textos, sem limitar a prática de análise de textos a exercícios de metalinguagem.

Dessa forma, o estudo da coesão sequencial, enfocando a utilização dos

operadores argumentativos, vem ao encontro de um prática de leitura mais

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significativa, pois a pretensão é demonstrar ao aluno que a presença de marcadores

argumentativos no texto introduz instruções de sentidos e explicitar em que medida

eles são responsáveis pela eficácia do discurso, não só relacionar orações, mas,

principalmente, por dar uma orientação argumentativa ao enunciado.

Ao observar o uso de tais elementos em atividades de análise linguística com

foco na leitura, percebeu-se que a análise linguística mostra-se uma necessidade na

aula de Língua Portuguesa, uma vez que é ainda uma prática pouco aprofundada,

quando do trabalho com o texto do outro. Entende-se que atividades de análise

linguística são fundamentais quando se tem em mente um ensino que ultrapasse o

trabalho com análises estruturais e gramaticais, tendo em vista a indissociação do texto

da realidade social.

Nessa direção, o aluno percebe a importância da análise linguística no processo

de leitura, analisa os usos que já faz da língua e acessa outros que ainda não domina,

valorizando tanto a sua linguagem quanto a do outro. Assim, na escola, as estratégias

de reflexão da língua devem ser pautadas em atividades de análise linguística e na

busca do sentido, intenções, ditos, emoções e, conforme Antunes (2005, p. 169),

“também a certeza de que não se faz texto algum apenas com a gramática”.

Considerações finais

De acordo com os objetivos propostos neste artigo, entende-se a necessidade

de uma discussão teórica sobre os operadores argumentativos no ensino de Língua

Portuguesa, pois eles contribuem para um trabalho gramatical contextualizado, a partir

de realidades diagnosticadas em salas de aula, o que é imprescindível para a formação

de leitores. Acredita-se que o ensino de língua materna viabilizado na proposta da

linguística-discursivas privilegia atividades de leitura, auxiliando o estudante a se tornar

um usuário competente da língua.

Para tanto, cabe ao professor, como mediador do processo de ensino e de

aprendizagem, transmitir o conhecimento científico aos alunos, também selecionar o

conteúdo mais adequado à proposta pedagógica da escola e à diretriz curricular que

fundamenta todo o trabalho pedagógico.

Observa-se que a atividade de leitura do texto do outro é relevante para se

visualizarem diferentes possibilidades de interação por meio da linguagem. Koch e

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Elias (2006, p. 37) afirma que “a leitura é uma atividade de construção de sentidos”, a

qual é orientada pela materialidade linguística. Dentre os recursos linguísticos que

contribuem significativamente para a orientação dos sentidos estão os operadores

argumentativos que nortearam o trabalho de pesquisa e implementação aqui exposto.

Nesse sentido, os operadores sequenciais precisam ser trabalhados

constantemente com atividades de análise linguística com ênfase na leitura, assim

como outros conteúdos, como a coesão referencial, os modalizadores, as figuras de

linguagem e o léxico, pois, dessa maneira, haverá contribuição para o sucesso no

aprendizado do aluno.

A análise linguística de tais elementos surge como contribuição relevante às

práticas de leitura e produção de texto, possibilitando a reflexão consciente sobre

fenômenos gramaticais e textual-discursivos que perpassam o uso da coesão

sequencial, por meio de atividades da sistematização dos fatos da língua.

O trabalho com análise linguística precisa partir do entendimento do papel da

linguagem na sociedade, com possibilidades de conhecer, expressar e transformar

modos de entender o mundo e também elaborar novos significados.

Nesse sentido, as atividades linguísticas pressupõem, então, o trabalho com a

diversidade de gêneros textuais, para alargar o entendimento dos diversos usos e

propiciar maior contato com a linguagem, considerando que a leitura e a atividade

linguística estão intrinsecamente ligadas. Esta contribui para que se chegue a uma

leitura crítica, levando à percepção da relação entre o texto e o contexto. O aluno deve

perceber os efeitos de sentido durante a leitura de um texto e explorar os mecanismos

coesivos. Por meio de sucessivos encadeamentos das ideias, os operadores

argumentativos explicitam, também, a orientação discursiva apresentada pelo produtor.

Com base nas ações desenvolvidas e relatadas neste artigo, considera-se que o

objetivo de elaborar um material didático que pudesse contribuir para a melhoria do

ensino de Língua Portuguesa, principalmente no ensino fundamental, alcançou êxito,

pois contribui para que o aluno compreendesse a fala do outro, o que abre

possibilidades para que construa significados para entender melhor a realidade

(PARANÁ, 2008) e com nela interagir.

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Referências

ANTUNES, Irandé. Lutar com palavras: coesão e coerência. 6. ed. São Paulo:

Parábola, 2005.

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