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Maria Luiza Soares Santos ESTUDO SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DO ENSINO DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS NA EDUCAÇÃO EM BIOÉTICA Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Bioética do Centro Universitário São Camilo, orientado pelo Prof. Dr. Márcio Fabri dos Anjos e coorientado pela Profa. Dra. Margaréte May Berkenbrock Rosito, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Bioética. São Paulo 2009

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Maria Luiza Soares Santos

ESTUDO SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DO ENSINO DE

FILOSOFIA PARA CRIANÇAS NA EDUCAÇÃO EM BIOÉTICA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Bioética do Centro Universitário São Camilo, orientado pelo Prof. Dr. Márcio Fabri dos Anjos e coorientado pela Profa. Dra. Margaréte May Berkenbrock Rosito, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Bioética.

São Paulo

2009

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AGRADECIMENTOS Aos meus pais pela visão e postura de vida que me comunicaram valores profundos e duradouros. Aos meus filhos, Fernanda, Juliana, André e Gabriela, cheios de vivacidade e sensibilidade, por me ajudarem a compreender a relação amorosa e profunda do processo ensino-aprendizagem. Ao Gabriel, por toda especial ajuda amável e constante. Aos Caetano e Paula, meus netos, por me ajudarem a perceber a grande responsabilidade que temos para com as futuras gerações. Aos professores do Rio Grande do Sul que marcaram meu caminho: Lúcio Packter, por partilhar comigo a visão de que é possível “olhar diferente àquilo que nos parece igual.” Silvio Lafin, pela amizade e por seu exemplo de alegria e brilho. Pelos muitos momentos de atenção e conselhos de mestre. Ao professor Pe. Leo Pessini que me desafiou e incentivou com sábias reflexões. Aos professores Márcio Fabri e Margaréte May pela direção segura e cuidadosa durante toda a orientação do mestrado. A Margaréte May, pela experiência da “Colcha de Retalhos” que, resignificado um trecho da minha história me encorajou a mudar o rumo da pesquisa. Ao professor Saad, pela sabedoria de transformar aulas em saborosas lições de vida. Pela sensibilidade e conselho diante da minha difícil decisão quanto às mudanças da pesquisa. A Isabel Dumaresq pelo convite que se converteu em valiosa oportunidade de estudos e crescimento pessoal. Aos meus colegas do mestrado pelas trocas e pelo tempo sempre agradável de convívio nos estudos. Aos colegas e amigos Gláucia Tittanegro e Luis Paulo Neves pela solidariedade que está para além de todas as palavras. Ao Centro Universitário São Camilo que, pelo acolhimento, possibilitou o prosseguimento do meu projeto de vida em São Paulo. Aos amigos e conselheiros do RS por me ajudarem a não desistir do sonho, lembrando-me, nos momentos difíceis, que é preciso resistir a tudo aquilo que tenta apagar o fogo da esperança. Àquele que disse EU SOU O QUE SOU, e pela força destas palavras que me instigam na busca do Ser.

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“Estimamos que a reflexão filosófica pode e deve contribuir para a compreensão e conduta dos afazeres humanos. Sublinhamos que o ensino de filosofia favorece a abertura do espírito, a responsabilidade cívica, a compreensão e a tolerância entre os indivíduos e entre os grupos,

Reafirmamos que a educação filosófica, formando espíritos livres e reflexivos - capazes de resistir às diversas formas de propaganda, de fanatismo, de exclusão e de intolerância - contribui para a paz e prepara cada um a assumir suas responsabilidades face às grandes interrogações contemporâneas, notadamente no domínio da ética,

O conhecimento das reflexões filosóficas das diferentes culturas, a comparação de seus aportes respectivos e a análise daquilo que os aproxima e daquilo que os opõe, devem ser perseguidos e sustentados pelas instituições de pesquisa e de ensino.

A atividade filosófica, como prática livre da reflexão, não pode considerar alguma verdade como definitivamente alcançada, e incita a respeitar as convicções de cada um; mas ela não deve, em nenhum caso, sob pena de negar-se a si mesma, aceitar doutrinas que neguem a liberdade de outrem, injuriando a dignidade humana e engendrando a barbárie.”

Declaração De Paris Para A Filosofia,1995

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SANTOS, Maria Luiza Soares. Estudo sobre a contribuição do ensino de filosofia para crianças na educação em bioética. 2009. 149f. Dissertação (Mestrado em Bioética) – Centro UniversitárioSão Camilo, São Paulo, 2009.

Este estudo teve como objetivo analisar interfaces da Bioética com a inserção da filosofia para crianças no Ensino Fundamental. A partir do referencial de Lipman, investigamos aspectos necessários para um Plano de Ensino de Filosofia. O eixo norteador foi o sentido da iniciação e envolvimento das crianças com a Filosofia e Bioética no Ensino Fundamental. Apresentou-se, em detalhes, uma revisão de conceitos de educação reflexiva de crianças no ensino fundamental, com particular atenção às contribuições de Lipman e de pressupostos da Bioética que se relacionam com esta área. Apresentou-se uma visão do caráter interdisciplinar e transdisciplinar da Bioética tanto como movimento social como uma disciplina do âmbito reflexivo e acadêmico. Também se apresentou o diálogo, no discurso bioético, como instrumento social, desejável e fundamental para tratar as questões advindas das pesquisas médicas e biológicas. Considerou-se a preocupação com a repercussão dos avanços tecnocientíficos na vida humana contida na gênese cultural da Bioética. Essa matriz cultural insere-se no contexto que visa integrar a cultura científica e a cultura do humano. Para atingirmos os objetivos deste estudo o método bibliográfico privilegiou a análise de aspectos do Ensino de Filosofia para crianças. O que implicou a assunção de uma abordagem hermenêutica, pela qual não se pretendeu a busca de alguma verdade ou de informações específicas, mas a construção de sentidos, a partir de inferências. Os resultados da pesquisa apontam para os seguintes aspectos: (a) a aproximação teórica converge para uma aplicação construtiva de um plano de ensino de bioética na disciplina de filosofia para crianças no ensino fundamental; as produções infantis apresentadas neste estudo ilustram as possibilidades do plano que se propõe. (b) A dimensão filosófica é uma fundamental característica do discurso Bioético que se traduz como uma necessidade histórica de retomar o diálogo socrático e sua aplicação educacional fortalece as sociedades democráticas e plurais que necessitam de bases educacionais adequadas.

Palavras-chaves: Bioética. Ensino de filosofia. Ensino fundamental.

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SANTOS, Maria Luiza Soares. Study on the contribution of philosophy of education for children in education in bioethics. 2009. 149f. Dissertação (Mestrado em Bioética) – Centro UniversitárioSão Camilo, São Paulo, 2009. This study analyses interfaces of Bioethics with the insertion of philosophy to primary school children. Starting from Lipman’s referential; we investigate the necessary aspects for a philosophy teaching plan. The guiding point here was the initiation and involvement of the children with philosophy and bioethics. In primary school. We not only present a detailed revision about the concepts of reflexive education for primary school children, paying particular attention to the contributions of Lipman and Bioethical basis related to this field, but we also give an example of the interdisciplinary and transdisciplinary profile of Bioethics, as both social movement and academic discipline. We also present the dialog, in the Bioethical speech, as a fundamental and desirable social instrument to address the questions coming from medical and biological researches. We took in consideration the concern with the repercussions of the technoscientific advances in human life that are part of the cultural genesis of the Bioethics. This cultural matrix is inserted in a context that aims to integrate the scientific and human cultures. In order to achieve the objectives of this study, the bibliographic method favored the analysis of aspects of the document “Philosophy Teaching Plan” for primary children. Which implied in the assumption in a hermeneutic approach, where the intention wasn’t the search of some truth or some specific information, but the construction of meanings from the inferences. The results of this research point out to the following aspects: (a) the theoretical approximation converges to the application of a plan of Bioethical education to in the discipline of philosophy to primary school children; the results produced by the children and presented in this study illustrate the possibilities proposed y this plan. (b) The philosophic scope is a crucial characteristic of the Bioethical speech that can be translated as historical necessity to return the Socratic dialog and its educational application enhances the plural and democratic societies in need of proper educational bases. Keywords: Bioethics. Philosophical teaching. Primary school.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Um questionamento ............................................................................ 95

Figura 2 – Minha nova experiência ...................................................................... 96

Figura 3 – Compartilhando idéias......................................................................... 97

Figura 4 – Diálogo criativo.................................................................................... 98

Figura 5 – Descobrir e saber mais ....................................................................... 99

Figura 6 – Reflexões em forma de poesia............................................................ 100

Figura 7 – Reflexões e análise crítica .................................................................. 101

Figura 8 – Um pequeno campo filosófico ............................................................. 102

Figura 9 – Descobrindo que desenhar é uma linguagem..................................... 103

Figura 10 – Avaliando a necessidade de atitudes de respeito ............................. 104

Figura 11 – Reconhecendo o ambiente de comunidade ...................................... 105

Figura 12 – Reconhecendo o espaço de liberdade .............................................. 106

Figura 13 – Como é o meu mundo?..................................................................... 107

Figura 14 – Pensando mais sobre as coisas........................................................ 108

Figura 15 – Filosofia: a arte de pensar................................................................. 109

Figura 16 – Refletindo sobre o valor das regras................................................... 111

Figura 17 – O cultivo do pensar ........................................................................... 112

Figura 18 – Qual a cor do meu pensamento? ...................................................... 113

Figura 19 – Explorando o mundo ......................................................................... 114

Figura 20 – Pensar e compartilhar ....................................................................... 115

Figura 21 – Aprendi a pensar sério ...................................................................... 116

Figura 22 – Criatividade e criticidade nos temas.................................................. 117

Figura 23 – Os jogos e brincadeiras..................................................................... 118

Figura 24 - Aspectos relacionais nas reflexões ................................................... 119

Figura 25 – Expressando pensamentos e sentimentos........................................ 119

Figura 26 – Pensando na escolha das cores para trabalhar ................................ 120

Figura 27 – Refletindo como se sente ao brincar ................................................. 120

Figura 28 – O que acontece quando a gente morre?........................................... 130

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SUMÁRIO RESUMO

ABSTRACT

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................. 8

1.1 História do problema de pesquisa .................................................................. 13

2. Objetivos .......................................................................................................... 20

3. Método e material de pesquisa ........................................................................ 21

4. INTERFACES ENTRE A BIOÉTICA E A FILOSOFIA ..................................... 26

4.1 Contextos e perspectivas da Bioética............................................................. 26

4.2 Filosofia como fundamento educacional (bio)ético......................................... 29

4.3 Cultura científica e cultura humanista: desafios ............................................. 34

4.4 Alguns aspectos da reflexão bioética atual .................................................... 39

4.5 Nova face do imperativo (bio)ético: Responsabilidade................................... 44

5. MATTHEW LIPMAN E A FILOSOFIA PARA CRIANÇAS ............................... 52

5.1 Interfaces entre filosofia e infância ................................................................. 52

5.2 Contextos da proposta de Matthew Lipman ................................................... 59

5.3 Concepções filosóficas e educacionais de Lipman ........................................ 62

5.4 A formação das habilidades de raciocínio ...................................................... 67

5.5 A comunidade de investigação e questionamento ......................................... 71

5.6 O diálogo cooperativo na Comunidade de Investigação ................................ 77

6. BIOÉTICA PARA UM PLANO DE ENSINO DE FILOSOFIA

PARA CRIANÇAS ................................................................................................ 83

6.1 Reflexões bioéticas para a prática educacional ............................................. 83

6.2 Aspectos propostos para um plano de ensino reflexivo ................................. 88

6.3 As experiências da comunidade de investigação........................................... 94

6.4 Os temas inseridos no plano de ensino.......................................................... 106

6.5 Uma proposta para a educação reflexiva: o tema da morte ........................... 121

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 131

REFERÊNCIAS.................................................................................................... 136

APÊNDICES......................................................................................................... 143

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1 INTRODUÇÃO

Pensar a Bioética como campo de estudo que envolve a reflexão ética sobre

a vida nos remete a pressupostos filosóficos. As perplexidades e conflitos do tempo

presente tornam-se pano de fundo para refletir sobre o tipo de educação frente às

preocupações da Bioética, onde as questões sobre a vida e a morte, a saúde e a

doença, a qualidade de vida, o sofrimento e a ecologia se colocam com

características culturais específicas da contemporaneidade.

A vida do homem no mundo enfrenta um processo de

desconstrução/construção paradigmática com particular influxo do atual progresso

científico. Isto por si só não é novidade, pois historicamente o homem sempre

enfrentou crises, e, em termos de progresso científico, mais notadamente a partir do

século XVIII. Mas, na atualidade este processo é extremamente denso. Paradigmas

apontam para a arqueologia do saber. A diferença desta, em relação às outras

crises, é a velocidade das transformações e a importância de suas repercussões

para a vida humana em seu habitat no presente e futuro.

Os paradigmas, como bastidores do pensamento, contêm as categorias de

inteligibilidade que regem a lógica dos discursos e das teorias. De acordo com

Junges (2006, p. 17), o “pensamento simplificador da racionalidade instrumental não

permite tomar consciência da noção de paradigma, pois elimina o sujeito da

objetividade científica”.

O desafio para a Filosofia, nestas mudanças paradigmáticas, se encontra

em redescobrir seu lugar de cidadania – sendo como em sua origem – philos sophia,

ou amor pela sabedoria: a necessária re-ligação entre o saber das ciências e uma

ética comprometida com a responsabilidade perante o poder e o alcance das

tecnologias.

Entende-se que, entre as tarefas da Bioética, está a de reunir contribuições

de diversas áreas numa tentativa de reverter o máximo possível a visão fragmentária

da realidade, responsável por cisões que tornaram comum o coisificar pessoas e

reduzir de modo artificial e irreal o humano, e tudo isto em nome da Ciência.

Uma heurística do medo encontra seu lugar dentro de um novo imperativo

ético. Trata-se de uma busca pela vida, pelo ser do homem, que não se conforma

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em abandonar-se esquecido no meio da grandeza e o perigo do poder tecnológico.

Diante dos desdobramentos que revestem este milênio há uma necessidade de

compreender estes novos significados que, por sua vez, implicam em revisões de

conceitos com ampla repercussão educacional.

É uma grande responsabilidade para com o mundo da vida especialmente

para com as novas gerações. Este compromisso encontra-se entre as propostas da

Bioética. Compreende-se vida como categoria básica. Todo o ser vivo está

conectado intimamente a seu ambiente de inter-relações, que permite que

permaneça vivo e isto no mundo. Responsabilizar-se perante o mundo da vida,

requer uma compreensão educacional que modele uma visão mais ampla e integral

do fenômeno vida.

A compreensão educacional envolve a educação como processo de

reconstrução e reorganização da experiência do viver no mundo. Deste modo,

educação pode ser considerada como fenômeno direto da vida. O sucessivo

reorganizar-se e reconstruir-se da experiência no mundo abrangem significados

sobre a vida como sendo um tecido de experiências diversas. Assim, vida,

conhecimentos, experiências e aprendizagem estão em íntima relação.

É nítido que valores tradicionais que sempre sustentaram as convicções,

hoje são questionados, o que parece apontar para a busca de sentidos e

entendimentos do que pode ser considerado fundamental para a vida. Preocupações

ontológicas colocam-se entre os assuntos agendados.

Mais do que tema da moda - pela revalorização da Filosofia e sua inclusão

obrigatória no sistema educacional, pensar o ser, os valores, as relações sociais e

políticas são assuntos que exigem retomada com estratégias educacionais que

oportunize ambiente propício para a reflexão sobre o viver no mundo. Nesta

reflexão, uma educação que sensibilize para a responsabilidade do viver no mundo

como tema central da ética.

A educação de crianças para o pensar segundo Matthew Lipman (1990) se

apresenta como uma dimensão básica requerida sob este ângulo de vista. A

dimensão educativa não é algo adicionado à filosofia de fora para dentro, mas

constitutiva de sua natureza. A Filosofia é essencialmente humanizadora e na

gênese da ética se encontra a preocupação com o experienciar a vida em

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comunidade. Segundo Domingues (2006), a tarefa para o século XXI será a de

“restabelecer as pontes entre filosofia, ciência e sabedoria”, tendo como eixo os

grandes desafios do pensamento deste século.

A reflexão e a experiência do pensamento não podem ceder lugar para as

tecnicidades que paradoxalmente resistem ao pensamento. O que diferencia a

filosofia é o “uso peculiar da razão ou do pensamento, a sensibilidade e atitude

filosófica perante as coisas – um modo peculiar de ver o homem e o mundo”.

(DOMINGUES, 2006, p. 9 et seq.).

Refletindo esta preocupação com a formação de uma nova mentalidade

reflexiva e crítica, Pessini e Bertachini (2004, p.11) apontam para a crise de

humanismo com que uma sociedade violenta e excludente interfere no contexto das

instituições de saúde. Os efeitos de uma educação tecnológica se fazem sentir com

práticas tecnicamente perfeitas, mas sem ”alma” e sem ”ternura humana”.

Segundo Garrafa (2005/2006) a base de sustentação da bioética é a ética

prática ou aplicada. Atualmente, este campo da filosofia tem sido abordado em meio

aos grandes conflitos e problemas que se apresentaram às pessoas em suas vidas

cotidianas perante as novas tecnologias com seus desdobramentos em temas tais

como as tecnologias reprodutivas, transplantes de órgãos e tecidos, terapias gênicas

e outras situações que dizem respeito ao mais íntimo da espécie humana com

repercussões futuras.

Os avanços científicos e tecnológicos trazem consigo crescentes exigências.

As diversas áreas do conhecimento envolvidas com fenômenos tais como

nascimento, vida e morte das pessoas e meio ambiente, necessitam de releituras

articuladas com a ética para uma melhor adequação com as realidades presentes e

futuras.

Estas exigências desenham novas responsabilidades para o saber filosófico

que se percebe em meio a mudanças conceituais com importantes repercussões no

cotidiano das pessoas e coletividades. Neste contexto, cabe a definição de Caldera

(1984) sobre a filosofia como sendo o assumir a historicidade do homem no mundo.

A filosofia perante tal situação não deve “permanecer indiferente ao destino

da humanidade e ao perigo dos abismos que a envolvem” (CALDERA, 1984, p.14)

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Este assumir é a consciência que se percebe em meio aos delicados conflitos

gerados entre o progresso e vida humana, concreta e integral. Isto aponta para a

ética prática inserida no desafio da filosofia para o século XXI, acima mencionado

por Domingues, vista deste modo, como esforço de restabelecer pontes entre

filosofia e ciência.

Para Hayflick (1997), os cientistas têm a responsabilidade de divulgar ao

público os resultados dos seus trabalhos e traduzir a profundidade de áreas

complexas em textos que possam ser lidos com facilidade. Tal responsabilidade

igualmente tem os filósofos, que segundo Morais (1992), muitas vezes confundem

amor à sabedoria com amor a erudição. O diálogo entre estes dois autores aponta

para a necessidade de pontes entre os conhecimentos de duas áreas que

igualmente necessitam de atitudes eticamente responsáveis e mentes abertas a

novas idéias por mais “heréticas” que pareçam.

As incertezas abrem espaços para novas investigações sobre o processo de

produção e transmissão do conhecimento. Novos conhecimentos vão exigindo

novas posturas, configurando discursos mais adequados para o novo cenário que se

apresenta. Com todas estas transformações, o sistema educacional necessita de

imperativos que respondam às novas gerações que vivem e viverão em um mundo

caracterizado pela pluralidade e complexidade crescentes.

Assume-se que uma educação reflexiva se torna necessária para este

século com questões éticas de grandes dimensões. Compreende-se que a

educação se constitui ‘’força do futuro’’, instrumento poderoso para promover

mudanças no sentido de construir um tempo vindouro viável. Infere-se que educar

para o pensar proposta por Lipman é uma grande contribuição da Filosofia para a

formação que se requer para os adultos.

A ênfase da cultura do mundo resolvido como ideal co-habita ao mesmo

tempo, no mundo e no Brasil com as questões sobre ética e moral. O mundo

contemporâneo é marcado pela violência e o abuso de autoridade, as guerras

étnicas, descobertas inquietantes no campo das armas químicas, corrupção política

e econômica, injustiças sociais e minorias desprotegidas principalmente as crianças,

marcam os debates.

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É no campo da Filosofia que estes assuntos encontram lugar, e o professor

é chamado para comparecer na sala de aula ou fora dela com uma postura aberta,

cuidando com os fechamentos dogmáticos. As convicções do educador são

importantes, mas o cuidado com o cuidado e o respeito às pessoas em formação se

torna chave para uma legítima e ética militância na existência.

A relevância desta pesquisa parte do suposto que, se queremos que os

profissionais como cidadãos sejam engajados no respeito e valores preconizados

pela Bioética, o processo educacional precisa oferecer estruturas coerentes com

este tipo de formação. A inclusão da Filosofia desde o ensino fundamental pode

somar esforços na formação do pensamento reflexivo e crítico com base em valores

de tolerância, solidariedade e respeito pela vida.

São grandes os desafios educacionais para a Filosofia. A primeira grande

questão é o enfrentamento com o raciocínio que pergunta: para que (“serve”)

estudar Filosofia? Este “para que” pode se mostrar como princípio na lógica interna

deste contexto que não tem sido freqüente objeto de reflexão: a educação que,

privilegiando o ensino tecnicista, desconsidera o grande valor da formação filosófica

para o pensar reflexivo, crítico e criativo, legítimo e necessário aspecto educacional.

É preciso reconhecer a necessidade de filosofar desde cedo e confrontando

a lógica implícita no discurso sobre a “utilidade” da filosofia podemos acompanhar as

indagações de Chauí:

Qual seria, então, a utilidade da Filosofia? Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum, for útil; se não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos, for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política, for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos, for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes. (CHAUÍ, 1994, p. 18)

As habilidades reflexivas para tratar de questões éticas demandam tempo e

preparo e, no campo filosófico (re)encontram seu lugar. Educar as crianças para o

pensar e sentir responsáveis de si, do outro e do contexto, não se trata apenas de

introduzir a Filosofia como disciplina no currículo escolar, trata-se refletir sobre o

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pensar como essencial na maneira de viver, tomando consciência de ser e estar no

mundo.

Esta educação para o pensar é essencial para pontuar sentimentos

apropriados e, boas relações sociais proporcionando às crianças espaços para o

aprender a fazer julgamentos inteligentes e eticamente viáveis. Esta contribuição da

Filosofia parece indicar um contrapor-se à cultura do tudo pronto, onde é nítido que

a informação tem se constituída tarefa crescente dos computadores, e que um

equilíbrio entre formação e informação se encontra dentro das necessidades da

educação bioética.

Uma educação que apresente um ambiente propício para a formação do

pensamento analítico, crítico e reflexivo para sujeitos que necessitarão compreender

uma ética em escala planetária. No cerne desta educação coloca-se como tarefa

não só aspirar ao progresso como também à sobrevivência da humanidade.

Podemos arrazoar que a Filosofia, em sua proposta de educar para o pensar,

direcionada para as crianças oferece aportes que a médio e em longo prazo poderão

incidir na formação necessária para tratar as questões da Bioética.

A problemática que se apresenta à educação de crianças desperta nossa

atenção para investigar conceitos, teorias e práticas sob o ângulo filosófico. De

acordo com a ponderação de Postman, implícita na epigrafe, qual seria a mensagem

que estamos enviando? Com Splitter e Sharp (2001) podemos perguntar: supondo

que o futuro esteja, em grande parte, em nossas mãos, que tipo de mundo nós

queremos e como viveríamos nele?

1.1 História do problema de pesquisa

O problema da pesquisa sobre o Ensino de Filosofia para crianças e sua

contribuição para a educação em Bioética não emerge do nada, vincula-se a uma

trajetória pessoal e profissional. Desse modo, identificar em que momento surge e

se desenvolve a inquietação de forma contextualizada se coloca como tarefa na

construção de autoria da pesquisa.

A formação em filosofia e os debates que vem marcando o cenário

educacional brasileiro, com a volta da filosofia para o currículo de ensino médio e a

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novidade da filosofia para o ensino fundamental, se constituíram pontos de conexão

relevantes para o interesse desta pesquisa. A estes se podem acrescentar o

interesse por áreas interdisciplinares, como a gerontologia e a bioética, que

direcionaram o olhar para a filosofia como promotora de articulação e diálogo entre

saberes na busca por compreender seu papel intelectual, social e educacional na

contemporaneidade brasileira.

Mais precisamente, a idéia deste estudo tem o seu nascedouro quando

aceitei o convite para lecionar Filosofia para Crianças no Ensino Fundamental I, em

uma escola na cidade de São Paulo. Muito contribuiu, também, para a escolha deste

tema as discussões oportunizadas nas disciplinas do mestrado, prova da relevante

contribuição do diálogo para instigar a reflexão e a investigação.

De modo especial, as aulas de Metodologia do Ensino Superior nortearam

minhas percepções sobre a importância da inclusão de bases filosóficas para o

ensino de Bioética nos currículos de ensino e a importância da educação para a

sensibilização de temas tratados pela Bioética. A partir disto, considerei relevantes

os fundamentos teóricos na filosofia de Lipman e nos estudos de autores que tratam

da humanização necessária para uma educação ética, transformadora e

emancipatória.

Fui confirmando o que anteriormente já havia percebido nos estudos da

Gerontologia e da Filosofia Clínica, que o caráter reflexivo dos temas exige preparo

filosófico para assegurar maior compreensão, consistência e profundidade nas

discussões. Um ensino para a compreensão que auxilie na tarefa de dar visão de

contexto, ampliando a visão de mundo das pessoas, direcionando a reflexão na

busca e afirmação de valores humanos necessários para as ações do homem,

especialmente, o lugar da educação das crianças.

Na prática, como professora universitária, percebo que os alunos de filosofia

são afetados por esta questão e instigados de diferentes formas. Muitos são jovens

que recorrem à filosofia buscando sentidos e significados, buscando no curso de

filosofia ambiente para reflexões sobre os processos educacionais, políticos e

existenciais, movidos pelo desejo de estudos e aprofundamentos para realizarem

intervenções na realidade.

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Na vivência cotidiana se percebe o assédio que a cultura contemporânea faz

à filosofia como um tipo de saber que não corresponde à lógica imediatista de

muitas respostas. As respostas se apresentam, mas não do modo mecânico como

exigências da cultura das respostas “outorgadas e empacotadas” (MORAIS, 1992

p.89). Todavia vemos como que despontando, pelas insatisfações desta mesma

cultura, espaços tímidos, mas em franco crescimento, para reflexões necessárias e

persistentes diante das responsabilidades e as dificuldades que cercam a tarefa do

professor na formação de sujeitos reflexivos, encorajando o pensar autônomo,

solidário e engajado na comunidade.

Torna-se importante discernir as diferentes linguagens adequadas para falar

com adultos e crianças, o que torna central o exercício de uma sabedoria que se

ocupa em criar espaços de respeito ao mundo do educando, descortinar lugares

novos, observando os limites de contextos apresentados. Nesta visão pode-se

afirmar a necessidade que o professor tem de torna-se um tradutor de mundos.

Diferentes mediações precisam ser realizadas no trânsito entre o mundo do adulto e

o mundo da criança.

Pode-se perceber que, na prática da Filosofia para Crianças, mudam-se as

linguagens, mudam-se as técnicas, os recursos, mas a postura filosófica não é

incompatível com a infância. Pelo contrário, esta é “dimensão legítima do

comportamento humano e da experiência humana”. Assim, “sermos de idades

biológicas diferentes” (LIPMAN, 1990, p.215), não nos torna “mutuamente

incompreensíveis”.

Ao lado da necessária rigorosidade metódica, o conhecimento filosófico tem

uma propriedade que lhe é característica que é despertar, inspirar e instigar.

Postman (1999) aponta para a necessidade do surgimento de uma “cultura de

resistência” como que confirmando os espaços requeridos por esta consciência que

aos poucos vai despertando.

A maior dificuldade para a relação docente-discente não parece ser a

competência técnico-científica. Embora esta seja uma séria exigência para o

professor, que lhe custa freqüente estudo e preparo adequado e cuidadoso, o

desafio do professor é aprender no cotidiano, sensível às necessidades do

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educando, criando todas as condições possíveis para assegurar na sala de aula o

ambiente democrático.

Existem aspectos muito singulares com relação às gerações mais jovens

que requerem do educador constantes adaptações. A geração digital pode

necessitar especial cuidado por parte do educador. Estes cuidados envolvem

posturas, equilibradas e abertas, para compreender os contextos das crianças que

experimentam aparatos tecnológicos, cada dia mais sofisticados, e as práticas

necessárias que possibilitem a boa formação reflexiva.

Proporcionar experiências que sejam significativas requer uma disposição,

nem sempre compreendida ou aceita pela cultura imediatista. Alguns, muito

apressados, o que é compreensível pela pressão dos resultados observáveis, se

perdem ao perder a essência da relação eminentemente humana e amorosa da

educação. Nesta dissertação estão inclusos professores que, sem esquecer das

rigorosas exigências do processo educacional, marcaram meu trajeto pela profunda

humanidade durante este mesmo processo.

O sentido deste resgate de memória pode trazer contribuições em pontos

de encontro que se revelam na capacidade de receptividade do professor,

importante para desengessar atitudes produzidas pelo pensamento mecanicista e

modelar um espaço de relacionamento humano entre educando e educador. Criando

assim espaços de confiança e solidariedade indizíveis por sua natureza se modela

o ambiente de aceitação e acolhimento. Tal é o ambiente propício para as

experiências que unam formação intelectual e sensibilidade.

Neste sentido, concorrem as palavras de Ortega Y Gasset (apud

KUJASWSKI, 1994, p.15) para quem “viver é não ter mais remédio senão raciocinar

ante a inexorável circunstância”. Viver é entender. Evidente que este entender

envolve todo o viver. Pensamos com nossa vida, e por mais complexo que pareça

se constitui um ato significativo, pois entender algo aponta para algo que vejo

movendo minha vida. A realidade radical assim se faz radicalmente inteligível.

Iniciei meu trabalho com crianças, como mãe, buscando educar meus filhos,

conhecê-los, compreendê-los e construir relacionamentos significativos. Nesta

vivência fui descobrindo aplicações práticas para muito dos ensinos apreendidos na

graduação, nos posteriores cursos de aperfeiçoamentos e nas muitas leituras,

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movida pelas minhas buscas. Marcada por uma cultura familiar cheia de narrativas e

leituras, própria da cultura gaúcha, onde se inserem as muitas histórias ouvidas na

infância que me instigaram às investigações nos movimentos da curiosidade e

necessidades intelectuais já presentes naquelas buscas.

Trabalhar com crianças pode exigir um despojamento e simplicidade interior

necessários pela própria natureza do relacionamento desprovido de certas

barreiras não construídas pelas crianças. A simplicidade e a espontaneidade das

crianças nos podem “desarmar”, exigindo contato com nossos recursos internos em

re-significar conteúdos na dinâmica do próprio relacionamento.

Aprendendo a contar histórias interativas, a construir materiais e a organizar

atividades que incluíssem meus filhos e seus amigos foram surgindo oportunidades

para participar de ações e organização de atividades com crianças em projetos na

comunidade local.

A descoberta do trabalho voluntário abriu espaços de compreensão para a

dimensão solidária da contribuição social. Até então, trabalhar com crianças era para

mim algo como que um chamamento à vida, prazer e privilégio desenvolvido fora do

exercício profissional.

Voltar a trabalhar com crianças como docente em filosofia no Ensino

Fundamental evoca toda uma dimensão de legítimo exercício de vida como que se

atualizando em seus chamamentos.

Quando Freire (2007) fala de um professor que não tema as próprias

dúvidas, parece estar implícita neste tipo de lógica uma abertura e um estar a

vontade consigo e com o outro. Este argumento parece permitir pensarmos que um

professor exigente movido pela necessidade de bom preparo intelectual não exclui

a flexibilidade que lhe mova também a ser amoroso, humilde e disponível para a

vida que se realiza no cotidiano do seu trabalho.

As crianças expressam de forma transparente seus sentimentos e como que

a desejar uma resposta não estudada desejam compreender algo que lhe parece

misterioso. O professor pode mesmo ter que reelaborar muitas das suas respostas

intelectualizadas em muitos momentos. Em muitas destas vezes, evocadas pelas

situações do cotidiano emergem atitudes e conteúdos tecidos nas mais diversas

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partes da história de vida que em seus aspectos “re-unem a criança ao adulto e que

re-unem o passado, o presente e o futuro” nestas reelaborações. (MACHADO, 2004,

p. 13)

Quando um aluno pequeno faz uma pergunta direta para o professor como

parte do diálogo sugerido pelo texto trabalhado, na maior parte do tempo o faz numa

sinceridade que requer do professor uma espécie de retomada daquela mesma

atitude sincera e aberta para considerar o assunto sob outro ângulo. Isto se

evidencia quando, por exemplo, uma menina de 8 anos, no meio da roda de debate

na aula de filosofia, lembrando do que ouviu sobre o caso da menina que foi morta,

provavelmente pelo pai, levanta a questão sobre o que esta menina teria feito para

receber este “castigo do seu pai”.

Estas são típicas oportunidades que levam as crianças a falar sobre muitas

questões, inclusive sobre o tema da morte, das relações familiares, das crenças e

valores. Nestes contextos o professor pode se colocar em contato com as seguintes

ponderações:

As diferenças entre as perspectivas da criança e do adulto representam um convite à experiência compartilhada da diversidade humana em vez de desculpa para hostilidade, repressão e culpa entre as gerações. Por exemplo, fosse a infância uma dimensão menos reservada e mais abertamente reconhecida da experiência humana, poderíamos esperar mais franqueza da parte dos filósofos ao admitir a extensão em que seus pontos de vista maduros são ornamentos sistemáticos de suas intuições e convicções firmemente possuídas na infância. (LIPMAN, 1990, p. 216).

Machado (2004), em sua obra “A Poética do Brincar”, relata que tinha 10 ou

11 anos quando se “apaixonou” por um poema que lia e relia. Segundo a autora algo

lhe intrigava ali. Ela se maravilhava justamente por uma espécie de dúvida que

sentia ao ler o texto, em relação ao que os pais diziam – seria mesmo verdade terem

perdido o nenê e acreditarem que ele pudesse estar num buraco de queijo?

Como professora de Filosofia para crianças, preocupada com um ensino que

fosse adequado aos pressupostos da Bioética, a opção pelas teorias de Lipman se

tornou adequada. A possibilidade de trabalhar aspectos relevantes para a formação

do pensamento aberto e reflexivo encontra em Lipman (1990) sentido em equipar as

crianças com as ferramentas da reflexão dentro de um ambiente de investigação.

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Esta proposta se apresenta viável para fundamentar a hipótese de que a

filosofia para crianças tem sentido e relevância para a formação que se apresente

basilar para questões bioéticas. Algo que não poderia deixar de citar, pela relevante

contribuição para esta pesquisa foi a vivência com a Colcha de Retalhos trabalhada

na disciplina Metodologia do Ensino Superior. Durante todo o preparo do meu

retalho pude relembrar experiências vividas durante os muitos anos do meu trabalho

com crianças, tanto na feliz e desafiadora experiência com meus filhos, quanto nos

muitos anos de trabalho voluntário, com crianças, em diversas comunidades.

No relato da experiência, em sala de aula, pude perceber o quanto este

tema se encontrava costurado na minha história. A vida acontece no cotidiano. O

“homem é mais do que previsibilidade”, onde a “certeza não é mais o pano de fundo

de suas ações”. Realmente, há uma necessidade de superar a fragmentação e

desarticulações das ações. (BERKENBROCK-ROSITO, 2008, p.83)

A partir desta fundamentação em Ostetto e Berkenbrock-Rosito (2008,

p.276) a oportunidade de observar os alunos - suas expressões atentas e curiosas

durante a vivacidade presente nas narrativas e interações com as crianças, a sala

de aula se apresenta como um “tecer e dançar histórias” integrando “imagens,

lembranças, sentimentos que nos constituem e dizem de nós”.

Nesta dinâmica ouvir o que “o outro dentro e fora de nós, tem a dizer e diz”

se constitui como “fios de lembranças” participantes do “rever temas, cenas e tramas

a serem capturados e trazidos à luz, identificando e elaborando sentidos e

significados do que nos passou, do que passa a cada um de nós, na experiência

vivida”.

O processo educacional da formação que humaniza inclui esta percepção de

“percursos, linhas, laços e nós da formação, procurando e desvelando processos

(auto) biográficos. Autobiografia como escrita de si, que segundo estas autoras

(2008, p. 278 ), se coloca como possibilidade de identificar as histórias que nos

fizeram. É na perspectiva desta compreensão situada, que emerge o problema desta

pesquisa: A contribuição do ensino de Filosofia para Crianças na educação em

Bioética.

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2 OBJETIVOS

2.1 Geral

Analisar aspectos do Ensino de Filosofia para Crianças a partir do

referencial de Matthew Lipman que possam contribuir para a Educação em Bioética.

2.2 Específicos

Estudar interfaces da bioética com o ensino de filosofia para crianças.

Apresentar referenciais teóricos de Matthew Lipman para o ensino de

filosofia para crianças.

Propor elementos para um plano de ensino de filosofia para crianças, de

modo que este se preste a incentivar a reflexão e o diálogo de forma sistemática e

intencional; a se apresentar a sala de aula como comunidade de investigação; a

provocar a reflexão das crianças em questões da Bioética.

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3 MÉTODO E MATERIAL DE PESQUISA

Este estudo se define como pesquisa bibliográfica em estudo de conteúdos

conceituais. O interesse aqui não é buscar dados de quantificação, mas, através da

técnica de análise de conteúdos, apresentar e interpretar significados contidos nas

teorias de autores da bioética e da filosofia para crianças com vistas à realização

dos objetivos propostos.

Não é objetivo deste estudo a apresentação de teorias pedagógicas, tarefa

que a área da pedagogia poderia dar contribuições relevantes. Por este motivo, não

serão analisadas correntes pedagógicas o que não impede referências pontuais a

determinados pedagogos ao longo do texto.

Este estudo se propõe apresentar justificativas filosóficas sobre a

aproximação das crianças com temas investigados com uma atitude de diálogo na

sala de aula considerada ambiente comunitário. Visa analisar os impactos que tais

reflexões podem gerar para a educação em bioética, sugerir temas que podem ser

abordados e compartilhar experiências obtidas em reflexões de temas filosóficos

com as crianças.

A intenção é oferecer um encontro dialógico de autores que refletem sobre a

humanização necessária para fazer frente à formação tecnicista contemporânea. O

enfoque hermenêutico torna-se necessário diante da natureza do problema. O olhar

compreensivo próprio da abordagem hermenêutica se torna adequado para a

postura de investigação que pretende abranger realidades do conhecimento

filosófico, desvelando sentidos e construindo significados. Compreender significa

assim uma apreensão de sentido. Isto sugere uma contínua disposição de

crescimento, uma noética – tal como vista por Aristóteles como doutrina da

inteligência, do entendimento (DUSSEL, 1997, p. 11).

Do ponto de vista histórico, a partir do século XIX, se começa a questionar a

legitimidade dos caminhos considerados apropriados para o conhecimento e o agir

racionais e o século seguinte encontra solo fecundo para profundos debates

movidos por crises e desencantamentos sobre certo tipo de racionalidade. A

investigação de dimensões do humano por características implícitas de

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subjetividades se coloca com enfoque distinto das investigação próprias das ciências

naturais.

A análise dos dados da pesquisa de cunho bibliográfica e as inferências

obtidas implicam em exposição filosófica, que consiste em caminhar para o objeto

não como um ato reto, mas como um conjunto de atos, como que esforços

sucessivos para captar a realidade do objeto. Segundo Morente (1980), é um

método indireto em que o ''espírito passeia ao redor do objeto, considera-o e

contempla-o de múltiplos aspectos". Os esforços que são feitos consistem em "ir

fixando, por aproximações sucessivas" as descobertas realizadas. O que é dito pode

ser contradito em algum momento pois faz parte deste caminhar. Desta forma

acontece, pois o objetivo é abranger a realidade do objeto e construir conceitos

(MORENTE,1980, p. 61).

As chamadas ciências humanas começam a fazer frente à tradicional

postura cartesiana e iluminista fundamentada na separação entre sujeito e objeto

característico das ciências naturais. Admite-se, a partir disto, que o envolvimento do

homem no processo do saber apresenta influências e características próprias que

sugerem distinções metodológicas entre o conhecimento do mundo natural e do

mundo antropológico (ALMEIDA, 2000). Uma postura humanista de abertura e

diálogo encontra na Hermenêutica filosófica um método de reflexão para o mundo

antropológico e as relações entre saber e agir, entre conhecimento e ética.

A visão de ligação, de ponte, de conciliação teve na intuição de Van Potter

acolhida para esta tarefa que vai encontrando seus espaços perfurando a resistência

de uma mentalidade que considera Ciências e Humanidades instâncias

irreconciliáveis.

A possibilidade do conhecimento baseado na superação da cisão entre o

sujeito observador e o objeto observado exige um compromisso humanista. Neste

sentido observa Erich Fromm que uma promessa humanista supõe libertação de

“laços tacanhos” e exige uma penetração até as profundidades de uma realidade

humana na qual “todos somos apenas humanos”.(FROMM, 1969, p. 93).

Nessa perspectiva, enfatiza-se o sujeito e suas circunstâncias, a

subjetividade como fonte legítima de produção de conhecimento, não abrindo mão

da formação científica, atenta aos movimentos de inclusão social, ações presentes

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na análise de sentido e possibilidade da Filosofia no Ensino Fundamental I e seus

significados à Bioética (BARBIER, 2007, p.14).

Esta leitura articula constantemente a implicação e o distanciamento, a

afetividade e a racionalidade, o simbólico, a mediação e o desafio. Ao propor

aspectos para um plano de Ensino há um grande interesse prático e se postula que

não se pode dissociar a produção do conhecimento dos esforços feitos para

conduzir possibilidades de mudanças.

Desse modo, uma visão que compreende que o princípio dialógico é

constitutivo da vida compreende também que o aparentemente inconciliável, se

apresenta conversando numa lógica de complementaridade antagônica. Aceitar o

lugar do paradigma da complexidade impõe uma visão sistêmica aberta.

Embora não seja intenção deste estudo abordar as teorias da complexidade,

vale lembrar que para Morin (2001) o pensamento da complexidade recoloca o

observador na observação. Isto significa toda uma concepção cultural de realidade

que não pode ser captada pelos métodos clássicos de ciência, pois são dimensões

que estão para além daquilo que as diferentes disciplinas fragmentadas conseguem

visualizar.

Dentro deste olhar, a escuta sensível reconhece a aceitação incondicional

do outro. Ela não julga, não mede, não compara. Ela compreende sem, entretanto,

aderir às opiniões ou se identificar com o outro. Possibilita reconhecer uma pessoa

em seu ser, na qualidade de pessoa complexa dotada de liberdade e de imaginação

criadora.

Este enfoque de acordo com Barbier (2007, p.85) envolve o “EU/TU

buberiano”, que instiga toda a sua presença para o outro e enfatiza uma

reciprocidade de olhar para a essência do ”rosto” de cada um no cerne de uma

vivência sensível de proximidade.

Desse modo, a interpretação não é uma verdade que é buscada. É uma

forma de escuta-sensível que possibilitará a observação com o cotidiano e com suas

surpresas, relevantes para ajudar a construir uma visão mais ampla sobre a

realidade vivenciada. As experiências, os problemas mais diversos podem se tornar

uma rica fonte de debate ético no ambiente de sala de aula. Assim, relatos de vida,

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documentos variados, até mesmo quadro de avisos na escola, fotografias de turma,

desenhos, canções, documentos em vídeo, as diversas produções dos alunos,

canções, brinquedos, poemas são considerados pertinentes para contextos

significativos em Bioética.

O presente estudo está estruturado em três partes que levam em

consideração a introdução, os objetivos, a historicidade do problema e a

metodologia proposta.

A primeira parte – “Interfaces da Bioética e Filosofia” – se almeja explicitar

as interfaces da Bioética com a Filosofia tecendo sentidos e possibilidades de

Filosofia para Crianças e aspectos da responsabilidade pela educação enquanto

cuidado com as futuras gerações. Destacando aspectos da Ética da

responsabilidade de Hans Jonas espera-se fundamentar uma análise que considere

o conhecimento que medita e reflete como dimensão legitimadora do humano,

apontando para a escolha da vida como valor situando o discurso numa Bioética de

responsabilidade.

A segunda parte, “Matthew Lipman e a Filosofia para Crianças”, pretende

situar as bases teóricas de Matthew Lipman, com as categorias diálogo cooperativo

e comunidade de investigação. Estes conceitos, centrais da sua teoria constroem

uma base para as crianças, a partir do ensino fundamental (1ª a 4ª séries) vivenciar

um ambiente propício para os debates filosóficos. A educação para o pensar se

encontra implícita nestas categorias. O diálogo socrático visto como fio condutor

enseja promover atitudes de respeito pelos pensamentos e concepções, percepção

do valor da vida e das construções comunitárias sensibilizando as crianças para a

importância do espaço democrático em sala de aula.

Na terceira parte – “A Bioética no plano de ensino de filosofia para crianças”

– se deseja propor aspectos necessários para um plano de ensino de filosofia para

crianças. Isto sugere uma ação prática que possa ser compreendida como

contribuição para a formação Bioética. Neste espaço pretende-se analisar alguns

aspectos e exemplificar com experiências e vivencias de filosofia com crianças.

Serão inclusas ilustrações de alguns trabalhos escolares infantis como depoimentos

das reflexões realizadas dando voz às filosofias das crianças.

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Em anexo constará um plano de ensino de filosofia para crianças, a título de

ilustração, e o documento da escola liberando o uso das imagens de arquivo. Optou-

se por incluir as ilustrações no corpo do trabalho, e não em anexo, para que as

reflexões sobre o plano se fizessem acompanhar das ilustrações como diálogo entre

os aspectos apresentados e os pensamentos das crianças.

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4 INTERFACES ENTRE A BIOÉTICA E A FILOSOFIA

4.1 Contextos e perspectivas da Bioética

A bioética, como campo de estudo, surge após a segunda metade do século

XX. Os novos poderes suscitados pelas pesquisas científicas trouxeram uma

necessária tomada de consciência das responsabilidades pelo uso destes poderes.

Respondendo a novos questionamentos, a bioética, mais do que disciplina, se torna

um campo interdisciplinar e transdisciplinar na medida em que se tornam comuns a

várias disciplinas muitas das questões discutidas.

O aparecimento e desenvolvimento da bioética enquanto fenômeno social

ou corrente de idéias se dá em meio à revolução social e biotecnológica. Os

elementos desencadeadores apontados por Durand (2007) se encontram entre

contextos sociais e culturais trazidos pela Segunda Guerra Mundial. Entre os

elementos assinalados pelo autor se encontra a fragmentação das esferas da vida e

da cultura marcada pela autarcia das instituições, como a família, escola, política, a

moral e a religião, e a especificidade das ocupações e profissões acentuando a

visão fracionada e pouco coerente de mundo.

Nas décadas seguintes a guerra, as pesquisas recebem orçamentos

privilegiados e, como decorrência dos desenvolvimentos nesta área, a ciência se

torna operatória associando-se às tecnologias de modos praticamente inseparáveis.

Como parte deste desenvolvimento, as crescentes intervenções sobre os

humanos suscitam movimentos importantes nas discussões éticas, marcando os

debates na esfera pública e na própria comunidade científica. As discussões sobre

direitos humanos se acentuam como marcas deste contexto. Segundo Lolas (2005)

o tema do valor e dos limites da pesquisa é um dos mais graves de conseqüência no

estabelecimento da bioética, concebida como ética aplicada. Há exigências

contraditórias e de difícil harmonização nas práticas presentes nas pesquisas que

demandam reflexão constante.

Deste modo, “a filosofia dos direitos humanos se tornará cada vez mais uma

fonte de inspiração múltipla para uma importante parte da reflexão bioética”

conforme aponta Hottois (apud DURAND, 2007, p 34).

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Como campo de saber, a bioética abrange o estudo da vida e da morte, da

saúde e da doença, da qualidade de vida e do meio ambiente. Filósofos, teólogos,

psicólogos, ambientalistas, biólogos e médicos, profissionais de várias áreas, se

engajam em pesquisar e compartilhar saberes. A abordagem interdisciplinar se

apresenta como característica adequada para formar a visão coerente com os

questionamentos realizados.

Este engajamento solicita dos diversos profissionais um distanciamento das

posturas tradicionais, configuradas pela especialização, na busca de novos

métodos. Uma necessidade de mudanças configura a preocupação com a prática,

com as decisões.

As contribuições dos autores da bioética apontam linhas e abordagens

próprias das diversas regiões culturais existentes. Reconhece-se que há aspectos

diferentes nas abordagens latino-americanas. Esta percepção é de grande interesse

para as reflexões éticas contextualizadas dos temas e debates. Estas reflexões são

ainda consideradas de interesse para todos os cidadãos na medida em que implica

o futuro da humanidade, envolvendo a dimensão educacional. (DURAND, 2007,

p.16)

Morais (1992), observa, discutindo sobre os efeitos das tecnologias sobre a

vida do homem, a relevância dos aspectos educacionais contidos no conceito de

conforto, por exemplo. O conforto, como jamais se ousou pensar, proporcionado

pelas tecnologias, suscitou uma expropriação dos sujeitos, distanciando-os da

reflexão sobre os custos destes benefícios.

Os benefícios trazidos pela ciência e pelas técnicas são de grande valor

para o homem moderno, mas não é possível negar as conseqüências preocupantes

e imprevisíveis que igualmente acompanham a crescente introdução das tecnologias

e aparatos complexos na vida cotidiana.

A bioética como movimento localizado na cultura americana, se torna uma

proposta para reflexões e ações em países com culturas similares e culturas com

grande diferenciais como no caso da América Latina. Conforme Gracia (apud

PESSINI; BARCHIFONTAINE, 2007, p. 17) a bioética traz em sua lógica interna uma

atitude de consideração para com as diferenças culturais presentes nos diferentes

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países, o que por sua vez implica às reflexões o respeito pelas diferenças contidas

nas diversas expressões culturais.

Todavia, inserida no contexto mundial, a construção dos conhecimentos da

bioética corresponde aos desafios presentes e futuros para as diversas regiões

culturais unidas em torno do tema da sobrevivência humana no planeta trazendo em

questão o repensar modelos de construção de conhecimentos bem com sua

transmissão via educação.

A ética1 assume séria tarefa em relação à tecnologia, e a filosofia nesta

tarefa assume compromissos educacionais que no dizer de Domingues (2006) a

insere de modo característico no século XXI. O filósofo, que virando as costas para

o mundo “encastelou-se em sua mente ou então nos textos refugiando-se nas

tecnicidades”, tem diante de si, no cenário da contemporaneidade, a possibilidade

de assumir compromissos com a realidade complexa e em rápidas transformações.

A filosofia, como lugar da reflexão e da experiência do pensamento reflexivo

é a dimensão inserida na bioética de modo indissolúvel. Cabe a ela instalar uma

sabedoria não religiosa, que para este autor é tarefa urgente num mundo em crise

de valores sem precedentes na história. Um mundo complexo que exige a atenção

do filósofo sem esquecer a tolerância e a responsabilidade inserida nas reflexões

dos temas filosóficos.

A sabedoria aludida pelo autor é instância maior do que o extrato de

conhecimentos. As implicações práticas e reguladoras das condutas dos indivíduos

exigem em sua dinâmica interna uma antevisão dos resultados das ações. Sem a

ponderação dos prós e contras das implicações das condutas não há sabedoria, não

há legitimidade de escolhas, não há engajamento e responsabilidade da filosofia em

suas reflexões éticas.

Anjos (2007) aponta para a história recente da Bioética no Brasil que, de

modo ágil, vem marcando o cenário cultural brasileiro pela importância das suas

reflexões. Convergindo para este ponto, Severino (2002) considera a crescente

1 Conforme Cortina e Martinez (2005, p.20), ética é o campo filosófico que constitui uma reflexão sobre os problemas morais. A moral perguntaria: o que devemos fazer? A pergunta ética seria por que devemos fazer? Ou seja, que argumentos corroboram e sustentam o código moral que estamos aceitando como guia de conduta?

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reflexão filosófica brasileira tematizando o humanismo que, neste sentido confirma o

crescente amadurecimento e comprometimento nas discussões bioéticas.

Entre várias correntes filosóficas, as vertentes neo-humanistas destacam a

afirmação da vida humana como tema central. Neste encontro, se percebe as

repercussões para as reflexões bioéticas. Preocupações existencialistas explícitas

buscam compreender uma interpretação da vida e o sentido da morte, onde todo o

aspecto da existência humana se torna importante.

Bioética e Filosofia no Brasil articulam-se delineando desafios oportunizados

pelas reflexões em torno de novas perspectivas que se apresentam como processos

educativos: a crise e o despertar para responsabilidades que solicitam do homem

contemporâneo respostas e atitudes.

As perspectivas filosóficas educacionais encontram no projeto bioético

reciprocidade e possibilidade de construção para a educação crítica e democrática.

Neste lugar, cabe insistir sobre o lugar da crítica ao modelo construído pela ideologia

da neutralidade científica mascarando sua função social como instrumento de poder.

Severino observa a necessidade do resgate para o projeto pedagógico de

revisões críticas do conhecimento científico. No cerne das questões bioéticas se

encontram inquietações emergentes:

A educação como crítica à rendição incondicional das instituições educativas aos imperativos ideológicos da ciência, à incorporação, por parte dos educadores, da postura dogmática do cientificismo e ao desprezo da relação subjetiva envolvida no compromisso pedagógico.

(...) uma nova pedagogia, capaz de resgatar a qualidade formativa das relações educacionais. (JAPIASSU apud SEVERINO, 2002 p.233)

4.2 Filosofia como fundamento educacional (bio)ético

Importante para ser discutida aqui é a concepção de filosofia que aos

poucos vai sendo redesenhada por sua relação intrínseca com a Bioética.

Caldera (1984) afirma que o momento que vivemos é de transição. Por isto a

crise. A crise do homem é a crise do mundo que ele habita. Até pouco tempo atrás,

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o homem apoiava-se em fundamentos que cederam lugar a outros, derivados de

novas escalas de valores para dirigir as ações do seu viver no mundo.

Mudanças desta natureza não acontecem repentinamente. São processos

históricos complexos, de relativa duração que vão incorporando no seu trajeto

estruturas culturais abrangendo:

Corpo de conceitos, categorias, valores e princípios que contribuem para dar forma e definir o entorno desse novo mundo conquistado. Enquanto isto ocorre, enquanto, qual marinheiro, o homem esquadrinha no horizonte o novo porto para ancorar, sua atitude diante do sistema da vida geral, em que transcorre a sua em particular, é radicalmente de ruptura, é fundamentalmente crítica. (CALDERA, 1984, p. 12)

A cultura se expressa quando está no processo de elaboração mediante a

atitude criativa constituindo hábitos, usos e costumes que são transmitidos como

herança a sucessivas gerações que recebem este patrimônio sem terem participado

de sua gestação.

Segundo Morais (1992), o exercício filosófico, como expressão cultural, é

interpretativo e ordenador. Deve voltar-se para a cotidianidade, pois, ao olhar

analítico, a aparente banalidade pode conduzir o intelecto à conexões de sentido

que estão implícitas nas estruturas dos costumes.

Para Caldera, há uma indagação que norteia as concepções, dividindo os

filósofos no que diz respeito às definições de filosofia:

Será a filosofia uma categoria histórica sujeita às leis da historiam às suas relações e paixões, a seus compromissos e situações? Ou ao contrário, o que define sua natureza ontológica será uma categoria estritamente racional, metafísica e a-histórica? (CALDERA, 1984, p.12)

A filosofia, para este autor, não é só expressão do pensamento humano, por

melhor que seja, mas também estilo e conduta. Por este motivo, ou a concepção

filosófica se mostra compatível com a conduta alheia ao mundo e refugiada na pura

racionalidade, ou se insere no mundo para “interpretá-lo e, sobretudo transforma-lo

com sua práxis” que se configura como ação e pensamento unidos.

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Toma importância compreender que procurar um ou outro destes caminhos

é uma decisão do filósofo e uma decisão de pessoa, que vive sua relação com o

mundo. Deste modo, a própria vida é considerada por Caldera categoria mediadora

entre sujeito e o objeto da reflexão.

Morin (2008) salienta o papel fundamental da filosofia em contribuir para o

desenvolvimento do espírito problematizador. Sua eficácia se encontra no poder de

interrogação e de reflexão dirigida aos grandes problemas do conhecimento e da

condição humana no mundo. A filosofia como disciplina quase fechada em si

mesma, deve retomar a missão que foi a sua desde Sócrates estendendo seu poder

de reflexão aos temas que afetam o homem em seu viver.

O termo filosofia deriva do grego phílos (amigo) e sophía (conhecimento,

saber) e tem praticamente tantas definições quantas são as correntes filosóficas.

Segundo Lovera e Nogaro (2003) pode-se definir filosofia, sem “trair” seu sentido

etimológico, como a busca da sabedoria, conceito que aponta para um saber mais

profundo e abrangente do homem e da natureza, que transcende os conhecimentos

concretos e orienta o comportamento diante da vida.

Pretende ser também uma busca e uma justificação racional dos princípios

primeiros e universais das coisas, das ciências e dos valores e uma reflexão sobre a

origem e a validade das idéias e das concepções que o homem possui sobre ele

mesmo e sobre o que o cerca. (LOVERA; NOGARO, 2003 p. 9)

O pensar, o filosofar é imperativo tanto para a produção de explicações,

quanto para a constituição de sentidos do viver humano. O exercício filosófico se

constrói no enfrentamento das questões envolvidas na busca de construção de

significados ampliando a visão sobre as questões e suas implicações deste viver no

mundo. Uma visão mais compreensiva de mundo ocorrerá se o exercício do pensar

receber atenção e cuidados especiais se houver interesse em aprimorar o modo de

pensar os temas das discussões.

Para criar conhecimento de forma consciente, autônoma e ponderada é

necessário saber pensar e, acima de tudo, bem pensar. A Filosofia é o campo em

que podemos desenvolver tal habilidade. Raths et al. (1977) inicia suas teorias sobre

o ensinar a pensar, citando Pascal (1623-1662):

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O homem é um caniço, a coisa mais frágil da natureza, mas é um caniço pensante. Para destruí-lo, não é necessário que todo o universo se arme; para mata-lo, basta uma gota d’água, basta um vapor. No entanto, ainda que o universo o destruísse, o homem continuaria a ser mais nobre do que aquilo que o mata, pois sabe que morre, e sabe qual a vantagem do universo com relação a ele; e isso é ignorado pelo universo. Portanto, toda a dignidade reside no pensamento. É através deste que devemos nos elevar, e não através do tempo e do espaço, que não podemos preencher. Procuremos, portanto, pensar bem; aí está o princípio da moralidade (PASCAL apud RATHS et al., 1977, p. epígrafe).

Se por filosofia entendermos um modo de pensar, uma postura diante do

mundo e não um conjunto de conhecimentos prontos, esta aproximação situa a

filosofia não como um sistema acabado e fechado. Neste olhar é possível distinguir

filosofia como sistemas filosóficos, correntes filosóficas e filosofia como atitude

filosófica. Pode-se depreender com base nesta última acepção de filosofia, seu

espaço de diálogo interdisciplinar.

O diálogo, como princípio filosófico, investigativo, cria espaços para a

construção e exposição de idéias, complementando-as e corrigindo-as. Como

princípio, pode ser considerado a “mola propulsora do filosofar e ponto de partida

para a ética”. Com Lovera e Nogaro (2003) observamos que há uma questão de

fundo: E possível fazer filosofia sem a presença do diálogo?

Esta concepção permite compreender que o modo de se colocar diante da

realidade implica a busca em refletir sobre os acontecimentos a partir das vivências

humanas que se dão no mundo que as cerca. Essa reflexão permite ir além da pura

aparência dos fenômenos, em busca de suas raízes e de sua contextualização em

um horizonte amplo que abrange os valores sociais, educacionais, históricos,

econômicos, políticos, éticos e estéticos.

Por essa razão, a Filosofia pode voltar-se a qualquer questão inerente ao

agir humano: pensar a vida, pensar a ciência, seus valores, seus métodos. O próprio

homem e seu estar no mundo. Valls (2004) afirma que este é o contexto apropriado

para a ética. Relembra a concepção Aristotélica de ética que é saber que nos ensina

a viver. Saber que é para ser vida. É “práxis” e não propriamente “theoria” e que

desde Sócrates, se pode observar como a ética trata de questões de vida ou de

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morte. Ilustra com a famosa passagem do “suicídio” imposto a Sócrates, condenado

pela democracia Ateniense:

Basta ler, por exemplo, o diálogo Críton, onde Sócrates instado a fugir, pede ao amigo que demonstre que ele “deve” fugir. O ensinamento ético não é, portanto, uma comunicação de um saber, mas é antes a comunicação de um poder, como nos dizia Soren Kierkegaard. Ética tem a ver com a arte de viver. (VALLS, 2004, p 14)

Segundo Lovera e Nogaro (2003 p. 9) o “amor pela sabedoria”, nos ajuda a

entender esta visão de ser humano que não possui uma compreensão absoluta e

exata sobre tudo o que se designa sabedoria. Isto situa a questão numa atitude de

busca permanente e circunscreve a educação como espaço de intervenção no

mundo.

Cabe destacar o olhar de Freire (2005), reforçando este ponto, que as

questões do homem envolvem o estatuto do homem de ser inconcluso. Ser que está

sendo em dada realidade que, sendo histórica é igualmente inacabada.

Neste movimento, a filosofia partindo do que existe, critica, coloca em

dúvida, faz perguntas, abre as portas para as possibilidades, faz-nos vislumbrar

outros modos de compreender a vida. Nesta busca pela raiz, pela essência, pelo

todo do saber dos objetos se envolve na tarefa de descobrir significados mais

profundos dos problemas que desassossegam o ser humano.

Com o livre exercício da razão, a busca filosófica se traduz em descobrir

sentidos, desvelar aspectos da realidade natural e humana, a origem e causas do

mundo, de suas transformações, das ações humanas e o próprio pensamento.

Temos em Sócrates a caracterização da reflexão filosófica como busca das

essências das coisas. Essa procura, centrada no ponto de vista do ser, dirige sua

atenção aos problemas do homem. O método dialógico se apresenta como

estratégia iniciadora das discussões dos diversos temas propostos pela realidade

que circunda o homem.

Para Lolas (2005), a bioética compreende o diálogo como método fundante.

Explicita o lugar deste campo de saber que, trazendo a tona problematizações

peculiares, fornece um contexto filosófico para as questões postas:

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Uma conquista técnica importante gera problemas que a própria técnica é incapaz de resolver. Tais problemas, que caberia chamar de dilemas, pois não parecem ter solução única, convertem-se em desafios não apenas para os que trabalham profissionalmente em sua formulação e sua solução, mas também para outras pessoas. Tornam-se problemas humanos.

Ao compreender as coisas deste modo, toca-se num extrato da humanidade que os especialistas, embora compartilhem e saibam da sua importância, pareciam ter esquecido. A motivação da ciência, da tecnologia, da medicina e de outras práticas sociais que produzem usos e coisas é certamente a satisfação, o bem estar da humanidade. A felicidade, como diria Aristóteles. E a felicidade é uma virtude que, como todas as virtudes, consiste em ser justamente o que se está predestinado a ser, levar à plenitude as potências inerentes a ser algo. E ser homem ou mulher significa muitas formas de felicidade plena, cuja listagem desafia toda unilateralidade e toda a especialização. (LOLAS, 2005 p.37)

4.3 Cultura científica e cultura humanista: desafios

Compreender a questão do que comumente se designa como dualidade

Ciências e Humanidades, e o esforço em superar a cisão posta entre estas duas

faces do conhecimento é uma tarefa que exige alguns apontamentos históricos. Van

Potter mencionou a necessidade de uma ponte entre conhecimento científico e

humanidades ao pensar a Bioética.

Segundo Almeida, (2000, p.7), já no século XIX se inicia uma reação crítica

à primazia das ciências objetificadoras que, separando rigidamente sujeito e objeto,

perde nesta postura a influência do humano na configuração do saber. Áreas

científicas como a história, a sociologia e o direito encontram problemas como o

olhar objetivo-racionalista próprio das ciências naturais. Esta reação estabelece uma

base adequada para opor-se à dominação das ciências pela “visão objetificadora”,

ou em outros termos, pelo uso meramente instrumental da razão humana.

O nome desta oposição encontra na hermenêutica moderna um termo que

“contrapunha ao caminho causal-explicativo uma doutrina do compreender

caracterizada, antes de tudo pela exposição e avaliação do envolvimento do homem

no processo do saber”. A importância deste ponto é reconhecer o fato de que no

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processo de compreensão há experiências ontológicas subjacentes a cada reflexão

(ALMEIDA, 2000, p. 7).

A “racionalidade iluminista”, responsável, segundo muitos autores, pela

condução da sociedade moderna aos problemas ecológicos e sociais, devido à

exploração exagerada dos recursos naturais e à desagregação social, precipitando

uma crise, favoreceu as ciências humanas repensar o lugar do homem no ambiente

em que se encontra.

Segundo Morin, a grande separação entre a cultura das humanidades e a

cultura científica agravada no século XX, traz desdobramentos com sérias

conseqüências para ambas constituindo-se em desafios éticos que necessitam ser

superados:

A cultura científica, bem diferente por natureza, separa as áreas do conhecimento; acarreta admiráveis descobertas, teorias geniais, mas não a reflexão sobre o destino humano e sobre o futuro da própria ciência. A cultura das humanidades tende a se tornar um moinho despossuído do grão das conquistas científicas sobre o mundo e a vida, que deveria alimentar suas grandes interrogações; a segunda, privada da reflexão sobre os problemas gerais e globais, torna-se incapaz de pensar sobre si mesma e de pensar os problemas sociais e humanos que coloca.

O mundo técnico e científico vê na cultura das humanidades apenas uma espécie de ornamento ou luxo estético, ao passo que ela favorece o que Simon chamava de general problem solving, isto é a inteligência geral que a mente humana aplica aos casos particulares. O mundo das humanidades vê na ciência apenas um amontoado de saberes abstratos e ameaçadores. (MORIN, 2008, p 19)

Ainda há que se considerar, por conta desta cisão, a inadequação

perceptível entre saberes separados, fragmentados e compartimentados entre

disciplinas de um lado e de outro as realidades complexas exigindo uma visão

multidimensional.

Esta questão, conforme Junges (2006), aponta a insuficiência do

conhecimento científico trazendo no fundo um problema ético, pois, na modelagem

do pensamento reducionista e fracionado, temos como conseqüência posturas e

decisões equivocadas quando se trata de assuntos tais como o cuidado com seres

humanos, e realidades ecoambientais.

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Neste sentido, pode-se dizer que é necessária uma ‘ética para o

conhecimento’. A complexidade e a transdisciplinaridade são uma resposta aos

problemas éticos da crise atual do conhecimento científico. A bioética é uma

abordagem complexa e transdisciplinar dos desafios éticos apresentados por um

conhecimento fracionado da saúde humana e do ambiente natural que inspira e

fundamenta o desenvolvimento das biotecnologias. (JUNGES, 2006, p. 18)

Neste fio condutor se pode perceber que o conceito de cuidado, por

exemplo, na área da saúde envolve compreensões mais amplas sobre significado da

vida e capacidade de perceber e compreender a si mesmo e o outro situado no

mundo e sujeito de sua própria história.

Segundo Pessini e Bertachini (2004) a profunda crise de humanização que a

sociedade atual enfrenta contextualiza a desafiante tarefa do pensar complexo. Os

cuidados da área da saúde afim de que sejam mais humanos assim como os

relacionamentos entre profissionais e pacientes exigem articulação entre técnica e

sensibilidade. Em suas considerações os autores perguntam sobre o lugar do

humano em seus atributos de tolerância, compaixão e solidariedade como valores

de permanência e não “descartáveis” e mecânicos nas ações realizadas.

Este olhar sustenta o argumento que a humanização dos cuidados em

saúde pressupõe considerações pela essência do ser, respeito à individualidade,

considerando como necessárias, as construções de espaços concretos nas

instituições de saúde que legitime o humano das pessoas envolvidas.

A sensibilidade, como dimensão legítima do humano, precisa ser integrada

ao processo cultural e educacional capacitando as pessoas no exercício profissional

a autorizar o humano, recuperando uma visão de conjunto, superando a visão

fragmentada modelada pela hiperespecialização.

A crise do século XX trouxe como contribuição o “conhecimento dos limites

do conhecimento”. E neste sentido, “conhecer e pensar não é chegar a uma verdade

absolutamente certa, mais dialogar com a incerteza”. O fim do século XX nos

apresentou uma compreensão de que nosso futuro não é dirigido pelo progresso

histórico. Preparar-se para o futuro deste modo traduz-se em esforços para pensar

bem, exercitar-se na reflexão estando consciente da ecologia da ação. (MORIN,

2008, p 61)

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Os desafios postos pelas exigências contemporâneas requerem uma

nova cultura, diferente daquela trazida pela hiperespecialização. Mas a que prepare

as pessoas com uma “nova formação aprofundada e especializada” como também

“interdisciplinar, pois é especializada ao redor de problemas, e não de disciplinas ou

profissões.” Imprescindível se apresenta a esta tarefa a formação do pensamento

acostumado aos procedimentos científicos e aos “vôos da reflexão mais larga e

filosófica”. (Valls, 2004, p.132)

O grande desafio que ocupa o lugar central desta articulação entre

Ciências e Humanidades é a dimensão ética. A preocupação ética, a inquietação

com uma ética verdadeira, baseada no questionamento sobre o sentido da

existência, envia diretamente à questão do sentido de pessoa. Na bioética, é da

pessoa que se trata: das pessoas concretas, singulares, do próprio sentido de

pessoa, de conceitos de respeito, dignidade e responsabilidade. (DURAND, 2007, p

61)

Neste entendimento, a Bioética é “crítica no sentido em que considera que a

articulação e a integração da pesquisa e do desenvolvimento tecnocientíficos na

sociedade global não são evidentes, são complexos e exigem negociação.”

(HOTTOIS apud DURAND, 2007, p 33).

As conseqüências trazidas pelo privilegiar a separação em detrimento da

ligação entre saberes, foram a de isolar os objetos de seu contexto natural e do

conjunto do qual participam. Neste ponto se evidencia algo fulcral na discussão

bioética:

O ser humano que nos é revelado em sua complexidade: Ser, ao mesmo tempo totalmente biológico e totalmente cultural. O cérebro, por meio do qual pensamos, a boca, pela qual falamos, a mão, com a qual escrevemos, são órgãos biológicos e, ao mesmo tempo, totalmente culturais. O que há de mais biológico – o sexo, o nascimento e a morte – é, também, o que há de mais impregnado de cultura. Nossas atividades biológicas mais elementares – comer, beber, defecar – estão estreitamente ligadas a normas, proibições, valores, símbolos, mitos, ritos, ou seja, ao que há de mais especificamente cultural; nossas atividades mais culturais – falar, cantar, dançar, amar, meditar – põem em movimento nossos corpos, nossos órgãos; portanto nosso cérebro. A partir daí, o conceito de homem tem dupla entrada: uma entrada biofísica, uma entrada psicossociocultural; duas entradas que remetem uma à outra.

À maneira de um ponto de holograma, trazemos no âmago de nossa singularidade, não apenas toda a humanidade, toda a vida, mas

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também quase todo o cosmo, incluso seu mistério, que sem dúvida, jaz no fundo da natureza humana.

Eis, pois, o que uma nova cultura científica pode oferecer à cultura humanística: a situação do ser humano no mundo, minúscula parte do todo, mas que contém a presença do todo nessa minúscula parte. Ela o revela, simultaneamente, em sua participação e em sua estranheza ao mundo. Assim, a iniciação às novas ciências torna-se ao mesmo tempo, iniciação a nossa condição humana, por intermédio dessas ciências.( MORIN, 2008, p. 40)

A bioética integra a revolução científica iniciada a partir dos anos 1960 que,

gerando grandes desdobramentos, introduzem uma cultura que leva a ligar,

contextualizar saberes até então compartimentados e que por conta deste

movimento com a possibilidade de articular disciplinas umas às outras, fecunda

novas formas de conceber os conhecimentos.

O novo “espírito científico” requerido por Morin, modela uma cultura que

favorece a inteligência geral, a aptidão para problematizar e a ligação dos

conhecimentos. Nesta cultura, há lugar para a renovação do “espírito da cultura das

humanidades”.

A importância da cultura humanística favorece a “aptidão para a abertura a

todos os grandes problemas, para meditar sobre o saber e para integrá-lo à vida, de

modo a melhor explicar, correlativamente, a própria conduta e o conhecimento de

si”. Este é o espaço para a formação de uma consciência humanística e ética de

pertencimento à espécie humana como fio unificador e do abandono do “sonho

alucinado de conquista do Universo e dominação da natureza” (MORIN, 2008, p.

33).

Na ética de pertencimento à espécie humana a ciência humanizada supõe a

qualificação da vida e tem como horizonte a dignidade da vida como valor universal:

Nesse mesmo momento, ela não pode prescindir da consciência de que a vida humana somente será garantida e qualificada com o respeito ao cosmos como um todo.

A intransigência dialógica ou o fundamentalismo científico caracterizam ciência ainda como dominadora, corrupta e técnica. Há, então, um indicativo de que a ciência não está universalizada para a progressiva dignidade da vida, mas universalizando-se a serviço das forças financeiras e sustentado o imperialismo do capital.

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Estabelecer fóruns internos de discussão, de crítica e auto-crítica e manter canais sociais conectados com a cidadania, inserir-se no meio popular para ouvir e aí aprender, é indispensável para que a humanização da ciência seja concreta. (GARRAFA , 2005/2006, p. 13)

Uma nova articulação entre ciências e humanidades se encontra tecida nos

referenciais epistemológicos da Bioética que, conforme Garrafa (2005/2006),se

combinam respeito pelos pluralismos morais apresentados pelas sociedades do

século XXI. A “aptidão inequívoca” para constituir um novo centro de conhecimento

basicamente multi-inter-transdisciplinar se une ao atributo filosófico de uma ética

comprometida em proporcionar respostas concretas aos conflitos e demandas.

4.4 Alguns aspectos da reflexão bioética atual

Segundo Durand (2007 p.407) se pode compreender a bioética como

campo de estudo multidisciplinar, nova abordagem com um conjunto de práticas e

discursos e acontecimento social e cultural. Estes estudos envolvem ética médica e

da enfermagem, ética filosófica e ética religiosa. É um lugar de discussões sobre

temas, como também sobre sua natureza, objetivos, métodos e campo.

Há ainda a questão do lugar do seu nascimento, que segundo se diz, foi

nos Estados Unidos nos anos 1960. Mas, como afirma Durand, a bioética como

movimento emergiu simultaneamente, em todos os países retentores de tecnologias

biomédicas, por preocupações comuns derivadas destas tecnologias.

Para o autor a bioética constitui uma ética. Neste sentido é uma

transdisciplina. É nova porque muitos temas e problemáticas são novas. Ao mesmo

tempo não é nova, pois aponta para questionamentos filosóficos humanos de fundo,

considerados desde a antiguidade.

Referindo-se mais especificamente as questões da saúde e da vida

humana pode ser considerada ética setorial com reflexões sobre a vida e a morte,

sobre a saúde e a enfermidade, felicidade e sofrimento, nascimento e

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envelhecimento e, campo filosófico com indagações constantes nas problemáticas

específicas causadas pelo desenvolvimento das tecnologias biomédicas.

A ética é responsabilidade de todas as pessoas e, tendo como horizonte a

liberdade e a vontade como possibilidades do ser humano, é convocação. Há,

segundo o autor em cada sujeito uma capacidade ética mínima que a formação

familiar, escolar e pessoal pode desenvolver.

Durand (2007, p. 416) salienta a importância da formação educacional que

proporcione aos indivíduos uma compreensão para manter um diálogo fecundo com

outras ciências, com os contextos médico, social e tecnocientíficos. A bioética como

ciência da sobrevivência tem como desafio maior e compromisso inevitável as

questões de justiça. Justiça entre etnias e nações. Justiça entre cidadãos e cidadãs

de um Estado, promovendo o respeito pela igualdade fundamental dos sujeitos.

Neste sentido a ética é uma questão de visão, de interrogação, de

legitimação que não se interessa apenas pela ação exterior como também pela

questão de motivação, de intenção e de atitude. Torna-se adequado sob este ponto

mencionar a necessidade da afirmação de virtudes e valores tais como a

solidariedade, prudência, beneficência, justiça e equidade.

Os problemas, surgidos pelas inovações tecnológicas, quase em todos os

lugares suscitaram reflexões e respostas. Embora os autores americanos tenham

privilegiado um tipo de modelo, logo surgem abordagens diferentes como diferentes

são as perspectivas de visão dentro das problemáticas das diversas regiões

culturais como, por exemplo, a da cultura anglo-saxã e a da cultura latino americana.

Cassol (2006, p. 110) afirma que a bioética “precisa superar seus vínculos

primeiro-mundistas e discutir a emancipação da ciência latino-americana.” Sem

esquecer suas origens, mas incluindo a atualização temática e conceitual apropriada

a esta região cultural. Ser bioética latino-americana é discutir a vida sob o olhar da

emancipação, da autonomia, da libertação. Na sua temática se faz necessário o

refletir que oportunize um olhar de mundo comprometido com valores que

“dimensionem, ao infinito, a vida e a dignidade humana.”

As diversidades culturais e étnicas articuladas com aspectos educacionais

e pluralidade de convicções religiosas presentes nos países geram questões

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complexas. Observa Cassol (2006, p.112) que, enquanto no primeiro mundo há

campanhas pró-eutanásia pelo entendimento de interromper a vida dos pacientes

terminais, os latino-americanos buscam alimentos para grande parcela da sua

população. Enquanto cientistas da Europa e dos Estados Unidos discordam sobre o

ponto de “vitalização” do embrião, na “porção meridional do mundo” a prioridade

latino-americana ainda é salvar as crianças nos primeiros dias de vida, e cuidar para

que não morram em sua fase inicial.

O diálogo, inclusão social, cidadania e direito de participação se tornam

marcas de uma genuína reflexão da bioética latino-americana. Estar a serviço da

vida implica compromisso com o ser humano e com todas as formas de vida que

compõem o cosmos:

A vida está acima de tudo e de todos, a vida com dignidade. É ela o fundamento de todas as ações científicas e pesquisas realizadas. A vida é o horizonte último para o qual devem convergir todos os conhecimentos e construções. A Bios, aplicação da qual se ocupa a ética, é cosmológica, total, plena e não pode estar limitada a discussões distanciadas da realidade dos povos pobres. O Ethos latino-americano precisa estar incluído nas reflexões e na aplicabilidade da Bioética. (CASSOL, 2006, p.110)

O olhar eticamente solidário e responsável compreende os adultos e as

crianças inseridos no ecossistema e dele dependentes e não numa situação de

dominação que coloca o homem e sua técnica como “senhores do cosmos.” É uma

condição de fronteira para a bioética este assumir a solidariedade como

possibilidade qualificadora do ser humano e de dignificação do sujeito.

Legarda (2007, p. 332) fazendo uma leitura crítica sobre a bioética latino-

americana assinala que com a introdução de novas tecnologias médicas na América

Latina se constatou realidades de profundas “iniqüidades” sociais e diferenças na

qualidade de vida. Numa mesma cidade se poderia encontrar uma Unidade de

Cuidados Intensivos altamente sofisticada e um hospital em regiões pobres sem o

básico para a atenção primária de saúde. Esta realidade de desigualdade se colocou

de modo claro como sinal que uma bioética latino-americana não poderia ser “um

simples reflexo” da bioética feita nos Estados Unidos.

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Siqueira, Porto e Fortes (2007, p. 168) mencionam relevantes aspectos da

bioética de intervenção que, no Brasil, vem se destacando por seu âmbito de

atuação. Esta pretende canalizar esforços de construção epistemológica e

metodológica que incluam a dimensão social percebida como “âmbito real da

produção do adoecimento.” Há no “reconhecimento da idéia de saúde como

qualidade de vida, expandindo-se em direção ao reconhecimento do contexto social”

legitimidade para estudos e intervenção bioéticos.”

Apontando a questão das desigualdades socioeconômicas, a exclusão de

grandes maiorias das condições que caracterizam a qualidade de vida presentes no

Brasil, os autores salientam a necessidade de fomentar e fortalecer a noção coletiva

de pertencimento a uma mesma sociedade modelada por uma cidadania comum e

partilhada por todos.

Outro aspecto relevante apresentado é o reconhecimento da necessidade

de apoiar a libertação, promover o empoderamento e garantir a emancipação das

pessoas, procurando a inclusão plena destas na dinâmica das relações na

sociedade. Estes pontos articulando-se integram um processo que contempla o

plano individual, as inter-relações na coletividade estendendo-se à dimensão social,

visando a plena construção da cidadania.

A noção de libertação, considerada por Freire (2007) marco educacional

constrói o entendimento que considera o saber imprescindível para o alcance de

poder. As condições para o autêntico exercício da cidadania precisam ser

conquistadas pelos sujeitos através de uma educação emancipadora e libertadora.

Desta noção deriva a perspectiva que, se expandindo à área da saúde, modela a

bioética de intervenção como direito que tem todos os seres humanos de usufruírem

de direitos essenciais apontados nos tratados internacionais de direitos humanos.

(SIQUEIRA; PORTO; FORTES, 2007, p.171)

O empoderamento, mencionado pelos autores, refere-se às condições

essenciais para que as pessoas disponham de poder pessoal suficiente para a

libertação da fome, da pobreza e de outras questões aviltantes, inclusive as relativas

à preservação ambiental, geradas pela sociedade moderna. Há nesta idéia uma

necessidade de superação de estereótipos e marcas construídos que, por

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reproduzirem comportamentos assimétricos nas relações sociais, criam injustiças e

discriminações frente questões de sexo, cor, idade e classe social das pessoas.

O conceito de emancipação, referindo-se a capacidade de uma pessoa

exercer plenamente sua cidadania, aponta para a necessidade de superar os

condicionantes que impedem os sujeitos de conquistar a saúde e a educação.

Romper a dependência e alcançar a emancipação se constitui fator que pode

consciêncientizar sobre os poderes que movem as inter-relações sociais,

possibilitando uma atuação segundo padrões éticos e responsáveis com escolhas

que oportunizem maior qualidade de vida.

Considera-se aqui um aspecto essencial apontado pelos autores que situa a

bioética:

como crítica à forma como o poder pessoal foi percebido (e distorcido) pela visão anglo-americana de autonomia. Ao privilegiar tomadas de decisões individualistas, etnocêntricas e antropocêntricas, essa interpretação conduz ao que Foulcault descreve como a imposição assimétrica do poder dos mais fortes sobre os mais fracos. Por isto, essa vertente chama a atenção para a inadequada utilização da bioética como instrumento neutro de interpretaçào acrítica dos graves conflitos morais da sociedade de mercado. Mostra que amarada no desenvolvimento científico e tecnológico, a lógica capitalista transformou as sociedades humanas em ambiente de troca de interesses onde sempre acaba prevalecendo a força sobre a razão, desconsiderando quaisquer parâmetro ético que visem à construção de sociedade mais justa e solidária. (SIQUEIRA; PORTO; FORTES, 2007, p.172)

Nas reflexões da bioética brasileira, encontram-se características apontadas

por Siqueira, Porto e Fortes (2007, p. 182) tais como a defesa do vulnerável,

exercício dialógico como forma de enfatizar as construções comunitárias e valorizar

a inclusão, e a defesa da dignidade da pessoa humana. A dignidade humana está

diretamente integrada com o conceito de respeito ao indivíduo, a grupos e

segmentos sociais, sublinhando como segmentos mais vulneráveis as crianças e os

adolescentes e, como apontam os autores, o da bioética feminista.

Conforme o artigo 23 da Declaração Universal de Bioética e Direitos

Humanos (2005) se evidenciam a busca em “alcançar uma melhor compreensão das

implicações éticas dos avanços científicos e tecnológicos em especial para os

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jovens” e o esforço para “promover a formação e educação em bioética, em todos os

níveis.” O que se espera é o estímulo para “disseminar informações e conhecimento

sobre bioética.” A reflexão crítica em educação não pode ignorar a repercussão que

o avanço das biociências provoca na visão de mundo atual. Contemplado no artigo

19, está o “promover o debate, a educação e a conscientização do público e o

engajamento com a bioética.”

Para Sanches e Souza (2008, p. 285) um importante aspecto apresentado

pelo caráter interdisciplinar e plural da bioética é a possibilidade que as pessoas têm

de vivenciar experiências nos comitês de ética em pesquisa. A composição destes

grupos prevê a inclusão de “profissionais da área da saúde, das ciências exatas,

sociais e humanas, incluindo, por exemplo, juristas, teólogos, filósofos, bioeticistas e,

pelo menos, um membro da sociedade representando os usuários da instituição”

(MS, Resolução 1967, VI. 4 apud SANCHES; SOUZA, 2008, p 286). Segundo os

autores isto nos dá uma boa idéia da relevância e pertinência do preparo necessário

da educação para a bioética pelas ferramentas oferecidas por ela para a

compreensão da inter, multi e transdisciplinaridade.

4.5 Nova face do imperativo (bio)ético: Responsabilidade

Presente nas discussões intrínsecas à bioética, encontra-se uma questão

que permeia os problemas e conflitos: a responsabilidade. Este referencial vai

configurando novos compromissos históricos e culturais.

Hans Jonas, filósofo de família judaica com profunda formação

humanística pensou uma abordagem ética compatível com a civilização tecnológica.

Conforme Bingemer (JONAS, 2006, p.17) um momento importante da reflexão deste

filósofo acontece em 1966 com a publicação de sua obra “The Phenomenon of Life,

Toward a Philosophical Biology.”

Abre-se novo caminho de reflexão sobre a “precariedade da vida”,

mostrando que é um raciocínio equivocado isolar o homem da natureza, como

conceberam os idealistas e os materialistas. Para ele pelo fato da “continuidade da

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mente com o organismo, do organismo com a natureza” a ética torna-se “parte da

filosofia da natureza”. Sua concepção é que “somente uma ética fundada na

amplitude do ser pode ter significado”.

Outro momento significativo ocorre em 1979 com a obra O Princípio

Responsabilidade. Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Esta obra,

traduzida para a língua portuguesa em 2006, dá continuidade à sua caminhada

intelectual procurando agora estabelecer bases para uma nova ética centrada na

responsabilidade.

Para Jonas (2006), “a promessa da tecnologia moderna se converteu em

ameaça” e estas se associaram de forma indissolúvel. Esta questão se coloca para

além da ameaça física e amplia as noções de fronteiras. Os contornos das questões

se dão em escala planetária. A ética tradicional, modelada para um tipo de

experiência do homem no mundo, não tinha como horizonte da sua práxis as

modalidades completamente novas do poder, em amplitude e extensão.

Sua visão de homem como responsável pelo futuro modela a exigência

radical perante o poderio tecnológico disponível. Assim:

[...] as antigas prescrições da ética “do próximo” – as prescrições da justiça, da misericórdia, da honradez, etc. – ainda são válidas, em sua imediaticidade íntima, para a esfera mais próxima, quotidiana, da interação humana. Mas essa esfera torna-se ensombrecida pelo crescente domínio do fazer coletivo, no qual ator, ação e efeito não são mais os mesmos da esfera próxima. Isso impõe à ética, pela enormidade de suas forças, uma nova dimensão, nunca antes sonhada, de responsabilidade. (JONAS, 2006, p. 39)

A ética da responsabilidade, compreendida a partir de Jonas, envolve

desdobramentos em plano individual, público e planetário. Garrafa (2005/ 2006)

observa que em todos os temas intrínsecos à bioética, a ética da responsabilidade

atravessa longitudinalmente os problemas e conflitos a serem tratados. No plano

individual refere-se ao papel e aos compromissos que cada sujeito tem que assumir

frente a si mesmo e aos seus semelhantes, com ações privadas ou públicas,

singulares ou coletivas.

A responsabilidade pública aponta papéis e deveres dos Estados

democráticos frente a questões universais como a cidadania, direitos humanos, e

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compromissos perante as cartas constitucionais de cada nação, especialmente à

saúde e educação, compromissos com a vida das pessoas; a ética da

responsabilidade planetária, se refere ao compromisso de cada um de nós, cidadãos

do mundo e das nações, diante do desafio em preservar o planeta, em respeito às

futuras gerações.

Segundo Zancanaro (2002), a ética da responsabilidade compreende a

necessária reflexão filosófica suscitada pelo niilismo moderno alienante e divorciada

das conseqüências do poder. A indiferença com relação à vida, o excesso de poder

tecnológico vem modelando um estilo de vida que necessita ser confrontado por

imperativos éticos que tornem possível o despertar da consciência para refletir, não

por um idealismo, mas sim por uma questão de sobrevivência.

O imperativo ético “aja de modo a que os efeitos da tua ação sejam

compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a terra”

compreende novas dimensões para as ações em termos de espaço e de tempo.

Este não colocar “em perigo as condições necessárias para a conservação

indefinida da humanidade sobre a terra” aludida por Jonas traduz novo estilos de

vida e novos compromissos educacionais. (JONAS, 2006, p. 47)

É nítida a preocupação desta abordagem com as conseqüências de longo

prazo das ações humanas. O agir deve ser precedido com a avaliação das ações

segundo a vida humana que se torna um imperativo. Ações desprovidas de

responsabilidade não podem mais ser justificadas pelo perigo que representam.

A ética para o futuro começa hoje tendo em vista as gerações futuras.

Poder-se-ia traduzir por: tendo em vista o amanhã, se comprometa em proteger os

futuros descendentes da humanidade das conseqüências das ações presentes.

Neste lugar, cabe relembrar a visão de Postman (1999, p.11) contida na

epígrafe: “As crianças são mensagens vivas que enviamos a um tempo que não

veremos”. Qual mensagem que o tempo presente está preparando para o futuro? Se

for mensagem de cuidado e de prudência temos, fundamentados em Jonas,

compromissos filosóficos que envolvem a educação crítica, ética e reflexiva,

alinhada com ações humildes diante do poder da tecnociência.

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Uma consciência que inclui o futuro da humanidade nas escolhas

presentes. Uma educação que considera o direito de escolher sem arriscar a não-

existência de gerações futuras por causa dos equívocos da atual. Nesta visão há um

dever para com o que ainda não existe.

Como relevante recorte para este estudo encontra-se a questão proposta

por Jonas (2006, p. 57) sobre a projeção de longo prazo diante de prognósticos

ameaçadores. Para o autor, “novos tipos e limites do agir exigem uma ética de

previsão e responsabilidade compatível com esses limites, que seja tão nova quanto

às situações com as quais ela tem de lidar.”

Diante dos contornos do poder tecnológico apontado por ele, encontra-

se questões sobre o meio ambiente, prolongamento da vida, manipulação genética,

e controle do comportamento a partir de intervenções diretas no cérebro por

eletrodos ou substâncias químicas. Não estamos preparados para julgarmos

questões assim como base em princípios éticos estabelecido em épocas anteriores.

As possibilidades benéficas e perigosas estão presentes, mas não a clareza de

limites. São inúmeras as questões de direitos e dignidade humanas que se levantam

a partir destes questionamentos.

O sonho ambicioso, no que diz respeito às questões genéticas, está

“condensado na frase de que o homem quer tomar em suas mãos a sua própria

evolução”, não apenas para conservar a espécie, mas para melhorá-la e modificá-la.

Isto implica em repensar à luz do que sabemos hoje se temos direito à isto e se

somos qualificados para isto o que impõe à ética, pela enormidade da questão, uma

nova dimensão de responsabilidade, de respeito, de cuidado e de temor (medo).

Temas desta natureza se ligam em aspectos educacionais ao se levantar

como questão o “induzir disposições de aprendizagem em crianças na escola por

meio da prescrição maciça de drogas, e assim contornar o apelo à motivação

autônoma”, ou se devemos ou não “superar a agressão por meio da pacificação

eletrônica de regiões cerebrais”.

Estas reflexões, segundo Jonas, nos mostram como ponto crítico, para

alem da questão dos efeitos colaterais, o fato de que ao contornar o caminho

humano para enfrentar problemas humanos com substituições de mecanismos

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impessoais, algo da dignidade é subtraída e mais um passo é dado no “caminho que

nos conduz de sujeitos responsáveis a sistemas programados de conduta”.

Neste olhar, decisiva é a questão sobre “que tipo de indivíduos torna

valiosa a existência de uma sociedade como um todo”. Jonas, afirma que ao longo

da jornada da crescente manipulação social em detrimento da autonomia individual,

emergem questões de valor, no sentido do “valer a pena de todo o empreendimento

humano” (JONAS, 2006, p.57).

A perspectiva apresentada por Jonas aponta direções para o projeto

educativo responsável e emancipatório. Segundo Oliveira (2004) cada sociedade

busca compreender que tipo de cidadão se pretende formar dentro dos espaços

geográficos e contextos históricos.

A sociedade moderna ocidental, considerada democrática, se encontra

diante de um desafio sem precedentes no que diz respeito às questões

educacionais. Pelo fato da humanidade ter concebido, ao longo dos séculos, dois

tipos de racionalidades, uma voltada à emancipação dos homens e outra voltada à

instrumentação para a conquista e transformação da natureza, inclusive a do próprio

homem, se percebe no cerne da produção e transmissão dos conhecimentos,

questões éticas prementes.

Lima (2004) salienta que a contradição pedagógica se evidencia na

dificuldade em tornar compatível a proposta educacional integradora e

pluridisciplinar e uma estrutura de pensamento de base cartesiana, dualista e

fragmentada, condicionada por uma ética antropocêntrica. Uma educação que cindi

natureza e cultura não se constitui base para promover uma cultura de

sustentabilidade ambiental, por exemplo.

Como instrumento privilegiado de humanização e direcionamento social, a

educação guarda possibilidades extremas de conservar ou transformar a ordem

socialmente estabelecida. Nas sociedades contemporâneas, o indivíduo encontra-se

submetido a forças do ambiente reproduzindo culturas divididas, valores individuais

e estilos de vida incompatíveis com a civilização tecnológica.

A ética da responsabilidade constitui-se promissora e necessária base

educacional por enquadrar-se numa investigação antropocósmica, alargando a

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compreensão das pessoas sobre o viver respeitoso em comunidade. Segundo

Zancanaro (2002) o pensar guiado pelo imperativo ético da responsabilidade, torna

possível a consideração para com a preservação e o cuidado com a vida no mundo,

estendendo este conceito em sua escala planetária. Educação para a

responsabilidade, desta forma é ação preventiva. A promoção de atitudes

responsáveis é prioridade educacional e como educação ética, envolve

necessariamente crianças e jovens por serem os potenciais líderes de amanhã.

Segundo Moraes (2001, p 9) o ser humano se apresenta dividido,

“dissociado em suas emoções e afetos, com a mente técnica e o coração vazio,

compartimentalizado em seu viver/conviver”. Por esquecer da sua

multidimensionalidade, da integralidade do seu corpo como organizador de suas

relações com o tempo e com a vida situada no mundo, esqueceu-se também de

aspectos de si mesmo, dos outros e da natureza.

Para a autora, considerar a prioridade do resgate de sentidos para o

humano no meio da contemporaneidade acompanha o necessário reconhecimento

de que não se muda um paradigma educacional “da noite para o dia”, maquiando a

situação pelo colocar nova roupagem ou pelo camuflar de velhas teorias.

Torna-se imperativo compreender as profundas e permanentes

transformações que as novas e importantes descobertas científicas trouxeram. Estas

implicam numa mudança de visão de mundo com implicações sobre o processo de

construção de conhecimento e com repercussões para todas as pessoas como

habitantes do planeta.

Para Zancanaro (2002) os princípios científicos destas descobertas tocam

em questões éticas e educacionais de grande proporção. A exploração e

agressividade contra a biosfera, a possibilidade de alteração genética, os resultados

causados por uma agricultura feita sem bases ecológicas causando

envenenamentos e convertendo a terra em áreas desérticas, a clonagem de animais

e de seres humanos, o uso de vírus e bactérias para a elaboração de armas

biológicas, são questões que exigem reflexão. Tornam-se pautas para a revisão do

projeto de existência humana autêntica.

As responsabilidades implícitas nestas descobertas incluem considerar o

homem como ser não mais limitado aos cinco sentidos, mas como ser onde a

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intuição, as emoções, os sentimentos passam a integrar o processo de construção

de conhecimento. O cultivo do pensamento mais abrangente, a busca pela

totalidade compreende igualmente a necessidade de considerar as limitações

impostas pelo pensamento humano. A teoria da responsabilidade comporta a

consideração pela fragilidade do homem diante do excesso de poder técnico

tornando possível retomar o conceito de “phronesis ou sabedoria prática, humildade

e respeito.”

No campo da educação esta concepção modela um tipo de

questionamento que pode contribuir para a bioética. Conforme o autor, esta teoria

não permitirá mais o referir-se à escola como a “única responsável pelo sucesso ou

fracasso da vida em sociedade”. A educação vista como uma totalidade de ações

responsáveis compreende as ações veiculadas pelos meios de comunicação, ações

públicas dos legisladores, as de respeito intersubjetivo dentro dos espaços públicos

e as ações de responsabilidade paterna como “arquétipo de toda a

responsabilidade.” ( ZANCANARO, 2002, p.449)

Considerando a tarefa educacional, em sentido amplo, como o poder

edificar da formação integral de conhecimentos essenciais a gestão da vida no

mundo, a ética da responsabilidade se apresenta como instrumento viável na

valorização da vida, do meio ambiente e dos direitos das futuras gerações. Neste

sentido, o princípio responsabilidade para com o futuro se constitui um retorno dado

aos apelos das situações presentes. Daqui é possível inferir que o poder, de

qualquer tipo, apresentará a obrigação como desdobramento da responsabilidade

diante do poder.

Nesta inferência a concepção de Valls (2004) articulada dentro das

concepções de Jonas (2006) afirma a ética como comunicação de um poder mais do

que um saber. A seriedade que configura o poder das reflexões éticas tem como

horizonte as palavras de Jonas:

Um novo continente da práxis coletiva que adentramos com a alta tecnologia ainda constitui, para a teoria ética, uma terra de ninguém. É nesse vácuo, que simultaneamente também é o vácuo do relativismo de valores atual que a presente pesquisa assume posição. O que pode servir como bússola? A previsão do perigo. Antes de tudo nos seus relâmpagos surdos e distantes, vindos do futuro, na manifestação de sua abrangência planetária e na profundidade de seu comprometimento humano podem revelar-se os

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princípios éticos dos quais se permitem deduzir as novas obrigações do novo poder. Eu denomino isso a “heurística do medo”: somente então, com a desfiguração do homem, chegamos ao conceito de homem que deve ser preservado. Só sabemos o que está em jogo quando sabemos que está em jogo. Como se trata não apenas do destino do homem, mas também da imagem do homem, não apenas da sobrevivência física, mas também da integridade da sua essência, a ética que deve preservar ambas precisa ir além da sagacidade e tornar-se ética do respeito. (JONAS, 2006, p .21)

Durand situa o assumir responsabilidades como o “realizar corajosamente

a ação que se impõe”, o que indica refletir sobre a ação que se impõe mantendo sob

perspectiva a situação concreta, em sua “singularidade e complexidade” observando

balizas éticas necessárias. A ética da responsabilidade exclui a reflexão superficial,

incompleta e partidária assim como se opõe a tomada de decisão mecânica,

arbitrária e conformista. É a “ética do sujeito livre e autônomo, que reflete dotado de

prudência, coragem e convicção” (DURAND, 2007, p. 89).

Este horizonte situa a ética no âmbito da “ética da interrogação, do diálogo

e da discussão.” Para o autor, a indagação mantém a reflexão no movimento das

situações incomuns onde as respostas não são evidentes. A possibilidade de

abertura e diálogo evita discussões com fechamentos dogmáticos, uma vez que as

questões, pelo caráter de complexidade e novidade, exigem a contribuição de

reflexão comunitária, ou seja, de várias inteligências. (DURAND, 2007, p. 89)

A ética da responsabilidade oferece lugar à interrogação e à discussão

democrática abrindo espaços para a prudência, prevenção, previsão, e

solidariedade, o que nos permite considerar a educação reflexiva para a educação

de crianças como de especial relevância neste contexto.

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5 MATTHEW LIPMAN E A FILOSOFIA PARA CRIANÇAS

5.1 Interfaces entre filosofia e Infância

Kohan e Kennedy (2000, p.59) refletindo sobre possibilidades de encontro

entre filosofia e infância, reconhecem como pressuposto, que a investigação

filosófica e o questionamento se dão no intuito de superar a imobilidade de ordens

imperantes. Dimensões características da filosofia são de natureza crítica e criativa.

Como visão crítica, questiona idéias, crenças e valores implícitos nas práticas

predominantes e como visão criativa se ocupa em apontar “condições de

possibilidade de outras ordens, alternativas as vigentes.”

Os métodos e disposições da Filosofia se apresentam propícios para colocar

em questão e pensar condições alternativas para âmbitos da realidade em conjunto

variados de “filosofias”. Entre estas, se torna possível a filosofia da Infância como

campo legítimo de investigação e intervenção.

Pode-se pensar na importância da filosofia como componente necessário na

formação das crianças. A Filosofia é compreendida aqui, segundo Lorieri (2000),

como esforço dos seres humanos para saberem de si e da realidade de que fazem

parte enquanto atitude de busca de significados desta realidade e da própria

existência humana.

Fato apontado por Kohan e Kennedy (2000, p. 9) é o desinteresse da

filosofia pela infância, durante muito tempo. Para ele, isto é algo que chama atenção

considerando-se que todos passam pela infância em algum momento. Os filósofos

da infância do século XIX, como alguns citados pelo autor – Pestalozzi, Froebel,

Montessori, todos seguidores de Rousseau, foram educadores, antes de mais nada.

Desenvolveram uma filosofia “ligada indissoluvelmente a uma prática.”

A visão destes educadores caracterizou-se por:

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Férrea vontade, uma inquebrantável tenacidade, para não passar por cima das crianças; um obstinado sentido para perceber e ressaltar que não reconhecemos as possibilidades de transformação social e cultural imersas no período da infância nem os efeitos sobre nós adultos, quanto a elas propomos uma relação de consideração e atenção mútuas. (KOHAN apud KOHAN; KENNEDY, 2000, p. 10)

Para Lipman, Oscanyam e Sharp (1994, p 87), “as crianças começam a

pensar filosoficamente quando começam a perguntar por que”. Se elas forem

reprimidas e ignoradas nestas manifestações, por conta de concepções equivocadas

dos adultos sobre estas expressões, as autenticas manifestações do raciocínio

filosófico igualmente serão desprezadas.

Lipman defende o direito da criança de raciocinar e apresenta as bases de

uma educação para o pensar – uma educação centrada em conceitos como diálogo

cooperativo e comunidade de investigação. Para ele não é possível “ignorar a

possibilidade de que a infância não é mais incompleta sem uma maioridade

subseqüente do que a maioridade é sem uma infância prévia”. Juntas “elas formam

uma vida“ (LIPMAN,1990, p. 215 ).

Considera oportuno e significativo ensinar filosofia para crianças.

Considerar filosofia e infância excludentes decorre em grande parte da tendência

cultural que defini inteligência mais em termos de responder perguntas do que pela

capacidade de fazê-las; mais pela competência de solução de problemas do que por

reconhecê-los ou formulá-los. Na visão de Lipman:

Perguntar em que idade uma criança começa a raciocinar equivaleria a perguntar quando o embrião começa a ser pessoa.

(....) Quando a criança começa a raciocinar filosoficamente? Embora toda atividade filosófica envolva raciocínio, não se pode concluir que todo aquele que raciocina esteja envolvido numa atividade filosófica. As crianças começam a pensar filosoficamente quando começam a perguntar por quê? Normalmente atribuem-se duas funções principais a essa pergunta. A primeira é descobrir uma explicação causal, e a segunda é determinar uma finalidade. (LIPMAN apud OLIVEIRA, 2004a, p.37)

A influência de filósofos como Mattew Lipman se fazem sentir nas

investigações e intervenções de muitos autores brasileiros da atualidade. A questão

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educacional, segundo Severino (1993) vem despertando crescente interesse como

objeto de estudo por parte dos pensadores brasileiros. Cabe relembrar como pontos

de encontro as considerações de Chauí (1994) sobre a necessidade de filosofar

desde cedo.

Verificam-se propostas de filosofia da educação, na qual a educação é vista

como aprendizagem geral, como aprendizagem da cultura e como ação cultural.

Enquanto fenômeno, a educação se apresenta como experiência intrínseca e

profundamente humana.

Como ação cultural e filosófica a educação, a práxis educativa, repercute na

prática política. Contem objetivos “culturais revolucionários” como a “personalização

do sujeito, a politização, a culturalização, a historicização, a libertação, a práxis

ação, a valorização e a responsabilização.” (SEVERINO, 1993, p 142)

Gadotti (2000, p.28) observa que no passado, a filosofia no Brasil, apesar de

esforços realizados, não conseguiu se “popularizar” ficando restrita a círculo de

“filósofos” constituindo um exercício de diálogo entre filósofos configurando um

patrimônio restrito a alguns círculos de intelectuais. Neste contexto, falar de filosofia

para crianças seria considerado “herético.”

Na década de 1970, se falava até da “morte da filosofia” havendo uma “luta”

pela volta da filosofia para o ensino médio. Santos (2002, p.13) aponta que o início

da década de 1980 os debates se intensificaram defendendo a volta da filosofia para

os currículos do ensino médio. O clima político, ainda instável, aos poucos abria

espaços para a consolidação das liberdades individuais.

Um legado tecnicista, acentuado pelos Estados autoritários e burocráticos,

priorizando a formação de mão-de obra adequada à nova fase industrial brasileira,

não foi capaz de deter as discussões em defesa da filosofia no ensino médio.

Poucas escolas passaram a adotar a filosofia nos seus currículos, e por receio de

problemas de ordem política e disciplinar nas escolas, este autor observa que na

maioria dos casos se optou por uma formação “livresca.”

Lipman (1990, p.27) observa que de modo geral a filosofia é “uma

sobrevivente”. Numa era em que a maioria “das humanidades foi colocada contra a

parede”, ela tem conseguido “se manter à salvo”, ainda que de forma moderada e,

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tendo que “abdicar de toda a reivindicação de exercer um papel sociamente

significativo”.

Oliveira (2004a, p.22) assinala que se verificou a partir das décadas de

1980, o advento das clínicas filosóficas, e cafés filosóficos originados primeiramente

na França espalharam-se para outros países inclusive o Brasil. A luta pela inclusão

da filosofia no caso específico do Brasil, a introdução da Filosofia para Crianças em

mais de 50 países, são exemplos em diferentes dimensões de movimentos da

filosofia, reafirmando sua necessidade na sociedade como um campo de estudos.

Foi em meio a este contexto, conforme Santos (2002, p. 14), que Catherine

Young Silva, formada em filosofia pela PUC de São Paulo, trouxe para o Brasil a

Filosofia para Crianças de Mattew Lipman. Como professor de filosofia e lógica do

Montclair State College, Lipman pensou a Filosofia para Crianças propondo uma

filosofia de caráter prática, que ensina a refletir, que educa para o pensar, tendo

como objetivo a iniciação à experiência democrática.

Fato importante apontado por Lima (2004, p. 26) é que todo o material que

existe em português foi traduzido no Brasil e editado por editoras brasileiras, fruto da

colaboração e desenvolvimento do projeto em várias escolas do país.

Gadotti (2008) aponta a missão da filosofia implícita da filosofia Lipmaniana.

Em primeiro lugar não seria a de formar discípulos para perpetuar uma determinada

corrente filosófica, ou certa visão de mundo. Seria, antes de tudo, ajudar a pensar e

transformar o mundo. Considerar a filosofia como uma especialidade seria derrotá-

la antes mesmo de iniciar a batalha por ela.

Formar o espírito crítico é a tarefa filosófica da proposta de Lipman para as

crianças. Para realizar esta tarefa, a filosofia precisa ser interrogativa e as aulas

devem ser investigativas. Como livre debate, é uma necessidade de todos e, neste

sentido precisa ser inquieta e inquietadora. Precisa tomar a direção de “escutar e

perceber o trabalho pelo qual o homem constrói a si mesmo, a sociedade e o futuro”

(GADOTTI, 2008, p.29).

Segundo este autor, as propostas de Lipman encontram respaldo no

construtivismo de Piaget, enfatizando a importância do trabalho em equipe e

cooperação para o desenvolvimento da inteligência. As suas propostas

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metodológicas assinalam o apelo referido por Piaget “às atividades espontâneas da

própria criança, objetivando uma organização cognitiva preparatória das operações

da inteligência.” Neste modelo o professor deixa de ser um “conferencista,

estimulando a pesquisa e o esforço ao invés de se contentar com a transmissão de

soluções já prontas.” (PIAGET apud GADOTTI, 2008, p.32)

Importante articulação tem esta visão com as teorias freireanas (FREIRE,

2007, p. 70) para quem o professor deixando o papel de “transferidor de

conhecimentos” toma seu lugar em “contribuir positivamente para que o educando

vá sendo o artífice de sua formação com a ajuda necessária do educador”. Em se

tratando de crianças sua observação é sobre a atenção necessária “à difícil

passagem ou caminhada da heteronomia para a autonomia”, compreendendo a

responsabilidade desta caminhada.

Kohan (2003, p.43) pergunta: “é verossímil o encontro entre filosofia e

infância?”. Seu questionamento aponta o pensamento de alguns, senso comum,

que consideram um “despropósito” ensinar filosofia às crianças no contexto

brasileiro em que o ensino de filosofia nem está consolidado no ensino médio2 e em

meio a tantas outras questões sobre a infância, quem sabe “mais importantes”.

2 Sobre isto, é digno de nota evidenciar o momento político e educacional de novidade com a obrigatoriedade do ensino de filosofia para as tres séries do ensino médio conforme lei sancionada em 2 de junho de 2008. “Após 37 anos de luta, foi sancionada nesta segunda-feira, 02/06, pelo presidente da República em exercício, José Alencar, a lei que torna obrigatório o ensino das disciplinas de sociologia e filosofia nas escolas de ensino médio, públicas e privadas de todo o Brasil. A medida atingirá cerca de 10 milhões de estudantes em 25 mil escolas no país. Em 1971, as disciplinas de filosofia e de sociologia deixaram de ser lecionadas nas salas das escolas de ensino médio por determinação da ditadura militar. Para tornar obrigatório o ensino de sociologia e filosofia no currículo do ensino médio, o Congresso Nacional alterou o artigo 36 da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Segundo o presidente em exercício, sociologia e filosofia “são disciplinas que permitem ao cidadão exercer seu direito, jamais poderiam ficar fora das disciplinas do ensino médio. Isso é uma grande vitória para o país”, disse José Alencar, que afirmou também que o mesmo teria feito (sanção) o presidente Lula se estivesse em Brasília. O Ministro da Educação Fernando Haddad afirmou que "o que se vê é que, evidentemente, nos períodos em que não interessava a discussão crítica sobre a vida nacional, estas disciplinas foram desestimuladas". Para ele, os ensinos de sociologia e filosofia vão ajudar a formar indivíduos capazes de exercer plenamente seus direitos, “de se situar no mundo do trabalho, social e deslumbrar novos horizontes”. Com a lei, que passa a vigorar assim que for publicada no Diário Oficial da União, o ministro disse ainda que será ampliada a rede federal de ensino médio, que passará a funcionar com uma política pedagógica diferenciada: educação científica, profissional e humanística. Para o deputado Ribamar Alves, autor do Projeto "a lei é um grande resgate histórico daquilo que nos foi tirado na ditadura. Há muito tempo lutávamos por esta vitória", afirmou.”

Conforme matéria publicada no site do CONTEE, em 3/ 06/ 2008. Disponível em http://www.contee.org.br/noticias/educacao/nedu519.asp. Acesso em 7 jan.2009.

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Kohan observa os problemas e desafios que cercam o ser criança em

nossos tempos. Mesmo que muitas sociedades, como a brasileira, em determinados

extratos sociais as crianças sejam bem vindas ao mundo, há muitos cenários em

que as crianças sofrem com exploração de trabalho, exploração sexual, violências

de vários tipos, conformando situações de desrespeito e violação de direitos

fundamentais.

Fazem parte deste cotidiano a morte física e social de muitas crianças pela

fome, miséria, maus tratos e abandono. Igualmente é possível observar a falta de

atenção às crianças em situações de sofrimento em contextos hospitalares3, em que

se observa a falta de atendimentos necessários à suas necessidades específicas

configurando formas nem sempre percebidas de exclusão educacional, social,

cultural e existencial.

Nesta direção concorrem as palavras de Segre no prefácio da obra

Cuidando de crianças e adolescentes sob o olhar da Ética e Bioética:

Crianças e adolescentes merecem mais cuidado no plano ético do que outros pacientes. Não se trata de juízo de valores moralistas, mas decorrente do respeito por pessoas em desenvolvimento, portanto mais sensíveis e mais vulneráveis aos agravos de toda a sorte. (SEGRE in CONSTANTINO; BARROS; HISCHHEIMER, 2009, xiii).

A exclusão de milhões de crianças da cidadania, a forma como esta

exclusão se dá, o modo banalizado como isto é visto, legitima o tema infância para a

3 No Brasil, a legislação reconheceu por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente Hospitalizado, através da Resolução nº 41 de outubro de 1995, no item 9, o "Direito de desfrutar de alguma forma de recreação, programas de educação para a saúde, acompanhamento do currículo escolar durante sua permanência hospitalar". Em 2002 o Ministério da Educação, por meio de sua Secretaria de Educação Especial, elaborou um documento de estratégias e orientações para o atendimento nas classes hospitalares, assegurando o acesso à educação básica. De acordo com esse documento, a educação tem potência para reconstituir a integralidade e a humanização nas práticas de atenção à saúde; para efetivar e defender a autodeterminação das crianças diante do cuidado; para propor um outro tipo de acolhimento das famílias nos hospitais, inserindo a sua participação como uma interação de aposta no crescimento das crianças; para entabular uma educação do olhar e da escuta na equipe de saúde mais significativa à afirmação da vida (Vasconcelos,2006).

VASCONCELOS, Sandra Maia Farias. Intervenção escolar em hospitais para crianças internadas: a formação alternativa re-socializadora. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA SOCIAL, 1, 2006. Proceedings online... Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo. Disponível em: <http://www.proceedings.scielo.br/s. php>. Acesso em: 08 jan. 2009.

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problematização filosófica. Ainda que este tema em sua especificidade não se

constitua assunto para este estudo, é oportuno indicar a relevância da filosofia nas

possibilidades em problematizar a infância, seu espaço. A filosofia tem o que dizer

para que se encontrem alternativas para as relações com este outro que para nós

adultos, é a criança.

Nas observações de Kohan há no aparente “despropósito” citado uma

chamada de atenção para significados educativos e, não somente para as crianças.

A filosofia e a infância guardam semelhanças. Ambas parecem significar uma

“forma de resistência.”

Uma assim como a outra:

Afirma a possibilidade da novidade, um começo, irrompe o mundo com sua diferença. Luta por criar-se a si mesma. É um símbolo, temos dito, de um porvir, de uma educação que não se pode antecipar. É uma possibilidade, possibilita pensar. Parece uma impossibilidade, mas é sempre possível. É pura eventualidade, ocorrência, acontecimento. É toda a possibilidade, a possibilidade de manter viva a “capacidade de ruptura com a significação dominante”, como diz Gattari.(KOHAN, 2003, p.43)

No encontro entre filosofia e infância se evidencia possibilidades básicas

configuradas como filosofia para crianças, caminho aberto por Lipman com grande

repercussão e crescente interesse no Brasil4, desenhando uma articulação entre

pensamento reflexivo filosófico e prática educacional para crianças. Trata-se de “um

filosofar com crianças.” Surge como possibilidades a “filosofia da infância, como

reflexão crítica e criativa sobre a infância” assim como as “filosofias das crianças”,

recebendo como novidade a inclusão da voz delas nos “diferentes âmbitos

problemáticos que conformam uma filosofia.” (KOHAN; KENNEDY, 2000, p. 13).

4. Conforme Kohan (2003, p.275), há o Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças, fundado em 1985, com grande número pesquisadores. Este representa o programa Filosofia para Crianças. Em Florianópolis existe um centro semelhante, o Centro de Filosofia Educação para o Pensar, com programas próprios.

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5.2 Contextos da proposta de Matthew Lipman

Mattew Lipman é um filosofo americano contemporâneo. Nasceu em Nova

Jersey em 1923. Aos 15 anos concluiu o liceu e sem condições financeiras, ficou

sem estudar sete anos.

Participou da II Guerra Mundial sendo condecorado com duas medalhas de

bronze. Concluiu sua graduação em filosofia em 1949, e em 1954 conclui seu

doutorado com uma tese sobre arte situando, nesta época, suas preocupações

intelectuais no campo da estética e da metafísica. Sua concepção sobre a arte é a

de “uma forma de inteligência e pensamento e uma atividade altamente cognitiva.”

Entre suas influências está o pensamento de John Dewey. (SILVEIRA, 2001, p. 11)

Depois de doutorar-se realiza estudos complementares na França

permanecendo na Sorbone por dois anos. Na França toma contato com autores

como Maurice Merleau-Ponty e Bachelard somando às suas concepções as

contribuições da fenomenologia e do existencialismo que para ele se tornam

“filosofia mais intensa e vivencial.”

Quando volta aos Estados Unidos, torna-se professor de lógica na

Universidade de Colúmbia, e inicia suas experiências em filosofia com crianças.

Segundo Silveira (2001, p.12), o contato com as crianças o desperta para a

importância da filosofia da linguagem, por observar a preocupação destas com a

linguagem, as palavras e os sentidos. Desta forma, encontramos na proposta de

Lipman marcos intelectuais como a estética, metafísica, fenomenologia,

existencialismo e filosofia da linguagem. Porém sua maior influência continuou

sendo a oriunda do pragmatismo de Dewey devido as suas contribuições no campo

da educação.

Para Lipman, “foi Dewey quem previu, nos tempos modernos, que a filosofia

tinha que ser redefinida como o cultivo do pensamento ao invés de transmissão de

conhecimento.” Esta influência modelou sua concepção de que a reflexão do

estudante é “melhor estimulada pela experiência viva do que por um texto

desidratado, formalmente organizado” (LIPMAN, 1990, p. 20).

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Além disto, para ele nada é melhor do que uma “discussão disciplinada para

aguçar e aperfeiçoar o raciocínio,” sendo que as “habilidades do raciocínio são

essenciais para ler e escrever com sucesso.” A alternativa para não “doutrinar os

alunos” se encontra em ajudá-los a “refletir sobre os valores constantemente

impostos a eles.” Foi Dewey quem rejeitou o romantismo de ver a “criança como

anjo” ou “capeta”, percebendo-as como ser “tão criativamente promissor” exigindo a

compreensão do significado e o assombro de sua “conduta em desenvolvimento”

(LIPMAN, 1990, p. 20).

Pela repercussão do seu trabalho com crianças recebeu, em 1972, um

convite para trabalhar no Mont Clair State College para lecionar filosofia e dar

continuidade ao seu projeto de constituição de um Programa de Filosofia para

Crianças. Com Ann Margareth Sharp, sua principal colaboradora desenvolveu sua

proposta de Filosofia para Crianças (SILVEIRA, 2001, p. 12).

A proposta de Lipman tem como motivação pedagógico-cognitiva segundo

Silveira (2001, p. 15) a constatação de que seus alunos universitários apresentavam

grandes dificuldades de leitura e compreensão dos conteúdos de filosofia que era

diagnosticado por ele como um “precário desenvolvimento de suas habilidades

cognitivas.” Desta constatação surgiu seu interesse em propor estratégias que

permitissem estimular as habilidades cognitivas de forma sistemática e progressiva

desde as primeiras séries durante todo o ensino fundamental.

Silveira apresenta ainda como questão o despreparo da escola para

desenvolver adequadamente as habilidades de raciocínio das crianças percebido

por Lipman no contexto da escola onde seus filhos estudavam. Surgida em alguma

reunião de pais e professores, o desafio foi lançado e ele aceitou criar um método de

estudo que ajudasse a melhorar o rendimento dos alunos.

Encontra-se também entre as questões de fundo, apontados por Silveira, a

interpretação que Lipman fez de acontecimentos de 1968 com as revoltas estudantis

que para ele apontavam os “efeitos irracionais” do sistema de ensino inadequados

para modelar comportamentos racionais e sociamente aceitáveis para uma

sociedade democrática. Apesar das críticas recebidas pela sua visão localizada no

“locus político da direita norte-americana”, fato é que Lipman a partir destes

contextos elaborou seu Programa de filosofia para crianças (SILVEIRA, 2001, p.17).

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Em 1974 o IAPC – Institute for the Advancement of Philosophy for Chidren

foi criado com o objetivo de organizar e coordenar a difusão e a implementação do

Programa de Filosofia para Crianças nos Estados Unidos e em outros países.

Surgiram materiais, chamados novelas filosóficas que, como textos e histórias

passaram a ajudar em estratégias para uma educação centrada nos conceitos de

experiência dialógica e de comunidade de investigação em sala de aula.

As experiências com o programa de filosofia para crianças cresceram e

portas foram abertas em todo o mundo tornando-se “referência obrigatória” para o

ensino que considera o “valor educacional e formativo da filosofia” visto como “direito

para todos inclusive das crianças e jovens” (LORIERI apud SILVEIRA, 2001, p. 19).

No Brasil a filosofia para crianças surge em 1984, como centro de interesse

de um pequeno grupo reunido por Catherine Young Silva. A tradução e adaptação

dos materiais acontecem pelo trabalho deste pequeno grupo. O Centro Brasileiro de

Filosofia para crianças, fundado em 1985, teve como objetivos aplicar o programa de

filosofia para crianças desenvolvido pelo IAPC, formar pessoal especializado no

treinamento e orientação da aplicação do programa, publicar, promover e distribuir

materiais educacionais adequados as teorias de Lipman.

Silveira (2001, p. 33) cita, entre os muitos colaboradores pela difusão da

filosofia para crianças, o professor Marcos Lorieri que nos anos seguintes a 1985

articulou ações entre o Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças e a Secretaria de

Estado da Educação de São Paulo, oportunizando assim a inclusão do programa na

rede pública estadual.

Atualmente a proposta de Lipman encontra-se difundida em muitos centros e

núcleos de filosofia para crianças. Muitos dos colaboradores e pesquisadores

criaram materiais e programas próprios baseados nas teorias e metodologias de

Lipman. Os núcleos do Centro Filosofia Educação para o Pensar, coordenado por

Silvio Woscovics e sua equipe, apresentam a proposta de Lipman através dos seus

variados materiais criados para o S.E.R – Sistema de Ensino Reflexivo.

Em termos de reflexão acadêmica, segundo Oliveira (2004a, p. vii) as teorias

de Lipman têm sido desenvolvidas em projetos de pesquisa e de extensão

universitária com materiais criativos produzidos por grupos de estudos e pesquisas

Filosofia para Crianças. Releituras de Lipman evidenciam o momento de maturidade

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e compromisso em adequar o programa de origem americano ao contexto

educacional brasileiro. Este aspecto aponta o papel do professor de filosofia em seu

necessário processo de formação contínua como sujeito autônomo e dotado de

reflexão.

Apresentar um modo de trabalhar filosofia para crianças de modo

contextualizado, adaptado as realidades educacionais brasileiras é uma

preocupação compartilhada entre os estudiosos da área. Segundo Lorieri:

no tocante à proposta de Lipman, nossos esforços tem sido e continuarão a sê-lo reinventar novas formas de fazer filosofia com crianças e jovens buscando produzir novos materiais, buscando produzir novos entendimentos deste processo, buscando, enfim, um ‘jeito’ brasileiramente cultural de fazê-lo. ( LORIERI, apud OLIVEIRA, 2004a, p.86)

Lorieri observa que as idéias de Lipman se revestem de peculiaridades nas

práticas de americanos, canadenses, espanhóis, argentinos, portugueses, belgas,

brasileiros etc. Desta forma ele assevera que:

Estamos nos servindo das suas idéias e estamos igualmente ‘re-inventando-as’. Todas as culturas, se sábias, alimentaram-se de todas as boas produções culturais humanas sem perder nunca a sua própria identidade: esta é uma possibilidade imensamente rica, luxo da espécie humana. Nossa perspectiva atual é a de fazer nossa diferença ao trabalhar com a proposta de filosofia para crianças e jovens. A proposta de Lipman é uma das boas propostas, neste particular, que deve ser levada em conta. Nós a vemos como um caminho iniciado que pode sugerir muitos outros caminhos. (LORIERI apud OLIVEIRA, 2004a, p.87)

5.3 Concepções filosóficas e educacionais de Lipman

Na sua obra A filosofia vai à escola, Lipman (1990, p. 19) principia suas

teorias trazendo a afirmação de um “Cálicles irônico”, insinuando que a “filosofia é

somente para crianças: os adultos, melhor que lidem com assuntos sérios da vida.”

Acrescenta os comentários posteriores de Platão sobre o equívoco da afirmação de

Cálicles. Então a filosofia é “somente para adultos, e quanto mais velhos forem,

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melhores serão, provavelmente.” Isto parece ser estranho para um discípulo de

Sócrates, afirma, uma vez que pelo que se sabe este “acolhe a conversação com

jovens e velhos com o mesmo gosto.”

Esta questão parece apontar o “choque” para o pensamento conectar

filosofia – “reputadamente a mais obscura, desconcertante e impenetrável das

disciplinas” e crianças. Então, pergunta: a “matéria foi vulgarizada?” Ou será “que

isto significa crianças tendo que “memorizar o Enchiridion de Epíteto na infância e

ser capaz de recitar David Hume ao completar a 5ª série?”

A estas ironias ele apresenta uma outra via. A da descoberta dos recursos

pedagógicos internos da filosofia através do método Socrático, tendo no dialógo

valiosa contribuição educacional, “apesar da carapaça exterior” atribuída a filosofia.

Para ele, a educação apresenta como traço principal o ser culto em seu raciocínio

assim como em tudo o mais, lembrando que o raciocínio pode ser eficazmente

cultivado no “contexto da filosofia”.

O lugar respeitável que a filosofia vem encontrando no ensino fundamental

se deve a fatos de que os educadores têm descoberto a sua contribuição

significativa para as crianças e do encantamento destas com a novidade. A

compreensão desta contribuição para o desenvolvimento educacional das chamadas

“habilidades básicas como leitura e matemática” configura o lugar “bem vindo” para

o início da educação escolar “até agora um deserto de oportunidades perdidas.”

A educação reflexiva, na qual a filosofia está alinhada com outras

disciplinas, surge em fontes e tradição filosóficas. Segundo sua observação basta

“reler” Montaigne, Locke e Dewey para perceber a noção poderosa de ensino

reflexivo implícito em suas concepções. Todavia, para se fazer aceitável às crianças

a filosofia “tem tido de sacrificar a terminologia hermética através da qual, desde

Aristóteles, tem conseguido se fazer ininteligível para o leigo.” (LIPMAN, 1990, p.20)

Sobre este ponto Kohan (2003, p.35) observa que Montaigne, no século XVI

já afirmava que “a filosofia deve ser uma matéria na educação dos pequenos para

formar pessoas mais inteligentes, felizes e ajuizadas, mais livres de espírito.”

Refletindo sobre a concepção filosófica alinhada com as teorias de Lipman, recorda

as observações de Montaigne: “se não se quer tornar às crianças seres servis e

tímidos, deve-se dar-lhes a oportunidade de fazer algo por si mesmas.”

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Para Kohan a filosofia de Lipman como intencionalmente formativa orienta

práticas que se alinham com toda a educação para a democracia por envolver a

investigação deliberativa. Levar a filosofia às crianças, com sua história, métodos e

temas beneficia as crianças como futuros cidadãos e cidadãs da democracia. Sendo

assim se torna peça chave de uma “formação humanista para a autonomia.” Nesta

visão a filosofia para crianças se justifica:

porque ela lhes oferece, pelo menos três ferramentas que os participantes de toda a democracia necessitam: 1) um trato rico e variado com conceitos gerais e controversos como verdade, justiça e liberdade; 2) uma elevação de seus processos reflexivos a um pensar de ordem superior ( que reúne as dimensões crítica, criativa e ética do pensar);3) um diálogo significativo que abre as portas para a elaboração de juízos criteriosos. (LIPMAN apud KOHAN, 2003, p. 40)

Para Lipman (1990) o objetivo de ensinar uma matéria é levar as crianças a

pensar na matéria e sobre a matéria. Assim o objetivo de ensinar história é levar as

crianças a pensar historicamente e, no caso da matemática, levar as crianças a

pensar matematicamente. Como no aprender qualquer língua inclui o aprender a

pensar nesta língua, assim a educação reflexiva tem como objetivo ajudar a

raciocinar.

O texto didático de filosofia para crianças, necessita, por este motivo, ser

agradável e possibilitar o pensar sobre a filosofia como “algo a ser descoberto e a

ser apropriado” e não como algo “estranho e intimidador.” O material didático

proposto por Lipman, conhecido como novelas filosóficas é um modelo de texto que

é apresentado em partes onde se desenrolam episódios consecutivos. Este modelo,

acolhido por muitos autores posteriormente, é resposta às indagações sobre como

apresentar temas filosóficos propícios ao desenvolvimento da reflexão,

desencadeadores do processo de investigação.

Daniel (2000, p. 45) aponta para a compreensão Lipmaniana do valor das

descobertas promotora de significados. Na escola, a criança pode ouvir e

compreender. Ela pode captar as palavras do professor e o significado da

mensagem. A descoberta de significados é um pressuposto para o desenvolvimento

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da pessoa integral. Uma informação pode ser transmitida, um sentimento pode ser

compartilhado, mas o significado precisa ser descoberto.

Alguém pode “sugerir significados, mas não dar significados de um fato ou

de uma coisa a outra pessoa.” A pessoa mesma é quem tem que se apropriar. Nesta

questão Daniel salienta a direção que toma a tese de Lipman com relação ao

desenvolvimento da pessoa:

para que a existência da criança seja uma experiência fecunda, é preciso que ela rejeite o que já adquiriu, isto é, os hábitos e respostas prontas dos adultos e que busque (e encontre) no fundo se si mesma, um significado real para cada fato e cada coisa. Em suma, é preciso que ela conceba, perceba e sinta que faz parte do mundo e que existe uma relação direta entre sua ação e a qualidade da existência (a sua e a dos outros). (DANIEL, 2000, p. 46)

Desenvolvendo esta tese, Lipman, Sharp e Oscanyan (1994, p. 31) apontam

a questão da experiência e o anseio por sentido. As crianças, segundo suas

observações precisam desfrutar o ensino conectado com experiências de sentido.

Na escola elas encontram os amigos, e desfrutam de uma vida social com seus

pares, contudo a experiência escolar realmente educativa é significativa.

As crianças não captarão significados simplesmente aprendendo os

conteúdos do conhecimento adulto. A educação significativa compreende que elas

“precisam ser ensinadas a pensar e, em particular a pensarem por si mesmas.” O

pensar é a aptidão que habilita a captar significados.

Algo importante neste contexto é a questão de que as habilidades de

raciocínio devem ser cultivadas em experiências na sala de aula transformada em

lugar de raciocínio, investigação, auto-avaliação “até se tornar uma comunidade

exploratória e auto corretiva onde os professores são peritos tanto em cultivar a

reflexão como em comprometer-se com ela.” (LIPMAN, 1990, p. 23)

Segundo Lorieri (apud SANTOS, 2002, p.11), o conceito lipmaniano para

pensar é processo de “descobrir relações (pois tudo é resultado de múltiplas

relações) e é também o processo de criar ou imaginar novas relações.” Assim o

pensamento criativo, reflexivo é um pensar sobre o pensar. Deste modo “pensar é

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fazer associações e pensar criativamente é fazer associações novas e diferentes.”

Aprender o sentido da realidade é apreender as relações que a constituem.

Para Lipman (1999, p.30) os conceitos de Dewey fornecem um contexto

filosófico para a educação como investigação. Dewey, segundo afirma, estava

convencido de que a educação bem sucedida considera a importância dos

educandos envolverem-se nos questionamentos e investigarem os problemas, mais

do que aprender soluções. Assim como os “cientistas empregam o método científico

para a exploração de situações problemáticas, assim deveriam fazer os alunos caso

quisessem aprender a pensar sozinhos.”

Convergindo para esta questão, Santos (2002, p.95) aponta que Dewey já

observara que a educação tradicional teve por objetivo “preparar o indivíduo para

adaptá-lo ao mundo e à sociedade.” Isto acarretou conteúdos “transmitidos de cima

para baixo”, de “fora para dentro”, e “retirados do passado”. Concepções filosóficas

de base para tal forma de visão de homem situaram o aluno como “alguém

desprovido de saber e incapaz de pensar por si próprio. Nesta visão, não se

possibilitava o desenvolvimento do autogoverno ao fortalecer a direção dos

professores ignorando os “desdobramentos para a fase adulta, quando então seria

mais fácil aos líderes políticos a arbitrariedade.”

Diante do proposto Lipman (1999, p.30) aponta que Dewey “não tinha a

menor dúvida que o que deveria acontecer dentro da sala de aula é que se

pensasse – um pensamento independente, imaginativo e rico.” Este pensamento,

chamado “superior” é que precisa ser apreendido, o que configura a educação para

o pensar. Nesta proposta, de converter a sala de aula em lugar para investigação,

diálogo e busca por pesquisar sentidos para as questões, se encontram

possibilidades para desenvolver nos alunos atitudes de cooperação, respeito mútuo,

solidariedade, interesse por objetivos comuns e avaliação crítica.

Lipman encontra no conceito de Dewey sobre experiência base para o

modelo de educação enquanto experiências com o pensar na comunidade de

investigação. A visão educacional de Lipman encontra os conceitos de Dewey:

Educação passa a ter o sentido de reordenadora e reconstrutora da

experiência, pois ultrapassa o limite dos sentidos, dando à experiência um caráter

eminentemente humano. Assim amplia o sentido e os horizontes, possibilita ao

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homem o alargamento de sua forma de proceder diante de novas experiências,

como um movimento espiral, onde a cada volta o raio se amplia, atingindo situações

anteriormente não abrangidas. Afinal, vida é experiência, vida é educação, educação

é vida, experiência é vida. (SANTOS, 2002, p.96)

Para Daniel (2000, p.52) na visão lipmaniana a criança pode parecer

idealizada, mas somente para uma visão cultural negativa que exclui as crianças do

mundo racional e se limita a “rir delas e acompanhar sua evolução de forma

complacente”. Suas afirmações se dirigem a situá-las como possuidoras de

infinidades de interesses e desejos latentes, de curiosidade e abertura que

constituem possibilidades para o desenvolvimento de suas potencialidades e

habilidades.

5.4 A formação das habilidades de raciocínio

Algo importante para este autor é a afirmação de que as habilidades de

raciocínio devem ser cultivadas em experiências na sala de aula transformada em

lugar de raciocínio, investigação, auto-avaliação “até se tornar uma comunidade

exploratória e auto corretiva onde os professores são peritos tanto em cultivar a

reflexão como em comprometer-se com ela.” (LIPMAN, 1990, p.23)

Lipman (1999, p. 65) agrupa as habilidades cognitivas a serem

desenvolvidas nas crianças em quatro grupos: habilidades de investigação,

habilidades de raciocínio, habilidades de organização da informação e habilidades

de tradução (diálogo). São áreas de grande relevância para os objetivos

educacionais. De acordo com este ponto cabe a educação fortalecer e aperfeiçoar

habilidades. Isto significa que as crianças estão “naturalmente inclinadas a adquirir

habilidades cognitivas, do mesmo modo que adquirem naturalmente a linguagem.”

Por investigação compreende a indagação ou prática autocorretiva. Uma

criança pequena tenta adivinhar para onde foi a bola, por exemplo, talvez para baixo

do sofá. Ela já se envolve neste exemplo, em “considerar alternativas, construir

hipóteses, testar e outras formas de comportamento que gradualmente são

reconhecidas como inteligentes”. As habilidades de investigação são contínuas

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através dos níveis etários e é através destas habilidades de investigação que “as

crianças aprendem a associar suas atuais experiências com aquilo que já aconteceu

em suas vidas”(LIPMAN, 1999,p. 65).

Para Lipman o conhecimento origina-se na experiência. Através do

raciocínio, o conhecimento vai ampliando-se a considerar e descobrir coisas afins. A

partir de um argumento são feitas inferências a partir de premissas já conhecidas.

Assim, para ele, o nosso conhecimento que se baseando na experiência no mundo

vai sendo ampliado e preservado. Neste ponto ele observa que quando as

premissas não são conhecidas como ocorre em situações de diálogo, o processo do

raciocínio possui mais vitalidade, e conclusões podem surgir de modo inesperado.

As habilidades de organização de informações, dizem respeito a capacidade

de organizar as informações recebidas em “unidades ou grupos significativos”. A

formação de conceitos é o processo que precisa ser desenvolvido para ordenar e

coordenar aquilo que foi descoberto através da investigação.

Na tradução, ocorre a transmissão de significados. “A interpretação se faz

necessária quando os significados traduzidos não são capazes de fazer um sentido

adequado no novo contexto no qual foram colocados”. Assim, segundo Lipman

(1999, p.72), “o raciocínio preserva a verdade e a tradução preserva o significado”.

Lima (2004, p. 91) explicitando a questão do ambiente da sala de aula como

lugar de desenvolver estas habilidades, observa que as crianças começam a sondar,

examinar, inferir e indagar muito antes da aquisição da linguagem. A educação para

o pensar, cultivando a habilidade de investigação através do diálogo, possibilita a

construção do saber de forma participativa. As crianças aprendem a elaborar

raciocínios dedutivos e indutivos, entram em contato através da leitura dos textos e

dos planos de discussão com questões de compreensão e significados.

Apresenta como exemplo uma pequena parte do texto Pimpa, criado por

Lipman em 1981, com temas ligados à filosofia da linguagem, indicado para crianças

entre 9 e 10 anos. A personagem apresenta-se com uma especial curiosidade e

vontade de perguntar. É um perguntar metódico, sistemático: “Alguma vez o teu

braço ficou dormente? Não é estranho? É como se o teu braço não te pertencesse.

E se o meu corpo e eu somos diferentes, quem sou eu?”

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Neste exemplo, a autora observa a presença dos estímulos para o raciocínio

no desenvolvimento das estruturas cognitivas, a capacidade de interpretar,

compreender metáforas, estabelecer relações, fazer comparações e fazer

perguntas. Ainda salienta os conteúdos abordados como origem, identidade,

relações, pensar, mente/corpo, linguagem, realidade, pensamento.

Para Oliveira as habilidades de raciocínio permitem trabalhar com a

coerência interna de nossos discursos, ou seja, “inferir, detectar premissas, formular

questões, exemplificar, identificar similaridades e diferenças, comparar”. As

habilidades de investigação “sugerem a idéia de busca de construção de respostas”.

Se pode salientar o esforço em “medir, observar, verificar, descrever, estimar,

prever” (2004a, p.47).

Através das habilidades de formação de conceitos, há um movimento para

que os conceitos adquiram sentidos, tornando-os instrumentos de compreensão

possibilitando a “construção do conhecimento”. Estas habilidades incluem “fazer

distinções, fazer conecções, agrupar, classificar, definir, identificar significados,

explicar”. As habilidades de tradução permitem a compreensão dos discursos

falados e escritos preservando significados, onde se pode evidenciar “prestar

atenção, interpretar criticamente, perceber implicações e suposições, parafrasear,

inferir”.

Santos (2002, p. 19) apresenta observações de Lipman, sobre distorções

das afirmações piagetianas sobre a capacidade de abstrair das crianças. Alguns

aspectos reducionistas influenciaram o processo educacional colocando de forma

dicotômica atualidades concretas e sensoriais e conceitos e idéias como

pertencentes a mundos diferentes, modelando gerações “desprovidas de abstração”

e muitas vezes “incapazes de travarem a justaposição entre realidade e aparência,

belo e direito”, além de acarretar uma grande dificuldade em “incursões pela

metacognição”.

Lipman chama a atenção sobre a importância e reconhecimento do pensar

sobre o pensar por parte da psicologia educacional. Há cada vez maior interesse em

se “estudar, monitorar e rever o próprio processo do pensamento”. As habilidades de

raciocínio devem ser desenvolvidas por desempenhos voluntários. O ato

metacognitivo é o que torna possível a autocorreção. Uma coisa é os “atos mentais

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e as habilidades de raciocínio e de investigação estarem dirigidos ao mundo e outra

coisa é estarem dirigidos a si mesmos” (1990, p. 42).

E ainda:

O papel educacional dos atos mentais (por exemplo, admitir, supor, concordar, estimar, conjecturar, relembrar) dos atos metacognitivos (por exemplo, saber que se lembra, admitir que se sabe), dos atos meta-afetivos (por exemplo, querer desejar, esperar amar) e dos atos mentais correspondentes (por exemplo, meu inferir que você infere).

[...] o fermento da atividade mental que aqui vemos é o aspecto do automonitoramento da mente. Temos que aprender como cultivá-lo, pois as crianças provavelmente não raciocinarão melhor se não puderem raciocinar sobre como elas raciocinam. (LIPMAN, 1990 p. 43)

Protelar essas construções, ou seja, a formação das habilidades de

raciocínio, segundo Santos (2002, p.18), é sinônimo de subestimar “a capacidade do

homem mutilando a sua percepção”, e privar a criança de construir a compreensão e

de preencher de “significados a natureza, a sociedade e a sua própria identidade”.

Seus apontamentos assinalam que:

O raciocínio crítico e o criativo não estão vinculados às faixas etárias, mas presentes desde a tenra idade, tornando-se complexos com o passar dos anos, com as aproximações sucessivas (Marx); não surgem inatamente, pois seu estabelecimento e desenvolvimento se dão socialmente; o pensar, o conhecimento e o significado são construções sociais que se articulam e ficam complexas, recombinam-se para fundamentar melhor uma interpretação do que se supõe universal: o homem. (SANTOS, 2002, p.19)

O preparo intelectual da criança consiste em apresentar-lhe os problemas e

acompanhar o seu desenvolvimento, compreendendo que uma criança de sete

anos, por exemplo, não tem ainda critérios poderosos para resolver problemas

complexos. Mas ignorar que as crianças conseguem identificar diante das situações

algumas implicações, alguns motivos ou alternativas equivale a dizer que elas não

têm capacidade de pensar.

Lipman (1990, p.80) enfatiza a questão do desenvolvimento das habilidades

de raciocino que podem ser aplicados a problemas de valores através das

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discussões na sala de aula constituída comunidade de investigação. Entre as

habilidades apontadas pelo autor está o trabalhar com a coerência e a contradição,

dar razões, levar em conta todas as considerações, apresentar exemplos concretos,

identificar e usar critérios, definir termos, aprender a lidar com ambigüidades, e

contextualizar. Estratégica para toda a questão do desenvolvimento das habilidades

é o ambiente propício para isto, que segundo Lipman é a participação das crianças

na construção do conhecimento em comunidade.

5.5 A comunidade de investigação e questionamento

A educação é um processo que toda a criança vivencia. É a forma pela qual

a sociedade e grupos sociais envolvem a criança e a prepara para sua autonomia. O

objetivo educacional modela compromissos no gerar cidadãos morais, inteligentes,

responsáveis que tenham capacidade de julgamentos coerentes e racionais.

Lipman (1999, p.29) considera que a melhor pedagogia para oferecer

filosofia às crianças é a comunidade de investigação. É um conceito-chave.

Segundo suas afirmações (1999, p.31) este termo foi presumivelmente cunhado por

Charles Sanders Peirce e desde este autor, o conceito tem sido ampliado a fim de

incluir qualquer tipo de investigação. Inicialmente esta concepção referia-se aos

profissionais da investigação científica, todos sendo considerados como formando

uma comunidade por “estarem dedicados à utilização de procedimentos

semelhantes no desenvolvimento de objetivos idênticos”.

Para ele é legitimamente educacional falar em converter a sala de aula em

comunidade de investigação. No ambiente de investigação comunitária os alunos

tem a oportunidade de dividir opiniões, desenvolver questões a partir das idéias de

outros, desafiarem-se entre si ao buscar e fornecer razões que justifiquem opiniões

divergentes, praticarem o auxílio mútuo quanto ao fazer inferências a partir das

afirmações dadas e procurar identificar as colocações de cada um.

A educação é o resultado da participação em “uma comunidade de

investigação orientada pelo professor, entre cujas metas encontram-se o

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desenvolvimento da compreensão e do julgamento adequado” (LIPMAN, 1999,

p.331). Assim, toda a investigação é uma prática de autocrítica, alem de ser

totalmente exploratória e questionadora.

Na educação reflexiva, os alunos são estimulados a pensar sobre o mundo,

compreendendo a natureza do conhecimento a este respeito cheio de

ambigüidades, equivocidades e aspectos inexplicáveis. Lipman diferencia este tipo

de entendimento do paradigma da educação tradicional que consiste na transmissão

de conhecimentos que considera o mundo inequívoco, explicável e não ambíguo.

Para Lima (2004, p.129) o conceito Lipmaniano de comunidade de

investigação oportuniza manter vivas as questões relativas a temas da existência

humana, do mundo e da cultura. É deste modo a forma própria do fazer filosofia. Isto

significa que a iniciação progressiva dos procedimentos do filosofar que envolvem o

pensamento crítico e criativo instiga as crianças a serem participativas e a

compreenderem a importância das suas intervenções nas discussões.

Refere-se ainda a autora, sobre o conceito de comunidade de investigação a

estratégica metodológica que encontra espaço na inclinação natural das crianças

para perguntar e serem curiosas sobre as questões as mais diversas. A forma como

os indivíduos deliberam para criar seus juízos, também se pode perceber nas

crianças este ordenar juntas num processo de pensar coletivo, o julgar.

A comunidade de investigação tem uma estrutura baseada em valores como

“espírito de cooperação, cuidado, confiança e senso de objetivo comum” envolvendo

a investigação, compreendida como uma

forma prática de auto-correção levada pela necessidade de transformar o que é intrigante, problemático, confuso, ambíguo ou fragmentado em algum tipo de todo unificador, que satisfaz os envolvidos e que culmina, embora experimentalmente, em julgamento.( SPLITTER; SHARP, 2001, p.31)

Na abordagem de uma comunidade reflexiva de investigação Lipmaniana

Lima aponta (2004, p.57) a presença de estímulos para tornar possível a segurança

no sentido intelectual, alegria e diversão, respeito pelas pessoas, aceitação para

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qualquer tipo de pergunta, apreciação para a diversidade de pontos de vista, igual

valor para o falar e esperar a sua vez de falar, combinações de regras.

A filosofia pode proporcionar experiências e conforme Lipman “o fazer

filosofia é a personalidade da racionalidade, todas as fases da infância deveriam ter

acesso a essa experiência” (1990, p. 62). O fazer filosofia exige conversa em

comunidade, diálogo. O observador casual poderá julgar que o que acontece na sala

de aula assim é apenas “conversa” de crianças. Berkenbrock-Rosito (2007, p.292)

observa que “a autonomia e emancipação dos sujeitos não poderia ocorrer fora de

um espaço aberto para contar suas experiências”.

Lipman acrescenta que “nada aprimora mais as habilidades de raciocínio do

que a conversa disciplinada.” As crianças gostam de falar, e os educadores podem

compreender que há sabedoria em desenvolver algo que as crianças já estão

motivadas a fazer. Ressalta que não pode ser ignorado e que “qualquer diplomata

ou negociador sindical sabe,” que a habilidade para conversar, para dialogar é

“condição mínima para a civilidade.” (1990, p.67)

A educação para valores encontra na comunidade de investigação o

contexto cooperativo e comunitário. Lipman (1990, p.68) considera que este

ambiente leva a uma outra direção, “longe da competição e o individualismo dos

seminários de ética das faculdades e igualmente longe do raciocínio sofístico do

debate forense”. O que se propõe para as crianças não é dar-lhes “teorias éticas

acabadas pelas quais devam se conduzir”, mas sim as ferramentas da reflexão

dentro de um contexto de investigação.

O contexto de cooperação abrange o entendimento do quanto é importante

dar a oportunidade para todos exporem seus pensamentos. Passar a palavra uns

aos outros é estratégia para criar o ambiente de respeito pela opinião do outro,

critério ético fundamental da comunidade na sala de aula. Para Lipman, “a

sensibilidade para as subtilezas dos assuntos sociais requer todas as habilidades de

pensamento que a filosofia possa cultivar”. A atividade filosófica na comunidade de

investigação implica assim desenvolver a capacidade de realizar juízos racionais

com as ferramentas da investigação.

Sharp (2000, p.66) aponta o valor da investigação ética da comunidade na

sala de aula. Para ela, toda a investigação é uma “instância do pensamento

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atencioso”. Quando se investiga um sistema moral o que se pergunta não é sobre

qual é o caso, mas qual deveria ser o caso. Considerar “cuidadosamente cada

contexto”, “peculiaridades de cada relação”, variações de significado e valor é a

forma de se chegar a apreciar o que está implícito e explícito nas questões. Isto

implica uma visão de vida como processo de mudança contínua em contextos de

ações sempre variáveis.

A Investigação ética começa a partir dos fatos das inter-relações humanas,

dando peso igual às relações sociais subjetivas e objetivas. Assim, para ela, as

crianças começam a investigar ao construírem mentalmente, algumas cenas reais

de interação humana. Tal “construção comum é o primeiro degrau na formação” de

relações humanas em ação. Este é o “ideal educativo que filosofia para crianças

propõe frente à memorização” do que ela chama de “catecismo ou aprendizado” de

listas de regras morais.

Ela ilustra aspectos desta questão, apresentando um exemplo que uma

criança poderia compartilhar com os pares, evidentemente com menor complexidade

de linguagem, mas propício aqui, para referenciar o exemplo de uma investigação:

Você está andando de bicicleta em uma rua principal quando você vê uma placa anunciando um cachorro quente. Isto parece bom para você. Você deseja um cachorro quente. Impulsivamente você vai até o cachorro quente e pergunta à pessoa que o atende se você pode comprar um cachorro quente. Neste ponto, você não sabe se suas percepções estão corretas. Agora, suponha que você consiga o cachorro quente e o coma rapidamente. Agora pode ser dito que é fato que você estava faminto e você estava faminto por um cachorro quente. Poderia ser dito que o cachorro quente era desejável? Não! Ainda que você tenha gostado do cachorro quente, ele não foi de qualquer valor para você. Antes que se diga que ele possui um valor, a experiência imediata de satisfação deve ser de alguma maneira testada e aprovada.

Por exemplo, suponha que, em resposta à sua solicitação pelo cachorro quente, a você fosse dito que teria que esperar 15 minutos. Diante do dilema, você pararia para pesar os prós e contras da espera. À medida que você o faz, você determina o relativo mérito de suas opções. Se você opta esperar, então assim considerado, o cachorro quente é um tanto um bem quanto um bem superior, às possibilidades de pedir algo diferente que levaria menor tempo ou não pedir nada. Mas nós devemos lembrar que todos os valores são passíveis de revisão. Por exemplo, suponha que uma hora depois você sofra uma indigestão. Você repentinamente percebe que esta não é a primeira vez que aconteceu. Antes, você tinha pensado que havia feito uma má escolha de carrinhos de cachorro quente. Agora você suspeita do próprio cachorro quente. Estas reflexões poderiam

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levá-lo a revisar suas avaliações anteriores sobre o desejo de cachorros quentes em geral e o específico cachorro quente que você havia comido uma hora antes. (SHARP, 2000, p.67)

A questão proposta no exemplo é apresentar os contornos que assumem a

investigação sobre o que é desejável chamada “ensaio dramático”. O que

aconteceria se “eu tomasse este curso de ação?” (SHARP, 2000 p. 67).

Para Sharp, a estratégia Lipmaniana de transformar salas de aula em

comunidades onde se oportunize investigações éticas, não como garantia de

“erradicar toda a infelicidade” - característica de concepções ilusórias, mas

apropriada à boa educação definida como:

Aumento de significados para crianças, através do cultivo de sempre crescentes compreensões da estrutura de suas experiências internas e externas, conjugando a suas ampliadas capacidades imaginativas de influenciar e talvez controlar, em algum nível, o significado de suas futuras experiências, então transformar salas de aula em comunidades de investigação ética será um grande passo em direção à civilização. (SHARP, 2000, p.69)

Daniel (2000, p.242) aponta, sobre a importância da comunidade de

investigação, o fato da interdependência entre o desenvolvimento da pessoa e o

desenvolvimento social explicitando que, ao lado do desenvolvimento da capacidade

racional, crítica e autônoma faz-se necessário o desenvolvimento de atitudes

favoráveis à harmonização da vida em comunidade. A autonomia e o respeito pelo

outro, constituem dois princípios da filosofia democrática que se referem a valores

intelectuais e sociais.

Para a autora, a visão de Lipman de uma educação que aconteça em

comunidade de investigação, remete diretamente ao conceito de democracia

definida por ele como:

Uma comunidade participante e reflexiva, empenhada numa busca de autocorreção relativa aos seus problemas e às suas escolhas. Numa tal sociedade, os indivíduos são estimulados a investigar e a raciocinar juntos, a contribuir para o trabalho da sociedade, a influenciar seu governo e a compartir para o maior proveito de todos. Uma sociedade democrática cultiva a capacidade de julgamento de todos os seus cidadãos, fazendo com que as avaliações que estes

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fazem das instituições sejam contínuas, objetivas e eficazes. Da mesma forma uma tal sociedade cuida para que essas instituições constituintes, entre as quais as escolas estão certamente entre as mais importantes, sejam responsáveis por todos aqueles que recebem sua influência no exercício de sua autoridade e de seu poder institucional. (LIPMAN, apud DANIEL, 2000, p.243)

A transformação da sala de aula de filosofia em um seminário em que as

crianças são envolvidas em investigações, inclusive sobre valores, constitui-se

compromisso educacional desenvolvendo-se através do interesse dos alunos que se

convertem em investigadores de conceitos ou temas adequados ao interesse da

comunidade.

Na visão de Lima (2004, p. 63) o conceito de comunidade de investigação

caracteriza a aprendizagem onde os alunos são ativos, investigadores, onde cada

um tem, de forma progressiva, a oportunidade de aprender assumir desde cedo a

responsabilidade pelos seus pensamentos. A prática de uma aula em comunidade

“dialogante” pode oferecer maior preparo para a criança quando adulta “não

discriminar pessoas pela cor, formação cultural ou ideologia.”

Se quisermos adultos que pensem bem, devemos oferecer às crianças o

ambiente propício para que desenvolvam esta habilidade e tenham oportunidades

em ser sensibilizadas a responder de forma adequada, inteligente e ética quando

confrontados com situações problemáticas. Isto equivale a dizer que a

“responsabilidade social da escola é educar a criança a fim de que ela se torne apta

a dirigir de forma adequada a evolução se sua experiência” em sociedade. (DANIEL,

2000, p. 244).

A comunidade de investigação, como metodologia, oportuniza aceitar e

respeitar um pensador lento de argumentos sólidos como a criança que pensa

rápido e claramente. Isto também acontece com as crianças que chegam a um

raciocínio analítico, e as que chegam através da forma intuitiva ou espontânea.

A sala de aula adequada à comunidade de investigação, nas observações

de Lima (2004, p.64), pode dispensar aquela que tem a escrivaninha do professor na

frente e os alunos sentados em filas ordenadas voltadas para o professor e

apresentar a que coloca os alunos e professor, sempre que possível, sentados em

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círculo, onde possam se observar uns aos outros, permitindo o “pleno contato

visual.” Este modelo oferece ambiente motivador e convidativo ao diálogo. Para ela,

o círculo simboliza ainda a unidade da comunidade de questionamento.

Uma comunidade de investigação (LIPMAN, 1999, p.31) tenta acompanhar a

investigação pelo caminho que ela conduz apontando uma espécie de diálogo que

busca “harmonizar-se com a lógica, seguindo adiante indiretamente como um barco

navegando contra o vento, mas no processo seu progresso assemelha-se àquele do

próprio pensamento”. Neste ambiente, se desenvolve a sensibilidade para perceber

problemáticas, capacidade de raciocínio, relacionamento e julgamento e o

aprendizado do diálogo como força constante a permear todo o processo

educacional.

5.6 O diálogo cooperativo na comunidade de investigação

A defesa de uma prática dialógica não se constitui novidade em educação.

Freire (2005, p. 191) considera que “na teoria dialógica da ação, os sujeitos se

encontram para a transformação do mundo em co-laboração.” Para ele, o diálogo é

sempre comunicação, elemento fundante da co-laboração. Viver a abertura

respeitosa aos outros evidencia a relação dialógica como marca deste movimento. A

razão ética da abertura se viabiliza pelo diálogo.

Abrir-se ao mundo e aos outros é ato em que o sujeito inaugura com seu

gesto a “relação dialógica” e, conforme Freire (2007, p.50) “confirma como

inquietação e curiosidade, como inconclusão” o permanente “movimento na

História.” Esta inquietação e curiosidade implicam o perguntar e a reflexão crítica

sobre este perguntar.

Isto caracteriza o movimento educacional de alunos e professor envolvidos

pela postura “dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada” no ouvir e no

falar. (FREIRE, 2007, p.86) Educação supõe disponibilidade para o diálogo

(FREIRE, 2007, p.135). Nas relações entre sujeitos a abertura dialógica permite

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respeitar as diferenças e “testemunhar a disponibilidade à vida” com seus desafios

que são qualidades da prática educativa.

Para Lipman, o diálogo em sala de aula no contexto de comunidade não se

restringe a uma estratégia, mas é o princípio orientador e possibilitador de todo o

processo educacional, deslocando o foco do aprender para o “ensinar a pensar.”

(1999, p.143). A filosofia é uma disciplina que leva em consideração as alternativas

de agir, criar e falar. Com esta definição Lipman observa que para descobrir

alternativas, o procedimento dos filósofos consiste em avaliar e examinar suas

próprias pressuposições, questionando o que “outras pessoas normalmente tem

como certo”, especulando “imaginativamente sobre quadros de referência cada vez

mais amplos”.

Depreende-se que a educação filosófica supõe o incentivo e

desenvolvimento de capacidades para as pessoas se envolverem no

“questionamento crítico e na reflexão inventiva”. Qual metodologia de ensino pode

ser estratégica, para a produção de idéias mais significativas e o questionamento

mais fundamentado? A esta indagação Lipman aponta para as condições que

satisfazem estas exigências incluem um professor que instigue e questione não se

satisfazendo com o “pensamento descuidado” e, alunos que aceitem a provocação

de se envolverem “num diálogo que os desafie a pensar e produzir novas idéias”

(LIPMAN, 1999 p. 143).

Nesta linha de raciocínio, são assentadas as bases de um ambiente

adequado para incentivar as crianças para o pensar reflexivo. “A metodologia por

meio da qual o questionamento e a discussão” são mais bem ensinados, baseia-se

na “verdadeira natureza da filosofia”. Nas novelas de Lipman assim como nos textos

dos diversos autores de textos filosóficos para crianças a partir de suas teorias se

encontram o incentivo ao questionamento e a ênfase dada à descoberta.

Uma discussão filosófica é cumulativa, crescendo e se desenvolvendo, por

meio dela, todos os envolvidos neste diálogo vão descobrindo novos horizontes. A

arte do professor está em “estimular com habilidade os comentários das crianças de

modo a propiciar o desenvolvimento da discussão” envolvendo todos os

participantes. Incentivar linhas de discussão convergentes e divergentes faz parte

desta dinâmica, reconhecendo que o diálogo, mesmo pouco estruturado, fornece

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oportunidades para que as crianças explorem novas perspectivas. (LIPMAN, 1999 p.

145)

Para exemplificar as circunstâncias adequadas ao dialogo, a metáfora usada

pelo autor é a de uma sala de aula que as crianças como “um bando de gatinhos se

arremetem sobre um novelo de lã atirado em sua direção”. Deste modo, as crianças:

Brincarão com a idéia até que ela seja desenvolvida, elaborada e até, em alguns casos, aplicada a situações da vida, embora isso raramente se alcance sem a liderança criativa do professor. Mas quando a discussão termina, podem fazer comentários do tipo “é hora de voltar ao trabalho escolar”, como se o que tivessem fazendo não tivesse nada a ver com a escola, ou com a aprendizagem, ou com a descoberta de suas próprias capacidades intelectuais. Pode ser que considerem a filosofia como nada mais que um jogo divertido, sem perceberem que pode estar tão comprometida com a formação da inteligência como qualquer outro elemento com que possam se deparar em sua experiência escolar. (LIPMAN, 1999, p.146)

O diálogo por ser provocativo, é fundamental no programa de filosofia para

crianças, por cooperar para a percepção das coisas sob diversos ângulos. O que se

pode compreender sobre o diálogo é que não significa “abdicar do referencial de

onde partimos”, mas sim que ele provoca o “alargamento do nosso próprio

horizonte”. O diálogo oportuniza o resgate de boas razões ou a evidencia da sua

fragilidade, uma vez que “refletimos não somente sobre os argumentos que nos são

apresentados”, mas sobre sua “disposição interna” o que equivale a dizer sobre “a

forma de sua sustentabilidade e validade” (SANTOS, 2002, p.20).

Neste entendimento, é possível construir novos valores, por meio do diálogo,

sem que seja necessário abdicar dos valores individuais. Na concepção lipmaniana,

apontada por Santos, é considerado falso a afirmação de que a soma das diferentes

visões representa a realidade. Para ele, o fundamental não é a concordância ou o

consenso, mas a formação da consciência que compreende haver outras razões

para explicar a realidade. O diálogo tem esta tarefa no grupo de sala de aula que

enquanto comunidade de investigação se torna fundamento da sociedade

democrática.

Os textos e histórias apresentadas na comunidade de investigação

propiciam construções de significados e ajudam a esclarecer situações que

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envolvem pensamentos, crenças e valores. As crianças se envolvem em vivências

que são intencionalmente preparadas para que se descortinem sentidos. Isto diminui

o “acontecer por mágica”, aparecendo gradativamente as razões que estão

fundamentando as diversas situações apresentadas. Os personagens, vivenciando

circunstâncias próximas às do leitor “em seu processo de desvelamento do mundo”

propiciam estímulos ao diálogo acerca de conceitos e valores veiculados nos textos

e inspiram atitudes de busca.

O diálogo disciplinado não é compreendido como ponto de chegada, mas o

meio pelo qual é possível criar e recriar o conhecimento. Representa o encontro de

consciências onde se propicia que a expressão interior se torne exterior. Lipman

(1999, p. 154) apresenta os ingredientes para alimentar o diálogo filosófico,

observando que este não “depende da sorte”.

As boas discussões podem ser promovidas e não precisam

necessariamente envolver todos em todo o tempo. Algumas pessoas podem

aprendem mais escutando do que falando em determinada ocasião. Um verdadeiro

diálogo não se dá porque todos estão falando. No entanto, segundo sua perspectiva

uma boa discussão é cumulativa e aponta para progressos no movimento da

compreensão e envolvimento do diálogo. Um aspecto educacional importante é

atingir uma situação em que haja uma “máxima interação estudante-estudante”

fazendo um movimento diferente em relação ao ponto de partida da discussão em

que predomina a “interação professor-estudante”.

Lipman observa que (1999, p.155) uma mera discussão pode suscitar

comentários de vários tipos, mas sem alcançar “encontro de mentes”. Contudo, não

se pode ignorar que uma discussão insignificante pode ser o “solo fértil do qual seja

possível brotar uma boa discussão”. Do mesmo modo, a respeito de qualquer tema

é capaz de surgir diálogos filosóficos. Uma mera discussão pode ser episódica, mas

numa discussão intencional e filosófica cada contribuição é como “linha de força”

convergindo “sobre as outras e é orquestrada com as outras”.

Lipman (1990, p.28) considera que “o paradigma do fazer filosofia” é a figura

“altiva e solitária de Sócrates”. O que se pode perceber sobre isto é que filosofia

deste modo se torna “forma de vida”, não algo conhecido ou aplicado, mas

praticado. Algo a que qualquer “um de nós pode dedicar-se”. Ao reexame da

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República de Platão, Lipman observa que Sócrates comparece nos primeiros

diálogos falando com jovens e velhos da mesma maneira implicando o conselho

para estimular as crianças aos estudos “pelo prazer e não pela coação”. A

condenação que aparece posteriormente poderia contextualizar, segundo Lipman, o

cuidado em proteger as crianças dos exercícios sofísticos que reduziram a filosofia

ao poder da argumentação.

Neste “estímulo” se focaliza a propriedade das crianças em adquirir a

“prática em discutir conceitos” considerados importantes por elas. Fazer crianças

discutirem assuntos que lhe “são indiferentes priva-as dos prazeres intrínsecos de

se tornarem educadas, abastecendo a sociedade de futuros cidadãos que nem

discutem o que lhes interessa nem se interessam pelo que discutem.” (LIPMAN,

1990, p. 31) O autêntico diálogo precisa ser exercitado com o objetivo da inclusão,

na qual cada um dos participantes “tem em mente o outro, ou outros, em sua

existência presente e específica e volta-se para estes com a intenção de estabelecer

uma relação mútua, estimulante entre si e eles” (LIPMAN, 1999, p.36).

Segundo Lovera e Nogaro (2003, p. 11) a atividade de Sócrates “era

conversar, e conversar sobre o conhecimento do homem sobre si mesmo e sobre as

virtudes, tais como a sabedoria e a justiça”. Quando motivava uma conversa, não

objetivava doutrinas “pré-estabelecidas, apenas perguntava”. Era assim que o

diálogo se tornava iniciador do processo de descobertas.

No diálogo o conhecimento não é atingido por um único indivíduo, mas por

diferentes consciências que, chegam a “acordos” entre si, chegam a novos

conhecimentos, e isso é construção. O diálogo se mostra como princípio filosófico

ajuda para compreender a filosofia não como “algo abstrato”, mas como algo que faz

parte da vida apontando a dimensão concreta ao lidar com “questões essenciais da

existência humana”.

Como princípio orientador, o diálogo evidencia a prática do aprender a

escutar e aprender a conversar de forma coerente. Aponta para a necessidade que

há em:

Desenvolver a capacidade de entrar no mundo das outras pessoas e vê-lo de acordo com as perspectivas dos outros, adotando uma atitude compreensiva. Essa habilidade dialógica envolve os indivíduos numa relação ativa de experiências pessoais e com os

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objetivos, propósitos e crenças das outras pessoas. Isso exige, ao mesmo tempo, humildade intelectual e uma autêntica disposição para a autocorreção. (LOVERA; NOGARO, 2003, p.193)

A educação para o pensar construída na comunidade de investigação se

constitui pelo diálogo um “encontro de consciências”. O diálogo interior se exterioriza

representando o momento em que “a individualidade se materializa”. Trazendo à luz

pensamentos e idéias, no diálogo estes são tomados como elementos de

consideração pelos participantes provocando a busca e aprofundando-a quanto a

significação das coisas.

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6 BIOÉTICA PARA UM PLANO DE ENSINO DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS

6.1 Reflexões bioéticas para a prática educacional

Contextualizar o tempo histórico e, neste, o universo infantil,

compreendendo o valor da educação das crianças nos move a pensar nelas como

pessoas em formação, que necessitam de orientação em bases racionais

adequadas a fim de que saibam transitar entre o conforto de uma era digital, do

“tudo pronto” e a capacidade crítica e reflexiva que precisa ser conquistada,

desenvolvida. (MORAIS, 1992, p. 91).

Postman (1999, p. 81) em suas análises aponta para um mundo

tecnológico que ampliou a supremacia da mídia e “reduziu o papel da família na

moldagem dos valores e da sensibilidade” dos mais jovens. Cabe também

mencionar os novos desenhos e padrões que têm modelado o grupo familiar da

contemporaneidade, delegando grandes responsabilidades para a escola.

Segundo Postman, é necessária uma cultura de resistência. A escola, de

uma forma ou de outra, “permanecerá como a última defesa contra o

desaparecimento da infância” e, como acontece com toda a atitude de resistência,

“há um preço a pagar”.

O compromisso apontado como necessário é um tipo de cuidado que

monitore aquilo a que as crianças estão expostas construindo continuamente uma

“crítica dos temas e valores de conteúdo da mídia”. Este cuidado desafia as diretivas

da cultura e suas críticas assinalam a responsabilidade dos educadores para

protegerem as crianças e ajudarem na formação de “uma espécie de elite

intelectual”. Ser verdadeiramente humano, ético e responsável parece compor neste

tempo o tipo de “elite” mencionado por este autor (POSTMAN, 1999, p. 81).

Isto nos permite considerar que não é justo que a nossa cultura esqueça

que precisa de crianças ou que estas precisam de uma infância protegida. Para

Splitter e Sharp (2001, p. 51), conhecimento, valores e bom pensamento,

considerados ingredientes essenciais para o processo educacional “precisam ser

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construídos”. E isto, como resultado de uma “investigação sistemática e

colaborativa”.

Convergindo para este olhar, temos de igual importância a consideração

pela postura socrática destacando aspectos da educação implícitas nas teorias

construídas por Dewey, Piaget e Kohlberg compreendendo que as virtudes de uma

pessoa, escola ou sociedade desenham a justiça através da democracia definida em

termos de equidade e respeito. (AMORIM NETO, 2008, p 32).

Destacando a importância da investigação colaborativa, Amorim Neto

salienta nas teorias de Kholberg o lugar deste “viver relações democráticas” como

estímulos para o educando pensar por si mesmo, sem relações de dependência com

alguma autoridade.

Nesta perspectiva, segundo este autor temos como foco:

A clareza de que o melhor modo de ensinar os valores democráticos seria dando aos estudantes a oportunidade de praticá-los e refletir sobre eles. À medida que praticassem a democracia, teriam a oportunidade de corrigir comportamentos e atitudes incongruentes com a vivência em comunidade e o respeito pelo outro. Enquanto desenvolviam o senso de pertença comunitária e o de respeito pelos outros, sentir-se-iam mais responsáveis pela escola. (AMORIM NETO, 2008, p. 33)

Na atualidade de um tempo que exalta o império da razão “calculativa”

em detrimento do reino da razão “meditativa”, pode-se constatar a tendência em

resistir à reflexão que foi julgada e condenada por parecer “demasiado elevada” para

o entendimento comum. Segundo Heidegger, o pensamento que medita requer

esforço, trabalho, um “treino demorado’’. Necessita de cuidados ainda “mais

delicados do que qualquer outro ofício”, e carece de entendimento tal como o

lavrador a respeito da sua tarefa, esperando que a semente desponte e amadureça.

(Heidegger, 2001, p.14)

Tal metáfora se aplica à educação de crianças, se pensarmos que uma

semente produzirá segundo a sua espécie. Depreende-se desta metáfora a

necessidade da construção de um ambiente educacional com estratégias propícias

para semear valores como liberdade, respeito e solidariedade. Também esta noção

compreende a educação enquanto cuidado. Segundo Lipman (1990, p.217) ajudar

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as crianças a pensar sobre seus pensamentos, a ter coragem de expressá-los, auto-

corrigi-los e respeitá-los é dar especial atenção para a pessoa que está em

crescimento e formação.

A educação como forma de intervenção no mundo requer que se

compreenda a necessidade de flexibilidade que a vida exige. A compreensão

definida por Wiske (2007, p.37) como “capacidade de pensar e agir de maneira

flexível com o que se sabe”, forma uma conjunção adequada para o pensar reflexivo

como importante referencial bioético.

Para Coreth (1973, p.45), a essência da compreensão assinala um

processo desta intervenção no mundo em que os sentidos que precisam ser

apreendidos envolvem teorias, mas também “o trato prático com as coisas e a toda a

vida, que é tanto prática quanto teórica”, em que relações de sentido e de valor se

tornam interdependentes.

A solidariedade, por exemplo, definida por Hottois como o “modo de estarem

juntos as coisas e os seres, a interdependência ativa e multiaspectual de todos os

elementos da sociedade e mais globalmente da humanidade” requer seu

reconhecimento em experiências de pertencer a uma família, uma escola, uma

sociedade, uma nação e à humanidade. “Este valor designa também um “sentimento

que o indivíduo pode experimentar, de pertencer a um todo maior” e ‘‘que ultrapassa

sua individualidade”. (apud DURAND, 2007, p.215)

As sociedades democráticas compreendem que o respeito à vida não

apenas vida biológica, mas pessoal e biográfica abarcando o desenvolvimento da

capacidade de ser consciente de si, dos outros e do mundo, exige a formação do

sujeito através do processo educacional.

Uma educação que prepare a pessoa para viver como membro de uma

sociedade que questiona deve levar em consideração um ambiente que propicie a

pessoa desde cedo a ser estimulado à conversação numa comunidade de

deliberação na sala de aula. Coaduna-se com estas reflexões a concepção de que a

comunidade democrática “é subsidiária da inteligência reflexiva”. (MURARO,1996, p.

21)

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Segundo Barchifontaine; Pessini (2007, p. 99), a Bioética no Brasil está

comprometida com o “refletir, compreender e resolver antigos e novos desafios

trazidos pela tecnologia no mundo da saúde”. Avança dentro de um complexo

contexto que requer debates e estratégias relacionadas aos direitos das futuras

gerações. Depreende-se que noções de solidariedade, responsabilidade,

sentimentos pela escolha do outro, democracia remetem ao plano ético e podem ser

tecidos em experiências de vida nas pessoas em sua fase de formação.

A análise da realidade social é hoje fortemente debatida. Discute-se o

melhor tratamento para um paciente terminal ou analisam-se as questões que

envolvem conflitos de valores. Pode-se aceitar uma educação que não privilegie a

habilidade do pensar reflexivo na sua formação? Ou que não estimule uma visão

crítica da sociedade e do mundo? Segundo Durand (2007) entre as demandas que

estão na base da reflexão bioética se encontra o chamado à colaboração,

preocupação ética, sentido da pessoa e educação de liberdades.

Ao pensar a Bioética como ponte para o futuro, global e profunda, Potter

aponta a dimensão eminentemente filosófica, ao questionar os conceitos de

progresso e o que estes estariam construindo para as futuras gerações. Em sua

visão, a Bioética como campo de saber possui princípios que devem “ser ensinados

já em tenra idade’’. (POTTER apud BARCHIFONTAINE; PESSINI, 2002, p.337).

Tal visão engajada com a ética da responsabilidade possibilita delinear

ações estratégicas que sejam relevantes em suas contribuições educacionais e

sociais para com as futuras gerações. Podemos compreender no contexto destas

preocupações, pontos do desafio referido por Postman (1998) e que podem ser

conectados na questão posta por Umberto Eco:

Educar para a tolerância adultos que atiram uns nos outros por motivos étnicos e religiosos é tempo perdido. A intolerância selvagem deve ser combatida em suas raízes, através de uma educação constante que tenha início na mais tenra idade antes que possa ser escrita em um livro, e antes que se torne uma casca comportamental espessa e dura demais. (1998, p. 111)

Segundo Zancanaro (2005, p. 34) debates sobre a Bioética e Educação

se constituem novo desafio para a escola. O grande sentido da educação está na

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sua dimensão ética. Os processos tecnológicos e biotecnológicos afetam a

educação e a colocam frente a temas novos e controversos que tem se tornado

objeto para a reflexão. Dentro dos objetivos da bioética, estão as preocupações em

produzir e estimular reflexões para que a “sociedade incorpore um mínimo moral

fundado em valores”.

Como parte da tarefa educacional se encontra projetos imediatos que

precisam ser operacionalizados para viabilizar o que está proposto para a formação

humanizadora. Os problemas oriundos dos avanços da ciência têm produzido

impactos sobre a vida humana movimentando as pessoas à necessidades e

decisões impensáveis há pouco tempo atrás.

As críticas de Freire (2007, p.48) se dirigem a uma “ideologia fatalista”

que, “imobilizada” e “imobilizante”, não tem bússola para caminhar no chão deste

novo tempo e que com insistentes discursos pontuam a desesperança enquanto

tentam “adaptar o educando” a uma realidade estática, não sujeita as mudanças.

A lógica de muitos discursos, segundo tais críticas é que sem perspectiva

de mudança “o que se precisa, por isto mesmo, é o treino técnico indispensável à

adaptação do educando, à sua sobrevivência”. Para confrontar esta lógica que

“nega” e que “amesquinha” Freire compreende a necessidade de uma educação que

estabeleça novo tipo relacional entre educado e educando.

Uma relação que sendo ética desde os começos do processo, esclareça que

embora sujeitos diferentes entre si, “quem forma se forma e re-forma ao formar e

quem é formado forma-se e forma ao ser formado.” Com este aparente jogo de

palavras, Freire apresenta algo para ser investigado sobre o compromisso de

liberdades entre os envolvidos no processo educacional. O que se pode

compreender aqui senão uma abertura do pensamento e respeito à autonomia de

sujeitos no movimento criativo e transformador do processo educacional?

Com a força destes argumentos, Freire aponta para um viver cuja

passagem pelo “mundo não é predeterminada” e cujo destino “não é dado”, mas

assumindo a responsabilidade diante da vida, é possível tomar parte na história

como tempo de possibilidades.

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Fazer florescer e cultivar o pensamento autônomo é privilégio e dever de

ações que possibilitem ao educando buscar respostas dentro de um processo que o

conscientize da importância da sua participação na construção destas respostas.

6.2 Aspectos propostos para um de plano de ensino reflexivo

A educação torna-se cada vez mais uma importante questão para as

sociedades do século XXI. Daniel (2008, p 31) salienta como linhas gerais das

tendências deste século se encontram a mundialização, a explosão dos

conhecimentos, o desenvolvimento acelerado das tecnologias e a complexificação

da vida em sociedade. A escola tem como tarefa um esforço para assegurar às

novas gerações um tipo de educação adequado aos novos desafios apresentados.

Neste sentido aponta o relatório da Comissão Internacional sobre a

Educação para o Século XXI, realizada pela UNESCO, amparando a visão de que o

desenvolvimento do pensamento crítico é fundamental para beneficiar a “verdadeira

compreensão do acontecimento, em vez de desenvolver uma visão simplificadora da

informação ligada a estes acontecimentos” (DANIEL, 2008 p 32).

Teixeira (2000, p. 260) observa que os parâmetros curriculares nacionais,

elegeram a educação para a cidadania como “eixo vertebrador da educação escolar”

o que implica tratar de valores e inserir a escola no projeto que assume “princípios

democráticos” sendo lugar de “transformação.”

(...) A concretização desse projeto passa pela compreensão de que as práticas pedagógicas são sociais e políticas e de que não se trata de educar para a democracia – para o futuro. Na ação mesma da educação, educadores e educandos estabelecem uma determinada relação com o trabalho que fazem (ensinar e aprender) e a natureza dessa relação pode conter os princípios democráticos. (PCN1, v. 8: 25-26 apud TEIXEIRA, 2000, p. 261).

Este documento envolve a proposta de formar cidadãos, nas suas relações

dentro da própria escola, que procurem pautar sua ação em princípios democráticos.

É fundamental estarmos de acordo quanto à importância do desenvolvimento de um

sentimento de solidariedade, de respeito mútuo, de igualdade para que formemos

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cidadãos que pautem sua ação na sociedade por princípios democráticos. E isso

não se faz “por decreto”. Assim,

quando se elege como princípios para a educação escolar a dignidade da pessoa humana, a igualdade de direitos, a participação, a co-responsabilidade pela vida social; e, quando não se limitam os objetivos do ensino fundamental à aquisição de um conjunto de informações “que permita ao indivíduo, enquanto governado, ter conhecimento de seus direitos e deveres, para a eles conformar-se com escrúpulo e inteligência”, mas “fornecer-lhe, além dessa informação, uma educação que corresponda à sua posição de governante potencial” (CANIVEZ apud TEIXEIRA, 2000, p. 263).

Neste contexto o planejamento precisa ser construído para incluir todos os

envolvidos no processo educativo, com as informações necessárias e no esforço em

fazer as melhores escolhas, de valor inclusive. O planejamento adequado aos

espaços de partilha, para ser implementado para o bem de todos, necessita

compreender a escola como espaço de exercício de autonomia, condição

essencialmente democrática.

A inclusão dos temas implica a necessidade de um trabalho sistemático e contínuo no decorrer de toda a escolaridade, o que possibilitará um tratamento cada vez mais aprofundado das questões eleitas. Por exemplo, se é desejável que os alunos desenvolvam uma postura de respeito às diferenças, é fundamental que isso seja tratado desde o início da escolaridade e continue sendo tratado cada vez com maiores possibilidades de reflexão, compreensão e autonomia. Muitas vezes essas questões são vistas como sendo da “natureza” dos alunos (eles são ou não são respeitosos), ou atribuídas ao fato de terem tido ou não essa educação em casa. Outras vezes são vistas como aprendizados possíveis somente quando jovens (maiores) ou quando adultos. Sabe-se, entretanto, que é um processo de aprendizagem que precisa de atenção durante toda a escolaridade e a contribuição da educação escolar é de natureza complementar à familiar: não se excluem nem se dispensam mutuamente (PCN, 1997 apud TEIXEIRA,2000 p.264).

Na proposta de desenvolver o pensamento crítico, é necessário valorizar o

pensamento que analisa e reflete superando o simples desenvolvimento cognitivo,

integrando-o ao processo global do desenvolvimento da pessoa. Nesta problemática

infere-se a necessária atenção à formação reflexiva visando a produção significativa

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de conhecimentos o que aquiesce à intenção Lipmaniana da abordagem de filosofia

para crianças.

Como importante aspecto para ser levado em consideração no plano de

ensino reflexivo, Lima (2004, p. 34) identifica a necessidade de construir o lugar da

investigação como processo de autocorrecção. Esta correção refere-se a correção

da parcialidade, o que implica o aprender a pensar de muitas outras perspectivas.

Este aspecto considera que as crianças podem aprender a analisar o seu

pensamento como seu e não como o da comunidade de Investigação, ou seja, cada

criança da comunidade deve pensar por si.

Segundo esta autora entre os aspectos importantes que devem ser levados

em conta a partir dos pressupostos de Lipman está a compreensão de que as

habilidades cognitivas das crianças são desenvolvidas pelas estimulações

produzidas pelos diálogos, que as crianças podem e necessitam ter contato com

abstrações. Neste entendimento, se pode compreender que a experiência com as

capacidades do raciocínio pode significar que o “bem pensar depende, de certa

forma, das experiências de cada pessoa e de como utilizou essas experiências.”

O plano de ensino para o pensar se propõe a apresentar um número

significativo de problemas filosóficos para as crianças refletirem, procurando reforçar

a capacidade da criança para raciocinar, quer sobre relações ou sobre conceitos. Ao

elaborar um plano de ensino, implícito estão teorias que sustentam as ações que se

pretende implementar. Um plano precisa considerar contextos para adequar

necessidades e exigências da escola, do professor, dos alunos e dos materiais

disponíveis.

O desenvolvimento das habilidades do pensar não é possível num currículo

que, não seja construído para ser utilizado em comunidade de investigação, em

questionamento. Porque o que se tem observado nos currículos de ensino e na sua

aplicação, dentro das escolas, segundo Lipman, (1990, 166) é uma atitude

monológica e não uma atitude dialógica.

A opção de trabalhar com os pressupostos de Lipman se oportuniza

trabalhar com o programa todo de suas novelas ou partes delas, dependendo do

contexto. Contudo, Cunha (2002, p.67) evidencia que “atitudes reflexivas, questões

temáticas e habilidades filosóficas” são objetivos na elaboração de um programa que

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se deseja desenvolver com filosofia para crianças. Entre os diversos recursos

didáticos que podem ser utilizados, alem da literatura infantil, se encontram filmes,

representações dramáticas, figuras, desenhos, histórias em quadrinhos.

Atualmente há boas opções para articular a abordagem de Lipman com

materiais, histórias já disponíveis na escola para atender exigências e expectativas

da mesma, assim como inserir a boa produção de outros autores. A ênfase está na

metodologia em trabalhar os materiais: diálogo cooperativo e comunidade de

investigação.

Para o trabalho com crianças, Lima aponta que (2004, p. 57) “a estrutura

literário – filosófico gera um modelo funcional para o diálogo enquanto integra a

comunidade e fortalece os laços sociais. Nesta estratégia de trabalho, o texto

incorpora e modela, tanto a racionalidade como a criatividade. O pensamento

reflexivo implica “um constante vaivém, num diálogo contínuo entre a racionalidade

e a criatividade.”

Dentre os materiais constam a obra do filósofo inglês Ian Gilbert, A

corujinha filósofa (2007). Este tipo de história que narra um autêntico diálogo

Socrático traduzido para a linguagem simples, oportuniza vivenciar com propriedade

o método maiêutico. O material criado por Oscar Brenifier (2005) filósofo francês,

enfatiza as perguntas apresentado-as como verdadeiros amigos que querem nos

estimular.

As pequenas histórias temáticas criadas por Labbé e Puech, conduzem as

crianças, de forma bem humorada, a refletir sobre questões importantes, como por

exemplo, A vida e a Morte (2006), Liberdade e Responsabilidade (2006), Os

pequenos e Os grandes (2006), Felicidade e Infelicidade (2006) O bem e O mal

(2006) entre outras.

Novos espaços filosóficos criativos são oportunizados pelos materiais

apresentados por Wonsovics e Albertino (2006). A filosofia para crianças é

apresentada como amor à sabedoria mostrando que filosofar é uma busca por

investigar e encontrar percepções importantes sobre a vida, sobre o mundo e sobre

os outros. Isto é possível, pois podemos pensar e, pensando podemos pensar bem

para podermos viver e conviver melhor na medida em que construímos boas

relações. As crianças podem através dos cadernos de filosofia trabalhar temas e

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realizar atividades propostas participando na autoria dos cadernos, como livros

ainda em fase de realização.

Também apropriados para trabalhar com as crianças são os textos para

começar a filosofar, obra da filósofa brasileira Paula de Oliveira (2004b) Um Mundo

de Histórias. As narrativas como coloridas ilustrações da vida, se apresentam como

pano de fundo para estabelecer discussões oportunas para envolver professor e

alunos nos diálogos cooperativos da comunidade de investigação e abrindo

oportunidades para as crianças criarem e apresentarem suas reflexões.

Segundo Oliveira (2004, p.85) a prática educacional filosófica comprometida

revela-se pela preocupação com o tipo de formação que o aluno recebe. Deste

modo, o material didático precisa ser adequado, interessante e significativo. O

planejamento precisa ser flexível e desde o seu preparo conter o respeito pelas

singularidades dos educandos. Segundo Lorieri, (LORIERI apud OLIVEIRA, 2004a,

p.86) a proposta de Lipman dá lugar a reinvenção de “novas formas de fazer filosofia

com crianças e jovens buscando produzir novos materiais e novos entendimentos

deste processo.”

As aulas podem ser planejadas para o trabalho de uma hora aula semanal,

articuladas pela professora da classe. Algumas escolas têm oferecido uma sala

separada – A Sala de Filosofia, para trabalhar com o professor de filosofia,

especialmente contratado para as aulas. Nesta proposta, o ambiente se torna

peculiar e muito pode ser feito em termos de trabalhar no espaço sem mesas e

cadeiras, mas com almofadas coloridas trabalhando uma concepção de organização

de espaço apropriada para esta abordagem educacional. Organizado para outro tipo

de proposta educacional, que não a tradicional, o planejamento das ações em sala

de aula se associa com o intencional e constante trabalho de construção

comunitária.

Quanto às aulas, podem ser organizadas pelo material que, já pronto como

os de Lipman, são acompanhados de manual do professor ou, podem ser

organizadas por temas e os textos adequados para ler e discutir como ponto de

partida para as reflexões propostas para a comunidade de investigação.

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As aulas com as crianças de 1ª e 2ª séries, podem ser cheias de dinâmicas

e brincadeiras e as histórias contadas em partes, criando um ambiente de surpresas

e expectativas. Para as crianças de 3ª, e 4ª séries, a idéia de novela filosófica

parece atraente por gerar expectativas e criar momentos de continuidade com as

aulas seguintes, criando ambiente de expectativas e novidades. As crianças,

colocadas diante da novidade, são convidadas a expressar seus pensamentos e a

pensar sobre seus pensamentos. Na prática, este gênero de histórias, este método

de trabalhar textos é algo como “sonho cheio de significados e imagens para

pensarmos com rigor, mas sempre com liberdade e improviso” o que assinala uma

definição de filosofia como “construção e desconstrução de sentidos e saberes”.

(OLIVEIRA, 2004a, p.86)

Esta visão se apresenta sustentada na idéia da comunidade de

investigação, que, a partir do trabalho com os conteúdos de forma dialógica, se

move com regras e procedimentos que tornem possíveis as ações na sala de aula.

Há um insistente apelo ao respeito, envolvendo a forma de cada um falar na sua vez

e sobre o tema em pauta. Um saber ouvir se apresenta sistematicamente trabalhado

como algo de especial valor na comunidade, na qual se compartilham experiências.

O trabalho coletivo, que é central para a teoria de Lipman, vai modelando o

compromisso assumido pelo professor e aluno envolvidos pelos personagens e

diálogos numa tarefa de cooperação intelectual.

Segundo este olhar, o diálogo nas histórias vai modelando um tipo de

lógica que “elimina a repreensível voz de um narrador”, tornando-as uma “espécie

de paradigma para as crianças reais da sala de aula”. O propósito deste caminho é

“extrair diálogos” e assim por meio dos conceitos encontrados no texto serem

trabalhados e compreendidos.

A intenção é encorajar os alunos a aproveitarem as ferramentas e os

métodos de investigação a fim de que desenvolvam a capacidade de “tirar

conclusões válidas, empregar critérios até que percebam as possibilidades de

objetividade com relação a valores e fatos.” (LIPMAN, 1990)

Aspecto importante é a escolha das atividades e dinâmicas que

propiciem a construção do ambiente apropriado para que o diálogo se realize. Um

ambiente que se apresente propício para que as relações de confiança e respeito

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pelas diferenças se tornem possíveis para a prática educativa na sala de aula.

Conforme Freire (2007, p.50) “O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura

com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e

curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na História.”

O interesse das crianças pelas narrativas oportuniza a expressão de seus

pensamentos e sentimentos pela transparência e liberdade com que se movem

intrigadas pelos temas apresentados. Este espaço se torna de especial importância

para o processo que privilegie “o direito da criança raciocinar” e de se “engajar” aos

poucos com as investigações éticas. A necessidade de ambiente cultural propício

para a formação do pensamento analítico, crítico e reflexivo como possibilidade de

visão compreensiva da realidade tem na filosofia para crianças, um espaço de

desenvolvimento. O pensamento reflexivo pode ser desenvolvido nas diversas

oportunidades em sala de aula.

Através dos textos lidos e debatidos com as crianças, as histórias como

textos, se tornam estratégicas para inaugurar o processo dialógico na sala de aula

vista como comunidade de investigação. Nestas expressões se oportuniza

igualmente o respeito pelos pensamentos próprios da criança sobre o assunto e de

umas para com as outras. Neste espaço professor e alunos se envolvem na

investigação como prática e no diálogo cooperativo como estratégica educacional

oportunizando todo um contexto para as atividades filosóficas.

6.3 As experiências na comunidade de investigação

A estrutura básica de uma aula dentro das linhas teóricas de Lipman

apresenta características peculiares que oferecem oportunidades para a capacidade

das crianças de “maravilhar-se com o mundo” e de fazer escolhas por aquilo que

lhes interessam. Por estarem na fase de descoberta do mundo que as cerca elas

perguntam sobre questões que lhe chamam a atenção. Note-se na figura 1 como

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uma questão, a morte de Deus, encontra repercussão e elaboração reflexiva por

parte da criança.

Figura 1 – Um questionamento.

A forma como se cultiva a habilidade de investigação através do diálogo

possibilita a construção de um saber pela participação, ou seja, as crianças

aprendem a associar as suas atuais experiências com aquilo que já aconteceu em

suas vidas e aprendem a compartilhar com os pares. A figura 2 ilustra como a

criança associa tecnologias em uso e sua vida relacional.

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Figura 2 – Minha nova experiência.

Quanto à organização, a aula proposta inicia com a partilha do texto, onde

se faz a leitura de um capítulo, que pode ser um episódio ou uma porção do texto.

Recomenda-se fazer a leitura em voz alta e de forma coletiva. Isto é algo que ajuda

a consolidar as habilidades de leitura dos alunos e vai conformando a

“autopercepção” (KOHAN, 2000, p.65) como membros de um coletivo.

Depois de uma leitura se oportuniza perguntar-lhes o que encontraram de

interessante e na medida em que vão surgindo as colocações convém escrever no

quadro de giz. Deste modo é possível ir conferindo se o que está escrito

corresponde as idéias expostas. Na ilustração 3 se pode notar a percepção da

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criança de 10 anos sobre o modelo participativo e o momento de escrever as

colocações que se tornam o plano de discussão.

Figura 3 – Compartilhando idéias

As experiências se modelam a partir dos interesses dos alunos. Ao tomar as

colocações, o professor pode pedir que expressem seu ponto de vista. Algumas

observações do professor podem ser de especial ajuda no sentido de tornar mais

clara a expressão da idéia, como: Parece que você está dizendo que... Assim como

você vê isto... Então do seu ponto de vista... Ajudaria se eu expressasse o que você

disse deste modo... (LIPMAN, 1994 p.157)

O professor a partir das perguntas e colocações trazidas pelas crianças

inicia um debate com a participação de toda a turma. O papel do professor é o de

facilitar o plano de discussão e cuidar do cumprimento das regras do jogo da

comunidade de investigação. A figura seguinte (4) ilustra o modo como uma criança

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de 9 anos dialoga com as atividades realizadas e como articula de forma criativa

conceitos trabalhados.

Figura 4 - Diálogo criativo

Algumas perguntas não são fáceis de responder e Kohan (2000 p. 7) afirma

que talvez seja melhor assim. “Não faz mal ao nosso mundo educacional algumas

interrogações abertas, presentes, que resistam às respostas fáceis, apressadas,

categóricas”. Talvez, esta experiência possa sugerir o valor de procurar as respostas

do que espera-las prontas.

As crianças aprendem que podem pensar em como pesquisar para saber

mais. A investigação envolve a elaboração de respostas aos desafios. Por mais

simples que pareçam algumas reflexões, estas envolvem suas conclusões sobre

pedir auxílio aos adultos, pesquisar em fontes como internet, livros, como na

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ilustração seguinte (5) que corresponde a uma atividade com crianças de 2ª. Série

sobre o valor da descoberta.

Figura 5 - Descobrir e saber mais

As experiências com os textos e histórias se revestem de especial

importância na comunidade de investigação. As crianças podem ouvir atentamente

a mesma história, pois parecem apreciar o sentido do todo, característica das

histórias. Nas novelas, os episódios indicam uma unidade de sentido ao apresentar

as questões da parte lida.

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Lipman (1997 p.38) salienta a importância das questões apresentadas de

forma contextualizada, no ambiente da história. As experiências de sentido nas

histórias se apresentam mediante parábolas, alegorias, poemas, metáforas

apontando para a aquisição do aprendizado de modo agradável. Esta forma de

trabalhar favorece a criatividade e a sensibilidade como é possível observar nas

reflexões da criança de 4ª. Série na figura 6.

Figura 6 - Reflexões em forma de poesia.

Ler e discutir histórias inventadas por outros, é por assim dizer, uma parte

do processo. O trabalho também oportuniza as crianças a contarem suas histórias

escrevendo-as, desenhando-as ou narrando-as. É muito possível acontecer no

ambiente de sala de aula, construído deste modo que as crianças descubram as

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formas com que podem expressar seus pensamentos e compartilha-los. No trabalho

desta criança de 10 anos (Fig. 7) ressalte-se a capacidade crítica sobre as

tecnologias.

Figura 7 – Reflexões e análise crítica

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A experiência com a leitura é um momento de muitas oportunidades das

crianças tomarem contato com temas e questões implícitas no texto ou outras que

elas levantam após a leitura. As histórias, transformadas em novelas filosóficas são

trabalhadas através da metodologia do diálogo no contexto da comunidade de sala

de aula, cada parte lida se torna um pequeno campo filosófico. Observe-se na figura

8, a capacidade de diálogo desta criança de 9 anos com a proposta filosófica.

Figura 8 – Um pequeno campo filosófico.

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A natureza inclusiva, compartilhada e reflexiva da Filosofia para Crianças,

por seu caráter singular, tem como objetivo propiciar ao aluno as condições

possíveis para que este se perceba como sujeito no processo de construção do

conhecimento. A avaliação envolve o processo dialógico-cooperativo com os textos

e as questões apresentadas e partilhadas em cada encontro; ou seja, a conversação

dos alunos com a proposta investigativa construída. Nas ilustrações a seguir (figuras

9, 10, 11,12) podemos observar o caráter investigativo da avaliação, abrindo

espaços para a criatividade e liberdade.

Observe-se, na figura 9, como esta criança significa desenho como

linguagem.

Figura 9 - Descobrindo que Desenhar é uma linguagem.

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Figura 10 - Avaliando a necessidade de atitudes de respeito

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Figura 11 – Reconhecendo o ambiente de comunidade

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Figura 12 – Reconhecendo o espaço de liberdade.

6.4 Os temas inseridos no plano de ensino

As histórias, baseadas na proposta de Lipman e adequadas a idade dos

leitores, são estratégicas por apresentarem questões e personagens capazes de

instigar temas e provocar diálogos filosóficos. Nesta intencionalidade os textos são

oferecidos como ponto de partida para as crianças aprenderem a pensar com base

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na tolerância e razoabilidade, traços da comunidade cooperativa. Destes, emergem

temas que estimulam as crianças a refletirem sobre suas vivências no ambiente

escolar e fora dele, como ilustra a figura 13 elaborada pela criança de 2ª Série.

Figura 13 - Como é o meu mundo?

Muitos são os temas que emergem das leituras e que podem ser conduzidos

no plano de discussão nas aulas de filosofia para crianças. Surgem reflexões sobre

o pensar na natureza, amar a natureza. Na figura 14, a criança de 8 anos,

reconhece que tem aprendido a pensar mais sobre as coisas. Tipifica o movimento

de pensar sobre o pensar. As reflexões foram oportunizadas a partir do texto: O meu

brilho:

Sou grande, bem grande. Todo o meu corpo é brilhante e luminoso. Na terra todos os homens podem me ver. Dizem que sou responsável por toda a vida, mas eu simplesmente faço a minha parte: brilho. Nada faço alem de nascer todos os dias e nada recebo em troca, mas não me importo com isso. A minha tarefa em brilhar e

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eu sou feliz por fazer isso. Mesmo quando brilho e as pessoas dormem - sem perceberem que eu estou ali- continuo a brilhar, pois sei que elas precisam de mim e uma hora vão despertar. Sabe quem sou eu? Eu sou o sol. E você? Quem é? Qual é o seu brilho? (GALLO apud OLIVEIRA, 2004b, p.30)

Figura 14 – Pensando mais sobre as coisas.

Deste mesmo texto surgiram outros temas como “perguntas,” “curiosidade,”

“felicidade”, “identidade”. No plano de discussão se oportuniza trabalhar sobre: O

que é uma pergunta? Para que servem as perguntas? O que nos leva a fazer

perguntas? Como eu posso responder às perguntas? Na figura 15 questionamentos

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da criança de 10 anos e sua elaboração do conceito de filosofia. Ressalte-se sua

visão de mundo.

Figura 15 - Filosofia: a arte de pensar.

As crianças, como cidadãs de uma sociedade democrática podem ter

oportunidades de refletir sobre regras, a partir de uma novela lida - A voz de Sofia

(BELO, 2006), sobre uma cidade chamada Aron e as dificuldades surgidas por conta

de situações que se desenrolam em clima de mistério, despertando o interesse e a

curiosidade das crianças.

Nesta história, Aron, “como todas as cidades”, tem suas regras. Porém, em

dado momento surgem situações inexplicáveis. Algo impede as pessoas de

discernir cores de sinais de trânsito, o que causa a maior confusão ou de distinguir

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frutas maduras de frutas verdes, e ainda frutas maduras de cor verde, criando

situações estranhas e divertidas.

Acontece também que muitos começam a errar o caminho de casa por se

confundirem quanto aos itinerários entrando em ônibus errado. Surgem problemas

nos jogos de futebol, pois as camisetas se embaralham e os jogadores não

reconhecem os colegas.

As situações intrigantes vão despertando as discussões em diversas aulas

sobre o reconhecimento de regras. No plano de discussão, as crianças vão inferindo

sobre as regras na escola e podem começar a refletir sobre a necessidade das

mesmas. Neste aspecto se pode refletir sobre quais regras poderiam ser

reconhecidas para a comunidade de investigação na sala de aula.

Se a professora da classe já elaborou junto com os alunos as regras da sala

de aula, este material pode ser incluído como parte da reflexão na aula de filosofia.

Este movimento de reflexão é oportunizado pelo levantamento de idéias no plano de

discussão.

Na ilustração 16, na página seguinte, se pode observar o tema abordado

através das atividades realizadas depois da leitura de um capítulo e trabalhadas na

roda do debate. Esta criança de 9 anos registra seus pensamentos sobre a

importância das regras no contexto da sala de aula. Pode-se salientar nesta

ilustração a ênfase dada aos aspectos de questionamento da comunidade filosófica.

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Figura 16 - Refletindo sobre o valor das regras

Aprender a pensar questões pode adicionar novos conhecimentos às

crenças de uma pessoa ou novas habilidades ao conjunto de habilidades adquiridas.

Nesta prática, a pessoa desenvolve o hábito de pensar problemas que é a origem de

todos os conhecimentos e habilidades.

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O cultivo do pensar e das emoções na escola é base da comunidade de

práticas filosóficas. O trabalho é contínuo, favorecem-se iniciativas e atividades

para estimular as reflexões significativas para as crianças. A oportunidade de

reconhecer e expressar suas convicções pode ser um estimulo para a criança

perceber o ambiente de liberdade e respeito na comunidade de investigação como

ilustra a figura 17. Observe-se como esta criança reconhece o seu movimento com

relação ao outro.

Figura 17 - O cultivo do pensar.

A partir das discussões em torno da história de Helena Zero: Qual a cor do

meu pensamento? Surgiram diferentes formas de expressão sobre o tema do

pensar. A criança de 8 anos usa da riqueza imaginativa para investigar sobre seus

pensamentos como se pode observar na figura 18. A criança de 10 anos (Figura 19)

elabora um texto indicando com suas reflexões um movimento no sentido de se

colocar como sujeito das suas representações.

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Qual a cor do meu pensamento? Um vento forte bateu sobre aquela árvore que, naquela tarde, estava muito colorida. Suas flores brilhavam intensamente, pois era primavera. O forte vento arrancou uma pequena folha que não conseguiu segurar-se nos galhos. Essa folha era eu... Foi então que comecei a deslizar sobre aquela grama verde que, como um tapete, combinava sua cor com o colorido das flores. Eu que nunca havia observado o lindo bosque que me rodeava, comecei a perceber o mundo em que vivia era muito mais fantástico do que aquela pequena árvore e, a partir deste momento, muitas perguntas surgiram em mim: Qual a razão deste bosque ser tão colorido? Todas as gramas são verdes ou as gramas podem ser coloridas, assim como as flores? Pensei ainda se eu poderia ser colorida e se as flores poderiam ser verdes - ao invés de amarelas, brancas ou vermelhas. Estava me sentindo confusa, pois não sabia mais o que pensar. Então, me irritei e gritei: - Mas, o que são as cores? O que é o colorido? Todos os objetos desse mundo possuem cores? Será possível algo não possuir cor? Mas, por que eu estou pensando nessas questões tão complicadas? Afinal, de que cores são os meus pensamentos?( ZERO apud OLIVEIRA,2004 p.42)

Figura 18 – Qual a cor do meu pensamento

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Figura 19 – Explorando o mundo.

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Pensar melhor e por si mesmo envolve as muitas experiências com

leituras, com o escutar, memorizar, escrever, desenhar, provar e errar. Para isso,

não se pode deixar de usar integralmente os sentidos para desenvolver a

perspicácia. A visão de Lipman sobre a importância do pensar é que neste processo,

a formação de conceitos vai implicando este ordenar e coordenar as informações.

Isto se pode observar na forma como a criança organiza, em atividades nas aulas de

filosofia, suas diferentes experiências nas diferentes disciplinas, conforme a

ilustração 20.

Figura 20 – Pensar e compartilhar.

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A contribuição da perspectiva lipmaniana com sua visão de filosofia é a de

desenvolver as habilidades do pensamento. Para Oliveira (2004, p. 16) nesta visão o

perguntar investigativo oportuniza à criança experiências com o pensar e conduz ao

novo e ao inesperado. Na figura 21, reflexões da criança que investiga a partir do

tema: o que é crescer?

Figura 21 – Aprendi a pensar sério.

O projeto educacional filosófico para crianças objetiva levar as crianças, não

a “serem pequenos filósofos, mas a serem futuros cidadãos que saibam falar,

argumentar, isto é, que tenham pensamento desenvolvido na criatividade, na crítica

e na intervenção social.” (LIMA, 2004 p. 34) Note-se na figura 22 os aspectos

críticos tecidos nas reflexões da criança, sobre temas escolhidos e discutidos em

sala de aula.

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Figura 22 - criatividade e crítica nos temas.

As crianças constroem com idéias e aprendem juntas na comunidade da

sala de aula de forma livre, cooperativa e criativa. O pensamento de Lipman recebe

Influência de Dewey, para quem “tudo o que a criança faz é móvel e fluido,” e, que “a

arte de um Rafael e um Corot é insuficiente para uma avaliação precisa de todos os

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impulsos que agitam uma criança quando ela pinta ou desenha.” (DEWEY, 1975

p.50) As ilustrações seguintes fazem parte das atividades com as crianças de 5 e 6

anos, realizadas depois de histórias em torno do tema: Os jogos e brincadeiras: O

que aprendo? Na figura 23, uma criança de 6 anos expressa que aprende com os

amigos no jogo de futebol.

Figura 23 – Os jogos e brincadeiras

Nas atividades, as crianças elaboram criativamente diferentes aspectos da

reflexão sobre o tema. Na figura 24, a criança expressa que gosta de brincar à noite,

hora em que seu pai chega do trabalho, demonstrando aspectos relacionais

presentes nas reflexões. Na figura 25, a criança indica como são seus pensamentos

quando fica brincando até tarde. A criança apresenta como na figura 26, como são

seus pensamentos ao escolher as cores para a elaboração deste trabalho. Na figura

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27, esta criança desenha, depois de apresentar na roda de discussão como se sente

ao brincar no parque.

Figura 24 – Aspectos relacionais nas reflexões.

Figura 25 - Expressão de pensamentos e sentimentos

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\ Figura 26 – Pensando na escolha das cores para trabalhar

Figura 27- refletindo sobre como se sente ao brincar.

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6.5 Uma proposta para a educação reflexiva: O tema da morte

O tema da morte na experiência e compreensão por parte das crianças é um

tema provocativo. Ele pertence a um contexto cultural mais amplo através do qual a

morte é representada e inserida na vida de um grupo humano. De fato se sabe que

existe uma diversidade cultural nas representações da morte. Em meio a tantas

questões que daí deriva, colocam-se também as perguntas sobre a experiência das

próprias crianças a este respeito. Vários estudos de mais longa data, como o de E.

Kübler-Ross (1983), e tantos outros também no Brasil, como o de Nunes et al.

(1998), têm contribuído para esclarecer diferentes aspectos nesta área.

De modo geral se toma como pressuposto a nossa experiência cultural

vigente, que tem tantos medos da morte e tenta ocultá-la, embora conviva com

massivas expressões de sua realidade social. No presente estudo este mesmo

pressuposto contribui para se colocar a pergunta sobre como introduzir as crianças

em uma reflexão crítica sobre a morte enquanto realidade de todo ser vivo e em

seus processos sociais.

Esta inquietação, além de sua conotação fortemente filosófica, traz ao

mesmo tempo as atuais percepções da Bioética, ao enfatizar a importância da

responsabilidade ética diante da vida e de seus processos. Segundo Santos (2007

p.13), o “estudo da morte diz respeito a questões que estão enraizadas no centro da

vida humana” e é preciso compreender que evitar ou negar sua importância é negar

um aspecto integral da vida humana.

Este tema toca em questões intrigantes, inquietantes e desafiadoras. Pontos

estes tratados pela filosofia, pelas religiões e pela ciência os quais não há consenso

de respostas sobre esta experiência considerada a mais fundamental por suas

profundas implicações: por que o homem morre? A morte do corpo é o fim da

existência humana?

Mais do que em qualquer outro momento do percurso da humanidade,

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Gostaríamos se não de esquecê-la ou nega-la, pelo menos controlá-la através dos avanços que as ciências biológicas conseguiram ns últimos dois séculos. Muitos de nós temos mesmo a esperança de que com o avanço das técnicas de clonagem, um dia, num futuro não muito distante poderemos reviver através dessas mesmas técnicas que poderão fornecer um corpo novo e uma nova mente, tirando-nos de um estado letárgico, no qual não desejaríamos ter entrado. (SANTOS, 2007 p.14)

A morte é um processo biológico natural. Vista deste modo não seria

negação da vida. O conceito puramente biológico de morte não responde às

inquietações e necessidades do homem, pois como ser diferenciado dos outros

seres tem consciência sobre a mortalidade, sobre a finitude da sua existência. A

certeza da morte como fenômeno perpassa a condição humana. O homem tende a

analisar a morte filosoficamente buscando perscrutar aspectos que transcendem

aqueles puramente biológicos.

Para Heidegger (1996) o homem é ser-para-a morte. O fim do ser-no-mundo

é a morte. O pensamento heiddegereano tem modelado concepções que, conforme

Werle, podemos compreender que

O caráter aparentemente negativo da morte apenas se coloca quando a morte é tomada no sentido vulgar de ser o momento do termino físico da vida. Mas há um lado positivo da morte, isto se o homem assume o seu ser-para-a morte, isto é, leva em conta que a morte é um fenômeno da própria existência e não do término dela. A morte apenas tem sentido para quem existe e se põe como um dado fundamental da existência humana. Assumir o ser para a morte, porém, não significa pensar constantemente na morte e sim encarar e morte como um problema que se manifesta na própria existência. Há na morte um elemento de transcendência capaz de nos tirar das ocupações cotidianas. A tomada de consciência do ser para a morte leva a um questionamento de todo o ser no sentido de que o ser humano se coloca radicalmente diante de seu ser.(WERLE, M. A., 2003, p. 97)

Conforme Rodriguez (2008), a morte é um tema que suscita curiosidade e

desconforto trazendo junto um misto de dúvidas, emoções e reflexões. A morte é

vista sob ângulos diversos segundo diferentes grupos sociais e de acordo com

aspectos religiosos, éticos e culturais.

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Na cultura ocidental, notadamente na contemporaneidade, há uma

tendência em rejeitar a morte. Foi tratada como tabu a partir da medicalização da

morte e da preponderância dos modelos filosóficos positivistas e niilistas na cultura

ocidental modelando crenças e atitudes.

Como parte deste estilo de vida, há um grande investimento em cuidados

com a aparência, ênfase nas questões de qualidade de vida física e no evitar

doenças. Na sociedade capitalista atual se dá grande relevância a posse, a

produtividade, a beleza e a saúde e neste contexto a idéia da morte é insulada,

encoberta, disfarçada e negada. No entanto faz parte da fragilidade da condição

humana o encontrar-se com a dor, com a perda e o sofrimento.

A aparente estabilidade e a imprevisibilidade da vida podem se articular em

movimentos existenciais provocando rupturas e necessidades de revisões de

projetos pessoais com mudanças significativas principalmente para a vida das

crianças. Há uma grande dificuldade em compreender a morte em suas implicações

com o inexplicável, com o mistério abrigado em seu interior.

Com o acesso a tecnologias sempre mais sofisticadas o homem

contemporâneo tenta banir a morte do cotidiano por sua presença incômoda e

desafiadora diante da razão autoconfiante. Neste sentido a herança do positivismo

inaugurado por Comte

Introduz uma postura onde todos os que estão envolvidos com a ciência limitam-se unicamente à experiência. Positivo é o real que pode ser provado com o microscópio ou com o telescópio, enfim cientificamente. Ciência tornou-se uma palavra mágica; é o novo mito que sobrevive até hoje no culto dos valores materiais, visíveis, tangíveis, com descaso e até com desprezo pelos valores invisíveis e intangíveis. (BUSSOLA apud SANTOS, 2007 p.22)

Para Rodriguez (2008), a sociedade que vê a morte como vergonha e

fracasso, também condena a expressão e a vivência da dor como sinal de fraqueza.

Esta visão modela e reprime a comunicação deste tema e assim torna-se freqüente

que se evite o falar sobre a morte e o morrer.

Paradoxalmente convivendo com esta concepção de morte que não tem

licença para ser pronunciada, Kovács assinala o fenômeno da “morte escancarada”

(KOVACS apud RODRIGUES, 2008 p. 24). Neste contexto, a morte é o

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acontecimento repentino e invasivo que ocorre nas cidades fazendo parte das

rotinas sem que as pessoas possam se abrigar da sua presença. São as mortes

causadas por acidentes, as mortes violentas exibidas com detalhes pelos meios de

comunicação. São as mortes sociais que se tornam banalizadas pela exposição de

crianças famintas e drogadas dormindo nas calçadas compondo cenas públicas e

corriqueiras.

É a partir dessa presença da morte que se torna indispensável e essencial

conforme apontamentos de Rodrigues (2008) que se criem espaços de facilitação da

comunicação diante deste tema tão complexo e presente no cotidiano da vida. A

morte desafia definições fáceis, sendo mais do que um evento biológico abrangendo

dimensões sociais, filosóficas, antropológicas, espirituais e pedagógicas.

Além dos profissionais da área da saúde, os educadores têm diante de si

uma responsabilidade em oportunizar espaços de liberdade para a reflexão sobre a

morte. Isto aponta para a importância e preparo do educador em permitir as

expressões de luto por ser algo universal, não sendo um assunto exclusivo dos

especialistas da área.

A escola, neste contexto, ocupa seu espaço de amparo, compreensão e

construção de conceitos sobre a finitude. A relação educativa como processo que

permeia a vida do sujeito e visa sua formação ética, orienta-se por concepções

sobre o ser e o desenvolvimento humano.

Conforme Volich (2004 p. 71) o termo educar é uma palavra que significa

conduzir. Implícita nesta idéia está a da condução de uma pessoa por outra que

possui mais experiência e mais conhecimento assim como uma dimensão coletiva

desta condução.

Palhano (2003 p.46) observa que na abordagem da educação tradicional,

caracterizada pela relação de domínio do saber dos mais velhos sobre o pensar das

novas gerações, ocorre um menosprezo pelos valores das crianças. Estas são

consideradas “psiquicamente frágeis” e inexperientes em muitas áreas constituindo-

se isto base adequada para “depreciar sua capacidade de serem racionais” e crer

que a capacidade de “serem racionais está além delas”.

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Neste contexto, faz-se necessário um olhar mais significativo quanto as

crenças e concepções dos adultos sobre as crianças. Um repensar sobre a

capacidade delas em agir por si mesmas, a partir de concepções de mundo

advindos dos ensinamentos e orientações dos adultos, bem como de suas

observações. Mas se as crianças não tiverem um ambiente que alimente a reflexão

é evidente que a razão das crianças permanecerá sem o espaço para se

exercitarem e expressarem, mostrando uma aparente impotência.

A sala de aula é um ambiente propício para as expressões das pessoas que,

enquanto crianças, estão construindo e reconstruindo experiências articulando

conhecimento e aprendizagem. A sala de aula tornando-se comunidade torna-se

também um ambiente onde a investigação filosófica oportuniza conservar na criança

“seu senso natural de deslumbramento, sua prontidão em buscar o significado e sua

vontade de compreender o porquê de as coisas serem como são” (LIPMAN, 1999, p

55).

A educação reflexiva oportunizará as crianças experiências com o pensar

sobre temas que se apresentam a partir das novelas filosóficas e histórias - textos

transformados em ponto de partida para as reflexões na sala de aula. As histórias se

tornam estratégias metodológicas para desencadear o diálogo sobre os mais

diversos temas. A reflexão se apresenta como oportunidades para as crianças

reconhecerem suas próprias idéias e as idéias dos colegas. A roda de debate

estimula a cada um, falar e escutar, desenvolvendo assim o processo de respeito a

pluralidade das reflexões e a continuidade do tema em questão.

Também Paiva (2007) aponta para as possibilidades das histórias como

estímulos para a imaginação e ajuda para a reflexão sobre sentimentos e situações

difíceis. Nas histórias as crianças lidam com situações fictícias ou não, criando

conecções com suas vivências e percepções.

A palavra refletir significa repensar, reconceituar, reconsiderar dados

disponíveis buscando significados no processo de análise cuidadosa que acontece

no processo da compreensão. A criança aos poucos vai modelando seus conceitos

dentro do movimento dinâmico no processo educacional, articulando experiências

advindas do meio familiar com o meio escolar.

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Associar temas como criança e morte pode parecer assunto excludente.

Como se no sistema de crenças dos adultos a morte não fizesse sentido no universo

das crianças. As crianças, eventualmente, já perderam bichinhos de estimação, já

ouviram dos seus amigos sobre a morte de alguém, ou talvez já tenham perdido

avós ou pais ou irmãos. Já viram eventualmente acidentes. Já tiveram experiências

com o fenômeno da morte seja nos filmes ou em jogos.

Estudos que investigam a compreensão das crianças sobre a morte

apontam que a criança em idade escolar possui relativo entendimento sobre as

categorias da irreversibilidade e da universalidade da morte: Ou seja, o que está

morto não retorna ao estado anterior e todos os seres vivos morrem.

Para Kovács (2003) quando o adulto não fala sobre este tema ou usa

linguagem ambígua crendo que está protegendo a criança, na verdade favorece a

formação de concepções equivocadas e atitudes inadequadas frente à morte. No

enfoque desta autora temos o seguinte depoimento:

Em pesquisa bibliográfica praticamente não encontrei referências sobre a questão da morte associada ao contexto educacional e à formação de educadores; por outro lado, em minha experiência profissional, encontro sempre à denúncia dessa lacuna por parte de professores – ausências mais intrigantes por sabermos todos o quanto a morte está presente no universo escolar, pelas perdas que acontecem na vida de crianças e adolescentes e pela via da morte escancarada, com violência, repentina, brusca e para qual é muito difícil se encontrar proteção. (KOVÁCS, 2003 p.44)

Encontramos nas teorias de Lipman estratégias metodológicas que

apresentam muitas oportunidades de reflexão sobre a vida e a morte. Os espaços

de liberdade para exprimir os pensamentos na educação para o pensar suscitam

nos alunos ambiente para tratar deste tema.

O professor numa postura de abertura pode estar disponível para trabalhar

aquilo que o educando traz do seu mundo e inaugurar o diálogo para integrá-lo na

partilha dos pensamentos construídos por seus alunos em sala de aula

oportunizando a sensibilização para a questão da finitude.

Fazendo parte desta disponibilidade pode estar a investigação com os

alunos sobre solidariedade, dignidade da vida, cuidado pela vida e as muitas

questões éticas que acompanham o tema. O papel do professor consiste em mediar

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o processo ensino-aprendizagem. Ele se torna, conforme Freire (2007) um tradutor e

articulador de mundos.

Oportunidades oferecidas no ambiente escolar podem ajudar os alunos a

expressarem suas experiências, seus medos e crenças como parte do diálogo

cooperativo. A condução de tal tema em sala de aula poderá oportunizar expressões

de sentimentos em forma de poesia, desenhos ou de depoimentos como aponta

Kapman (apud RODRIGUES, 2008) sobre a sensibilidade da fala de uma criança de

oito anos: “só porque meu irmão morreu, não significa que precisamos deixar de

amá-lo”.

No cotidiano do professor de filosofia para crianças, uma aula sobre o valor

da família pode suscitar em algum aluno sentimentos e expressões por sentir

saudade do avô recentemente falecido, pelo desejo de saber onde e como ele esta

agora. A aula oferece oportunidades de manifestação de afetos e gestos solidários

dos colegas. Logo as crianças movidas pelo tema da morte podem expressar

experiências com perdas vividas, desde a morte do peixinho até a saudade que

sentem de alguma pessoa, ou a saudade do pai que já não mora mais na mesma

casa por ter outra família.

A educação que considere a importância de incluir a reflexão sobre o

fenômeno da morte pela importância dos seus desdobramentos na vida adulta

deveria começar desde as primeiras fases da infância, constituindo um elemento da

educação das novas gerações.

Algo importante a se ponderar é que morte como realidade no cotidiano da

experiência dos profissionais da área da saúde exige além do preparo técnico,

preparo filosófico e existencial dos profissionais, para lidar com a morte iminente dos

pacientes, para falar sobre ela com os familiares, como discuti-la de maneira

interdisciplinar, bem como trabalhar sua própria mortalidade.

Por seu caráter dinâmico, a educação compreende os assuntos da vida e

nestes o tema da morte como parte integrante do desenvolvimento humano. A

educação como prática humana se propõe a ajudar as pessoas a serem melhores

pessoas e isto significa ajudar nesta tarefa de estabelecer relações com o mundo,

com as pessoas e consigo mesmo.

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Nesta convergência, o tema da morte se encontra na linha que costura estes

saberes, filosofia e bioética na trama da educação de crianças. Será cedo falarmos

sobre isto com as crianças de idade escolar?

Teixeira (2003) indaga se existe hora e momento para se falar de morte com

crianças. Para a autora, trata-se de uma idéia equivocada pensar que uma criança

não seja capaz de entender o que acontece com aqueles que morrem. O que ocorre

é que na maioria das vezes o adulto é quem tem dificuldade em deparar-se com a

morte e busca negar modelando esta dificuldade em formas de negar e proteger as

crianças do sofrimento e da perda.

O educar para o pensar, conforme proposto por Lipman, é um movimento

intencionalmente reflexivo que pode ser visto como contribuição filosófica para a

formação de uma mentalidade exigida para adultos em suas práticas profissionais

preconizadas pela Bioética.

Tema como a morte se torna assunto que suscitado a partir das leituras ou

das experiências das crianças, tem espaços para ser posto em discussão

entretecido nas questões da vida. Conforme Pierre (1998), a preparação didática

para o fenômeno da morte, torna-se possível se eliminarmos a imprevisibilidade do

fato em si.

A presença da morte como mais um dos aspectos da existência pode ser

percebida como fonte de conhecimento. Instruir o ser humano sobre a naturalidade

da morte é ajuda-lo a trabalhar sobre suas concepções ou pré-concepções.

As crianças têm perguntas a partir das suas tentativas de modelar a

compreensão sobre a morte. Na sala de aula de filosofia há um ambiente em que o

ensinar sobre a morte pode significar valorizar a existência e oportunizar o espaço

de liberdade em falar sobre o desconhecido e temido.

Pierre (1998) salienta que nesta tentativa de compreensão da morte se

encontram possibilidades de aprendizagem que nos tornam mais sábios e capazes

de acompanhar o processo complexo que é a própria vida. Isto poderá propiciar

entendimentos mais amplos sobre a natureza e lições sobre caminhos mais

significativos e profundos.

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Conforme apontado por Teixeira (2003), educadores não devem excluir as

crianças da experiência de perda como forma de poupa-las. Esta autora apresenta

como ponto de reflexão para todos os que lidam com crianças a necessidade de se

compreender a dimensão educacional do fenômeno da morte para a criança. A

escola por ser um importante ambiente de construção de experiências de

aprendizagem se apresenta propícia pela importância que representa este tema.

Segundo Mello (2008) ocultar este assunto das crianças, banindo-a do

cotidiano familiar, enclausurando-a principalmente em instituições hospitalares é

consentir com falsos conceitos tecidos pela sociedade contemporânea. Pesquisas

recentes sinalizam a necessidade de uma educação para a morte nesse novo

milênio e apontam a escola como lugar de reflexão sobre essa temática. Nesse

ambiente, professores e alunos poderão interagir na discussão sobre a morte,

manifestando suas dificuldades e questionamentos. Os educadores compreendendo

a importância desta temática poderão tratá-la com as crianças, com naturalidade,

facilitando o seu entendimento.

Analisando os Parâmetros Curriculares Nacionais, Mello (2008) constata que

a temática da morte – em especial, a do ser humano – está inserida nesse

documento do Ministério da Educação (MEC).

A temática da morte está mais explicitada, nas Ciências Naturais, História e

Geografia bem como na apresentação dos Temas Transversais e Ética, Meio

Ambiente e Saúde. Desta forma legitimada a discussão sobre este tema, a filosofia

para crianças com estratégias educacionais próprias do saber filosófico, tem grande

contribuição como forma de articular conhecimentos científicos e éticos oferecendo

espaços para a prática do pensamento reflexivo.

A educação reflexiva própria da filosofia para crianças não teria como

intenção fórmulas prontas ou de doutrinação para lidar com a morte. O espaço

dialógico da sala de aula de filosofia se oferece oportuno para o desenvolvimento

pessoal, para o cultivo do ser, integrando conhecimentos e articulando-os no meio

social no qual ele se encontre inserido. Nesta percepção (bio) ética o “espaço de

reflexão tem uma dimensão comunitária significativa que se expressa no diálogo, na

soma dos esforços teóricos de investigação em práticas concretas”. (ANJOS, 2007

p.23)

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Implícita na Filosofia para Crianças encontram-se o cuidado e o respeito

pela formação das crianças. Neste sentido as diretivas da cultura imposta por este

considerar a morte como tabu são desafiadas e desveladas as responsabilidades

dos educadores na construção da visão de mundo modelada a partir da infância.

Segundo Lipman (2000) isto ocorre a partir da atitude infantil do perguntar que se

coloca como atitude básica do perguntar filosófico e científico. Como depoimento

deste movimento na sala de aula de Filosofia na figura 28 se pode notar a reflexão

de uma criança de 8 anos e o aspecto investigativo da questão: “O que acontece

quando a gente morre?”

Figura 28 – O que acontece quanto a gente morre?

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A bioética como campo de estudos é em sua essência um fórum de

discussões perante os desafios da civilização tecnologia, desdobrando-se com

reflexões sobre valores. Os novos desafios que estão postos produzirão novos

processos civilizatórios trazendo outros valores e comportamentos configurando

novos entendimentos culturais. Por suas características revolucionárias as

tecnologias trazem mudanças históricas requerendo medidas e posturas que

afirmem os valores fundamentais para o ser humano.

Estes impactos advindos das tecnologias causam movimentos permanentes

sobre a vida de todas as pessoas perante o desafio angustiante das constantes

tomadas de decisão em função da volatilidade dos valores em nosso tempo. Na

complexidade desta tessitura histórica e cultural, cabe investigar sobre as

habilidades e competências para viver a vida da forma mais legítima possível.

Busca-se compreender o que é necessário para a formação educacional da pessoa

que vive em meio a rápidas mudanças, tendo fácil acesso a um tão grande número

de informações.

Este cenário nos conduz considerar, que as grandes mudanças com que

toda a sociedade se vê confrontada desvelam realidades novas, realidades globais,

realidades locais, possibilidades novas de olhar o mundo. A discussão que surge é

sobre os significados destes impactos na vida do homem e seu meio ambiente e que

tipo de educação supõe-se fazer sentido para as crianças, como pessoas que dão

seus primeiros passos na vida, mas que logo participarão da vida adulta

responsável, permeada de complexidades.

A partir destas questões colocam-se outras, como por exemplo, quais são as

repercussões para o futuro ao adotarmos o tipo de educação que se supõe fazer

sentido para as crianças. Este assunto é complexo constituindo-se um desafio

presente na base das reflexões no campo da bioética, cuja intenção deste estudo é

dele participar.

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A bioética vem se consolidando como um expressivo fenômeno cultural

marcando as reflexões éticas neste início de século, incentivando e somando

esforços teóricos e práticos pelas investigações de diversas disciplinas na busca de

uma compreensão mais ampla da realidade. As questões são tratadas pela

medicina, as problemáticas envolvem o campo da filosofia, do direito, da psicologia,

da pedagogia, da teologia. Sobre este último, as reflexões do Frei Moser (2008)

assessor da CNBB para assuntos de bioética, afirmam que a “revolução

biotecnológica não é algo que acontece apenas no silêncio dos laboratórios”, mas

que “acontece no cotidiano” e “incide sobre a educação e os valores”.

A dimensão filosófica promete reacender grandes debates, intrinsecamente

ligados aos interesses bioéticos. A volta da filosofia para os currículos do ensino

médio e o movimento bem aceito da inclusão da filosofia no ensino fundamental não

são de caráter ornamental. Parecem responder a uma necessidade difundida pela

sociedade. Uma necessidade de revisão cultural dos caminhos adotados ao longo

do tempo histórico que pareciam responder adequadamente, mas que se mostram

insuficientes perante reflexões mais aprofundadas dos contornos e

encaminhamentos dos sucessos tecnológicos.

É nítido o movimento cultural que está sendo produzido: ruptura, inovação,

complexidade, pluralidade, conforto, inclusão, diálogo, tolerância, solidariedade,

perigo e oportunidade, reflexão e investigação são algumas das palavras chaves

que se encontram presentes nos discursos gerados pelas preocupações que

desafiam nossos intelectos.

Podemos compreender que este movimento é feito de reflexão e análise,

tomada de consciência, sobre as questões que emergem da realidade circundante.

Dussel (1997, p. 75) fundamenta o conceito de cultura, não como refinamento e

erudição, ou de saber enciclopedista, mas como “conjunto orgânico de

comportamentos” e de atitudes perante “os instrumentos de civilização”. Por

instrumentos de civilização compreende que são os produtos culturais acumulados

pelo homem ao longo do tempo em que vive no mundo.

Morais (1992, p.23) ao estudar o conceito de cultura como sendo o refletir

sobre a forma própria de um povo viver, aponta o caráter filosófico destas

expressões. Ele considera que a cultura se expressa nas vivências de uma

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sociedade e se traduz por produções religiosas, artísticas, filosóficas e científicas.

Também apresenta a necessidade de análises que “façam denúncias à sociedade

atual, sobretudo à educação contemporânea.”

Nos contextos das sociedades atuais, modeladas pela cultura tecnológica,

os indivíduos são submetidos a muitas tensões. Nestes, caracterizados pela

complexidade, pela concorrência, pela exacerbação dos conceitos de individualismo

e de conforto, Leleux (2008, p. 219) observa a tendência dos indivíduos ao

“isolamento interior”. Neste isolamento os indivíduos sofrem as vicissitudes que

cercam a vida humana, como as enfermidade, finitude, exclusão, desamparo, luta

pela sobrevivência física, moral e social e ambiental.

A solidariedade, a disposição para o diálogo, para o viver responsável em

relações sociais e políticas respeitosas, não se constrói automaticamente. Tornam-

se imperativos à educação o estabelecimento de novos ambientes e métodos que

favoreçam o desenvolvimento destes elementos fundamentais para o ser humano.

No mundo onde a comunicação e a informação predominam, onde as técnicas são

preferencialmente desenvolvidas em detrimento das capacidades reflexivas e

analíticas, o conhecimento, segundo a autora, corre o “risco de encontrar na

mundialização apenas lugar de dispersão”.

Viver numa época abundante em informações coloca-se como questão o

aprender a dialogar, uma sabedoria para articular de modo ético as informações e

aplicar os conhecimentos para problemas que são postos pela vida. Nesta

imbricação entre bioética e filosofia o tema da educação se apresenta pleno de

significados. A educação enquanto projeto social e humanitário se move na direção

da dignidade da vida e, em sua responsabilidade com relação ao futuro é promotora

de ações (bio) éticas e transformadoras que, a partir da esfera individual, sejam

desencadeadoras de mudanças coletivas.

A bioética como campo de saber necessita deste fundamento educacional. A

postura ética e a capacitação crítica e reflexiva perante os problemas são exigências

educacionais para que os sujeitos tenham uma compreensão solidária, responsável

e participativa na vida. Neste ponto a filosofia torna a educação reflexiva aporte

para a Bioética:

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As perspectivas que se abrem são de levar adiante tal esforço de aprender a ir além da própria área e dialogar com outros saberes. Percebe-se então que o desafio maior da Bioética nas relações de ensino-aprendizagem certamente se refere à formação do sujeito ético, que se torne capaz de refletir e participar ativamente do discernimento ético em sua área de atuação disciplinar. (...) Para estar ao alcance popular e não ser um conhecimento restrito aos espaços acadêmicos, a Bioética deva, talvez, nos próximos anos, se fazer presente também no ensino fundamental e médio. (ANJOS, 2007 p 22)

A postura filosófica libertadora de Freire (2007) está tecida nas críticas a

uma educação que oprime, enfatizando a memorização de conteúdos e

desconsiderando a necessidade de mudanças sugerida por este tempo. Para

Lipman, filosofia é atividade que exige conversação com o outro. Isto não eram

prioridade nem visão da educação tradicional.

Esta postura se apresenta implícita nas suas teorias inteiramente alinhadas

com as propostas bioéticas permitindo-nos considerar que aprender a pensar de

modo reflexivo e criativo vivenciar um ambiente de respeito e liberdade na

comunidade de investigação são contribuições educacionais relevantes para a

bioética.

Os alunos envolvidos na investigação de modo ético, dentro de uma

comunidade democrática na sala de aula, irão discutir e estudar muitas coisas, como

a natureza e o uso de critérios e a relação dos meios com os fins e dos fins com fins

subseqüentes. As descobertas de um grupo de discussão são geradas pelo próprio

grupo, livres e promissoras, por não lhes parecerem estranhas como as que são

impostas por uma autoridade de fora do grupo, de forma vertical. A filosofia precisa

provocar à reflexão e fazer bom uso desta, interrogando sobre as questões da

existência humana.

O exercício do diálogo como constante e intencional prática na sala de aula

e a vivência em comunidade de investigação e questionamento são conceitos de

grande contribuição para a formação humana. Formar atitudes abertas, propícias ao

debate é estratégico para o desenvolvimento de atitudes compatíveis com as

habilidades requeridas dos indivíduos que participarão em comitês de ética, por

exemplo. A filosofia como estratégia a partir do ensino fundamental

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Impõe que a classe se converta numa comunidade de investigação, onde estudantes e professores possam conversar como pessoas e como membros de uma mesma comunidade; onde possam ler juntos, apossar-se das idéias conjuntamente, construir sobre as idéias dos outros; onde possam pensar independentemente, procurar razões para seus pontos de vista, explorar suas pressuposições; e possam trazer para suas vidas uma nova percepção do que é descobrir, inventar, interpretar e criticar. (LIPMAN, 1990, p. 61)

Tais linhas de pensamento confluem para considerações relacionadas com

as habilidades e valores sugeridos pela Bioética por sua aptidão em promover o

diálogo interdisciplinar a fim de questionar o sentido, a importância e a repercussão

que a ação humana possui. Convergem para este ponto as observações de Hossne

(2007, p. 102): “a ética e (a bioética) não admite restrição à liberdade de opção. A

ética (e a bioética) não admite coação, coerção e/ou falsidade. Sem liberdade não

há, pois, nem ética e nem bioética.” A educação ética, portanto, sugere abertura e

contínuo exercício das habilidades reflexivas desenvolvidas em ambiente

democrático.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A - Sugestão de Plano de Ensino de Filosofia para Crianças do Ensino Fundamental I - 1 ª a 4ª. Série

Filosofia para Crianças – perspectivas e possibilidades

O historiador italiano Carlo Ginsburg disse que, talvez em nosso tempo as utopias tenham mudado de forma e não mais se façam pela idéia de uma Revolução por vir, em um tempo futuro, mas por constantes e pequenas ações no cotidiano presente. Miríades de ações, às vezes, não tão visíveis que possam solapar a cultura e educação excludentes de nosso país e construir uma Cidadania efetiva. Godoy Silveira

O crescente interesse pelo ensino de Filosofia para Crianças no Brasil e no

mundo trouxe uma perspectiva nova e transformadora para a educação. Ao

apresentar e ampliar para o aluno ferramentas que o ajudem a desenvolver o

pensamento lógico argumentativo, o comportamento ético e a reflexão crítica, se

possibilita a formação de indivíduos capazes de compreender melhor conteúdos

propostos assim como decidir com ponderação e, agir eticamente.

Dentro desta perspectiva, este movimento filosófico em suas estruturas,

apresenta condições de possibilidade para o ensino da Bioética enquanto oportuniza

formação de base para os indivíduos diante dos crescentes desafios apresentados

pela contemporaneidade, tarefa implícita da escola em sua missão de educar para a

cidadania. A transformação da sala de aula em comunidade de investigação como

proposta de criar um ambiente desafiador, de construção de valores e significados

sobre a própria realidade, é tarefa primordial de um plano de ensino que considera a

filosofia para crianças como educação para o pensar; Isto levando em consideração

as diversidades pessoais e culturais encontradas nos alunos como pessoas

singulares, assim como os diferentes momentos de desenvolvimento em que se

encontram.

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As crianças respondem vivamente e de modo criativo a idéias novas, à

instigação presente na filosofia como modo de pensar o mundo. A palavra filosofia

fala de uma relação especial entre pensamento e realidade; deste modo, aulas de

filosofia para crianças têm como objetivo criar todo um ambiente onde haja liberdade

e valorização para as expressões nitidamente filosóficas em sua essência, tais como

a admiração diante do mundo, a curiosidade, o amor pelo saber, as ricas e

diferentes visões de mundo encontradas nas diferentes etapas de maturidade

encontradas em cada série.

Jaspers, disse que o pensamento filosófico há de ser sempre original. Todo

homem deve exercê-lo por si. Uma sabedoria pré-filosófica, de uso imediato, rica e

dinâmica, que orienta a existência-humana-no-mundo, encontra-se no ser humano

como algo constitutivo do seu ser. Diante de situações de obscurecimento,

precisamos filosofar, como que para recuperar uma dimensão compreensiva de

mundo. Assim, filosofar se apresenta como um exercício de pensar por nós

mesmos. (Buzzi, 2001)

Como tarefa da Filosofia, cabe estender as crianças um ensinar a aprender

a arte de pensar a existência-humana-no-mundo. Um questionamento dialógico

cooperativo pode proporcionar à criança a possibilidade de pensar filosoficamente

sobre idéias que lhes interessam. (Lipman, 2004)

Ensinar filosofia é gerar espaços que promovam o novo, a pluralidade, a diferença. O que é ensinado não é um conhecimento, uma forma de pensar, mas uma inquietude. Aqueles que ensinam filosofia transmitem sua atitude questionadora, sua não conformidade com o que é apresentado como óbvio natural ou necessário em nosso mundo social. Aqueles que ensinam filosofia transmitem sua abertura ao desconhecido, ajudando cada estudante a encontrar e seguir aquilo que os intriga. Reflexões de um professor (anônimo), 2005.

1 - IDENTIFICAÇÃO Filosofia para Crianças Carga Horária Semanal: 1 h aula

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Nome do Professor responsável: Maria Luiza Soares Santos . 2 - OBJETIVO GERAL Apresentar o conhecimento filosófico como um amor à sabedoria e o reconhecimento da compreensão como importante dimensão do conhecimento na experiência humana. Propor uma educação para o pensar como modo de preparar o indivíduo para o exercício da cidadania responsável. 3 - OBJETIVOS ESPECÍFICOS

a) Trabalhar com todo os instrumentos em sala de aula transformando as afirmações em questões, possibilitando resignificados.

b) Criar ambiente de comunidade de investigação e de diálogo oportunizando a livre expressão de idéias.

c) Apresentar temas chaves como ponto de partida da reflexão filosófica. d) Desenvolver as aulas por temas apresentados. e) Criar oportunidades para fazer diferenciações entre os tipos de conhecimento. f) Articular os conhecimentos adquiridos como pano de fundo para as reflexões

propostas. g) Aproveitar todas as situações em sala de aula para trabalhar questões sob a

perspectiva ética. h) Considerar em todas as atividades o contexto histórico, cultural, familiar,

escolar e existencial dos alunos. 4- CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS O Mundo O que é o mundo?– O mundo natural: a natureza e as coisas que nele existem. O Meu mundo – O mundo que é construído A casa, a família, a escola As coisas com que convivo O nosso mundo – A vida em sociedade As regras da sala de aula. A responsabilidade pessoal da construção. As Experiências Alteridade – o mundo do outro As Descobertas A liberdade O Conhecimento O saber Os valores Os deveres e os direitos 5 - METODOLOGIAS DE ENSINO Motivação da classe através de abertura de espaços para o compartilhar experiências e para

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as reflexões pertinentes de acordo com o contexto de cada sala de aula considerada comunidade de investigação. O diálogo nesta metodologia é ferramenta principal. Serão utilizados: Jogos e brincadeiras, atividades manuais variadas, histórias com recursos variados, trabalhos individuais e em grupos, leituras de textos variados, atividades com recortes e ilustrações,

trabalho com o caderno de filosofia, apresentação de casos, pesquisas e apresentação dos alunos.

6 - METODOLOGIAS DE AVALIAÇÃO A natureza inclusiva, compartilhada e reflexiva da Filosofia para Crianças, por seu caráter singular, neste momento de sua formação tem como objetivo propiciar ao aluno as condições possíveis para que este se perceba como sujeito no processo ensino – aprendizagem. Considerando os objetivos propostos de uma Educação para o Pensar, a avaliação não contemplará conteúdos, mas o próprio processo dialógico-cooperativo com os textos e as questões apresentadas em cada encontro; ou seja, a conversação dos alunos com a proposta investigativa construída. A avaliação será continuada, tendo em conta o processo dialógico de construção do conhecimento, e terá como instrumentos as produções dos alunos em cada encontro e registradas de acordo com a metodologia proposta. Obs. As referências foram retiradas dessa apresentação do Plano de Ensino devido já estarem inclusas na referência do texto dissertativo, evitando assim uma repetição desnecessária. 7 - CRONOGRAMA DE ATIVIDADES 1a semana: Apresentação da professora – apresentação dos alunos em forma de entrevista. 2a semana: A filosofia como amor à sabedoria. 3a Semana: O que é filosofar? As crianças podem filosofar? 4a Semana: O Mundo em que vivemos – o nosso mundo. 5a Semana: As experiências no mundo. 6a Semana: O pensar e o compartilhar. 7a Semana: O Mundo – o meu mundo : reflexões sobre a escola, a casa, o bairro.

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8a Semana: Alteridade – o mundo do outro. 9a Semana: As diferenças e as semelhanças: As pessoas têm diferentes modos de ser? 10a Semana: O mundo das regras: As regras da sala de aula. 11ª Semana: Exercício : Filosofia - o que aprendi? 12a Semana: As experiências vividas com a filosofia em sala de aula. 13a Semana: Reflexões sobre o trabalho realizado até este momento. 14a Semana: Minhas férias: Experiências vividas: relatos, desenhos, escritos 15a Semana: Experiências com o Saber. 16a Semana: O Saber para ser livre. 17a Semana: O processo do conhecimento: O verdadeiro mais verdadeiro. 18a Semana: Saber Mais – O processo do descobrir as coisas. 19a Semana: Exercícios sobre a investigação e as descobertas do conhecimento. 20a Semana: O Aprender: os valores e os limites 22a Semana: Cada vez Mais – o modo como aprendemos – as experiências no conhecimento. 23a Semana: A liberdade e o saber.

24a Semana: O que são direitos?

24a Semana: Quais são os direitos de uma criança?

26a Semana: A responsabilidade do conhecimento: o compromisso com o que

sabemos.

27a Semana: O que é valor?

28a Semana: A importâncias das pessoas.

29a Semana: A importância do que sabemos.

30a Semana: Como podemos aprender mais sobre os valores?

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APÊNDICE B - Solicitação de autorização para uso das ilustrações

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