Estudo Traça Relações Entre Microestrutura e Propriedades Mecânicas Em Aços Estruturais

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1 ESTUDO TRAÇA RELAÇÕES ENTRE MICROESTRUTURA E PROPRIEDADES MECÂNICAS EM AÇOS ESTRUTURAIS Antonio Augusto Gorni Analista de Processos da Gerência de Suporte Técnico da Laminação a Quente da Companhia Siderúrgica Paulista COSIPA Editor Técnico das Revistas Corte e Conformação de Metais e Plástico Industrial Trabalho apresentado no 5° Congresso de Corte e Conformação de Metais, Aranda Eventos, São Paulo, Outubro de 2009.

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Há uma relação bastante significativa entre as microestruturas e propriedades mecânicas dosaços, particularmente os do tipo estrutural. A compreensão e quantificação dos efeitos microestruturaissobre as propriedades mecânicas é o caminho para o desenvolvimento de produtos cada vez mais otimizados. Dessa forma pode-se atender de maneira cada vez mais econômica aos requisitos cada vez mais severos impostos pelos seus usuários.

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    ESTUDO TRAA RELAES ENTRE MICROESTRUTURA E

    PROPRIEDADES MECNICAS EM AOS ESTRUTURAIS

    Antonio Augusto Gorni

    Analista de Processos da Gerncia de Suporte Tcnico da Laminao a Quente da

    Companhia Siderrgica Paulista COSIPA

    Editor Tcnico das Revistas Corte e Conformao de Metais e Plstico Industrial

    Trabalho apresentado no 5 Congresso de Corte e Conformao de Metais,

    Aranda Eventos, So Paulo, Outubro de 2009.

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    RESUMO

    H uma relao bastante significativa entre as microestruturas e propriedades mecnicas dos

    aos, particularmente os do tipo estrutural. A compreenso e quantificao dos efeitos microes-

    truturais sobre as propriedades mecnicas o caminho para o desenvolvimento de produtos cada

    vez mais otimizados. Dessa forma pode-se atender de maneira cada vez mais econmica aos re-

    quisitos cada vez mais severos impostos pelos seus usurios.

  • 3

    - INTRODUO

    As enormes presses econmicas, ambientais e polticas que caracterizam o mundo mo-

    derno refletem-se na rea dos materiais numa busca constante por alternativas que ofeream bai-

    xo custo, boas propriedades de engenharia, construo leve e fcil manufatura. Portanto, no

    toa que nas ltimas dcadas verificou-se uma progressiva aplicao de conceitos metalrgicos na

    concepo e processamento das ligas metlicas no sentido de se otimizar esses materiais e garan-

    tir sua posio privilegiada como materiais de engenharia, em especial na indstria automobils-

    tica, cuja enorme escala garantia de alta lucratividade.

    A otimizao de ligas metlicas particularmente aos, tema deste trabalho requer um conhecimento aprofundado sobre seus mecanismos microestruturais de endurecimento. O princ-

    pio bsico por trs desses mecanismos consiste em dificultar ao mximo a mobilidade das dis-

    cordncias presentes na estrutura cristalina do metal, j que so justamente esses defeitos que

    fazem com que a resistncia mecnica dos materiais reais seja menos de 10% do valor que seria

    teoricamente possvel.

    A resistncia mecnica de um ao estrutural corresponde somatria das contribuies dos

    diversos mecanismos de endurecimento atuantes em sua microestrutura. Os principais tipos so

    [1]:

    - Resistncia bsica dos tomos de ferro;

    - Endurecimento por soluo slida proporcionado pelos elementos de liga solubilizados (C, N, P, Mn, Si, Cr, Mo, etc.);

    - Endurecimento por refino do tamanho de gro;

    - Endurecimento por precipitao de compostos intermetlicos;

    - Endurecimento por segunda fase.

    - Endurecimento por discordncias.

    A contribuio desses mecanismos de endurecimento varia conforme o tipo de ao consi-

    derado. Todos eles elevam as propriedades mecnicas determinadas sob condies estticas, ou

    seja, as que so medidas sob baixas velocidades de deformao, como o caso dos limites de

    escoamento e resistncia, levantados atravs de ensaios de trao. Infelizmente, a maioria dos

    mecanismos de endurecimento tende a degradar as propriedades mecnicas determinadas sob

    condies dinmicas, ou seja, as medidas sob altas velocidades de deformao, como a tenacida-

    de ou capacidade que o material tem para resistir nucleao e avano de uma trinca por e-xemplo, a energia absorvida durante um ensaio de impacto Charpy ou a temperatura de transio

    entre fratura dctil e frgil.

    O endurecimento por soluo slida decorre da presena de tomos de elementos de liga

    solubilizados no reticulado do elemento solvente no caso, o Fe. Com exceo do P, todos os demais provocam dilatao no reticulado. A intensidade de seu efeito no endurecimento funo

    dos seguintes fatores:

    - Diferena de tamanho entre os tomos de soluto e o de solvente;

    - Perturbaes na estrutura eletrnica, que podem estar presentes em termos da diferena no mdulo de cisalhamento entre o soluto e solvente;

    - Concentrao do soluto.

  • 4

    Do ponto de vista prtico o efeito do endurecimento por soluo slida diretamente pro-

    porcional ao teor em peso do soluto. A tabela 1 mostra o efeito de endurecimento por soluo

    slida de diversos elementos de liga comumente presentes no ao.

    Elemento P Sn Cu Mo Cr Ni

    Fator

    [MPa/% peso] 680 124 39 12 0 -31

    Tabela 1: Coeficientes de endurecimento por soluo slida para vrios elementos de liga nor-

    malmente presentes nos aos [1].

    O endurecimento por refino de tamanho de gro tg quantificado pela j consagrada equao de Hall-Petch, sendo proporcional ao inverso da raiz quadrada do dimetro mdio dos

    gros:

    d

    ktgtg

    onde kTG uma constante que depende da liga e d seu tamanho de gro.

    Este o nico mecanismo de endurecimento que aumenta tanto a resistncia mecnica co-

    mo a tenacidade dos metais. Por esse motivo o refino de gro geralmente o primeiro mecanis-

    mo de endurecimento cogitado ao se definir processos metalrgicos de conformao e tratamen-

    to trmico de aos estruturais.

    O endurecimento por precipitao ppt muito comum nos aos microligados, em fun-o das partculas extremamente finas que se precipitam na ferrita durante o resfriamento lento

    desses aos aps laminao a quente ou tratamento trmico. A intensidade desse endurecimento

    depende das caractersticas das partculas precipitadas, tais como resistncia mecnica, estrutura,

    espaamento, tamanho, formato e distribuio. Ele pode ser quantificado a partir do modelo de

    Ashby-Orowan:

    )4000ln(9,5

    xx

    X pppt

    onde PPT o endurecimento por precipitao, Xp a frao de precipitados na microestrutura e x o dimetro mdio do intercepto planar dos precipitados. Esta frmula deixa claro que o

    endurecimento por precipitao diretamente proporcional quantidade dos precipitados e in-

    versamente proporcional ao seu dimetro. Sua aplicao prtica restrita, j que nos aos micro-

    ligados os precipitados que aumentam a dureza somente podem ser detectados atravs de mi-

    croscopia eletrnica de transmisso, cuja complexidade dificulta muito a obteno das grandes

    massas de dados necessrias para o ajuste estatstico das equaes experimentais.

    O endurecimento por segunda fase decorre da presena de mais de uma fase ou constituin-

    te na microestrutura do ao como a perlita, por exemplo. No caso especfico de uma microes-trutura ferrtico-perltica a resistncia mecnica pode ser calculada em funo da lei de misturas:

    ypfyffy XX )1(3/13/1

    onde y o limite de escoamento do ao, Xf a frao de ferrita, yf o limite de escoamento da

    ferrita e yp o limite de escoamento da perlita.

  • 5

    O endurecimento por discordncias disc ocorre, por exemplo, em aos microligados que contenham constituintes formados sob temperaturas relativamente baixas como, por exemplo,

    ferrita acicular ou bainita. A ferrita acicular, ao contrrio da poligonal, contm discordncias em

    sua estrutura que aumentam sua resistncia mecnica. O efeito de endurecimento diretamente

    proporcional raiz quadrada da densidade de discordncias presente na microestrutura:

    discdisc k

    onde kdisc uma constante que depende da liga.

    Eventualmente esse tipo de endurecimento pode ocorrer na prpria ferrita poligonal que o-

    riginalmente est isenta de discordncias. Por exemplo, em determinados aos a transformao

    da austenita d origem grandes fraes de ferrita poligonal formada sob temperaturas relativa-

    mente altas. Contudo, a ferrita rejeitada durante essa transformao se concentra numa pequena

    frao de austenita remanescente, que assim ganha temperabilidade e se estabiliza momentanea-

    mente. Dessa forma ela s ir se transformar posteriormente, sob temperaturas relativamente

    baixas, formando constituintes aciculares, como ferrita acicular, bainita ou mesmo martensita. O

    volume desses constituintes significativamente maior em relao austenita que lhes deu ori-

    gem. Isso gera tenses de compresso na matriz de ferrita poligonal j existente, deformando-a

    localmente e gerando discordncias na mesma, as quais tambm exercem efeito endurecedor.

    - RELAES QUANTITATIVAS ENTRE PROPRIEDADES MECNICAS, MICROES-

    TRUTURA E COMPOSIO QUIMICA DOS AOS ESTRUTURAIS

    Sero expostas a seguir diversas equaes disponveis na literatura que aplicaram os

    princpios descritos acima para permitir o clculo de propriedades mecnicas em funo dos pa-

    rmetros microestruturais e da composio qumica para vrios tipos de ao estrutural. Na maio-

    ria dos casos so apresentadas equaes para clculo dos limites de escoamento e de resistncia;

    equaes para clculo de parmetros ligados ductilidade e tenacidade so um pouco mais raras.

    . Aos Doces ao C-Mn para Estampagem [2]

    dNSiMnYS sol

    4.172.3542.833.329.53

    dPearlSiMnTS

    7.785.22.837.271.294

    dNSnPSiMnC

    d

    dsol

    4.1515091435541161.23120370

    solunif NSnSiMnC 2.1039.0044.025.020.028.0

    dSnPSSiMnCtot

    017.025.09.32.216.020.090.240.1

    dPearlNSiITT sol

    5.112.27004419%50

  • 6

    OMnNY sol 4621621925032.12

    Notao:

    YS: Limite de Escoamento a 0,2% de Deformao [MPa]

    TS: Limite de Resistncia [MPa]

    d/d: Coeficiente de Encruamento a 0,2% de Deformao [1/MPa]

    unif: Alongamento Uniforme, Expresso como Deformao Real

    tot: Alongamento Total, Expresso como Deformao Real Pearl: Frao de Perlita na Microestrutura [%]

    50% ITT: Temperatura de Transio para 50% de Fratura Dctil [C]

    Y: Envelhecimento Aps 10 Dias sob Temperatura Ambiente [MPa] d: Tamanho de Gro [mm]

    Este conjunto de equaes foi desenvolvido por Pickering para aos destinados es-

    tampagem profunda, com teor de C entre 0,08 e 0,12%. interessante notar que a equao para

    clculo do limite de escoamento leva em conta o endurecimento por soluo slida dos elemen-

    tos de liga; o efeito do N solvel expresso pela raiz quadrada de seu teor. A contribuio do

    tamanho de gro includa atravs de um termo similar equao de Hall-Petch. J a equao

    do limite de resistncia no leva em conta o efeito do N, mas inclui o da frao de perlita multi-

    plicado por um fator constante. Em ambos os casos o efeito do Si foi superior ao do Mn. Os

    mesmos efeitos foram includos no clculo do coeficiente de encruamento, levando em conta

    maior nmero de elementos de liga, com destaque para o papel do N solvel e P.

    Os elementos de liga tenderam a reduzir a ductilidade dos aos ao C-Mn, exceto o Mn,

    Si e Sn no caso do alongamento total. O efeito do refino de gro sobre a ductilidade tambm foi

    positivo para esse parmetro. J a tenacidade no favorecida pela presena de Si, N solvel e

    perlita mas, como j era esperado, promovida pelo refino de gro.

    . Aos ao C-Mn com Microestrutura Ferrtico-Perltica [3]

    dNSnPSiMnPearlYS sol

    9.1437541699231386.4415.4246

    dNCrPSSiMnPearlTS sol

    6.446616246723261627724638.3492

    dNSnPSiPearl

    d

    dsol

    4.15136915246211139.1385

    solunif NSnSiMnPearl 0.1043.0040.0015.0016.027.0

    dSnPSSiMnPearltot

    015.029.04.44.320.030.0020.030,1

    dMnPearlTtrans

    2.6375.143

  • 7

    Notao:

    . YS: Limite de Escoamento a 0,2% de Deformao [MPa]

    . TS: Limite de Resistncia [MPa]

    . d/d: Coeficiente de Encruamento a 0,2% de Deformao [1/MPa]

    . unif: Alongamento Uniforme, Expresso como Deformao Real

    . tot: Alongamento Total, Expresso como Deformao Real . Pearl: Frao de Perlita na Microestrutura [%]

    . Ttrans: Temperatura de Transio Dctil-Frgil [C]

    . d: Tamanho de Gro [mm]

    Este conjunto de equaes, tambm de autoria de Pickering, foi desenvolvido para aos

    estruturais com at 0,25% C, sendo bastante similares s deduzidas para o ao doce visto no t-

    pico anterior. A nica discrepncia ficou por conta dos efeitos contraditrios da frao de perlita

    sobre o limite de escoamento e o de resistncia.

    . Aos Microligados [4]

    pptsold

    NSiMnYS 1.15

    291883370

    Notao:

    YS: Limite de Escoamento a 0,2% de Deformao [MPa]

    0: Tenso de Frico [MPa] d: Tamanho de Gro [mm]

    ppt: Endurecimento por Precipitao para Aos com Nb, Ti e/ou V [MPa].

    Este modelo, tambm proposto por Pickering, apresenta algumas diferenas em relao

    aos dois j vistos anteriormente. Em primeiro lugar, ele inclui um termo de tenso de frico 0 que, na verdade, serve para incluir na equao o efeito do processamento do material, conforme

    mostra a tabela II. Alm disso, a equao permite a incorporao da contribuio do endureci-

    mento por soluo slida de outros elementos de liga dissolvidos na ferrita, cujos fatores de mul-

    tiplicao encontram-se na tabela III. interessante notar que o Cr o nico elemento neste caso

    que apresentou efeito negativo sob este aspecto.

    Uma vez que se trata de ao microligado esta equao inclui a contribuio do endure-

    cimento por precipitao interfsica na ferrita, ppt, similar ao modelo de Ashby-Orowan:

    4105.2ln

    9.5 x

    x

    fppt

    Contudo, tendo-se em vista a difcil determinao quantitativa dos parmetros necess-

    rios ao clculo da equao de Ashby-Orowan, Pickering props que o endurecimento por preci-

    pitao fosse calculado atravs da simples multiplicao dos teores dos elementos de micro-liga

    por fatores especficos B. A tabela IV mostra faixas sugeridas para esses fatores em funo do

    precipitado envolvido. Por sinal, esta abordagem emprica bastante comum, ainda que restrinja

    bastante a aplicabilidade do modelo matemtico, uma vez que geralmente ela determinada sob

    condies muito especficas de processamento.

  • 8

    Condio 0 [MPa]

    Mdia 70

    Resfriado ao Ar 88

    Super-Envelhecido 62

    Tabela II: Valores de tenso de frico 0 para determinao do limite de escoamento para aos microligados [4].

    Elemento Fator

    [MPa/% peso]

    Ni 33

    Cr -30

    P 680

    Cu 38

    Mo 11

    Sn 120

    C 5000

    N 5000

    Tabela III: Valores dos fatores de multiplicao para clculo do efeito de endurecimento por so-

    luo slida de elementos solubilizados na ferrita para determinao da resistncia

    mecnica de aos microligados [4].

    Liga e

    Precipitado

    Bmn [MPa/% peso]

    Bmx [MPa/% peso]

    Faixa

    [% peso]

    V como V4C3 500 1000 0,00 ~ 0,15

    V como VN 1500 3000 0,00 ~ 0,06

    Nb como Nb(CN) 1500 3000 0,00 ~ 0,05

    Ti como TiC 1500 3000 0,03 ~ 0,18

    Tabela IV: Valores dos fatores de multiplicao B para clculo do efeito de endurecimento por

    precipitao proporcionado por elementos de micro-liga [4].

    . Aos Microligados [5]

    pptsold

    NCuPSiMnYS 7.19

    0.32869.2120.7592.601.266.62

    pptsold

    NNiPSiMnCTS 0.11

    4.33396.4729.6517.996.537.6349.164

    197800700log57 solppt NVCR

    Notao:

    YS: Limite de Escoamento a 0,2% de Deformao [MPa]

  • 9

    TS: Limite de Resistncia [MPa]

    d: Tamanho de Gro [mm]

    ppt: Endurecimento por Precipitao para Aos ao V [MPa]. CR: Taxa de Resfriamento [C/s]

    Este conjunto de equaes, proposto por Hodgson & Gibbs [5], especfico para aos

    microligados ao V. O destaque aqui a equao emprica para clculo do endurecimento por

    precipitao de VN, ppt, em funo no s dos teores de V e N, como tambm da velocidade de resfriamento do laminado aps a laminao a quente.

    . Aos Bifsicos [6,7]

    LYS

    1855203

    d

    f

    LTS 1741

    1548266

    d

    f

    Ld

    d1722

    1590386

    Launif

    16432

    Notao:

    LE: Limite de Escoamento a 0,2% de Deformao [MPa]

    LR: Limite de Resistncia [MPa]

    d/d: Coeficiente de Encruamento no Alongamento Uniforme [1/MPa] aunif: Alongamento Uniforme [%]

    L: Caminho Livre Ferrtico Mdio [m]

    f: Frao Volumtrica Mdia de Martensita [%]

    d: Dimetro Mdio das Ilhas de Martensita [m]

    Os aos bifsicos foram desenvolvidos a partir da dcada de 1970 com o objetivo de a-

    liar alta resistncia mecnica com boa estampabilidade. Eles apresentam uma microestrutura

    peculiar, constituda de uma matriz de 80 a 85% de ferrita poligonal macia mais 15 a 20% de

    martensita dura. As tenses de compresso induzidas na matriz de ferrita pelas ilhas de martensi-

    ta facilitam o fluxo do material durante a deformao plstica, reduzindo o valor do limite de

    escoamento e eliminando o patamar. medida em que a deformao plstica progride a restrio

    ao fluxo de material imposta pelas ilhas de martensita proporciona um encruamento significativo

    ao material, resultando num componente estampado com alta resistncia mecnica.

    Essa abordagem microestrutural possui correlaes interessantes com as propriedades

    mecnicas obtidas, as quais diferem um pouco do que normalmente se verifica nos aos comuns

    ferrtico-perlticos. Em primeiro lugar, a relao de Hall-Petch ligeiramente diferente no caso

    dos aos bifsicos: o caminho livre disponvel para as discordncias delimitado pelos contornos

    ferrita-martensita e no mais pelos contornos de gro ferrticos [8]. Assim sendo, a equao de

  • 10

    Hall-Petch continua vlida, s que o valor do tamanho de gro d deve ser substitudo pela distn-

    cia livre ferrtica mdia L. A diferena entre esses dois parmetros microestruturais pode ser

    vista na figura 1. exatamente o que se v na equao para clculo do limite de escoamento [7].

    O clculo do limite de resistncia para o caso dos aos bifsicos tambm deve levar em

    conta o encruamento ou endurecimento por discordncias disc que ocorre no material. Foi constatado que esse encruamento pode ser expresso atravs do modelo de Ashby [9,10],

    d

    fkdisc

    onde k uma constante emprica. Ou seja, o encruamento de um ao bifsico proporcional

    raiz quadrada da frao de martensita presente na microestrutura e ao inverso de seu tamanho de

    gro. Como se pode observar, a equao proposta para o clculo do limite de resistncia leva em

    conta a relao de Hall-Petch usando a distncia livre ferrtica mdia e o modelo de Ashby.

    Figura 1: Representao esquemtica do tamanho de gro ferrtico (d) e da distncia livre ferr-

    tica mdia (L) numa microestrutura bifsica [7].

    interessante notar que o coeficiente de encruamento tambm pode ser calculado por

    uma equao com formato semelhante ao usado para o limite de resistncia. Por sua vez, o alon-

    gamento uniforme inversamente proporcional ao caminho livre ferrtico mdio.

    . Aos de Baixo C com Ferrita Acicular ou Bainita

    pptdisc

    L

    sold

    NSiMnYS 1.15

    2900833788

    )(3856512590185)(2301900246 TiVCuNiWMoCrMnCTS

    dNSiITT pptdiscsol

    5.11)(26.07004419

    Notao:

  • 11

    YS: Limite de Escoamento para 0,2% de Deformao Real [MPa]

    TS: Limite de Resistncia [MPa]

    ITT: Temperatura de Transio para 50% de Fratura Dctil [C]

    dL: Tamanho de Ripa para a Ferrita Acicular ou Bainita [mm]

    d: Espaamento Mdio entre Contornos de Alto ngulo (Pacote ou Antigos Contornos de Gro Austenticos)

    Mais uma vez o endurecimento por precipitao ppt pode ser calculado pelo modelo de Ashby-Orowan, expresso pela frmula

    4105.2ln

    9.5 x

    x

    fppt

    Mas a novidade neste caso o termo que expressa o endurecimento por discordncias

    disc, cuja frmula geral

    bdisc

    onde uma constante emprica, o mdulo de cisalhamento, b o vetor de Burgers e a densidade de discordncias expressa em linhas por cm. A determinao experimental dos par-

    metros necessrios para o clculo dessa expresso difcil, tendo sido propostas equaes emp-

    ricas alternativas. Uma delas a de Pickering [4]:

    3102.1 disc

    e outra foi proposta por Keh [11]:

    4108 disc

    . Aos Ferrtico-Perlticos com Mdio C [4-12]

    solNSiS

    fd

    MnfYS 42638.3

    17814.17

    58350

    33

    SiS

    fd

    NfTS sol 975.3

    72012.18

    11402460

    33

    dNSnPSiPearl

    d

    dsol

    4.151371152462111386.1385

    solNSitpS

    fd

    fITT 7627.481048.33.136.5

    33515.11

    46 6

    0

    Notao:

  • 12

    YS: Limite de Escoamento a 0,2% de Deformao [MPa]

    TS: Limite de Resistncia [MPa]

    d/d: Coeficiente de Encruamento a 0,2% de Deformao [1/MPa] ITT: Temperatura de Transio para Fratura 50% Dctil [C]

    f: Frao Volumtrica Mdia de Ferrita

    d: Tamanho de Gro Mdio da Ferrita [mm]

    S0: Espaamento Lamelar Mdio da Perlita [mm]

    p: Tamanho da Colnia de Perlita [mm]

    Pearl: Frao de Perlita na Microestrutura [%]

    t: Espessura da Lamela de Carbonetos Perlticos [mm]

    A frao de perlita presente na microestrutura proporcional ao teor de C. No presente

    caso, um ao com mdio teor de C, j se faz necessrio aplicar a lei da mistura de fases para se

    levar adequadamente em conta o endurecimento proporcionado pela perlita. interessante notar

    que tanto o limite de escoamento como o de resistncia da perlita so expressos por uma lei simi-

    lar de Hall-Petch, onde o tamanho de gro substitudo pelo espaamento entre as lamelas des-

    se constituinte. Deve-se destacar tambm o efeito deletrio da espessura da lamela de carbonetos

    perlticos sobre a tenacidade do material, uma vez que a temperatura de transio dctil-frgil

    proporcional ao valor desse parmetro microestrutural.

    - CONCLUSO

    Como se pode observar, j foram desenvolvidas diversas equaes empricas para o cl-

    culo de propriedades mecnicas a partir da composio qumica e parmetros microestruturais

    observados em aos estruturais. Contudo, sua aplicabilidade a casos especficos no totalmente

    garantida, j que inmeros detalhes associados ao processamento do material podem alterar as-

    pectos sutis da estrutura cristalina do material e prejudicar a preciso dessas equaes. Alm

    disso, a determinao experimental dos parmetros microestruturais quantitativos requer proce-

    dimentos algo demorados e eventualmente complexos considerando nossa realidade industrial.

    Ainda assim, essas equaes so muito importantes para se entender os principais fatores que

    afetam o desempenho desses aos e para definir o rumo dos desenvolvimentos a serem feitos

    para se obter materiais cada vez mais otimizados.

    - REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    2. PICKERING, F.B.: Physical Metallurgy and the Design of Steels. Allied Science Publishers, London, 1978, 275 p.

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    7. GORNI, A.A. & BRANCHINI, O.L.G. Relaes Microestrutura-Propriedades Mecnicas em um Ao Bifsico Laminado a Quente. In: 1 Seminrio sobre Chapas Metlicas para a Inds-

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  • 14

    CURRCULO DO AUTOR

    Engenheiro de Materiais pela Universidade Federal de So Carlos, 1981

    Mestre em Engenharia Metalrgica pela Escola Politcnica da USP, 1990

    Doutor em Engenharia Mecnica pela Universidade Estadual de Campinas, 2001

    Analista de Processos da Companhia Siderrgica Paulista desde 1982

    Editor Tcnico das Revistas Plstico Industrial (desde 1998) e Corte e Conformao de Metais

    (desde 2005), da Aranda Editora; participao no Corpo Editorial da Revista Tecnologia em Me-

    talurgia e Materiais, da Associao Brasileira de Metalurgia, Materiais e Minerao (desde 2009)

    Autor de mais de 190 trabalhos tcnicos publicados no Brasil e exterior, nas reas de aciaria,

    fundio, laminao a quente, tratamentos trmicos, polmeros, modelamento matemtico e inte-

    ligncia artificial

    4 patentes concedidas na rea de laminao a quente

    Prmios da Associao Brasileira de Metalurgia e Materiais (ABM): COSIPA (1992, 1996), Lu-

    iz Dumont Villares (1997 e 1999), Paulo Lobo Peanha (1999), Usina Presidente Vargas (2000)

    Outros Prmios (ligados rea de patentes): Prmio Talento Brasileiro, Fase Estadual (1994 e

    1998); Prmio Estadual FIESP de Conservao e Uso Racional de Energia (1998); Prmio Go-

    vernador do Estado (1999).

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