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ESTUDOS DE CASO

ndiceNota Apresentao O Projecto EEL-DQP: uma narrativa 1 Estudo de Caso Um projecto de construo da participao: a voz das famlias, educadoras, auxiliares e crianas 2 Estudo de Caso Da Intencionalidade Concretizao: O Contributo Formativo da Escala do Empenhamento do Adulto 3 Estudo de Caso A formao em contexto para a Pedagogia-em-Participao: um estudo de caso 4 Estudo de Caso Desenvolvendo a qualidade em parcerias Um Estudo de Caso 5 Estudo de Caso A Interaco Do Adulto Com A(s) Criana(s) 6 Estudo de Caso O Projecto Desenvolvendo a Qualidade em Parcerias (DQP) como impulsionador de mudana(s) na prxis 7 Estudo de Caso Empenhamento Adulto - uma estratgia de superviso? 8 Estudo de Caso Projecto Desenvolvendo a Qualidade em Parcerias (DQP)5 7

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9 Estudo de Caso Effective Early Learning/Desenvolvendo a Qualidade em Parcerias EEL/ DQP um estudo de caso 10 Estudo de Caso O Quotidiano da Criana na Expresso Dramtica: um estudo de caso 11 Estudo de Caso Avaliao da qualidade no mbito do DQP: um contributo para uma pedagogia da diversidade? 12 Estudo de Caso Isto giro, para nos vermos ao espelho e pensarmos Um processo de avaliao da qualidade num jardim-de-infncia 13 Estudo de Caso Um Projecto de Desenvolvimento da Qualidade em Cooperao num contexto de Jardim-de-Infncia integrado num Agrupamento de Escolas 14 Estudo de Caso Projecto DQP: Um contributo para a reconstruo da avaliao pedaggica 15 Estudo de CasoUm modo participado de construir conhecimento

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Nota ApresentaoA Direco-Geral de Inovao e de Desenvolvimento Curricular (DGIDC) tem vindo a desenvolver actividades que assinalam a importncia dada promoo da qualidade e do desenvolvimento curricular na Educao Pr-Escolar. A publicao da coleco Aprender em Companhia um dos eixos de concretizao desta nossa linha de trabalho. Esta coleco composta por um Manual do Projecto Desenvolvendo a Qualidade em Parcerias (DQP) e por trs publicaes que exemplificam a utilizao deste manual e a sua aplicao em contextos diversos. A primeira das publicaes assume a forma de quinze estudos de caso realizados em diferentes escolas da rede Nacional. A segunda assume a forma de narrativas do trabalho de projecto desenvolvido em salas de Jardim de Infncia, em que se concretiza a utilizao de instrumentos de avaliao includos no projecto DQP. A DGIDC promoveu a constituio de uma equipa alargada de educadores e investigadores que estudou a utilizao do referencial DQP em diferentes contextos de educao de infncia. Com a coordenao de Jlia Formosinho, estes estudos de caso constituem um importante instrumento de apoio reflexo sobre a aco do educador.

A Directora Geral

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O Projecto EEL-DQP: uma narrativaJlia Oliveira-Formosinho1

1. Apresentao do Projecto DQP1.1. Reflectindo sobre o nome do Projecto O nome faz parte integrante da identidade das pessoas, dos projectos, das instituies, dos produtos artsticos e literrios e de qualquer outro produto da actividade humana. Assim, comear por apresentar o Projecto EEL-DQP reflectindo sobre o seu nome abre uma porta para o reconhecer e identificar. O Projecto nasce em Inglaterra com o nome de EEL, Efective Early Learning que se pode traduzir por Aprendizagem Eficaz na Infncia visando ser uma metodologia de avaliao e melhoria da qualidade da aprendizagem na educao de infncia. O Projecto retm o mesmo nome desde o seu incio. Aquando dos meus primeiros dilogos, em 1995, com os autores deste projecto Professores Christine Pascal e Tony Bertram tendo em vista a sua contextualizao a Portugal, pensou-se qual deveria ser o ttulo portugus do projecto. Fiz ento a proposta de lhe chamar Desenvolvendo a Qualidade em Parcerias (DQP)2; a aceitao imediata da sugesto pelos autores evidenciou que o nome captava a essncia da proposta contida no Projecto EEL. Esta essncia centra-se na ideia de que a avaliao da qualidade de natureza desenvolvimental, isto visa a transformao e no a mera apreciao, e levada a cabo em parcerias que envolvem os actores centrais da instituio, atravs de processos de colaborao e negociao, em torno da compreenso da realidade actual que se deseja transformar, dos meios para a transformar e dos resultados que so alcanados. 1.2. O incio do Projecto DQP O Projecto teve incio em 1993, ento sedeado no centro de investigao do Worcester College of Higher Education, onde os autores, Pascal e Bertram, foram professores durante muitos anos. Hoje est sedeado no St. Thomas Children Centre, em Birmingham. O objectivo desta primeira fase do trabalho foi criar uma metodologia de avaliao e melhoria da qualidade da aprendizagem pr-escolar num leque diversificado de contextos de educao e atendimento para crianas de 3 e 4 anos, no Reino Unido.1 Professora do Instituto de Estudos da Criana da Universidade do Minho e Coordenadora cientfica do Projecto Desenvolvendo a qualidade em Parcerias (DQP). 2 este o ttulo com que o Projecto ser referido daqui para a frente, quer usando-o por extenso quer usando a sigla DQP.

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1.3. Objectivos do Projecto DQP Os objectivos essenciais deste Projecto so: 1. Desenvolver uma estratgia para avaliar a qualidade e a eficcia da aprendizagem das crianas de 3 e 4 anos num vasto leque de contextos educativos e de atendimento infncia; 2. Avaliar e comparar, rigorosa e sistematicamente, a qualidade da aprendizagem providenciada nos diversos contextos de educao de infncia e atendimento. A metodologia desenvolvida nesta primeira fase foi posteriormente experimentada, desenvolvida, consolidada e alargada para alm dos limites de idade originalmente estabelecidos. De facto o Projecto desenvolveu um formato paralelo para analisar os contextos do ensino primrio (Bertram e Pascal, 2002) e, posteriormente, um outro para analisar a educao em creche (Bertram e Pascal, 2006). Assim o desenvolvimento destes objectivos fez-se por alargamento deste referencial aos contextos de escola primria e de creche.

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2. Os eixos estruturantes do Projecto DQPSo cinco os eixos que estruturam o projecto: sua concepo de qualidade; a abordagem democrtica avaliao; a seus nveis de actuao e respectiva sustentao terica; os sua metodologia de investigao; a sua operacionalizao. a 2.1. Primeiro eixo: a concepo contextual de qualidade. O conceito de qualidade tem sido muito problematizado e concorda-se hoje que um conceito polissmico. Noutro espao, e para fins de esclarecimento da literatura que ento proliferava, propus dois paradigmas para a anlise da qualidade (Oliveira-Formosinho, 2001), a saber:QUADRO 1 PARADIGMAS DE ANLISE DA QUALIDADE NA EDUCAO

Paradigma 1 Tradicional

Paradigma 2 Contextual

Externo Universal

Interno (em dilogo) Contextual

Comparativo

Permitindo o cruzamento de perspectivas Orientado para os contextos, os processos e as realizaes

Orientado para os produtos Orientada para uma medio definida normativamente Orientado para as generalizaes No colaborativo Esttico

Orientado para verdades singulares que podem emigrar para outros lugares socio-cognitivos Colaborativo Dinmico Apoiado

Estamos perante dois paradigmas (Kuhn, 1961). No paradigma tradicionalista, o processo de avaliao e desenvolvimento da qualidade centra-se em produtos (realizaes) previamente

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determinados, a partir de conhecimentos estveis, essenciais e, de algum modo, universais; feita por agentes externos, de forma no colaborativa; permitindo comparaes perante padres (standards) pr-existentes e orientando-se para generalizaes. No paradigma contextual, o processo de avaliao e desenvolvimento da qualidade centra-se nos processos e nos produtos reconhecendo-os como contextuais; desenrola-se em colaborao, a partir de actores internos (crianas, profissionais, pais), eventualmente apoiados por actores externos (amigos crticos, formadores em contexto), baseada numa construo contextual, dinmica e evolutiva que aponta para uma concepo ecolgica da qualidade (Bronfenbrenner, 1979; Garbarino e Ganzel, 2000). O Projecto DQP situa-se neste segundo paradigma, pois apresenta uma proposta de anlise e desenvolvimento da qualidade que democrtica, desenvolvimental e inclusiva. Pascal e Bertram situam-se numa perspectiva de anlise do conceito de qualidade que o conceptualiza como valorativo, subjectivo, dinmico: a qualidade no uma essncia abstracta e imutvel mas antes contextual, isto , referida ao espao, tempo e s circunstncias. 2.2. Segundo eixo: a abordagem democrtica avaliao da qualidade O Projecto DQP assume a complexidade que reside no facto de querer promover uma cultura de avaliao usando uma abordagem democrtica. Uma vez que a avaliao da qualidade uma tarefa valorativa, o Projecto pensa que a melhor forma de a executar atravs do envolvimento activo dos participantes no processo. Desta forma, o processo de avaliao visto como algo feito com os participantes e no algo feito aos participantes. A literatura da especialidade assegura-nos que o processo para melhorar a qualidade no tem, necessariamente, de representar uma ameaa, podendo, pelo contrrio, atingir os fins em vista de um modo positivo e produtivo. Deparamo-nos com uma substancial convergncia de opinies quanto s estratgias que parecem facilitar uma melhoria efectiva da qualidade. Estas estratgias comuns revelam que o processo de avaliao deve ser: Um processo claro conducente a aco que fazer juzos de qualidade; h processo de avaliao deve conduzir elaborao de planos de aco; o aco deve ser acompanhada, apoiada e monitorizada; a Um processo em dilogo recomendvel que avaliados e avaliadores se conheam e confiem uns nos outros; avaliao deve emergir de um dilogo aberto, honesto e colaborativo em que se faa uso a de um vocabulrio comum;

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dilogo deve ser gerado ao longo de um perodo alargado; este dilogo deve ter uma estrutura e um formato claro, sistemtico e consensualisado; o Um processo partilhado desejvel uma perspectiva externa ; provas da avaliao so recolhidas em conjunto e partilhadas por todos; as contextos devem assumir a responsabilidade do processo e dos seus resultados; os todos os participantes no processo devem ser incentivados a dar um contributo que seja reconhecido e valorizado; colaborao e a participao alargada produzem mais frutos do que a compulso ou o a uso da autoridade hierrquica. 2.3. Terceiro eixo: os nveis de actuao Sabe-se hoje muito acerca de como as crianas aprendem e sobre como a aprendizagem pode ser apoiada pelos adultos que as educam. O Projecto DQP assenta num conjunto de fontes tericas3 que suportam quer a anlise da qualidade da relao educativa entre a criana e o adulto cuidador quer os processo de apoio aos profissionais para que possam reflectir sobre o processo de ensino/aprendizagem de uma forma crtica e informada. O Projecto DQP utiliza a teoria e a investigao disponvel para ajudar os profissionais da educao de infncia a incorporarem estes conhecimentos na sua prtica profissional. Os nveis de actuao que o Projecto prope so o contexto, os processos e as realizaes, partindo-se de um entendimento da relao ecolgica entre estes nveis de actuao. A aprendizagem das crianas e o exerccio da profisso de educadora so processos que se desenvolvem em contextos e interactuam com as realizaes que os processos vividos em contexto permitem. Reconhece-se, por exemplo, claramente a relao simbitica entre o envolvimento da criana e o empenhamento do adulto, entendido como estilo de interaco ou, na minha linguagem, perfil de mediao (Oliveira-Formosinho, 2004). No desempenho dos processos de aprendizagem chamase simultaneamente ateno da qualidade do contexto que promove, ou no, esta relao simbitica central para a aprendizagem. A interactividade entre estes nveis constantemente afirmada e operacionalizada. Mas, mais que isso, prope-se, porque de pedagogia se trata, formatos operacionais de anlise destes nveis de interactividade4. Esses formatos sero apresentados na seco trs e esto amplamente desenvolvidos no Manual DQP, agora publicado pela DGIDC.

3 Entre essas fontes contam-se inicialmente Piaget, Vygotsky, Laevers; posteriormente essas fontes alargaram-se, incluindo hoje Paulo Freire, Bruner e Gardner (Pascal, 2003). 4 Para anlise da relao bidireccional entre envolvimento da criana e o empenhamento do adulto ver Oliveira-Formosinho, 2004.

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2.4. Quarto eixo: a investigao-aco colaborativa Um quarto eixo que estrutura o projecto a sua operacionalizao, no mbito dos processos de mudana, em ciclos de investigao-aco colaborativa que garantem a viso cooperada dos processos de avaliao e desenvolvimento. No sendo extensa a teorizao que o DQP faz a este nvel, os ciclos que apresenta situam-se no mago dos processos de investigao-aco5. As fases de interveno DQP so: 1 fase: Avaliao. Os investigadores e os participantes trabalham em conjunto para documentarem e avaliarem a qualidade da aprendizagem pr-escolar no contexto em causa. 2 fase: Planeamento da Aco. Os participantes renem-se para estabelecerem prioridades de aco e delinearem um Plano de Aco capaz de as implementar. 3 fase: Melhoramento da Qualidade. O Plano de Aco destinado a melhorar a qualidade. 4 fase: Reflexo. Os participantes so incentivados a reflectir sobre o processo de Avaliao e Melhoramento da Qualidade e a fazer uma crtica do impacto do Plano de Aco luz da experincia adquirida. A investigao-aco parte do pressuposto de que o profissional competente e capacitado para formular questes relevantes no mbito da sua prtica, para identificar objectivos a prosseguir e escolher as estratgias e metodologias apropriadas, para monitorizar tanto os processos como os resultados. A investigao-aco representa um avano qualitativo no que se refere quer imagem de professor quer teoria da formao de professores o professor passa de objecto da investigao dos acadmicos a sujeito da sua prpria investigao. Enquanto actor, assume o questionamento, a operacionalizao e a documentao da reflexo profissional contextual. Como a investigaoaco desafia os profissionais a desenvolver este processo de forma cooperada, podemos dizer que, assim, se realiza um duplo avano qualitativo de objecto a sujeito de investigao, por um lado, de sujeito a participante de um processo cooperado de investigao, por outro (OliveiraFormosinho e Formosinho, 2008).

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Sobre estes ciclos de investigao-aco ver Mximo-Esteves, 2008.

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2.5. Quinto eixo: a operacionalizao O quinto eixo estruturante o da operacionalizao do Projecto DQP atravs de instrumentos que permitem avaliar o ponto de partida e as progressivas aquisies. A este nvel so propostos os seguintes instrumentos: Escala do Envolvimento Escala do Empenhamento Target

3. A operacionalizao do Projecto DQPA proposta de anlise dos processos faz-se em torno do envolvimento da criana (Laevers, 1994b) e do empenhamento do adulto (Laevers, 1994a) e da target (criana alvo). Em conjunto estes instrumentos permitem analisar o envolvimento da criana nas experincias de aprendizagem e o estilo de interaco que a educadora utiliza no apoio ao desenvolvimento dessas experincias cuja amplitude pode analisar-se com a target. Ao nvel dos resultados o projecto prev a utilizao dos mesmos instrumentos para comparar, em dois ou mais momentos, no tempo, os resultados alcanados com o processo de melhoria. 3.1. O conceito de envolvimento de Laevers Laevers (1993, 1996) desenvolveu este conceito e identifica aquilo a que ele chama o estado de envolvimento. Laevers descreve as crianas que operam nos limites das suas capacidades e num estado de fluxo como encontrando-se num nvel superior de envolvimento. Este termo usado para descrever uma qualidade particular da actividade humana e no apenas para referir ocupao momentnea da criana. Uma criana envolvida est totalmente focalizada, conscientemente concentrada e totalmente imersa na actividade que est a fazer, uma muito desejavelmente actividade holstica. j muito conhecida a definio que Laevers (1993) d de envolvimento: uma qualidade da actividade humana caracterizada pela persistncia e pela concentrao, um elevado nvel de motivao, percepes intensas e experincia do significado, um poderoso fluxo de energia e um elevado grau de satisfao, tendo por base o impulso exploratrio e o desenvolvimento bsico dos esquemas. (p. 61) Laevers defende que as crianas que atingem este estado de envolvimento esto a fazer uso de uma grande quantidade de energia mental para poderem dar resposta ao seu impulso exploratrio. O trabalho deste investigador sugere que, com o passar do tempo, este nvel de experincia leva a criana a ser capaz de operar a um nvel mais elevado. A vivncia sistemtica do envolvimento permite, segundo o autor, a aprendizagem e desenvolvimento da criana que tem traduo no desempenho.

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O Projecto DQP tem recolhido provas deste processo em aco. A investigao sobre a motivao levada a cabo nos Estados Unidos mostra tambm que as crianas motivadas, entusisticas, capazes de concentrao e persistncia, e que focalizam as suas energias tm um melhor desempenho nos testes de aprendizagem (Brown e Palinscar, 1989). O trabalho de Dweck et al. (Dweck e Elliot, 1979) sobre crianas com uma orientao superior para a aprendizagem veio mostrar a importncia destas tendncias para o sucesso educativo posterior. Este trabalho reala tambm a importncia de criar oportunidades para que se possam auto e scio regular no mbito das situaes de aprendizagem. 3.2. A escala de envolvimento de Laevers A escala de envolvimento da criana um instrumento de observao que visa medir o nvel de envolvimento das crianas em actividades e projectos. Baseia-se na noo de que, quando as crianas esto a aprender a um nvel profundo exibem certas caractersticas que se resumem no conceito de envolvimento (Leavers, 1993). Este conceito est ligado directamente ao impulso exploratrio das crianas e abrange tambm o nvel de concentrao e motivao da criana. Laevers afirma que o nvel de envolvimento evidenciado por uma criana um indicador-chave da qualidade e eficcia dessa experincia de aprendizagem. O envolvimento pode ser visto como estando ligado a noes de correspondncia entre a capacidade e o desafio colocado por uma actividade. O envolvimento reflecte tambm a finalidade, relevncia e interesse que essa actividade tem para a criana. Os nveis de envolvimento so deduzidos da presena ou ausncia de uma srie de sinais de envolvimento (Laevers, 1994b) que incluem: concentrao; energia; complexidade e criatividade; expresso facial e postura; persistncia; preciso; tempo de reaco; linguagem; satisfao.

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O envolvimento das crianas pode, como tal, ser aferido numa escala de 1 a 5; o nvel 1, quando uma criana evidencia um envolvimento nulo e o nvel 5, quando a criana evidencia um envolvimento intenso6. 3.3. O conceito de empenhamento de Laevers: um olhar sobre as interaces adultocriana A investigao tem demonstrado que os estilos de interaco do adulto esto relacionados com a aprendizagem das crianas (Aspy e Roebuck, 1977; Rogers, 1983). As qualidades atitudinais do educador so importantes para a qualidade do ensino. O Projecto DQP ao conferir, no processo de Avaliao da Qualidade, um papel central Escala de Empenhamento do Adulto toma esta investigao em considerao. A Escala do Empenhamento do Adulto foi desenvolvida para permitir a avaliao da eficcia do processo de ensino-aprendizagem em jardim de infncia atravs da observao dos estilos de interaco adulto-criana. A qualidade da interveno do adulto um factor crtico na qualidade da aprendizagem da criana. A origem desta escala assenta no trabalho de Carl Rogers (1983) que postulou que, os alunos aprendem mais e comportam-se melhor - em presena de nveis elevados de compreenso, de interesse e de autenticidade - do que quando estes atributos se manifestam em baixos nveis. (p.179) Rogers identificou algumas das qualidades que facilitam a aprendizagem: 1. Sinceridade e Autenticidade quando o educador se apresenta tal como , e no como uma fachada. 2. Aceitao, valorizao e confiana quando o educador aceita, valoriza e confia no aluno enquanto pessoa com valor prprio. 3. Compreenso emptica quando o educador compreende as reaces dos alunos colocando-se do seu ponto de vista. Rogers apercebeu-se que nas aulas em que os professores apresentavam estas atitudes facilitadoras, havia mais comunicao por parte dos alunos, mais resoluo de problemas, mais perguntas, maior envolvimento na aprendizagem, mais contacto visual, nveis cognitivos mais elevados e maior criatividade. Estas atitudes facilitadoras foram resumidas no conceito de empenhamento (Bertram, 1995).

6 Trabalhando em conjunto com Laevers, a equipa de Worcester utilizou uma adaptao inglesa deste instrumento (Laevers, 1996) que tem sido usada com sucesso no Projecto.

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O conceito de empenhamento contm este conjunto de caractersticas que descrevem a natureza da relao entre o adulto e a criana. Estas caractersticas influenciam a competncia do adulto para motivar, alargar, promover e envolver a criana no processo de aprendizagem. As aces do adulto podem, por conseguinte, ser categorizadas como apresentando ou no caractersticas de empenhamento. Baseando-se no trabalho de Rogers, Ferre Laevers (1994b) identificou 3 categorias no comportamento do professor que utilizou na Escala de Empenhamento do Adulto. 1. Sensibilidade: a ateno e cuidado que o adulto demonstra ter para com os sentimentos e bem estar emocional da criana. Inclui tambm sinceridade, empatia, capacidade de resposta e afectividade. 2. Estimulao: o modo como o adulto concretiza a sua interveno no processo de aprendizagem e o contedo dessa interveno. 3. Autonomia: o grau de liberdade que o adulto concede criana para experimentar, emitir juzos, escolher actividades e expressar ideias e opinies. Engloba tambm o modo como o adulto lida com os conflitos, as regras e os problemas de comportamento. Laevers desenvolveu uma grelha pormenorizada de observao, na qual se identificam vrios tipos de comportamento, em cada uma destas trs categorias. A observao e o registo destas categorias permitem identificar o estilo de mediao do educador, no processo de aprendizagem (Laevers 1994b). Foi ainda desenvolvida uma escala para ser utilizada nos estabelecimentos que integram crianas com Necessidades Educativas Especiais. Esta analisa o modo como os adultos levam a cabo a sua Interveno de Apoio a crianas com NEE. Algumas destas crianas podero estar a seguir programas de interveno, concebidos por especialistas, durante o tempo que passam no estabelecimento que frequentam. Por outro lado, os educadores que a trabalham, podero eles prprios, ir identificando as reas em que a aprendizagem da criana precisa de mais apoio, e encoraj-la a aprendizagem experiencial. A escala investiga o modo como o adulto gere estas situaes, sem comprometer a autonomia da criana ou faz-la sentir-se diferente das outras. 3.4. A escala de empenhamento de Laevers A escala de empenhamento do adulto (Laevers, 1996; Bertram, 1995) constitui a segunda parte do processo de avaliao da qualidade. Este instrumento tem tambm por base um mtodo desenvolvido pelo Projecto EXE de Laevers, mas modificado por Tony Bertram. Este instrumento de avaliao permite fazer uma avaliao objectiva da qualidade das interaces de um adulto com uma criana. O instrumento assenta na noo de que o estilo de interaces entre o educador e a criana um factor crtico para a eficcia da experincia de aprendizagem. Este projecto identifica

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trs elementos nucleares no estilo de um educador de infncia, o qual vai definir a qualidade dessas interaces. Sensibilidade. Trata-se neste caso da sensibilidade do adulto aos sentimentos e bem-estar da criana e inclui elementos de sinceridade, empatia, capacidade de resposta e afecto. Estimulao. Esta a forma por que o adulto intervm num processo de aprendizagem e o contedo de tais intervenes. Autonomia. Este o grau de liberdade que o adulto d criana para experimentar, fazer juzos de valor, escolher actividades e expressar ideias. Inclui tambm o modo como o adulto gere os conflitos, os regulamentos e as questes comportamentais.

4. A utilizao do Projecto DQP em Portugal4.1. A utilizao do Projecto DQP de 1995-2007 Em Portugal, as primeiras influncias do Projecto EEL/DQP fazem-se sentir atravs da Associao Europeia de Investigao em Educao de Infncia (European Early Childhood Education Research Association - EECERA) que realiza anualmente um congresso num pas europeu. Neste contexto tomei conhecimento do Projecto e compreendi a sua ampla finalidade de avaliao e melhoramento da qualidade na grande diversidade de contextos em que as crianas at aos cinco so educadas no Reino Unido7. As redes de formao, interveno e pesquisa desenvolvidas no mbito da EECERA foram um meio privilegiado para dilogos e experimentaes em Portugal que tinham o EEL/DQP como um ponto de referncia, em dilogo com outras8. As mudanas na poltica educativa portuguesa em relao educao pr-escolar, desde 1996, consolidaram a utilizao do Projecto DQP como um dos meios de repensar a qualidade da proviso educativa. Em Portugal, este referencial tem sido amplamente usado e foi sujeito a progressivas contextualizaes: a primeira pela equipa de investigao da Associao Criana9, a segunda no mbito do ento Departamento de Educao Bsica (DEB) de 1997 a 2001. Posteriormente, a Direco Geral de Inovao e Desenvolvimento Curricular (DGIDC) promoveu a criao de grupos cooperativos de utilizao desta proposta.

7 Como estudiosa e consultora de vrios projectos ingleses para a infncia (Early Excellence Centres, Neighbourhood Nurseries, Sure Start, National Professional Qualification in Integrated Centre Leadership - NPQICL) tive ocasio de acompanhar a utilizao do referencial EEL em vrios contextos ingleses desde ento. 8 9 Em Portugal esta rede teve incio, atravs da EECERA, no ano lectivo de 1995-96. Oliveira-Formosinho, J., e Formosinho, J. (Orgs.) (2001). Associao Criana: Um contexto de formao em contexto. Braga: Livraria Minho.

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4.2. A utilizao do Projecto DQP de 2007-2009 Em 2007, a DGIDC criou um grupo constitudo por uma equipa alargada de formadores investigadores que o est a utilizar em quinze estudos de caso de avaliao e desenvolvimento da qualidade, em diferentes contextos de educao de infncia pblicos, solidrios e privados10. De todo este longo percurso, e beneficiando de um alargado nmero de colaboraes, procedese a uma contextualizao de proposta realidade portuguesa, introduzindo as alteraes que se tornaram necessrias. Esta seco apresenta os quinze estudos de caso realizados neste mbito. Quatro dos estudos de caso em presena desenvolvem-se no cruzamento deste referencial para a avaliao da qualidade o Projecto DQP com pedagogias explcitas, dentro do quadro normativo das OCEPE: pedagogia MEM (Movimento da Escola Moderna), no caso do estudo de Assuno Folque a intitulado Um projecto de construo da participao: a voz das famlias, educadoras, auxiliares e crianas; perspectiva pedaggica da Associao Criana Pedagogia-em-Participao no estua do de caso de Jlia Oliveira-Formosinho, Ana Azevedo e Mnica Mateus-Arajo, intitulado A formao em contexto para a Pedagogia-em-Participao: Um estudo de caso; cruzamento de pedagogias explcitas postas em dilogo de forma coerente, na tradium o praticada durante anos pela Associao Criana (Oliveira-Formosinho e Formosinho, 2001), no mbito do estudo de Clara Craveiro intitulado Desenvolvendo a qualidade em parcerias: Um estudo de caso; estudo de caso de Graciete Monge, intitulado Da intencionalidade concretizao: o no contributo formativo da escala de emp enhamento do adulto, as educadoras encontram-se em aproximao ao Movimento da Escola Moderna (MEM). Um projecto de construo da participao: a voz das famlias, educadoras, auxiliares e crianasAssuno Folque

A interactividade positiva da utilizao conjunta de referenciais que suportam a avaliao (o DQP) e de referenciais que suportam a aco educativa verifica-se a vrios nveis. Nas palavras de Assuno Folque (2009): o processo de implementao do DQP na sua fase de avaliao permitiu por um lado avaliar a qualidade, ou seja a consistncia do modelo pedaggico

10 Os diversos grupos de investigao no mbito do DEB, posteriormente DGIDC, foram coordenados por mim.

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adoptado mas, por outro lado, veio reclamar algumas adaptaes da avaliao no sentido de se tornar congruente com a matriz pedaggica adoptada. Neste estudo, a utilizao conjunta, dialogante e crtica, permitiu identificar reas de reflexo no mbito da congruncia entre o referencial terico e a sua utilizao. Pode dizer-se que este estudo teve a virtualidade de desvelar espaos de re-construo da prtica atravs de processos colaborativos de inovao. O processo revelou tambm, a necessidade de adequar o modo como se recolhem os dados de avaliao ao modelo pedaggico. Estamos em presena daquilo que comum a todos os referenciais pedaggicos de qualidade: a necessidade da sua adaptao situao. Saliente-se que o referencial DQP , ele prprio, conceptualizado como flexvel e contextual. O estudo de caso de Assuno Folque mostra com grande rigor a utilidade de instrumentos que permitem pensar e dizer o conhecimento profissional prtico. Da intencionalidade concretizao: o contributo formativo da escala de empenhamento do adultoGraciete Monge

O mesmo acontece no estudo de caso de Graciete Monge onde o DQP permite, especificamente, avaliar a consistncia das prticas em torno da intencionalidade educativa, utilizando a escala do empenhamento do adulto e, como a prpria autora afirma, proceder a uma abordagem mais analtica da validade educativa no quadro do modelo curricular que se pratica. Neste estudo, no est em causa a adaptao do referencial DQP, mas o seu uso com um olhar muito especfico, procurando contribuir para esclarecer uma questo central de toda a educao e, muito especificamente, da educao de infncia. Para tal, Graciete Monge faz uma contextualizao da instituio onde se desenvolve o processo e conta o percurso da investigao que progressivamente configura a questo da intencionalidade educativa como um foco a prosseguir. Podemos dizer que o estudo compreende que as dimenses da qualidade so interactivas, mas que os processos para conquistar a qualidade exigem focos progressivos para os processos de transformao. A teoria da inovao disponvel sustenta esta premissa (Hargreaves e Fullan, 1992). As profissionais encontram no MEM um referencial para definir objectivos, para a organizao do tempo e do espao, para a promoo da autonomia da criana. Graciete Monge, como formadora em contexto, identifica a necessidade de promover processos de mediao pedaggica em torno da intencionalidade educativa utilizando o referencial DQP, especificamente a escala de empenhamento do adulto.

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A formao em contexto para a Pedagogia-em-Participao: Um estudo de casoJlia Oliveira-Formosinho, Ana Azevedo e Mnica Mateus-Arajo

Ainda neste conjunto de quatro estudos que usam o referencial para avaliao (DQP) em conjugao com referenciais para a aco no quotidiano, temos o estudo intitulado A formao em contexto para a Pedagogia-em-Participao de que sou co-autora com Ana Azevedo e Mnica Mateus-Arajo. Este estudo de caso aproxima-se dos anteriores porque se desenvolve no mbito de uma pedagogia explcita e assumida, mas, no que se refere utilizao do referencial DQP, difere dos anteriores. O referencial DQP aqui usado em dois aspectos em interaco a anlise do envolvimento da criana e do empenhamento do adulto para compreender a identidade dos processos de transformao, o seu ritmo e a interactividade contextual das dimenses pedaggicas em transformao. Quando verdadeiramente situado em contexto metodolgico de investigao-aco, o DQP fornece alguns dos instrumentos que permitem investigar a formao para a transformao e a aco que procura a mudana e a inovao. A contribuio do projecto DQP , nesse contexto, a de fornecer instrumentos para investigar a transformao e o de construir conhecimento sobre os processos e resultados da inovao. Esta uma importante contribuio deste referencial, pois sabe-se que a investigao-aco um meio eficaz para a melhoria que tem impacto nas aprendizagens. A literatura disponvel (Reason e Bradbury, 2001) reclama a necessidade de rigor no estudo destes processos, isto , reclama a necessidade de rigor na investigao-aco. A utilizao de instrumentos de observao e monitorizao credveis, como os que fazem parte do referencial DQP, um caminho que se tem revelado prometedor para o desafio da qualidade na investigao-aco (Oliveira-Formosinho e Formosinho, 2001, 2008; Craveiro, 2007; Lucas, 2006; Azevedo, 2009; Parente, 2004).

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Desenvolvendo a qualidade em parcerias: Um estudo de casoClara Craveiro

Este caminho percorrido, embora de forma um tanto diferente, pelo outro estudo que integra este conjunto de quatro estudos refiro-me ao estudo de Clara Craveiro intitulado Desenvolvendo a qualidade em parcerias: Um estudo de caso. O estudo de Clara Craveiro d continuidade ao estudo da autora para a sua tese de doutoramento (Craveiro, 2007) e tem um foco mais amplo que deriva exactamente da natureza dessa investigao anterior. J sabemos que o Projecto DQP permite uma diversidade de prticas e utilizaes. Neste estudo de caso, estamos em presena de uma outra utilizao um estudo longitudinal de avaliao e transformao da qualidade. Este estudo tornou-se possvel porque criativamente se conciliaram as necessidades de uma instituio de educao de infncia com os percursos acadmicos de supervisoras da formao inicial, num processo colaborativo de benefcio mtuo. Tal acontece em outros estudos de caso, pois estas parcerias respondem quer s necessidades acadmicas quer s necessidades dos contextos de educao de infncia (Gis e Portugal, 2009). Esta colaborao mostra que os processos rigorosos de investigao-aco visam formar para transformar, atravs da investigao da transformao. Este estudo torna visvel que a formao em contexto requer tempo para transformao; a pedagogia da inovao uma pedagogia da lentido que sabe esculpir a mudana passo a passo. Este estudo longitudinal de desenvolvimento profissional das educadoras por referncia s aprendizagens das crianas revela nveis elevados de envolvimento da criana e de empenhamento do adulto, bem como uma ampla abrangncia das aprendizagens das crianas. Olhando para estes quatro estudos de caso em conjunto verifica-se, claramente, a riqueza da utilizao conjunta, no quotidiano pedaggico, de um referencial de avaliao da qualidade (o DQP), e de uma pedagogia explcita (um modelo curricular ou uma perspectiva pedaggica) que se constituem numa gramtica da aco educativa. Os estudos de caso que iremos apresentar seguidamente so realizados em contextos educativos onde no se observa uma opo por pedagogias explcitas, sendo, no entanto, muito variadas as caractersticas das pedagogias implcitas praticadas.

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A interaco do adulto com a(s) criana(s) Uma reviso da literaturaRosa Novo e Cristina Pires

O estudos de caso de Rosa Novo e Cristina Pires intitulado A interaco do adulto com a(s) criana(s) Uma reviso da literatura tambm utiliza o desenvolvimento de graus acadmicos, neste caso a pesquisa para tese de doutoramento, como sustentculo da colaborao entre a instituio do ensino superior e a instituio de educao de infncia. A tese de doutoramento de Rosa Novo (2009) estuda o desenvolvimento das interaces educativas de educadoras estagirias, no mbito da prtica pedaggica final das alunas da licenciatura de educao de infncia, em contextos supervisivos pedagogicamente diferenciados, utilizando a escala do empenhamento do adulto (Laevers, 1994a). O objectivo compreender a aprendizagem profissional do estilo de interaco adulto-criana que empatiza, garante autonomia e estimulao. Neste estudo de caso em colaborao com Cristina Pires o foco a pesquisa das interaces adulto-criana. O estudo apresenta um dilogo entre os estudos empricos que utilizam a escala do empenhamento, quer no mbito da interaco adulto-criana, quer no mbito da sua transformao. Este estudo aponta tambm para a necessidade de apoio externo para estes processos. O reconhecimento desta necessidade afirmado em todos os estudos em presena, sabendo-se que foi amplamente afirmado nos estudos anteriores realizados pela Associao Criana (OliveiraFormosinho e Formosinho, 2001) ou em dilogo com a Associao Criana (Barros, 2003; Craveiro, 2007; Lucas, 2006) e ainda no estudo de Lus (1998). O dilogo que este estudo de caso faz entre as investigaes realizadas com esta escala muito til para a clarificao da natureza dos processos de interaco adulto-criana. O Projecto Desenvolvendo a Qualidade em Parcerias (DQP) como impulsionador de mudana(s) na praxisEsperana Ribeiro

O estudo de caso de Esperana Ribeiro intitulado O Projecto Desenvolvendo a Qualidade em Parcerias (DQP) como impulsionador de mudana(s) na praxis apresenta uma viso global e rigorosa da utilizao do Projecto DQP que muito til para os leitores pois permite uma viso holstica da proposta.

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Esta oscilao dos estudos apresentados entre uma focagem de tendncia especfica e uma focagem mais abrangente revela modos plurais de usar o referencial, fazendo notar que o referencial DQP deve ser usado para responder aos problemas e questes de partida, tendo em considerao os recursos humanos disponveis. Neste estudo, como em muitos outros presentes neste volume, convocam-se sinergias entre a instituio de ensino superior e a instituio de educao de infncia para levar a cabo um processo de procura da qualidade no atendimento educacional s crianas. mais uma vez realado que as parcerias se constituem em fontes de aprendizagem integrada para os actores envolvidos: os docentes do ensino superior aprendem com o mergulho na realidade que os questiona e permite renovar a sua compreenso, os profissionais de terreno aprendem com o mergulho na teoria que permite complexificar a prtica. Promovem-se, assim, espaos de formao onde se exerce a reflexo crtica. Todos saem beneficiados porque a reconstruo de conhecimento profissional prtico em curso representa a aquisio de um conhecimento mais profundo que visa traduzir-se em ganhos para as crianas e famlias, logo para a sociedade em geral. A continuao do processo formativo apresentado neste estudo de caso merece e necessita de ser apoiada, pois os processos transformativos que se adivinham podero trazer informao sobre questes centrais para a profisso de educador de infncia como se garante a agncia da criana? Como se ampliam as aprendizagens na emergncia integrada das literacias? Como se desenvolve o perfil de mediao pedaggica aos nveis da estimulao e autonomia? O rigor dos dados apresentados torna-se, assim, em mais valia para pensar o futuro. Empenhamento do adulto uma estratgia de superviso?Helena Lus e Maria Jos Calheiros

O estudo de Helena Lus e Maria Jos Calheiros (intitulado Empenhamento do adulto uma estratgia de superviso?) centra-se na mesma preocupao do estudo de Rosa Novo e Cristina Pires, em dilogo com um estudo anterior disponvel (Oliveira-Formosinho, 2004), isto , compreender a aprendizagem dos estilos de interaco adulto-criana como competncia profissional essencial. Utilizando o mesmo instrumento de investigao a escala do empenhamento, que analisa os perfis profissionais interactivos os trs estudos percorrem caminhos diferentes. A anlise conjunta dos estudos muito til para compreender a natureza da interaco adulto-criana e os processos de aprendizagem que requer. Os estudos de caso DQP, agora em publicao, comeam, assim, a dar contributos profcuos para o dilogo entre estudos empricos e suas interpretaes. O estudo de caso de Gis e Portugal (2009) tambm faz dilogos entre estudos prvios e o estudo em presena.

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Lus, a primeira autora deste estudo, tinha j em 1998 utilizado a escala do empenhamento para a sua investigao de mestrado. Neste estudo de caso, Helena Lus e Maria Jos Calheiros tm como objectivo central verificar a utilidade da escala de empenhamento para a aprendizagem profissional de estagirias no mbito da interaco, analisada nas dimenses de sensibilidade criana, espao de autonomia no quotidiano pedaggico e estimulao das aprendizagens. Este estudo partiu da anlise do estilo de interaco das estagirias, em dois momentos do seu estgio profissional. Assim em termos procedimentais, foram observadas/filmadas as quatro estagirias com recurso escala de empenhamento do adulto, que se descreveu anteriormente. Estas observaes foram feitas pelas educadoras, treinadas em observao das crianas, das educadoras e dos contextos de educao de infncia e especificamente treinadas na escala do empenhamento durante a rotina diria da vida no jardim-de-infncia. O estudo concluiu que a escala do empenhamento muito til como instrumento de apoio aprendizagem profissional e verificou que a aprendizagem profissional no mbito da interaco lenta e exige apoio. Estes dados confirmam dados de estudos anteriores (Oliveira-Formosinho, 1998; Novo, 2009). O DQP como instrumento de pedagogia responsiva: reflectir, reformular e transformar a prtica profissionalTeresa vasconcelos

O estudo de Teresa Vasconcelos intitulado O DQP como instrumento de pedagogia responsiva: reflectir, reformular e transformar a prtica profissional tem como base os resultados dos Relatrios de Avaliao dos trs Jardins de Infncia envolvidos no Projecto A , B e C -, os respectivos Planos de Aco, e o processo vivido nas sesses presenciais de formao para o DQP, nas visitas de acompanhamento e nos contactos permanentes com as equipas e das equipas entre si. Incluir, igualmente, dados considerados relevantes da aplicao da Escala de Envolvimento (Laevers) pelas alunas do 4 ano da nossa instituio de formao nos seus locais de estgio. Trata-se de um Estudo de Caso Mltiplo (Stake, 2007; 2006), j que o enfoque de cada caso foi diferente, mas o guio de avaliao utilizado foi o mesmo.

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Algo que ressalta deste estudo de caso mltiplo so os nveis de envolvimento elevados e os nveis de empenhamento total. Teresa Vasconcelos comenta o processo de atribuio de nveis que ter inflacionado os resultados; aponta algumas razes para esse facto, como a de as educadoras no terem um nvel de confiana mtuo que lhes permitisse ser mais objectivas umas com as outras. Demos voz s participantes na entrevista de grupo que reconheceram a falta de preparao para aplicao da escala e as dificuldades j enunciadas anteriormente: inflao de dados, dificuldade em avaliar colegas (sobretudo as que se conhecem menos): Tinha medo de ser injusta com as colegas; Tinha que haver maior nmero de observaes para se recolherem dados fidedignos; As educadoras tinham modelos de trabalho diferente e isso podia prejudicar. No momento em que a DGIDC lana um referencial para a avaliao da qualidade, convm relembrar o que Cristina Parente (2004) sublinha constantemente: necessrio formar para observar. Esta formao deve comear na formao inicial de educadoras. O DQP pode constitui-se num contributo importante para este processo formativo, como est demonstrado nestes vrios estudos de caso. Neste livro dispomos de outros estudos, alguns que decorem durante anos, em que o envolvimento da criana e o empenhamento do adulto no so traos mas estados, portanto, dependentes de condies contextuais que exigem muito tempo e apoio para a sua reconstruo. Trabalhar as condies contextuais e as dimenses da pedagogia fundamental para que o estado de envolvimento e o estado de empenhamento cresam gradualmente (Craveiro, 2009; Gis e Portugal, 2009; Monge, 2009; Novo e Pires, 2009; Ribeiro, 2009).

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Effective Early Learning/Desenvolvendo a Qualidade em Parcerias EEL/DQP: Um estudo de casongela Lemos

ngela Lemos com o estudo de caso intitulado Effective Early Learning/Desenvolvendo a Qualidade em Parcerias EEL/DQP: Um estudo de caso traz tambm a questo da mediao pedaggica, isto , do perfil de interaco adulto-criana como fonte central para a promoo da autonomia da criana. A utilizao de referencial avaliativo DQP e os interesses prvios da formadora/investigadora foram definindo a incidncia do estudo. Os dados recolhidos com a Target (criana alvo) por vezes apresentada como Observao das Oportunidades Educativas , em conjugao com outros dados, introduz inquietao nesta equipa DQP. A formadora em contexto desempenha o papel de amigo crtico que colaborativamente reflecte na aco documentada e faz dessa reflexo um espao de aprendizagem e desenvolvimento. Tal processo difcil mas possvel, pois s assim a avaliao da qualidade reverter em ganhos para as educadoras e as crianas. ngela Lemos relata que se desenvolveu um trabalho de anlise interpretativa colaborativa entre a equipa de educadoras participantes no projecto DQP, o elemento de apoio (interno) a directora e o conselheiro externo a Investigadora, descobrindo a paixo por um entendimento dos diferentes significados atribudos por quem observa as mesmas aces situadas. e acrescenta que A implicao da equipa em todo o processo investigativo favoreceu a emergncia de processos de auto e hetero avaliao da interveno das educadoras nos diferentes momentos do quotidiano institucional, analisando criticamente as situaes diferenciadas de aprendizagem em que crianas e adultos se envolvem e desenvolvem. Este processo colaborativo permitiu chegar discusso da questo central do papel do adulto na promoo da autonomia da criana. Perpassa nestes estudos uma grande preocupao com os processos de mediao pedaggica (Oliveira-Formosinho, 2004). A comunidade profissional interroga-se sobre como reconstruir o seu papel no mbito de estimular a aprendizagem num contexto de empatia e consentindo a autonomia. Aprendemos a escutar e responder aos interesses da criana, fazendo-os dialogar, no mbito do acto educativo, com os interesses da sociedade. O imperativo de estimular a criana no pode

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negar o imperativo de a autonomizar; o imperativo de autonomizar a criana no pode negar o imperativo de a estimular. Estamos, assim, perante uma pedagogia da complexidade. O quotidiano da criana na expresso dramtica: Um estudo de casoIsabel Kowalsky

Isabel Kowalsky desenvolve um estudo de caso intitulado O quotidiano da criana na expresso dramtica: Um estudo de caso. o nico estudo que tem como foco especial um dos domnios especficos definidos nas OCEPE (DEB, 1997) o domnio das expresses (motora, dramtica, plstica e musical) inserida na rea da expresso e da comunicao. Com este estudo pretendemos recolher dados que nos possam ajudar a compreender atitudes pedaggicas dos educadores que trabalham nesta instituio, no mbito das linguagens artsticas, mais precisamente da linguagem teatral na educao de infncia. Isabel Kowalsky tem um olhar compreensivo sobre o papel da expresso dramtica e da utilidade do DQP a esse nvel. Diz-nos claramente da sua expectativa de Poder utilizar o referencial DQP, [] como uma oportunidade de poder vir a obter mais dados no s relativos a este especfico campo de investigao (a expresso dramtica) mas tambm quanto possibilidade de enquadramento numa perspectiva de melhoria da qualidade da pedagogia da infncia. A expresso dramtica situada numa compreenso curricular de projecto e no de mosaico (na expresso de Cu Roldo). O relatrio mais amplo deste estudo de caso permite analisar as oportunidades de Expresso Dramtica das crianas, o seu envolvimento nessas actividades e a comparao entre nveis de envolvimento em vrias reas de contedo. Tal como nos relata a autora: O alto nvel de envolvimento que as crianas demonstram ao representar dramaticamente situaes, entre pares, utilizando elementos sonoros e plsticos da linguagem teatral como a palavra, o gesto, os cenrios, guarda roupa e adereos constitui um argumento para que as educadoras no participem nessas actividades.

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Isabel Kowalsky contudo questiona qual deve ser o papel do educador quando diz que entre a criana e o adulto estabelecer-se- uma troca/negociao interdependente, uma cumplicidade que passa pelo envolvimento da criana e pelo empenhamento do adulto. Avaliao da qualidade no mbito do DQP: um contributo para uma pedagogia da diversidade?Sara Barros-Arajo

O estudo de caso de Sara Baros-Arajo intitulado Avaliao da qualidade no mbito do DQP: um contributo para uma pedagogia da diversidade? introduz a questo muito relevante da educao para a diversidade. Actualmente alguns autores vm a defender a ideia de que a pedagogia da infncia necessariamente uma pedagogia da diversidade (Formosinho e Oliveira-Formosinho, 2008). A questo central do estudo a de discernir as potencialidades do referencial DQP no que se refere a uma educao para a diversidade no quotidiano da instituio em estudo. Para a responder a esta questo central, Sara Barros-Arajo, depois de proceder a uma caracterizao da instituio educativa onde se realizou o estudo e do processo formativo DQP, analisa rigorosamente as finalidades e os objectivos da instituio e alguns aspectos do quotidiano pedaggico organizao do espao e do tempo, as interaces, as experincias de aprendizagem, o envolvimento da criana. As concluses permitem afirmar que a utilizao do referencial DQP permitiu sinalizar a existncia de princpios sensveis a uma educao para a diversidade, mas dificuldades na sua operacionalizao no mbito do processo educativo. Apesar destas dificuldades, so de notar esforos da equipa pedaggica em levar prtica as asseres adiantadas no Projecto Educativo, visveis em alguns dados tornados disponveis pelo processo avaliativo. Assumimos que vrias das limitaes identificadas se associam, sobretudo, a factores de natureza estrutural e organizacional, o que evidencia a natureza intrincada das relaes entre desenvolvimento das crianas, desenvolvimento dos adultos e desenvolvimento organizacional, tal como reforado no enquadramento conceptual do programa. A este nvel, gostaramos de salientar que o corolrio democrtico, extensamente defendido no referencial DQP (Pascal, 2003; Pascal e Bertram, 1999; Pascal et. al., 1998), deveria perpassar os vrios nveis de funcionamento da instituio, sendo este robustecimento de pr-

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ticas democrticas dentro da instituio uma condio seminal para um respeito pela diversidade na sua plenitude. O estudo torna evidente que o contributo do referencial DQP para uma educao para a diversidade se situa basicamente em dois nveis: o da sua concepo terica democrtica e o da avaliao das oportunidades de aprendizagem de cada criana, apelando reconstruo dos factores envolvidos no real direito a aprender. Isto giro, para nos vermos ao espelho e pensarmos Um processo de avaliao da qualidade num jardim-de-infnciaSnia Gis e Gabriela Portugal

Gabriela Portugal dispe de uma longa experincia de utilizao das escalas do envolvimento e do empenhamento de Laevers que fazem parte integrante do referencial DQP; desenvolveu a prtica de as utilizar quer no mbito da formao quer no mbito da investigao. O estudo de Snia Gis e Gabriela Portugal (2009), intitulado Isto giro, para nos vermos ao espelho e pensarmos Um processo de avaliao da qualidade num jardim-de-infncia baseado numa tese de mestrado desenvolvida por Snia Gis e supervisionada por Gabriela Portugal. A aproximao s prticas atravs da observao muito recomendada na literatura, mas relativamente rara quer em Portugal quer no estrangeiro. Estamos em presena de uma tese de mestrado que utiliza o referencial DQP, na sua totalidade, para fazer observao de prticas, enveredando por este caminho desejvel. Este estudo de caso permite chamar ateno para a importncia de criar uma cultura de investigao como contributo para o desenvolvimento da cultura profissional; neste aspecto, aproximase doutros estudo de caso (Craveiro, 2007, 2009; Novo, 2009; Novo e Mesquita-Pires, 2009). O percurso de investigao feito no estudo permite pr em dilogo os dados recolhidos com os dados recolhidos em estudos prvios, estabelecendo conexes reflexivas sobre questes to centrais na educao de infncia como a do perfil de mediao da educadora de infncia e a cultura profissional vigente. Convocando o estudo de Portugal, Librio e Santos (2007) este estudo aponta para persistncia de uma cultura educacional onde existe uma grande preocupao com as actividades oferecidas e dirigidas pelo adulto e uma desvalorizao de actividades livres, rotinas, relaes e dilogos, desafios criados ou emergentes na aco e comunicao das crianas, sendo o currculo concebido independentemente das necessidades e interesses das crianas (perspectiva de interveno focalizada na tarefa e na cultura do educador); reflexo crtica, questionamento

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de prticas e trabalho de equipa no suficientemente implementados (tendncia para acomodao e ajustamento cultura institucional); pouco envolvimento na resoluo de problemas (raramente se assiste a inovao ou a atitudes empreendedoras). Um projecto de desenvolvimento da qualidade em cooperao num contexto de jardim-de-Infncia integrado num agrupamento de escolasCristina Pereira

O estudo de caso de Cristina Pereira intitulado Um projecto de desenvolvimento da qualidade em cooperao num contexto de jardim-de-Infncia integrado num agrupamento de escolas comea com uma descrio do contexto e da organizao do estabelecimento educativo em anlise; em seguida, apresenta uma anlise de algumas prticas educativas, identificando os aspectos que podero contribuir para a promoo da qualidade das experincias de aprendizagem. Produz reflexes finais sobre as questes motivadoras deste estudo de caso. Cristina Pereira convoca a opinio de vrios actores da comunidade educativa (os pais, a equipa tcnica) para caracterizar o clima positivo que se vive neste agrupamento. Sabe-se que o clima das instituies muito importante para a qualidade dos servios que elas prestam. Na anlise salienta a Formao Pessoal e Social e o Conhecimento do Mundo como as reas onde as crianas realizam mais experincias; reflecte ainda sobre os factores contextuais que podero ter influenciado estes resultados. No que se refere ao envolvimento da criana nas actividades a anlise das 126 observaes das crianas em contexto permitiu identificar, em geral, bons nveis de envolvimento, quer nas salas de actividade, quer no ptio exterior. Os nveis de envolvimento registados indicaram resultados ligeiramente superiores durante o perodo da manh e, contrariando as expectativas das educadoras, nas crianas do sexo masculino, ainda que de uma forma no muito significativa. Projecto DQP: Um contributo para a reconstruo da avaliao pedaggicaLiliana Marques e Helena Gil

O estudo de Liliana Marques e Helena Gil (2009), Projecto DQP: Um contributo para a reconstruo da avaliao pedaggica, realizado num Agrupamento com dois jardins de infncia, situado na periferia de Lisboa.

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Com este estudo de caso pretende efectuar-se uma abordagem geral da implementao deste referencial de avaliao da qualidade, com base nas Dez Dimenses da Qualidade de Pascal e Bertram, e criar um foco de anlise em torno da questo central das experincias de aprendizagem. O presente captulo descreve o contexto em que foi realizado o estudo, o processo desenvolvido pela equipa e pelas conselheiras externas, a recolha de dados e aplicao dos instrumentos e a sntese dos resultados, abordando cada uma das dimenses da qualidade. Por fim apresentam-se alguns comentrios sobre o desenvolvimento e os resultados deste processo. O estudo de caso foca a questo das experincias de aprendizagem que o contexto em estudo permite s crianas, utilizando a Target (criana alvo) em conjugao com as Orientaes Curriculares (DEB, 1997), que definem as reas curriculares para a educao de infncia. Esta utilizao permite identificar as experincias de aprendizagem mais presentes e as mais ausentes e permite questionar o porqu dessas presenas e ausncias possibilita, por exemplo, perguntar pelo lugar da msica no mbito da educao de infncia. O estudo sublinha a importncia do DQP como um processo que proporcionou oportunidade de estas docentes criarem laos, encontrarem uma identidade e desenvolverem um trabalho comum. Este Projecto foi tambm importante na medida em que estivemos periodicamente em contacto umas com as outras, pudemos conhecer-nos melhor e num contexto diferente das salas de jardim de infncia (Educadora c). A focagem no aprender central no Projecto EEL-DQP e a sua utilizao permite investigar os benefcios para as crianas com as situaes de ensino-aprendizagem que lhes estamos a proporcionar. Quando este estudo de caso faz o dilogo com outros estudos que fizeram essa abordagem (Oliveira-Formosinho e Azevedo, 2001), comea a dispor-se de dados consistentes. Um modo participado de construir conhecimentoLcia Santos

O estudo de caso de Lcia Santos intitulado Um modo participado de construir conhecimento representa um caso nico no contexto destes estudos, pois que a sua autora integra o grupo DQP na qualidade de lder pedaggica no mbito das instituies de educao de infncia da Fundao Bissaya Barreto. A Fundao Bissaya Barreto uma instituio de solidariedade social

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estatutariamente vocacionada para a prestao de servios nas reas de educao, aco social, cultura e formao que mantm em funcionamento oito estabelecimentos de educao e cuidados para crianas dos zero aos seis anos denominados Casas da Criana. Lcia Santos percepciona a sua entrada no projecto como um meio de analisar as boas prticas de educao de infncia em curso, identificar espaos de melhoria e experimentar nesses espaos, e, assim, utilizar o DQP no mbito dos processos correntes de gesto da qualidade da instituio. Faz assim uma utilizao ampla e continuada do referencial DQP como meio de promover a melhoria da pedagogia e encontrar processos organizacionais de desenvolvimento sustentado. Esta ligao entre a utilizao do DQP como apoio ao desenvolvimento profissional e a sua clara insero nos processos de monitorizao organizacional, realizada atravs da liderana pedaggica da autora do estudo, situa este caso no mbito das relaes entre pedagogia e liderana. Uma outra dimenso deste ltimo estudo, que o aproxima dos primeiros quatro, que, pelo seu carcter de continuidade no tempo, ele no se situa somente nos processos avaliativos mas tambm nos processos transformativos. Nas concluses Lcia Santos salienta que o Projecto EEL/DQP constitui um instrumento srio e relevante para a avaliao e desenvolvimento da qualidade em educao, o que inclui, bem estar emocional e aprendizagens significativas para as crianas, desenvolvimento profissional e institucional e satisfao das famlias. O DQP permite a participao de todos, num processo efectivamente colaborativo e de valorizao das necessidades e saberes de cada um. Permite uma verdadeira investigao-aco, eliminando a dicotomia teoria vs prtica, tantas vezes impeditiva de colaboraes efectivas. Exige tempo, organizao, motivao e honestidade, trabalho de equipa e respeito pelo outro. As pessoas tm que sentir confiana umas nas outras, tm que formar uma equipa, para no apenas acreditar nos resultados mas tambm receber o apoio necessrio ao seu prprio desenvolvimento como profissional. O estudo claramente mostra a interconexo entre o desenvolvimento profissional e o desenvolvimento organizacional que s as lideranas pedaggicas transformativas podem promover.

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Reflexes finaisO DQP , na sua essncia, um referencial avaliativo. Os processos transformativos que a anlise reflexiva da realidade motiva so sustentados noutros referenciais, as gramticas pedaggicas. Mas o referencial DQP, mesmo neste mbito, um suporte prvio importante, porque permite rigor quer na avaliao das oportunidades de aprendizagem quer na avaliao da distribuio dessas oportunidades pelas crianas. A sua utilizao permite identificar perfis de ganhos no mbito de processos transformativos. A flexibilidade de utilizao do Projecto DQP permite que se utilize o referencial de forma reflexiva para encontrar respostas preocupao inicial especfica. Este um processo muito diferente daquele que seria uma utilizao total, genrica e abstractizante, dentro de uma pedagogia burocrtica, que se traduziria num mero preenchimento de formulrios.

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Um projecto de construo da participao: a voz das famlias, educadoras, auxiliares e crianas

Autores: Maria Assuno Folque Ana Artur Marques

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Um projecto de construo da participao: a voz das famlias, educadoras, auxiliares e crianasMaria Assuno Folque1 Ana Artur Marques*

Este estudo relata a contextualizao do projecto DQP numa IPSS com valncias de creche, jardim-de-infncia e ATL nos subrbios de uma cidade alentejana. A IPSS, e nomeadamente o Centro Comunitrio, nasce como uma resposta da parquia situao da rea onde est inserida tentando ir ao encontro das dificuldades das famlias em encontrar instituies para os seus filhos em horrio laboral. Fundado em 2002, uma instituio recente dispondo de uma equipa jovem e dinmica, fortemente implicada em promover um contnuo educativo que d o seu contributo aos problemas de aprendizagem, integrao e desenvolvimento global das crianas (Relatrio de Avaliao, Julho de 2008). Sendo um bairro dormitrio, durante o dia frequentado por uma populao predominantemente idosa. A IPSS gerida por uma direco presidida pelo padre da freguesia e fundador da mesma. A gesto das diferentes valncias (Centro Comunitrio; Centro de Dia e Apoio Domicilirio) est a cargo de voluntrios nas reas financeira e administrativa, dos recursos humanos, rea jurdica e assistncia espiritual religiosa e catlica. O Centro Comunitrio dispe de um espao amplo, cheio de luz, que utiliza o branco e o amarelo ocre, cores alentejanas, nas suas fachadas. O edifcio, construdo de raiz, distribui-se por dois pisos implantados num terreno inclinado o que faz com que ambos os pisos tenham acesso directo rua. A entrada e recepo d acesso ao espao do ATL, a gabinetes de gesto e a umas escadas para o piso inferior, onde se encontram a creche, o jardim-de-infncia, as salas de reunies da equipa, cozinha e refeitrio. Este ltimo o espao central em torno do qual se distribuem os outros espaos referidos. Amplo, luminoso, com uma decorao agradvel, um espao confortvel funcionando como centro nevrlgico de encontro ao longo do dia para as crianas e para a equipa. O centro frequentado por 158 crianas, sendo 35 em creche, 50 em jardim-de-infncia e 74 em ATL. O DQP focalizou-se apenas nas valncias creche e jardim-de-infncia, devido ao processo de transformao na organizao da escola do 1 ciclo, e consequente reformulao do ATL. A equipa constituda por uma coordenadora pedaggica com formao em educao de infncia, seis educadoras, treze auxiliares, uma cozinheira, uma ajudante de cozinha, uma copeira, uma despenseira e uma auxiliar de servios gerais, trs administrativas e uma recepcionista. A coordenadora pedaggica assume as suas funes a tempo inteiro, no tendo responsabilidade1 Universidade de vora.

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por uma sala. Este factor revelou-se fundamental para a possibilidade de implementao do DQP na sua totalidade. A organizao dos grupos de crianas privilegia a verticalidade etria: duas salas de jardim-deinfncia com 25 crianas dos 3 aos 5 anos; duas salas de creche com 13 / 14 crianas dos 1 aos 3 anos e um berrio com 8 crianas dos 4 meses aos 12 meses. O centro est aberto durante onze horas dirias, sendo o perodo de entrada para a valncia de creche e jardim de infncia entre as 7.30h e as 10.00h e o de sada entre as 16.30h e as 18.30h. O centro encerra apenas em dias feriados e durante um ms no Vero. O tempo de abertura da instituio repartido pela componente lectiva e a componente de apoio famlia, numa perspectiva integrada de Educare. As crianas so provenientes de famlias de meio scio-econmico diversificado com predominncia do estatuto de classe mdia, de acordo com as profisses dos pais. O processo formativo da investigao: aprender a olhar, ouvir, registar e analisar O projecto DQP entrou no centro no mbito de uma parceria de h vrios anos entre este e a Universidade de vora (UE) na formao de educadoras de Infncia. A prpria equipa de educadoras do centro composta na sua totalidade por ex-alunas da universidade que responderam de forma entusistica e com uma dedicao total ao projecto Desenvolver a Qualidade em Parcerias. A motivao da equipa para o projecto decorreu do seu empenhamento na promoo da qualidade do servio que prestam, mas tambm das caractersticas do prprio DQP: o carcter participativo do projecto, o apoio externo de elementos DQP e o carcter de investigao-aco inerente ao DQP. As educadoras e a coordenadora pedaggica do centro frequentaram a formao organizada pela universidade para as educadoras cooperantes, que decorreu entre Novembro de 2007 e Maio de 2008 num total de onze sesses presenciais, correspondentes a 36 horas, em perodo ps laboral. Nestas sesses a equipa teve oportunidade de se apropriar do referencial, da sua fundamentao terica e tambm de participar em sesses de treino de utilizao das escalas e outros instrumentos de observao, discutindo e reflectindo com as outras educadoras cooperantes da UE. A par da formao, os elementos externos DQP reuniam quinzenalmente com a equipa no centro para planeamento da fase de avaliao, seu desenvolvimento e monitorizao (entre Outubro e Abril). Estas sesses constituram-se como momentos formativos muito ricos onde o DQP foi tendo desde logo uma interveno no contexto a diferentes nveis. O processo de planeamento da avaliao levou a equipa a tomar conscincia das implicaes da metodologia de recolha de dados no tipo de resultados que se viriam a obter. Questes do tipo: Como recolher os dados de observao?; Que perodos utilizar?; Onde nos posicionamos?; Como registamos?, implicaram pensar sobre quais as estratgias utilizadas

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nesse processo e a finalidade das mesmas. Nesta perspectiva, as implicadas comearam a melhor compreender que num processo de investigao as opes no so neutras. Para alm destas, outras questes surgiram sobre os critrios de seleco da amostra de crianas: Como identificar as crianas?; O que uma escolha aleatria e qual a sua importncia?; Que representao (idades; gnero) queremos garantir?; As crianas que observamos agora tero de ser observadas na segunda avaliao? Por ltimo surgiram tambm questes sobre as condies que so dadas aos diversos autores para exprimirem livremente o seu modo de pensar. Quem faz as entrevistas? e Como que ns garantimos que os diversos participantes tenham condies para expressar as suas ideias e pontos de vista? A equipa fez um grande caminho no sentido de compreender que a situao de entrevista poderia colocar o entrevistado numa situao de falta de poder para expressar os seus pontos de vista e por isso teramos que ter muito cuidado no planeamento de quem iria entrevistar determinados participantes. Contou-se com a participao de elementos externos instituio que, em alguns casos estavam numa posio mais capaz de facilitar a livre expresso de ideias. Na mesma linha, combinou-se, aps reflexo em conjunto, que no deveria ser a educadora a entrevistar as crianas e os pais da sua sala. Exemplo: Quando saiu no sorteio uma determinada me para ser entrevistada, a equipa expressou a descrena na sua disponibilidade para o fazer alegando o seu ritmo de vida como impeditivo. Mediante esta atitude, essa entrevista foi assumida por um dos elementos externos que, de facto, levou mais de duas semanas at que se conseguisse concretizar (por vezes a me chegava j ao fechar do centro e sem tempo para a entrevista). Foi tambm decidido em equipa facilitar o acesso s auxiliares para que pudessem preencher a sua ficha no computador (localizado no gabinete das educadoras) para que elas se sentissem participantes activas no projecto e mais livres de escrever directamente as suas ideias. A conscincia de que no basta consultar as pessoas (ex: pais ou profissionais) mas que preciso dar-lhes condies para falarem, para revelarem a sua voz, foi comeando a brotar. As entrevistas s crianas foram um dos instrumentos de recolha de dados mais interessante, que permitiu s educadoras do jardim-de-infncia terem acesso s concepes das crianas sobre as suas prticas. As educadoras, ao prepararem a recolha de dados e depois de terem formao sobre entrevistas e especificamente sobre entrevistas a crianas, foram capazes de em conjunto com os elementos externos desenvolverem um guio mais apropriado ao contexto. Este foi adaptado no sentido de ser mais flexvel (ex: dividir seces da entrevista em dilogos mais curtos) e tambm mais focalizado em aspectos especficos da pedagogia do Movimento da Escola Moderna (MEM) (Niza, 1996), modelo pedaggico adoptado pelas educadoras. Foram elaboradas algumas fotografias dos instrumentos de pilotagem do MEM utilizados em cada sala e dos momentos de

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planeamento em Conselho e no Tempo de Comunicaes. Estas fotografias foram utilizadas para entrevistar as crianas sobre a dimenso planeamento e avaliao. Esta flexibilidade permitida e at defendida na perspectiva do referencial DQP que integra um modelo inclusivo (Moss & Pence, 1994). Assim, o processo de avaliao considerado como realizado com os participantes e no para eles. As observaes foram levadas a cabo por dois observadores, um dos quais filmava com uma cmara de pequenas dimenses a situao e outro que registava na ficha, os elementos observados. Estes dois observadores juntavam-se imediatamente a seguir a cada sesso de observao e aferiam as cotaes dadas. Caso no chegassem a consenso tinham oportunidade de visionar o registo em vdeo para aferir as cotaes. Se mesmo assim persistissem dvidas o caso era levado equipa para discusso e atribuio de nveis. Assim foram-se aferindo concepes, indicadores e aprofundando a objectividade da recolha de dados inerente a qualquer processo de investigao. Aps a realizao de cada observao os dados eram introduzidos em tabelas sntese desenvolvidas pela equipa que permitiam mais tarde ser analisados com maior eficcia e at potencializando os dados recolhidos (ex: analisar as observaes do envolvimento da criana e do empenhamento do adulto face configurao de grupo e reas de contedo). A anlise dos dados e redaco do relatrio feita em conjunto pela equipa de educadoras, coordenadora e elementos externos foi tambm um processo formativo que envolveu a sistematizao de informao, o confronto de diferentes perspectivas e dados (triangulao) e a conscincia do processo de anlise na base de qualquer projecto de cariz investigativo. O tratamento quantitativo dos dados foi feito pela coordenadora pedaggica (a frequentar um mestrado) em colaborao com os elementos externos e com as educadoras. Os dados das entrevistas e os documentos foram analisados com apoio do programa de anlise de dados qualitativos NVivo. Todos os textos (transcries e documentos escritos) foram analisados utilizando as dez dimenses da qualidade do DQP como categorias. Este processo permitiu a triangulao dos dados para cada dimenso e a sua distribuio por pares responsveis por analisar cada dimenso. Possibilitou ainda reflectir sobre fragilidades no modo como determinados dados foram recolhidos, nomeadamente com a anlise das entrevistas. Exemplo: as educadoras, ao analisarem dados das entrevistas feitas por diferentes entrevistadores perceberam que em determinada ocasio o entrevistador facilitava ou no a fala de quem era entrevistado (pais, crianas ou profissionais): aqui pena que no se tenha pedido para explicitar. (educadora em reunio de equipa para anlise de dados). A vivncia do projecto DQP, nomeadamente na fase de avaliao, proporcionou desde logo equipa e aos pais uma tomada de conscincia sobre diversos aspectos da vida institucional e da sua participao nesta comunidade educativa.

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Sntese dos resultados da avaliao O Centro Comunitrio uma instituio que se pauta por procurar continuamente o caminho da qualidade quer atravs do cumprimento das normas legais estabelecidas para seu funcionamento como atravs do trabalho de equipa e de avaliao constante que faz. O nmero de crianas e funcionrios da instituio est de acordo com a legislao em vigor e o horrio do funcionamento contempla a dupla funo de educao e prestao de cuidados educare (Lei n 5/97, de 10 de Fevereiro). No decorrer do projecto DQP verificou-se contudo a necessidade de adequao do horrio das componentes curricular e de apoio famlia, de modo a garantir as 5 horas de tempo lectivo previstas na Lei. Os objectivos expressos nos Projectos Pedaggicos de cada sala de jardim-de-infncia eram sustentados pela legislao em vigor. Por outro lado, os Projectos Pedaggicos da creche revelaram a necessidade de maior reflexo sobre as referncias utilizadas uma vez que se identificaram a coexistncia de modelos pedaggicos diferenciados bem como outros referenciais para a creche. Uma das grandes preocupaes dos tcnicos deste centro era o desejo de efectuar uma real parceria com as famlias. As relaes escola-familia constituem segundo os pontos de vista dos vrios actores (profissionais, famlias) um ponto positivo que marca a cultura deste centro. Contudo, o processo de anlise das entrevistas feitas aos pais conduziu tomada de conscincia que ainda possvel melhorar esse aspecto tornando, por exemplo, mais efectiva a participao dos pais na elaborao dos prximos projectos educativos. As entrevistas realizadas s auxiliares deram a conhecer alguma fragilidade no modo como lhes dado o acesso a uma participao mais efectiva nalguns momentos da vida da instituio. Ao recolher e analisar os dados sobre as propostas curriculares apresentadas nos projectos pedaggicos, percebeu-se que estas assumem uma diversidade e actualidade de fontes, oferecendo actividades tambm elas diversificadas e abrangentes nos diferentes domnios curriculares. Contudo, no caso particular da creche h ainda necessidade de maior clareza na fundamentao das opes tomadas para a aco e uma maior explicitao sobre a rotina diria. Relativamente organizao curricular no jardim-de-infncia e na creche, ambas possuem uma organizao complexa e abrangente na qual esto indicados objectivos e competncias a desenvolver com as crianas, o modo como est pensada a organizao do ambiente educativo assim como as estratgias utilizadas que visam servir a aprendizagem. Globalmente os participantes tinham um discurso comum sobre como se aprende. Na leitura dos nveis de iniciativa observados no berrio e nas salas de jardim de infncia os resultados foram elevados, tendo em considerao que o leque de possibilidades de escolhas das crianas em algumas circunstncias relativamente reduzido. Numa das salas de jardim de infncia verificou-se alguma centralidade da educadora na sua interveno, ou seja, esta era

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entendida pelas crianas como figura de autoridade e reguladora das aces na sala, o que pode comprometer os objectivos do modelo do MEM. Nas duas salas de jardim de infncia foi ainda notado que a organizao dos grupos ao longo do tempo era diversificada englobando situaes de grande grupo, pequeno grupo, trabalho a pares e individual, e que os adultos apresentavam elevados nveis de sensibilidade. Um aspecto a salientar como positivo a opo da instituio na constituio de grupos. A heterogeneidade etria definida para as salas de creche e de jardim de infncia assume-se como uma estratgia de aprendizagem social e cognitiva, assim como garante da diversidade. Olhando para a organizao curricular da creche percebeu-se que, obedecendo a vrias lgicas de organizao e modelos pedaggicos, evidenciavam alguma inconsistncia e incoerncia entre as vrias componentes do currculo e a sua organizao. Ainda na creche, foram observados nveis baixos de iniciativa nas actividades curriculares das salas dos 1-3 anos, assim como nveis mdios de autonomia nos momentos em que foram observadas. A informao sobre o planeamento das actividades desenvolvidas semanalmente nas diferentes salas encontra-se exposta nas paredes entrada, possibilitando aos pais e ao pessoal conhecerem o trabalho que desenvolvido. As crianas so vistas e vem-se elas prprias como participantes activos no planeamento e na avaliao. Contudo numa das salas de jardim de infncia as crianas referiam ainda o adulto como responsvel pelo planeamento e pela avaliao. Este aspecto sugeriu a necessidade de reflectir sobre o sistema de planeamento e avaliao cooperada proposta pelo modelo pedaggico do MEM O espao interior da instituio surgiu como uma dimenso muito positiva, quer ao nvel da organizao e dos materiais nele existente, quer ao nvel da oferta de boas condies de higiene e segurana. A qualidade do espao constitui um factor determinante no processo de escolha da instituio por parte de alguns pais. Apesar duma apreciao geral muito positiva, os pais fizeram algumas sugestes de melhoramento: foi sugerido o arranjo do espao exterior com um toldo que protegesse do sol e a introduo de elementos naturais (rvores, terra) com que as crianas pudessem contactar directamente. Para os pais importante haver uma barra de segurana em frente da porta de entrada e sa